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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 13.

Lisboa 13 de Fevereiro de 1821.

SESSÃO DO DIA 12 DE FEVEREIRO.

Leo-se e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

LEO-SE a huma Petição do Tenente Coronel de Milicias de Barcellos, para ser processado ou solto, visto achar-se ha dous mezes no Castello de S. Jorge. Foi mandado a informar á Regencia, a quem se remettêrão varias outras supplicas, cuja attenção he de sua competencia.

Remetteo-se á Commissão de Fazenda huma Menor a de Filippe Arnaud de Medeiros, sobre a possibilidade e meios de pagar a divida do Estado: á de Agricultura outra Memoria anonyma, relativa á Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro: á de Legislação hum Memorial, que tem por titulo - Perigos descobertos - dedicado aos Representantes da Nação em Cortes, pelo Capitão Cypriano José Rodrigues das Chagas; e outro Opusculo do mesmo Auctor, intitulado - As Cortes, ou os Direitos do Povo Portuguez -: á de Estatistica outra Memoria, por hum anonymo, a respeito da Villa de Vianna do Minho.

Lerão-se por segunda vez:

O Additamento do senhor Ferrão á Proposta do senhor Pimentel Maldonado de Subscripção, para se erigir hum Monumento na Praça do Rocio. (Foi remettido á Commissão de Manufacturas e Artes. )

O Projecto do senhor Borges Carneiro, para livramento de Presos e visita de Cadeas. (Admittido á discussão.)

Os dous Projectos do senhor Alves do Rio, para extincção das Candelarias, e perdão dos Desertores. (Admittidos.)

A Proposta do senhor Brito, para se haver do Ministro da Fazenda informação das Rendas Nacionaes. (Mandou-se cumprir.)

E o Projecto do mesmo senhor Brito, para estabelecimento dos Estudos de Economia Politica. (Remettido á Commissão de Instrucção Publica.)

Leo-se parte de huma Memoria, dirigida a este Soberano Congresso pelo Commendador Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira, referindo as providencias que preparárão os gloriosos acontecimentos do dia 24 de Agosto, e os serviços ulteriores; podendo em conclusão, que elle e bens Camaradas fossem declarados Benemeritos da Patria.

Accordou-se em haver de ser remettida a huma Commissão que devia crear-se, para informar sobre este assumpto: e bom assim outra similhante Memoria do Capitão do Regimento N.° 16, Aurelio José de Moraes, ácerca dos gloriosos acontecimentos do dia 15 de Septembro ultimo.

Produzio a Commissão dos Poderes o seu informe relativo ás escusas dos senhores Bispo de Visco (Deputado pela Provincia da Beira ) Bispo de Lamego (pela mesma) Domingos Alvares Lobo (pela de Traz-os-Montes) João Gomes de Lima (pela do Minho) e Felix de Avelar Brotero (pela da Estremadura).

Pareceo á Commissão que as escusas dos senhores Bispos de Viseo e de Lamego devem ser admittidas: que se deve conceder ao senhor Lima a licença que por hum mez, em rasão de suas molestias; esperar-se pelo restabelecimento do senhor Lobo, na esperança de que hum nem outro deixarão de reunir-se ás Cortes logo que lhes seja possivel; e conceder-se ao senhor Brotero licença indefinida, até seu restabelecimento. Foi plenamente approvado o Parecer da Commissão.

O senhor Rebello leo a Carta que havia sido encarregado de escrever, participando a Sua Magestade a Installação das Cortes e successos conseguintes.

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Nomeou-se para a rever huma Commissão, composta dos senhores Bispo de Beja, Annes de Carvalho, e Borges Carneiro.

Apresentou e leo o senhor Peixoto, o seguinte:

PROJECTO DE ADDICÇÃO AO METHODO DOS TRABALHOS DO CONGRESSO.

