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Congresso uma relação de todos os militares; que pertencendo a quaesquer regimentos que estão nas provincias, se achão addidos a corpos estacionados em Lisboa, declarando-se a respeito de cada um qual fosse o motivo de se lhe haver assim deferido: 2.° que se faça effectiva a responsabilidade das juntas militares de Saude, que abusarem do seu officio. O que V. Exc.ª levará ao conhecimento de Sua Majestade.
Deus guarde a V. Exc.ª Paço das Cortes em 12 de Agosto de 1822 - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DE 13 DE AGOSTO.

ABERTA a sessão, sob a presidencia do Sr. Freire, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente, mencionando
1.° Um officio do Ministro dos negocios do Reino, remettendo um officio da junta provisoria do governo do Pará em data de 22 de Junho passado, acompanhado da resposta, que a mesma junta dirigiu ao Principe Real acerca do decreto de 16 de Fevereiro do corrente anno, que sendo lida perante o soberano Congresso, foi ouvida com agrado, e se mandou imprimir, remettendo-se uma copia á Commissão de negocios politicos do Brazil.
2.° Outro officio do mesmo Ministro, remettendo a 2.ª via de um officio da junta provisoria do governo de Pernambuco sobre varios acontecimentos, que ali tiverão lugar, datado de 10 de Junho, que foi mandado reverter ao Governo, em razão de já se ter dado conta da 1.ª via
3.° Outro officio do Ministro da justiça, remettendo uma representação assignada por todos os corregedores e juizes do crime dos bairros de Lisboa, em que expõem os obstaculos, que encontrão, para responderem pela segurança da capital, e pronta administração da justiça, pedindo providencias, que foi mandado remetter á Commissão de justiça civil.
4.° Outro officio do mesmo Ministro, remettendo as respostas dadas pelos reverendos arcebispo primaz, bispo de Portalegre, e arcipestre da collegiada de Santo Estevão da villa de Viana, aos quesitos remettidos em consequencia da ordem das Cortes de 6 de Julho passado, que foi mandado remetter á Commissão ecclesiastica de refórma.
5.° Outro officio do Ministro da fazenda, remettendo a consulta original do conselho da fazenda de 25 de Junho próximo, sobre o requerimento de Antonio de Vasconcellos Abranches de Castello Branco, em que pretende encartar-se nos bens da corôa, em quem tem vida pela nomeação que lhe fizera D. Mariana Joaquina de Vilhena Coutinho; que foi mandado remetter á Commissão de fazenda.
6.° Outro officio do Ministro da guerra, servindo pelo da marinha, remettendo uma parte do registo do porto tomado no dia de ontem á galera portugueza Sacramento, vinda de Pernambuco; de que as Cortes ficárão inteiradas.
7.º Outro officio do mesmo Ministro da guerra , remettendo um officio do governador das armas de Pernambuco José Corrêa de Mello datado de 10 de Junho, em que expõe os acontecimentos daquella provincia; que se mandou imprimir, remettendo-se copia á Commissão de negocios politicos do Brazil.
8.° Outro officio da junta do governo do Pará, dirigido directamente ás Cortes, remettendo a copia da resposta; dirigida a S. A. o Principe Real por occasião do dito decreto de 16 de Fevereiro, que foi ouvida com agrado.
9.° Outro officio da mesma junta, participando a razão porque não remettêra ás camaras daquella comarca e governo, e mais autoridades do Rio Negro, os officios, que havia recebido do Rio de Janeiro na escuna Maria da Gloria; que foi mandado remetter á Commissão de negocios politicos.
10.° Uma representação da mesma junta do governo do Pará sobre a collisão, em que se acha com o governador das armas daquella provincia, José Maria de Moura, que foi mandada á Commissão de negocios politicos do Brazil, para dar a esse respeito o seu parecer com urgencia.
11.° Varias felicitações por occasião da descoberta da conspiração: uma da camara da villa de Arazedo, outra de Bemviver, outra do concelho de Baião, do que toda; se fez menção honrosa.
12.° Outra felicitação pelo mesmo motivo, feita pelo coronel do regimento de milicias de Lamego, em meu nome, e dos officiaes, e soldados do regimento do seu commando, offerecendo ao mesmo tempo o beneficio da divida do Estado a quantia de 9:572$545 réis, que se lhes está devendo do soldo e prets, Abril de 1812 até 24 de Agosto de 1820, de que se fez menção honrosa pelo que pertence á felicitação: e foi recebido com agrado o offerecimento, e remettido ao Governo, para o fazer verificar.
13.° Outra felicitação, e protestos de respeito e obediencia ás Cortes, que dirigiu o superintendente das alfandegas da provincia da Beira, Serafim de Oliveira Cardoso, que foi ouvida com agrado.
14.º Uma carta do Sr. Deputado Pedro de Aranjo Lima, pedindo mais um mez de licença, por continuar ainda a sua falta de saude, que lhe foi concedido.
15.° Outra carta do Sr. Diogo Antonio Feijó, pedindo pelo mesmo motivo oito dias de licença, que lhe forão concedidos.
O Sr. Aguiar apresentou uma felicitação feita pelo major d'artilharia, Ignacio Antonio da Silva, datada do Pará, que foi ouvida com agrado.
Feita a chamada, achárão-se presentes 111 Deputados, faltando com licença os Srs. Gomes Ferrão, Antonio José Moreira, Arcebispo da Bahia, Sepulveda, Feijó, Aguiar Pires, Lyra, Bettencourt, Moniz Tavares, Xavier Monteiro, Jeronimo José Carneiro, Costa Brandão, Almeida e Castro, Ferreira da Silva, Annes de Carvalho, Belford, Faria Carvalho, Gouvêa Osorio, Faria, Moura, Lino

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Coutinho, Sousa e Almeida, Alencar, Zefyrino dos Santos, Araujo Lima, Bandeira, Salema, Silva Corrêa, Cirne: e sem causa reconhecida os Srs. Teixeira de Magalhães, Bernardo de Figueiredo, Borges de Barros, Agostinho Gomes, Leite Lobo, Baeta Lourenço da Silva, Xavier de Araujo, Rebello da Silva, Mesquita, Pimenta.
Passando-se á ordem do dia, entrou em discussão a indicarão apresenta a na sessão de ontem pelos Srs. Villela, e Gonçalves Ledo, na qual propunhão que se decretasse tambem para o Ultramar um tribunal da liberdade de imprensa, como se acha determinado para o reino de Portugal. Em apoio desta sua indicação, disse
O Sr. Villela: - Sr. Presidente, as razões pelas quaes se concedeu que haja no reino do Brazil um tribunal supremo de justiça, são as mesmos para que se lhe conceda tambem o da liberdade da imprensa. Em nenhuma outra parte he tão preciso que elle exista como em um paiz que acabou ainda ha pouco tempo de ter escravo, e que foi privado por muitos annos de ter imprensas, e outros estabelecimentos maiores de instrucção publica. Ahi he mais para recear não só os abusos da liberdade de escrever, como o fanatismo, e ignorancia contra a propagação dos principios liberaes. Resta pois sómente saber-se se ha de haver ali mais de um tribunal, a quem ha de eleger ali seus membros. Quanto à primeira parte, parece-me que deve haver um só, assim como se assentou que haja um só tribunal supremo de justiça. Quanto á segunda, he manifesto que o povo não póde ser quem os eleja, pois não tem o conhecimento necessario das pessoas dignas e capazes de um tal emprego. O Governo de nenhum modo; porque então estaria acabada a liberdade da imprensa. Logo segue-se que os membros deste tribunal devem ser eleitos pelo corpo legislativo, como forão os de Portugal. Conseguintemente o meu voto he que haja um só tribunal da liberdade da imprensa no Brazil, eleitos os seus membros pelas Cortes, e que este resida onde residir o tribunal supremo de justiça.
O Sr. Soares Franco: - Parece certo que uma vez que esteja estabelecida a liberdade de imprensa em cada provincia, deve haver um recurso nesta mesma provincia para cohibir os seus abusos; uma cousa anda ligada á outra. Deveremos porem nomear tribunaes especiaes, ou um tribunal só para este fim? Ambas as cousas tem inconvenientes; melhor seria que se incumbisse ás relações provinciaes o tomarem conhecimento do recurso destes crimes. Não resta senão saber se em cada provincia se ha de crear um tribunal para os recursos da liberdade da imprensa, ou um só em todo o Brazil, ou se ha de incumbir-se ás relações?. Eu seria de parecer que fosse ás relações para evitar despezas e complicações. Até em Portugal seria desta opinião, a não estar sanccionado o contrario; porque os verdadeiros tribunaes destes crimes são os jurados.
O Sr. Villela: - Oppor-me-hei sempre a que se commetta isto ás relações; pois antes quero que os povos tenhão o incommodo de recorrer ao tribunal da imprensa instituido em Portugal, do que alí aos magistrados que são creaturas do Governo, e por conseguinte dependentes da vontade deste.
O Sr. Sarmento: - O poder judicial he para alguns um monstro tão medonho, que se chegão a assustar a um tal ponto, que vão procurar instituições, das quaes eu ainda tenho muito mais medo. Todavia nos paizes, onde existe na sua maior perfeição a liberdade de imprensa, na Inglaterra, e nos Estados Unidos da America não existem taes tribunaes de proteccão, e he o poder judicial o mesmo que toma conhecimento dos mais delictos, quem protege a liberdade do cidadão, quando elle publica pela imprensa os seus pensamentos. A historia da instituição do tribunal da protecção da liberdade da imprensa he bem sabida deste augusto Congresso. Quando houve largas discussões acerca da lei da liberdade de imprensa, achamo-nos com este tribunal sem saber como nos haviamos havor com elle, á siilhança de um traste que não tinhamos lugar para o acommodar: todavia como elle estava decretado nas bases da Constituição, era mister procurar o modo de fé lhe dar uso, se arranjou a lei a este respeito, tal como ella se acha. Eu estou persuadido de que a primeira reformação que se se fizer na Constituição, ha de principiar pela suppressão deste tribunal, porque o tempo, e a experiência ha de demonstrar a sua inutilidade. Eu vejo, e póde-se, sem errar, dizer que a liberdade de imprensa em Inglaterra existe de facto, e não de direito; não são os tribunaes os que hão de proteger a liberdade da imprensa, mas o conhecimento da sua utilidade para a conservação da liberdade, e por isso sem o verdadeiro amor pela liberdade bem entendida também não póde existir a liberdade da imprensa, e por isso não são tribunaes os seus protectores, mas sim o verdadeiro espirito da liberdade civil; o verdadeiro amor para com ella, e a total desapparição de todo o espirito de partido; em fim jurados bons, e desapaixonados, e sem estarem sujeitos a influencia alguma. Porém como o espirito de desconfiança em que está o Brazil, poderá suspeitar que o não se lhe conceder esse tribunal, havendo-o em Portuga, he por motivo de se lhe não conceder igualdade de direitos, eu voto que se decrete no Brazil a existência de um tribunal similhante; e em attenção á extensão do Brazil, será talvez corveniente que para as provincias meridionaes se estabeleça um outro para as provincias do centro; e que as do norte recorrão ao tribunal estabelecido em Lisboa.
O Sr. Andrada: - Eu sempre entendi que os crimes de liberdade de imprensa devião ser julgados como todos os outros crimes; porém está sanccionada que haja um tribunal espacial. Sou de parecer, que de mal o menos: um só, Sr. Presidente, nada mais. Creio que em muito breve tempo este crime da liberdade da imprensa ha de ser julgado pela mesma fórma com que o são os outros crimes.
O Sr. Serpa Machado: - Se quizermos ser coherentes, haviamos de estabelecer um tribunal no Brazil, assim como o fizemos em Portugal; até mesmo por ser mais necessario no Ultramar. Não devemos encarregar ás relações o conhecimento destes crimes, porque isso póde influir muito para a demasiada coar-

