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Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia o parecer da Commissão diplomática sobre a evacuação de Monte Video; o projecto addicional dos foraes; e a palavra á Commissão de estatística.
Levantou-se a sessão depois das duas liaras da tarde. - Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario.

Redactor - Galvão

SESSÃO DE 2 DE MAIO.

A Hora determinada disse o Sr. Camello Fortes, Presidente, que se abria a sessão: e lida a acta da sessão precedente pelo Sr. Deputado Secretario Soares de Azevedo, foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta da correspondencia, e expediente seguinte.
De um officio do Ministro dos negócios da fazenda, pedindo resolução sobre o emprestimo de alguns poldros das manadas nacionaes, que havião requerido varios lavradores do Ribatejo, que se mandou remetter á Commissão de agricultura.
De um officio do Ministro dos negócios da marinha, remettendo a parte do registo do porto do dia 1.º do corrente. Ficarão inteiradas.
E de uma representação dos povos de Poiares, e Casconha, apresentando os seus votos de gratidão pelos beneficios, que tem recebido do augusto Congresso, e offerecendo os seus bens, e vidas, em defeza do systema constitucional, que foi ouvida com agrado.
O mesmo Sr. Secretario propoz a duvida, que lhe occorria, se na amnistia concedida a favor dos presos remettidos da Bahia em sessão de 27 do passado se comprehendião tambem os tres presos remettidos do Pará? E se decidiu, que sim.
O Sr. Deputado Secretario Freire fez a chamada, e se achárão faltar os seguintes Srs. Deputados: os Srs. Mendonça Falcão, Moraes Pimentel, Canavarro, Ribeiro da Costa, Sepulveda, Barata, Aguiar Pires, Lyra, Monteiro da Franca, Baeta, Almeida e Castro, Innocencio de Miranda, Vicente da Silva, Corrêa Telles, Faria, Lino Continho, Sousa e Almeida, Moura Coutinho, Luiz Paulino, Carvalho, Pamplona, Ribeiro Telles, Presentes 121.
Ordem do dia. Entrou em discussão o parecer da Commissão diplomatica sobre a evacuação de Monte Video. (Vid. vol. 1.º pag. 1020).
O Sr. Borges Carneiro: - Sr. Presidente: para eu confirmar a minha opinião que produzi na sessão antecedente sobre se dever conservar Monte-Video, não remontarei á antiga posse e direito que Portugal teve de todo o território do Brazil que se estende até o Rio da Prata, nem ás duas fundações da Colonia do Sacramento e Monte-Video que outr'ora eslabeleceu na margem oriental daquelle rio, direito e posse reconhecida nela Hespanha em vários tratados por mais de 60 annos, e que se foi alterado por um só do anno de 1777 que fez recuar os nossos limites se póde esse tratado considerar roto pelas invasões que a mesma Hespanha fez em Portugal nos annos de 1801, e 1807 segundo os principios do direito publico. Não remontarei digo a essa antiguidade, mas referirei sómente a historia dos acontecimentos recentes, e o estado presente daquella província que se póde chamar Cis-Platina, sobre que tenho tomado informações de officiaes militares que ali estiverão e por outras partes do Brazil, nos quaes todos tenho visto que desagrada a opinião de se abandonar Monte-Video.
O faccioso e aventureiro Artigas, havendo-se apoderado daquella província, e da outra contígua de Entre-Rios, começou a fazer dali frequentes incursões em nosso território; infestava a província do Rio Grande do Sul, e ameaçava a de S. Paulo, Para obstar a estas incursões e desviar a anarquia do nosso solo, foi enviada ali a divisão europêa, commandada pelo general Lecor, o qual fez recuar a Artigas de Monte-Video. Os habitantes do paiz que vivião opprimidos por aquelle insurgente, mandárão logo uma deputação da parte do seu cabido em Janeiro de 1817 ao sitio de Pando, tres leguaes ainda de Monte-Video offerecendo-se de boa vontade e contentamento a viver debaixo do nosso Governo, e solicitando a protecção delle. Annuio Sua Magestade a estas solicitacões, e muito solemnemente prometteu á deputação que nunca mais abandonaria aquelles povos, nem lhe recusaria sua protecção. Continuou entre tanto a companha com Artigas nos annos seguintes até o de 1820, anno em que elle teve de retirar-se a Entre Rios, e a abandonar por uma vez a provincia Cis-Platina. E considerando estes povos quanto precisavão da protecção do nosso Governo, que os tinha libertado das calamidades da anarquia, mandárão naquelle anno outra deputação ao Rio do Janeiro, e a ella renovou a corte do Rio de Janeiro o cumprimento das antecedentes promessas, e novamente lhes assegurou que nunca os abandonaria, e para dar um testemunho da estimação que fazia dos membros do cabido, os condecorou com insignias de commendas, e habitos das ordens militares.
A provincia Cis-Platina contém 30$ habitantes espalhados por um terreno extenso e ferlilissimo, analogo a Portugal em temperatura e na producção dos mesmos fructos, com o que muitas famílias portuguezas e hesanholas ali se estabelecêrão com commercio rico, subindo hoje só a praça de Monte-Video a mais de onze mil habitantes. Os nossos officiaes militares, e soldados quasi todos estão ali casados, e satisfeitos, pois os primeiros vencem soldo de campanha, e mais a quarta parte de soldo, e os soldados se dão ao serviço do paiz, e trabalhos em que ganhão regularmente por dia um peso duro, por ser o paiz abundantíssimo assim em pesos duros, como em fructos e gados. Os mesmos sectarios do fugitivo Artigas, como Lavalhegas, e seu immediato, Fructuoso Ribeiro, Ortroguez, etc., solicitárão continuar a ficar ali, e se achão empregados em muitas guarnições dos departamentos da provincia.
A vista desta breve narração, he facil ver os inconvenientes que resultarião de se abandonar Monte-

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Video. Primeiro. Perderiamos sem motivo racionavel e sem conhecimento de causa uma província de terreno o mais fertil, e anolago ao de Portugal, a que tínhamos um direito antiquissimo, reconhecido pela Hespanha nos tratados de 1668, para a cedermos, não a nossa amiga a heroica Hespanha, mas aos primeiros, que se levantassem com ella, que seria ao mesmo Fructuoso Ribeiro, Lavalhegas, ou Ortroguez, ao passo que a Hespanha nenhum proveito tem nesse abandono, antes ganha em estar aquelle território em poder dos portuguezes; pois possa ella recobrar a Buenos-Avres, e Entre Rios, que Monte-Video mais seguro está em nossas mãos, que nas dos facciosos, e se ella não recobra as ditas provincias, de que lhe serve, que não abandonemos esta?
Segundo. Abandonando Monte-Video nós descubririamos a extensa fronteira de S. Pedro e S. Paulo e St. Catharina, (Havendo aqui signal de rumor, disse o Orador: Sim, não devemos abandonar os dois Apostolos), e exporiamos estas provincias á renovação das anteriores incursões, que farião os facciosos, logo que se apoderassem de Monte-Video: com o que irritariamos e poriamos em maior desconfiança os moradores daquellas três provincias, em tempo que só devemos curar desconfianças, mitigar pretendidos agravos, e dar-lhes provas de que nosso animo he manter com ellas vinculos de fraternidade o verdadeira união, como entre portuguezes.
Terceiro. Quebrando aquellas promessas solemnemente feitas aos habitantes daquella provincia entregariamos cruelmente os commerciantes portuguezes ali estabelecidos a ser preza da crueldade e da rapina dos facciosos que se senhoreassem do Governo, exporiamos os Commerciantes hespanhoes e suas familias a serem enforcados, que he o que os espera; e geralmente abririamos porta a ser perturbado todo o nosso commercio maritimo por piratas, que acharião certo asilo a suas prezas na inexpugnável bahia de Monte-Video, apta para ser um covil de ladrões; senão he que os inglezes, que tem sempre duas fragatas de guerra naquelle Rio da Prata, não se senhoreassem logo daquella bahia.
Objecta-se a isto a grande despeza que se tem feito com a conservação daquelle posto, para a qual só tom faltado levar as telhas dos telhados a Portugal. He esta uma deplorável verdade, mas attribuamos isso não á exigencia do negocio, porém ao systema de dessipação que nisto tinha o nosso máo Governo, como em tudo o mais. Pois que? Precisa acaso uma guarnição de 4$ homens, e hoje de 3$500 ter um tenente general que além de enormes soldos, vença só em gratificações que estabeleceu para si mesmo 19$ pesos duros? Ter um estado maior enorme, brigadeiros, um deputado do quartel-mestre general, ajudante general, secretario militar, cada um destes com seus deputados como teria o exercito Anglo-Luso sob Lord Wellington? Um vice-almirante commandante de uma esquadra que não ha, vencendo 590 pesos duros por mez? Uma camara de appelações creada pelo dito general dispendendo annualmente mais de 10$ pesos, quando esta jurisdicção era excelentemente exercitada pelo cabido? De sorte que só a guarnição gasta mais
de 200$ cruzados annualmente, sem falar nos ordenados de novos empregos, e gratificações que o general arbitrariamente criou? Quando assim se obra, não attribuamos o mal á natureza do negocio, mas á rapina, e á dessipação; deste modo nada chega: temos a reproducção dos infinitos estabelecimentos militares e civis de Lisboa e Rio de Janeiro que absorvem tudo o que a industria e a agricultura possão produzir. Reduza-se aquella guarnição ao que deve ser, e nada gastara Portugal com Monte-Video, nem em homens nem dinheiro: não em homens, porque póde ser reforçado com destacamentos do Rio Grande e da mesma provincia Cis-Platina; não em dinheiro, porque só no anno de 1819 (tempo de guerra e por tanto de menos commercio) rendeu a alfandega de Monte-Video mais de 700$ cruzados; em 1820 800$ a 900$ e assim em progressivo augmento, sem falar nas outras alfandegas, de sorte que até se póde esperar que dali possa vir dinheiro para Portugal, como dantes ia para Hespanha.
Portanto o meu parecer he, que se recommende ao Governo que reduza aquella guarnição, e os gastos no que seja absolutamente preciso, para a defeza e administração da praça, e que esta por ora se conserve. Quando a houvermos de abandonar não deverá ser agora, que as provincias de S. Pedro, e S. Paulo se achão no convulsivo estado de desconfiança e effervescência. Quanto á Hespanha em quanto ella não estiver senhora das provincias do Rio da Prata, e Entre Rios, conservemos Monte Video que he o melhor para ella mesma. Esta he a minha firme opinião, na qual, torno a dizer, acho conformes a quantos officiaes, e não officiaes, vindos de lá eu tenho tratado.
O Sr. Sarmento: - As razões do illustre Preopinante tem sido até aqui razões tem conveniência, e vejo que elle poz de parte as de justiça. Para se dar a esta matéria a attenção devida, ha mister de se trazer á nossa memoria alguns factos da historia de nossa diplomacia. Já na sessão antecedente alguns dos Srs. Deputados da provincia de S. Paulo tocarão bem esta materia, e hoje me parece conveniente recorrer outra vez á nossa historia diplomatica, para se illustrar as nossas pretenções de limites do Brazil; na breve exposição, que vou fazer, apoiarei a minha opinião, a qual proferirei com a maior franqueza: mas antes de tudo devo fazer uma reflexão. Poucos assumptos ha que tenhamos do tratar neste Congresso, que exijão tanta tranquilizado de espirito como esta questão: acabamos de ver como as razoes de conveniência, ou política, de algum modo deslumbrarão o illustre Preopinante; ha além destas razoes outras cousas mais que temer, e estas são as recordações de antigos feitos de gloria nacional, que incita o enthusiasmo natural em todo o cidadão amante da patria, o qual nunca jámais póde trazer á lembrança tão excellentes feitos sem extrema sensibilidade. Não ha parte do mundo que não tenha testemunhado as proezas dos portuguezes, porém o Rio da Prata já presenciou um facto, que se póde dizer, uma prova daquelle valor genuíno dos portuguezes; e se eu quizesse achar na historia moderna algum facto comparável com a defensa do

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desfilladeiro das Thermopylas pelos trezentos Spartanos capitaneados por Leonidas, talvez não proporia nenhum outro com tanta propriedade, como a defensa da Colonia, aonde duzentos portuguezes animados por uma heroina, a esposa de Manoel Galvão, a qual preferio morrer ao lado de seu marido, depois de uma constancia sem exemplo, cedérão a um numero extraordinariamente superior de inimigos; quando nove portuguezes forão os que restavão vivos! Porém hoje não tratamos de similhantes recordações, antes desvaneçamos o enthusiasmo, que ellas não podem deixar de excitar, pondo diante dos olhos a justiça. A questão dos limites do Brazil, parecendo á primeira vista que seria muito facil de decidir, tem sido constantemente envolvida em duvidas, e enredos de diplomacia. Depois do descobrimento do Brazil foi o Sr. D. João III aquelle, cujo governo mais interesse tomou pela prosperidade daquelle Estado, e na verdade ha muito que o Brazil lhe devera ter elevado estatuas. Os governos, que se seguirão até á usurpação de Portugal pelos Reis de Castella, pouco, ou nada fizerão. Emquanto durou o domínio dos Philippes não houve questões de limites, porque reunida a coroa de Portugal á de Castella, se suppoz, que estando ambas as monarchias debaixo do mesmo sceptro, não era necessario resolver definitivamente a questão de limites por meio de tratados. Foi depois da acclamação da augusta Casa de Bragança, quando principiarão as questões sobre os limites do Brazil, e era a opinião que o Rio da Prata devia ter considerado como a raia meridional do Brazil, e em 1674 se determinou a occupação, ou fundação da colonia do Sacramento, a qual foi atacada pelos Hespanhoes, ou por ordem do governo de Buenos Ayres, sendo D. José de Garro quem conduzio uma força consideravel de Guaranis, e sem declaração de guerra, e no meio da paz atacarão a colonia, e surprehendêrão a guarnição portugueza, e os commandantes (della, D. Manoel Lobo, morrendo Manoel Galvão, sua mulher, e apenas sobrevivêrão a esta catastrophe nove portugueses, como já mencionei.
O Sr. D. Pedro II, que não soffria similhantes insultos com muita facilidade, e era o mesmo Rei, e o ultimo, que se poz á testa dos seus exercitos, exigiu uma satisfação do Governo de Hespanha, e foi mandado a Lisboa o Duque de Giovenazzo por El-Rei de Castella, a fim de concluir um tratado, cujo resultado foi a restituição da colonia, e satisfação pela aggressão do Governador de Buenos Ayres. Durando a guerra da grande alliança foi a colonia novamente atacada, e restituida, finda aquella mesma guerra. Em 1750 offerecia a Hespanha a Portugal mais de 500 leguas de terreno no Ibicui, porém a corte de Lisboa preferiu antes a conservação da colónia, e não quiz trazer a questão delimites a uma decisão a final. Na guerra do 1762 foi terceira vez atacada a colonia, e terceira vez restituída, pela paz de 1763. Parece que tinha chegado a epoca em que a Nação Portugueza ia occupar na politica da Europa aquella representação, que lhe promettia a energia, e dignidade do ministerio do Marquez de Pombal: porém a morte do Sr. D. José I, em 1777 foi acompanhada do infeliz tratado de 1778. A Senhora D. Maria I, de saudosa memoria, foi aconselhada por um ministério fraco, o qual em vez de seguir a política do ministério antecedente, que ia exigir da Inglaterra as garantias estipuladas relativamente ao direito da coroa de Portugal á margem septentrional do Rio da Prata, cedeu o collo á ambição do gabinete de Madrid, e assignou o humilhante tratado de 1778. Esteve em poder dos Hespanhoes o apoderarem-se de muita parte do Brazil, e foi essa celebre bulla do Papa Alexandre VI., de que tantas vezes se faz escarneo, que nos livrou de maiores desgraças, a que nos conduziu a incapacidade, e fraqueza de tal ministerio: os Hespanhoes receando a perda das Philippinas, na conformidade da demarcação da bulla de Alexandre VI. renunciárão a maiores pertenções na America Portugueza, habilmente approveitando-se da pusillaminidade da administração publica em Portugal, a fim de tirar outras vantagens na costa da Africa, como se vê dos artigos do tratado. Isto que eu digo, Srs., não he invenção da minha cabeça; queirão consultar a conta dada pelo Conde de Florida Blanca a ElRei Carlos III., ácerca da administração do seu ministerio, conta que está publicada. Não podemos negar que a Hespanha possuia a margem septentrional do Rio da Prata por um tratado, e por tanto, se a posse daquella margem nos he vantajosa, (do que eu estou intimamente convencido, e não ha argumentos, que me possão convencer, de que o Brazil não interessa naquella acquisição) deixemos ao Governo entrar em negociações com a Hespanha. O exemplo, que um illustre Deputado apontou da annexação das Floridas pelos Americanos do Norte, confirma a minha opinião. O Governo da America, posto que occupasse as Floridas debaixo do principio de prover a segurança dos Americanos, que estavão expostos ás correrias dos Seminoles, não declarou todavia como conquista a occupação do territorio Hespanhol; soube negociar, e por um tratado annexou ao territorio da republica aquellas duas provincias contiguas. Podemos autorizar o nosso Governo, para entrar em negociação com a Hespanha, porém de modo algum demos a entender, que autorizamos o principio, de que em tempo de paz se possa invadir uma província de outra Nação, para a declararmos por conquistada. Se ElRei, logo que mudou para o Brazil a sede da monarquia invadisse o territorio da America Hespanhola, similhante invasão feria mais que justa, porque ella erajo resultado do tratado de Fontainebleau, pelo qual elle foi obrigado a deixar Portugal, e a ver as bandeiras hespanholas plantadas em Setubal, e no Porto! Porém na época, em que tudo estava em paz, e amizade, repugna com os principios de justiça a lembrança de similhante conquista. Por isso mesmo que nós estamos principiando um systema novo na administração publica da nossa patria, he que devemos proclamar principios de rigorosa justiça, ou seja na politica externa, ou no governo interno: são esses principios, e não os do machiavelismo, aquelles, em que se ha de firmar a nossa segurança e conservação. Segundo estes principios eu convenho em parte com o parecer da