A providente maxima de se hirem remediando os males que opprimem a Nação, logo que, sem inconveniente, possa desempenhar-se, acredita as benevolas intenções deste Augusto Congresso. Com a expectativa dos systemas completos de reforma, não deixemos de accelerar aos Povos os beneficios que suas mais argentas necessidades de nós sollicitão: se desde já lhes sararmos as feridas que com maior vehemencia os pungem e atormentão, acha-los-hemos daqui apouco preparados para receberem de boa mente as medicinas, que, com hum effeito mais lento, hão de vigorar completamente a sua organização.

Neste intuito já em outra Sessão lembrei a emenda do Delineamento das Commissões permanentes, e a algumas dellas substituia outras, que ao parecer tenderião mais expressamente ao nosso actual proposito: não foi a emenda adoptada, e por isso a reproduzirei agora em moção.

He bem subido, que alem dos gravames mais sensiveis e notorios, practicados, mais ou menos, em todas as Repartições Publicas, existem outros que, por avultarem menos singularmente, não deixão por isso de ser terriveis na prodigiosa multiplicação cm que estendem sua maligna influencia ás Classes mais numerosas do Estado. Ha muitos de mero facto, que por inveterados, vão passando sem altas queixas; e talvez para se extirparem precisem de providencias, alem das geraes da Legislação actual. A correcção de huns, e outros deve ser objecto digno do particular desvelo desta Assemblea; e de nenhuma sorte lhe chegarão mais facilmente ao conhecimento, do que por meio destas Commissões de Indagação, formadas por Provincias.

Taes Commissões poderão opportunamente instruir-se desses abusos; já pelas suas conferencias, já pelas advertencias dos demais Deputados, já por avisos particulares, já por informações, e documentos que sollicitem, já finalmente por inteliigencias de humas com outras Commissões, em que reciprocamente vão communicando os resultados dos seus trabalhos: e desta maneira se habilitarão para conceberem os abusos em sua verdadeira extensão, e assim os patentearem ao Congresso.

Este methodo, que por analytico parece ser o mais proprio para o descobrimento de todos os abusos corrigiveis que vexão os Povos; e para com, a possivel exacção, se generalizar cada huma das especies delles, evitará a multiplicidade de projectos, e decisões parciaes sobre casos analogos, que possão reunir-se em huma só Providencia: apresentará nos planos de reformas hum caracter menos variavel, e dará ao Proponente maior liberdade, em quanto lhe remove o pejo que póde incutir-lha, quando hajão de sollicitar a correcção de algum abuso, de que tenhão recebido aggravo.

Proponho por tanto:

1.° Que de toda esta Augusta Assemblea se separem seis Commissões de Indagação de Abusos, distribuidas pelas seis Provincias da Nação; cada huma dellas na proporção da terça parte dos seus respectivos Deputados; e só na do Algarve constará de todos os tres que a representão.

2.° Que para este effeito se congreguem separadamente os Deputados de cada Provincia, e d'entre si pelo methodo que adoptarem, elejão os Membros da Commissão; e aquelle que designarem para Secretario, dará nesta Assemblea conta da Eleição.

3.° Que recebão por mão do Secretario, ou ainda individualmente pelo Correio, os avisos por escripto, que as pessoas publicas, ou particulares das differentes Provincias queirão dirigir-lhes, os quaes apresentarão em conferencia: e para sua instrucção, quando o bem da Causa Publica o exija, sollicitarão as informações, e documentos que precisarem, os quaes lhes deverão ser ministrados pelos differentes Officiaes Publicos, a quem para esse effeito se dirigirem.

4.° Que cada huma destas Commissões tenha as suas Sessões abertas a todos os demais Deputados, que queirão auxiliar seus trabalhos.

5.° Que era hum dia de cada Semana, ou se convier em mais, os Commissarios Secretarios, cada hum delles com outro Commissario da sua Provincia, se congreguem para communicarem entre si os resultados das suas indagações; e nesta conferencia determinem a qualidade e extensão dos abusos que tiverem desenvolvido.

