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DIARIO DAS CORTES GERAES, EXTRAORDINARIAS, E CONSTITUINTES DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

SEGUNDO ANNO DA LEGISLATURA.

TOMO SEXTO.

LISBOA, NA IMPRENSA NACIONAL 1822.

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SESSÃO DO 1.º DE MAIO.

Aberta a sessão, sob a presidencia do Sr. Camello Fortes, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
O Sr. Corrêa de Seabra disse que no dia anterior pozera sobre a meza um maço de balanços do cofre da Commissão do ramo de saúde publica desde o 1.º de Agosto até 31 de Dezembro do anno passado para ser distribuido pelos Srs. Deputados, e como não ouvira fazer-se disso menção na acta, por isso agora o requeria: e assim se mandou.
O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios:
1.° Do Ministro da fazenda, remettendo uma consulta do conselho da fazenda de 30 do passado sobre a representação do almoxarife de Coimbra, relativa ao arrendamento do caneiro das lampreias do rio Mondego. Passou á Commissão de fazenda.
2.º Do Ministro da guerra, em que participa que o coronel do regimento de artilheria n.º 3 offereceu, em nome de todas as classes de individuos deste regimento, a beneficio da Nação, a quantia de 15:266:465 réis, importancia do valor das rações de etape, de que aquelle corpo he crédor á fazenda, que foi mandado verificar por Sua Magestade na competente repartição, e louvar, e agradecer tão generoso offerecimento. Ficarão as Cortes inteiradas.
3.° Do mesmo Ministro, remettendo uma memoria, e documento annexo, de António Firmo Felner, ex-contador fiscal dos extinctos hospitaes militares, como supplemento ás observações da relação dos officiaes, e empregados da ex-contadoria dos hospitaes militares. Passou á Commissão competente.
4.º Do mesmo Ministro, remettendo dois officios da junta da provincia da Paraiba do Norte, com a copia do conselho de guerra feito ao cabo de esquadra do batalhão de linha da mesma provincia João Alves Massa, actualmente preso no castello de S. Jorge desta cidade, e mais papeis relativos. Passou á Commissão criminal.
Ouviu-se com agrado uma felicitação ao soberano Congresso, e protestos de reconhecimento, respeito, o obediencia, feita pelo coronel commandantes do 1.º batalhão de infantaria da cidade de Moçambique Joaquim Antonio Ribeiro, chegado ha pouco desta provincia.
Ficarão as Cortes inteiradas de um offerecimento de 150 exemplares do opusculo, que contem a segunda colecção dos documentos, que provão a conducta de Stokler na ilha Terceira, por Thomaz José da Silva, e Maximo José Pereira de Azevedo.
Feita a chamada, acharão-se presentes 114 Deputados, faltando 29, a saber: os Srs. Falcão, Moraes Pimentel, Sepulveda, Barata, Baeta, Almeida e Castro, Innocencio de Miranda, Queiroga, Castello Branco, Pinto de Magalhães, João Vicente da Silva, Corrêa Telles, Faria, Moura, Lino Coutinho, Sousa e Almeida, Castro e Abreu, Luiz Paulino, Manoel Antonio de Carvalho, Pamplona, Castello Branco Manoel, Bandeira, Ribeiro Telles, Vicente António, Aragão.
Passando-se á ordem do dia, entrou em discussão a parte do artigo 43 do projecto sobre as eleições dos Deputados em que se propõe que as eleições serão feitas por pluralidade relativa do voto. A este respeito disse
O Sr. Guerreiro: - Não póde haver representação nacional senão quando os seus membros forem escolhidos pela maioria dos seus representantes: esta não se póde verificar quando for escolhida pela pluralidade relativa. Basta esta raião para se reprovar o artigo; por tanto voto contra elle.
O Sr. Peixoto: - Apoio a opinião do illustre Preopinante. A maioria relativa de uma primeira votação não póde mostrar a expressão da vontade geral dos collegios eleitoraes, e consequentemente a da nação, aquém as Cortes devem representar: essa maioria será mui facilmente o resultado das maquinações, de uma facção, porque os votos solicitados pelos facciosos unem-se em determinados sujeitos, em quanto os dos homens, que somente se dirigem por sua consciência, dividem-se por falta de combinação; por tanto deverá estabelecer-se diversa forma de apuramento de votos.
O Sr. Gyrão: - O que tem dito os illustres Preopinantes seria muito para desejar se se podesse conseguir; mas eu acho este methodo tão difficultoso, que ainda que estivessem cem annos a votar nunca se poderia conseguir, nem verificar; por tanto só approvarei a idéa de maioria absoluta se os illustres Preopinantes demonstrarem qual he o methodo de se poder fazer; pois que por ora a vejo tocar as raias do impossivel, salvo se querem aquella maioria forçada que procede do segundo escrutinio, e que eu reputo uma illusão.
O Sr. Borges Carneiro: - Para se ajuizar com acerto sobre esta matéria e se resolver se em o nosso methodo de eleições directas he possivel exigir-se a pluralidade absoluta dos votos, cumpre termos presente na imaginação todo o processo destas eleições, e o modo como elle forçosamente se ha de espedir para produzir o menos prejuizo aos povos que ser possa.
Estabelecem-se assembleas eleitoraes que não sejão menores de 400 votantes, nem maiores de mil votantes; para o que ou se devide uma freguezia em muitas assembleas, ou se unem muitas freguesias em uma assemblea. Juntos os votantes na sua respectiva assemblea leva cada uma sua lista de numero dobrado dos Deputados que se hão de eleger, por exemplo, se houverem de ser he, levão uma lista de 12, convém saber, 6 para Deputados ordinarios, he para substitutos, no que teve a Commissão em vista a simplicidade, a fim de evitar duas listas e dois apuramentos. As listas offerecidas em cada uma assembleia se reduzem a uma só, a qual contêm os nomes de todos os votados, e o numero de votos que teve cada um, o que tudo se escreve na acta. Isto faz-se simultaneamente nos mesmos dias e horas, em toda a comarca, e desde então ficão feitas as elei-

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ções; todo o mais que se segue dahi em diante não he se não apurar os votos; para o que certos portadores levão a lista de cada assembléa á camara do concelho, e ahi se reduzem a uma só lista, que chamarei lista de concelho; e depois certos portadores levão a lista de cada concelho a cabeça da comarca, e ahi se reduzem todas a uma só lista geral em que se vê quantos votantes houve, quantos votados, e que numero de votos teve cada um, e nesse momento se vê qual foi a vontade; geral daquella comarca, isto he, na hypothese proposta, aquelles seis votados que tiverão mais votos, são os Deputados ordinarios, e os seis seguintes são os substitutos. Tudo aqui he simples e recto. Agora se requeremos a pluralidade absoluta isto he, que ninguem se possa dizer eleito sem obter mais de metade de todos os votos que houverão, temos destruido todo o projecto, e he preciso por tanto que aquelles Srs. que assim opinão tratem ao mesmo tempo de lhe substituir outro que seja melhor, e se encarreguem de o fazer. O methodo que acabo de expor satisfaz, ao que se deseja, que he serem eleitos aquelles que obtiverem mais votos na comarca, porque esses são os que a comarca mais quer. Em verdade quando as listas simultaneas de todos os vogaes de uma comarca, refundidas em uma só lista por duas operações, mostra esta quaes são os votados que obtiverão mais votos, está mostrado quaes sejão os Deputados que quer essa comarca, sem necessidade de recorrer-se á pluralidade absoluta, a qual só tem lugar quando a votação está restricta a decidir uma só proposição, comparada com a sua contraria, ou escolher uma só pessoa d'entre duas.
Nas eleições directas he absolutamente impraticavel exibir a pluralidade absoluta: porque he necessario que todos os votantes, quero dizer, todo o povo vá á cabeça da comarca, e haver lá quem o sustente por muitos dias, durante a grandissima demora, que traz comsigo a maioridade absoluta, pois he necessario ir renovando os votos para a eleição de cada Deputado. No methodo proposto os povos trazem as suas listas á respectiva assembléa eleitoral; entregão-nas, e vai-se embora quem quer, pois muitos não podem ou não querem estar á espera que que se entreguem todas, e se conclua toda a operação. Não vão á cabeça da comarca, pois somente lá vão certos portadores das listas para ali se apurarem todas juntos. Se pois todo o povo votante não está presente no lugar e acto do apuramento, como se ha de exigir a pluralidade absoluta? Como se ha de ella supprir no caso de anuo haver, caso que sempre, ou quasi sempre ha de acontecer? Como supprir-se se os votantes não estão ali presentes, nem será possível que estejão? Por tanto he necessario reflectir bem sobre isto, porque admittida a necessidade da pluralidade fica destruido todo este projecto, e não vejo qual se lhe substitua.
O Sr. Miranda impugnou a opinião do Sr. Borges Carneiro, e a final pediu ao Sr. Presidente que se discutisse a indicação do Sr. Freire, para depois se ver o que se devia decidir sobre esta materia.
O Sr. Brito: - A mim parece-me que não he impossivel fazer as eleições por maioria absoluta: e nós temos o exemplo aqui mesmo nesta Assemblea na maneira porque nomeámos o nosso Presidente: podem-se dividir as provincias em lugar de comarcas, em cantões, ou districtos eleitoraes; e ser cada districto de tantos mil habitantes, quantos correspondem a um Deputado. Desta fórma, se na primeira votação não saiu nenhum com a pluralidade absoluta, logo sé vê quaes for ao os dons indivíduos que tiverão maior numero de votos. No domingo seguinte mandão-se novamente juntar os votantes, e em cinco minutos se faz a segunda eleição entre os dons que na primeira sahirão mais votados: porque desta forma se algum tiver adquirido pluralidade absoluta nu primeira votação, escusa-se a segunda. No caso de adoptar-se o principio da pluralidade relativa eu lembrarei á Assemblea uma modificação, e vem a ser, que na segunda votação se restrinja a liberdade dos rotos comente aos quatro mais votados nu primeira, ou que não se julgue approvado nenhum dos candidatos em quanto se não achar habilitado pela quarta parte dos votos presentes.
O Sr. Freire: - O que acabárão de dizer alguns dos illustres Preopinantes he de uma tal evidencia que eu não sei como se lhes pôde responder; por tanto he preciso vermos quaes são os inconvenientes das eleições secretas que já estão decretadas, e por consequencia quaes são as defficuldades que isto tem, e o conloio que póde haver na maioridade relativa; o atrevo-me a dizer, que todos os que nós queremos excluir são os que hão de vir a ser Deputados, do maneira que o que ha de ser Deputado ha de ser o parocho, o coronel de milicias, e todos os outros, que excluimos. Não viremos a ter um só Deputado que não seja daquella classe que queremos excluir; por isso mesmo que os povos hão de ser reduzidos a votar nestes individos. Isto não admitte discussão porque he de evidencia: por conseguinte não póde ser objecto de grande discussão. He pois preciso ver qual he o modo que se deve seguir para evitar aquillo que nós receamos... He necessário ver que vamos passar ao artigo 45, e que nos havemos de achar na mesma difficuldade; por tanto sou de opinião que isto volte á Commissão por isso que está demonstrado em ultimo evidencia que se não pôde adoptar; ou se approve a minha indicação; ainda que eu não tenho empenho nenhum que se approve por isso mesmo que he minha.
O Sr. Peixoto: - Reconheço que não poderá arbitrar-se outro meio sem alterar todo o systema da eleição proposto neste projecto; e foi por essa razão que reprovando a doutrina do artigo não lhe substitue outra. Devo porém dizer que eu reprovo igualmente o resto do systema. Não quererei que as assembléas eleitoraes saião fóra decada uma dos freguezias: não quererei que a divisão actual das comarcas tenha influencia para o numero do Deputados, que hão de sair em uma eleição; o não quererei que os Deputados se tirem de toda a provincia. Proporei por tanto um arbitrio, que se não for o melhor será a menos preferivel ao do projecto, por não ser tão sujeito a fraude. Reparta-se o territorio da Nação em tantos circulos eleitorais quanto for o numero do Deputados do Congresso, regulando-se a divisão por po-