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tação da liberdade da imprensa. He verdade que um tribunal só não he capaz de preencher todas as necessidades em que se achão os Brasileiros; porém como parte das provincias do Brazil ficão sujeitas a Portugal, póde lá estabelecer-se sómente um; mas no mesmo pé em que foi estabelecido em Portugal.
Declarada a materia suficientemente discutida, poz o Sr. Presidente a todos a indicação, e foi approvada, mandando-se que esta resolução fosse incorporada no artigo 8.° da Constituição.
Continuou a revisão do projecto da Constituição, principiando a discussão pelo numero 3.° do artigo 20 que ficára adiado na sessão ontem (pag. 131). Sobre esta materia disse
O Sr. Martins: - Sr. Presidente, na costa occidental de Africa ha um porto portuguez para o commercio do ouro em pó, marfim, etc.; olhando mesmo para o tratado de 1809 sobre a escravatura, alí se vê que he um dos portos principaes, e de que se faz especial menção.
O Sr. Franzini: - He necessario fazer especial menção delle, ainda que he um forte muito pequeno. Ali ha outra porto inglez; porém o portuguez tem sempre a preferencia por ter excelente tabaco. Podemos por tanto dizer: na costa occidental de Africa, o forte de S. João Baptista de Judá, e depois o resto do paragrafo.
O Sr. Brito: - Não ha duvida nenhuma que assim he; demais aquelle forte não depende de nenhum dos outros estabelecimentos de Africa.
O Sr. Sarmento: - Eu tambem apoio que se faça expressa menção da fortaleza de Judá, a qual está situada sobre o rio Gabão, e está debaixo do equador: foi no reinado do Sr D. João V, e no anno de 1723 quando se edificou aquella fortaleza, sendo vicerei do Brazil Vasco Fernandes Cesar, e chamou-se fortaleza Cesarea, talvez em lembrança do nome do vicerei, que a mandou construir de ordem de El Rei, e a instancias dos negociantes da Bahia. Eu ignoro a sua importancia actual; o que eu posso dizer he que, segundo uma memoria que tenho entre a minha collecção de livros, esta fortaleza custava á fazenda da Bahia um conto setecentos e tantos mil réis para pagamento dos empregados publicos nella, afora soldadas, e outras despezas. Não ha outro remedio senão recorrer ao meu farnel historico, a fim de eu poder demonstrar o que proponho, e he, que além de se mencionar a fortaleza de S. João de Judá, tambem se ajunte os lugares que se reputão dependencias do governo das ilhas de S. Thomé, e Principe. Eu não poderei referir um a um todos os pontos a que nós todos temos direito naquella parte da Africa, mórmente depois do tratado de 1778, pelo qual, além das cessões feitas a Hespanha, eu tenho lembrança de que para se pôr em execução aquelle tratado houve convenções, e estipulações particulares, que eu todavia ignoro. He sabido que os Portugueses possuião toda a extensão que vai desde o Rio Real até Loango; e tudo estava debaixo do governo da ilha do Principe. Na ilha do Corisso, e no cabo de Lopo existírão, ainda não ha muitos annos, fortalezas portuguesas, e erão bem conhecidos os estabelecimentos do Gabão, e de toda a costa do Golfo de Fernando Pó. Apezar de que alguns destes estabelecimentos não estejão presentemente occupados, não convem que os consideremos na nossa Constituição como pontos cedidos, e abandonados, porque iriamos em a nossa Constituição declarar a cessão dos nossos direitos áquelles pontos, que em outro tempo occupámos. Os Inglezes hoje reconhecem bem a importancia da Africa, e eu a tenho visto expor até ultimamente em uma carta estampada, e dirigida ao Lord Liverpool. Julgo que devemos conservar os nossos direitos aos lugares de África, que em outro tempo occupámos, e até porque podem sobrevir circunstancias que instem para nós os guarnecermos outra vez, e de modo algum os abandonemos por uma determinação tão autentica, como excluindo-se da enumeração das possessões portuguezas. Sou por tanto de parecer que se acrescente ás ilhas de S. Thomé e Principe, as suas dependencias, da mesma forma que já se decretou no decreto provisional para as eleições proximas.
O Sr. Guerreiro: - Esta discussão mostra bem que não era sem algum fundamento que eu tinha feito antes uma indicação sobre esta materia. Agora achava eu acertado que se declarasse que a Nação portugueza reconhece como seu, todo aquelle territorio, sobre o qual ella tenha algum direito bem fundado.
O Sr. Macedo pediu licença para offerecer uma indicação relativa a este objecto, a qual mandou para a mesa.
Procedendo-se á votação, foi approvado o n.° 3.º com os seguintes additamentos: de se pôr entre os nomes Cacheu e Angola, o seguinte: na Costa da Mina o forte de S. João Baptista de Judá; e depois das palavras S. Thomé e Principe, as seguintes: e suas dependencias. O n.° 4.° foi approvado, concebido nos termos seguintes: na Asia Salsete, Bardez, Goa, Damão, Diu, e os estabelecimentos de Macáo, e nas ilhas de Solar e Timor. E igualmente se approvou o ultimo paragrafo do mesmo n.° 4.°
Poz o Sr. Presidente a votos a seguinte indicação offerecida pelo Sr. Macedo: «proponho se declare que a Nação não renuncia os direitos, que tenha a qualquer porção de territorio, que não seja comprehendida na premente descripção».
Sendo posta á votação, foi approvada a sua doutrina.
Por esta occasião propoz o Sr. Presidente se acaso se devia definir ou declarar na Constituição o que seja reino unido? e venceu-se que sim, e que se fizesse esta declaração no principio do n.° 1.º do artigo 20.°, dizendo-se; O seu territorio forma o reino unido de Portugal, Brazil, e Algarves, e comprehende - seguindo-se depois o mais como se acha sanccionado.
Passou-se a discutir o seguinte
Art. 21. São cidadãos portuguezes:
I. Os filhos de pai portuguez, nascidos no Reino Unido, ou que havendo nascido em paiz estrangeiro, vierão estabelecer domicilio no mesmo reino: cessa porém a necessidade deste domicilio, se o pai estava no paiz estrangeiro em serviço da Nação.
II. Os filhos illegitimos de mãi portugueza, nasci-