6.º Que progressivamente apresentem neste Congresso o Relatorio dos abusos, assim como os forem apurando, com suas origens, e relações, dividido em tres Classes: 1.ª dos abusos de mero facto: 2.ª daquelles que se fundão em direitos singulares: 3.ª finalmente daquelles que procedem de Ley geral; e pronunciem o seu parecer sobre os meios mais efficazes de extinguir todos os da 1.ª classe, e de corrigir os da 2.ª, e 3.ª; tendo, quanto a estes, particular consideração com as regras da justiça, e equidade, que em todo o caso se devem observar, quando se trate de materia em que haja interessados por direitos adquiridos em boa fé, os quaes das reformas recebão prejuiso.

A' vista dos Relatorios disporá a Assemblea os ulteriores procedimentos, que os differentes objectos merecerem.

Por esta occasião se deliberou que, durante a discussão das Bases da Constituição, não se intermediasse algum outro assumpto, salva os da expediente, ou casos de urgencia.

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Procedeo-se a discutir as Bases da Constituição, e logo tomando a palavra, disse:

O senhor Pereira do Carmo. - Senhores: os Membros da Commissão, bem longe de se entranharem no lahyrintho das theorias dos Publicistas modernos, foi ao buscar as principaes ha sés para a nova Constituirão ao nosso antigo direito Publico, posto acintemente em desuso pelos Ministros despoticos, que lisongeavão os Reys á custa do Povo. Assim, Senhores, quando proclamarão no Artigo 18, Sessão 2.ª, o principio fundamental na soberania, e independencia da Nação, nada mais fizerão do que renovar o que já por muitas vezes se havia proclamado nas epochas mais assignaturas da nossa Historia. Proclamou-se em Lamego a soberania e independencia da Nação, quando os Portuguezes puzerão a corôa na cabeça do Vencedor de Ourique, o Senhor D. Affonso Henriques. Proclamou-se a soberania e independa da Nação, quando as Cortes do Reyno fizerão Rey, na Cidade de Coimbra, (1) ao Senhor D. João 1.°, Tronco da Serenissima Casa de Bragança. São notaveis, Senhores, as palavras da Acta deste Congresso para sempre memoravel: eis-aqui como se explicárão os Deputados do Cortes. - Nomeamos, escolhemos, tomamos, e ouvimos, recebemos em aquella melhor e mais comprida guiza que nos podemos a dito D. João Mestre d'Avis, em Rey, e por Rey e Senhor nosso, e dos ditos Reynos de Portugal e do Algarve, e outrogamos-lhe que se chamasse Rey. (2) Proclamou-se a soberania e independencia da Nação, quando em 1640 esmigalhamos os ferros, com que no agrilhoarão os Filippes, e collocamos no Throno Portuguez o Senhor D. João 4.° de saudosa memoria. Proclamou-se a soberania e independencia da Nação, quando em 1668 as Cortes de Lisboa deposerão por incapaz de reynar, ao Senhor D. Affonso 6.°, e chamarão para a Regencia do Reyno ao Senhor Infante D. Pedro. Proclamou-se em fira a soberania e independencia da Nação nas Cortes de 1679, e 1697, em que se dispensarão, e derogárão alguns capitulos das de Lamego ácerca da successão da coroa; porque, reconhecendo o Senhor D. Pedro 2.º, que o não podia derogar, nem dispensar, salvo em Cortes, confessou á face do Mundo inteiro, que a Nação era soberana, e que só a Nação competia tocar nas Leys fundamentaes do Estado. Eis-aqui, Senhores, como este principio do nosso Evangelho politico, que tanto assusta hoje os Monarchas da Europa, era reconhecido, e practicado em Portugal, havia bem perto de seiscentos annos. Mas taes doutrinas não servião nestes ultimos tempos; e em seu lugar se deixou livremente correr, ou, para me explicar melhor, mandarão que se acreditasse, que o poder dos Reys vinha immediatamente de Deos: idéa sacrilega, e absurda, que marca pontualmente até onde havia chegado a nossa degradação! Porem hoje, Senhores, os Portuguezes, reassumindo os seus imprescriptiveis direitos, proclamão de novo este principio fundamental do seu pado social; e a Europa, espantada ao brado da nossa regeneração politica, ficará convencida de que nem os partidos, nem as facções tiverão a mais escassa influencia em nossos esforços, tão gloriosos como affortunados; mas unicamente o desejo de reconquistarmos nossa bem entendida liberdade, isto he, aquella que tanto se affasta do despotismo, como da anarchia.

