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pedido pela Secretaria de Estado dos negocios da guerra em data de 27 de Dezembro proximo passado, sobre a necessidade do se arbitrar o ordenado do facultativo, chefe da repartição da saude, que vai estabelecer-se na mencionada Secretaria, segundo se acha disposto no artigo 18 do decreto de 14 de Dezembro de 1821: resolvem que o referido facultativo vença o soldo do 600$ réis por anno sem alguma outra gratificação ou forragens. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde; a V. Exca. Paço das Cortes em 16 de Fevereiro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidas informações sobre o incluso requerimento de D. Maria Emilia de Macedo, filha de Antonio de Macedo Azevedo Gallego, major que foi do regimento de infanteria n.º 15. o que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exc. Paço das Cortes em 16 de Fevereiro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidas informações sobre o incluso requerimento de D. Anna de Victoria Rosada de Mello, viuva do tenente do regimento de infanteria n.º 14 Rodrigo José de Mello. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 16 da Fevereiro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

SESSÃO DE 18 DE FEVEREIRO.

ABERTA a Sessão, sob a presidencia do Sr. Serpa Machado, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.

O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios:

1.º Do Ministro dos negocios do Reino, incluindo um officio do Secretario de Estado dos negocios da fazenda, em que se indica o motivo da demora da execução da ordem das Cortes sobre a remessa de alguns dos moveis do extincto tribunal da Inquisição para uso do Paço das Cortes. Ficárão as Cortes inteiradas.

2.° Do Ministro dos negocios da marinha, enviando ao Congresso tres officios do Governador da provincia do Maranhão, relativos, o 1.° a ter-se pouco exactamente publicado no Diario do Governo a Sessão de Cortes de 28 de Agosto, dando a entender que houvera naquella provincia um tumulto por occasião do juramento das bases da Constituição: o 2.° ao bom espirito publico, que geralmente domina naquella provincia; o 3.° á installação do governo provisorio no Siará. Ficarão as Cortes inteiradas, e ordenarão que estes officios se remettessem ao Governo, para os fins que convier.

3.° Do mesmo Ministro, remettendo ás Cortes as partes do registo do porto, relativos aos navios Paquete de Pernanbuco, e Santa Cruz Estrella, chegados a esta Capital, o primeiro de Pernambuco, e o segundo da ilha de S. Miguel, e mandando com estas partes do registo dois officios vindos no paquete de Pernambuco: um destes officios era uma carta dirigida aos Srs. Deputados daquella provincia, de que se lhes mandou fazer entrega: e outro era da Junta do Governo da Paraiba, remettendo ás Cortes Manoel Judice Biquer, sargento mór de milicias daquella cidade, pelas opiniões politicas que tem manifestado desde o principio da regeneração. Ficárão as Cortes inteiradas, e mandárão remetter ao Governo este ultimo officio.

4.° Do Ministro dos negocios da guerra, participando ás Cortes ficarem expedidas as ordens á thesouraria geral das tropas, para em conformidade do officio das Cortes de 12 do corrente mez, se fazer o abono a D. Catharina de Sousa Pavão. Ficárão as Cortes inteiradas.

5.º Do mesmo Ministro, enviando ás Cortes, e sujeitando á sua deliberação uma representação do Contador Fiscal das tropas sobre a execução do decreto de 20 de Dezembro ultimo. Mandou-se á Commissão especial, que organisou o projecto daquelle decreto.

6.º Do mesmo Ministro, participando ter dirigido ao Secretario de Estado dos negocios da fazenda uma copia do officio das Cortes em data de 30 de Janeiro ultimo, a respeito da representação do governo interino da provincia dos Açores, para se lhe dar cumprimento por aquella repartição, assim como já principiára a dar-lhe pela sua propria. Ficárão as Cortes inteiradas.

Remetteu-se á Commissão de justiça criminal uma representação do desembargador Vicente José Ferreira Cardoso, pedindo uma rectificação sobre certas palavras equivocas do relatorio da dita Commissão sobre o requerimento que elle havia dirigido ás Cortes, relativamente á sua justificação.

Feita a chamada, acharão-se presentes 109 Deputados, faltando os Senhores Camara, Canavarro, Pinheiro de Azevedo, Ribeiro Costa, Sepulveda, Durão, Ledo, Nmalaquias, Bettencourt, Araujo Pimentel, Van Zeller, Calheiros, Baeta, Almeida e Castro, Brandão, Queiroga, Mantua, João de Figueiredo, Ferreira Borges, Faria, Affonso Freire, Sousa e Almeida, Isidoro dos Santos, Rebello, Grangeiro, Sande e Castro, Castello Branco Manoel, Ribeiro Telles.

Passando-se á ordem do dia, entrou em discussão o artigo 170 do projecto de Constituição; e a este respeito disse

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O Sr. Bastos: - Diz o artigo que os juizes, e officiaes, nos negocios civeis, alem dos ordenados, terão salarios que serão prescriptos em seus regimentos. Não posso deixar de me oppôr a isto. Primeiramente não me parece decente que os juizes estejão vendendo seus despachos ainda que seja por preços determinados pelas leis: as suas funções são muito augustas para constituirem objecto de mercado; e ainda que he grande o poder das leis, não cabe no seu imperio o mudar a essencia, e a natureza das cousas. Em segundo lugar a justiça he uma divida da sociedade, e he um absurdo exigir retribuição pelo pagamento de uma divida. Em terceiro lugar. Não basta que em theoria a lei seja igual para todos, ella o deve ser na pratica; e para que o seja he necessario que a justiça possa ser reclamada tanto pelo rico como pelo pobre; he necessario que aquelle que tem muito, e aquelle que nada tem possão lutar entro si com armas, e com forças iguaes; o que acontecerá se a justiça for para elles gratuita assim no crime, como no civel. Não o sendo, acontecerá daqui por diante o que até aqui acontecia. Muitas pessoas haverá, que sucumbão pela inferioridade de seus meios, e muitas que pela falta absoluta destes deixem inteiramente perder os seus direitos. Bantham diz que os salarios tem uma vantagem apparente, e um perigo real: a vantagem aparente consiste em se figurar, em parecer que assim se proporciona directa, e exactamente a recompensa á quantidade do trabalho, e o perigo consiste na occasião, e na tentação que se dá aos empregados publicos de engrossarem seus emolumentos opprimindo os cidadãos que dependem do seu ministerio. Nada com efeito he mais facil que o servir um direto legitimo, de occasião, e de pretexto a uma extorção; e a experiencia mostra que os officios, em que não ha salarios, tem sido servidos com mais inteireza, e mais limpeza de mãos do que aquelles em que os ha.

O Sr. Andrada: - (Não póde o taquygrafo apanhar o seu discurso.)

O Sr. Borges Carneiro: - Eu sigo inteiramente a opinião contraria á dos illustres Preopinantes que dizem não dever haver salarios. Primeiramente, porque a Nação não me parece que esteja habilitada agora nem para o futuro para pagar a tantos officiaes de justiça, escrivães, alcaides, caminheiros, inquisidores, etc., ordenados sufficientes para sua decente sustentação e de suas familias; nem seria possivel que a Nação podesse pagar a tantos empregados á proporção dos seus trabalhos, não havendo salarios. Em muitas causas he forço o serem os processos longos: ha nelles extensas inquisições de testemunhas, notificações com caminhos a largas distancias, cartas para inquisição volumosas, grandes certidões de muita escripta, muitos caminhos, buscas, etc., e como se pagaria tudo isto só com os ordenados que tem os officiaes de justiça? Que zelo ou vontade terião elles de expedir estas deligencias, vendo que tanto ganhão fazendo-as com prontidão, como sem ella? A pouco espaço só as farião a quem lhes untasse bem as mãos. Por outra parte não houver cultas, muito se, multiplicarão os processos; porque qualquer homem de espirito inquieto por dá cá aquella palha trata de pôr uma demanda ao seu visinho: não haverá mendigo que não se metta logo a pedir certidões de quantos cartorios haja. Dirão que se castiga o dolo; mas este quasi nunca se prova, e he melhor prevenir o mal do que castigalo: e torno a dizer, as demandas se demorarião tempos immensos, porque um escrivão em trabalhando tres horas no dia, como trabalhão outros empregados, não quererião trabalhar mais, e debalde a parte lhe pediria que lhe passasse uma certidão, que lhe extrahissem sentença, ele.: muitas vezes ellas perderião o seu direito por se lhe passar tempo. Pelo contrario tendo elles que vencer emolumentos são mais diligentes, e terão mais amor ao trabalho. Por tanto nas causas civeis opino que se não devem tirar os salarios: quanto ás criminaes, aquelle que decair seja accusador ou réo tambem não acho razão porque não deva pagar custas: ninguem os manda litigar. Só o promotor as não paga, excepto no caso de dolo. O caso he que o processo dos réos se não retarde por falta de pagamento de custas, e que o réo sempre que for absolvido não haja de pagar custas algumas; desterremos de uma vez esta injustiça de Portugal, pois he injustissimo pagar o réo innocente as custas ex causa. Deste modo opino que; deve passar o artigo presente, na Constituição.