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no Reino Unido: ou que havendo nascido em paiz estrangeiro, vierão estabelecer domicilio no mesmo reino. Porém se forem reconhecidos ou legitimados por pai estrangeiro, e houverem nascido no Reino Unido, terá logar a respeito destes o que abaixo vai disposto em o n.º IV; e havendo nascido em pai e estrangeiro, o que vai disposto em o n.º V.
III. Os expostos, cujos pais se ignorão:
IV. Os filhos de pai estrangeiro, que nascerem, e adquirirem domicilio no Reino Unido; com tanto que chegados á maioridade, declarem por termo assignado nos livros da camara do seu domicilio, que querem ser cidadãos portuguezes:
V. Os estrangeiros que obtiverem carta de naturalização.
Todo o estrangeiro que for de maior idade, e tiver domicilio no Reino Unido, poderá obter a dita carta, havendo casado com mulher portugueza, ou adquirido no mesmo reino algum estabelecimento consistente em bens de raiz, agricultura, commercio, ou industria; introduzido ou exercitado algum commercio ou industria util; ou feito á Nação serviços relevantes.
Ou filhos de pai portuguez, que houver perdido a qualidade de cidadão, se tiverem maior idade e domicilio no Reino Unido, poderão obter carta de naturalização, sem dependencia de outro requisito.
Antes de principiar a discussão propoz o Sr. Presidente, se em lugar das palavras são cidadãos Portuguezes, se deve dizer: todos os Portugueses são cidadãos, e gozão desta qualidade; e venceu-se que sim.
O Sr. Barata tendo pedido a palavra, disse: - Sr. Presidente, esta he a occasião opportuna de eu lembrar ao soberano Congresso aquillo que em 19 de Dezembro do anno passado nos prometteu ; isto he, a formação do acto addicional, no qual se devem accrescentar artigos, mudando, modificando, ou diminuindo os existentes, e ajuntando outros segundo as requisições dos Deputados do Brazil; pois he sem questão que só estes podem ter os respectivos conhecimentos de suas provincias, e votos sobre os negocios peculiares daquelle reino. Ontem nos artigos que se corrigirão observei cousas que só podem passar, e ser admittidas em Portugal. Eu sei que a materia está sanccionada, e he boa; mas em verdade me parece que ella he propria para a Europa, que he paiz velho; e não para o Brazil, que he novo; e por isso deve ter Constituição que seja vantajosa ás suas circunstancias, quero dizer, própria para promover a sua prosperidade. Eu notei que algumas expressões erão contrarias aos meus principios de direito, ou talvez embaraçadas com alguma transposição de palavras, que confundem minhas idéas. Pareceu-me que em alguns lugares estavão confundidos os direitos naturaes com os civis, ou politicos; porque no 5.° artigo se lê: a casa do cidadão portuguez; quando para o Brazil eu desejo que se diga nos artigos addicionaes: a casa de todo o individuo. E a razão he porque, tendo aquelle paiz de ser povoado de muitos estrangeiros, devem estes ter em suas casas igualmente asylos respeitados como qualquer Portuguez: este direito de asylo, he natural, pertence a todos: he verdade que em Francez ou Inglez não póde votar nem occupar cargos publicos, porque estes direitos são politicos; mas suas casas devem ser asylo como de direito natural e civil: ora se o estrangeiro está sujeito ás leis civis do paiz, com igual razão deve participar daquillo que emana das leis da natureza, e civis. Além disto eu quero nos artigos addicionaes se especifiquem os casos nocturnos, isto he, que de noite senão devasse a casa de qualquer individuo, salvo nos casos de incendio, e inundação, ou quando seu dono pedir soccorro; e que nunca se possa entrar mesmo de dia sem que o ministro na ordem escrita declare a pessoa, e as cousas que se procurão: no Brazil he necessário mais clareza, porque ali se tornar mais facil a infracção das leis pelas distancias do poder executivo, e mais fracos meios de se fazer effectiva a responsabilidade dos magistrados, e mais officiaes de justiça. Tambem tenho notado que se fala muito neste artigo, na palavra portuguez, em vez da palavra individuo. Esta palavra portuguez, Sr. Presidente, no Brazil he muito equivoca, e póde fazer mal: nos artigos addicionaes havemos de mudala para a palavra individuo; por exemplo no artigo 7.° onde se diz que todo o portuguez póde manifestar livremente suas opiniões, devemos no Brazil dizer: todo o individuo, etc., porque nós queremos que os Francezes, Inglezes, e todos os estrangeiros possão ali publicar suas opiniões, assim como os Portuguezes.
O mesmo reparo faço nos art. 16 e 17 - a, e - b: no Brazil he preciso augmentar a população facilitando a emigração para ali dos estrangeiros, he necessario generalizar mais esta importante medida. Isto não he dizer que censuro os artigos já vencidos; porque eu venero a santidade destas decisões: sómente quero advertir as mudanças que desejo nos artigos addicionaes, para depois não causar novidade; especialmente porque quero servir-me do que digo para explicação e intelligencia do capitulo 2.°, que está em questão. Tudo isto quiz eu requerer ontem, mas calei-me, deixando o negocio para quando se tratasse dos referidos artigos addicionaes; todavia depois que sai do Congresso julguei imprudencia minha, e arrependi-me; porque reflecti, que tendo os Brazileiros já apresentado certos artigos addicionaes (que havião de ser parte dos futuros), o soberano Congresso os não admittiu; e só quiz que os artigos fossem feitos sobre bases suas; de sorte que as bases e os artigos que os Brazileiros julgarão justas, e só rapazes de fazer a felicidade do Brazil, forão rejeitadas in limine, levando os nossos negocios o mais cruel golpe, e um andamento divergente dos nossos projectos: por isso temendo um similhante successo, resolvi-me a fazer estas declarações agora, para não serem estranhadas quando for preciso tocar nellas.
E tornando para a minha reflexão sobre a palavra Portuguez digo que ontem tambem foi sanccionado o artigo 1.º do tit. 2.º: eu respeito as decisões das Cortes, mas tambem reparo na palavra Portuguez. Esta palavra, Sr. Presidente, póde mover grande ciume nos povos do Brazil, e causar damno: Eu já advirto que nos artigos addicionaes ha de declarar-se do modo seguinte: de todos os Portuguezes de todas