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pulação: o continente de Portugal (por exemplo) ao qual se suppôe tres milhões de habitantes, havendo de dar cem Deputados, será dividido em circulos eleitoraes de trinta mil alinea cada um. Dentro de cada circulo far-se-ha uma eleição por freguezias e até se dividirão aquelles que tiverem uma população muito numerosa; e ahi juntos os eleitores, votarão por bilhetes de um só nome de sujeito que pertença ao circulo. Apartados os bilhetes petos nomes, e contados em publico, faz-se a lista dos votados com o respectivo numero de votos, da qual se manda immediatamente uma copia autentica para a capital do circulo, aonde não ha mais que fazer do que sommar as listas, e á vista dellas fermar a lista da somma de todo o circulo começando pelos nomes dos sujeitos que tiverão maior numero de votos. Feito isto, tirem-se os primeiros cinco nomes que serão por assim o dizer os dos candidatos, pois ha de caír delles o do Deputado, e o do substituto do circulo: tirem-se depois os vinte cinco immediatos em votos, e se chamem com o menor intervallo possivel á capital do circulo, pará ahi elegerem dos primeiros cinco o Deputado e substituto. Para esta eleição darão votos por fava branes, e fava preta sobre cada um delles, desde, o primeiro até ao ultimo, como aqui se fez para elleição da Commissão encarregado do codigo criminal: e será Deputado aquelle, que reunir maior numero de votos, e substituto o immediato.
Este methodo he mui simples; póde ser uniforme em todas as provincias da Monarquia; evita o suborno de uma facção, porque não he possivel que ella, em um districto de 30$ almas consiga unir cinco sujeitos dos seus com maioria de votos. Sendo feita por freguezias evita a votação no paroco, no prelado, e nas mais autoridades que presidão á freguezia; quanto aos soldados póde igualmente evitar-se votando em separado: e deverá entender-se que dos 5 mais votados pelo circulo, aquelles que conseguirão maior numero de votos dos vinte cinco que mais merecem a confiança do mesmo circulo, serão provavelmente os mais dignos; e até a brevidade da operação difficulta as maquinações, e o suborno. Não se diga que esta eleição he indirecta; posto que não seja immediata a he directa, porque necessariamente ha de ser Deputado um dos cinco directamente mais votados; sem que o methodo de o escolher faça com que a eleição seja indirecta: visto que os segundos eleitores não tem liberdade de sair daquelle circulo já traçado pela maioria de todos os votos. He necessario algum meio de supprir as imperfeições a que são sujeitas todas as eleições: e ha de buscar-se entre a maioria relativa obtida em um só escrutinio, a qual he de ordinario producção de um partido, e a pluralidade absoluta, a qual será impossivel conseguir-se, conservada a plena liberdade aos eleitores; porque uma vez restringida por alguma maneira a certas pessoas, já o voto he coado, e não mostra uma rigorosa pluralidade, mas
só a relativa entre os propostos. Em consequencia aquelle methodo que for sujeito a menores, inconvenientes será o melhor; o até agora não pude descobir algum que mais correspondesse a esta vista do que o que deixo proposto.
O Sr. Andrade: - Confesso, e he innegavel que pela pluralidade relativa se não obtém verdadeiros representantes de uma Nação; mas isto he o mesmo que succede com a pluralidade absoluta; a unanimidade tão sómente he o contraste da verdadeira representação de uma Nação; um só membro desta Nação que não concorde no mesmo representante, anulla-lhe as pertenções de verdadeiro representante. O maior, ou menor numero dos que nelle votão, he variante que nada influe sobre a condição essencial. Falemos porém claro: o que se tem em vista na escolha dos Deputados he que elles sejão os mais dignos possiveis, os mais probos, e os mais aptos, e como a existencia destas qualidades não póde constar se não pelo juizo dos outros homens, que são interessados no bom desempenho das suas funcções, ao juizo destes homens não influido por considerações estranhas deve a Constituição deixar o sua nomeação. A certeza, só a unanimidade a póde dar; ella porém quasi nunca póde existir; seria mister para isso que os homens todos fossem subjectivamente iguaes, que a sensibilidade fosse gradualmente a mesma, que o mesmo succedesse ao entendimento, e á razão; que igual fosse o numero de idéas adquiridas; iguaes as paixões; e para todos os mesmos, os estorvos que ás vezes nos inhibem de ver a verdade. Ora isto he o que desmente a experiencia. No risco quasi certo de nunca talvez encontrarmos a unanimidade como a poderíamos admittir? Se teimassemos nisto, já mais teríamos representantes; pela obstinação de termos representação verdadeira, nenhuma teríamos; e admittindo o terrivel veto da um só contra todos, desnacionalizariamos todo um povo, e voltariamos ao estudo de pura natureza. Estas considerações moverão a todos os politicos a admittir a pluralidade em vez da impossivel unanimidade, embora os escolhidos por este mothodo sejão somente os representantes provaveis mas não verdadeiros da Nação que os escolhe. Isto porém significa que a maioridade da Nação concorde no mesmo juizo a respeito do eleito. Como se póde obter esta condição? Pela pluralidade relativa nem sempre, porque póde acontecer que o que tem mais votos relativamente, não consiga com tudo mais da ametade dos da Nação inteira. Parece pois á primeira vista que a determinação legal da maioridade absoluta he de necessidade. Mas voltemos ao reverso da medalha. He conseguivel esta maioria absoluta? Não por certo. A simples repetição de votações póde nunca apresentar o desejado resultado; e se a fizer não a livre escolha, mas ao cansaço dever-se-ha talvez a concordia; e então desapparece a possibilidade do merecimento do eleito, condição essencial na solução do problema. Se porém nos segundos escrutinios coarctar-se a escolha sómente aos que obtiverão no primeiro a maioria relativa, então he a lei, e não o juizo individual de cada um, que decide a maioria absoluta não se póde dizer eleito por um homem o que não foi por elle livremente eleito. Daqui se conclue que tanto na pluralidade absoluta por segundos escrutinios, como na simples relativa, se não verifica a verdadeira concorda dos juizos da ametade da Nação ácerca da pessoa do eleito. Se ambos os dois methodos laborão

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no mesmo defeito, e não satisfazem igualmente ao exegido, o methodo dos segundos escrutinios he além disso acompanhado de inconvenientes que não tem lugar na pluralidade relativa. He da primeira monta a contradicção, que por este methodo se estabelece; apregoa-se a liberdade de escolha dos elegiveis, o logo se anula esta mesma liberdade obrigando-se os eleitores a optar entre indivíduos, dos quaes nenhum tinha talvez merecido a sua boa opinião. Esta vacillação da lei destroe nos súbditos o respeito ás instituições, sem o qual cilas não podem subsistir por longo tempo; e gera desconfianças contra o legislador: tem de mais a coarctação da votação nos segundos escrutínios o effeito infalivel de
desmoralisar a Nação, forçando-a a desprezar a vos da sua consciencia, e optar as vezes entre indivíduos que lhe podem parecer igualmente indignos. A consciência he o farol do homem probo; quem uma vez he obrigado a não guiar-se pelo seu santo clarão, com mais facilidade a abandonorá quando se fizer ouvir o estrondoso grito das paixões, e a asssucarada voz do interesse. A lei legitima n'um caso este abandono, e o primeiro passo autorisa os mais. Por outra parte, que de trabalhos não traz com sigo a repetição das votações? He preciso que o povo desampare por dias, e ate por semanas as suas occupações, empregos, e mesteres, para attender ás longas, e fastidiosas eleições. Isto era supportavel nas assembleas de Athenas: e nos comícios romanos onde um povo ocioso vivia de distribuições publicas de grãos e outros comestiveis, e cuidava não ter outro papel a representar , que o de legislador: mas entre os povos modernos cujo systema economico he montado sobre a industria combinada com uma agricultura que exige todo o tempo do obreiro, o tempo que só furta a estas occupações se roubado á sociedade, e produz sua gradual declinação e a mizeria da classe trabalhadora que não tem outro fundo de subsistencia se não o seu trabalho. Por fim as cavalas e subornos, que no primeiro escrutinio achavão o seu antidoto próprio na concorrencia dos muitos rivaes, concorrencia que difficultava o successo, e desanimava e até desesperava o subornador que por isso deixava de applicar os meios precisos, por julgar tudo em pura perda, agora contrahidos ao numero de poucos candidatos, acoroçoados com a esperança do bom exito repetem com mais ardor a pôr em acção todas as suas forças; os candidatos reconhecidos não pouparão esforços ate por amor proprio e vaidade, para supplantarem o rival que se lhes oppõe. Veremos o poder, a autoridade, as adherencias, e as riquezas, tomarem parte nesta lucta immoral e perigosa. Até a belleza se não pejará de popularizar-se com as classes menos polidas, para subornar-lhes a opinião em favor do seu protegido; veremos Devanshires, [...] o voto de um rustico official mecanico. Resumindo pois o meu discurso, direi que como nos segundos escrutinios o mal he o mesmo que no, caso da simples pluralidade relativa, e demais são acompanhados de inconvenientes que não existem nesta, voto pela pluralidade relativa.
O Sr. Miranda respondendo ás razões do Sr. Andrada tornou a insistir na sua primeira opinião de que entrave em discussão a indicação do Sr. Freire.
O Sr. Freire: -...
O Sr. Frunzini: - Eu estou absolutamente convencido que nós não podemos sair deste embaraço, senão entrando em discussão a emenda do Sr, Freire; porque os inconvenientes que resultão da eleição secreta, são taes que algumas vezes poderá aparecer um Deputado que tenha só dez ou doze votos. A indicação do Sr. Freire evita isto; toma um meio termo: todo o individuo que votar em si, ou em seu parente, ou em outra qualquer pessoa das prohibidas, vem a saber-se. Quando se votou a respeito da maneira porque havião de ser feitas as eleições, eu votei pelo escrutinio secreto, e outros muitos Srs. Deputados tambem assim dérão o seu voto, na supppsição de entrar em discussão a indicação do Sr. Freire; porque em havendo a providencia de fazer escrever o nome do individuo, com a declaração se he miliciano ou a que classe pertence, mui facil então he saber se aquelle individuo votou em si mesmo, ou em alguma das pessoas que estão restrictas. Eu peço a V. Exca. queira pôr á discussão esta indicação.
O Sr. Borges Carneiro: - A maior parte dos Srs. que tem falado, se tem apartado da questão, e tem dirigido todos os seus discursos sobre a eleição secreta, e que se se não acautelar está perdida a patria e a liberdade civil. Eu não vejo estas calamidades senão na imaginação dos illustres Preopinantes. Pretende-se admittir á forca a indicação do Sr. Freire, com a qual dizem estão remediados todos os inconvenientes. Porque razão não foi ella admittida á votação? (Foi, disserão algum Srs. Deputados.) Ella não póde já ter lugar, por ser contraria ao vencido. Venceu-se que as eleições fossam perfeitamente secretas: a indicação destroe este segredo e por isso já não póde ter lugar. Havia outra emenda para que as eleições não fossem publicas, mas que a meza da eleição podesse examinar os listas. Era isto um meio segredo, e por isso não póde tambem ter lugar, porque se decidiu que as eleições fossem perfeitamente secretas.
Vou mostrar agora que o projecto não tem tantos inconvenientes como se tem imaginado: reunem-se tantas assembléas eleitoraes, quantas se julguem precisas, ou unindo muitas freguezias em uma só assemblea, ou dividindo uma freguezia em quantas juntas forem necessarias. Depois que os eleitores tem dado os seus votos, vão algumas das pessoas de mais conceito levar á cabeça da comarca, o resultado desta eleição: ali, apresentadas as listas de toda a comarca, sommão-se todos os votos que tem cada pessoa; os que tem a pluralidade são Deputados ordinários, os immediatos em votos são os seus substitutos, ou tenhão muitos votos ou poucos. Oppõe a isto que póde sair um Deputado não tendo mais de um ou dos votos. Esta hypothese nunca ha de acontecer; nem se póde suppôr tamanho desvairamento de votos: mas quero conceder que alguma rarissima vez acontecesse, que mal vinha dahi. E pergunto: os arbitrios com que se combate o projecto remedeião esse inconveniente? Não. Dizem que se abra uma segunda votação, restricta a certos candidatos, por assim lhe chamar. Então, digo eu, muitos, nessa 2.ª vez, vo-