Talvez, Senhores, que o Artigo 27 da Sessão 2.ª pareça coarctar em demasia o poder Real, em quanto determina, que só ás Cortes pertença opprovar os Tratados de alliança offensiva, e defensiva. Todavia, sobrestando por agora nas rasões intrinsecas, em que assenta o artigo, e que a olhos vistos se conhecem; eu me limito a mostrar, que neste sentido já se havião estipulado outras condições, que devião formar parte do nosso direito publico interno. Vejamos o que disserão os Povos ao Senhor D. João 1.° nas Cortes de Coimbra. (3) = Pedirão-lhe entre outras cousas, que não fizesse guerra nem paz... sem consentimento de todos, pois erão cousas que a todos tocavão, porque assim o costumavão sempre os outros Reys: e que por ElRey D. Fernando seu Irmão sahir deste costume, succederão tantos males no Reyno. A resposta do Rey foi = que fazer guerra e paz seria sempre com o parecer de seta Povos. (4)

O Artigo 31, da mesma Secção, falla da imposição dos tributos, e diz o mesmo que sempre se observou em Portugal, em quanto fomos Nação. Foi em Cortes que o Senhor D. João 1.º pedio as Sisas geraes (5): foi em Cortes que o mesmo Senhor as obteve dobradas (6): foi em Cortes que o Senhor D. João 2.° pedio o que havia mister para casamento de seu Filho, o Principe D. Affonso (7): foi em Cortes que se estabelecerão as Dizimas, e os mais tributos, que se julgarão necessarios para sustentar a guerra de Acclamação (8). Mas agora, Senhores, he que eu rogo aposticulosa attenção do Congresso, para que observe o artificio com que os Cortezãos solapadamente derão cabo de nossas franquezas, isempções, e privilegios, até ao ponto de lançarem tributos por huma simples Portaria. Durante a guerra da Successão se renovou a Decima, cobrou Sisa dobrada, e outros mais tributos, sem que as Cortes dessem o seu

(1) Anno de 1385. (2) Real Archivo da Torre do Tombo Liv. 1. dos Reys pag. 4. (3) Anno de 1385. (4) Leão, Chronica de D. João 1.° Cap. 48. pag. 194. (5) Cortes de Coimbra, Anno de 1387. (6) Cortes de Braga de 1387. (7) Cortes d'Evora de 1490. (8) Cortes de Lisboa de 1641, 1645, e 1646.

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consentimento: he curioso ouvir as rasões, que acompanhavão as Cartas Regias enviadas ás Cameras = porque, dizião as Cartas Regias, a urgente necessidade não permittia a dilação de se convocarem Cortes, e tambem por evitar as despezas, que os Povos fazião com os Procuradores. Desviados porem os embaraços das circumstancias, ElRey as convocaria, para nellas se certificarem os Povos das justas causas destes novos tributos: pois não era, nem seria nunca da sua Real intenção deixar de guardar os nossos usos, e costumes. (1) Eis-aqui, Senhores, como as necessidades urgentes, e a commodidade de seus direitos.

O Artigo 25 da mesma Secção ordena a reunião de Cortes todos os annos na Capital do Reino. Nossos Mayores as requererão por muitas vezes aos Senhores Reys destes Reynos; e com effeito o Senhor D. Affonso que determinou que fossem annuaes, (2) e o Senhor D. João 3.° que se celebrasseimde 10 em 10 annos (3): mas tudo succedeo ao revés do que cumpria, porque forão mais com cabidas as macias persuasões dos Aulicos, que empecião a sua convocação, do que as urgentes necessidades dos Povos, que altamente a reclamação: de maneira que ha 124 annos que a Nação se não vê legitimamente representada. Para atalhar pois este inconveniente, se marcou o prazo da reunião das Cortes, independente da convocarão do Rey: e ficou-se a sua duração, para embaraçar as más consequencias de prolongação indefinida do Congresso.