O Sr. Guerreiro: - O illustre Preopinante entrou em tão miudos detalhes, que o seguilo em Iodes seria o mesmo que annalizar um titulo do codigo. O estabelecimento dos salarios he uma das cousas que talvez involva mais inconvenientes, e por isso mesmo julgo eu que não póde ter lugar principalmente na Constituição. Acontece que um juiz de probidade se envergonha de entender a mão para receber quarenta réis de assignar um mandado, e ao contrario aquelle que pouco lhe importa com isto procura e faz as diligencias possiveis por augmentar as assignaturas; seguia-se alem disto que os escrivães multiplicavão os termos e estendião a escripturação delles o mais que lhes era possivel, e havia por consequencia processos tão volumosos que o contador quando os contava punha addicções de um gallego que os levou para tal parte quarenta réis; e outras cousas desta natureza. Por este estabelecimento dos salarios faz-se uma injustiça grande e manifesta, e vem a ser que o cidadão pobre fica inhibido de fazer valer o seu direito, quando pelo contrario a Nação deve tanta protecção ao pobre como ao rico, e não sei se diga, que deve mais ao pobre. Por consequencia, e pelo que já foi tão sabiamente expendido por um dos illustres Preopinantes parece-me que a administração da justiça devera sempre ser gratuita pela parte dos juizes. Disse-se tambem que os officiaes de justiça não poderião subsistir só com o ordenado que tem, e que o thesouro lhe não póde accrescentar; parece-me que esta razão não he sufficiente, porque se as actuaes circunstancias do thesouro não permittem isto por ora, eu espero que quando melhorar de circunstancias se ha de estabelecer um systema de administração da fazenda, fosse a despeza bastante com todos os empregados publicos, e estes devem assim como os outros passar sem emolumentos. Quando se fala que são indispensaveis os salarios por que ha muitos trabalhos de escripta, notificações, etc.

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eu creio que agora não he tempo de entrar nestas indagações, o que terá lugar quando se estabelecer a fórma que se ha de seguir na ordem dos processos tanto eiveis como criminaes. Por tanto conformo-me com a opinião do primeiro Preopinante.

O Sr. Castello Branco: - Eu pouco tenho que acrescentar ao que acaba de dizer o illustre Preopinante porque as minhas ideas se conformão com as suas: digo que dificilmente se poderá encontrar um artigo mais impolitico, nem poderá ter lugar em uma Constituição liberal, o artigo 170. O fim que tem aquelle que entra numa sociedade politica, he procurar protecção para a sua vida, e para a sua propriedade, pois que concorre para a despeza geral da Nação. He um dever pois da sociedade fazer justiça aos cidadãos, conservar-lhes a propriedade que he autorizada pelas leis; por tanto se o homem tem de pagar para segurar os seus proprios bens, esta protecção, incluo uma do duas: ou elle não devia pagar imposições, ou então era inutil essa protecção da sociedade; por consequencia o pagar a administração da justiça he uma obrigação, he um dever da sociedade, e se eu tenho direito á conservação da minha vida, devo igualmente telo para a conservação da minha propriedade. Por consequencia o paragrafo deve ser supprimido; esta materia deve ficar para as leis regulamentares. Se alguma menção della se deve fazer na Constituição seria o inverso do que está, isto he que a administração da justiça deve ser gratuita. A respeito da duvida produzida pelo Sr. Borges Carneiro, de que a fazenda publica não está em circunstancias de pagar a todos os empregados publicos para a administração da justiça, e que daqui proviria um mal pois seria necessario augmentar as imposições sobre os cidadãos: isto nenhuma duvida me faz; eu sou de opinião que os litigios se devem pagar caros; he um meio de fazer com que um cidadão se não metta em uma demanda, quando souber que lhe custa caro; mas he precizo que o que se pagar seja para o publico, he preciso que isto seja objecto de renda publica, que o que for vencido em qualquer litigio, seja obrigado a pagar uma pare a beneficio da fazenda, para dahi sair o augmento, que he necessario nos ordenados dos officiaes de justiça; he preciso dar outra parte em proveito do vencedor para o indemnizar das despezas que foi obrigado a fazer. Voto por tanto pela suppressão do paragrafo na Constituição, e que deve ficar para as leis regulamentares.

O Sr. Peixoto: - Concordo com o illustre Preopinante em pontos substanciaes, e até não duvidarei, que o artigo se supprima; porem se o Congresso for de voto que esta doutrina não se omitia inteiramente, serei de parecer, que neste lugar se estabeleça sómente como base, que os juizes e officiaes nos negocios contenciosos não receberão salario algum pela mão das partes. Multas, e custas em geral deve havelas para cohibir a imprudencia, e a malicia dos litigantes temerarios e dolosos, mas uma e outra cousa deve ir a cofre. Os juizes poderão servir sómente pelos seus ordenados, para os quaes o mesmo cofre ministrará alguns subsidios: e uma vez, que esses ordenados se regulem com attenção á sufficiencia sanccionada no procedente artigo, ficarão muito melhorados a respeito do estado actual. Aos territoriaes tem havido grandes desigualdades a respeito de emolumentos, denominados bracagens; porque os de probidade, mui poucos recursos tirão do salario; nem sei como sem abuso lhes possão avultar; e os ministros; corrompidos sabem multiplicalos pela mais estranha maneira. Quanto aos officiaes, esses alem dos seus ordenados deverão no fim de cada uma das causas receber do cofre alguns emolumentos proporcionados ao seu trabalho, ou á importancia do pleito, com tanto que se calculem de maneira tal, que nem os induzão a prolongarem os litigios, nem a precipitalos: mas tudo isto he materia para regimentos, e impropria da Constituição. Ouvi attribuir a origem dos pleitos á ambiguidade das leis. Em theoria póde sustentar-se esta opinião; mas a observação practica está em contrario, he rarissima a demanda, em que algumas das partes, quando não nimbas, não entre com malicia, ou capricho: se um, e outra estão em boa fé, e de sangue frio, não falta quem as reconcilie, e mui facilmente vem a ermos racionaveis. Por tanto não podem eximir-se de pagar custas.

O Sr. Marcos Antonio: - Todo o cidadão tem direito á sua segurança no meio de qualquer sociedade, e he por isso que ou apoio as ideas, produzidas pelo Sr. Castello Branco, isto he, que as custas dos processos sejão caras, e que aquelle que incommodou o seu visinho se decae da demanda seja obrigado a pagalas. Eu lembro porem um arbitrio a respeito dos mesmos processos, e he que quando a causa se findar e a sentença for proferida, então fosse ao contador para contar as custas de todo o processo, pela primeira folha um vintem, pela segunda dous, pela terceira quatro, et sic de ceteris, numa progressão arithmetica; assim ficarião os processos tão caros que nem as partes nem os advogados intentarião causas em que não tivessem razão. Quando se fizesse a conta das custas dos autos, se fizesse tambem a conta de cada uma das folhas do processo, e isto fosse para um cofre, destinado para ser distribuido aos advogados, e mais officiaes de justiça. Se ninguem pagar custas tudo virá a ser uma confusão em a sociedade, porque os pleitos sei ao muito repetidas vezes intentados.

O Sr. Bastos: - Os argumentos, que tenho ouvido expender contra a minha opinião, reduzem-se a tres. He um que os salarios excitão ao trabalho, e que he preciso o aguilhão do interesse para que os juizes, e officiaes de justiça satisfação aos seus deveres. He outro que abolidos os salarios, as demandas se multiplicarão, e se intentarão muitas, sem apparencia alguma de razão, e de justiça. He o terceiro que adoptado semelhante systema, será forçoso augmentarem-se os ordenados, com o que o thesouro publico não poderá. Respondo ao primeiro, que as leis, e o Governo tem á sua disposição meios com que obriguem os juizes e seus officiaes, a cumprirem com os seus deveres, na prompta expedição dos feitos, e em tudo aquillo, que estiver a seu cargo, prescrevendo-lhes certos prazos, e fazendo effectiva a sua responsabilidade, tanto nos casos de commissão, co-