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as castas de ambos os hemisferios. Não pense o soberano Congresso que isto he indifferente: no Brazil temos Portuguezes brancos europeus, e Portuguezes brancos brazileiros: temos mulatos, que são os filhos de todos aquelles Portuguezes com as mulheres pretas, ou estas sejão crioulas do paiz ou sejão da costa da Mina, Angola, etc.: temos tambem mulatos, filhos da combinação dos mesmos mulatos: e temos cabras, que são os filhos dos mulatos com as pretas: temos cabouclos ou indios naturaes do paiz: temos as misturas destes, isto he, os mamelucos, que são o producto dos brancos misturados com os referidos cabouclos: e temos os misticos, que são a prole dos indios combinados com a gente preta. Além disto temos tambem pretos crioulos, que são os nascidos no paiz; e finalmente temos os negros da costa da Mina, Angola, etc.
A falta de cuidado nestes artigos póde fazer grande mal; porque toda a gente de cor no Brazil clamaria que lhe queirão tirar os direitos de cidadão, e do voto; he por isso que eu digo que a palavra portuguez, no Brazil he equivoca; concluo pois que se deve tirar toda a duvida nos artigos addicionaes, ou mesmo aqui; porque todos aquelles habitantes do reino do Brazil seguem a mesma religião, falão a mesma lingua obedecem ao mesmo Rei, abração e defendem a mesma Constituição livre. Eu bem vejo no capitulo 3.º accrescentar-se ao artigo 33 um paragrafo que diz, que os libertos e seus filhos não são excluidos de votar: tambem reconheço que no artigo 38, no fim, se fala do acto addicional, mas apesar disso não estou satisfeito, e quero fazer as minhas observações, e reclamações sobre o artigo 21 que agora entra em questão, e vai ser sanccionado: diz elle, que são cidadãos os filhos de pai portuguez nascidos no Reino Unido: o artigo, Sr. Presidente, parece recair sobre os filhos legitimos, e não abrange a todos segundo as qualidades das castas que eu já mencionei, e o meu escrupulo se augmenta quando na divisão segunda se fala nos filhos illegitimos de mais portuguezas nascidos no Reino Unido; parece-me que os filhos portuguezes de todas as castas, com a gente preta da costa da Mina que não he territorio portuguez, ficão perdendo o precioso direito de cidadão, com o qual se perde o direito de votar, e outras muitas vantagens, e o mesmo digo dos crioulos filhos dos pretos da costa da Mina, e dos filhos dos indios, e mulatos, e cabras com a dita gente. Desde agora declaro que para o Brazil he melhor dividir os cidadãos em activos, e passivos, segundo o abbade Seyés, e outros publicistas, porque isto he mais a bem dos negocios-brazileiros.
Os mulatos, Sr. Presidente, cabras, e crioulos; os indios, mamelucos, e mistiços, são gentes todas nossas, são portuguezes, e cidadãos muito honrados, e valorosos: elles em todo o tempo provarão quanto pezo tem aquelle paiz, fazendo a defeza delle, e concorrendo para seu engrandecimento, já na agricultura, já no commercio, e artes. Nós temos visto grandes heroes em todas aquellas raças: pondo de parte tendo quanto fizerão para livrar as provincias dos assaltos de muitos indignos senhores do paiz nossos adversarios, só lembro o que obrarão na expulsão os Hollandezes. Se Fernandes Vieira era portuguez ilheo, e outros erão Portuguezes europeos e brazileiros, os de mais não fizerão menos. Tabira, chefe dos indios auxiliares de Pernambuco, ao romper da batalha recebeu no olho uma frecha farpada; elle arranca a frecha com o bulbo do olho na ponta, e voltado para os seus soldados, diz «Tabira não precisa de dois olhos para vencer os inimigos, basta-lhe um só» e acommettendo, desbaratou tudo.
Dom Filippe Camarão, chefe de outra tribu de indios, commandou em muitas daquellas batalhas, trazendo a seu lado nos combates sua mulher, a heroina D. Clara, que montada a cavallo, e com a espada na mão nunca cedeu em valor e prudencia, e proezas aos capitães de todas aquellas guerras: e até em os nossos dias vimos o caboculo Joaquim Eusebio de Santa Anna capitão mór da villa de Abrantes, ser dos primeiros que obrarão na revolução constitucional na Bahia, em o dia 10 de Fevereiro do anno passado, ostentando o mais desmarcado valor, e offerecendo a vida pela salvação da pátria. O preto Henriques Dias para escalar a fortaleza das 5 pontas em Pernambuco, lança-lhe dentro a bengala, e diz aos seus soldados pretos: «he preciso ir buscar a bengala de seu capitão, que está entre os inimigos» e os pretos em um instante escalão a fortaleza. Este mesmo heroe Dias, despedaçando-lhe uma bala a mão esquerda, corre ao cirurgião, manda que lha corte, e que lhe aperte as ataduras; e empunhando a espada diz «para defender meu Deus, meu Rei, minha Patria, basta-me uma só mão» no mesmo momento corre para o campo da batalha e peleja até vencer. O governador da Bahia mandou, a titulo de desertores, muitas companhias de soldados pretos para desbastarem o que era dos Hollandezes em Pernambuco; estas, dispersadas em guerrilhas, fizerão bravuras contra os inimigos. Ora em todos os conflictos, e victorias sempre se acharão os briosos valentissimos mulatos, cabras, mamelucos, e misticos, e concorrerão com os demais para a salvação do paiz, mesmo quando estava desemparado da nação portugueza, e d'El Rei D. João IV que mandava entregar aquella provincia de Pernambuco aos Hollandezes inimigos. Pergunto eu: forão os Portuguezes, e os brancos só que fizerão façanhas, e salvárão a patria? Não por certo; forão todos juntos. Não forão elles que unidos, tambem libertárão a Bahia, e Rio de Janeiro, Maranhão, etc.? forão sem duvida alguma. Logo he evidente que se deve excluir a palavra portuguez, em cousas do Brazil; e por individuo; he por isso que nos artigos addicionaes se deve dizer assim; são cidadãos portugueses, todos os filhos de portuguezes, ou de brasileiros, ainda que illegitimos, de qualquer côr ou qualidade, nascidos no reino do Brazil; e mesmo todos os crioulos, e os libertos.
Pergunto qual será mais estimavel cidadão, o mulato ou preto bem educado, e bem conduzido, sabendo ler, escrever, sabendo latim, francez, inglez, filosofia, etc.; ou um portuguez branco ignorante, e de máo comportamento? Creio que será o mulato ou preto. Quem mercerá mais attenção na sociedade? Um mu-

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falo ser um negro honrado que professa uma arte, ou officio util, que possue propriedades urbanas ou rusticas, ou o europeu branco, peralvilho, bebado, e sem vergonha; ou algum miseravel da ralé de cor alva? Creio que ninguem deixará de preferir o mulato ou o negro, ou qualquer que seja a variação da cor. Por consequencia he necessario comprehender a todos no Brazil como cidadãos. Eu desejo que o soberano Congresso fique na intelligencia de que no acto addicional se devem fazer muitas addições, ou diminuições saudaveis no reino do Brazil, e por isso uteis á nação, o contrario ha de descontentar, e excitar aquelles povos á desobediencia, e á revolta, sem que depois se possão applicar efficazes remédios.
EsteS e outros são os motivos, porque falando com profundo respeito, o Congresso não se deveria ter intromettido com os artigos addicionaes; e nem deve desapprovar aquillo que requererem ou fizerem as deputações brazileiras; pois que são os Brazilianos unicamente que gabem do espirito particular e publico daquelles povos, de seus desejos, suas inclinações, sua defeza, sua tendencia, seus costumes, sua politica, etc. Por tanto desde já requeiro que nas discussões de que se trata, haja attenção a tudo quanto for applicavel ao reino do Brazil, ficando salvas as convenientes reformas inpreteriveis do acto addicional; e de nenhum effeito lodo e qualquer artigo ou artigos que se oppuzerem aos direitos, e á prosperidade daquelle hemisferio.
O Sr. Soares de Azevedo: - Parece que o illustre Deputado de proposito quer atrazar os nossos trabalhos. Por ventura quando a Constituição trata dos filhos de pais portugueses, fula de brancos ou pretos? Não se entendem todos? Tem acaso a côr alguma influencia para estas cousas?
O Sr. Macedo: - Aqui tratamos sómente da redacção; de maneira nenhuma devemos entrar em discussão sobre cousas que já estão vencidas.
O Sr. Presidente: - O illustre Deputado prometteu fazer um additamento, e tal additamento não fez; prometteu sempre vir a questão, nunca lá chegou: em consequencia eu não podia fazer cousa alguma.
O Sr. Borges Carneiro: - Devo lembrar á Assembléa que em o n.º ... vinha um artigo que dizia serem cidadãos os libertos, que obtiverão carta de alforria tendo nascimento ou domicilio no Reino-Unido. Em sessão de 30 de Maio determinou-se que ficasse esta doutrina para os artigos addicionaes relativos ao Brazil; porém nelles não se trata disso, cesta doutrina não he só propria do Brazil, mas tambem de África, e Ásia, onde ha libertos. Como pois os líber* tM não são excluídos do votar, segundo aqui se acha sanccionado no artigo 33, e a razão disso he porque são cidadãos, pois sem isso não poderião exercitar um direito politico, deve por consequencia supprimir-se esta parte do artigo 33, que diz poderem cites votar, e accrescentalos no artigo 21 ao numero dos cidadãos portuguezes. Nem se objecte que se não deve fazer na Constituição menção de libertos, porque com isso se consigna a escravidão. Não he assim; faz-se menção delles porque presentemente os ha, e para em quanto os houver. Digo pois que no artigo 21 se abra um numero para contar os libertos, como cidadãos.
O Sr. Fernandes Tlomaz: - Supponho ser necessario esclarecer um pouco mais o artigo 21. Quando nelle se empregão as palavros, nascido no Reino Unido, he preciso declarar se he com effeito o Reino Unido, ou tambem as suas possesões, e estabelicimentos.
O Sr. Borges Carneiro: - Na sessão de 12 de Novembro do anno passado se determinou que para designar todo o território da monarquia portugueza, se usasse das palavras Reino Unido. Logo com esta só expressão se satisfaz a quanto deseja o Sr. Fernandes Thomaz.
O Sr. Corrêa de Seabra: - Sr. Presidente, a questão he de redacção; o artigo deve ser enunciado nesta forma (leu). Deste modo tirão-se todas as duvidas, porque os nascidos em paiz estrangeiro depois que estão a serviço da Nação, são julgados pela nossa legislação, e pela de todos os codigos da Europa, como se fossem nascidos no proprio paiz.
Procedendo-se á votação, forão approvados os dois primeiros números. O numero 3.° foi approvado, accrescentando-se depois da palavra expostos, as palavras: em qualquer parte do Reino Unido. O numero 4.° foi approvado como está. O numero 5.° foi approvado com as seguintes alterações: 1.ª, pôr em lugar da palavra tiver, a palavra fixado: 2.º, supprimir a palavra consistente: 3.ª, declarar expressamente entre os estabelecimentos de que aqui se fala, os capitães em dinheiro.
O Sr. Braamcamp propoz que os dois períodos deste nomero 5.º fizessem na Constituição um artigo em separado: e assim se approvou.
Entrou em discussão uma indicação do Sr. Villea, em que propunha se accrescentasse a este artigo 21 mais um numero 6.° concebido nos termos seguintes: os escravos, uma vez que tenhão alcançado carta de alforria; e foi approvado.
Não havendo artigo 22, por ir incluido no 21, passou-se ao seguinte, que foi approvado como está.
Art. 23. Perde a qualidade de cidadão portuguez:
I. O que se naturalizar em paiz estrangeiro.
II. O que sem licença do Governo acceitar emprego, pensão, ou condecoração de qualquer governo estrangeiro.
Passou-se ao seguinte
Art. 24. O exercicio dos direitos politicos se suspende:
I. Por incapacidade fysica ou moral.
II. Por sentença que condemne a prisão ou degredo, em quanto durar a condemnação.
Foi approvado com a substituição das palavras, durar os effeitos da condemnação, em lugar de durar a condemnação.
Approvou-se sem alteração alguma o seguinte
Art. 25. A religião da Nação portugueza he a catholica apostolica romana. Permitte-se com tudo nos estrangeiros o exercicio particular de seus respectivos cultos.
Art. 26. A soberania reside essencialmente em a Nação. Não póde porem ter exercitada senão pelos