Os Artigos 8, 9, e 10, Secção 1.ª fallão da liberdade da imprensa, de que não pertendo agora fii-2er a apologia, repelindo o que muitos homens de saber tem desenvolvido nestes ultimos annos; mas pertendo mostrar, que esta liberdade não he nova entre nós. Por quanto o Senhor Rey Manoel, na sua Carta de Ley, dada em Santarem aos 20 de Fevereiro de 1508, não só não prohibia a impressão de quaesquer livros neste Reyno, mas para promover, e alimentar a arte Typographica, concedia aos Impressores tão grandes privilegios, como erão os de Cavalleiros da sua Casa, por Elle confirmados, posto que não tivessem cavallos, nem armas. (4) Ainda fez mais este grande Rey: por outra Carta do 10 de Janeiro de 1511 ordenou, que se não pagasse Siza, nem Dizima dos livros, de fórma que viessem de fora do Reyno. (5)

Por estes Artigos, apanhados ao acaso, ficarão as Cortes inteiradas do escrupulo com que a Commissão se cingio, na redacção do Projecto, aos nossos bons, e antigos uses, e costumes. Todavia acordou em dividir, e equilibrar os tres Poderes, para evitar o despotismo, que resulta da sua accumulação; e em ordenar outras cautelas, que nos ponhão a coberto das tentativas do poder arbitrario: porque, Senhores, devemos assentar por huma vez, que toda a Nação que desperdiça as occasiões de se resgatar, merece perpetuamente ser escrava.

O Senhor Castello Branco. - Senhores: offerecem-se hoje á discussão desta Augusta Assembléa as bases da nossa futura Constituição Politica, e como hum dos membros da Commissão incumbida da sua redacção, me pertence fazer sobre ellas algumas reflexões. Eu não sei que haja alguma outra proposição mais susceptivel de se demonstrar evidentemente, do que aquella porque se estabelece, que o fim da sociedade he a felicidade geral, ou a conservação dos direitos essenciaes do homem, sem os quaes elle não pode ser feliz; tanto he isto assim, que repugna absolutamente a idea de sociedade, sem ter em vista, esse objecto unico. Porque outro motivo haverião os homens renunciado á sua liberdade e independencia natural, a não ser para melhor segurarem á custa de alguns sacrificios aquillo mesmo, que mal poderião sustentar no seu estado primitivo? Entretanto ainda hoje se questiona sobre este principio de primeira evidencia, e tal tem sido o jogo das paixões e interesses particulares, tal a degenerarão das verdades mais simplices; que todas as vezes que se trata de dar melhor fórma a huma sociedade corrompida, he necessario começar por garantir aos associado conservação de seus direitos inalienaveis, aquillo mesmo que só os póde condusir á felicidade, como que fosse huma these susceptivel de controversia.

Com effeito estas verdades simplices como são e incontrastaveis, se perdem frequentemente de vista. Nascidos livres e independentes, tendo recebido da natureza as faculdades proprias para preencherem o seu destino, vendo com tudo que melhor o conseguirião unindo suas forças, os homens celebrárão pacto solemne da sua reunião, e se garantirão mutuamente sua liberdade, segurança e propriedade. Elles estabelecerão as regras ou as Leys porque devião dirigir suas acções para o fim commum; designárão os que devião vigiar sobre a observancia destas Leys, constituirão o modo de fazer as que para o diante se julgassem necessarias; prometterão-lhe obediencia com a condição porem de se lhe sustentar aquella parte dos seus direitos que se havião reservado, como indispensavel á sua felicidade, e que cada hum podia exercitar sem prejudicar aos outros.