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Commissão, e he, que façamos saber, que não temos intenções de nos apropriarmos da província, de que se trata; porém que em attenção ao estado presente do espirito publico no Brazil, não tenha lugar immediatamente a evacuação de Monte Video; porém que o Governo, que he responsavel pela segurança publica fique autorizado para tomar a deliberação de retirar as tropas, quando achar que similhante medida não compromette a segurança do Brazil. (Apoiado).
O Sr. Fernandes Pinheiro: - O sossobro com que correrão minhas idéas a vez primeira que tive a honra de falar neste Augusto recinto sobre matéria de tanta importancia mo incita a ratificalas: eu devo estes esforços a bem da segurança, e tranquilidade de uma provincia na qual tenho a honra de servir ha 20 annos com o mais gracioso acolhimento.
Já na sessão antecedente ficou assás elucidado pela historia, e pelos tratados; que não se violava a justiça na conservação das tropas portuguezas na margem septentrional do rio da Prata; responderei por tanto a alguns argumentos sobre a inutilidade suppota. Não se verifica que apparecesse ainda o iris da paz nas mal fadadas provincias hispano-americanas, e he bem de prever que se expassarão longos tempos primeiro que se restabeleça a ordem, e se consolide uma forma de governo: graças á batalha de Taqua rembó que descarregou o golpe decisivo sobre o levantadisso Artigas, varreu de insurgentes a campanha de Monte Video, e atirou-os para além do Uruguay; mas a discordia lavra nas provincia; limitrofes, a Artigas succedeu Ramires, e a Ramires succederá outro aventureiro; he neste estado de iminente perturbação, e disconfiança que convirá abrir, e abandonar os passos deffensaveis do Uruguay, e do rio da Prata para ter logo depois de voltar sobro elles com novos riscos? Pungiume a ouvir um honrado membro metter em parallelo a insaciavel ambição de Bonaparte com a legitima reintegração de nossas primordiaes barreiras. Avançárão illustres Opinantes que será mais insustentavel a deffensa pelo rio da Prata e Uruguay; ainda que não seja a minha profissão comprehendo maior facilidade em guardar os pontos accessiveis da margem destes rios, do que guarnecer uma linha de fronteira demais de cem leguas, aberta em campanha raza, obrigado a disputar passo a passo a peito descoberto; sempre ouvi gabar de natural vantagem quando grandes rios, montanhas como os Pyrineos, e os Alpes, gargantas, e desfiladeiros fechavão os impérios. Não será a ambição de annexar uma província mais ao vasto reino do Brasil, será a necessidade de garantias para defesa; e forão similhantes razões de conveniência que moverão aos Estados-Unidos, igualmente como nós, bem possessionados, a apoderarem-se do da Florida, sem mais direito que pelo receio, como nos refere Warden, de que a occupasse alguma potencia Europea, até a que lhe foi cedida definitivamente pela mesma Hespanha em 1819: longe de taxarem a America Ingleza de ambiciosa passou por sabia, e providente. Ultimamente ouvi aqui deplorar o sorvedouro de que era aquella divisão de voluntarios Reaes do ElRei para o esfaltado Portugal, a precisão de rendela por uma nova divisão, e até o que he mais extraordinario, de uma divisão naval para apoiala no rio da Prata: arrojo-me a propor um expediente simplissimo; faculte-se ao Governo, e á sua delegação no Brazil mandar retirar essa divisão para Portugal; recaia inteiramente sobre o Brazil, e principalmente sobre as provincias mais ao sul, o meio de a guarnecer e manter assim como lhe resultão os commodos e o proveito de maior segurança: posso affiançar, que os bravos que a conquistárão a saberão guardar e defender.
Concluo insistindo no meu voto contra o parecer da Commissão diplomatica, ou que pelo menos se sobre esteja na proposta evacuação, até que o tempo mostre que vantagens se podem tirar deste negocio. (Apoiado apoiado).
O Sr. Miranda: - Não vejo necessidade nenhuma de suspender uma decisão sobre este negocio, e acho que he da ultima necessidade seguir-se o parecer da Commissão: os que são da opinião contraria seguem o que no meu conceito he injusto, impolitico, e ruinoso para a Nação. Que he impolitica, e injusta está demonstrado, porque ninguem póde negar que aquelle paiz pertence á Hespanha, e tanto assim que o mesmo Governo o declarou do modo o mais sollemne; e similhante questão nem deve tratar-se; porque seria comprometter o Governo. Em quanto á utilidade que poderia trazer á Nação a conservação de Monte Video, he um erro considerar Monte Video como ponte de defeza, e o he muito mais chamar-lhe chave do Brazil; só quem não olhar a carta topografica he quem poderá dizer tal cousa; e por conseguinte nem he util, nem he justo continuar na occupação daquella praça. Embora não olhasse então por os principios da justiça, se não que tivesse em vista o systema de estender os limites por conveniencia: siga esse systema Napoleão, mas nós não devemos adoptar similhantes principios: tenha o systema de Napoleão a seu favor as maximas dos membros da santa alliança, mas os Portuguezes não devem ter em vista se não a justiça, e não devem proceder se não regulando-se por ella. Limitar-me-hei agora a mostrar que he ruinoso para a Nação occupar similhante ponto. Forão cinco mil Portugueses para elle das melhores tropas da Nação, tirando deste modo a Portugal uma boa parte de seus melhores braços, fizerão-se immensas despezas naquella expedição, e agora basta dizer, para conhecer o ruinoso que nos he, que além das despezas ordinarias, gastão-se; 60:000$ mensaes, e não he só com a tropa, se não para manter com socego todos os habitantes; porque o socego se compra com dinheiro. Pelo que pertence á defeza que aquelle ponto póde dar, devemos lembrar, que quando o general Lecor eslava em Monte Video quatrocentos homens forão atacar o provincia de S. Pedro. Eu quero que me digão os illustres Preopinantes como he que um corpo de tropas collocado em Monte Video cobre a linha que fica ao occidente das provincias de S. Pedro, e de S. Paulo? Quem guarnece esses pontos? Ninguem. O Uruguay he um rio extremamente largo, póde passar-se em qualquer ponto, visto que amarrem oriental não he defendivel. E quem defende essa linha

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Ninguem. He a tropa que está em Monte Video, he por ser Monte Video a chave?
Aonde está essa chave misteriosa? Eu se um General me dissesse, que Monte Video era a chave do Brasil dizia, que elle era o General mais inepto. Tenho conversado com pessoas muito intelligentes, e todas dizem, que a occupação de Monte Video he a medida mais ruinosa que podia ter-se adoptado: que só uma corte tão tão impolitica, como a anterior corte do Rio de Janeiro, he que podia ter determinado similhante medida. Mas não foi com estas vistas, foi por outros motivos que se quiz occupar aquella praça; tratou-se por um modo machiavelico de apossar-se daquelle paiz. Por outra parte, havemos de attender ao modo porque aquelles povos fazem a guerra. Aquelles povos são os tartaros do sul, todos fazem a guerra a cavallo, o seu sustento he carne, e por todas as partes encontrão animaes que comerem; aecommettem á maneira dos tartaros nunca unidos, e sempre em bandadas. Que effeito ha de fazer a infanteria com similhante tropa? De que serviu o exercito de Napoleão na passada campanha com as garrilhas? O exercito buscavas sempre, e nunca apparecião, e quando mais descuidados se achavão sentião-se atacar por ellas, sem ver se quer de donde lhes vinha a morte; e o que com tantos cem mil homens não póde conseguir em Hespanha Napoleão queremos nós conseguir com cinco mil homens em Monte Video? Militarmente falando, digo, que he o maior absurdo crer que Monte Video he um ponto militar. (Apoiado). Os engenheiros que lá forão manifestárão que o Uruguay não he defensivel, e como já disse; os povos de S. Pedro, e de S. Paulo realmente são grandes cavalleiros, e excedem, se me he permittido dizelo, as tropas da Europa neste genero de guerra. Por conseguinte não he Monte Video que deve considerar-se como a chave do Brazil, e as forças que lá estão, no meu entender, são perfeitamente inuteis. He por tanto a minha opinião que acabemos de uma vez com tão louca empreza, e pelo menos pouparemos as immensas despezas que se estão fazendo. Essas mesmos despezas, e esses grandes ordenados he o que faz que se tenha sustentado lá a divisão, se não os tivessem elles mesmo terião sido os primeiros a representar que se abandonasse, pois não he para sustentar aquelle ponto que elles querem ali permanecer, se não para enriquecer-se; reduza-se aquella guarnição ao que diz o Sr. Borges Carneiro, e então se verá se elles mesmos dizem que são inuteis. Em consequencia de todas estas observações a minha opinião he, que se autorize o Governo para mandar retirar as tropas, colocando-as na parte em que melhor lhe convier. Um Preopinante diz, que se tinha promettido protecção a Monto Video. Eu desejaria ver documentos, pois pelo menos na Commissão diplomatica não vi nenhum a este respeito; fomos para lá por nossa conveniencia, e quando não nos fizer conta o podemos largar. Em fim o meu voto he o mesmo que manifesta a Commissão, e que por conseguinte se deve quanto antes autorizar a esse fim o Governo, porque não vejo necessidade de que isto fique addiado.
O Sr. Borges de Barros: - Depois do que disse o honrado Deputado, o Sr. Sarmento; para provar o provar o direito que temos a levar o limite do Brazil até ao Rio da Prata, parecia-me escusado addicionar mais; porém como o Sr. Deputado Miranda se não mostra convencido, digo que desde que os Portuguezes e Hespanhoes tentárão conquistas e descobertas além-mar, questionárão sempre sobre os limites em que cada uma das duas nações se devia conter. Em 1492 o Papa Alexandre VI determinando na sua bulla a linha divisória para as conquistas das duas potências, ElRei D. João II se oppoz vendo que prejudicava a Portugal, e não tendo effeito aquelle arbitrio em 1494, se fez o tratado de Tordesillas, no qual se estabeleceu que as ilhas de Cabo Verde servirião de marco pião, ou ponto para dali partir a demarcação; porém não se expecificando qual das ilhas se tomaria, e fazendo grande differença aquella falta de declaração, ficou também aquelle tratado de nenhum effeito. Em 1529 nas conferencias feitas em Zaragosa, illudirão os Hespanhoes aos Portuguezes firmando-se pura a divisão no Roteiro de Magalhães, por se não conhecer então cousa que melhor fosse; mas pelo mappa que traz Herava na historia das Indias occidentaes, vê-se, como depois se confirmou, que aquelle illustre traidor (se he possivel combinar estes dois termos) havia adrede ensinuado um erro de mais de 40 gráos em damno de Portugal sua traída patria; e quando tratavamos de revendicar o que enganados tinhamos consentido, e até porque os Hespanhoes do Mexico havião quebrado a convenção, cahiu desgraçadamente Portugal no captiveiro dos Filipes. Com a restauração, e em 1680, convencidos os Portuguezes de que só podião alongar até o Rio da Prato, com o que sabião, e se escreveu, como se póde ler, além de outros escritos, no tomo 2.º das provas da historia genealogica da casa Real, mandou o governador do Rio de Janeiro fundar uma colónia nas margens daquelle rio, e os de Buenos Ayres fizerão o que o Sr. Sarmento, tão cheio de patriotismo, acabou de repetir; mas em 1681, pelo tratado provisional foi restituida a colonia, ficando disfructadas as campanhas em commum pelas duas potencias, até que um assembléa de geografos decidisse qual seria o limite; os quaes geógrafos juntos em Badajoz nada concordarão, e nem o Papa, a quem se recorreu, deu parecer algum; o que não obstante em 1701 Filippe V cedeu-nos a colónia e campinas, que com a guerra tornou á posse de Hespanha em 1704. Finalmente em 1715 com a paz de Utrech entregou de todo a Hespanha a Portugal a colónia e campinas; e não se assignando o limite no tomarmos posse, disse o governador de Buenos Ayres que só conhecia por territorio a distancia de tiro de peça; e agradando essa estravagante intelligencia ao seu ministério, assim ficarão as cousas até ao tratado dos limites, estando então bloqueada nossa colónia. Do exposto vê-se o direito porque sempre pugnámos, e quando se nos diz que o perdemos com os mal pensados tratados que se seguirão, digo, que rotos pela invasão de 1801 tornamos a entrar em nossos antigos direitos, nos quaes estribado o gabinete de S. Christovão, e mais no que lhe davão os insurgentes fazendo correrias pelo nosso território, mandou occupar Monte Video. Dizem os illus-

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tres Preopinantes que tendo-nos custados grandes sommas e perda de gente, a occupação daquella praça, he preciso entregala; mas pergunto eu, se desoccupando-a reembolsamos o que despendemos, se fazemos resuscitar os nossos soldados? O que aos acontecerá he perdermos aquellas sommas, e soldados, e de mais a mais Monte Video. Pergunto mais; a quem o havemos de entregar? Aos governos visinhos? E porque! A Hespanha? Está ella no caso de recebela e montela? Acho que até melhor fôra conservar em deposito aquella possessão para negociarmos, se algum dia se isso proporcionar, e visto ter hoje passado o ódio por Hespanhoes natural a Portuguezes, milagre feito pela causa que abraçamos e defendemos ambos, teremos muita satisfação em mostrar que a nós reunimos aquella provincia que nos buscou, abrindo-lhes amigos braços. Finalmente não devemos abandonar a um povo que quer fazer parte do Reino do Brazil, e por tanto da Nação portugueza, consideração muito attendivel, mesmo prescindindo do lucro que da provincia tirarmos, de quanto he essencial para a segurança do Brazil ter por barreira um grande rio, que mostra ser a raia que lhe assignou a natureza, e de todas as mais ponderosas razões que se tem expendido nesta, e na passada sessão. Concluo por tanto que se não deve largar a Monte Video. Demais a despesa e a força precisa para conservar ha de ser muito menor do que a que foi precisa para conquistar, a qual ainda mais diminuirá com as economias e boa ordem que se deve estabelecer, e quando Portugal ache de grande pezo para si, como o tem dito alguns dos illustres Preopinantes, e não queira perder ao principio, e nem mesmo impatar para depois ganhar, o Brazil a quem mais immediatamente aproveita, que a guarneça, e sustente: por todos estes motivos em fim voto contra o parecer da Commissão.
O Sr. Bastos: - Depois de se ter discorrido tanto e tão eruditamente sobre o abandono de Monte Video, que poderei eu dizer agora que seja novo, ou melhor do que o que se tem dito? Com tudo a importância do objecto parece condemnar o silencio.
A Commissão propoz o abandono do bello paiz situado ao lado oriental do Rio da Prata, por ser inutil a sua occupação, por ser contraria aos princípios de justiça, e por dever a Nação portugueza mostrar que sabe respeitar tanto o independencia dos outros, como zelar e defender a propria. Os fundamentos com que na presente sessão, e na passada, se tem defendido aquelle inconciliável projecto, coincidam comestes. Vejamos pois se nelles ha alguma verdade, ou alguma força.
Em quanto ao primeiro, assim como o Pará he a chave do Brazil pela parte do Norte, Monte Vídeo o he pela parte do Sul: e consequentemente a sua conservação não pôde deixar de considerar-se da maior importância para a defeza e segurança do mesmo Brazil. Em vão o Sr. Miranda empenhou todas as suas forças para combater esta verdade. Como se atreveu elle a negar que seja uma chave do Brasil aquillo que nas chorografias e viagens, que andão pelas mãos de todos, como tal he reputado? Aquillo de que os práticos no paiz tão positivamente nos informão? Aquillo que para te conhecer não precisa senão de que se lancem os olhos a um mappa? Ainda he grande a extensão de terreno, para se dizer vantajosamente defensavel! Mas ignora-se por ventura que essa extensão carece de estradas, e que he de tal sorte obstruída, que não offerece commoda passagem a exercitos, ainda que sejão da natureza dos que elle descreveu? Ignora-se que he muito mais fácil defender um paiz que tem por limite e por barreira um grande rio, do que aquelle que não tem barreira alguma natural? Que he muito mais fácil obstar a uma invasão n'uma limitada fronteira, do que remediala depois de entranhadas as tropas inimigas n'um aberto e extensissimo paiz? E a que vem o argumento do modo barbaro e indisciplinado de combater dos povos das margens daquelle rio! Quem nos attesta que elles permanacerão sempre no estado em que se achão, e não adoptarão a disciplina europea, que nós mesmos lhes fomos ensinar? Ou que prova essa falta de disciplina, senão que nós juntando uma pequena força ás vantagens que a natureza nos offerece naquelles sítios, teremos o sul do Brazil a coberto de quaesquer irrupções? De mais a província de Monte Vídeo não he algum rochedo esteril, collocado debaixo de um cêo abrazador, e sómente próprio para a expiação dos crimes. He um paiz de uma amenidade summa, de summa fecundidade, e em que a natureza derramou prodigiosamente os seus thesouros. Que immensa prespectiva de futuras riquezas nos não offerece á sua posse! Que recursos não offerece ao nosso commercio, e seu vastíssimo porto! Que não influirá na nossa representação política a sua incorporação?
Consequentemente nada mais incoherente, e nada mais falso, que o primeiro das mencionados fundamentos. Como se póde conceituar de inutil aquillo de que tanto depende a defeza, e a segurança do Brazil? Aquillo que tão consideravelmente augmenta a riqueza, o poder, e a politica representação do Reino Unido?
Em quanto ao segundo fundamento. Eu não recorrerei a antigos e prescriptiveis direitos. Essa matéria acha-se esgotada por alguns dos illustres Preopinantas. E princípios mais luminosos de um direito publico, expurgado das máximas invecteradas do despotismo, são os que nos devem reger na presente questão. A natureza situou o Brazil entre os dois grandes rios, Prata, e Amazonas. Por algum limpo a margem oriental daquelle, cedendo á força, esteve em poder dos Hespanhoes. Rebentou porém a revolução da America, cidades e provincias inteiras forão sacodindo o jugo. E Monte Video não se viu livre delle senão para ser desgrudada preza do sanguinario Artigas. O exercito portuguez foi um Anjo tutelar, que lhe appareceu. Elle não tratou de a conquistar, tratou só de a proteger, e de defender das irrupções daquelle aventureiro as províncias do sul do Brazil. Os povos reconhecidos, e persuadidos de que os seus interesses os chamavão a unir-se a nós, assim solemnemente logo o manifestarão; e o acto posterior da incorporação, celebrado no anno de 1820, entre os ditos povos por seus representantes, e Sua Magestade Fidelissima he o vinculo poderoso, que aos olhos, da