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mo nos de omissão. Ao que accresce que se elles para se darem ao trabalho necessario para o desempenho de suas obrigações, precisão de ser continuamente excitados pelo vil interesse dos salarios, e a honra, e a consciencia, e a opinião publica não bastão a estimulalos, então são uns incapazes, uns indignos, talvez uns perversos, e devem ser removidos. Respondo ao segundo argumento, que o que póde fazer multiplicar os processos, e o intentarem-se muitas causas sem razão, e até sem apparencia alguma della, he a arbitrariedade das decisões, e a persuasão em que estão os povos de que para vencer tanto importa ter, como não ter justiça: esta foi sempre, e sempre será a grande causa desse mal que, se recua, e não a abolição das custas ou dos salarios, principalmente não se seguindo disto a impunidade dos delosos litigantes, que devem ser multados, na fórma que as leis determinarem, o que constitue uma das partes do artigo. Ao contrario os salarios tem produzido quasi sempre o mal, que alguns dos illustres Preopinantes temem que resulte da falta delles. Sem salarios, sem custas para os juizos, e seus officiaes, a maior parte dos litigios se reduzirião aos termos indispensaveis, terminarião brevemente, e não farião o escandalo eterno do foro. Com os salarios avultão, e se complicão por mil modos differentes; porque uma grande parte dos escrivães, e dos juizes, ou favorecem a chicana que lhes póde ser proveitosa, eu multiplicão elles mesmos os incidentes que lhes podem trazer alguns interesses. Em quanto ao 3.° argumento já mui judiciosamente respondeu a elle o Sr. Guerreiro: mas como as suas razões não produzirão o convencimento devido, juntar-lhe-hei ainda algumas. Recea-se que o thesouro não possa com os ordenados, que será forçoso augmentarem-se aos juizes, e seus officiaes, uma vez que se abulão os salarios, mas não se repara em que já se acha decidido que se lhes darão ordenados sufficientes, o que por uma parte exclue a precisão dos salarios, e por outra faz ver que os ordenados sempre tem de se augmentar, haja ou não haja salarios; pois os actuaes são insufficientes como he notorio. Mas prescindindo disso, pensa-se por isto que daqui por diante haverá tantos magistrados, e tantos officiaes de justiça como até aqui? Nós tinhamos provedores, corregedores das comarcas, super intendentes, conservadores e outros semelhantes, com seus officiaes respectivos, e nada disto teremos. Tinhamos relações com mais de 50, e 60 ministros; e as futuras relações, ainda que mais sejão do que as actuaes, compor-se-hão cada uma apenas de 4, ou de 5 ministros. Tinhamos uma multidão de tribunaes, que não teremos, e até os juizes de fora diminuirão consideravelmente, necessario e vantajosissimo effeito do estabelecimento dos jurados. Desta sorte que importa que cada um dos ordenados cresça, se, deminuindo tão notavelmente o seu numero, a somma total dos mesmos ainda deve ficar sendo menor, que a dos presentes? Em fim os salarios, alem dos ponderados inconvenientes, contem uma manifesta injustiça, são uma contribuição lançada sómente áquelles cidadãos, que já se achão mais onerados que os outros. Alem desses salarios, os litigantes fazem muitas outras despezas, perdem o seu tempo, soffrem trabalhos, incertezas, desgostos; e he á custa de tudo isto que elles comprão uma protecção, de que os outros cidadãos estão gozando gratuitamente. Obrigalos de mais a mais ao pagamento das custas importa o mesmo, diz um celebre jurisconsulto inglês, que obrigar os soldados, que defendem a fronteira era tempo de guerra, a pagarem todas as despezas da campanha.

O Sr. Andrade: - (Não o póde ouvir o tachygrafo).

O Sr. Peixoto. - As doutrinas, que por uma, e outra parte se tem manifestado, não discordão da opinião, que pronunciei. Em se dizendo na Constituição, que os juizes e officiaes não receberão salarios pela mão das parles, está tomada a base unica, que por agora póde estabelecer-se. Fica evitado o principal inconveniente, que das custas do processo póde resultar; e não se tira aos legisladores a liberdade de fazerem nesta parte todas as reformas, que lhes parecerem uteis; e até de variarem as providencias, quando na pratica não corresponderem ao fim, para que se tomarão. Custas hão de por força pagar-se, ainda que com algumas poucas excepções: agora o quanto, a forma, e a sua distribuição, isto he materia mui complicada; e apezar das reflexões que tenho ouvido, ainda estou pelo voto, do que os magistrados deverão receber sómente os seus ordenados, não porque ao futuro hajão de ser em menor numero, mas por julgalo assim conveniente, e não suppôr que essa despeza haja de ser excessiva para o Thesouro, principalmente se o cofre das custas contribuir para ella com algum subsidio.

O Sr. Moura: - Sr. Presidente, eu não entrarei em todos os pequenos detalhes em que entrou o meu illustre collega o Sr. Borges Carneiro: mas tambem não posso ser de opinão que a justiça seja em todos os casos gratuitos pelo contrario eu quereria que nas causas criminaes fossem satisfeitos os salarios, uma vez que houvesse parte; e nas que a não houvesse ou a aceitação fosse feita pela justiça, então fosse gratuita. Alem da razão geral, apparecem todos os dias nos auditorios tantos processos e tantas causas, que bem se vê que se a administração da justiça fosse gratuita, haveria um numero immenso de causas tanto civeis como crimes. Dir-se-ha que os processos são causados mais pela complicação das leis, do que por causa dos litigantes. Não he assim; a maior parte das demandas não procedem da complicação da legislação, mas sim dos factos que os litigantes com astucia diligenceião por fazerem ainda mais complicados. Por conseguinte a minha opinião he que os salarios devem subsistir, e direi que ainda quanto mais pezados melhor, porque não sendo assim cada vez haverá mais litigios, e ninguem deixará de litigar, uma vez que tenha má inclinação. O unico meio que eu acho para evitar as demandas he serem, como já disse, os salarios bem pezados.

O Sr. Barata: - (Não o pede ouvir o tachygrafo).

O Sr. Xavier Monteiro: - Eu não teria duvida de subscrever a opinião daquelles Srs. que tem vota-

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do contra os salarios; mas seguindo com a imaginação esta theoria, considero-a na pratica com grandes inconvenientes. Diz-se: temos muitos juizes, temos muitos officiaes de justiça, e havemos passar ater menos; mas se nós já temos tantas demandas que enchem todos os cartorios, o que ha de acontecer quando augmentarmos o numero das demandas, e diminuirmos os empregados no exercicio do poder judicial? He claro que o expediente da justiça vai ser mais moroso e complicado. Em quanto a que os ministros não recebão logo os salarios, e que se juntem em um cofre, bom será, mas em quanto aos outros officiaes de justiça, senão forem pagos pelas partes, estas exigirão tal numero de documentos dos cartorios, requererão tão repetidas e desnecessarias diligencias, que tornarão absolutamente impraticavel a administração da justiça. Pretende-se favorecer os pobres; mas estes nem sempre tem justiça, e quando litigarem injustamente, e forem condem nados a final a pagar multas, em que se hão de executar essas maltas, uma voz que as não paguem durante o processo, ou dêm fianças? Subscrevo por tanto á opinião dos Senhores que querem que a materia deste artigo seja omissa.

O Sr. Fernandes Thomaz: Eu sou exactamente desta mesma opinião, isto he, que o artigo se deve tirar daqui: já está estabelecido que o ministro ha de ter um ordenado sufficiente, e o medo porque estes empregados publicos hão de ser seus tentados as leis o estabelecerão. O querer que se não paguem os salarios ia fazer um mal immenso na sociedade: tenho ouvido dizer que he uma cousa injuria o receberem os ministros salarios, pois que por este motivo taxem demorar mais as demandas. Pergunto eu, qual he a demanda que não se tem concluido porque o juiz, a tem feito demorar por causa do salario? Como he possivel isto? Uma demanda na primeira instancia não dá ao juiz de tora mais que um cruzado novo. A debanda que paga maior salario ao juiz na casa da supplicação, são duas moedas. Ora pergunto eu, como he possivel que duas moedas cheguem a tentar a cobiça de um juiz? Com que titulo ha de elle pedir outras duas moedas? Não posso por tanto entender como possuo estas duas moedas influir para que o juiz demore o processo. Um juiz, recebe dos vintens, ha cousa com effeito a mais escandolosa que ha! diz-se que o juiz commette uma indignidade em receber dois vintens; pois eu sou indigno em receber dois vintens que a lei me manda que receba? Indigno seria se em lugar de receber dois vintens recebesse dois e cinco. Qual he a mola real de todos os homens? He fazer util aquelle modo de vida que tem na sociedade segundo as leis, e uma vez que elle as não altere he homem honrado. Eu nunca faltei á honra por receber um vintem pelo meu trabalho; não seria honrado se recebesse como ia disse vintem e cinco. Por tanto todos estes salarios estão muito bem regulados na sociedade: os nossos antigos tem a este respeito procedido com muita formalidade. Os ministros nos tribunaes tambem tem salarios, não os recebem da mão duas partes, mas vão para um cofre e depois recebem junto: perguntarei pois aos illustres Preopinantes se aquelles são mais honrados que os juizes de fora por isso que estes recebem os dois vintens na mão? Se se admitte que se não paguem salarios veremos intentar demandas todos os dias, só porque dizem: eu posso vir a ganhar a demanda, não faço despeza, e tudo que vier he ganho. Está demonstrado, e muito bem demonstrado, que seria um mal muito grande para a sociedade se se estabelecesse que das demandas não se pagasse nada, e que fossem gratuitas; deixemos isso para as leis regulamentares: nós já temos estabelecido o grande principio que os ministros e officiaes de justiça terão uma sustentação decente; e o mais deixemo-nos disso.