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tarão em pessoas que não approvão, nem desejão. E a que inconvenientes não está sujeito esse methodo? Quinze dias ou mais estarão os eleitores distrahidos de suas occupações, até que se acabe a eleição. Lembremo-nos que nas nossas assembléas, hão de concorrer os artistas, o negociantes, os jornaleiros, etc., o povo todo, e quanto incommodo não terão estas classes, em se andarem reunindo segunda vez, perdendo dias, e para que? Para dar votos em pessoas que elles muitas vezes não quererão, ou ao menos não conhecerão. E que demora nas eleições, se houverem de passar por duas ordens de votação? Que lugar a conluios e subornos, logo que se publicar a lista dos candidatos? Então he que ferverá a influencia, a qual he inherente ás paixões e ao coração dos homens. Para impedir isto he que não ha meio algum. Quanto a ninguém votar em pessoas prohibidas, lembrou o Sr. Bispo de Castello Branco que quando os votantes fossem entregar as suas listas á meza da eleição, pozessem a mão no livro dos Evangelhos, e jurassem que não nomeião algumas das pessoas excluídas pela Constituição. Eu que rejeito a doutrina dos juramentos vagos e geraes, como o de calumnia e outros desta natureza, não quererei desterrar inteiramente do foro externo o uso do juramento sobre certos actos positivos e determinados, pois he elle um forte vinculo que prende a sociedade civil, e que como tal as mesmas religiões falsas sempre o adoptarão: quanto mais em a nossa verdadeira religião. Este vinculo ao menos evitará em grande parte alguns inconvenientes , e por isso parece-me que se deve tomar em conta a moção do Sr. Bispo de Castello Branco. Tudo o mais que se tem dito, nada evita.
O Sr. Girão: - Eu votei pelas eleições publicas, e não he por isso que quero cautelas na secreta que se acha vencida: falo só pelo bem da minha patria. Todos os Senhores que me precederão a falar mostrarão quaes erão os inconvenientes que se podião seguir de um Deputado ser eleito por um pequeno numero de votos, e agora pertende-se remediar isto com um segundo escrutinio. Isto he absolutamente impossivel. Tenho feito um pequeno calculo sobre isto, e achei que gastando-se um minuto por lançar cada lista na urna vem a dar tres mezes, que tanto tempo estavão es eleitores occupados nisto. Por conseguinte um tal meio he absolutamente inexequivel.
O Sr. Guerreiro: - A discussão deste paragrafo tem versado essencialmente sobre a maior ou menor facilidade, ou mesmo possibilidade de se poder obter a pluralidade absoluta, e sobre os inconvenientes que resultão da pluralidade relativa; mas verdadeiramente isto não deve ser objecto da presente discussão; seria assim quando se tivesse discutido este projecto todo em grande, porém como se vai discutindo em detalhe para uma das suas partes; nunca devemos entrar nessa discussão, e mesmo para minorar os inconvenientes do projecto, não se pôde, nem he preciso substituir-lhe outro. Eu já disse aqui, e agora o repito: Cortes he o ajuntamento dos representantes da Nação, e só se podem dizer assim os que forão eleitos pela maioria da vontade desta mesma Nação; ora admittida a pluralidade relativa, he possivel que ha de succeder a maior parte das vezes que os eleições hão de ser feitas pela maioria; todos os que não tem à seu favor senão a menor parte dos votos dos eleitores, vem a ter contra si a maior; parte... Uma assembléa assim composta não se póde chamar assembléa nacional com propriedade; e veremos assim umas Cortes, que até nem obriguem a Nação a cumprir os seus decretos. Eis-aqui pois um argumento quis infelizmente não foi ainda examinado por nenhum dos illustres Preopinantes. Os inconvenientes que podem nascer da pluralidade absoluta, nau suo a meu ver tão grandes como o que acabo de referir. Quando se achar approvada (se assim acontecer) a pluralidade relativa, os Membros da Commissão podem então apresentar o methodo que melhor julgar; porém mostrando-se que ella he contraria á legitimidade da representação nacional, pois que he muito facil subornar um pequeno numero de eleitores, segue-se que a pluralidade relativa não póde ser admittida, e deve este methodo ser desde logo regeitado.
O Sr. Trigoso: - Duas objecções muito fortes se tinhão feito sobre este artigo: eu tinha ha pouco pedido a palavra para responder a essas objecções; com tudo como já se respondeu a uma, dispensar-me-hei disso, e responderei a outra. O argumento he uma vez que não haja pluralidade absoluta nas eleições dos Deputados, não podemos ter certeza de que o resultado das eleições seja a vontade da Nação: não me parece este argumento de muita força; nem exactos os seus princípios, a razão he porque não ha estorvo algum, para que os eleitos obtenhão esta pluralidade absoluta, porque o que fôr eleito com ella prefere sem duvida aquelles que a tenhão relativa, por isso que catei tem menor numero de votos. Recorrendo ao que succede em algumas classes que ha entre nós, entre as quaes não póde reputar-se eleito senão os que tem a pluralidade absoluta, direi que assim mesmo o não são; parece que suo eleitos, mas apenas são approvados pela maior parte. De dois modos se póde obter foto; o primeiro fazendo entrar os dois que tem mais votos em uma urna; e o segundo repetir tantas vezes a votação, quantas forem necessarias. Ambos estes modos são usados entre nós, mas eu estou persuadido que quer n'um, quer no outro, acontece o que se diz. Na forma em que entre nós o fazemos, muitas vezes não voto em favor daquelle em quem queria votar, e fico em consequencia obrigado a declarar-me em favor de quem uma vontade alheia escolheu; de maneira que a eleição que depois resulta, não vem a ser a vontade geral, vem a ser uma vontade essencial, o um consentimento licito da maioria. Pela segunda, forma, estamos no mesmo raso. Como pois a verdadeira vontade, ou a maior não se póde obter; descendo a qualquer dos meios, obtem-se sim um maior numero devotos, porém muitos delles são mais em consentimento, do que outra cousa. Passar a um segundo escrutínio tem os muitos inconvenientes que já se ponderarão. Por consequencia a pezar de tudo, como nunca podemos obter essa vontade geral, não acho outro meio senão o do projecto, porque os mais terão mais inconvenientes, e nos não podem ministrar a expressão da vontade geral.