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razão e da justiça, legitíma mais que nenhum outro a occupação, se he que tal se póde chamar a permanencia de uma guarnição, que nem entrou como conquistadora, nem se conserva para opprimir a liberdade; mas para a defender. Não he pois necessario recorrer á descoberta, á fundação, nem a tratados com nação alguma. Temos o mais justo, o mais legal de todos os titulos, o contractado. Quando este se celebrou, os povos de Monte Video erão livres, e podião pactuar com quem quizessem. Nós não os subtraímos á hespenha. Ella os havia desamparado e perdido. Arrancámolas das garras do usurpador Artigas, para os restituir a si mesmos. E elles, usando do direfito que compete a todos os povos, vendo que não podião por si sós manter a sua independencia, escolhêrão fazer parte de uma nação de que já o tinham sido. Se nós lhe negamos este direito, a nós proprios o negamos. Nem se diga que a presença de um exercito tornaria coacta, e por isso nula a convenção. A coacção he um facto, que para se crer, he necessario que se prove; e aonde estão as provas de que ella existiu, aonde estão ao mesmo os indicios? Quando mesmo alguma houvesse, a quem competiria o juz de reclamar? Aos oppressores, ou ás victimas? E se estas não reclamão, como ousamos nós fazelo? Como nos lembramos de annular um contracto, sem ouvir as partes que figurárão nelle? Ou como ha quem possa imaginar que os povos de Monte Video, lançando-se em nossos braços, depois que nos virão regenerados, e livres, o não fizerão espontaneamnete, com o desejo de participar da nossa felicidade, mas cedendo á força, ou sucumbindo ao medo? O theor mesmo da convenção mostra a liberdade que presidiu a ella. E uma das suas clausulas he bem notavel, relativamente á questão que nos occupa. Diz-se ahi que nós não entrega remos a ninguem as chaves de Monte Video, que os seus povos nos confiárão, nem os abandonaremos aos seus inimigos. Em taes circunstancias que he o que será contrario aos principios da justiça, uma occupação que assenta no melhor de todos os titulos, ou entregar á hespenha, ou a qualquer outra nação as chaves que se nos estregarão, e abandonar naquelles povos ao furor dos inimigos, contra a expressa condição de um contracto? Elles jurárão a Constituição, e póde ser que já nomeassem ao Deputados, que os devem representar neste Congresso. Que dirão elles, que dirá o mundo, se ao aoresentarem-se para tornar assento neste augusto recinto, se virem inopinadamente repellidos por força de uma decisão, que annulou um pacto á revelia dos pactuantes, e condennou o povo de uma provincia inteira, sem ouvir e convencer.
Não he por tanto a denominada occupação por menira alguma repugnamte aos principios da justiça: o abandono he que se não póde conciliar com elles: o abandono he que tem contra si todos os anathemas da razão, e da justiça.
O terceiro fundamento não he menos incohrente que os outros; nem a felicidade em que se acha involvido he menos notavel. A Nação portugueza(diz a Commissão) deve mostar que sab respeitar tanto a independencia dos outros, como zelar, e defender a propria! Isto tomado abstractamente parece muito bem; mas como varia de figura applicado ao caso corrente? De que sorte mostrará a Nação portugueza que sabe zelar a independencia do seu territorio, se ella fôr mais solicita, como se quer que ella o seja em abandonar Monte Video, que em recuperar Olivença, parte integrante do territorio portuguez, indevidamente retida desde 1801 pela Hespenha, apezar de se ter decidido no Congresso de Vienna que a devia restituir? E como mostraremos nós respeitar a independencia dos povos de Monte Video, abandonando-os? Elles não pódem constituir sós uma nação; a sua população não corrseponde aos meios que exige a sua defesa. Se os desampararmos, indirectamente os iremos reduzir á escravidão, de que elles quizerão fugir pelo acto de incorporação, que tanta honra nos faz.
E em favor de quem faremos nós esse inconcebivel abandono? Será em favor de Hespenha? Dos independentes Americanos? Dos povos de Monte Video? Ou em nosso proprio favor?
Da Hespanha por nenhum modo: primeiro porque ella nos deve Olivença, e seria desconhecer os principios do direito das gentes, ou renunciar á nossa dignidade, e aos nosso interesses, o entregar-lhe Monte Video, ainda que mesmo lhes pertencesse, sem que ella nos entregue Olivença: segundo porque qualquer cessão directa ou indirecta, que assim se fizesse á Hespanha, seria vã para ella pela impossibilidade de lhe colher os fructos. O laço, que uniu America a Hespanha rompeu-se, e rompeu-se para sempre. As colonias Hespanholas deixárão de ser colonias. Os povos emancipárão-se cançados de pertencerem aos outros povos., já não pertencem se não aos mesmos. E o nome Hespanhol tão res+eitado ao mundo antigo, he novo mundo respeitado com horror. O que acontece nas outras provincias ainda mais se verifica na de Monte de Video, que sempre se reputou mais portugueza, que hespanhola; que só por effeito de uma fóra, a que não se podesse por fórma alguma resistir, tornaria a sujeitar-se á Hespanha; mas aonde tem a Hespanha essa força, como de animaria ella a enviar novas legiões para serem, como tantas outras, desgraçadas victimas do ferro, do fogo Americano? Como soffrerião os povos de Buenos-aires, e outros, que novamente se fossem estabelecer seus antigos Senhores nas visinhas margens do lado oriental do Rio da Prata, em terceiro lugar, quando Portugal não tivesse salvado da tyramnia de Artigas, e occupado até agora bella provincia, se não para largar á Hespenha, seria indispensavel nos pagasse as despesas, que o nosso thesouro tem feito e as perdas, que por esse respeito tem soffrido o nosso commercio; mas quererá ou poderá ella fazelo?
Supponhamos que he favor dos povos de Buenos-ayres, ou de quaesquer outros independentes Americanos, que vai fazer-se o controvertido abandono? Em que obrigações estamos nos constituidos para com elles para lhes fazermos tão rico presente? Que direito tantas vezes, que os povos não são patrimo-

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nio de ninguem? Que estranha necessidade nos levará a isso sem ouvir aquelles que preferirão a nossa união a todas as outras, e attraindo assim a sua confiança? As outras nações tem-se julgado muitas vezes autorisadas a enfraquecer os seus visinhos para prover á sua segurança: nós iríamos por um acto de manifesta injustiça augmentar a força de nossos visinhos para tornar a nossa segurança mais precária, e vacilante.
Vejamos agora se o que não tem lugar em favor dos Hespanhoes, ou dos independentes Americanos,o poderá ter em favor dos proprios habitantes da provincia, Esta rica em commercio, riquíssima em producções naturaes, não está tão rica em população, que contenha em si os meios necessarios para a sua defesa. Por isso quiz declarar-se parte da Monarquia portugueza. Se a abandonarmos a si própria, se fazendo dahi retirar as nossas tropas, a deixarmos ao desamparo, ella será brevemente apresa do mais ambicioso, ou do mais forte, e se precipitará talvez na escravidão depois de passar por todos os horrores da anarquia. Eis-ahi o grande beneficio, que a nossa generosidade lhe iria fazer.
Mas já he tempo de volvermos toda a nossa attenção para o nosso próprio favor ou interesse. Que interesse ou que favor podemos nós receber de privar o sul do Brazil do seu melhor ponto de defeza? Todo o Reino Unido de uma província, que a muitos respeitos equivale a um Reino? A nossa representação política de um dos seus principaes elementos? Oh! o Brazil sem isso já he demasiadamente grande! Para que he accrescentar-lhe esta província se nós não podemos povoar as outras? A resposta a este argumento fica compreendida em parte do que eu já disse. Quando, além disso, tivesse alguma força, seria antes da occupação, e não hoje. Se hoje elle procedesse, a sua procedência seria mais geral do que a que se lhe attribue. Se porque o Brazil he nimiamente grande, e se não póde povoar todo, se deve abandonar aquella província, então abandone-se a do Pará; pois o resto ainda fica tão extenso, que senão póde povoar. Abandone-se o Rio, abandone-se a Bahia, pela mesma razão. A união de Monte Vídeo, arredondando e abarreirando o Brazil, não o enfraquece alougando-o, atiles mais o fortifica: e a sua união ás outras províncias não obsta aos progressos da sua população; antes nas occasiões de crise, os inconvenientes do déficit de umas se remedeião com o contingente das outras.
A expedição do Rio da Prata, e a occupação da sua margem oriental causou grande desfalque ao thesouro, grandes perdas ao nosso commercio, foi um boqueirão, por onde se sumio a fortuna publica, e particular! Deixarei de notar a exaggeração deste argumento, e de mostrar a inexactidão com que se attribuem a uma só, effeitos produzidos por uma reunião de causas. E limittar-me-hei a dizer, que abandonar Monte Vídeo porque a sua acquisição motivou aquellas despezas, e aquella fatal diminuição da riqueza publica e particular, seria o mesmo que abandonar um particular uma casa, ou uma quinta, por ter na sua acquisição consumido uma grande parte do seu dinheiro. O que mais custa a adquirir he o que mais se aprecia, e mais se faz por conservar. Por isso mesmo que a reunião de Monte Vídeo tem custado muito ao nosso erário, e ao nosso commercio, o abandonalo, come se propõe, seria o maior erro, a mais louca prodigalidade, que se commettesse em política.
Não olhemos só despezas preteritas, consideremos as presentes, e futuras, que nos deve custar a conservação daquella provincia, e os males que ao nosso commercio deve continuar a causar a sua occupação! A sua occupação, franqueando-nos todas as vantagens do commercio do Rio da Prata, vai ser para nós uma fonte de prosperidade e riquezas. A restituição da ordem na America independente vai tornar os mares mais livres. Antes da incorporação, todas as despezas do nosso exercito pezavão sobre nós. Depois della as rendas publicas da província creio que terão sido sufficientes para a sua manutenção. E para o futuro crescerão muito, e reverterão grandes sobejo para as outras despezas nacionaes. Mas nahypothese de não bastarem ainda, e de não parecer conveniente que Portugal esteja despendendo gente e dinheiro na conservação de uma província, que, se interessa em geral ao Reino-Unido, mais directa e mais proximamente interessa o sul do Brazil, substituão-se as tropas que ali se achão europeas por tropas brazileiras, e o sul do Brazil se encarregue de supprir o que faltar para aquellas despezas.
Em fim no Brazil reina uma grande desconfiança rotativamente a Portugal, fundada em meras apparencias. Desmembrada, em manifesto prejuízo seu, a província de Monte Vídeo, não haverá somente apparencias, haverá então uma pasmosa realidade. E talvez a época, em que ahi tal desmembração se publicar, será aquella em que a separação rebente. Não afastemos os olhos da longa perspectiva de males, que produzirá este acontecimento. E lembremo-nos de que a nação nos não pôz neste lugar para a retalharmos, mas para fundar o edificio da sua liberdade, e para mais estreitar os vinculos da sua união. (Apoiado, apoiado.)
O Sr. Vasconcellos: - A minha opinião he que nós não podemos decidir uma matéria tão importante sem que cheguem noticias officiaes do Rio de Janeiro sobre os últimos acontecimentos, que ali tiverão lugar; e sem sabermos positivamente se aquellas provincias querem ou nau ficarem unidas comnosco; qualquer medida que se tomar antes de sabermos o verdadeiro estado das provincias do sul he precipitada, e pôde trazer grandes inconvenientes; porque abandonando já Monte Vídeo sem consultarmos os interesses dessas provincias, nossos irmãos do Brazil dirão que nós descobrimos as suas fronteiras, e que os deixamos expostos ás correrias dos povos os quaes se achão em a maior anarquia. As razões porque nos occupamos aquella praça subsistem ainda; os povos lemitrofes achão-se em a mesma anarquia, e em quanto elles não formassem um governo solido com quem se possa tratar com segurança, nós temos direito de continuar a reter Monte Video. Nem se diga que sendo o Brazil um território tão extenso, de nada lhe

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serve a posse de Monte-Video. Esta praça he a chave do rio da Prata, e póde-se dizer que tambem a he das nossas provincias meridionais, pois que he a unica praça forte deste continente. Estando Monte-Video em nosso pode, os governos revolucionarios das differentes provincias do rio da Prata se nos declararam guerra, o que he muito provavel, ao menos em quanto não tiverem um governo solido, nenhum mal podem fazer ao nosso commercio, ao mesmo tempo fazer um mal muito grande, se não retivermos Monte-Video. Nem se diga que até agora o fazião a favor de retermos Monte-Video; não erão os habitantes dessas provincias que o fazião, não era nos seus portos aonde mettião as prezas, mas erão os subditos de governos com quem estamos em paz, era em portos amigos aonde ellas se recolhião; porém soffreremos nós depois da nossa regeneração politica, que nações em paz com nosco estejão contra o direito mais sagrado das gentes, tomando os nossos navios, levando-os, e vendendo-os nos seus portos, sem que nos lhes façamos o mesmo! Eu creio que nós não soffremos mais similhantes piratarias: por isso torno a dizer, que nos he da maior importância o reter Monte-Video até que nas provincias do rio da Prata se estabeleça um governo solido com quem fossemos tratar com toda a segurança.
He verdade que se tem despendido grandes sommas de dinheiro, muito deste desnecessário, pois que não ora preciso dar de gratificação ao General 20 ou 30$ duros; não era preciso um grande estado maior som grandes gratificações, não era preciso um Vice-Almirante com 12 ou 15$ duros para commandar uma flotila, que podia ser commandada por um capitão de fragata; porém havemos de despender todo este dinheiro sem ao menos ver se podemos obter alguma indemnisação? Além de que se for ainda preciso reter por mais tampo Monte-Video para segurança das provincias meridionaes do Brazil, ellas nenhuma duvida poderão ter em fazer essa despeza; nada se perde que fique addiada esta questão até se saberem positivamente noticias officiaes do Rio; porque suppondo mesmo que o Congresso decida, que se evacue Monta-Video, o Governo nada póde fazer sem receber estas noticias; porque, sendo ellas favoráveis aquellas tropas deverão retirar-se, ou vindo por terra ale Santa Catarina, assim como forão para lá, ou sendo mandadas buscar por embarcações a fretadas no Rio de Janeiro; porem se as noticias não forem favoraveis então he preciso mandar transportes, e navios de guerra daqui a buscalos. A vista pois do que tenho exporto voto, que se não decida esta questão ate á chegada de despachos do Rio de Janeiro, pois que qualquer medida que tomarmos a este respeito sem sabermos positivamente se as provincias meridionaes do Brasil querem ou não ficar unidas comnosco, he intempestiva, e póde ter grandes inconvenientes.
O Sr. Trigoso: - Senhor Presidente, sem falar agora na prioridade da conquista da margem oriental do Rio da Prata feita pelos Portuguezes, creio que ha muitos annos tem havido serias contestações sobre os limites da America: estas tem sido decididas a favor dos portuguezes por varios tratados; mas estes tratados não tem tirado às duvidas; é no ministério do Marquez de Pombal questionou-se muito qual devia ser a verdadeira demarcação dos limites entre Portugal e Hespanha. A política do ministerio e dos diplomaticos portuguezes, no tempo de ElRei D. José, era, que a margem oriental do Rio da Prata devia pertencer a Portugal, não só porque assim era de justiça, senão porque essa margem era muito conveniente ás provincias visinhas do Brazil. Existem ainda hoje as cartas do Marquez de Pombal escriptas nos ultimos annos do seu ministerio, e modernamente impressas por um illustre collega nosso, é meu defunto amigo o Sr. Bispo de Elvas, as quaes mostrão o estado em que elle deixou essa negociação, a qual depois se acabou por um modo pouco util e decoroso a Portugal. Nós fomos obrigados a ceder aos Hespanhoes a colonia que se tinha fundado na margem oriental do Rio da Prata, e estabeleceu-se um terreno neutral, que não pertencia a nenhuma das duas nações, e que por isso era um asylo para os contrabandistas e ladroes de uma e d'outra: e concluirão-se se assim as controversias: mas deixando agora este objecto, ao qual logo tornarei, vamos ao que aconteceu ultimamente. Succedeu, que por diversas circunstancias julgou S. Magestade conveniente occupar Monte Vídeo, mas a justiça desta occupaçao não se deve confundir com a sua utilidade. Por mais útil que fosse, que nós tivéssemos diversos limites, dos que nos dava o tratado de 1778, por maior confusão que se seguiste desse tratado, seria isto um motivo bastante para fazer um novo tratado; mas não para invadirmos o território alheio. Era pois necessario que houvesse outra razão de justiça, pela qual o gabinete do Rio de Janeiro se resolvesse a tomar poste de Monte Video. Esta razão de justiça foi multo disputada na Europa nesse tempo, e também na America; os politicos considerarão à cousa por diversos modos; e os gazeteiros adoptando as diversos opiniões dos políticos, uns approvarão à occupação, e outros não. A razão porque os Brazileiros geralmente a approvárão, he porque percebião facilmente a utilidade que dahi se seguia ao Reino do Brazil; e a razão por que dos Portuguezes alguns a desapprovárão, he porque não podendo tão facilmente perceber como foste útil adquirir mais uma pequena porção de terreno n'um continente já tão extenso, vião bem que essa porção era conservada á custa do dinheiro de Portugal, e do sangue dos nossos soldados; e per conseguinte julgavão a occupação prejudicial relativamente a Portugal. Com tudo com relação ao Brazil não era assim, porque, pelas razões já adegadas, nos interessava estender por aquella parte os nossos limites. Mas além desta razão de utilidade havia outra de justiça, a qual consistia em que aquelle territorio de Monte Vídeo não estava sujeito a S. Magestade Catholica, por causa da sublevação da America hespanhola; e Artigas, chefe desse governo revolucionario, ameaçava todos os dias a independencia das provincias limitrofes de Portugal, e fazia incursões nas mesmas provincias. Não bastava isto ainda para que ElRei de Portugal invadisse o territorio alheio, mas accrescia a consideração de uqe o proprio Soberano des-