O Sr. Feio: - Dizem alguns dos illustres Preopinantes, que o numero de juizes de direito necessariamente se ha de augmentar em consequencia do estabelecimento dos jurados; e eu estou persuadido, que por essa mesma razão, elle deve diminuir. E como estou nesta persuasão, voto que se estabeleça um ordenado sufficiente a cada um destes juizes; e que elles não recebão salarios das partes.

Declarado o artigo suficientemente discutido, propoz-se á votação se elle se havia de supprimir, ficando a sua doutrina omissa na Constituição - e decidiu-se que sim.

Entrando em discussão o artigo 171, disse

O Sr. Bastos: - Este artigo póde dividir-se era tres partes. A 1.ª trata do estabelecimento de jurados no crime; mas como já se acha decidido que os haverá não só no crime, mas no civel, nada agora ha que discutir a este respeito. A 2.ª trata das eleições dos mesmos, tomando por base a que já se rejeitou assim relativamente aos Deputados de Cortes, como relativamente ás camaras, e que seria contradictorio adoptar agora. O meu voto he que as listas das pessoas de que pode-se compor-se os conselhos dos jurados, sejão directamente formadas pelo povo, e que os meamos jurados nas occasiões ou épocas precisas dahi sejão tirados por sorte. Assim elles serão de maior confiança que os dos Inglezes, onde as listas são obra dos magistrados, ou officiaes do Rei; vicio radical, que a Nação ingleza reconhece, e não evita, procurando-lhe o remedio em redobrar as cautelas e facilitar as recusações. E serão até de maior confiança que os Americanos, porque á imparcialidade da sorte juntarão, pelo meio directo da designação, uma maior somma de approvação popular. A 3.ª parte do artigo, versando sobre as attribuições dos juizes de fora, em quanto aos conselhos dos jurados, inquisito de testemunhas, e applicação da lei ao facto, he puramente regulamentar, e não deve incluir-se na Constituição, principalmente estando como está decidido, que o juizo dos jurados se organizará da maneira que os codigos o determinarem.

O Sr. Borges Carneiro: - Na sessão de 9 de Janeiro se venceu que ha de haver jurados, assim nas caudas crimes, como nas eiveis, nos casos e pela fórma que as leis determinarem, isto supposto, desejo que se tratem aqui duas cousas: 1.ª por quem, e como estes juizes hão de ser eleitos: 2.ª o que está no fim do artigo, isto he, quando os jurados hão de começar a ter lugar. Falando por ora do primeiro ponto, já não póde falar-se de eleitores de comarca, por-

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que já os não ha. Convirá dizer que o povo elegerá os jurados directamente, como faz a respeito dos Deputados de Cortes, e que os elegerão tambem de dois em dois annos, e na mesma occasião da eleição dos Deputados j uma vez que se decida que os jurados hão de servir dois annos, que em verdade he um encargo bem pezado.

O Sr. Vasconcellos: - Eu opponho-me a que se declare que os jurados durai ao dois annos, porque della fórma se vai tirar toda a belleza deste estabelecimento. Os jurados são homens, e podem prevaricar, o por isso sou de opinião que elles devem ser eleitos na occasião em que devem ir julgar uma causa, pois que assim não ha tempo de serem corrompidos: por tanto voto contra o artigo, que os jurados sejão por tempo determinado; e o que me parece melhor he, que se faça da fórma que se faz na America ingleza, que se faça uma lista das pessoas em que vota o povo, e que se lance em uma uma o nome deites cidadãos, e que depois se vão tirando á sorte: este he o meu voto.

O Sr. Bastos: - A minha opinião coincide absolutamente com a do Sr. Vasconcellos. Eleger os jurados para estarem em exercicio de seus empregos por espaço de dois annos, como quer o Sr. Borges Carneiro, seria destruir pela base a mais nella das instituições. Elles assim se criarião prejuizos, doutrinas peculiares, e contrahirião o espirito de corpo, que tão fatal he na magistratura, e que pouco menos o seria nos jurados, se as suas funcções imitassem na duração as dos magistrados.

O Sr. Pessanha: - Eu apoio a opinião do Sr. Vasconcellos pelas razões em que se funda; parece-me muito perigoso que os jurados sejão eleitos de dois em dois annos; nós iriamos por este modo fazer um grande mal á sociedade, porque neste tempo estes homem, se tornarião quasi como succede a respeito de muitos magistrados, isto he, infatuados da sua autoridade, corruptos, ou tyrannos, que he a doença de que por via de regra são atacados os homens que durão por grande espaço no exercicio do poder.

O Sr. Correia de Seabra: - Sr. Presidente, ainda não está resolvido quaes hão de ser as attribuições dos juizes de feito ou jurados, se terão parte na formação do processo, se deverão assistir ao inquirito das testemunhas, ou se hão de só decidir sobre o merecimento das provas: se este juizo ha de ser moral segundo a sua convicção, ou adstricto ás provas legaes: se este juizo ou declaração dos jurados ha de determinar-se por pluralidade, ou por uniformidade. Tudo isto está reservado para o codigo, e devendo a fórma de eleição ser determinada segundo as attribuições que he concederem aos jurados, precisamente ou ha de ser esta mataria omissa na Constituição, ou unicamente se deve declarar que a lei regulai á a fórma da eleição. Aproveito a occasião para declarar a minha opinião a respeito deste capitulo 3.°, que só prescreve regras sobre a justiça criminal; o que a este respeito póde entrar na Constituição já está sanccionado nas bases, e no artigo 173. Este artigo 171 he regulamentar, tambem o he o 172, sobre o qual já houve uma longa discussão, e nessa occasião offereci uma emenda para que todos os cidadãos se livrassem soltos excepto nos casos marcados por lei: e ultimamente voltou á Commissão......................... todos os artigos do capitulo são regulamentares, e por isso devem ser reservados para um projecto de lei, e passar-se já a discutir o artigo 6 até para evitarmos a discussão do regulamento provisorio das camaras. Muitas vezes me tenho declarado contra artigos regulamentares na Constituição; mas agora accrescento que por fórma nenhuma artigos regulamentares de legislação criminal se devem sancionar como artigos constitucionaes. (O orador demonstrando quanto os crimes variavão segundo as differentes circunstancias em que se achava a sociedade civil, e reflectindo que a legislação criminal devia, estar na razão da medicina que applica o remedio quando apparece o mal, se não o póde prevenir, concluiu que se riscasse da Constituição todo o capitulo 3.º, á excepção do artigo 173, e das emendas que com elle se sanccionárão.)

O Sr. Guerreiro: - Eu vi na acra da sessão do dia 9 de Janeiro decidido que haveria jurados nas causas crimes e eiveis, na fórma que a lei o determinasse, e por isso agora roqueiro a V. Exc. me diga se esta materia está já ou não decidida; porque a não estar, então tenho que dizer.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Parece-mo que esta materia não foi decidida naquella sessão, porque os jurados devem ser eleitos pelo povo, e o modo de ser feita esta eleição deve ficar sanccionado na Constituição; e tudo o mais fique muito embora para as leis regulamentares; porém nós não devemos passar daqui sem que esta materia fiqu e decidida.

O Castello Branco: - Na sessão de que falou o illustre Preopinante decidiu-se que haveria jurados nas causas crimes e eiveis, na fórma que a lei o determinasse, e que a lei declaria o modo e quando se havia de fazer este estabelecimento; porem o que o Congresso reservou para si foi o modo por que havião de ser eleitos os jurados. Eu convenho com o illustre Preopinante em quanto quer que isto venha a ser declarado na Constituição, e uma vez que nós não estabeleçamos como um artigo constitucional o modo da eleição dos jurados, temos tudo perdido. Este estabelecimento he muito saudavel em toda a parte monos em França, pois que são os unicos que se queixão; mas he porque o partido do Rei tem procurado todo os meios de destruir este estabelecimento, e pelos abusos que se tem introduzido na eleição dos jurados; he por isso que os Franceses se queixão deste juizo. Por tanto nós seriamos contradictorios comnosco mesmo uma vez que não regulássemos o modo porque havião ser feitas as eleições; e por consequencia a meu ver não póde haver a menor duvida que isto devo ser objecto de uma lei constitucional; todavia eu entro em duvida e ella deverá tombem ser directa: e por tanto parecia-me mais conveniente e methodico reservar a (irrisão desta materia para quando se tratar do modo de fazer a eleição directa dos Deputados de Cortes.

O Sr. Lino: - ( Não póde o tachygrafo apanhar o seu discurso).