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seus representantes legalmente eleitos. Nenhum individuo ou corporação póde exercer autoridade publica, que se não derive da mesma Nação.
Foi approvado com a unica alteração de dizer-se: Nenhum individuo ou corporação exerce, etc., em lugar de póde exercer, como estava no artigo. Approvou-se como estava o seguinte
Art. 27. A Nação he livre, e independente, e não póde ser patrimonio de ninguem. A ella sómente pertence fazer, pelos seus Deputados juntos em Cortes, a sua constituição, ou lei fundamental, sem dependencia de sancção do Rei.
Passou-se ao seguinte
Art. 28. Esta Constituição uma vez feita pelas presentes Cortes extraordinarias e constituintes, sómente poderá ser reformada, ou alterada, depois de haverem passado quatro annos, contados desde a sua publicação; e quanto aos artigos, cuja execução depende de leis regulamentares, contados desde a publicação dessas leis. Estas refórmas, e alterações se farão pela maneira seguinte:
Passados que sejão os ditos quatro annos, se poderá propor em Cortes à refórma ou alteração, que se pretender. A proposta será lida tres vezes com intervallos de oito dias, e se for admittida á discussão, e concordarem na sua necessidade as duas terças partes dos Deputados presentes, será reduzida a decreto, no qual se ordene aos eleitores dos Deputados para a seguinte legislatura, que nas procurações lhes confirão especial faculdade para poderem fazer a pretendida alteração ou reforma, obrigando-se a reconhela como constitucional no caso de chegar a ser approvada.
A Deputação que vier instruida com as referidas procurações, discutirá novamente a proposta: e se for approvada pelas duas terças partes, será logo havida como lei constitucional, e accrescentada á Constituição. Uma Deputação (art. 89) a apresentará ao Rei para elle a fazer publicar e executar em toda a monarquia.
Depois de uma breve discussão, foi approvado, com as seguintes alterações, no terceiro periodo: 1.ª dizer-se: A legislatura que vier munida; e não, A Deputação que vier instruida: 2.ª em lugar da expressão, accrescentada á Constituição, substituir-se a outra, incluida na: 3.ª supprimir-se a clausula final: uma Deputação etc, dizendo-se unicamente: e será apresentada ao Rei na conformidade do artigo 89.
Forão approvados os tres artigos que se seguem, salva a verdadeira referencia das citações do artigo 30.
Art. 29. O Governo da Nação portugueza he a monarquia constitucional hereditaria, com leis fundamentaes, que regulem o exercicio dos tres poderes politicos.
Art. 30 Estes poderes são legislativo, executivo, e judicial. O primeiro reside nas Cortes com dependencia da sancção do Rei (art. 90, 91, 92.) O segundo está no Rei e seus ministros, que o exercitão debaixo da autoridade do mesmo Rei. O terceiro está nos juizes.
Cada um destes poderes he de tal maneira independente, que um não poderá arrogar a si as attribuições do outro.
Art. 31. A dynastia reinante he a da serenissima casa de Bragança. O nosso Rei actual he o Senhor D. João VI.
Entrou em discussão o seguinte

TITULO III.

Do Poder Legislativo, ou das Cortes.

CAPITULO I.

Da Eleição dos Deputados de Cortes.

Art. 33. A Nação portuguesa he representada em Cortes, isto he, no ajuntamento dos Deputados, que a mesma Nação para esse fim elege, com respeito á povoação de todo o territorio portuguez.
Art. 33. Na eleição dos Deputados tem voto os Portugueses, que estiverem no exercicio dos directos de cidadão (art. 21 23 e 24) tendo domicilio ou pelo menos residencia de um anno em o concelho, onde se fizer a eleição. Exceptuão-se:
I. Os menores de vinte e cinco annos, entre os quaes com tudo se não comprehendem os casados, que tiverem vinte annos; os officiaes militares da mesma idade; os bachareis formados; e os clerigos de ordens sacras:
II. Os filhos familias, que estiverem no poder e companhia de seus pais:
III. Os criados de servir; não se entendendo nesta denominação os feitores e abogões, que viverem em casa separada dos lavradores seus amos:
IV. Os vadios, isto he, os que não tem emprego, officio, ou modo de vida conhecido:
V. Os regulares, entre os quaes se não comprehendem os das ordens militares, nem os secularizados:
VI. Os que para o futuro, em chegando á idade de vinte e cinco annos completos, não souberem ler e escrever, se tiverem menos de dezesete quando se publicar a Constituição.
Não são excluidos de votar os libertos e seus filhos.
Procedendo-se á votação forão approvadas as epigrafes deste titulo e capitulo: e igualmente o forão os artigos 32 e 33, com todos os seus numeros, á excepção da ultima parte do numero 6.º, que foi mandada supprimir.
Havendo sido mandado supprimir na sessão de 8 de Maio o artigo 34, passou-se ao seguinte artigo, que foi approvado com todos os seus numeros.
Art. 35. São absolutamente inelegiveis:
I. Os que não pedem votar (at. 33):
II. Os que não tem para se sustentar renda sufficiente, procedida de bens de raiz, commercio, industria, ou emprego:
III. Os apresentados por fallidos, em quanto se não justificar que o são de boa fé:
IV Os secretarios e conselheiros de Estado:

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V. Os que servem empregos da casa Real:
VI. Os estrangeiros, posto que tenhão carta de naturalisação.
Entrou em discussão uma indicação do Sr. Villela, em que propunha que fossem inelegiveis todos aquelles que tivessem obtido alforria.
Em apoio desta indicação disse o mesmo illustre Deputado: - Sr. Presidente, sou de opinião que não convem que os libertos possão ser eleitos para Deputados: não por sairem de uma classe miseravel, elles não tem a culpa da sua infeliz sorte, mas porque occupados todo o seu tempo no serviço de seus senhores, não pódem ter adquirido conhecimentos e instrucção necessaria para o desempenho difficil do lugar de representante da Nação. Sou porém de parecer, que os filhos dos libertos sejão elegiveis, pois nascidos livres , e educados na liberdade, podem possuir sentimentos briosos e liberaes com a precisa instrucção. Eu conheço alguns mui distinctos por estas qualidades , a favor dos quaes não duvidaria dar o meu voto para Deputados do Cortes. Torno pois a repetir, que só não convenho em que sejão elegiveis os que forão escravos. He preciso que este augusto lugar seja occupado por espiritos francas, e elevados, quaes não podem conservar os que viverão abatidos na escravidão.
O Sr. Fernandes Pinheiro: - A transição rapida do estado da escravidão para a plena fruição dos direitos e privilegios politicos póde ter consequencias funestas, como acaba de ponderar um illustre Membro. Sabe-se a differença que fazem respeitaveis publicistas entre direitos individuaes, ou de cidadão passivo; e direitos de cidadão activo, ou direitos politicos. Parecia-me pois que o individuo apenas liberto, entrasse logo nos direitos de cidadão; mas que nos direitos e privilegios politicos, que consistem em ser membro das diversas autoridades nacionaes, em concorrer para a eleição, e em ser elegivel, só podesse entrar depois de longos annos, como opina um grande politico: disse privilegios, porque não são uma emanação do direito natural; mas uma simples delegação do corpo social. Não se presuma que me fascina a distincção de côr, que olho como mero accidente, quando intervem o merecimento; e se alguem me taxar aqui de idéas pouco liberaes, faça-me antes a justiça de capacitar-se que só me levão as considerações, pelas quaes na America septemtrional, principalmente nos estados da Carolina, e da Virginia, desse paiz da liberdade, donde forão desterrados todos os prejuizos, muitos libertos, aliás ricos proprietarios e cultivadores, não são admittidos nem chamados ao Congresso, nem ás assembléas particulares dos Estados, nem ás assembleas primarias, nem ás eleitoraes, nem aos corpos representativos, etc. Argumento e comparo com o exemplo da Grã Bretanha, onde, segundo nos refere Blackstone: o filho de pai estrangeiro naturalizado não goza logo do pleno exercicio dos direitos politicos; he só o neto o que a lei olha como inteiramente incorporado á Nação, e invente sem reserva em todas as prerogativas de cidadão inglez.
O Sr. Domingos da Conceição: - Eu conheço do Brazil homens que infelizmente nascerão escravos, e que hoje são homens dignos, e de representação naquelle Reino: conheço muitos que tem patentes militares, e dignamente as desempenhão. E perguntarei aos illustres Preopinantes, se elles tivessem nascido escravos, e depois de quarenta ou cincoenta annos commandassem um regimento como coroneis ou brigadeiros, ou uma companhia, debaixo do titulo de capitães, e sendo já hoje considerados como cidadãos, se gostarião que os inhibissemos de serem eleitos Deputados em Cortes, só porque tiverão a desgraça de nascer escravos? Eu opponho-me a similhante exclusão servil e aterradora; e approvo que tendo estes homens talentos e virtudes, tenhão direito a ser Deputados da Nação portugueza.
O Sr. Franzini: - Estou firmemente convencido que não ha razão alguma para se excluir os libertos, quando concorrão as outras qualidades que a lei exige. Existem innumeraveis libertos que tem recebido uma excelente educação, e que se achão adornados de virtudes não vulgares, consequencia da sua boa educação, promovida por seus senhores. Não só existem libertos capazes de pugnar pela conservação dos principios estabelecidos, mas até os ha capuzes de ennobrecer a sua patria, e sirva de exemplo o que vimos em uma ilha da America: e neste caso hão de excluir-se estes homens, só porque tem a macula imposta por uma lei injusta e barbara, qual he a da escravidão? Sou por tanto de opinião que os libertos bem educados, nos quaes concorrerem os requisitos da lei, devem estar aptos para serem nomeados Deputados, uma vez que a maioria dos seus concidadãos os julgar dignos de desempenharem este cargo.
O Sr. Segurado: - Ha muitos que quando se baptizão são logo baptizados como forros, e chamão-se forros na pia. Em muitas terras do Brazil onde tenho servido, ha libertos muito mais habeis do que aquelles que já nascerão livres: eu conheço bastantes vigarios, coroneis, empregados publicos, etc. muito capazes; e porque razão não hão de poder ser estes homens Deputados, tendo elles virtudes e talentos para merecerem que os povos lhes dêm os seus votos?.
O Sr. Pinto da França: - Eu sou de voto que os libertos em regra geral possão ser eleitos Deputados. Não estou pelo que disse em illustre Deputado, que não sabe fazer distincção de cores; eu sei fazer essas distincções; o que eu não sei fazer he distincção do merecimento quando elle está no branco, no negro, ou no pardo; todo o cidadão portuguez que estiver em taes e taes circunstancias, poderá ser Deputado: isto he o que me guia. O cidadão portuguez, em quem estas circunstancias mais se reunirem, he o mais preferivel para ser Deputado. Por consequencia, tendo nós já determinado que um liberto fica cidadão portuguez; se em um liberto concorrerem todas as circunstancias, ou aquelles que no menos se exigem para qualquer cidadão portuguez ser Deputado, não póde ver privado deste direito sem que sejamos notoriamente contradictorios. Diz-se que o liberto he um homem que acabou de estar nos ferros da escravidão, e que não póde em tal caso ter aquelles sentimentos que são próprios de um Deputado em Cortes. Quanto á primeira parte, he este um

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principio que mais me faz lembrar de advogar a sua causa: quem gemeu, merece consolação, e não despreso; e pelo que parece á 2.ª parte, digo que se um homem liberto não he sufficientemente instruido, não tem a fortuna de ter propriedades, ou meios de decente sustentação, nem a devida moralidade etc, etc., está no caso dos outros cidadãos que portaes defeitos são inelegiveis; porém ao contrario se elle tem merecimentos, e se em tudo o mais está a par dos honrados cidadãos portuguezes, em cuja classe a Constituição o collocou, não podemos sem injustiça, derruido do anivelamento a que foi elevado; e torno a dizer, se neste cidadão portuguez concorrem todas as circunstancias necessarias, deve ter os mesmos gozos. Em consequencia voto que não sejão excluidos os libertos.
O Sr. Castello Branco: - He para dar o devido tributo de homenagem aos principios de humanidade, aos principios liberaes que nos servem de regra, que eu me levanto. Familiarizados, desde que nos entendemos, com o trato dos homens, nós consideramos esses homens nas diversas épocas da sua vida, sempre com referencia ao triste estudo em que elles sairão dos certões de Africa. Nesse estado he bem de crer que eu já mais votaria que elles fossem elegiveis para Deputados em Cortes: porém he preciso, tratando desta materia, abstrairmos da nossa imaginação essa primeira epoca, e suppormos que ha homens, que apezar de nascerem na escravidão, tem todas as qualidades necessarias para poderem ser Deputados em Cortes. Os mesmos illustres Deputados do Brazil o attestão, como tendo conhecimento do paiz. E possuindo esses individuos as qualidades necessarias, não lhes fariamos nós uma injustiça, excluindo-os deste mais precioso direito do cidadão? Os honrados Membros, que tem impugnado estes principios, pensão talvez que um homem que arrastou por algum tempo as cadeias da escravidão, não poderia ter coragem para expressar o seu voto neste Congresso; mas por isso mesmo que elle conhece os males da escravidão, he que mais devem sustentar com energia a liberdade, fim para que nós aqui nos reunimos. Voto pois contra a exclusão que se pretende fazer dos libertos.
O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Srs., as bases da nossa Constituição, juradas aqui, juradas no Brazil, juradas em toda a parte da Monarquia, dizem: aos cargos publicos podem ser admittidos todos os cidadãos, sem outra distincção, que não seja a dos bens talentos, e das suas virtudes. Já em outro tempo dizia o poeta Virgilio: Nimium ne crede colori. Desconfiemos destas differenças, procuremos o homem no seu coração, nas suas idéas, e na sua constitucionalidade. Nós já habilitámos os libertos para poderem eleger: esta qualidade talvez seja mais difficultosa, do que a qualidade de ser elegivel. Quando o homem elege, póde eleger quem muito quizer; mas quando o homem for elegivel, não tem acção nenhuma, são os outros cidadãos quem o elegem. Se esse homem que he liberto tiver virtudes, elles o elegerão, e se as não tiver, elles não o hão de eleger. Por consequencia não devemos ter medo, antes ao contrario
afoutamente devemos votar, que um homem que tiver merecimento, possa ter o premio desse seu merecimento. Sou pois de voto que aos libertos se dê a qualidade, que certamente se lhes não póde negar. Todos os homens são iguaes perante a lei: os filósofos tem-no assim pensado. Dizia o melhor filosofo que com effeito teve a França (Voltaire).

Les hommes sont égaux; ce n'est pas la naissance, C*'est la seule vertu, Qui fait la difference.