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se territorio não podia evitar aquellas incurções; e não havia outro remedio ratão, que o Hei da Portugal o occupasse para evitar que se fizesse um covil de salteadores, que continuamente perturbassem e destruissem nosso ao cego domestico. Tal he a razão de justiça que teve Sua Magestade para invadir aquelle territorio; mas invadilo de que modo? Para occupalo, e obstar assim a que Artigas não nos causasse males, e para conservalo na sujeição dos Portuguezes, tanto quanto fosse necessario para obstar ao mal que se nos podia fazer; pois creio que ninguem tem direito de resistir á força, senão tanto quanto he necessario para fazer com que essa força cesse. Consequentemente continuou o territorio de Monte Video unido a Portugal, não como incorporado á Monarquia, mas como em deposito. Este deposito, em quanto nós não consideramos senão a justiça da invasão, não podia ter outro fim que o de entrega Monte Video á potencia a quem se devesse depois entregar. Porém não sabiamos qual era essa potencia, e neste ponto não estamos agora mais adiantados que auandi"o teve lugar a occupação de Monte Video: isto he, não sabemos se Hespanha estará em estado de o tomar: de maneira que a occupação interina de Monte Video não quer dizer conquista, e ella por si não nos obriga, nem a ficarmos com o territorio, nem a dalo por ora a Hespanha, nem a outros povos: era necessario pois que continuassemos a conservar esse territorio até que houvesse uma paz, e as contendas que ha entre Hespenha e aquellas partes da America se decidissem amigavelmente. Mas entretanto poderia haver certas considerações para além destas, certas considerações geraes para conservar em deposito esse territorio. As geraes serião fixar por uma vez os nossos limites naquella parte, e seria uma optima occasião de tratar desta linha de limites no momento em que houvessemos de entregar o dito territorio (Apoiado, apoiado).
Além disso era util que nós nos indemnisassemos das despezas que fizemos para conservalo em paz, e isto por um de dois modos, ou ficando com elle por um ajuste amigavel, ou dando-o áquella potencia que nos indemnisasse daquellas despezas. Em consequencia era cousa importantissima que nós conservassemos Monte Video, não para unir o territorio portuguez, porque de modo nenhum approvo que se considere isto como conquista, mas para conservarmos as fronteira do Brazil livres das interrupções dos revolucionarios, e para que uma vez que as cousasse pacifiquem, nós ou fiquemos com Monte Video em compensação das antigas possessões portuguezas, e das despezas que fizemos na sua conservação, ou entregamos a uma potencia tal, que por uma lado possa concorrer para que se fixem nossos limites, e por outro lado nos compense dessas mesmas despezas. Ouço tambem dizer (e nãojulgo que seja isto um negocio diplomatico de segredo, por isso mesmo que consta de documentos impressos), ouço dizer, que he um acto de incorporação feito pelos Deputados da provincia de Monte Video, sujeitando-se espontaneamente em nomme daquelles povos á dominação portugueza. Este acto que está impresso, e tem sido criticado por alguns dos honrados Membros, não me parece tão deshonroso, e injurioso á Nação como se tem considerado. Mas não basta que não seja injurioso, o caso he se he legitimo. Mas se a occupacão de Monte Video não rinha outro objecto, que o de obstar ás invasões daquellas gentes revoltosas, duvido que nós possamos reputar valido aquelle acto, que aliás não deixa da parecer um pouco suspeito. Com tudo como essa não he a questão principal que aqui se discute, e como eu não sei se esta questão da incorporação deve agora tratar-se ou não, não dou por ora a minha opinião, e nem louvarei, nem censurarei nesta parte a conducta do Governo portuguez. Quando essa transacção estiver a chegar aoponto de dever o Governo dar parte della ao Congresso, então o Congresso decidirá essa matéria: por ora considere-se Monte Video como uma posição militar, e não como fazendo parte da monarquia portugueza. Se ha por ventura algumas differençes entre a corte de Hespanha e a nossa a este respeito, quanto se póde conjecturar pela lição dos papeis públicos, e pelas informações que derão os ministros nas cortei de Hespanha, nunca podem versar sobre a occupação de Montevideo, mas sim sobre o acto de incorporação; e deste acto não falo, porque isso não está em discusstão. Continuo por tanto a falar da occupação interina. Considerada a questão deste modo, considerada a utilidade que nós temos com a occupação de Monte Video (e certamente com a sua incorporação ao território portuguez, com tanto que esta seja fundada nas regrai da justiça, as quaes só se poderão verificar quando, terminada a guerra dos Hespanhoes com aquellas provincias, se dicida entre negocio amigavelmente) estou persuadido que de maneira nenhuma devemos largar Monte Video. As razões creio que já ficão assás ponderadas, e uma das principaes he a utilidade que nos resulta de conservarmos Monte Video, ao menos, para fazermos um novo tratado dos nossos limites. (Apoiado). Em quanto á utilidade que nos podia resultar para a defeza daquellas provincias, observarei que não he cousa nova chamar a província de AMonte Video a chave do Reino do Brazil: os nossos politicos sempre assim o julgárão, e assim se considerava, no ministerio do Marques de Pombal, como se prova por suas cartas. Deixando porém á parte este argumento, vejamos agora as consequências que se seguirião de abandonarmos Monte Video. As consequencias serião pormo-nos nas mesmas circunstancias em que estávamos antes de occupalo. Naturalmente os que de novo dominassem aquella provincia nos farião os mesmos males que então nos fazião; porque a quem podíamos nós entregala? Aos Hespanhoes? Todos sabem que elles não podem actualmente conservala: aos seus habitantes? Elles mesmos confessão que não podem conservar-se independentes, e uma vez que não possão ser hão de ser divididos por facções, e o primeiro faccioso que tivesse maior partido seria o senhor, e nos faria uma guerra como a que nos fez Artigos. Além desta razão geral que pertence á segurança do Brazil, que nós somos obrigados a manter, e o Governo tambem; ha ainda outra que nos persuade a não largarmos aquelle deposito, que

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he a boa fé que devemos guardar áquelles povos. Não digo se foi justo ou impolitico o acto de incorporação, porque já disse que não se discutia agora esta materia; mas no dito acto de incorporação disserão aquelles povos que era a sua vontade ficar unidos ao territorio portuguez: se nós de repente os abandonamos, depois de terem assignado esse acto de incorporação, faltamos á boa fé, e podemos acarretar sobre elles muitos desgraças. Eu não sei qual seja o procedimento do Governo a esse respeito, o que digo he, que seria uma injustiça, depois de termos assignado esse acto de incorporação, abandonar aquelles povos, e contribuir assim a que outra potencia poderosa se apodere delles. (Apoiado). Em consequencia parece-me, que tenho mostrado que a conservação militar de Monte Video he de summa necessidade para todo o Reino Unido; que o devemos conservar em quanto não soubermos a quem o havemos de entregar, ou em quanto o estado dos povos visinhos nos prohibão essa entrega; que o acto de incorporação he a unica contenda que póde haver entre as Cortes de Hespanha e Portugal: mas que Hespanha não se póde escandalizar hoje mais que os annos passados, de conservarmos por ora Monte Video: que póde haver negociações amigaveis, nas quaes eu creio que a nossa corte se não negará a entrar; mas que não deve o Congresso tomar uma medida precipitada, que interrompa essas negociações. (Apoiado).
O Sr. Braamcamp: - Peço a palavra a respeito da ordem. Desejo que não passe a idéa de que o acto de incorporação he differente questão da que se trata, porque ella he dependente da decisão de ambas as consas. O acto de incorporação está presente, todos o conhecem, e as Cortes devem occupar-se de se ha ou não legitimidade naquelle acto, ou se se deve ou não legalizar-se.
O Sr. Trigoso: - Eu não quiz occupar-me desse acto, não porque duvidasse dar a minha opinião sobre elle, senão porque vi que não se tinha tratado disto até agora, nem se tinha feito presente para a discussão. Eu creio que a questão se considerou sómente como sendo uma occupação militar a occupação de Monte Video. Se se quizesse discutir a outra materia era necessario, que esse acto se imprimisse, se examinasse, e desse para ordem do dia. Mas como por um lado eu sabia que havia um acto de incorporação, e pelo outro julgava, que se a Assembléa decidisse que se conservasse por ora Monte Video, poderia alguem daqui deduzir que se tratava de sanccionar ou approvar o acto de incorporação; por isso he que eu separei as duas questões, entendendo que não prejudicava uma á outra. (Apoiado).
O Sr. Moura: - Sr. Presidente: Tendo de falar segunda vez sobre esta materia, antes de expor as minhas idéas sobre ella julgo necessario fazer uma pequena prefacção. Ainda bem que alguns illustres Preopinantes, que me precederão a falar começárão por dizer, que este negocio, seja qual for o seu exito não tem correlação nenhuma com os interesses da Hespanha europêa; e deste modo ficão já sem nenhuma força ou effeito, quaisquer aspersões malevolentes e sarcasticas, que alguns individuos tem lançado, ou podem lançar sobre a opinião daquelles que julgão necessario largar Monte-Video, porque (se relativas a mim forem) quando taes aspersões não fiquem repellidas por meu conhecido amor á justiça, e á patria, o ficarião sem duvida com a certeza de que isto não he já hoje connexo com os interesses do Governo actual de Hespanha: pois que, ou se trate dos motivos porque Monte-Video foi occupado, ou daquelles porque nós o devemos conservar, já isto não tem correlação com Hespanha da Europa, que pelas causas já manifestadas, senão de direiro, de facto perdeu irremediavelmente a soberania naquelles vastos paizes do continente americano. Francamente falarei por tanto, dizendo quaes são os motivos de justiça, e de utilidade publica, porque devemos abandonar aquelle territorio; e a quem o devemos entregar. Em primeiro lugar tratarei desta segunda questão, que he uma das difficuldades, que primeiramente se tem posto. Dizem, abandonemos Monte-Video. Isto nos parece justo; mas a quem o entregaremos? Não ha no meu entender uma resposta mais facil. Devemos entregar Monte-Video aos mesmos povos, que habitão o territorio. Os povos a quem pertencem? A si proprios. Pois a elles proprios he que devemos entregar a soberania de Monte-Video, para que elles escolhão o Governo que quizerem, e se entreguem á dominação de quem quizerem. Que escolhão elles, e escolhão sem influencia de ninguem. Nem se digo, que por esse acto de incorporação influido pelo Barão de Laguna está já decedida a questão, sobre aquelle Governo a quem Monte-Video se quer entregar; porque esse acto de que se tala, he um acto illegal, que não expressa vontade espontanea, ou ligitima; he feito na presença de baionetas. Eu não considero como acto legal, ou espontaneo o que se faz com uma Nação, quando o seu territorio esta occupado pelo poder militar. (Apoiado.) Por ventura aquelle acto da nova junta dos tres Estados, em que tantos individuos de todas as ordens do Estado pedirão um Rei a Nopoleão, póde considerar-se senão como uma força politica? Como póde considerar-se como a vontade do povo portuguez, estando o mesmo povo debaixo da dominação da França? Digo pois que actos taes não provão cousa alguma; e devem considerar-se nullos. Vamos ponderar agora as razões porque devemos abandonar Monte-Video. As razões porque devemos abandonar a occupação militar de Monte-Video são: 1.ª Porque devemos ter um respeito sem limites aos principios que forão violados nesta occupação: 2.ª Porque esta occupação he va, e sem utilidade alguma: 3.ª Porque os meios que temos de empregar na conservação de Monte-Video são capazes de levar-nos á ruina, não tanto ao Portugal da Europa, mas ainda mesmo ao Portugal do Brazil. Eis-aqui a serie dos argumentos que me proponho desenvolver sobre este objecto. Os motivos que nos levárão a adquirir esse territorio são impoliticos, e injustos de qualquer modo que se considerem: se se trata dos que expoz o gabinete do Rio do Janeiro no seu manifesto, esses são reprovados por toda a politica e filhos de uma falacia mesquinha, e insultante: e se se trata de outros que ouvi sustentar a um Preopinante, eu os julgo ainda mais impoliticos, mais futeis e mais reprovados. Quaes forão os motivos os

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tensivos da corte do Rio de Janeiro? Queremos segurar a paz e o socego de nossos vassalos; as dissenções que tem lugar além de nosso territorio nos ameação todos os dias, logo temos direito a occupar o vosso. Isto he o mais injusto, e o mais futil. Pois para defender a segurança dos mais, vassalos (que assim se falava no tempo em que se fez a occupação) hei de concluir, que desde logo me seja preciso passar além dos liames que me estão traçados por convenções, e por tratados, e que tenho direito a occupar o territorio, que não he meu? Porque me não deverei antes restringir aos meus limites e dentro delles evitar essas aggressões, e repetilas mais facilmente reconcentrando minhas forças? Não vejo por este lado principio nenhum que autorise a occupação, nem o ha tambem no direito das gentes para occupar um territorio por causa de haver nelle dissensões intestinas: este principio ainda o não vi consignado senão no codigo dos usurpadores. Em segundo lugar, se se querer dar valor ao outro principio, que se diz autorisa essa occupação, pela mudança das instituições de um paiz, quero dizer, vizinho: se se póde autorisar qualquer Governo, ou mais vizinho, ou mais afastado a oppor-se a quaesquer discordias intestinas de outro, quando julgue que ellas podem ter alguma influencia no teu systema politico, então digo que isso he o mais injusto, e o mais impolitico, e que tambem o não vi ainda consignado senão nas declarações da Santa Alliança contra Napoles, ou na Chancelaria das conferencias de Troppau, e de Laibach. Logo quer sejão esses pretextos, ou essas queixas ostensivas, que alguns querem dar por muito boas, ambas ellas são reprovadas pela justiça, e pelo direito das gentes. Esta injustiça porém ainda apparece mais flagrante, quando se attende, e se considera o tempo em que se fez a occupação. A guerra tinha acabado na Europa; a alliança entre Hespanha, e Portugal do facto estava feita, era notoria, e por todos reconhecida; nós tinhamos ajudado os hespanhoes, e elles a nós na expulsão dos francezes, que tanto mal tinhão causado á Peninsula. Senão havia tratados, havia paz; existia a mais perfeita harmonia entre as duas nações; uma aliança de família a confirmava, o foi neste comenos que o imperito gabinete do Rio de Janeiro no mesmo tempo que accendia os fachos de hymeneo, accendia os da guerra, mandando tropas occupar aquelle territorio de Monte-Video. Que cousa mais monstruosa! Que proceder mais revoltante! Fazer marchar uma alliança e par das tropas! Tirar a espada, e dar a mão! Não ha exemplo de tamanha contradicção, de tamanha injustiça, e de tamanha impolitica. Toda a Europa taxou o nosso procedimento de perfido, e de injusto. As cinco cortes que se quizerão fazer medianeiras neste negocio, Inglaterra, França, Prussia, Russia, e Austria, todas cinco por seus cinco ministros declararão a abhorrencia que elles tinhão a terião sempre por um semelhante procedimento. (Contradicção manifesta certamente com os principias que essas mesmas cortes adoptarão depois em Troppau , e em Laibach ; mas dessas contradições esta todo o mundo cheio.) que se seguiu daqui? Primeiramente quebrantamos tratados, passando além de nossos limites. Em segundo logar que fizemos nós com isto? Vamos a entrar no segundo ponto que eu quiz considerar. Inutilidade, e vaidade no fim da occupação. Por mais que eu examine,qual fim de utilidade nacional se póde ter na occupação, não venho a descubrir se não aquelle, de que he melhor, ter este limite; ou de que esta praça he a chave do Brasil; ou, de que este terreno he pingue, he proficuo, he de terreno de que se podem tirar grandes utilidades. E por isso só deve occupar-se? Ninguem póde dizer um tal absurdo; Já o Sr. Trigoso mostrou, que taes razões não são sufficientes para justificar a occupação de Monte-Video; porque se fosse injusto que o occupassemos, ou o conservassemos, todos os principios de utilidade deverião ceder á justiça. Mas diz-se, nós precisamos de estender os nossos limites para a prosperidade do Brazil. Ah! senhores, que futilidade ! Nós temos a centesima parte apenas dos moradores, que podem habitar naquelle vasto territorio; nós não podemos occupar e cultivar, senão um atomo (talvez não seja exaggerada esta expressão) e queremos ainda estender o territorio do Brasil!!... Nunca houve exemplo, a que tenha mais justa applicação o dito de Montesquieu, se dois soberanos occupassem elles só o orbe inteiro, estes dois naviios de litigar entre si sobre a linha de demarcação dos seus vastissimos estasdos, bem se vê que assim seria neste insensato projecto de entender um territorio, que jamais se póde povoar. Nós temos por nossa uma porção formidavel do Novo Mundo, e sobre a linha de limites ainda contendemos a empregamos homens, dinheiro, e negociações para conservarmos tão louca empreza. Isto he verdadeiramente rediculo. Ora e quanto não parecerá isto mais rediculo e mais insensato se formos a examinar os meios, que havemos de empregar para vir ao cabo deste projecto? Quem dirá que não tem elle sido, e continua a ser o mais ruinoso para nós? Como havemos de conservar tres ou quatro mil homens de tropa a tão grande distancia, e continuar a fazer despezas como até aqui? Diz-se, as despezas tem sido extraordinarias; mas podemos reduzilas. Supponhamos tem grande reducção; que comparação póde ter a reducção com o montante do nossos actuaes recursos? Daqui de Portugal ião seiscentos contos de réis cada mez para esse ruinoso destino! Apesar disto, e apesar dos emprestimos continuos que o banco do Rio de Janeiro fez á corte do Brazil, a maior parte dos quaes se consumia em Monte-Video, ainda hontem me foi asseverado por um official, vindo ha pouco daquelles sitios, que se devem 26 mezes áquellas tropas. E ainda se diz, que he util conservar essa occupação, e que a podemos conservar. O fim he vão, he inutil; os meios são ruinosos, e ainda havemos de persistir em similhante inepcia ? O ponto a que tenho trazido a discussão me faz lembrar uma resposta á observação do Sr. Trigoso , sobre que fez principalmente versar o seu discurso. Não duvida o meu illustre Collega e Amigo da injustiça, e da inutilidade da empreza, e de que os meios sejão ruinosos; mas quer que conservamos Monte-Video para o restituir em occasião opportuna. Ora, se he verdade quanto tenho dito aqui, se ha alguem que me ouve, que es-