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O Sr. Miranda: - Todos estão convencidos que he necessario determinar na Constituição o modo por que hão de ser eleitos os jurados; e que hão de ser eleitos pelo povo tambem não ha duvida nenhuma: por consequencia agora devemo-nos limitar a declarar que a eleição dos jurados deve ser feita pelo povo, e quando se tratar da redacção, então se decidirá o modo como ha de ser frita.

O Sr. Villela: - (Não póde o tachygrafo apanhar o seu discurso.)

O Sr. Lino: - Eu quereria deixar a eleição dos jurados a uma lei regulamentar, pois que quando tratei do artigo claramente indiquei este mesmo parecer, e agora ainda mais folgo, vendo com elle concordar a opinião do honrado Membro, o Sr. Villela, podendo-se desta sorte com mais conhecimento de causa fazer uma mais justa applicação ás provincias do Reino do Brazil.

O Sr. Vasconcellos: - A questão principal não he se os jurados devem ser eleitos pelo povo, ou pelo Governo, a questão he que não tenhão tempo permanente por um anno ou dois.

Sendo chagada a hora da prolongação, suspendeu o Sr. Presidente a discussão do artigo.

O Sr. Trigoso, por parte da Commissão especial nomeada para examinar o officio do Governo, em consequencia da nota que lhe dirigiu o Encarregado de negocios de Hespanha, relativamente aos dois Hespanhoes prezos no Porto, leu o seguinte

PARECER.

A Commissão especial antes de dar o seu parecer sobre o officio, que o encarregado dos negocios de Hespanha dirigiu em data de 9 do corrente ao Secretario de Estado dos negocios estrangeiros, examinou muito maduramente o melindroso negocio, que no dito officio se trata, e não duvida agora manifestar sobre elle o seu juizo na presença do Congresso, e á face da Nação inteira.

Contém a nota do encarregado dos negocios um formal protesto contra a resolução tomada em Cortes, que manda restituir a sua liberdade, com a condição de se retirarem para fóra do Reino os dois prezos, Juan Ramon de Barcia, e Thomaz Blanco Ciceron, reclamados pelo governo hespanhol, e uma petição tendente a suspender-se a execução desta ordem pelos males, que dahi poderião resultar á sua Nação.

A Commissão especial sendo de opinião que os fundamentos do protesto não são exactos, nem a petição admissivel, julgou ao mesmo tempo que devia expor as razões, em que funda o seu parecer; porque se estas forem da approvação das Cortes, conhecerá a Nação, e o governo de Hespanha os poderosos motivos, que as obrigarão a apartar-se do parecer da primeira Commissão, que examinou este negocio, e a justiça, em que fundárão a sua decisão.

Diversas são as questões, que a Commissão examinou profundamente, e que deduziu da materia, que se contem no extenso protesto do encarregado dos negocios. 1.º Seriamos nós obrigados pelo direito das gentes a entregar os dois réos Hespanhoes reclamados pelo governo da sua Nação? 2.ª Seriamos obrigado? por tratados, que de direito, ou do feito existão entre ambas as Nações? 3.ª No caso em que existão estes tratados, serião aquelles reos legalmente reclamados? Da resolução destas tres questões depende a decisão deste negocio.

1.ª A Commissão he de parecer que não ha obrigação de entregar á Hespanha aquelles dois prizioneiros em virtude do direito das gentes, o que he evidente em relação á parte deste direito, a que se chama natural, e que considera as Nações inteiramente livres, e independentes umas das outras, como he o homem de outro homem no estado da natureza; e tambem he certo em relação á outra parte do mesmo direito, que se chama sómente consuctudinario.

Por quanto não se podendo isto provar senão por factos repetidos de longo tempo, que produzão direito deduzido do tacito consentimento de duas ou mais nações, parece seguir-se que só póde ter lugar quando não existe o direito das gentes convencional ou pacticio: mas he certo que desde os tempos dos nossos Reis D. João II., e D. Manuel existem concordias entre as cortes de Hespanha e Portugal sobre a reciproca entrega dos reos de certos crimes, as quaes forão renovadas na outra concordia d'ElRei D. Sebastião, e no tratado de 1778; e por isso não se póde dizer com verdade que esta entrega sendo como he entre nós um resultado do direito pacticio, seja ao mesmo tempo resultado do direito consuctudinario. Alem de que na concordia d'ElRei D. Sebastião concedem-se 4 mezes para poderem sahir livremente do Reino aos delinquentes, que houvessem incorrido em algum dos delictos de novo acrescentados, e que a esse tempo estivessem acolhidos a algum dos reinos, e pretendessem haver ido a elles com boa fé, entendendo que havião de estar salvos, e seguros; o que prova que prescindindo-se do direito positivo estabelecido na concordia, não havia outro consuctudinario, que ligasse já a este respeito ambas as nações.

Ultimamente estabelecendo a lei das Cortes de Hespanha de 1810, que o territorio Hespanhol he um asilo inviolavel para os estrangeiros, sem prejuizo dos tratados existentes, veio por um lado a renunciar ao direito puramente consuctudinario ainda que já existisse, e por outro a prevenir que de futuro se estabelecesse a entrega dos criminosos pelo direito convencional dos tratados, o que tudo faz com que de nós senão possa exigir a execução de uma obrigação, que se não reconhece.

Se pois não ha direito das gentes, que nos obrigue a entregarmos os dois reos, não póde deixar de se considerar insubsistente a portaria da secretaria d'Estado dos negocios do Reino de 29 de Agosto passado, que nelle unicamente se funda para annuir á reclamação do governo de Hespanha: e assim fica desvanecido um dos argumentos, que a seu favor produz o encarregado dos negocios, o qual consiste em ter o Governo portuguez adherido já á entrega dos ditos criminosos.

2.ª Que sejamos obrigados a esta entrega por tractados, que existão com Hespanha, he o que expres-

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samente nega a portaria já citada de 29 de Agosto passado, e que expressamente não afirma o encarregado dos negocios de Hespanha, pois que diz que por mais argumentos, que se queirão citar da nuliidade dos tratados se virá apurar em que existem defeito; e em que a não existirem, o interesse reciproco de ambas as nações exigia imperiosamente aquella entrega.

E hem se póde crer que não duvida a Commissão de que os crimes, de que são arguidos os dois Hespanhoes, estejão comprehendidos na letra, e espirito das nossas antigas concordatas, confirmadas pelo tratado de 1778, ou de que esse tratado obrigue actualmente a Nação, e os successores dos monarcas que o assignarão, o que inutilmente allega o encarregado dos negocios no seu officio; de que duvida, he que elle ainda hoje exista de direito, ou de facto.

E na verdade sebe doutrina corrente entre os publicistas, que quando uma nação rompe um tratado de paz, vem a perder os direitos adquiridos em virtude desse tratado, o qual fica de todo extincto, senão for expressamente renovado pelo novo, que se lhe seguir: quem poderá duvidar que o tratado de affiança firmado em 1778 ficou sem effeito pela guerra, que nos moveu Hespanha em 1801? e que não só não foi expressamente renovado pelo tratado de paz de Badajoz, que antes pelo contrario no artigo 10 deste tratado se obrigão os dois monarcas a renovar desde logo os tratados de alliança defensiva, que existião entre as duas monarquias, donde se vê que entretanto que não se renovavão devião ficar suspensos os tratados de similhante natureza, qual era sem alguma duvida, como se mostra pelo seu mesmo titulo o de 1778. Mas ainda prescindindo deste argumento he evidente que não só este, mas todos os tratados com Hespanha cessarão pelo celebre tratado, celebrado entre aquella potencia, e a França, de qual se seguiu a invasão de 1807; pois que tendo esta por objecto não uma guerra de governo a governo, ou de nação a nação, mas uma conquista, e inteira desmembração da Monarquia portugueza vinha esta, ainda quando não chegasse a perder a sua existencia, a ficar necessariamente desligada de todos os vinculos, e convenções, que até então a união áquellas duas potencias, em quanto aquelles não fossem expressamente renovados por novas relações de amizade, e estas por tratados solemnes de paz. Succedeu porem que com a França restabeleceu-se a harmonia, e firmou-se um tratado, mas com a Hespanha renovárão-se só as relações de amizade, mas não os antigos tratados, que só por outro posterior podião ser expressamente confirmados.

He verdade que ha tratados renovados por um consentimento tacito; mas este não se presume facilmente; e segundo os publicistas só se póde fundarem factos de natureza tal, que só possão ser motivados pelos tratados: porem a Commissão he de parecer que não só não existem factos, que provem a renovação dos antigos tratados com Hespanha, mas que existem alguns que provão que elles não forão renovados.