Isto mesmo dizem todos os homens que a similhante respeito tem escrito; nem ha uma razão que destrua estes principios impressos no coração de todos os homens, que não se vêm aferrados a estas opiniões dos Romanos, que tiverão os homens em menos cabo, e em uma situação mui diversa, e em uma palavra, não considerando o homem com humanidade. Por consequencia não se póde deixar de approvar esta opinião filantrópica, e já approvada nas bases da nossa Constituição.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu rejeito a indicação, e não se deve falar em tal; porque seria injusto que se dissesse em um Congresso tão liberal como este, que aquelles homens não poderião ser eleitos Deputados. Não ha embaraço algum que se possa allegar; todos os que se tem allegado são filhos da prepotencia, do despotismo, e da força. Deve-se rejeitar absolutamente a indicação, e não se falar mais em similhante materia; porque os libertos que tiverem nascido fóra do territorio portuguez, não podem ter elegidos, e lá está a lei. Porém os que o não forem, podem, e devem. Que diria um liberto da ilha de S. Thomé, ou Cabo Verde, vendo que um degradado que foi para ali; um ladrão que foi andar nas gales, depois de acabado o tempo da sua condemnação, póde ser Deputado em Cortes, e um liberto porque teve a desgraça de nascer liberto, hão ha de poder ser Deputado? Elle póde ser pároco, póde ser magistrado, póde ser papa (não póde ser: disserão alguns Srs. Deputados). Pois possa ou hão ser papa (continuou o Orador), isso he òomesmo; mas póde ser funccionario publico; Em consequencia, voto que um liberto, em sendo nascido em territorio portuguez, póde ser Deputado em Cortes.
O Sr. Barroso: -.....
O Sr. Castro e Silva: - Foi debaixo das considerações que acabou de expender o illustre Preopinante o Sr. Barroso, que eu offereci tambem uma indicação, na qual não me sube explicar pela rapidez com que a escrevi aqui. Porém eu referia-me aos libertos somente, e não foi nem he de minha intenção falar daquelles que nascerão livres, e por isso no adjectivo, aquelles, deve-se ajuntar o substantivo, libertos, mas eu prescindo dessa minha indicação para apoiar em tudo a do Sr. Villela. Sr. Presidente, se eu conhecesse que o Brazil estava assás illuminado, como eu e todos os bons Portuguezes desejão, seria por certo o primeiro em rejeitar essa indicação, porém estando a civilização a sobresair agora na primeira classe sómente dos Brazileiros á custa de grandes sacrificios e despezas de seus habitantes, porque o despotismo em tudo os agrilhoava,

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mórmente em fechar lhe as portas às sciencias: existem por consequencia na mais crassa ignorância os de mais habitantes que formão segunda e terceira classe e são os brancos pobres, e mistiços forros por nascimento, e os libertos sabidos do captiveiro, e eis o motivo porque apoio a indicação. Sou filantropo tanto quanto podem ser os illustres Membros que tem combatido a indicação, mas não posso conformar-me com uma tal filantropia, e a considero como aquella liberdade mal entendida que só tem servido para transtornar a boa ordem social. Rejeitar-se esta indicação, Sr. Presidente, he o mesmo que rejeitar o merecimento dos bons Brasileiros para que sendo como he tão numerosa esta classe de libertos e muito entrelaçada com a segunda, isto he com os místicos, ha de por certo fazer corpo de partido nas eleições, e sairão eleitos Deputados aquelles seus iguaes: e será decente que um meclado que esteve ha pouco debaixo do azurrague venha sem méritos tomar assento na soberana Assemblea da Nação, e que por uma tal preponderância sufoquem-se desde já os merecimentos daquelles beneméritos Brasileiros, sem duvida dignos daquella escolha? Nós negamos uso ao estrangeiro aliás civilizado e virtuoso, e havemos de franquear a homens ainda desmoralizados e ignorantes? Sr. Previdente, nada mais atrevido do que a ignorância. Eu não sei explicar-me porque já me sinto horrorizado das funestas consequências de uma tal deliberação, parece-me que já antevejo as tristes acenas da ilha de S. Domingos, porque ninguém ha que ignore a influencia que esta classe tem na escravatura- muito fácil em seduzir. He um dói primeiros deveres do legislador procurar conhecer o tempo e o povo para quem legisla, e sendo como he conhecida a ignorância daquelle povo, não se poderá chamar precipitada e impolitica uma tal deliberação? A Constituição mui judiciosamente lhes garantiu o direito de cidadãos, que não he tão pequeno degrão, e para subirem a esse outro gráo tão eminente tratem primeiro de civilizarem-se, e quando então te conhecer a- sua civilização e virtudes, sanccione-se esse artigo constitucional; porém agora que nadar disso se conhece e sim muita ignorância, e muita filáucia, he, torno a dizer, precipitada e impolitica esta deliberação. Disserão dois illustres Preopinantes Brasileiros, que conhecião nessa classe homens de muito merecimento, e a mais avançou o illustre Preopinante o Sr. Brito, que foi nessa classe onde achou mais virtudes e merecimentos: quanto á asserção dos primeiros eu respondo que tanto não me tem acontecido, pois que nem na minha província e nem nas outras porque tenho viajado, tenho encontrado esses merecimentos em tal classe, e apenas conheço alguns na segunda classe; quanto á outra asserção deixo de responder porque apello para a opinião publica, que o julgará imparcialmente. Não se diga tambem que bastão os esforços dessa classe em se libertarem pára terem muitos méritos porque muitos ha que seus senhores os libertarão sem outro interesse mais, do que o amor da criação. Resumindo pois as minhas idéas, voto pela indicação.
O Sr. Villela: - Os illustres Preopinantes acharão matéria larga para ostentanção de principios liberaes. Eu sou tão liberal como elles; mas sei também, que a liberdade deve ter seus limites. Quando eu propuz este additamento, foi por olhar às qualidades que deve ter um cidadão para ser Deputado, sendo uma das principaes a instrucção, a qual de certo não póde ser o liberto que empregou todo o seu tempo no serviço de seus senhores. Entretanto não deixo de annuir a que esta exclusão só se entenda a respeito dos libertos africanos, e não dos que são nascidos no paiz; visto que muitos destes; como se tem ponderado, são mandados educar pelos senhores, em cuja casa nascerão; e muitos, forros na pia, e filhos dos mesmos senhores. Portanto quanto a estes, convenho em que sejão elegíveis.
Declarada a materia suffientemente discutida propoz o Sr. Presidente a indicação a votos e foi rejeitada.
O Sr. Varella, por parte da Commissão de Constituição, leu o seguinte

PARECER.

Foi presente á Comissão da redacção de Constituição, um officio do Ministro dos negócios do reino contendo outros do senado da camara desta cidade sobre a duvida de serem admittidos a votar nas próximas eleições para Deputados de Cortes os militares dos regimentos de infanteria n.° 10, e n.º 23 que se achão aquartelados nesta cidade ha menos de um atino.
Parece á Commissão que determinando-se no §.4.º da lei dás eleições, que para o direito de votar he preciso ter domicilio, ou pelo menos residência de um anno, não se póde duvidar que os corpos militares tem domicilio no lugar em que se achão aquartelados; nem seria justo que ficassem privados deste direito de eleição por cumprir as ordens superiores: satisfazendo os destacamentos a que são obrigados pela lei.
E por quanto constou á Commissão ter-se movido similhante duvida a respeito dos empregados públicos, e beneficiados, que residem ha menos de anno nos lugares em que tem os seus empregos, ou benefícios:
Parece á Commissão que tambem deverá declarar-se que a respeito destes se verifica para o flui de ser admittidos a votar, a qualidade de domiciliário exigida no citado art. 4.°
Paço da cortes 13 de Agosto de 1822.- Luiz Nicoláo Fagundes Varella; Manoel Borges Carneiro; Bento Pereira do Carmo.
Terminada a leitura deste parecer, disse
O Sr. Guerreiro: - Creio que este parecer da Commissão contem rigorosamente uma dispensa de lei, e não sei que se possa dispensar a lei dessa maneira. Se bem me lembro, as razões que ouvi para se determinar que não podesse dar voto se não aquelle que tivesse residência, era para que elle fizesse uma boa escolha, pois que esta só a póde fazer naquelle que tiver conhecimento das pessoas. Parece-me por conseguinte que o parecer da Commissão he opposto á lei, e por tanto não se póde approvar.

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O Sr. Borges Carneiro: - O parecer do Commissão contem não dispensa, mas declaração da lei. Aquelles que não tem domicilio, como os que vem a Lisboa tratar de uma demanda, esses precisão para poderem votar nas eleições ter aqui o tempo de residencia marcado; porém aquelles que não estão servindo um officio publico, ou beneficios, ou estão em outro serviço publico, quaes os militares aquartelados, esses não dependem de ter o dito tempo de residencia, porque tem domicilio, e a lei diz domicilio, ou pelo menos residencia de um anno. Ora estou certo que o illustre Opinante não negará que o official publico, o beneficiado, etc. no mesmo dia em que tomou posse do seu officio, ou beneficio, adquiriu ali domicilio, o qual consiste no facto e na tenção, isto he, na residencia qualquer cum animo ibi manendi. Applicando este principio aos militares, os quaes em cumprimento das suas obrigações, e ordens superiores, segundo sua instituição, vagão por diversos lugares, e tomão differentes quarteis frequentemente, e segundo uma ordem do dia todos os seis mezes; os militares, digo, ou não tem nunca domicilio algum (o que he absurdo) ou o tem onde estão actualmente aquartelados, que he o que se deve affirmar, para se não seguir o absurdo de dizermos que em razão do serviço publico perdem o beneficio do domicilio, e o precioso direito de votar nas eleições.
O Sr Alves do Rio: - Não approvo o parecer da Commissão: eu votei pelas eleições directas unicamente com as vistas de não poder o Governo executivo influir nas eleições; e admittido o parecer da Commissão, está destruido isso; porque tendo o poder executivo esta influencia tão grande nas eleições, elle poderá mover o exercito para onde mui bem quizer: razões estas, assás bastantes para se reprovar o parecer da Commissão.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Por isso mesmo que diz o Sr. Alves do Rio, he que se devem admittir os militares a votar; porque aliás o Governo inutilisava os votos dos soldados mandando que os soldados andassem a passear pelo reino. Voto pois que a qualquer parte onde o soldado chegar, indo para tomar um quartel, mandado pelo Governo para isso, se entenda que elle tem domicilio, unicamente para votar nas eleições.
O Sr. Braamcamp: - O que diz o illustre Preopinante não he exacto; porque inutilizar alguns votos he menos perigoso do que aproveitosos, e virem estes a redundar em prejuizo da causa nacional.
O Sr. Serpa Machado: - Parece-me que o parecer da Commissão está conforme á disposição da lei. O domicilio não se acha estabelecido, se não na conformidade das nossas leis, e estas dizem que todo o empregado publico logo que entra no seu emprego ganha ahi o domicilio. A unica questão que se póde suscitar he a respeito dos soldados. Depois que concedemos aos officiaes o direito de votar, tambem o não podemos negar aos soldados, pois tem o mesmo direito. Que a disposição da lei não he muito justa, e que tem inconvenientes, isso he certo, porém não he para agora, e em consequencia approvo o parecer da Commissão.