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seja penetrado, ou das idéas de injustiça, ou da ruina, que manifestei, quem póde admittir similhantes embaraços? Admittindo-o he mesmo que dizer: nós temos perdido muito até ao dia de hoje; mas continuar-nos a perder; ainda não sabemos a quem devemos entregar esse territorio; nem devemos, ou não ficar com elle; mas continuemos a gastar, e a arruinar nos a ver se salvamos essa ruina achando quem haja de nos indemnizar; eu respondo: ainda que chegasse o tempo de fazer a esse fim, negociações, a quem pediriamos nós indemnidades? A Hespanha? Não; porque Hespanha dirá "Eu não vos mandei accupar aquelle territorio; quando vós o fosteis occupar contra os dictames da justiça, eu tinha probabilidade de conservar nelle a minha soberania; vós fosteis privar-me dessas esperanças; e que quereis agora? Accrescentar a minha aflicção? Aggravar a vossa injustiça? Ha de ser aos povos da margem direita do Rio da Praia? Ha de ser ao Governo de Buenos-Ayres? Este dirá: muito a nosso pesar occupasteis esses praça; he verdade que nós tínhamos uma questão com esses a quem vós expulsasteis; mas nós não vos devemos nada; em quanto não temos força não vos deitaremos dahi fóra, e em tanto que a não tenhamos continuai, se quereis, a fazer as despezas, que fazeis. Estão fechadas pois as portas da indemnide, e da utilidade publica, pela impericia do gabinete do Rio de Janeiro: nós não temos a quem pedir indemnisações; aquillo que he injusto nunca póde produzir effeitos conciliaveis com a justiça; temos exauride o nosso thesouro, e causado a ruina de nosso commercio; aquelles flibusteiros cubrirão os mares de corsarios, atacárão-nos, e causarão gravissimas perdas á patria; tudo he sem remedio, tudo he devido á falta de fé, e á más cabeças de um ministerio inepto, sem experiencia, sem saber, a talvez corrupto. Digo por tanto, que não he admissivel aquella idéa do Sr. Trigoso. Sim; admito a idéa que nós hajamos de de fixar nossos limites por uma vez, e guarnecelos com, tropas daquelle paiz: adopto a outra idéa da que essas mesmas guarnições sejão substituidas por tropas do Rio Grande, e S. Paulo, que sem duvida o farão com efficacia, e energia, como interessados: mas que a tropa europêa continue a estar em Monte-Video fazendo á Nação tanto peso como até aqui, que a tropa europêa a quem se prometteu que regressaria para a Europa, continue a estar condemnada a permanecer naquellas tão longinquas paragens, e que continuemos a arruinar-nos, não será esta nunca a minha opinião... Esqueceu se-me com o calor da discussão responder a uma idéa, que julgo muito principal neste assumpto, e que he a depertender justificar a occupação de Monte-Video, dizendo que não ocpupamos Monte-Video, porque queiramos usurpar á Hespanha esse terreno; mas como a Hespanha não tinha força para o manter e estava sujeito a dissenções que o fazião ser presa de outros nós o fomos occupar! Que bello pretexto! Este he um argumento que só na epocha presente, em que todas as idéas politicas se transtornão, poderia fazer-se. Com que, porque ha dissensões n'um tertorso, que pertence a outra potencia, póde um terceiro dizer: Eu vou occupalo! Neste caso se o Maranhão e o Pará travassem uma contenda, que diriamos nós, se a Inglaterra ou a França dissesse, porque existia em grandes dissenções, e isto póde arrastrar-vos á desgraçada, eu vou occupar-vos; e hei de estabelecer não só o meu direito militar de occupação, senão o da aposse.Não he isto justificar a legislação de tertius goudet? Taes idéas de politica não podem achar-se senão nos livros dos Tamerlães, mas não nos codigos da Europa civilisada. Concluo pois, que approvo que se trate de fixar os limites do Brazil por aquella barata; e que se recomende ao Governo que assim se faça: que se fação respeitar com um corpo do tropas aquelles limites, e se castiguem, aquelles que nos inquietarem: mas que os tropas sejão do paiz, e que as que estão em Monte -Video regressem para a Europa; (Apoiado, apoiado.)
O Sr. Castello Branco: - Depois de quanto se tem dito nesta materia pouco ou nada me restaria a mim a dizer; mas pois que nas differentes vezes que se faz depender das questões interesses particulares da Brazil, e de Portugal sobre o modo de discorrer se julga de mais ou menos liberalidade, tanto basta para que eu não possa consentir, que a minha opinião sobre a tal materia fique já mais desconhecida. Neste momento não me lembro se não que sou um portuguez a quem a Nação encarregou de vigiar sobre os seus direitos, e procurar os melhores meios para a sua prosperidade: todas as razões estranhas afastão-se absolutamente da minha imaginação; e por tanto seja qual for a interpretação que se dê á minha opinião, eu devo pronunciala sem nada recear. Trata-se a questão de se se deve continuar a occupar Monte Vídeo, ou se se deve evacuar aqulle paiz. Sem referir as minhas idéas á origem deste acontecimento, nem as razões que levárão ao gabinete do Rio de Janeiro as pretenções estranhas sobre este paiz, eu me limito a discorrer sobra a questão tal qual acabo de expôr, ou por melhor dizer, eu limito-me a considerar o que este Congresso deve sómente tratar, e he, se se deve decidir a continuação da occupação, ou a evacuação de Monte Vídeo. Todas as questões políticas tem duas faces diversas: uma de justiça, e conveniencia, e outra de injustiça. Que he pois o que deve fazer o homem de Estado quando tem a pezar na mão os interesses das Nações? O que deve sem duvida (sem de maneira alguma se embaraçar com idéas de apparentes vantagens) considerar o negocio por todos os lados que elle apresenta; indogar e conhecer perfeitamente todas as suas relações, e depois pezar na fiel balança as rozões contrarias, para por fim poder concluir de que parte está a razão, a justiça, e a conveniencia geral: advertindo tambem, que elle deve ser sempre prompto em sacrificar o bem menor á consideração do mal maior; pois sem duvida convêm mais que eu me prive da esperança de um bem, de que posso indemnizar-me por outra parte, do que expor me a um mal, que uma vez verificado sem duvida alguma de todo me arruinaria, e me deixaria sem remedio. Eu seria imprudente se em uma tão desigual alternativa mettesse os povos cujos destinos me são confiados. Ora no negocio de que tratamos eu noto que tanto quem se declara por uma opinião, como

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quem se declara pela contraria, todos concordão no mesmo resultado final: todos são animados da mesmo espirito do bem publico; pois cada um faz depender da sua decisão o decoro da Nação, a maior segurança do Brazil, e a vantagem do commercio particular: ha só a differença que entre uns e outros ha diversidade dos meios que cada um adopta; mas isto he uma prova de que este negocio, apesar do que se tem discorrido sobre elle não está bem examinado: eu vou entrar neste exame. Diz-se primeiramente, que interessa o decoro da Nação na occupação de Monte Video, e eu digo pelo contrario, e desde já declaro a minha opinião, que interessa o decoro da Nação evacuar Monte Video. Quando he que uma Nação sustenta o decoro, e a gloriado seu nome? Quando adhire aos princípios de justiça, e ás promessas dos tratados ella sabe sacrificar seus proprios interesses. Partindo destes principios, de que ninguem póde duvidar, pergunto eu: porventura antes de mil oitocentos e outo, época que transtornou nosso horisonte político, pois que foi aquella em que a familia Real partiu daqui para o continente do Brazil, por ventura estavamos nós de posse de Monte Video, ou contestavamos a alguem os direitos sobre esse paiz ? Acaso os povos de Monte Video erão nessa época reconhecidos livres, e nos convidarão elles para se nos sujeitarem? Não certamente, e nada me consta que possa oppor-se a esta minha asserção. Bem pelo contrario, á mão armada sem outra razão mais em nosso favor, que a de conveniencia, nós occupamos militarmente aquelle territorio. Se nós o evacuarmos, se nós o largassemos porque conhecemos que o devemos fazer; porque reconhecemos a injustiça daquella accupação, poderá alguem por isso taxar-nos de fracos ? Não he certamente o valor que se emprega em sustentar injustiça, e violencia o que acredita as nações civilizadas; esse he o valor do barbaro, que similhante ao tigre procura invadir o paiz para poder saciar a sede ardente de sangue que o devora. Os portuguezes parece tem mostrado que sabem defender valorosamente seu proprio paiz: nunca os factos gloriosos de nossa historia forão manchados com uma acção de fraqueza: e ora depois da liberdade, que recobrou esta heroica Nação alçou mais seu natural valor. Não pensem tambem os portugueses, que evacuando Monte Video nós percamos alguma parte do territorio portuguez. Monte Video não era nosso, nós o occupamos injustamente; e devemos restituilo se consultamos a justiça. Eu mesmo não permitto neste Congresso que se sanccionasse na nossa Constituição, nem ao menos a possibilidade de alienar uma pequena parte da monarquia portuguesa; mas não tratamos agora da indivisibilidade da monarquia portugueza. Eu espero no bom animo da Nação Portugueza, eu confio no seu valor, que ha de conservar sempre seu territorio; mas agora não se trata de desmembrar nada delle, trata-se de um acto de justiça, e esse acto de justiça a pratica com quem destingue mais seu verdadeiro valor. Em segundo lugar diz-se, que a maior segurança do Brazil está connexa com a continuação da occupação de Monte Video. Se acaso os antigos collonos do Brazil tivessem desde logo estendido seu estabelecimento até á margam esquerda do Rio da Prata, e se se tivessem depois conservado sem interrupção ; e contestações, he sem duvida que seria uma grande vantagem para o Reino do Brazil ter ao sul uma barreira tão forte, quanto o Amazonas ao Norte; mas já que assim não foi, resta saber no momento actual, se conservando-se agora esta barreira, que com injustiça, e violencia se adquiríra, o Brasil ficará por isto mesmo mais seguro. A legitimidade dos direitos he o meio mais efficaz para a segurança de um paiz: attendamos, que os povos defendem de melhor vontade, e com mais animo aquelle territorio de que tem a consciencia que he seu proprio, e que o inimigo ambicioso lhe quer usurpar. Tambem se esse inimigo ambicioso lhe quer atacar suas possessões legitimas, não he então que elle encontra apoio nas nações vizinhas; todas ellas fazem ordinariamente causa commum com o offendido, e opprimido; e aquelle que ousa transgredir estes principios de justiça quando julga atacar a um só, acha-se com muitos inimigos. He á pratica destes principios ou para melhor dizer, he a estes principios praticos, que muitos pequenos Estados devem ha séculos sua existencia, ao mesmo tempo, que transgredindo os grandes imperios tem succumbido. Eis o caso em que se acharia presentemente Portugal, se se obstinasse em occupar injustameate Monte Video ; se em troca de uma posição mais vantajosa que lhe poderia ter util n'um momento, o Brasil Viria attrair a si o odio, a inveja, e a desconfiança de todos os povos da America meridional: e por consequencia se elle por este modo póde attrair guerra, de que póde dispensalo um acto de justiça, como he que eu posso julgar interessada a maior segurança do Brazil na occupação do Monte Video? He por esta segurança do Brazil que eu voto, que se deve evacuar Monte Video. Diz-se em terceiro lugar, que a occupação oriental do Rio da Prata seria vantajosa para o commercio. Convenho: se o commercio se podesse extender lhe seria mais vantajosa ; porém não advertimos nós, que quando temos em vista augmentar o commercio de tres provincias do Brazil nós vamos expor o commercio geral do Brazil, e o de Portugal? Não he o que tem acontecido depois da injusta invasão dessa provincia da margem esquerda do Rio da Prata? Por consequencia tudo demonstra que a occupação de Monte Video he contraria ao decoro, e á gloria da Nação, á maior segurança do Brazil, e até mesmo ao commercio Portuguez: e por estas mesmas razões eu voto pela evacuação de Monte Video. Agora resta-me a questão, que he, se sanccionondo o soberano Congresso a evacuação de Monte Video, como he que isto se deve pôr em pratica, visto os grandes inconvenientes que resultarião dessa prompta evacuação. He sem duvida alguma, que ainda que nós devamos commiseração aos pobres habitantes da provincia, com tudo de rigor elles não tem direito algum a nosso respeito: não forão esses povos com quem se celebrou o pacto social: he áquelles que fazem as partes constituintes da monarquia Portugueza, a quem nós devemos os direitos, que o Governo se comprometteu a fazer respeitar, e a Nação inteira garantiu. Mas não

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he a uma Nação estranha, que não pode ter no rigor da lei direito ao goso dos mesmos beneficios, que nós sanccionamos para os cidadãos Portuguezes. Com tudo uma nação que deve ter benefica em toda a extenção da palavra, e uma nação livre que se compõe de individuos em quem devem existir estas qualidades, não os deve deixar de os professar altamente; e por conseguinte deve ter em consideração a sorte daquelles habitantes. Porém não he no Congresso que se póde sanccionar o modo porque se ha de fazer essa evacuação, modo que manifeste á Europa inteira a nossa justiça, e que ao mesmo tempo não torna desde logo desgraçados individuos que tem estado até agora sujeitos as nossas acções. Tambem não se pense, que porque nós evacuemos Monte Vídeo, nós percamos irremessivelmente as vantagens que podemos tirar da posse desse mesmo paiz: se he certo, que a vontade desses povos se tem declarado pela união á Monarquia Portugueza, porque razão os havemos nós irremessivelmente regeitar? Entre tanto nada poderiamos fazer presentemente sem que isso fosse declarado por uma livre enunciação. Os povos da America meridional de Hespanha podem querer fazer uma confederação entre si, e então podam julgar-se com direito a obrigar aquella provincia a fazer parte dessa mesma confederação, e por consequencia se nós quisessemos sustentar pela força a incorporação voluntaria dessa parte á monarquia Portuguesa iriamos carregar sobre nós graudos males. Se depois deter sanccionado o acto de justiça de evacuar Monte Vídeo, esses povos quizessem livremente incorporar-se; se essa incorporação fosse reconhecida, então veremos as vantagens que nos podem resultar dessa união, mas isto por um modo justo e legal, e já mais fazendo a nossa Utilidade, e sobre injustiça, e usurpação.
O Sr. Soares Franco:- Eu não pertenderei cercar de illusões o entendimento dos Deputados, falarei a verdade singela absolutamente; porque quando qualquer problema politico se cerca de illusões, e embaraços não se póde acertar facilmente com a resolução. (O Orador aclarou a questão adherindo-se ao voto dos Srs. Maura, e Miranda, e approvando o parecer da Commissão).
O Sr. Andrada:- A materia acha-se tão bem discutida por dois nobres Preopinantes, que falarão seguindo a mesma direcção, em que eu falei n'outro dia, que he quasi inutil dilucidala mais. Mas como alguns Preopinantes apresentárão argumentos, e fizerão prefacções he preciso, que eu me explique, Embora os principios actuaes nos liguem; sou Paulista, e os Paulistas não perdoão offensas velhas. A nação hespanhola foi inimiga encarniçada de Portugal desde o começo da monarquia, e no Brazil nada fez senão usurpar o que lhe pertencia, mas sim a Portugal, os seus actos de continuadas violencias azedárão-nos, e he bem excusavel que ora, que ella renova direitos sediços, e abre feridas já fechadas, de novo ellas sangrem. Rogo pois ao nobre Preopinante que permitta-me o desgostar de uma nação que tanto mal fez a Portugal, e mórmente ao Brazil, visto que eu lhe não recuso a permissão de poder amalia. Em fim não sei a que venhão as taes prefacções Quanto ás razões quê se derão para a occupação de Monte Video, diz-se que as que se pretextárão no Rio de Janeiro forão injustas: eu creio que são justas. Diz um Preopinante, que só em Laybach se admittem taes razões; enganou-se, ou leu pouco. As sociedades são como os homens, mas não como os homens naturaes, sim como homens sociaes: as sociedadas se achão umas a respeito das outras não como os homens no estado selvatico, senão como homens no estado social. E mesmo quando fossem como os homens naturaes, nem por isso ficarão em inteira independencia, quando o ente moral não póde haver tal independencia, suas acções são sempre dirigidas pela razão, que he a soberana moral dos entes livres, e que lhes dieta, que o que damos aos mais, não lhe he permittido. Este he o direito publico, que seguem quasi todas as nações da Europa, não sómente se têm declarado em Tropau, Layback, e Carlsbad, tambem París e Londres o reconhecem; este he o direito publico que tem definido immensidade de escriptores reconhecidos por partidarios da liberdade, he o que apregoa um Burke nas suas reflexões sobre a revolução da França. Quanto aos motivos que a Corte do Rio de Janeiro avançou também não são excessivos, porque aliás no caso exposto por um nobre Preopinante, toda a guerra defensiva deixa de ser permittida. Quando uma nação vizinha faz correrias n'um paiz ha direito de atacala; primeiramente pedem-se explicações ao Governo, e senão as dá, e não evita o mal, se lhe declara guerra. Neste caso se achava Monte Video, um chefe que ninguem reconhecia fazia correrias em nossos paizes, correrias, que perturbavão o socego publico e não se podia recorrer a Hespanha, e por isso se occupou aquella praça, e obrou o gabinete do Rio da Janeiro muito conforme aos principios de direito publico: todas as vezes que se violão meus direitos posso não sómente defender minhas possessões, mas até avançar a perseguir nas outras o injusto aggressor, e ir tomar indemnisações pelas injustas perdas que me causão; este he o direito da guerra, este foi quem justificou a invasão das Floridas feita pelos Estados Unidos, para castigar os Seminoles, que aí se albergavão, e de onde fazião correrias. Falou-se aqui dos grandes perdas feitas, o que se hão de continuar a fazer na occupação de Monte Video; mas o que se devia provar era, que nunca poderíamos ter lucro nesta incorporação; e isto se não provou: e eu não vejo como hajamos de abandonar esse ponto só pelos motivos de alguma despeza, despeza esta que ha de ser muito menor, porque faremos economias, que deveriamos ter feito, e não se fizerão. De mais disso estas despezas devem diminuir todos os dias, visto que os habitantes de Monte Video estão hoje amalgamados connosco; a maior parte são parentes e amigos. Um nobre Preopinante falou sobre correrias, falou sobre povos bárbaros, dizendo que o modo de peleijar dos habitantes daquellas provincias era como o dos Tartaros; pois por essa mesma razão quanto maior espaço aberto haja, mais perigo temos; por isso he que eu quero pôr entre elles e nós uma raia respeitavel. Diz-se que esse ponto não he a chave da defeza, mas não he este ponto só, he toda a