He certo que nesta nova ordem de cousas, em que huns erão destinados a obedecer, outros a man-

(1) Cartas Regias á Camera d'Alemquer, de 12 de Fevereiro de 1705: de 6 de Fevereiro, e 2 de Novembro de 1706: de 27 de Janeiro de 1812. Originaes no Cartorio da dicta Camera. (2) Cortes de Torres Novas de 1438. (3) Cortes de Torres Novas de 1525, e d'Evora de 1535. (4) Liv. 5. da Chancellaria d'ElRey D. Manoel f. 6 v. no Real Archivo. (5) Liv. 5. da Supplicação f. 74.

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dar, se achava já nacessariamente estabelecida a desigualdade de condições; mas a Ley superior a todos os reduzia ao mesmo nivel, e cada hum destinado a obedecer-lhe na classe em que se achava, concorria com igual parte para o desempenho do pacto social. Todavia como he que se poderia combinar este equiliibrio com as paixões, com os interesses dos homens? O homem sempre, insaciavel de podeis, querendo attribuir tudo a si, como ponto unico, huma vez armado da auctoridade, ora lisonjeando o forte, ora aterrando o fraco, lhe he facil fazer calar a Ley, e erigir-se em arbitro supremo. Desde logo suas, vontades vem a ser ordens irresistiveis, porque elle he ao mesmo tempo o legislador e o executor da Ley. Os interesses complicados da sociedade fazem que muitos tirem partido da mesma deserdem, e a sustentem; os outros não podem resistir-lhe se insensivelmente se accommodão á escravidão. Quando as cousas chegão a este ponto, o pacto social desapparece, os direitos do homem são chimeras, e, tudo se refere ao despota, de cujo arbitrio só pendem os destinos geraes.

Taes erão as circunstancias a que desgraçadamente nos viamos reduzidos, e de que só podia salvar-nos o heroico esforço, com que fizemos rivever o pacto social, e recobrámos nossos direitos atropellados e esquecidos. He por isso que a Commissão propondo as bases da Constituição, principiou por declarar os direitos individuaes do Cidadão, que a mesma Constituição deve garantir, como fim principal da sociedade, e á conservação dos quaes tudo deve concorrer.

Mas seria em vão que se trabalharia por pôr era toda a evidencia, os direitos do homem social, por os affiançar com toda a solemnidade, huma vez que se não fizesse por emendar os defeitos da nossa antiga Constituição. Nossos Mayores ou por demasiada sinceridade, ou por excessiva confiança nas brilhantes qualidades de nossos antigos Reys, não acautelavão o abuso que hum dia poderião vir a fazer do poder. He certo que distinctamente do Rey confiarão a hum Congresso Nacional a auctoridade de fazer as Leys, e impor os tributos; mas esse Congresso era de tal maneira organizado, que melhor vinha a ser o orgão do interesse das classes, que da vontade geral da Nação; e assim mesmo por falta de regularidade na sua convocação e dissolução, elle era pouco proprio para manter o equilibrio entre o Poder Legislativo que lhe competia, e o Executivo confiado ao Rey. Tambem aconteceo como era de esperar, que a influencia das Cortes acabasse em pouco, que todas as suas funcções se reduzissem a meias supplicas, até desapparecer o seu mesmo nome, e o Rey reunir em si todos os poderes, constituindo hum Governo verdadeiramente absoluto e despotico, que pouco tardaria a lançar-nos no abysmo, de que jamais surgiriamos.

Para restabelecer a liberdade da Nação, e a fazer duravel, incumbia á Commissão propor o modo que lhe parecesse mais conveniente a fim de realizar a separação e independencia dos tres Poderes, e estabelecer entre elles o equilibrio necessario, como unica medida indispensavel. He o que ella entendeo fazer propondo-vos as bases, que offerece á vossa discussão, e que dão a idea do plano, que parece dever-se adoptar na futura Constituição.