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O Sr. Serpa: - (Não o ouviu o taquigrafo Costa).
O Sr. Margiochi: - De estar estabelecido e principio de que as eleições sejão ocultas procedem alguns inconvenientes que se desejão agora minorar com uma Segunda eleição. Tudo o que fizermos a este respeito são leis para as assembleas primarias; mas leis com que se não póde impor pena: he preciso por tanto fazer isto de modo que dali não proceda alguma infracção de Constituição, porque cada um poderá dizer que não queria votar apezar da Constituição o mandar. Poderão mesmo as assembléas primarais dizer que querem saber em quem se vota, o que lhe contra a Constituição, e não se lhe deve dar motivo a isto, o que talvez succederia com o fazer que além da eleição ser occulta, se decidisse nella por maioria relativa. He um principio que nós todos sabemos, de que a vontade geral não de póde exprimir senão pela infalibilidade; como isto he impossivel recorre-se á pluralidade absoluta; e seria até uma admiração para a Europa inteira, que da pluralidade relativa podessem resultar Deputados para representantes de uma nação; seria decerto um absurdo. Isto seria dar aso a que uma fação podesse representar a Nação; seria dar occasião a que os inimigos da liberdade entrassem nessa facão; e que para a destruir tivessem os homens livres e amigos da patria de formar uma secunda fação. (Apoiado). He preciso pois que se estabeleça a pluralidade absoluta por amor daquelles homens a quem não importa mais do que o
seu proprio interesse; he preciso por tanto recorrer a urna segunda eleição. Diz-se que isto levará muito tempo, e que os eleitores terão de perder o seu trabalho ale que se acabem as eleições; mas he preciso que o resultado da primeira votação torne ás assembléas primarias, sem o que não póde dizer-se que os Deputados são eleitos pela vontade geral, porque ainda que os eleitores na Segunda votação são forçados a votar em indivíduos determinados, podem com tudo escolher dentre elles o que lhe parecer menos perigoso. Quando isto assim não for, então veremos na representação nacional pessoas bem indignas, e bem pouco amantes, por não dizer inimigas da Constituição.
Declarada a materia sufficientemente discutida, o Sr. Presidente, a requerimento de alguns Srs. Deputados, e por decisão do Congresso, a propor á votarão nominal da maneira seguinte - que aquelles, que approvassem a doutrina do artigo sobre este objecto tal qual estava, dissessem que sim; e os que a não approvassem, ficando salvas as emendas propostas por alguns Srs. Deputados sobre o haverem dois, ou mais escrutinios, dissessem que não. E sendo entregue desta maneira á votação, venceu-se que não por 61 votos contra 40, não havendo maior numero de Srs. Deputados na Sala no acto da votação.
Disserão não os Srs. Freire, teixeira de Magalhães, Povoas, Camello Fortes, Gyrão, Antonio Pereira, Basilio Alberto, Pereira do Carmo, Bispo de Beja, Macedo, Durão, Feijo, Borges de Barros, Sequeira, Agostinho Gomes, Pessanha, Francisco Antonio dos Santos, Assis Barbosa, Barros, João Moniz, Bettencourt, Travassos, Margiochi, xavier Monteiro, Leite Lobo, Soares de Azevedo, Braamcamp, Jeronymo José Carneiro, Caldeira, Mantua, João de Figueiredo, Rodrigues de Brito, Lemos Brandão, Annes de Carvalho, Santos Pinheiro, Guerreiro, Rosa, Ferão, ferreira Borges, Gouvêa Ozorio, Affonso freire, Xavier de Araujo, Feio, Rodrigues de Andrade, Rebello, Martins Bastos, Luiz Monteiro, Alves do Rio, Fernandes Thomaz, Miranda Grangeiro, Martins Couto, Marcos Antonio, Franzini, Salema, Rodrigo Ferreira, Sousa Machado, Rodrigues Sobral, Cabral, Martins Bispo do Pará.
Disserão sim, os Srs. Sarmento, Gomes Ferrão, Quental da Camara, Andrade, Pinheiro de Azevedo, Arcebispo da Bahia, Barrão de Molellos, bernardo Antonio, Bispo de Castelo Branco, Araujo Pimentel, Martins Ramos, Trigoso, Moniz tavares, Van Zeller, Villela, Calheiros, Costa Brandão, Ferreira da Silva, Bekman, Maldonado, Belford, Faria Carvalho, Bastos, Ribeiro Teixeira, Correa de Seabra, Vaz Velho, Isidoro José dos Santos Varella, Borges carneiro, Arriaga, Negrão, Sande e castro, serpa Machado, Vasconsellos, Zefyrino, Vergueiro, Araujo Lima, Bueno, Fertunado Ramos, José Feliciano.
Propoz o Sr. Presidente, se vista esta desição, devia este objecto voltar novamente á Commissão para propor de outra maneira, tendo em vista a decisão acabada de tornar, e as opiniões de alguns Srs. Deputados, e emendas offerecidas na discussão - e venceu-se que sim.
O Sr. Francisco João Moniz apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Senhores. - He tão saudavel para uma Nação livre a boa administração da fazenda publica, que só ella he bem capaz de manter a tranquilidade dos povos. He este a grande columma da sua prosperidade, quando por habeis financeiros, as suas interessantes regras são fielmente observadas. Ao contrario, quando estas desgraçadamente cabem no poder das trevas toda a sorte de maios sobrecarrega a Nação, porque o mais leva deleito particular arrosta a montões de prejuízos tantos, quantos são capazes de produzir os horrores da ignorância.
Vós, Senhores, perfeitamente conheceis que o systema regenerativo foi plantado para libertar a Nação dos males em que ella inconsolavel gemia; e as finanças desta, aggravando-os constantemente por se achar o seu antigo systema em manifesta contradicção com o actual, exigem esforços, aquellas saudáveis reformas que são capazes do ligar pelos vinculos mais doceis, a Nação com as finanças; e conceder a ambas aquelles justos interesses, que a liberdade, e a razão lhe sabem offerecer.
Vossos passos se apressão para breve chegardes ao feliz momento de conseguir esta gloria, que vem a ser o esmalte da grande obra, que tendes começado. Ella he toda digna da vossa particular attenção, e como quer que ou de perto a conheço nas alternativas,

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em que a tenho demonstrado, offereço á vossa consideração as minhas ideias, que tem por objecto combinar o interesse da fazenda com a felicidade dos povos, maxima que foi, e será sempre de mim inseparavel, propondo a extincção das juntas da fazenda no Ultramar, e ilhas adjacentes, almoxarifados, e administrações do Reino por se acharem os seus exercicios implicados com a divisão dos poderes, e oppostos ao novo methodo, estabelecendo em seu lugar Commissões de fazenda em todas as províncias do Reino Unido, desligadas do thesouro de Lisboa, para debaixo do plano que lhes fôr dado, regularem a administração arrecadação, e distribuição da fazenda de cada provincia. O que me occorre he o que nesta occasião vos apresento, cujas regras se dirigem a procurar os meios de conhecer o estado das provincias, e as suas precisões; examinar as maneiras por que se possa melhorar a sua sorte, e haver as rendas com commodidade dos contribuintes: dirigir estas, e applicalas em utilidade da nação cm conformidade dos leis: ter toda a sorte de clareza, regularidade, e simplicidade na sua escrituração, e por modo que no Thesouro de Lisboa se saiba o que se passa sem descrepancia em todas as províncias do Reino Unido, tal qual se estivesse presente.
Para que em negocio de tanta monta se proceda com perfeito conhecimento de causa, peço que a presente indicação, e plano que a acompanha, sejão remettidos ao Ministro da fazenda, para que este convocando o thesoureiro mór, escrivão do thesouro, e contadores geraes do mesmo, diga sobre elle o seu sentir, e que depois passando á Commissão de fazenda, haja esta de formar o seu projecto de decreto, como julgar conveniente, para ser posto em discussão com a urgência que o negocio exige, e seguir-se o que mais ainda resta. - Francisco João Moniz.

Plano para a administração da fazenda nacional das provincias do Reino Unido de Portugal, Brazil, e Algarves, e ilhas adjacentes.

Art. 1 A administração da fazenda nas provincias deve ser confiada a Commissões do fazenda, compostas de um presidente, que igualmente sem inspector de todas as repartições da fazenda da provincia, que tenha circunspecção, conhecimentos, e pratica da administração da fazenda, entendido em calculo mercantil, regra de finanças, e escrituração do partidas dobradas, e singelas. De um secretario com os mesmos dados seu immediato, os quaes serão nomeados por ElRei, e de um procurador da fazenda publica, nomeado pelo povo com a mesma intelligencia, para assistir diariamente ao expediente, e conhecer do facto da regularidade deste, tendo voto com os dois assima na administração, distribuirão, e direcção dos negocios da fazenda, que lhes são commettidos como delegados do thesouro publico de Lisboa, de quem fazem parte.
2 As leis he quem regulão as deliberações da Commissão, e conforme ellas as ordens do Thesouro, porem os casos imprevistos, que precisarem de prontas providencias, e serão omissos nellas serão postos em deliberação, prevalecendo a maioria de votos, e na igualdade decidirá a sorte. Os differentes chefes da administração da fazenda publica, ou quem suas vezes fizer, terão voto nas matérias de sua repartição tal, qual tem os trez acima mencionados, achando-se em distancia que possão comparecer sem detrimento. Aos membros que ficarem vencidos, he livre fazer escrever o seu voto em separado, pedir consulta, exigir certidão, e consultar por si. Na ordem da votação o primeiro he o chefe da repartição subalterna, segundo o secretario, terceiro o procurador da fazenda, e ultimo o presidente da Commissão. Terão sessões diarias, e do que nellas se resolver se lançará no livro das actas, o qual passará immediatamente á contadoria geral para nella se registarem, e se extrair diariamente uma copia para ser remettida ao Thesouro de Lisboa pela Secretaria.
3 O impedimento do Presidente deve ser substituido pelo Secretario, o deste pelo chefe da contadoria geral, e das mais graducções subsequentes della, de modo que quando taes impedimentos se verifiquem recahem nos substitutos a mesma autoridade, e graduação sem differença alguma, o que só tem lugar durante o impedimento por mais de oito dias, ou havendo antes participação da parte do effectivo. Nomear-se-ha pelo povo um substituto ao procurador da fazenda para exercer no seu impedimento.
4 O primeiro dever da Commissão he procurar Instruir-se no conhecimento exacto do estado da provincia, e das suas precisões; de quaes sejão os meios de adiantar o valor das producções territoriais, o commercio, e fabricas em que se estabelece a felicidade dos povos, de qual seja a maneira mais util para perceber as rendas da nação com vantagem da fazenda, e commodidade dos contribuintes; de examinar, e calcular os impostos que gravão os povos, e prejudicão as de mais rendas publicas para proporem a emenda, ou extincção, como melhor convier, dirigindo sabiamente, segundo a disposição das leis, e ordens da Thesouro, o patrimonio da noção.
5 As Commissões são autorisadas a pedir a todas as repartições publicas, civis, militares, ecclesiasticas, marinha, ou quaesquer autoridades, os esclarecimentos de que precisarem para sua illustração, e de todas as estações que lhe são sujeitas, em ordem a conhecerem com a população o estado da provincia. Para este fim, não havendo estatistica, nomearão em cada freguezia as pessoas que julgarem sufficientes pelo seu bom serviço, e patriotismo, para gratuitamente relacionarem por serviço da Nação as propriedades urbanas, e rusticas da respectiva freguezia, dando-lhe um valor estimativo, o mais aproximado á realidade, e com elle os seus rendimentos, em especie, ou dinheiro, seus encargos, terrenos cultivados, e incultos, sitios, e nomes dos proprietarios, gados etc., de maneira que se conheça sem maior custo a circunstancia de cada freguezia, e para de todas se formar na contadoria geral uma relação do estado da província.
6 Dos livros das alfandegas, ou de qualquer outra repartição, mandará extrair um mappa mensal para de todos no fim da anno fazer um geral da impor-