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provincia, e eu assim a considero por mais que digão alguns Senhores em contrario: he verdade que eu não sou militar, mas como alguns dos que falárão tambem o não são, creio que estão igualmente hóspedes, como eu, na materia... O Sul do Brazil he a parte por onde o Brazil he mais vulneravel, e para isso he muito interessante aquelle ponto de defeza. Porém eu tambem digo, e reconheço, que esse motivo de conveniencia não bastava para a occupação de Monte Video, mas essa occupação foi fundamentada em motivos muito justos, e não ostensivos, senão verdadeiros; e não sei como existindo agora os mesmos se poso votar pela evacuação. Diz-se que não se póde pedir indemnização a Hespanha no caso de entrega: eu diria que sim: se por falta de intelligencia de Hespanha, se por seu abandono reduziu aquella provincia a esse estado de convulsão, nociva aos seus vizinhos; e contribuiu a que nos causasse males, á ella temos direito de pedir indemnisação das despezas que fizemos para livrarmo-nos desses males. Por conseguinte voto contra o parecer da Commissão: se se querem retirar as tropas Europeus, embora se relizem, mas deixe-se o cuidado de conservar aquelle territorio ás tropas Brazileiras. Os Paulistas, sobre quem de facto tem carregado o pezo da guerra, (porque tem morrido lá mais de tres a quatro mil homens) todavia não se queixão. como he pois de esperar que se queixem Portuguezes? Morrêrão porque a morte a ninguem poupa; morrêrão porém com honra, morrêrão defendendo a dignidade do nome portuguez, morrêrão como todos devemos desejar morrer; invejemos a tua sorte, não a lamentemos.
O Sr. Freire: - Eu apoio o parecer da Commissão, e reprovo completamente as idéas dos que falarão no sentido que acaba de fazer o illustre Preopinante. Approvo, digo, o parecer da Commissão, e reprovo a occupação de Monte Video porque a acho injusta, impolitica, e prejudicial tanto a Portugal como ao Brazil, ou, por melhor dizer, á nação inteira, porque não entendo destas separações que acaba de fazer um illustre Preopinante. Postos estes principios eu digo, que não reconheço justiça alguma na occupação de Monte Video, por isso que em geral não reconheço justiça alguma, que uma nação qualquer possa livremente occupar territorio de outra, quaesquer que sejão os pretextos, que se possuo allegar, ou estes provenhão de principios de conveniencia, ou de receios, que as opiniões que grassão em um paiz vizinho se possão communicar ao proprio, he porém de pezo a opinião enunciada pelo illustre Preopinante, que uma nação tem todo o direito de fazer algumas vezes uma guerra offensiva, e logo determinarei o caso em que isto póde ter lugar; mas em geral digo, que essa idéa he injusta; porque se se admittisse esse principio nós iriamos authorizar, não só o que tem feito a Santa Alliança, mas o que tem feito todos os governos absoluto. Dize-se que esta doutrina tem sido geral na Europa, tem, mas porque? Porque tem sitio geral na Europa o governo absoluto, e despotico. Sabe-se que tem sido taes principios de conveniencia adoptados na Europa, que quem he senhor de uma terra ha de ser senhor das montanhas que a dominão;
que o que he senhor das montanhas ha de ser senhor do valle; que o que he senhor do valle ha ser senhor do rio; que o que he senhor do rio ha de ser senhor da borda opposta, etc; mas vamos a ver aonde nos leva esse raciocinio, e vamos a ver se isto nos conduz ao contrario do que se quer estabelecer no Brasil. Por ventura se convém ser senhor das terras adjacentes, e das alturas que as dominão, e assim sucessivamente, não iremos marchando n'uma linha paralella desde Portugal a Hespanha, de Hespanha a França, do Rodano ao Rim, do Rim ao Danubio, do Danubio ao Vistula, do Vistula ao Don, etc. e querer que taes linhas divisorias dêm um titulo legitimo para a occupação do territorio alheio não he o maior dos absurdos? Todos sabem que antigamente se costumava avançar estas apparatosas opiniões, e que estes erão annuncios com que no tempo do despotismo do maior dos homens, que houve na Europa, se quizerão cohonestar suas usurpações; mas isto deve desapparecer dos principios actuaes da Europa livre, e regenerada. Diz-se tambem, devemos occupar a margem oriental do Rio da Prata, por isso mesmo que a natureza dos limites do Brazil assim o exige: mas entra na cabeça de alguém, que se o Brazil fosse uma potencia povoada, segundo a sua extensão, seria sujeito a uma só pessoa. Por ventura não offerece tres divisões naturaes? Pois se conhecem estas, verdades de intuição do mappa do America. Se o Brazil he um territorio immenso, que se chegar um dia a ser povoado não só ha de fazer essas divisões senão outras muitas, que hoje não são sensiveis pela mesma causa de despovoação, como se trata dos seus limites serem a Prata, e Amazonas, e são elles actualmente? Perguntarei eu ao Preopinante que avançou essa epinião, nós não occupamos ambas as margens do Amazonas? Não haveria uma potencia que por semelhantes principios se julgasse com igual direito a desalojamos de uma dellas? E convirião nisto os illustres Preopinantes? Pois he aqui aonde nos vão conduzir os seus principios: meu modo de pensar porém he que não convém nem um, nem outro caso, porque não he justo; e nunca convém o que não he justo. Disse um illustre Preopinante que uma nação tem direito a ingerir-se nas desavenças de outra quando as suas idéas são subversivas. Que quer dizer isto! Idéas subversivas entendo eu para com o governo da mesma nação; mas subversivas para com outra nação, serão quando não agradão á nossa politica; e porque não nos agradem , porque tendão a estabelecer um governo differente do nosso, ou um pouco mais livre teremos nós direito de oppôrmo-nos a esse direito dos povos se constituirem, como lhe convier? Convém-nos seguir tal doutrina? Ninguem o dirá: se isso se concedesse concedia-se tambem como legal a ingerencia das potencias europas contra aquellas que se querem constituir de differente modo. Portanto, tambem semelhante argumento julgo que não tem lugar. (Apoiado, apoiado.) Resta outro argumento apontado, que tambem já disse que merece consideração, e he o de que nós tinhamos direito para fazer uma guerra offensiva, e que tal foi a que fizemos. Isto he novo para mim; eu direi o que entendo por guerra offensiva le-

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gitima, e justa. Quando uma nação tendo soffrido offensas de outra pede satisfação, apresenta as queixas, em que se funda, e não he attendida, apresenta o seu manifesto de declaração, e a final não lhe restando meio de conservar a sua independencia, e dignidade, começa as hostilidades, e invado o paiz, digo que a offensiva he justificada; mas fez-se isto no caso de que se trata? Eu vejo que não se fez tal. Em consequencia aonde está o titulo que autorizão esta guerra offensiva? Aqui não houve mais que uma occupação militar, e esta occupação ha de ter um termo. Eu julgo que Monte Video não se póde demorar por mais tempo occupado, sem que sejamos obrigados a uma explicação, explicação que nos póde ser desvantajosa por vermo-nos obrigados a sustentala á força de armas talvez com descredito, e prejuizo da nação portugueza. E a política pede que não entremos em questões com os possuidores , que de direito, ou de facto dizem que lhe pertence este territorio. Tenho olhado a questão pelo lado da justiça e política, resta-me agora ver se os motivos de conveniencia são taes que nos obriguem a esquecer-nos dos motivos de justiça. Eu acho que não ha nenhuns, e acho mais, que me parece que provarei muito simplesmente , que mesmo por motivos de conveniencia não devemos occupar Monte Video. Diz-se que a razão porque o devemos occupar he, porque de outro modo expunhamos o Brazil, e principalmente as provincias de S. Pedro, e S. Paulo a ser invadidas pelas tropas dos insurgentes, e que por isso convém tomar aquella posicção. Primeiramente todo o mundo vê, que aquella não pode ser a verdadeira linha de defeza do sul do Brazil, basta ver que desde os primeiros limites do Brazil até essa linha, que por ora não he senão um ponto, ha cento e tantas legoas; e quem dirá que tal linha possa subsistir sem poder subministrar-lhes meios de defeza e de manutenção. Por agora não he senão um ponto, mas supposto que fosse linha, como se tinha de manter? Que he esse ponto a respeito daquelle immenso territorio, e como se imagina que esse ponto seja a chave do Brazil? Que mesmo defendido o Rio da Prata, póde ser atacado por toda a frontreira hespanbola, he pois a minha opinião neste objecto, que de nenhum modo póde ser util a occupação desta linha; poderia ser util se por meio de negociações amigaveis fossemos senhores de toda essa immensa possesão e viessemos a povoala, mas devemos renunciar a projectos de conquista, e devemos entregala porque não he nossa, e fortificar a nossa linha do Rio Grande, que he susceptivel de defesa, e está ao alcance de ser socorrida a todo o momento: em consequencia, por principios de justiça, de politica, e de muito conhecida utilidade sou de voto que se deve abandonar o territorio de Monte Video.
O Sr. Franzini: - Eu pelo contrario acho que depois dos sacrificios feitos seria injurioso largarmos a Monte Video. Até agora tem havido, acerca do interesse da occupação de Monte Video, muita divergencia de opiniões; mas considerão-no como um ponto importante de defesa, dizendo, que he a chave da America meridional, e outros dizem, que he insignificante: eu não sou desta ultima opinião, e sustento
que Monte Video he de summa importancia, asseverando sem receio de ser contradicto, que he a chave da navegação do Rio da Prata; e que quem o posue he senhor dos interesses commerciaes de Buenos Ayres. Para o provar seja-me permittido fazer uma breve discripção do Rio da Prata. Este rio, que he navegavel por espaço de 500 leguas, vem terminar na sua foz com uma largura de 35 leguas. A margem meridional deste magestoso rio he cheia de bancos, por cujo motivo os navios, que demandão aquelle rio são todos obrigados a navegar ao longo da costa do Norte, e as embarcações, que se dirigem ao porto de Buenos Ayres são obrigadas a arribar a Monte Video, para aliviarem a sua carga; e por tanto quem he senhor de Monte Video, he arbitro do commercio do Rio da Prata. Por estas razões eu nunca serei de parecer (além de outras muitas, que opportunamente se tem manifestado) de que seja abandonado Monte Video. E pergunto eu; a quem havia de entregar-se? Diz-se que a seus habitantes; mas todos cabemos, que seus habitantes tem uma força diminuta, que os partidos se accenderião de novo, e que em vez d'um, bem, lhes iriamos fazer presente de todos os horrores da guerra civil, e da anarquia. Tem-se dito com muita razão que a occupação de Monte Video tem causado uma grande ruina aos intresses da Nação: he uma verdade inegavel, que os sacrificios tem sido enormes; e baeta lembrar-nos, que esta conquista tem originado a perda de mais do um cento dos nossos melhores navios mercantes; porém pela mesma razão, que os sacrificios serão enormes, o já estão feitos, he que devemos conservar a Monte Video, para ver se de algum modo os podemos resçareir, além de que o numerario para a despesa da sua manutenção poderemos havelo avaliado rendimento das suas alfandegas, uma vez que se adoptem arbitrios economicos nas despezas publicas, como já se indicou.
Tenho ouvido que as alfandegas rendem annualmente 700 a 800$ duros, o que não me admira, porque o commercio de Buenos Ayres he immenso, e como já disse, todos os navios são obrigados a tocar em Monto Video. Pelo que pertence ás tropas eu tambem sou de parecer que devem regressar; mas dos immensos portos do Brazil podem-se destacar ontras tropas, que vão render aquellas; e esse motivo não me parece exigir a evacuação. Diz-se porém que a Hespanha poderia levar a mal que nós continuassemos a occupar Monte Video; mas não vejo que isto possa ter lugar, porque desgraçadamente a Hespanha tem perdido o seu dominio em toda a America; e na realidade se evacuavamos Monte Video, não sei a quem o havia-mos de ceder. Concluo por consequencia, que por ora convem conservar Monte Video, e esperar a tempo, em que sendo necessario, se possa fazer honrosamente, e com vantagens para Portugal.
O Sr. Guerreiro: - Antes de lançar a minha opinião sobre uma materia tão largamente discutida, peço que se me indique o motivo porque esta questão veio ás Cortes.
O Sr. Braamcamp: - Por ordem das Cortes foi á Commissão; não creio que deve dar outra resposta.

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O Sr. Guerreiro: - Pergunto Se foi por Officio do Governo.
O Sr. Braamcamp: - Foi por um officio do Governo; mas apezar de que no parecer da Commissão não se faz menção do acto de incorporação, já se disse que tambem o Congresso o devia tomar em consideração. Se no parecer da Commissão não se trata della foi porque muitos Membros jurarão que devia ser discutido em sessão secreta. Porque Hespanha queixa-se, e parece que de algum modo com razão de ter isto sido sofifeitado por alguma maneira pelo Governo de Portugal. Hoje, que já aqui se tem tratado desta materia póde-se discutir publicamente, e peço se não considere desligado o acto de incorporação da questão principal que se trata.
O Sr. Guerreiro:- Requeiro que se lêa o officio, e depois direi a minha, opinião.
Alguns Srs. Deputados manifestarão que não era necesserio.
O Sr. Guerreiro: - Pois como vejo que não se julga necessario, não insisto em que se lêa. A questão principal não he tratar-se da justiça ou injustiça da occupação de Monte Video, he tratar-se da justiça ou injustiça, conveniencia ou desconveniencia da união de Monte Video a Portugal; e da conservação de um corpo de tropas de Monte Video. Este objecto póde olhar-se debaixo de considerações militares, diplomaticas, e politicas. Pelo que respeita ás militares, se convém ou não convém a conservação de forças portuguesas naquella praça, se he propria a sua conservação para defender as fronteiras das provincias meridionaes do Brazil, ou não, parece que isto não he da competencia das Cortes, nem estas podem jamais com perfeito conhecimento de causa tomar uma decisão a este respeito; mas sim he da competencia do Governo, que deve manter a segurança publica, e collocar a força armada conforme julgar mais conveniente. Olhando esta materia debaixo da consideração das relações diplomaticas talvez seja este o ponto que deva merecer mais a nossa attenção. Se se for a considerar em quanto á occupação primitiva ser-nos-hia necessario, para decidirmos da sua justiça ou injustiça, entrar em alguns detalhes e talvez verificar alguns factos em que me parece não estão concordes alguns Deputados que me precederão a falar. Eu concordo com os Srs. Deputados, que seja qual for a forma de um governo que adopte uma nação, sejão quaes forem as maximas que houvesse adoptado, uma vez que se contenhão nos seus limites, não tem direito a intrometter-se nas desavenças de outra nação, nem occupar em tempo de paz alguma parte do seu territorio; mas ha outra questão de direito de gentes , e que talvez poderia servir a justificar a occupação de Monte Video, e he, se quando uma nação neutra he tão fraca, que não póde continuar a defender-se, e conservar a paz no seu interior dando causa a alterar o socego da nação vizinha, tenha esta o direito de podêla occupar para evitar os males que lhe causa; e parece que todos os publicistas estão concordes em dar este direito: e póde muito bem ser (o que não affirmo porque não tenho exacto conhecimento desses factos) póde muito ser,
digo, que para obstar ás tentativas que se fizessem contra as provincias meridionaes do Brazil, e não tendo o povo de Monte Video força bastante para conservar suas neutralidade, se visse obrigada a nação portuguesa a occupar aquelle territorio; e aqui tinhamos um meio de justificar o que temos visto atacas com tanta firmeza. Mas em fim, contra quem foi o acto da occupação? Foi contra a Hespanha! Certamente não porque Hespanha nesse tempo não podia proteger a Monte Video, o qual achava-se desligado da nação hespanhola, porque a nação hespanhola, porque a nação hespanhola tinha quebrado o pacto social em que Monte Video tinha sido parte constituinte. Sobre a ruina do pacto constitucional tinha-se restabelecido o governo absoluto, e eu creio que nenhum publicista (e menos publicista constitucional) poderá crer, que nesse caso esteja forçosamente sujeita uma provincia a conservar-se unida a uma nação. Se neste tempo tinha o Governo de Hespanha destruido o systema constitucional, claro está que nesse tempo, não conformando-se Monte Video, à Hespanha já não tinha sobre elle direito algum real; e que em se occupar por outra nação nenhuma injustiça se fez a Hespanha. Tambem se não fez à provincia de Buenos Ayres e Entre Rios: portanto só seria contra os mesmos povos de Monte Video se elles á considerassem como tal, e se queixassem. Mas queixão-se da occupação? Os factos são em contrario: tanto se não queixão, que antes pelo contrario escolherão espontaneamente Deputados de todos ás provincias para requererem unir-se a Portugal. Logo por este lado não se achar razão alguma attendivel para se evacuar Monte Video. Vamos agora a considerar a questão pelo lado politico. Ha uma provincia que não pertence a Portugal, que está livre para dispôr de si, e que pertende reunir-se a Portugal debaixo de certas Condições. Convém ou não convém acceitar? Esta he a questão principal. Toda a vez que as conveniencias sejão maiores que os prejuizos, convém. Os prejuizos não são senão fazer todas as despezas do administração publica, e as que sejão necessarias para a tropa que haja de defender aquella provincia, uma vez que não cheguem para isso os rendimentos da mesma provincia. Quaes são as vantagens? Primeira: termos por aquelle lado um rio por fronteira. Eu não considerarei militarmente esta questão porque não tenho para isso os conhecimentos necessarios mas conheço que he melhor ter por fronteira um mar, ou um rio, que uma nação vizinha. Monte Video he tambem o ponto mais interessante para o commercio da provincia do Rio da Prata, toda a nação que estive senhora de Monte Video está senhora de fazer aquelle commercio, pois largos annos se hão de passar antes de que as, provincias do Rio da Prata deixem de precisar do porto de Monte Video; e eis-aqui outra vantagem que resulta de sua conservação. Nós devemos quando nos seja possivel fazer prosperar este commercio (apoiado): devemos observar que as potencias negociantes da Europa faz tempo que tem voltado suas vistas para a America: que Monte Video por si mesmo não póde fazer uma nação, pois de certo um povo de trinta mil habitantes não póde ser nação; e por consequencia sendo abandonado de Portugal virá a