Nem os factos da entrega reciproca dos criminosos, feita pelas autoridades subalternas das fronteira dos dois Reinos, nem a convenção entre os governadores de Portugal, e Regencia de Hespanha em 1810, que allude aos privilegios, liberdades, e isempções, que se achão concedidos pelos tratados subsistentes entre as duas nações, podem provar a tacita renovação destes tratados, porque taes factos, e allusão geral, e indeterminada tinhão só por fundamento a reciprocidade de interesses e harmonia entre as duas nações, que então fazião causa commum contra os Francezes, e não a legal approvação dos dois soberanos.

A lei do asylo acima citada, feita pelas cortes de Hespanha, que he um dos argumentos, em que se funda o encarregado dos negocios tambem não prova a renovação dos tratados, porque ainda que seja certo que ella resalvasse os existentes com os outros governos, e que na 1.º das duas extensas discussões que houve sobre esta lei, o ministro dissesse que havia um tratado a este respeito com Portugal, he tambem não menos certo que o mesmo ministro confessa que não tivera tempo para examinar os tratados existentes; e que na 2.ª discussão aparece como doutrina corrente professada pelo ministerio, que os tratados deixão de existir pela guerra, e que um governo constitucional deve ser muito circunspecto na entrega das pessoas reclamadas por outro governo. Além disto he evidente que nem o texto da lei de asylo faia expressamente dos tratados com Portugal, nem uma nação póde reservar por si só os tratados, que fez com a outra.

Pelo contrario ha factos de outra muito differente natureza, os quaes assas mostrão que os antigos tratados com Hespanha perderão a sua observancia. Assim o entendêrão com effeito os plenipotenciarios de Portugal no Congresso de Vienna quando abertamente dizião perante o mesmo Congresso, que as duas nações sem nenhum tratado de alliança, nem se quer de paz que as ligasse, havião passado de um verdadeiro e legitimo estado de guerra ao da mais cordial, e mais intima união.

O territorio de Olivença, que de direito pertence a Portugal, pois que o tratado de Badajos de 1801 foi especialmente declarado nullo pelo manifesto de S. Magestade do 1.° de Maio de 1808, e por um artigo addicional do tratado de paz geral com a França em 1814; está ainda a pezar dos antigos tratados occupado de facto por Hespanha. Finalmente o futuro destino do territorio de Montevideo, occupado pelas tropas portuguezas desde o anno de 1816, parece não estar ainda definidamente regulado por mutuo consentimento de ambas as nações.

He pois manifesto á vista dos factos que ficão apontados, que entre Portugal e Hespanha existem vinculos fortissimos de sangue, amisade, boa fé, e interesses reciprocos, mas não existem tratados de alliança, ou de paz.

3.º Mas ainda suppondo que existem de direito, ou de feito os nossos antigos tratados com Hespanha; parece á Commissão que não he exacta aquella parte do officio do encarregado dos negocios, em que este afirma que os dois criminosos de que se trata, forão

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reclamados em tempo competente, segundo as formalidades prescritas nos mesmos tratados.

Tres forão as reclamações, que se fizerão pnr parte de Hespanha. Primeira a do consul no Porto, dirigida ao conservador da Nação hespanhola: segunda a do encarregado dos negocios de Hespanha dirigida aos governadores do Reino de Portugal: terceira a do presidente do tribunal superior de Galliza, dirigida ao chanceller da relação do Porto. A 1.ª foi manifestamente illegal, porque, não só não ajunta o processo dos criminosos, como são obrigados a fazer pela concordia de ElRei D. Sebastião todos os que fazem similhantes requisições, uma vez que não sejão tribunaes, ou magistrados superiores; mas até não declara qual fosse o crime. E tão manifesta era a illegalidade da requisitoria, e da prisão, que se lhe seguiu, que os governadores do Reino a estranharão severamente ao conservador, mandando-lhe perguntar a lei, em que se havia fundado para deferir a uma tal requisição do consul de Hespanha. Nem se diga que os governadores do Reino levarão a mal aquelle procedimento por seguirem uma causa contraria á do governo Hespanhol, pois que erão elles os mesmos que antes de terem expedido aquella ordem em data de 16 de Agosto da 1820, já no dia 7 do mesmo mez havião mandado prender os ditos dois reos em virtude da segunda reclamação feita pelo Encarregado dos negocios de Hespanha, de que agora a Commissão vai falar.

Da legalidade desta segunda reclamação só alguma pessoa muito escrupulosa poderia duvidar, fundando-se em que ella fora feita não pelo embaixador de Hespanha, segundo a extricta intelligencia do tratado de 1773, mas pelo encarregado dos negocios. A Commissão ainda que reconheça, que um officio do secretario d'Estado dos negocios estrangeiros de Hespanha teria tirado toda a difficuldade, e preencheria bem a clausula do tratado, não pertende pôr em duvida a legalidade das reclamações feitas pelos encarregados de negocios, quando não ha embaixadores. Mas fosse qual fosse a fornia, porque forão reclamados os dois criminosos, he certo que a reclamação só produziu o effeito da prisão, porém não o da entrega; porque os governadores do Portugal, usando de uma especie de reconvenção reclamárão tambem sobre os abusos, que dizião faseiem-se em Hespanha da liberdade da imprensa relativamente a Portugal, fundando-se para isto no artigo 2 do mesmo tratado de 1778.

Este facto he attestado pelo actual encarregado dos negocios no protesto, de que se trata, o qual accrescenta, que não podendo o governo hespanhol, segundo os seus principios, impedir os escriptores publicos que dissessem bem ou mal dos governadores do Reino, ou do seu Governo, ficára por este unico motivo demorada a entrega dos réos.

Mas á vista disto não póde a Commissão deixar de observar: 1.° que o encarregado dos negocios não duvida que aquelles abusos da liberdade da imprensa offendessem o artigo 2 do tratado de 1773: 2.º que parece assas admiravel, que um encarregado de negocios confessando tacitamente, que a sim nação viola um artigo de um tratado, e que pela sua nova fórma de governo o não póde já cumprir em prejuiso da outra nação, queira com tudo obrigar a esta a executar prontamente outro artigo do mesmo tratado.

Finalmente em quanto á legalidade da ultima reclamação, feita pelo presidente do tribunal de Galliza, a Commissão se abstem de interpor o seu juizo; porque nem lhe foi presente a requisitoria do dito presidente, nem a duvida que teve o chanceller do Porto para a executar, e que sujeitou á decisão do Governo. Não póde porem a Commissão deixar se reflectir, que estivessem dois infelizes na cadeia do Porto desde Agosto de 1820 até Agosto de 1821 sem se lhes dar sua liberdade, ou entregarem-se ás autoridades de Hespanha, como se se estivesse esperando o espaço de um anno para que a requisitoria do hespanha viesse na devida fórma, para então se dar á execução no momento em que já se sabia, que os réos estavão condemnados á pena de morte. Estas circunstancias fazem com que a entrega destes réos devesse encher de horror os amigos da humanidade, e desviasse os estrangeiros de procurarem asylo, e protecção neste inhospito paiz.

Taes são as razões com que a Commissão combate o protesto do Encarregado dos negocios, e defende a resolução ultimamente tornada pelas Cortes. Se estas são verdadeiras, o resultado não póde deixar de sor a recusação do que pede o dito Encarregado relativamente á suspensão daquella ordem, da qual se não póde seguir mal algum á nação hespanhola, visto que os reos são obrigados a sair do territorio portuguez em embarcações que os conduza a porto estrangeiro, que não seja da Peninsula. Alem de que cinco mexes se tem passado depois que as Cortes tomárão conhecimento deste negocio, a requerimento dos dois réos, e mandarão suspender a portaria do Governo: e assas de tempo tinha o Encarregado dos negocios para se munir com instrucções da sua Corte, das quaes se servisse no caso muito possivel de se denegar a entrega: ultimamente, que inconveniente póde haver eu que a Nação, e o Governo portugues não demore a execução de uma ordem essencialmente justa, o benefica, principalmente quando essa pronta execução parece estar de certo modo ligada com a sua propria independencia, e dignidade 3 E porem ao Governo pertence estreitar com um novo tratado, logo que as circunstancias o permittão, os fortes vinculos, que existem entre duas nações visinhas, unidas por pactos repetidos de familia, e mais ainda pela causa em que se achão empenhadas.

Este he o parecer da Commissão especial: os seus membros forão unanimes em reconhecer a verdade dos principios em que se fundou a decisão do Congresso; mas um delles (o Deputado Faria Carvalho) apartou-se dos outros em quanto foi de parecer, que a prudencia pedia que se annuisse á petição do Encarregado dos negocios, sobre estando na execução da ordem das Cortes, em quanto sobre isso não fosse ouvido o governo hespanhol; devendo entre tanto os réos ficar detidos em custodia.

Sala das Cortes, em 18 de Fevereiro de 1822. -

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Francisco Manoel Trigoso de Aragão Morato; João Baptista Felgueiras; Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva; José Antonio de Faria Carvalho; Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento.

Foi approvado.

O Sr. Travassos, por parte da Commissão de fazenda leu o seguinte

PARECER.