TOMO VI. B

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tacão e exportação, e ballança do commercio, indicando o numero de navios, e de que nações. Do mesma modo mandará extrahir uma relação das fabricas em exercicio, e calculo da fazenda que costumão fabricar; das divolutas dos embarcações portuguezas de differentes lotes proprios dos portos maritimos da província, das embarcações de pesca com o calculo dos 99 de peixe que provavelmente pescarão cada anno; das salinas, e a quantidade de sal que dellas se extrahe: e quaes outros productos de artes, ou manufacturas, officios fabris, indicando o numero de pessoas que se occupão em cada uma das differentes classes, e estabelecimentos referidos.
7 Conhecidos assim os meios que tem os povos da provincia porá se manterem, fica evidente o conhecimento das proporções em que se achão para contribuírem ás rendas da Nação, as quaes sendo de sua natureza destinadas a objectos de utilidade publica depende a sua applicação de um rigoroso exame sobre todas as precisões da provincia, e em estabelecimentos que lhe são saudaveis, e para esse fim lhe indispensavel proceder a um inventario dos edifícios publicos, praças, fortalezas, trens, arsenaes, paioes, munições, petrechos de guerra, quarteis militares, muralhas, pontes, caminhos, estradas, canaes, fontes, arvoredos, rios, barras, etc., e quaesquer outros estabelecimentos publicos, declarando nos que admitirem o seu valor estimativo, e estado em que se achão.
8 Conhecerão igualmente as despeças que tem a pagar de soldos, congruas, ordenados, expediente, e mais objectos do sua competencia; das remessas que devem fazer ao Thesouro de Lisboa para concorrerem ás despezas geraes da Nação: uma que devem designar para as obras de publica utilidade, como são abertura e reparo de camara, estradas, pontes, fontes, arvoredos, rios, e etc., etc., para facilidade do commercio, interior e exterior, progresso das fabricas, agricultura, e commodidade dos povos, e reduzidas taes despezas a orçamento se procurará na receita o meio de as desempenhar, ou de propor alguma medida extraordinaria ao pagamento da differença.
9 Com estes dados fica a Commissão instruida do modo com que devem partir as suas combinanações ao augmento das rendas publicas, marcando estas pela felecidade dos povos, e pela applicação dos mesmos povos, nos differentes [...] em que podem ser uteis a si, e á sociedade e cujas bases firmará o systema do desempenho de seus deveres, e o seu prefeito juizo no progresso das fianças, guiando-as com a exacta observancia das leis, com a boa fé, e credito das suas deliberações, com a facilidade e prontidão de seu expediente, com a vigilancia sobre o bom serviço de todos os empregados seus coadjutores, com a attenção aos benemeritos intelligentes e probos, por aquelles generosos meios de que se fizerem credores.
10 Sendo inegavel que a sabedoria tudo póde, e que no objecto de finanças he ella tanto mais precisa pelo bem que dos seus resultados se segue á Nação, as mesmas finanças elevando ao centuplo o que está decadente, ou parece nada; terá a Commissão um particular cuidado em aproveitar os homens de merecimento para os differentes ramos da administração, arrecadação, e distribuição da fazenda publica, ocupando nos lugares os que delles se fizerem dignos, na certeza de que os braços habeis adiantão tanto os interesses das rendas publicas, quanto atrazo os inábeis, e temendo os males desta desproporção, cuidadadamente se esforçará em empregar os benemeritos nos lugares que não dependerem de confirmação fazia, e propor para estes com maior cuidado os homens digno, para que as nomeações do Governo correspondão a estes uns tão interessantes e essenciaes á boa administração da fazenda, dando o presidente annualmente conta ao Thesouro do bom serviço dos empregados para se fazer justiça ao merecimento.
11 Terá a Commissão a sua secretaria onde existirão as leis, ordens, registos, livros de assentamentos, titulos, documentos, e tudo quanto for relativo ao expediente dos negócios da fazenda, guardando-se a maior regularidade, e ordem na sua organisação para facilitar o expediente. Nella se estabelecerá um livro chamado inventario da provincia, em que methodicamente, e com toda a clareza, se lançarão os esclarecimentos do estado da mesma, como se obtiverem pela maneira já indicada, incluindo-se nelle a relação dos direitos de importação e exportação, e mais contribuições, imposto, rendimentos que constituem receita das rendas publicas, com a data das leis e ordens que os estabelecerão, deixando lugar para nellas se continuarem as alterações que forem occorrendo.
12 Nos livros dos assentamentos de despezas civis, militares, ecclesiasticas, marinha, etc., de ordenados, soldos, penções, tenças, o addições geraes o extraordinarias se farão os respectivos assentamentos, annunciando as leis, decrectos, ordem, ou titulos porque se determinão com a necessaria distincção nas folhas do livro para se ir descrevendo as ordens subsequentes, e constar de futuro, o modo e forma porque existe qualquer despeza da Nação.
13 Pela Secretaria se expedirão as consultas, informes, provimentos de officios, portarias e mais ordens da Commissão, e como o secretario seja o orgão della, assignará todas as ordens que lhe forem pela mesma determinadas, communicando-se officialmente com todas as repartições e autoridades da provincia nos negocios do seu expediente. Comprehende-se neste tudo quanto he relativo á administração da fazenda, o para este fim deve propor á Commissão os contratos que finalizão para se mandarem por erra arrematação com os mais que necessitarem do outras providencias sobre o melhoramento de sua administração.
14 Para o desempenho deste expediente haverá um official da Secretaria, e quando a affluencia de trabalho seja tal que este não possa abranger, pedirá o secretario do contador geral algum ou alguns dos officiaes da contadoria para mutua e reciprocamente coadjuvarem uns aos outros, de maneira e se empreguem nos trabalhos as horas que forem precisas a fim de conservar o expediente em dia, não só para manter a regularidade, como porque a Secreta-

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ria he a luz de todas as repartições da fazenda, e quem deve ministrar sem objecção os esclarecimentos que estas exigirem.
15 Igualmente haverá uma contadotia geral onde methodicamente se fiscalizem, e escriturem as rendas e despezas da fazenda nacional da provincia, e por ella se faça entrar o seu valor no cofre da Thesouraria geral, e se legalisem todas as suas despezas, da qual será seu chefe o contador geral guarda livros della. Este lugar será sempre provido em pessoa que bem saiba, a escrituração mercantil por partidas dobradas e singelas para bem deliniar o seu expediente, tendo um official maior substituto deste com as mesmas qualidades, tres segundos, e tres terceiros. Escriturarios para fizerem o expediente naquellas provincias em que pela affluencia de trabalho se fizerem necessarios.
16 Verificadas as disposições dos poragrafos 4 até 9, que consistem em conhecer o estado da provincia, passarão á contadoria geral para ali se registarem, e fazerem o objecto dos calculos da mesma contadoria, com que deve sempre instruir a Commissão.
17 Com estes principios estabelecerá a contadoria um livro de balanço da provincia, auxiliar do seu borrador, onde lançará os cabedaes da Nação, existentes até o dia em que marcar a epoca da nova escripturação. Nelle se mencionarão os bens nacionaes, com um valor estimativo, e pelas suas differentes classes, dividas activas, dinheiro em caixa, oiro, prata, e tudo o mais que se conhecer pertencente á Nação, assim como tudo quanto esta for devedora.
18 Haverá um borrador, um jornal, um livro mestre, em que principie com toda a extenção a escripturar-se as contas da fazenda nacional, pelo methodo de partidas, onde a fraude dificultosamente se esconde, e venha a acabar em um resumo claro, e perfeito no livro mestre, em que se veja sempre o estado da fazenda, e os bens e males que esta experimenta. Haverão mais um livro de caixa, e os livros auxiliares que forem necessarios aos diferentes ramos das rendas e despezas publicas, nas quaes ae escripturas por uma maneira simples, e clara quanto for sufficiente para conhecer o estado destes ramos.
19 O borrador comprehenderá todas as partidas de entrada e saida da caixa, com as mais addições de contabilidade da fazenda, que diariamente occorrerem, e para este fim, depois das horas do expediente, se passará a lançar nelle toda a escripturação do dia, como ensina a regra, e no fim do mez o que se houver liquidado do balanço da fazenda da provincia para que nada se omitta, e menos venha a cair em atrazo. Este livro, e o de balanço da provincia serão guardados em reserva, por comprehenderem o fundamento de toda a escripturação, e para em caso d'ahi um desastre de incendio, innundação, ou cousa similhante. se lhe poder prontamente acudir, e por elles salvar a escripturação da fazenda: do mesmo borrador mensalmente se extrahirá uma copia para ser remettida ao Thesouro de Lisboa, e por ella cessarão os balanços annuaes, e mensaes, ou de semestres que se costumavão remetter.
20 Os livros auxiliares, em quanto á receita, formão o debito de todos os rendimentos da Nação na respectiva província, não havendo uma só partida, que deixe de ter escripturada: e pelo que respeita á receita, seguir-se-ha a mesma, regularidade, estabelecendo-se um livro geral de despeza, para nelle se abrirem contas ás differentes classes della, e quando estas forem de natureza tal, que respeitem a differentes denominações, se fará a distincta eacripturação em um livro separada, que contenha o numero de titulos, a que respeitar a despeza, e as suas importâncias venhão combinar com a conta geral delias no livro respectivo, assim como similhantemente deve este igualar na sua totalidade a saida da caixa, e aos encontros se os houver.
21 Ficará em regra estabelecido, que todos os Thesoureiros parciaes, recebedores, ou encarregados do pagamento de soldos, ordenados, pensões, expediente, e outras despezas, tenhão um livro de caixa, onde lancem o dinheiro que receberem da Thesouraria geral, e vão nelle dando os suas saidas pelas despezas e pagamentos que fizerem, de modo que essas repartições a toda a hora estejão correntes para darem suas contas, e impreterivelmente no fim do mez as hajão de fechar, realizando pelas caixas o saldo existente. A sua conferencia no principio de cada mez será entre o Thesoureiro recebedor, ou encarregado, e o escrivão de qualquer destes cargos, que o tiver com um escripturario da contadoria geral, á face do livro da caixa, e seus documentos; e extraíndo-se uma relação simples das despezas, assignada pelos conferentes , e notada nas addições, se apresentará na contadoria geral, para nella ser abonada ao thesoureiro recebedor, ou encarregado, com dependência do final ajustamento, onde terá lugar accertar algum engano, que ao depois se venha a conhecer.
8$. As contadorias geraes ficão autorizadas a inspeccionar a escripturação de todos os thesoureiros, recebedores, e encarregados de despezas, e administradores, e recebedores de qualquer receita da Nação, e a dar-lhes as normas que forem necessarias para facilitar o seu expediente, e ganho com a maior clareza ao pronto conhecimento da execução.
23 Os requerimentos que se fizerem sobre pagamentos, se apprezentarão primeiro na contadoria geral, independentes de despacho, e ali serão examinados com os seus documentos, liquidadas as duvidas com as partes, e depois legalizados, para serem entregues na Commissão, e seguir-se o despacho para pagamento com conhecimento de causa. O mesmo se praticara a respeito do recebimento dos thesoureiros, recebedores, ou encarregados de despezas, aquém o contador geral, depois de calcular o dinheiro que deve receber para as saidas a seu cargo, declarará por uma nota essa importancia, que será presente á Commissão, porá esta mandar fazer o pagamento.
24 Pela contadoria geral se expedirão as ordens, avisos, portarias, e contas cor refites para a cobrança dos cabedaes publicos na provincia respectiva, que
forem determinadas pela Commissão; e sendo da maior utilidade previnir os males primeiro que castigalos, será um dos maiores cuidados do contador geral, observar o merecimento não só dos contratos, como dos