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ter preza da primeira potencia que ali queira estabelecer-se. (Apoiado) Nós devemos tomar as medidas necessarias para que não se estabeleça proximo a nossas provincias o que possa obstar aos progressos da sua industria : e se uma potencia poderosa se estabelecer em Monte Video, se uma potencia mercantil e maritima empregasse ali os recursos do seu commercio, e da sua navegação, não teriamos que recear da existencia do Brazil? Quanto maior he o vizinho, mais bem póde ser atacada a independencia. Logo todas as vistas de interesse exigem que nós façamos alguns sacrificios para conservar aquelle paiz em quanto for possivel; e me parece que ainda quando o Brazil não estivesse unido a Portugal deveria mesmo fazer sacrificios para conservar a Monte Video. (Apoiado.) Diz-se que as despezas que tem occasionado a occupação de Monte Video tem sido grandes, e com effeito o tem sido, e tem conccorrido ao nosso abatimento; porém ellas hão de diminuir necessariamente, porque a conservação de Monte Video não he só para bem do reino de Portugal, he para bem do Reino Unido, e que todo conccorra he necessario.(Apoiado.) Em segundo lugar, o Governo terá cuidado de guarnecer aquelle ponto com a tropa que julgar conveniente , fazendo regressar a que ali está de Portugal, se assim julgar que he conveniente. Por todas estas razões eu sou de parecer, que não se deve evacuar Monte Video. (Apoiado.)
O Sr. Pinheiro d'Azevedo: - Sr. Presidente Eu tambem não approvo o parecer da Commissão; e como se tem produzido para este mesmo fim tantas e tão boas razões, limito-me a uma só, muito simples mas de grande pezo. He opinião commum no Brazil, muito geral em Portugal, que a posse de Monte Video e seu territorio he muito util a todo o imperio portuguez, muito mais util ao Reino do Brazil, e utilissima às suas provincias do sul: todos os Srs. Deputados do Brazil estão perfeitamente conformes nesta geral opinião: e eu mesmo tenho ouvido e lido que a evacuação de Monte-Video seria não só um mal e um grave damno para o Brazil, mas uma verdadeira calamidade e até hostilidade... Daqui concluo que o negocio de que se trata he duvidoso, e o passo, que se pretende dar, perigoso e arriscado; muito mais porque das razões em que se funda aquella geral opinião, apenas se poderá dizer, que não são convicentes, mas nenhum homem de bom juizo e senso poderia affirmar, que não sejão dignas do maior exame e attenção. Por tanto sendo o negocio tão manifestamente duvidoso e arriscado, devemos sobr'estar nelle, para não obrarmos temerariamente, e sem a prudencia e sabedoria, que deve preceder em todas as deliberações do soberano Congresso. Neste sentido pois reprovo o parecer da Commissão, e voto primeiro que fique adiado indifinidamente: segundo que se mande vir do Brazil as informações e illustrações necessarias; pois que naquelle Reino he onde melhor se podem indagar, colligir e pezar os uteis e os inconvenientes deste importante negocio. Entretanto a ninguem se faz injuria: a Hespanha certamente não: e posto que não seja para isso necessario falar da justiça da primeira occupação, com tudo direi de passo que foi muito justa; e admittindo, como certo o principio, tantas vezes repetido por mui illustres Deputados, que nenhuma nação tem direito de se intrometter nos negocios internos das outras nações vizinhas e distantes, digo e affirmo que este principio se não póde applicar ao tyranno de Monte-Video: pois como todos sabemos que elle espalhou papeis e proclamações incendiarias pelas nossas provincias, aonde então havião muitos combustiveis, em que facilmente podia prender, e lavrar o fogo e a discordia e anarquia; e que fez correrias e que mandou cavalgatas para o mesmo fim etc., bem claro fica que nós tinhamos incontestavel direito não só de obstar a taes excessos repelindo o tyranno; mas de o reduzir a estado de nunca mais effeitaur, nem tentar tão detestavel e pernicioso general de hostilidade. .... Foi por tanto justissima a occupação; porém não he necessario recorrer a ella para se mostrar que não fazemos injuria á Hespanha, conservando Monte-Video: nós entrámos nesta fortaleza, precedendo uma convenção solemne assinada pelo nosso General, e ratificada ou não contradita por S. Magestade: no artigo terceiro (se bem me lembro) desta convenção promettemos duas cousas; primeira, que no caso de nos ser forçoso, ou conveniente evacuar aquella praça, entregariamos as chaves ao cabildo, de quem as recebemos. Segunda que por nenhum modo, e em nenhum caso, nunca as entregariamos aos hespanhoes. A comarca ou territorio de S. José foi em 1820 recebida por outra similhante convenção, e iguaes condições, e referencia a de Monte-Video: por tanto se nós não podemos em nenhum tempo entregar aquella praça (e provincias) aos hespanhoes sem infracção destas convenções, isto he sem manifesta perfidia, está bem claro que nenhuma injuria lhes fazemos em agora a reter e conservar. Tambem não fazemos injuria a Buenos-Ayres; pois esse governo e Estado tanto não tem pretenções sobre Monte-Video, que ao contrario já negociou uma liga com o nosso General contra Artigal, e ao presente está na maior armonia com Portugal, e assim os mais Estados, com os quaes até conservamos relações diplomaticas. Finalmente não fazemos injuria aos habitantes de Monte-Video: primeiro porque os pacificos, e os mais grados d'entre elles, por terem vivido muitos annos á discrição de um barbaro, e sem nenhum recurso, nos chamarão e receberão como seus libertadores: segundo porque acabão agora da celebrar um solemne acto de incorporação e união a Portugal, jurado por seus representantes, e pelo nosso General que para isso tinha poderes especiaes de S. Magestade nem deste acto de união se póde com verdade dizer (como tem repetido muitos Srs.Deputados) que não fosse livre e espontaneo; pois da mesma supposta dureza, e excesso das condições, que tanto aqui se exagerão, e se taxão de inadmissiveis, se deixa mui claramente vêr, que não forão dictadas, nem extorquidas, mas que foi livre a sua discussão, resolução, e juramento. Em fim depois do que se tem passado, isto he, depois das duas primeiras convenções; depois do acto solemnissimo de incorporação e união, jurado por ambas as partes; depois do juramento de guardar as bazes da nossa Constituição dado em 31 d'Agosto passado pelos representantes

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daquella provincia em corpo; e quando em fim os seus, Deputados ás Cortes, ou terão já partido, ou estarão perto de Lisboa, digo que depois de tudo isto, nós não poderiamos evacuar Monte-Video sem a maior injustiça e manifesta perfidia; até porque seria o mesmo que abandonar os seus habitantes (tão benemeritos de Portugal e tão dignos de boa ventura) ou a tyrannia, ou o que he peior aos tumultos, aos bandos, e á anarquia. Voto pois contra o parecer da Commissão.
O Sr. Barão de Molellos: - Ha muito que tinha pedido a palavra, mas vendo que já deu a hora, que já se pedirão votos, e que a meteria está suficientemente discutida, limitar-me-hei, e mui concisamente a responder a um dos varios argumentos militares com que alguns preopinantes se tem esforçado em mostrar a inutilidade da posição de Monte Video, e que a accapação deste ponto he anti-militar; pois que os outros são erros tão crassos, que julgo mais que bastante notalos; e o faço sómente para que se não diga que neste Congresso passão absurdos de uma tal natureza.
Disse um illustre preopinante, que um rio tão navegavel e extenso como o Rio da Prata, e vadiavel em muitas partes, nunca se poderia considerar como uma barreira militar, e muito menos occupando-se só um ponto desta extensa linha. Ora este erro he tão paradoxo e revoltante á primeira intuição, que não merece resposta. O mesmo digo do outro similhante, em que se asseverou que militarmente falando de nada servia occupar uma posição forte, se acaso o inimigo podia invadir o terreno em alguma distancia; e este se he possível ainda me parece mais absurdo.
Disse tambem que as nossas tropas não tinhão partido algum com as daquelle vasto paiz, porque estas não tinhão disciplina, armamento, não sabião a manobra, e que até nem atacava em ordem; em fim que eram quasi selvagens. He a primeira vez que se avança uma tal proposição! Isto he, que uma tropa bem disciplinada, bem armada, e manobradora , não tem, por este motivo, partido com aquella a quem faltão estas qualidades, as mais vantajosas, e, essenciaes que póde ter a tropa. Além de absurda he tambem falsa esta proposição; pois ninguem ignora, que as tropas de Antigas e dos outros insurgentes não só são bem armadas e disciplinadas, mas que manobrão, e que atacão em ordem, não digo que seja a mesma em que nós atacamos, mas he tal que chegou a derrotar por vezes os nossos valentes e aguerridos soldados.
O unico argumento que merece resposta, porque á primeira vista parece de alguma attenção, he aquelle em que um illustre deputado disse, que de nada servia, e que até era prejudicial conservar tropa em tão grande distancia, porque não póde evitar-se que entre Monte Video e S. Pedro se fação invasões e correrias; e porque não póde ser soccorrida, nem retirar-se no caso de ser atacada por forças muito superiores. Respondo que em todos os systemas de defeza, de que tenho conhecimento, sempre se julgou de grande vantagem occupar uma posição defensavel, avançada, e que cubra o territorio que pretende defender, e muito mais quando não ha outra naquellas visinhaças. Que o honrado membro imaginou grandes forças inimigas invadindo o terreno entre as nossas provincias e Monte Video, e outras atacando esta posição, e esqueceu-se de suppor algumas forças nas nossas fronteiras; porque neste caso se convenceria, que se as forças inimigas invadissem o paiz ficavão entre dois fogos; e se atacassem pela frente poderião em ultimo caso as nossas retirarem-se. Supponhamos até mesmo que as forças inimigas erão tão numerosas, e atacavão tão fortemente, ou por surpreza, que as nossas nem podião retirar-se; neste mesmo caso erão de grande utilidade, pois sempre haveria meio de se communiçar esta noticia, sempre darião tempo a que as das nossas provincias se reunissem, e tomasem as medidas necessarias para a defeza ou ataque; e finalmente sempre se conseguia, que a surpreza ou ataque que se reputa feito em Monte Video se fizesse em S. Pedro. Em fim, Senhores, quando se quer defender um paiz a primeira cousa que sempre se tem em vista he occupar postos fortes e avançados, mesmo em grandes distancias, que cubrão o paiz, que o ponhão a salvo de um golpe do mão, e isto apesar mesmo de se sacrificar a tropa que defende estes pontos. Repito o que tenho falado só em sentido militar, e que neste mesmo sentido deveria fazer outras muitas reflexões que omitto por se estarem pedindo votos, e porque estou convencido que o Congresso está decidido a que por ora se não entregue Monte Video.
Alguns Srs. Deputados requerêrão votos; outros pedião que a questão ficasse adiada; manifestárão outros em fim, que não devia levantar-se a sessão sem que o soberano Congresso resolvesse sobre a materia; e como a hora da sessão estivesse já dada. o Sr. Presidente poz a votos se a sessão seria permanente até que a questão se resolvesse, e se decidiu que sim.
O Sr. Freire: - Tenho ouvido a um illustre Preopinante ponderar uma idéa, pela qual quer justificar a occupação de Monte Video, e não posso deixar de fazer lembrar os consequencias, que de tal opinião poderião inferir-se. Quem duvida, que se nós occupamos injustamente um territorio, póde outra nação do mesmo modo occupar aquelle que nos pretença? Pois nós occupamos injustamente, e não queremos que um terceiro tivesse comnosco o mesmo comportamento? Pelo que pertence a outro Preopinante, que considerou como ponto muito interessante de defeza a Monte Video, se houvesse uma aggressão inimiga, não he provavel que a haja, mas isso sería mais um motivo para desapprovar eu a occupação, por não passar pela vergonha de uma derrota quazi certa. Que forças temos nós para resistir a uma tal aggressão se a houver? Mal de nós se for necessario que pozessemos uma força maritima ou terrestre, para defender esse paiz contra uma aggressão poderosa. Eu digo ao Preopinante, que nesse caso veriamos consummido inutilmente o nosso dinheiro, e a nossa honra com tanta gloria adquirida. (Apoiado). Pois Monte Video he um ponto que apparece destacado na

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carta do Brazil, é se julga tão facilmente defendelo, e conservalo? Não se vê esse vasto deserto, que separa Monte Video de nossas possessões? Qual será a dificuldade de ahi mandar soccorros, que podem ser interceptados por mar e terra? Diz-se que he melhor a fronteira de um rio! Mas não se considera que nós estamos illimitados por um immenso deserto, que nos serve de defeza, além da linha do Rio Grande, que não pode ser torneada como aquella em todos os pontos. Como he possivel que nós possamos ter tantas forças fixas para defender, no caso de uma aggressão, tão estendidas fronteiras? Esse projecto he tão gigantesco, que nem a minha imaginação o concebe. Eu quereria que o illustre Preopinante me fizesse um calculo aproximado das forças que serão necessarias para sustentar o Rio Grande, o Rio da Prata, e Monte Video, e a fronteira intermedia: eu queria que me dissesse se um exercito de vinte ou trinta mil homens he sufficiente para isso? Eu assento que não; por consequencia tal plano he gigantesco, e extraordinario, o voto contra elle como inadmissivel.
O Sr. Andrada: - Este deserto, de que fala o Sr. Freire, he todo povoado. O nobre Deputado da S. Paulo, o Sr. Corrêa, conhece bem aquelle terreno, e pode dizer que he um deserto povoado.
O Sr. Soares Franco: - São uns trinta mil habitantes em cento e tantas legoas quadradas de distancia! Por aqui póde conhecer-se quanta he a sua povoação.
O Sr. Vigario da Victoria: - Esta materia está assás discutida, quer por um, quer por outro lado; mas eu só tenho a acrescentar, que qualquer medida que houvermos de tomar relativamente a este objecto; parece-me que será permatura, intempestiva: E como nós estamos esperando pelos Deputados do Rio Grande do Sul, e das outras provincias de Mato Groço, pessoas que devem saber muito melhor os interesses destas provincias, elles nos poderão subministrar idéas mais claras sobre este objecto: por este motivo eu proponho que esta questão seja adiada até ouvirmos os pareceres dos Deputados destas provincias, para então tomarmos uma decisão definitiva, pois que elles conhecem melhor os seus interesses do que os que se achão presentes.
O Sr. Barão de Molellos: - Devo responder ao illustre Deputado que me convidou a que lhe calculasse o exercito, que devoremos ter em Monte Video, para nos oppormos áquelle de uma grande potencia inimiga, que elle imagina ha de lá existir para o futuro. Respondo ao illustre Deputado que elle bem conhece, que por ora ninguem poderá fazer tal calculo, mas que mui facilmente o farei logo que elle me mostre aquelle das forças a que ha de subir esse exercito por ora imaginario. Disso tambem o honrado Membro que não era possivel defendermo-nos e conservarmo-nos naquella posição: respondo, que isto he tão, possivel que de facto nos temos lá defendido e conservado; e que em quanto as circunstancias não mudarem muito hão de as nossas tropas defender-se e conservar-se. Mas supponhamos que apparece essa grande potencia, esse enorme exercito, a quem não he possivel resistir-se: ninguem ignora, que a tropa nem sempre tem obrigação de vencer, e que vezes nem he destinada para esse fim: em muitas occasiões até convém sacrificar parte della para ganhar o todo. E finalmente concluo, que quando apparecer essa grande potencia, e que se organizem esses grandes exercitos, então cumpre discutir-se o que mais convirá fazer, então deverá entregar-se Monte Video a quem tiver direito á sua occupação; mas que por ora não he politico, util, nem decente perdermos tantas despezas e sacrificios que temos feito só com o receio, medo, e terror panico de sermos atacados; e sem ainda, nem se quer imaginarmos ou sabermos por quem, nem sabermos igualmente a quem deverá entregar-se; e sabermos sómente que vamos descubrir as nossas fronteiras.
Alguns Srs. Deputados requerêrão votos.
O Sr. Braamcamp: - No progresso desta discussão tenho ouvido manifestar uma cousa, sobre a qual he necessario fazer esclarecimento. Diz-se que no acto de incorporação se declarou, que ainda que se entregaste Monta Video nunca seria a Hespanha, e eu posso dizer que do exame mais miudo dos documentos não só não consta isso, senão que consta juntamente o contrario: até no Congresso dos Soberanos reunidos se declarou, que a occupação de Monte Video não tinha sido feita senão como em deposito para a seu tempo o tornar a entregar a Hespanha. Torno pois a insistir sobre a necessidade que ha de se tratar do acto de incorporação; porque esta questão está dependente uma de outra. Aquelle acto de incorporação he inteiramente nullo, não consta por elle que tal seja a vontade dos habitantes de Monte Video, seus moradoras forão ensinuados para o fazerem pelo general Leccor de ordem do Governo; e queixasse a Hespanha. parece que com alguma razão, de que por este modo a querem privar de teus futuros direitos.
O Sr. Pinheiro de Azevedo: - O nobre Deputado não tem razão em negar a existencia da convenção, que se fez na entrada e occupação de Monte Video. Todos os seus argumentos são negativos. Não se fez menção della (diz elle) em nenhuma das negociações com as grandes potencial: não se trataria da entrega desta praça aos Hespanhoes, se tal convenção existisse; mas ao contrario se declarou, que aquella occupação era um puro deposito para a seu tempo entregar a Hespanha. Respondo: os ministros das grandes potencias não devião falar em uma convenção, que cortava pela raiz todas as suas pretenções, e os nossos talvez não achassem conveniente falar nisso por então ete., etc.
Eu affirmo, que a convenção existe, porque foi logo publicada na gazeta de Buenos Ayres, nas de Inglaterra, e nas Portuguesas, que se escrevião em Londres; porque della se faz menção em o artigo 4.º (se bem me lembro) de outra similhante convenção, que se fez quando recebemos a provincia de S. José; e em fim porque foi um facto publico e notorio no Reino Unido, e fóra delle.
O Sr. Villela:- Aqui está impresso o acto de incorporação, no qual diz (leu-o)..
O Sr. Fernandes Thomaz: Mas para nós não he isso.