A Commissão de fazenda examinou o officio de 28 de Novembro do Ministro da fazenda, em que remette copia do que recebeu do Ministro da guerra de 16 do mesmo mez, no qual pondera que havendo o contador fiscal da thesouraria geral das tropas enviado ao thesouro nacional em 23 de Julho as relações das pensões pagas por aquella repartição para, segundo as ordens das Cortes de 23 de Junho, serem lançadas em um livro destinado ao conhecimento de todas as pensões e ordinarias que erão pagas por quaesquer outras repartições, e tendo-se accrescentado no officio para isso recebido naquella repartição, que ellas sómente serião pagas por ordem do mesmo thesouro, precisava saber se as muitas pretensões que affluião sobre similhantes objectos na secretaria da guerra devião ser dirigidas ao thesouro publico para serem differidas, ou se podião continuar a ser pagas pela thesouraria as que estão nas circunstancias que as Cortes determinárão na sua resolução de 20 de Abril.

Por terem igualmente affluido ao Congresso muitos requerimentos de pessoas a quem forão suspendidos os pagamentos das pensões que se recebião pela thesouraria, a Commissão julgou que para interpor o seu parecer seria conveniente examinar as ditas relações, as quaes forão por isso exigidas da Secretaria dos negocios da guerra.

A 1.ª marcada com a letra A he de 173 pensões, em consequencia da campanha do Rousselhon, por decreto de 20 de Janeiro de 1794, cuja importancia sendo ao princio de 568:546 réis mensaes, he actualmente de 503:800 réis, ou em cada anno de 6:038:400 réis. Nenhuma reducção acha a Commissão peder fazer-se nesta relação.

A 2.ª marcada com a letra B he de 33 pessoas, em consequencia da expiarão do castello da praça de Almeida, por portaria do Governo de 6 de Setembro de 1810: tambem não acha reducção que fazer. Era ao principio de 112:200 réis, e he actualmente de 106:200 réis cada mez, ou 1:282:800 réis cada anno.

A 3.ª relação marcada com a letra C he das pensões pagas em consequencia da ultima guerra por decretos, cartas régias, officios, portarias, e avisos. São 40, e importão mensalmente em 712:850 réis.

Observa a Commissão que determinando os titulos das suas concessões, que as pessoas agraciadas continuassem a receber tanto quanto erão os soldos dos respectivos officiaes mortos em campanha, ha algumas que achando-se nas mesmas circunstancias das mais, estavão recebendo o soldo por inteiro como pensão, e metade mais como monte pio. Tal he a pensionaria n.° 8 a respeito das outras numeros 9, 10, 11, e 12, sendo o titulo commum da concessão para todas ellas o decreto de 21 de Janeiro de 1815.

He por tanto de parecer que a todas as pensionarias numeros 5, 6, 7, 14, 15, 16, 17, 23, 27, e 38, as quaes estão neste caso, se diminua a metade das respectivas pendões para deste modo, com todas as mais desta relação C, receberem a metade do soldo pelo monto pio, e a outra metade como pensão. Se algumas porem não estiverem no caso de perceber monte pio, por não terem os officiaes mortos contribuido para elle, estas sómente receberão o soldo inteiro, como pensão. Deste modo a importancia desta relação se reduzirá quasi a metade, ou proximamente a 356:425 réis cada mez, ou por anno a 4:277:100 réis.

A 4.ª relação letra D he de 71 pessoas que recebem pensões por graça, ou recompensa de serviços concedidos por decretos, cartas regias, officios, portarias, e avisos.

A Commissão considera avista do decreto respectivo a pensionaria n.° 7 no caso de perder a metade da pensão, por receber a outra ametade do soldo pelo monte pio. Julga da mesma sorte que ao pensionario n.° 14 Bento Xavier Velasco deve cessar o vencimento 1200 réis diarios por quatro cavalgaduras que se lhe mandárão abonar por aviso de 10 de Setembro de 18:20, não obstante a reforma deste official. Que não póde ter lugar a supervivencia a favor da mulher, da pensão de 300:000 réis concedida ao pensionario n.° 17 Luiz José da Lança em remuneração de serviços por decreto do 1.° de Outubro de 1818. He tambem de parecer que deve cessar a pensão mensal de 20:000 réis concedida ao pensionario n.° 25 José Maria Neves Costa por aviso de 27 de Outubro de 1811 em quanto estivesse empregado na reedificação da praça de Almeida; e mandada continuar, depois della concluida por outro aviso de 26 de Janeiro de 1813.

Observa mais a Commissão que a pensão concedida ao n.° 37, Bernardo José da Maia, tenente coronel aggregado do regimento de infanteria de voluntarios reaes do commercio, por officio do marquez de Aguiar de 30 de Março de 1815, he de 200:000 réis annuaes pagos a quarteis, e que na relação elle vem contemplado com o vencimento mensal de 50:000 réis, devendo este ser o de cada quartel. Se isto não he erro da relação, he a Commissão de parecer que se lhe desconte nos pagamentos seguintes o que indevidamente tiver já recebido.

Finalmente julga que deve suspender-se a pensão de 150$ réis annuaes ao carcereiro de Belem n.º 10 concedida por aviso de 14 de Julho de 1806, em quanto aquella cadeia continuasse a servir de prisão dos militares dos regimentos 1 de infanteria, 4 de cavallaria, e legião das tropas ligeiras.

Era a importancia mensal desta relação 1:094$420 réis. Tem vagado algumas no valor de 56$310 importão os rendimentos indicados .... 128$500
181$810

o que reduz a importancia actual em cada mez a 909$610, ou a 10.915$320 por anno.

A 5.ª relação letra E consta de 31 creados das cavalherices reaes, que estiverão ao serviço dos quar-

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teis generaes do Duque da Victoria, e Marquez de Campo Maior, que por officio do Marquez d'Aguiar de 29 de Janeiro de 1815, e aviso do Governo de 3 de Outubro de 1816, vencem mensalmente 88$810 réis ou em cada anno 1:066$440 réis.

A 6.ª e ultima relação Tetra F, he de 15 pensionarias do monte pio, que estão fora da comprehensão dos planos, e do regula mento do exercito de 21 de Fevereiro de 1816, ás quaes são abonados os seus vencimentos por diversas ordens. Importão mensalmente em 378$220 réis ou cada anno em 4:5l5$480 réis.

Somma total das pensões incluidas nas seis relações depois das redacções apontadas 28:095$440 réis.

Parece á Commissão que todas estas pensões continuem a ser pagas, mas por folhas separadas dos soldos e monte pio.

Considerando alem disto que a contribuição para o monte pio he cada vez mais insufficiente para o seu pagamento, propõe que em quanto não se estabelece outro plano bem calculado, se passe ordem ao Governo para não serem admittidos novos contribuentes para este. Francisco de Paula Travassos; Francisco Barroso Pereira; Manoel Alves do Rio; José Ferreira Borges; Francisco João Moniz; Francisco Xavier Monteiro.

Terminada a leitura deste parecer, disse

O Sr. Franzini: - Desejo sempre fazer uma observação sobre este individuo José Maria Neves; este homem he certamente um dos benemeritos da patria, he a elle a quem se deve a creação das linhas de defeza, que ainda existem. Neste tempo existia no exercito uma grande autoridade militar estrangeira, a qual fez com que elle não se animasse a exigir a mais pequena remuneração no exercito, do qual era major, e nesta patente permaneceu alguns doze ou quatorze annos: em consequencia disto, he que o Governo desse tempo se condoeu delle dando-lhe esta pensão em remuneração dos seus serviços; por tanto acho que a Nação deverá olhar para este homem com toda a attenção.

O Sr. Travassos: - Este homem teve uma pensão quando se achava empregado em a praça de Almeida de 200$000 réis, e esta foi-lhe concedida até se concluir a obra da praça, ella acha-se concluida, e a pensão ainda existe, isto he o que a Commissão expõe.

O Sr. Castello Branco: - Não posso deixar de apoiar o voto do illustre Preopinante que redunda em favor do cidadão, a quem se deve a lembrança de uma obra que salvou Portugal, e talvez a Europa inteira. He muito de presumir que a Europa ainda hoje gemeria debaixo dos ferros de um tyranno, e de um despota o maior que a Europa tem conhecido, e que nós mesmos não teriamos a gloria de reclamar pelos direitos da Nação portugueza neste Congresso, senão fosse este cidadão.

Por consequencia a patria he-lhe devedora de grandes serviços, e ella seria ingrata se o não confessasse, e remunerasse. Porem diz o illustre Preopinante, que como esta pensão era dada debaixo deste titulo não podia alterar as bases estabelecidas para os outros funccionarios. Nós devemos advertir que o Governo então era escravo desse general estrangeiro; talvez que elle Governo quizesse premiar este homem, porem póde ser que o não podesse fazer senão dando-lhe esta pensão; e tirar-se-lhe he certamente uma ingratidão. Por tanto acho que se deve continuar a pagar debaixo do titulo de inventor da grande obra que nos salvou.