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contadores, a quem deve habilitar, para poderem fazer lanço, e antes de se porem em hasta publica, proceder os orçamentos para servir de baze ás arrematações, as quaes convindo se fação sem lesão, não he menos para attender o serem confiadas a pessoas que sobre terem sufficientes bens do raiz, que devem hypothecar, tenhão de mais a mais em giro quantias liquidas, pelas quaes sem detrimento possão satisfazer no devido tempo os seus contratos. Quando porém os males publicos impossibilitarem os devedores de se desempenharem em tempo competente, devera a Commissão previnir-se em propor os meios que achar proprios para remediar tres accidentes, e evitar a queda que delles resulta as rendas publicas no detrimento dos povos... a doutrina não se entendendo com os devedores dolosos, contra elles se deve proceder pelas atras faltas voluntarias na conformidade das leis.
25 No fim de cada anno se dará um balanço geral, cujo trabalho deve preferir a qualquer outro que não seja o indispensavel expediente diario, e como tal balanço obriga no livro mestre á reunião de todas as transacções da fazenda, nelle tem legalmente de apparecer as vantagens, ou prejuízos da administração della. Como o systema proposto das conferencias mensaes em todas as thesourarias, e o escrituração indicada a receito dellas coadjuva muito o referido balanço, se faz indispensavel para maior facilidade delle, que a conferencia do mez de Dezembro comprehenda não só a entrada, e saida da caixa, mas tambem o que ha a pagar pelos thesoureiros parciaes, que constitue divida da Nação para entrar em conta no mesmo balanço.
26 Sendo conforme o regra da escrituração de partidas dobradas que o livro mestre fala por tudo, e com as contas deste devem combinar as dos livros auxiliares, não lendo outro um o balanço mais que demonstrar a situação dos negócios da fazenda; deverá este ser previnido com os additamentos que o hajão de esclarecer. - Não sendo coherente com a razão que figurem como cabedal as dividas perdidas, quando os recursos da cobrança se achão extinctos, passarão taes dividas á conta de lucros, e perdas, para nella expirarem, e não apparecer como cabedal uma somma que por falida realmente o não he, e mesmo para evitar ao expediente o prejuizo de se escriturar em cada anno saldos de taes contas que nunca se haverão. Como porém com o andar dos tempos póde um caso inesperado offerecer meios de pagamento a alguma dessas dividas, haverá um livro auxiliar á conta de lucros, e perdas, onde taes dividas estejão em aberto, não só para constar as que se perderão, como para aproveitar uma inexperada occasião de paga sem estorvo da marcha regular da contabilidade.
27 Haverá uma thesouraria geral, onde se recebão, e distribuão os productos das rendas nacionaes da provincia a cargo de um thesoureiro geral, nomeado entre os officiaes de fazenda, que melhores provas der da sua exactidão, e confiança publica, abolindo-se o systema de terem voto nas decisões dos negocios da fazenda, por ser esta faculdade contraria á natureza do emprego, e de serem chamados para este cargo os negociantes mais abonados nas provincias ultramarinas, e ilhas adjacentes, destrahindo-os do seu commercio, onde tão uteis são aos povos.
Este lugar deverá ficar unicamente encarregado de receber, e pagar, comparado em graduação com o official maior da contadoria.
28 A mesma thesouraria terá um escrivão de fazenda unicamente encarregado do expediente delia, a quem só compete lançar em caixa as partidas entradas debaixo da numeração, e legalidade que estava determinada, e fazer as saídas por despachos da Commissão com a mesma regra, não só em dinheiro, como em ouro, prata jóias, ou titulos que existirem a cargo do thesoureiro, passar os conhecimentos, ou cautellas ás partes, tirar os balancetes, fazer as conferencias da caixa, e os mappas das entradas, e saidas da moeda papel, ou letras das alfandegas, o inventario de ouro, prata, titulos, etc., por uma maneira tão legal, que no momento em que se queira dar um balanço, a thesouraria se não encontre a menor difficuldade em saber quanto nella existe, guardando-se a melhor ordem na sua organisação. E para este fim deve cessar o seu voto nas decisões dos negocios, como todas as mais attribuições que tinhão os escrivães da fazenda, ficando lhe sómente este encargo, e o seu lugar regulado pela graduação de um secundo escriturario da contadoria geral.
29 As tres chaves dos cofres e thesouro, onde devem guardar-se o dinheiro, ouro, prata, e titulos de hypothecas, existirão a primeira em poder do presidente, a segunda do thesoureiro, e a terceira do escrivão.
30 Nenhuma entrada se fará na thesouraria geral, som que venha acompanhada de uma guia da contadoria, na qual se declare o nome de quem paga a divida, e o anno de que procede, e a quantidade com que entra, a qual sendo apresentada ao fiel, receberá elle a sua importancia, lançando-a no seu livro de memórias, e dizendo na guia que recebeu; o thesoureiro a assignará; e immediatamente o escrivão fará carga ao mesmo no livro da caixa, extraindo um conhecimento assignado por elle, e pelo thesoureiro, para se entregar á parte, remettendo a guia com verba de carregada, debaixo de numeração para a contadoria geral, a fim de se fazer nella a necessaria escripturação.
31 Apresentando-se ao thesoureiro os documentos da despeza, legalizados o correntes, e estando nas circunstancias de se pagarem, o escrivão fará a saida na caixa onde a parte assignará, ou seu procurador, e com a verba do escrivão, de que fica feita saida na caixa, e debaixo de que numero, o thesoureiro lhe fará pagamento, remmettendo o documento á contadoria, para nella lhe ser abonado, e pôr-se lhe a competente verba, voltando immediatamente ao thesoureiro para sua resalva no ajustamento de contas.
32 Quando porém no cofre não houverem fundos para satisfazer um documento de despeza, o thesoureiro, e escrivão participarão á Commissão a difficuldade que tem do fazer tal pagamento, para esta deliberar, que abonando-se á parte credora na contadoria geral, se vá remindo em parcellas com guia

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da contadoria até total extincção, para que se apure sempre a divida da fazenda, e a contadoria esteja sciente das occorrencias desta.
33 Não podendo o thesoureiro cobrar no tempo do vencimento algumas letras de despachos da alfandega, ou quaesquer outros de que se lhe haja feito carga na conta a dinheiro, dará immediatamente parte á Commissão, a qual ordenará que de taes letras se faça a saida da caixa, para que esta não demonstre um cabedal circulante que não tem, as quaes sendo relacionadas pelo escrivão, fará dellas a saida competente, passando-as a cargo do mesmo thesoureiro, na qualidade de titulo de divida, e na contadoria geral se abrirá conta ao devedor impontual, procedendo-se na cobrança, e do que resultar das entradas desta se darão conhecimentos em forma. Extinctas as dividas sobre que se fizerão hypothecas, as partes requererão á Commissão a entrega de seus titulos, ou penhores, e declarando o contador geral, que a divida a que estuo sujeitos se acha paga, os mandará a Commissão por seu despacho entregar, de que se fará a competente saida para descarga do thesoureiro, assignando a parte.
34 Em todas as semanas se conferirão os balancetes da caixa da contadoria com a da thesouraria, e no principio de cada mez se verificará o saldo existente com a assistencia dos três clavicularios, e do procurador da fazenda, fazendo-se no balancete o acto de conferencia. No principio do anno se fará o balanço geral, de que trata a lei de 22 de Dezembro de 1761, no qual se praticará o que ella determina, presente a Commissão, e o contador geral.
35 Haverá um porteiro, a cujo cargo esteja a guarda das portas, e de todos os utensilios de laboratorio da Commissão, secretaria, contadoria, e thesouraria, que deverão ser contiguas, o qual observará em tudo a regra até agora seguida, tendo a graduação de segundo escripturario, e sendo-lhe subordinados os continuos e correio que requerer o expediente.
36 Como os attributos da Commissão são meramente administrativos, não póde esta exercer acção alguma judicial, as quaes respeitão aos ministros, a quem as leis a commettem. Nestes termos serão elles a quem a Commissão deve dirigir-se pelo seu secretario, para pôr em praça todos os contratos que se hajão de fazer, de qualquer natureza que ser possão, servindo-lho de base os calculos, e orçamento sobre o valor do que tiver de rematar-se, e as condições que se propozerem. O mesmo se observará nas execuções das dividas da fazenda, seguindo-se neste particular a bom entendida divisão de poderes, que religiosamente se manda observar. - Francisco João Moniz.
Ficou para segunda leitura com a indicação respectiva.
O Sr. Isidoro José dos Santos, por parte da Commissão eclesiastica de reforma, leu o seguinte

PARECER.

A Commissão eclesiastica de reforma examinou com a maior attenção o parecer, que o collegio da santa igreja patriarchal dirigiu ao Governo em observancia da ordem deste Augusto Congresso, que lhe foi participada pela portaria de 23 de Novembro proximo passado. O seu objecto he determinar o numero de Ministros collados, de que ha de interinamente formar-se a corporação daquella igreja, em quanto não for extincta; assim como tambem o numero de officios, e empregos, que nella devem subsistir, ordenados que se hão de conservar, e o orçamento da despeza necessaria para o guisamento da igreja; tudo a fim de que salvando-se o essencial, e ainda a decencia do culto divino, se extinção os officios, e cortem todas as despezas que não parecerem absolutamente necessarias.
Começa o collegio patriarcal justificando a demora que houve em offerecer o plano, que se lhe determinou , e affirma que ella lhe foi invencivel, pela necessidade, ou dependencia absoluta, em que se viu de buscar illustrações, que o conduzissem com acerto em objecto de tanta importancia; o qual era certo modo lhe era entranho; porque o collegio patriarcal nunca teve influxo algum no governo da igreja em sé plena, e sómente o tem no espiritual quando a sé está vaga. Passa depois a tratar das differentes classes de ministros collados, expondo o numero dos que existem em cada uma dellas: mostra que só existem oito principaes, vinte e seis monsenhores, quatorze conegos, dez beneficiados da antiga creação; e que as duas classes de beneficiados que se intitulão da nova creação, e clérigos beneficiados se compõe actualmente cada uma de vinte e oito ministros. Adverte porém, que não se podem contar como prontos, ou effectivos no serviço da igreja todos os ministros, que ficão ennumerados em cada uma das ditas classes, pois que muitos delles se achão inabilitados por molestias, alguns estão dispensados por velhice, ou por outros motivos, que a Sua Magestade parecerão justos, e alguns finalmente não podem servir por estarem ausentes; de maneira que na classe dos monsenhores não servem mais que desoito, na dos conegos sómente oito, nados beneficiados da antiga creação seis, e nas duas dos beneficiados da nova creação, e clerigos beneficiados quarenta e quatro.
Feita a ennumeração dos ministros collados, e deduzidos do numero total, ou impossibilitados, julga o collegio patriarcal, que os existentes em serviço effectivo não são demasiados para o culto divino, segundo os ritos, cerimonias, e regulamentos, que forão dados áquella igreja, os quaes entende o mesmo collegio, que não póde alterar; pois que esta faculdade foi especialmente delegada pela sé apostolica ao patriarca para usar della com o conselho d'ElRei Considera também além disto que os ministros collados possuem os seus beneficios por titulos legitimos, que as leis civis, e canonicas tem criado; e que estas mesmas lhe afianção o direito perpetuo de os conservar, servir, e desfructar; direito inauferivel até á morte do beneficiado, não commettendo elle crime, porque mereça a privação; direito religiosamente observado pelo Sr. D. João V em todas as inovações, que tiverão lugar na creação da patriarcal, e direito em fim que parece não poderia ter especialmente offendido nos ministros collados daquella igreja, sem que al-