O Senhor Pimentel Maldonado. - Tem-se discutido os dous primeiros artigos das bases da Constituição, e rapidamente se fallou agora no preambulo, que primeiramente se devera discutir, e no qual, segundo o meu parecer, ha que emendar. Em obras de tanta importancia, como a que se discute, he necessario procurar a summa perfeição. Julgo contradictorio o dizerem as Cortes, que antes de proceder a formar a Constituição apresentão estas bases. Por ventura as bases não são já huma parte, e muito essencial da Constituição? Acaso o edificio póde formar hum corpo distincto dos alicerces? Reparo na expressão - decretão. Hindo-se tratar dos Direitos do Cidadão quem não concordará comigo que ha impropriedade no termo? O Homem trouxe á Sociedade Direitos inalienaveis, que lhe confiou o Supremo Auctor da Natureza:, nãa são as Cortes que lhos podem decretar, o que podem fazer he reconhecellos. Quizera ver neste preambulo ratificado o juramento de se defender as bases da Constituição, e quizera tambem vê-lo reduzido amenos de ametade. He o meu voto, que se dissesse tão sómente.

As Cortes Extraordinarias, e Constituintes declarão, e jurão defender as seguintes bases da Constituição da Nação Portugueza.

Depois de largo debate, esclarecimento sobre a verdadeira intelligencia das palavras = Segurança, e Liberdade = ficarão plenamente approvados o Preambulo, §. 1.°, e primeira parte do 2.ª; porem na segunda parte do mesmo 2.° §. concordou-se em supprimir a particula = pois = e o participio = estabelecidas = devendo ler-se = A conservação desta Liberdade depende da exacta observancia das Leys.

O senhor Fernandes Thomaz, por suas molestias, escusou-se das Commissões para que fora nomeado e deixou-se a puro encargo do seu zelo a cooperação que lhe for possivel.

Determinou-se para a ordem do dia seguinte o progresso da discussão das Bases da Constituição.

Levantou o senhor Presidente a Sessão pela huma e hum quarto horas da tarde - João Baptista Felgueiras, Secretario.

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AVISOS.

PRIMEIRO.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza tendo-lhes sido representado que os Ministros Diplomaticos Portuguezes tem intentado indispor contra a sua Patria os Soberanos junto dos quaes residião: declárão ser attribuição da Regencia do Reyno o mandar devassar do comportamento dos referidos Ministros, e proceder a respeito delles conformo for do justiça: O que V. Exa. fará presente na mesma Regencia do Reyno para sua intelligencia e execução.

Deos guarde a V. Exa Paço das Cortes em 12 de Fevereiro de 1821. = João Baptista Felgueiras.

SEGUNDO.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Tendo sido presente nas Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza o Officio do Secretario dos Negocios da Marinha em data de 9 do corrente que acompanhava o Officio e Nota relativa aos Negocios de Portugal com as Potencias Barbarescas: As mesmas Cortes Mandão dirigir á Regencia do Reyno o referido Officio e Nota para que lhe sejão remettidas informações circunstanciadas sobre os objectos de que se trata: o que V. Exa. fará presente na mesma Regencia para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 12 de Fevereiro de 1821. = João Baptista Felgueiras. =

TERCEIRO.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Constando que multas Bullas Pontificias se tem impetrado pelos Senhores Reys destes Reynos, já para reformas do Clero Secular e Regular: para união da Santa Igreja Patriarchal com a Basilica do Santa Maria Mayor; e já dos Privilegios concedidos a Portugal sobre jejuns e uso de carnes na Quaresma, á imitação dos que Sua Santidade concedeo á Hespanha, que nunca se puzerão em execução: Determinão as Cortes Gerars e Extraordinarias da Nação Portuguesa que a Regencia do Reyno mande passar as ordens necessarias para que sejão remettidas coma brevidade possivel á Secretaria das Cortes todas as dictas Bullas, Breves, e Rescriptos: O que V. Exa. fará presente na mesma Regencia para que assim se executa.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 12 de Fevereiro de 1821. = João Baptista Felgueiras.

QUARTO.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza Determinão que a Regencia do Reyno haja de ordenar que o Thesouro Publico Nacional faça remetter á Secretaria das Cortes as Participações feitas desde 15 de Dezembro de 1819 até 15 de Agosto do anno proximo passado pelo ex-Visitador da Provincia do Minho: O que V. Exa. fará presente na mesma Regencia para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 12 de Fevereiro de 1821. = João Baptista Felgueiras.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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