O Sr. Villela: - a votação para Deputados em Cortes requer uma escolha mui estudada, a qual de certo não podem fazer esses soldados vindos ha poucos dias, por não terem tempo bastante esses soldados vindos ha poucos idas, por não terem tempo bastante para conhecimento de pessoas capazes. Nestes termos votrão naquelles de que lhe metterem listas nas mãos: o que póde ser de pessima consequencia. Entretanto não duvido de que aos seus officiaes se permitta o votar; pois estes podem consultar pessoas de saber, e probidade, e não serão tão facilemente enganados, nem capazes de ser seduzidos. Approvo pois sómente quanto a estes o parecer da Commissão: e unicamente por este motivo.
O Sr. Soares de Azevedo: - Que o parecer da Commissão he opposto a lei, não ha duvida alguma. O domicilio do regimento he no seu quartel; isto he o que eu entendo. Se pois elles não tem o domicilio, nem o tempo da residencia, como queremos dizer que isso não he contra a lei? Tambem não approvo que se dê esta preferencia aos officiaes, e não aos soldados; isso he odioso, porque as razões que ha para uns, militão para os outros. Reprovo pois o parecer da Commissão.
O Sr. Miranda: - O caso não está claro na lei. O exercito pela sua constituição não está determinado que seja permanente nos seus quarteis; ao contrario, manda que elles mudem de quarteis progressivamente: caso este em que se achão os regimentos de que se trata, aos quaes se faria uma injustiça privando-os de similhante acto. Não acho justo que se faça distincção entre officiaes, e soldados. Não se diga que os soldados não tem conhecimento para votar: eu estou em Lisboa ha dois annos, e assim mesmo não estou muito bem informado das pessoas em quem hei de votar; e todos estão em iguaes circunstancias. O regimento numero 10 com toda a razão deve votar, porque está na provincia; e em consequencia approvo o parecer da Commissão.
O Sr. Bastos: - Eu ao contrario reprovo o parecer da Commissaõ. Elle está em formal opposição com a lei provisória das eleições, e até com a Constituição. E não póde haver cousa mais estranha, nem mais escandalosa do que o fazer uma lei geral n'um dia, e passar n'outro a revogada, por motivos particulares. Ouvi dizer que os militares adquirem domicilio em qualquer terra, apenas a ella chegão; mas ou isto he um absurdo, ou eu não tenho idéa alguma de direito. Um dos requisitos necessarios para adquirir domicilio, he o animo de residir, e que animo de residir tem os soldados, quando por pura obediencia, e talvez bem contra sua vontade vão para onde os mandão, sem saber o tempo que se demorarão? Por aquella regra um regimento póde ter trinta domicilios em um mez; |porque em um mez póde chegar a trinta diversos lugares. Um dos Preopinantes disse que a razão da falta de conhecimentos das pessoas em que se ha de votar, he inattendivel, e que elle entanto ha dois annos em Lisboa, poucos ainda conhece. Se essa razão não vale nada, eu não sei qnal outra haverá que valha alguma cousa; e se o honrado Membro, com muito mais amplas relações que qualquer soldado, e com quasi dois annos de residencia, ainda ignora quaes são as

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pessoas dignas de serem votadas, como ha de esperar-se que a esse respeito estejão mais instruidos esses corpos militares, que ha poucos mezes ou dias chegárão á capital? O votar por alheias informações, e não por conhecimento, e convicção propria, foi o que se quiz evitar quando se estabeleceu a necessidade de um anno de residencia, e agora vejo que se quer erigir em regra o contrario, dando-se assim occasião a influencias destruidoras da liberdade.
Argumenta-se que o ministerio nunca tentará influir nas eleições, para não tomar sobre si responsabilidades. O ministerio não enviará a esse fim ordens algumas publicas, que o possão comprometter: mas quem ignora a multiplicidade de meios que estão á sua disposição, as clandestinas manobras, e as surdas maquinações que em taes casos costumão praticar-se?
Declarada a materia sufficientemente discutida, precedeu-se á votação, e foi approvado o parecer.
Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia a revisão da Constituição.
Levantou-se a sessão depois da uma hora e meia da tarde. - Francisco Xavier abares de Azevedo, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Filippe Ferreira de Araujo e Castro.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão voltar ao Governo o officio incluso e documentos juntos da junta provisional de governo da provincia de Pernambuco, datado em 10 de Junho proximo passado, e transmittido pela secretaria de Estado dos negocios do Reino, em 12 do corrente mez, sobre os acontecimentos que alí tiverão lugar, por ter sido presente às Cortes a primeira via do mesmo officio remettida pela mesma secretaria de Estado em officio de 8 do corrente mez, e restituida em data de 10.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 13 de Agosto de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, tomando em consideração as duvidas que se tem movido, ácerca de serem admittidos a votar nas eleições para Deputados de Cortes os cidadãos militares dos regimentos de infantaria n.º 10, e 23, por não terem um anno de aquartelamento em Lisboa, e os empregados publicos, e beneficiados, que ainda não completárão o anno de residencia: resolvem que tem domicilio para o effeito de serem admittidos a votar nas referidas eleições, assim os individuos dos corpos militares no lugar onde se achão a quartelados, como os empregados publicos, e beneficiados naquelle onde tem seus empregos, ou beneficios. O que V. Exc. Levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 13 de Agosto de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Candido José Xavier.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo, a fim de ser competentemente verificado, o offerecimento incluso que o coronel do regimento de milicias de Lamego José Leite Pereira de Azevedo e Cunha, em seu nome e dos officiaes e soldados do corpo do seu commando, dirigiu ao soberano Congresso a beneficio da divida do Estado, da quantia de 9:572$545 réis, que se lhes está devendo de soldos, e prets desde Abril de 1812 até 24 de Agosto de 1820. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde o V. Exca. Paço das Cortes em 13 de Agosto de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão

SESSÃO DE 14 DE AGOSTO.

A' Hora determinada disse o Sr. Freire, Presidente, que se abria a sessão, elida a acta da sessão precedente pelo Sr. Deputado Secretario Soares de Azevedo, foi approvada.
Os Srs. Deputados Pinto de Magalhães, Ozorio Cabral, Sarmento de Queiros, Van Zeller, Correu Seabra, João Moniz, e Ribeiro Teixeira, apresentarão o seu voto em separado, que diz - Na sessão de ontem fomos de voto, que os regimentos de infantaria 10, e 23, não tem direito nas proximas eleições de Deputados de votar na divisão eleitoral de Lisboa - Igualmente o Sr. Deputados Alves do Rio apresentou o seu voto em separado, que diz - Na sessão de ontem fui de opinião, que os corpos militares só podião votar para Deputados em Cortes nos circulos eleitoraes, em que residissem por um anno.
O Sr. Deputado Secretario Felgueiras deu conta da correspondência, e expediente seguinte:
De um officio do Ministro dos negocios da guerra, remettendo tres officios da junta do governo provisorio da ilha de S. Thomé, datados de 27, e 28 de Novembro, e em 12 de Dezembro de 1821, que se mandarão remetter á Commissão de Ultramar.
E das segundas vias da representação da camara da ilha do Príncipe, e outra da camara da ilha de S. Thomé, de cujas primeiras vias já havia dado conta em sessão de 12 de Junho, e se havião mandado remetter á Commissão de Ultramar.
E bem assim das segundas vias dos officios do governador das armas da Bahia de 17, e 18 de Maio, cujas primeiras vias se apresentarão em sessão de 9 de Julho, e se havião mandado remetter á Commissão de negocios politicos do Brazil.
E ultimamente da segunda via de uma carta de felicitação da junta provisoria de S. Thomé, de que já se havia dado conta da primeira via em sessão de

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