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gum, ou alguns artigos das Bases da nossa Constituição politica fossem directa, e notoriamente violados. Fundado nestes principios, conclue o collegio patriarcal a primeira parte da sua consulta; parecendo-lhe, que todos os ministros collados devem continuar a servir os seus beneficios; tanto porque o seu numero não he excessivo, como porque o direito os favorece, e ultimamente porque não resultaria vantagem ou economia alguma de deixarem de servir, visto que o concurso de maior, ou menor numero de ministros que já percebem ordenados, não augmenta a despeza do culto divino.
Em conformidade com a ordem do soberano Congresso, e portaria do Governo trata a segunda parte da consulta dos officios, e empregos, que actualmente existem na santa igreja patriarcal; dos que devem permanecer interinamente, e dos ordenados que se lhes hão de assignar. Apresenta no documento N.º 3 uma relação de todos os empregados com a declaração dos seus respectivos officios, e vencimentos, formada pelo beneficia o inspector, ao qual pertenceu em todos os tempos receber de Sua Magestade as ordens relativas a admissões, regularidade de serviço, extensão, ou modificação das obrigações relativas a cada uma das classes, sem que tocasse ao collegio sobre estes objectos alguma outra prerogativa, que a de prover os lugares de maceiros da capella, custodios da basilica, «guardas dos aposentos. Discorrendo por cada uma das classes observa em primeiro lugar, que o numero dos confessores he de doze, dos quaes só dez estão em exercício, por se acharem dous perpetuamente licenciados como inválidos. Reconhece que he demasiado aquelle numero, e que os seus ordenados de 300$000 réis sujeitos á decima não são pequenos um attenção ao trabalho, que tem: mas considerando, que semelhantes lugares não são conferidos de um modo precário; e que se lhes augmentarão os ordenados por um titulo oneroso, qual foi o de cederem do direito de acesso as igrejas do real padroado; he de parecer, que se conservem os actuaes com os mesmos ordenados, que tem percebido até agora.
Passando ás classes dos capellães, cantores, e muzicos confessa o collegio, que são numerosas, e parecem á primeira vista susceptíveis de grande reducção. Falando particularmente dos muzicos separa os portuguezes dos estrangeiros; e observa quanto a estes, que todos são escriturados quando entrão para o serviço da patriarcal; porém findo o tempo do contrato, se elles querem continuar no mesmo exercio continuão a perceber os mesmos ordenados, em virtude de uma pratica sempre observada, e que actualmente se verifica em quatro muzicos já velhos com quazi quarenta annos de serviço, um dos quaes tem a honra de ser mestre de Suas Altezas. Quanto aos portuguezes adverte, que os ordenados do maior numero são pequenos, porque a muito poucos houve S. Majestade por bem augmentados em premio do bom serviço que tem prestado á igreja por espaço de muitos annos, e em contemplação de sua idade avançada; motivos estes, que o collegio acha muito dignos de moverem igualmente a piedade de soberano Congresso para o continuação de uma graça, da qual os ditos muzicos não poderão gozar por longo tempo.
Estas mesmas considerações applica o collegio patriarcal aos capellães cantores, e Regentes, sobre os quaes recahe o maior trabalho do coro: e notando que o seu numero total diminue consideravelmente quanto ao serviço da igreja, descontando-se os ausentes, e licenciados por motivo de cançaço, e moléstias, he de parecer, que se conservem os actuaes sujeitando-os no pagamento da decima, por deverem concorrer como todos os mais cidadãos para as despezas do Estado. Partindo dos mesmos principies entende finalmente, que uma similhante providencia reclama também a equidade em favor de todos, ou quazi todos os empregados seculares, cujos ordenados muito ténues, ainda pagando-se-lhe exactamente, não chegão para a sua parca sustentação, e das suas familias; sendo bem digno de attenção, que muitos delles as não temo, se não houvesse confiado em um tal, ou qual estabelecimento, que sempre foi reputado vitalicio, não intervindo culpa do empregado.
Canclue por tanto o collegio patriarcal sendo de parecer: 1.º que suspensa a admissão de novos indivíduos, se sujeitem ao pagamento da decima todos aquelles empregados, que a não pagão, exceptuando tão somente os estrangeiros jubilados: 2.º que os officios, e empregos se vão extinguido pelo falecimento, ou promoção dos que actualmente os servem, mingoando-se por este modo a despeita de dia em dia, sem que repentinamente se vejão precipitadas em horrível miséria muitas pessoas, e familias, que até agora tinhão de que viver.
Não tendo o collegio julgado praticaveis as redacções nos ministros, e empregados actuaes, e nos ordenados, que vencem; volta as suas considerações para a folha das despezas, e orçamento da fabrica; e propõe as seguintes reformas, notando primeiro que tudo, a separação que perece dever fazer-se do pagamento das ordinárias, e esmolas, que S. Magestade, o seus augustos predecessores, tem concedido na folha da patriarchal, as quaes montando em cada, anno acima do 14:000$000, avultão não pouco as da igreja.
Propõe em primeiro lugar a economia de 4:600$, que faz de despeza o seminário da muzica, e além disto a do 1:705$000 rs., dando-se somente metade dos ordenados aos mestres de primeiras letras, latim, muzica, reitor, e vice reitor, que ficou sem exercício.
Em segundo lugar a suspensão das propinas pagas aos ministros da igreja por occasião das novenas, as quaes deverão continuar como parte do culto divino, a que elles são obrigados: igualmente as dos capellães cantores por cantarem as antífonas, que os muzicos cantavão antigamente, e as ajudas de custo, e gratificações, que não são determinadas por lei.
Destas providencias, persuado-se o collegio, que deve resultar a economia de 5:780$000 rs.
Em terceiro lugar a suspensão dos trabalhos na casa das obras, despedidos os aprendizes, e officiaes, e conservando-se unicamente o mestre, um official de pedreiro, outro de carpinteiro com os ordenados, que tem actualmente, porem sujeitos á decima. Nisto diz o collegio que se ha de poupar annualmente 1:200$000 rs.

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Calcula a decima dos ordenados, que a não pagão em 5:564$000 rs.
Parece-lhe, que devem cessar as luminarias na igreja patriarchal, na da memoria, seminário da muzica, e congregação cameraria; as quaes importarão no anno passado em noventa e seis arrobas de cera; e semelhantemente as propinas, que por qualquer titulo se pagão pela guarda cera, e sobem annualmente a oitenta arrobas, assim como as matinas de musica, que se cantão de noite na basilica, á excepção das de defuntos, conceição, natal, e semana santa, que se cantão na capella.
Seguem-se mais sete artigos de economias, cuja importância não vem calculada (ainda que parece não ser insignificante) e em ultimo lugar julga o collegio, que evitando-se cuidadosamente toda a despeza, que não for indispensavel para salvar a decência do tempo, e a do guizamento necessário ao culto divino, será sufficiente em cada anno em quanto permanecer a ordem dos officios propria da igreja patriarchal a quantia de 6:000$000 rs., e duzentos e cincoenta arrobas de cera, distribuídas com a devida regularidade pela competente thesouraria; mas não se comprehendendo neste arbítrio a despeza das procissões de Corpus Christi da cidade, e da patriarchal.
Até aqui tem a Commissão exposto o plano do collegio patriarchal, empregando maior cuidado em não faltar a exactidão, e clareza, que em procurar a brevidade; e sem duvida era do seu dever não supprimir alguma das razões, que o collegio produzio em abono do seu voto; pois que sendo ellas muito próprias a fazer diversas impressões, não era justo que a considerarão que devão merecer ficasse dependente unicamente do juizo da Commissão.
Passando agora a examinar os mappas, que se ajuntarão, e não se podendo só por meio delles fixar as idéas sobre todos os objectos, que dizem respeito ao plano, de que se trata, procurou a Commissão outros meios de certificar-se do rendimento total da santa igreja patriarchal, para melhor conhecer a despesa da fabrica; e examinou depois a importância das quantias, que a fazenda publica ha de receber daquelle rendimento em virtude das medidas já empregadas, e bem assim quanto póde ainda receber sem violência pelas reformas, que o collegio tem proposto, e por algumas outras, que for possível accrescentar-lhe.
Por um orçamento, que ha pouco mais ou menos de um anno, offereceu a este soberano Congresso o ex-ministro da fazenda, Francisco Duarte Coelho, não se conhece o rendimento da patriarchal, e só sim a despeza, a qual disse ser de 230:000$ réis: mas em 25 de Dezembro próximo passado apresentou o ex-ministro José Ignacio da Costa outro orçamento, no qual se dá em receita das rendas da patriarchal, e igualmente em despeza a quantia de 220.000$000 réis. Nesta contradicção, ou incerteza a Commissão recorreu a informações, nas quaes se persuade poder confiar seguramente; e por ellas sabe, que aquellas rendas á vista das arrematações, que actualmente estão cm vigor, chegão a 236:000$000 réis, e não mais.
Quanto ás suas applicações, no principio do Janeiro deste anno sommava a folha dos ordenados dos ministros colados 127:954$806 réis, e a dos ministros não colados, officios, e empregos 58:929$200 réis; vindo a importar ambas 186:884$006 réis, os quaes sendo deduzidos do rendimento total ficão restando 49:116$094 réis. Destes se tirão as despezas da fabrica, e as mais accessorias áquelle estabelecimento com outras, que se lhe tem annexado, como esmolas, e ordinárias, ou tenças: mas não póde a Commissão alcançar, se estas costumão absorver inteiramente o resto, ou se ainda sobeja alguma quantia.
Eis-aqui pois a totalidade do rendimento, e as suas applicações: ellas são darás, e manifestas relativamente aos ordenados; confusas porém, e incertas quanto ao mais.
Examinando depois a importancia, que á fazenda deve receber dos ordenados doe ministros colados pela decima, e pela contribuição estabelecida no decreto de 28 de Junho de 1821, vê-se, que ella ha de chegar a 32:374$806 réis, aos quaes detém accrescer do decimas relativas a todos os mais ordenados segundo o plano, e calculo do collegio patriarchal 5:564$000 réis.
As economias propostas pelo collegio, assim na suspensão do seminário da música, e reducção dos ordenados dos seus mestres, reitor, e vice-reitor, como na extincção das propinas, ajudas de custo arbitrarias, e trabalhos habituaes (ou antas fantásticos) na casa das obras achão-se estimadas pelo mesmo collegio em 13:285$000 réis. E ainda que elle não determinou o valor de 176 arrobas de cera, que se consomem em luminárias, e propinas, e além da grande porção que arde em algumas matinas, que se cantão de noite na basílica, e podem cantar-te de dia; facilmente se comprehende, que aquelle abatimento dê despeza não póde valer menos de 3:000$000 réis; Ficão sem determinado valor (posto que deva ter attendivel) as mais economias, que o collegio propõem, como a despeza das seges para o beneficiado Sotto, sacrista, ir avisar em suas casas os ministros, que hão de officiar, a que se faz nas igrejas aonde se dirigem as procissões, da patriarchal, que deverão voltar á mesma igreja; a de varias propinas a certos capellães, maceiros, custódios da basílica, curçores, e outras. Porém á vista do que fica exposto he claro que polis decimas, e contribuições dos ordenados existentes receberá a fazenda publica 37:938$866 réis; e que pelas economias, que propõem o collegio, deverão tobejar para o mesmo destino 16:285$000 réis, sommando ambas as quantias a de 54:253$806 réis.
A Commissão he de parecer, que as economias propostas pelo collegio patriarchal devem executar-se, com declaração porém de que o seminário da musica deve sim conservar-se interinamente fechado, em quanto se lhe não der nova forma, e regulamento, que o ponha em estado de satisfazer ao fim, para que foi instituido; mas não sendo consequência necessária, que ao mesmo tempo se suspenda o beneficio da instrucção publica, deverá o mesmo collegio propor os meios de continuarem os mestres a exercitar os seus respectivos empregos fóra do seminario com o total vencimento dos ordenados que percebem. Igualmen-