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O Sr. Villela:- Não.
O Sr. Xavier Monteiro: - As ideias de justiça, politica, e conveniencia estão de tal maneira ligadas no entendimento dos homens, que por mais que que por theoria queirão fazer a separação dellas, quando se passa a fazer applicações indispensavelmente se confundem, e a final sobre-sae a conveniencia: a discussão tem mostrado com evidencia esta verdade. Querendo os Preopinantes separar o que era justo, e politico, do que era injusto, e impolitico, a questão por fim se tem reduzido ao unico ponto se convem, ou não a occupação militar de Monte Video. Tem-se perdido de vista aquillo que com tanto trabalho se quiz apurar no principio, a saber: o direito com que se occupou Monte Video. Para acclarar este ponto he que unicamente me levanto. Logo que ElRei foi obrigado a evacuar Portugal, o ministerio que então dirigia os negocios teve em vista fazer do Brazil um grande imperio, e para isto adoptou aquelles meios que julgou mais convenienees. Deu para este fim um unico pasto na realidade util ao Brazil, qual foi abrir os portos a todas as nações da Europa; mas não foi com a intenção de beneficiar o Brazil, senão de augmentar o producto das alfandegas; porque todo o pertencente á civiliação, illustração, e boa administração do paiz, tudo fui despregado. (Apoiado) Apezar da ampla extensão de costas do Brazil tratou de augmentar essa extensão, cujo passo todos conhecêrão que he impolitico; porque propondo-se a governar com acerto tinha sobejo terreno, no que já possuia. Fez-se em fim o tratado de commercio de 1810, e nelle consignárão-se artigos, que não parecião desvantajosos ao Brazil; mas á ilharga desse tratado de commercio houve outro tratado político secreto, no qual se descobrem as vistas da ampliação do Brazil. Para o Sul não convinha então fazer a irrupção, e por isso não se tratou de tomar essa direcção. Prometteu-se á Inglaterra, Cacheu, e Bissau, se os Inglezes no tratado da paz geral affiançassem a Portugal a posse da Guiana Franceza. Continuou a guerra até ao anno de 1814, e continuava sempre o ministerio do Rio de Janeiro, confiado no tratado secreto, na esperança de dar maior extenção ao Brazil pelo Norte. Infelizmente os Inglezes não fizerão grande caso daquelle tratado, e restituiu-se a Guiana aos Francezes, apezar dos protestos, que fez o nosso Plenipotenciario em Pariz, protestos que sendo feitos pelos mais fracos de nada servem, para ver se podia restaurar a perda da Guiana, voltou então o Ministerio Portuguez as vistes para a occupação de Monto Video, dando-se ao mesmo tempo instrucções aos ministros diplomaticos para fazer valer alguns outros direitos perante os Plenipotenciarios de Vienna, dos quaes os Plenipotenciarios fizerão pouco apreço pela pequena fignra, que fazia Portugal. A occupação de Monte Video foi então aconselhada com urgencia por Saldanha, e outros dois diplomaticos, antes que os Hespanhoes para lá enviassem tropas, e foi adoptada pelo Marquez de Aguiar. Tal he a historia da occupação de Monte Video; o mais são pretextos, que em taes casos se costumão dar: essa occupação foi filha do espirito d'ampliar o territorio do Brasil. Nesta intelligencia todos os factos que se seguirão são a maior parte delles irreconciliaveis, porque pretextavão-se motivos para conservar Monte Video, e ao mesmo tempo que se davão aos Plenipotenciarios instrucções para concordar na justiça das queixas de Hespanha a esse respeito, e conceder que Portugal nenhum direito tinha á occupação permanente daquelle paiz. O que tudo não prova mais senão, que o genio diplomatico he fertil em estratagemas, e raras vezes conhece bem os seus verdadeiros interesses; porque não he por este modo que as nações se engrandecem. Pelo que pertence á Hespanha nenhum detrimento real se lhe faz com essa occupação; porqne apezar das negociações, que os Hespanhoes tem intentado a este respeito, estou persuadido que nao tem esperança de tornar a occupar Monte Video; mas tem a sagacidade de fingir, que o querem ainda para melhorar as suas pertenções por outro lado; por tanto esse direito de Hespanha he uma fina politica, e por consequencia não merece attenção. Trata-se dos interesses de Portugal nesta occupação; mas até agora não tem apparecido estes interresses, para o futuro poderão apparecer; porém eu confesso que os não vejo. Demais, ainda que nós decretemos que as tropas fiquem lá, he necessario ver primeiro se poderão continuar a estar: ha vinte e oito mezes que estão servindo fiado, querei ao servir mais tempo do mesmo modo? Por outra parte sabe-se como as ordens de Portugal são cumpridas na America, e por isto eu não me opponho a que fique adiado, como se quer, porque estou persuadido, que qualquer ordem, que se dê mais ou menos positiva, não será cumprida.(Apoiado)Estamos vendo, que em Pernambuco expulsão as tropas Portuguezas; no Rio de Janeiro fazem o mesmo; e estamos vendo, que ainda que de direito dizem, que obedecem, de facto fazem o que querem. Pelo que fique adiado, ou não adiado, tudo he o mesmo.
O Sr. Ferreira da Silva: - Levanto-me para dizer, que não deve passar o dizer-se, que não se cumprem as ordens: o Brazil hc uma parte do Reino Unido, e nelle se hão de cumprir as ordens deste Congresso, e do Governo.
Julgou-se a mnteria sufficientemente discutida.
O Sr. Fernandes Thomaz requereu a palavra sobre a ordem de votação, e disse: eu apoio ao Sr. Xavier Monteiro; nós não sabemos se temos ou não temos Rio de Janeiro: como havemos de decidir sobre o mais? Parecia-me por tanto que era melhor reservar isto até que chegassem as primeiras noticias do Rio de Janeiro. Adiamento indefinido não, porque, o negocio he de muita ponderação; mas que fique adiado até ás primeiras noticias que cheguem do Rio de Janeiro.
Houve alguma discussão sobre o que se devia propor á votação, e resolveu-se que se propozesse o parecer da Commissão: alguns Srs. requerêrão votação nominal, outros manifestárão que não era necessario, e disse:
O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu sou o primeiro que declaro que votei a favor do parecer da Commissão, e julgo que todos os que votão a favor delle não terão inconveniente em fazer a mesma declaração.

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Foi posto a votos o parecer da Commissão, e ficou reprovado por 84 votos contra 28.
E logo o Sr. Borga Carneiro fez a seguinte

INDICAÇÃO

Que se diga ao Governo, que faça logo estabelecer a conveniente economia ha guarnição, e na camara de appelações de Monte Video, ficando autorisados para supprimir as gratificações, soldos, e ordenados que julgar conveniente.- Borges Carneiro.
Ficou para 2.ª leitura.
O Sr. Ferrão, por parte da Commissão de policia e Governo interior do edificio das Cortes, leu a seguinte

PARTICIPAÇÃO.

Senhores: A Commissão da policia e Governo interior do edifício das Cortes, encarregada pelo titulo 11 do regimento de manter á quietação, decoro, e respeito que todos os cidadãos devem ter na presença deste soberano Congresso, e mesmo em todas e qualquer parte do recinto deste Paço, lisongeava-se de ter desempenhado os seus deveres desde a instalação das Cortes no fauto dia 26 de Janeiro de 1821 até o dia 30 de Abril do presente anno, sem que em tão longo tempo houvesse pessoa alguma, que ouzasse commetter aqui dentro a mais pequena
desordem: soube porém com bastante magoa sua, que naquelle dia fôra esquecido o acatamento devido até ás paredes desta Séde da soberania nacional, por duas pessoas, que devião religiosamente observar, e até inculéar aos outros com o seu exemplo. - Os illustres Deputados o Sr. Cypriane José Barata, e Almeida, e o Sr. Luiz Paulino de Oliveira Pinto da França , travando-se de razões em um dos aposentos deste Paço antes de sessão do referido dia saírão pelo corredor, e dirigindo-se pela grande escada, que do convente desce para a portaria mór; consta que o Sr. Barata empurrára o Sr. Pinto da França no patamal da escada, donde resultára cair o Sr. Pinto da França pelos degráos, que descem para a rua, e ficar ferido no rosto, e pizado em parte do corpo, que caíu sobre as pedras á vista de muitas pessoas, que ali se achavão. E como este desgraçado, e inesperado acontecimento teve principio dentro do Paço das Cortes, julga a Commissão do sou dever dar parte a este soberano Congresso para que o tome em consideração, se assim o julgar conveniente, e decida com a sua costumada prudencia, e sabedoria o que for de justiça. Paço das Cortes em 2 de Maio de 1822. - António Camello Fortes de Pina: João Baptista Felgueiras; Francisco de Magalhães de Araujo Pimentel; José Ferrão de Mendonça e Sousa.
Mandou-se remetter á Commissão de regulamento interior das Cortes.
Deu o Sr. Presidente para ordem do dia a coutinuação do projecto das eleições dos Deputados as Cortes, e para a prolongação da sessão, pareceres de Commisões: e levantou a sessão ás duas horas e meia da tarde. - Francisco Barroso Pereira, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDEM DAS CORTES.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão declarar que na amnistia concedida pela resolução de 29 de Abril proximo passado, a favor de todas as pessoas, que se achassem comprehendidas na dévassa, á que se procedeu na cidade da Bahia pela tentativa, que ali se fez no dia 3 de Novembro de 1821, para depor os membros, que então compunhão a junta provisoria de governo daquella provincia, e nomear nova junta, ou as ditas pessoas estiverem em prisão, ou ainda em liberdade; são igualmente comprehendidos os tres presos remettidos pela junta de governo do Pará, abordo do bergantim portuguez Providencia. O que V. Exca. levará ao cohecimende de sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca Paço das Cortes em 29 de Maio de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.- As Cortes Geraes è Extraordinarias da Nação portugueza, tomando em cosideração o plano de refórma, dado pelo Collegio Patriarchal da Santa Igreja de Lisboa em 15 de Janeiro do corrente anno, em virtude da ordem das Cortes de 22 de Noverbro de 1821, é transmittido ao soberano Congresso pela Secretaria de Estado dos negocios da justiça, em 16 do referido mez de Janeiro, no qual plano se propõem: 1.ª que, suspensa a admissão de novos individuos, se sujeitem ao pagamento da decima todos aquelles empregados, que a não pagão, exceptuando tão sómente os estrangeiros jubilados; o que os officios e empregos se vão extinguindo por fallecimento, ou promoção dos que actualmente os servem: 2.° que se conserve fechado o seminario da musica, que faz de despeza inutil a quantia de 4 6000$000 réis, e se dê sómente metade dos ordenados aos mestres de primeiras letras, latim, musica, reitor, e vice-reitor, que ficão sem exercicio; 3.º que se súspendão as propinas que se pagavão aos Ministros da Igreja por occasião das novenas, as quaes deverão continuar como parte do culto divino, a que elles são obrigados; e as que vencião os capellães cantores por cantarem as antifonas; bem como us ajudas de custo, e gratificações, que não são determinadas por lei; donde resultará a economia de 5:730$000 réis: 4.° que se levantem os trabalhos na casa da obras, despedidos os aprendizes, e officiaes, e conservando-se unicamente o mestre, um official do pedreiro, é outro de carpinteiro, com os ordenados que tem actualmente, mas sujeitos á decima: 5.° que cessem as luminarias na igreja patriarcal, e na da memoria, seminario do musica, e congregação camararia: as propinas que por qualquer titulo se pagão pela guarda cera; as matinas de musica, que se cantão de noite na Basilica, á excepção das de defrontos, Conceição, Natal, e Semana Santa, que se paga a

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certos capellães por cantar os velhancícos; e a despeza que se faz nas igrejas, a que se dirigem as procissões , devendo estas recolher-se, e celebrar-se a Missa na mesma basílica patriarcal, donde sairão; 6.º que sómente assistão dois Ministros de sobrepeliz em lugar de quatro ao Santíssimo Sacramento, nas occasiões de exposição: 7.º que os armadores e tapeceiro paguem decima de seus ordenados, e que sejão despedidos os aprendizes de um e outro officio; 8.º que mais se não pague a propina aos maceiros da capella, custodios da basílica, e cursores para voltas e cabelleiras; e a depeza das seges, que se abonava ao beneficiado sotto-sachrista, o qual deverá fazer os avisos aos Ministros na mesma igreja com a devida anticipação, ficando porem autorizada esta despeza em algum caso extraordinário, e imprevisto: e 9.º finalmente que se faça o serviço ordinário da igreja com roupa engomada, reservando a encrespada para as funções mais solemnes: resolvem o seguinte: 1.º que ficão approvadas todas as referidas economias, propostas, postas pelo collegio patriarcal da santa igreja de Lisboa; com declaração porém de que o seminário da musica se conserve interinamente fechado, em quanto se lhe não der nova fórma e regulamento para que possa preencher os fins da sua instituição; mas que o collegio proponha entretanto os meios de continuarem os mestres a exercitar os seus respectivos empregos fora do seminário com o total vencimento dos ordenados que percebem, ficando suspensa a deliberação relativamente aos ordenados do reitor, e vice-reitor, por depender de ulteriores, informações; e de que inteiramente cessem as despezas que se fazem com o mestre de obras, que não existem, e com os officiaes de pedreiro e carpinteiro, sem as excepções propostas; 2.º que fiquem desde já suspensos os pagamentos dos ordenados daquelles que não residem, sem que para isso tenhão licença, ou causa legitima, quaes são o monsenhor subdiacono, António José da Cunha Vasconcellos, o monsenhor acolito, Pedro Machado de Miranda Malheiro, os cónegos, José de Sousa Azevedo Pissarro e Araujo, e José Maria Fieira Telles de Mello, e os beneficiados, Felix Ferreira do Valle, Manoel Venceslán de Sousa, e Vicente José da Silva: 3.º que sejão absolutamente excluidos dos empregos ou officios, riscando-se os seus nomes da folha dos ordenados, aquelas que ainda se achão no Rio de Janeiro, ou que tendo regressado, se não apresentárão a continuar no exercício de seus deveres, achando se em uma ou outra destas circunstancias, os musicos, Antonio Pedro Gonçalves, Antonio Ciconni, João Mazzioti, Padre José Mendes Sabino, Francisco de Paula Pereira, José Maria Dias, e José Maria da Silva; o organista, Simão Victorino Portugal; o sachrista, Cypriano José de Sousa o acolito da capella, Padre José Ignacio Lopes; e os capellães cantores, Antonio Pedro Teixeira, José Joaquim Borges, Fructuoso Rodrigues da Costa, e Padre Joaquim Arsenio Lopes Catão: 4.º que sejão logo despedidos todos os músicos estrangeiros, que houverem acabado o tempo de seus contractos, e aquelles que ainda o não tiverem concluído, não possão igualmente continuar no serviço da patriarcal, logo que finde o prazo de suas escripturas: 5.º que alem da suspensão de todas as admissões para a patriarcal, e das reformas, que ficão prescriptas o collegio vá fazendo todas as mais que as circunstancias forem permittindo: 6.º que na igualdade de circunstancias tenhão preferencia no provimento dos benefícios , e igrejas do padroado da coroa, quando houver de ter lugar , os clérigos e beneficiados, que estão no serviço da santa igreja patriarcal, ficando todavia em ,o seu perfeito vigor o decreto das Cortes de 28 de Junho, de 1821, sobre similhantes provimentos. O que V. Exca. levara ao conhecimento de Sua Majestade.
Deus guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 2 de Maio de 1822. - João Baptista Felgueiras.
Redactor - Velho.

SESSÃO DE 3 DE MAIO.

ABERTA a sessão, sob a presidência do Sr. Camello Fortes, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
Mandou-se lançar na acta a seguinte declaração devoto: declaramos que na sessão de 8 de Maio fomos de voto que se evacuasse Monte Vídeo. - Castello Branco, Manoel Fernandes Thomas, José Joaquim Ferreira de Moura, Manoel Gonsalves de Miranda, Francisco de Paula Travasos, Francisco de Lemos Bettencourt, Francisco Xavier Soares de Azevedo.
O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios:
1.° Do Ministro dos negocios do Reino, transmittindo uma conta do juiz conservador da Universidade de Coimbra, em data de 24 de Abril, sobre a demolição dos cárceres da extincta inquisição, mandada executar por portaria de 15 do dito mez. Pasou á Commissão das artes.
2.º Do mesmo Ministro, remettendo a consulta da junta da directoria geral dos estudos, em data de Iode Abril, sobre o requerimento de Joaquim Jeronymo Martins Couceiro, professor de filosofia racional o moral na cidade de Elvas. Passou á Commissão de instrucção publica.
3.º Do Ministro da justiça, remettendo a conta do chanceller da casa da supplicação, que servo de regedor, sobre a execução do decreto cie 12 de Junho de 1820, relativa ao pagamento do ordenado do desembargador Joaquim Rodrigues Botelho. Passou á Commissão de fazenda.
4.º Do Ministro da fazenda, remettendo a informação da junta provisional da ilha de S. Miguel, datada de 18 de Março ultimo, sobre o requerimento de Accursio José Arnaud da cidade de Ponta Delgada. Passou á Commissão de fazenda.
5.° Do Ministro da guerra transmittindo dois mappas, um da força dos corpos que tem a ilha da Madeira, outro da força dos corpos da provinda do Maranhão, referidos no 1.° de Fevereiro ultimo. Passou á Commissão militar.

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