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te he justo continuar os ordenados ao reitor, e vice-reitor, em quanto se lhes não conferirem outros empregos, que os indemnisem, ou em quanto por algum justo titulo se lhes não houverem de suspender. Nas listas dos ministros colados, e dos não colados observa a Commissão, que sem injustiça nem dureza se devem desde já suspender os pagamentos dos ordenados de alguns, que estão no Rio de Janeiro; e que outros dos ditos ministros devem ser absolutamente excluidos dos empregos, ou officios, que tem, riscando-se os seus nomes da folha dos ordenados. Estão na primeira classe o primeiro dos monsenhores subdiaconos nomeado na lista N.º 2.°, e o segundo dos monsenhores acolytos; os conegos nomeados em 1.º e 2.º lugar, e os três beneficiados Felix Ferreira do Vale, Manoel Vencesláu de Sousa, e Vicente José da Silva, porque sendo todos os beneficiados da patriarchal sugeitos indistinctamente á lei da residencia, nenhum dos sobreditos a observa, nem o inspector aponta relativamente a elles licença, ou razão Alguma, que mais ou menos desculpe a sua ausencia. Pertencem á segunda classe sete músicos, um organista, um sacrista, um acolyto da capella, e quatro capellães cantores, alguns dos quaes, tendo vindo do Rio de Janeiro, não se apresentarão a servir os seus empregos, e outros ainda lá se achão; devendo em consequencia haver-se por demittidos para não entrarem mais em folha. Também se não concebe como hajão de existir habitualmente um mestre de obras aonde ai não ha, e officiaes de pedreiro e carpinteiro com ordenados fixos. Esta despeza deve, e póde cessar sem cessarem as excepções propostas pelo collegio, e sem a consequencia de se arruinar pessoa, ou familia alguma; pois que não faltão obras em Lisboa, nas quaes assim o mestre, como os officiaos hajão de empregar o seu préstimo, e trabalho. Devem também cessar os ordenados dos musicos estrangeiros, que já tem acabado o tempo, porque forão escripturados; pois tendo elles hoje mesmo a liberdade de não continuarem a servir, também hoje mesmo nada obsta a que se lhe não acceite o serviço que querem prestar.
Não se attreve porém a Commissão a votar pela dimissão de alguns varredores, faquinos, sacristãs, e outros empregados sem embargo de conhecer, que o seu numero he demasiado: ella ignora o estada, a que ficarão reduzidos aquelles homens e suas familias, com a privação dos pequenos ordenados que percebem; e receia precipitados em miséria, e nas suas terriveis consequencias. Tambem não trata dos quatorze contos de reis dos tenças, e ordinárias; porque lhe evidente, que vilas só pertencem ao cofre dos rendimentos da patriarcal por ter S. Magestade designado aquelle, e não outro para o seu pagamento, gostaria para falar da congregação camararia, de que o collegio patriarcal não tratou; mas sobre ella offerecerá a Commissão brevemente um projecto de decreto, que derrogue o de 30 de Maio de 1747, o qual intituindo-a assignou as propinas dos seus deputados, as dos secretários, e mais empregados.
Parece por tanto á Commissão: 1.º Que além da suspensão todas as admissões para a patriarcal, e das reformas que ficão assignadas, se ordene ao collegio, que vá fazendo todas as mais, que as circunstancias forem permittindo. 2.º Que todos os musicos estrangeiros, findo que seja o tempo dos seus contratos, não possão continuar no serviço da patriarcal. 3.º Que se exponha a S. Magestade a necessidade de serem preferidos no provimento de beneficios, e Igrejas do padroado da coroa os clerigos, e beneficiados, que estão no serviço da Santa Igreja patriarcal, não havendo differença de merecimento, ficando todavia em seu perfeito vigor o decreto das Cortes sobre o provimento dos beneficios.
A Commissão não leva mais avante as reducções da grande família da igreja patriarcal, porque ella considera como condições essenciaes em todas as reformas á justiça, a humanidade, e a prudência; de outra maneira as reformas são abusos maiores, que aquelles, que com ellas se pertendem evitar «O maior e mais» distincto merecimento de uma boa administração (diz o grande Bentham, Traité des Sophismes, pag. 389) he proceder lentamente na reforma dos abusos; não sacrificar os interesses actuaes; conservar os individuos na fruição do que tem; preparar por degráos boas instituições, evitar todas as ruinas, e desordens, e desmanchos de condição, e estabelecimento de fortuna Gradualmente, he a expressão da justiça, e da prudencia.»
Paço das Cortes 18 de Abril de 1822. - Rodrigo de Soma Machado; Luiz Antonio Rebello da Silva; João Maria Soares de Castello Branco; João Bento de Medeiros Mantua; Luiz, Bispo de Beja; Ignacio Xavier de Macedo; José Vaz Correa de Seabra; José Vaz Velho; Isidoro José dos Santos.
Terminada a leitura do parecer, disse
O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. Presidente: o collegio patriarcal propoz estas reformas; a Commissão diz que se devem approvar. Julgo pois que não ha inconveniente algum em se approvarem já. Se isto se manda imprimir, Deus sabe quando entrará em discussão. Podem já fazer-se as reformas, que a Commissão julga convenientes: o resto do parecer reserve-se então para discutir-se.
O Sr. Guerreiro: - Eu pão me opponho a que essa parte se approve já: porém o parecer fala de seminario de musica, e mesmo em outros objectos que he preciso examinar para se ver o estado em que estão; porque o estabelecimento do seminário he de interesse publico, e he necessário que no seculo actual nos não leve mais dinheiro uma Nação extrangeira. Por isso o Governo deve esforça-se para conseguir este fim.
Entre tanto não me opponho a que só approve já o que a Commissão diz dever approvar-se.
O Sr. Ferreira Borges: - O que diz a Commissão tendo afazer crescer as rendas do Estado; ora todos os objectos desta natureza devem já discutir-se; quanto ao resto embora se imprima.
Procedendo-se á votação, foi approvado o parecer, excepto naquella parte em que a Commissão propunha que o Reitor e Vice-Reitor devião continuar a receber seus ordenados em quanto se lhes não conferissem outros empregos que os indemnizassem, ou em quanto por algum justo titulo solhes não houvessem de suspender; ficando adiado nesta parte.

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Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia o parecer da Commissão diplomática sobre a evacuação de Monte Video; o projecto addicional dos foraes; e a palavra á Commissão de estatística.
Levantou-se a sessão depois das duas liaras da tarde. - Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario.

Redactor - Galvão

SESSÃO DE 2 DE MAIO.

A Hora determinada disse o Sr. Camello Fortes, Presidente, que se abria a sessão: e lida a acta da sessão precedente pelo Sr. Deputado Secretario Soares de Azevedo, foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta da correspondencia, e expediente seguinte.
De um officio do Ministro dos negócios da fazenda, pedindo resolução sobre o empréstimo de alguns poldros das manadas nacionaes, que havião requerido varios lavradores do Ribatejo, que se mandou remetter á Commissão de agricultura.
De um officio do Ministro dos negócios da marinha, remettendo a parte do registo do porto do dia 1.º do corrente. Ficarão inteiradas.
E de uma representação dos povos de Poiares, e Casconha, apresentando os seus votos de gratidão pelos beneficios, que tem recebido do augusto Congresso, e offerecendo os seus bens, e vidas, em defeza do systema constitucional, que foi ouvida com agrado.
O mesmo Sr. Secretario propoz a duvida, que lhe occorria, se na amnistia concedida a favor dos presos remettidos da Bahia em sessão de 27 do passado se comprehendião tambem os tres presos remettidos do Pará? E se decidiu, que sim.
O Sr. Deputado Secretario Freire fez a chamada, e se achárão faltar os seguintes Srs. Deputados: os Srs. Mendonça Falcão, Moraes Pimentel, Canavarro, Ribeiro da Costa, Sepulveda, Barata, Aguiar Pires, Lyra, Monteiro da Franca, Baeta, Almeida e Castro, Innocencio de Miranda, Vicente da Silva, Corrêa Telles, Faria, Lino Continho, Sousa e Almeida, Moura Coutinho, Luiz Paulino, Carvalho, Pamplona, Ribeiro Telles, Presentes 121.
Ordem do dia. Entrou em discussão o parecer da Commissão diplomatica sobre a evacuação de Monte Video. (Vid. vol. 1.º pag. 1020).
O Sr. Borges Carneiro: - Sr. Presidente: para eu confirmar a minha opinião que produzi na sessão antecedente sobre se dever conservar Monte-Video, não remontarei á antiga posse e direito que Portugal teve de todo o território do Brazil que se estende até o Rio da Prata, nem ás duas fundações da Colonia do Sacramento e Monte-Video que outr'ora eslabeleceu na margem oriental daquelle rio, direito e posse reconhecida nela Hespanha em vários tratados por mais de 60 annos, e que se foi alterado por um só do anno de 1777 que fez recuar os nossos limites se póde esse tratado considerar roto pelas invasões que a mesma Hespanha fez em Portugal nos annos de 1801, e 1807 segundo os principios do direito publico. Não remontarei digo a essa antiguidade, mas referirei sómente a historia dos acontecimentos recentes, e o estado presente daquella província que se póde chamar Cis-Platina, sobre que tenho tomado informações de officiaes militares que ali estiverão e por outras partes do Brazil, nos quaes todos tenho visto que desagrada a opinião de se abandonar Monte-Video.
O faccioso e aventureiro Artigas, havendo-se apoderado daquella província, e da outra contígua de Entre-Rios, começou a fazer dali frequentes incursões em nosso território; infestava a província do Rio Grande do Sul, e ameaçava a de S. Paulo, Para obstar a estas incursões e desviar a anarquia do nosso solo, foi enviada ali a divisão europêa, commandada pelo general Lecor, o qual fez recuar a Artigas de Monte-Video. Os habitantes do paiz que vivião opprimidos por aquelle insurgente, mandárão logo uma deputação da parte do seu cabido em Janeiro de 1817 ao sitio de Pando, tres leguaes ainda de Monte-Video offerecendo-se de boa vontade e contentamento a viver debaixo do nosso Governo, e solicitando a protecção delle. Annuio Sua Magestade a estas solicitacões, e muito solemnemente prometteu á deputação que nunca mais abandonaria aquelles povos, nem lhe recusaria sua protecção. Continuou entre tanto a companha com Artigas nos annos seguintes até o de 1820, anno em que elle teve de retirar-se a Entre Rios, e a abandonar por uma vez a provincia Cis-Platina. E considerando estes povos quanto precisavão da protecção do nosso Governo, que os tinha libertado das calamidades da anarquia, mandárão naquelle anno outra deputação ao Rio do Janeiro, e a ella renovou a corte do Rio de Janeiro o cumprimento das antecedentes promessas, e novamente lhes assegurou que nunca os abandonaria, e para dar um testemunho da estimação que fazia dos membros do cabido, os condecorou com insignias de commendas, e habitos das ordens militares.
A provincia Cis-Platina contém 30$ habitantes espalhados por um terreno extenso e ferlilissimo, analogo a Portugal em temperatura e na producção dos mesmos fructos, com o que muitas famílias portuguezas e hesanholas ali se estabelecêrão com commercio rico, subindo hoje só a praça de Monte-Video a mais de onze mil habitantes. Os nossos officiaes militares, e soldados quasi todos estão ali casados, e satisfeitos, pois os primeiros vencem soldo de campanha, e mais a quarta parte de soldo, e os soldados se dão ao serviço do paiz, e trabalhos em que ganhão regularmente por dia um peso duro, por ser o paiz abundantíssimo assim em pesos duros, como em fructos e gados. Os mesmos sectarios do fugitivo Artigas, como Lavalhegas, e seu immediato, Fructuoso Ribeiro, Ortroguez, etc., solicitárão continuar a ficar ali, e se achão empregados em muitas guarnições dos departamentos da província.
A vista desta breve narração, he facil ver os inconvenientes que resultarião de se abandonar Monte-

Tom. VI. C

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