O Sr. Borges Carneiro: - Eu sigo o parecer da Commissão, isto he, que se não paguem gratificações estabelecidas por um secretario d'Estado que as não podia estabelecer. Se esta tivesse sido posta a favor de um homem pobre, embora eu não lha disputaria por não tirar a subsistencia a quem estivesse na posse della; porem em favor de um coronel de engenheiros, e de mais estando elle empregado em commissão, onde tem maiores vencimentos, não se póde tal sustentar no tempo em que se deixa de pagar aos mais empregados por não haver dinheiro. Se as Cortes não forem estabelecendo economias não temos nada feito na nossa regeneração, cujo grande mal he a falta de dinheiro. Falou-se aqui em um emprestimo. Bom modo de governar casa! As Cortes de Hespanha pedirão cuido que dois ou tres emprestimos em paiz estrangeiro: fizerão acarretar sacos de patacas: estas gastarão-se, e o caso ficou peor que dantes. E porque? por não terem feito as necessarias economias. O mesmo he entre nós. Estamos pagando muitas despezas superfluas, quando se não paga a quem se deve, e a quem tem pequenas pensões e ordenados. Queremos, conservar a um coronel effectivo de engenharia, que tem bons vencimentos, uma pensão posta por quem a não podia pôr, e não pagamos a outros empregados, muitos dos quaes estão morrendo á fome? Aqui brevemente, (ou quando Deus for servido) se ha de apresentar uma materia geral pela Commissão especial, das pensões e ordenados accumulados: vamos nos já acostumando para então a fazer justiça.

O Sr. Xavier Monteiro: - Sr. Presidente: - José Maria das Neves, he a ordem do dia? Creio que não; eu não entro na indagação do seu merito, nem elle constou officialmente á Commissão. Mas só digo que não ha direito algum para elle receber por um simples aviso de D. Miguel estes 240$ réis, não havendo lei que autorize a execução de similhante aviso.

O Sr. Freire: - O parecer da Commissão funda-se sobre tal justiça que não póde haver duvida alguma em o approvar. Este official, he certamente um militar benemerito, e faz muita honra ao corpo de engenharia, e mesmo á Nação; elle de certo ha de entrar em recompença de ser viços, até mesmo porque já lhe compelem pela sua patente, pois que um coronel já tem remuneração de serviços; mas não he este o objecto de que se trata; aqui de que se trata he de uma gratificação, que se lhe mandou continuar contra a lei, e não duma pensão em remuneração de serviços: a Commissão, ou alguns de seus membros reconhecem a sua capacidade, e tem mesmo muita pena de não poder pagar para o diante esta pensão, visto que não he esta a maneira de se praticar; estas finalmente são as razões em virtude das. quaes julga a Commissão que não póde continuar aquella gratificação.

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Procedendo-se á votação, foi approvado o parecer da Commissão de fazenda.

O Sr. Secretario Freire fez a leitura do seguinte

PARECER.

Segunda vez impugna Jeronymo de mirantes, a Determinação deste Soberano Congresso, pela qual lhe mandou prestar fiança idonea, approvada pela parte, Antonio Martins Pedra, filho e companhia, para me ficar livre a navegação do navio Oceano, e ficar seguro o seu valor; vigorando de outra sorte a penhora delle feita. A Commissão de legislação civil examinando novamente este negocio, e questão á vista dos autos, julga necessario fazer delle nova exposição, para melhor se conhecer a razão, porque ha mudado de parecer; omittirá porem a narração de outros repetidos requerimentos, que o mesmo mirantes tem feito a este Soberano Congresso, e lhe tem sido desattendidos; omittirá os diversos incidentes, que nos autos se tem disputado, e se limitará sómente ao caso da fiança.

Antonio Martins Pedra, filho e companhia de Londres, obtiverão sentença contra o dito Arantes por mais de 20.000$ réis, segundo a conta final, a tempo que o dito navio tinha navegado para Bengala, por escala na volta pela Bahia: Requererão, e se lhes passou por isso carta requisitoria de penhora, para se fazer nelle, quando chegasse, bem como nos seus fretes, e utensilios: assim se praticou, vindo e achando-se o navio carregado para esta cidade; porem no mandado de penhora, passado na Bahia, se declarou que fosse observada a disposição do alvará de 15 de Abril de 1757, entregando-se o navio aos officiaes delle, e obrigando-se a importalo nesta cidade: ficou a penhora sem depositario, porque supposto o escrivão, e meirinho chamarão ao sobrecarga para isso, com tudo recusou assignar, fundado na dita lei, e em ser proprietario do navio pela terça parte; sem embargo do que se lhe houve sem nova ordem, ou despacho, a penhora, e deposito por assignado. Porém tanto este mesmo sobrecarga, como os mais officiaes do mesmo navio assignárão o termo na conformidade do citado alvará, obrigando-se a trazer o navio a esta cidade, como tudo se manifesta pelos autos a f. 22 f. 34 v. e f. 89.

Com effeito em Novembro de 1820 cumprírão elles a sua obrigação entrando o navio no porto desta cidade aonde ancorou: facto este, pelo qual ficarão inteiramente desobrigados, e o mesmo navio sem depositario, e no poder o executado mirantes. Devião por consequencia os ditos Pedra, e companhia requerer penhora, filhada com depositario em o navio, para se continuar a execução; pois que a da Bahia não produziu os verdadeiros effeitos de rigorosa penhora, vista a disposição do sobredito alvará, que em taes casos as prohibe, e anulla, providenciando sómente aos execuentes com aquella obrigação do mestre, contra mestre, e piloto, como se cumpriu. Não se lembrarão porem disto senão em 11 de Abril de 1821, tendo passado quasi seis mezes depois que navio se achava no porto desta cidade; e então requerêrão depositario, e guarda ao navio ao tempo que já elle tinha mais de meia carga, e o executado mirantes, pelo diario, annunciado a navegação delle para Bengala, como se mostra pelos autos a f. 382 e f. 9 dos outros autos n.º 8., e f. 3 do n.° 9.°

O juiz da primeira instancia deferiu a este requerimento de Pedra, e companhia; e posto o depositario e guarda cai o navio se oppoz Arantes a este procedimento: não foi attendido, apezar de argumentar com a disposição daquelle alvará, e dizer que o navio já tinha mais das 20 toneladas requeridas por elle, que tinhão sido carregadas antes de verdadeira penhora nesta cidade: que os officiaes do navio se obrigavão outra vez a esta cidade: e que avista disto procedia á navegação, e extracção de depositario, e guarda, na conformidade da lei, reservado aos execuentes seu direito para quanto voltasse. Aggravou mirantes para a relação, e obtendo em 2.° accordão ficou decaído no 3.°; porem aggravando de ordenação não guardada, foi provido por accordão, ou assento na meza grande, mandando-se que o navio navegasse, tirado o depositario, e guarda e obrigando-se os officiaes delle a tornar a trazer a esta cidade, e segurando-o o mesmo mirantes; cujo accordão passou em julgado, e he do theor, que se passa a ler.

Contra este julgado recorrerão os execuentes a este Soberano Congresso e por duas vezes determinou que sómente dando o executado fiança idónea, com approvação da parte, ao valor do navio, podesse o mesmo navegar; revogado assim aquelle accordão, ou assento que não lhe impunha tal obrigação: oppõe-se agora o executado mirantes a esta determinação segunda vez, dizendo que a lei o favorece desobrigando-o de tal fiança: que o sobredito julgado lhe dá o mesmo direito, e nada mais faz do que mandão executar, porque os officiaes do navio já se obrigárão por termo na fórma della como consta dos autos n.° 10 folhas 6, 131, 13-2 v. que elle não póde achar similhante fiança em razão do descredito, em que este litigio o tem constituido, e ao seu navio. Que elle se apronta a segurai o na fórma do julgado, e do outro alvará de 24 de Maio de 1765: e que em consequencia nada mais resta para lhe ser permettida a navegação em cumprimento da lei, e julgado: e conclue finalmente que o dito julgado he interluctorio: que quando delle podesse haver algum recurso, devei ia ser para o Poder executivo e não para este Soberano Congresso, que entretanto restando aquelle meio, não deve reunir o poder judiciario com o legislativo.

Em vista do que tudo parece á Com missão que o mencionado julgado da meza grande se deve cumprir desobrigado o executado da fiança: que tendo os execuentes opposição, ou recurso contra elle, ou competindo-lhes, se devem dirigir ao Governo, e que não pertence no estado actual o deferimento a este Soberano Congresso; ficando assim declaradas as anteriores deliberações.

Palacio das Cortes 10 de Fevereiro de 1852. - Pedro José Lopes de Almeida; Joaquim Antonio Vieira Belfort. Não assigno (por ter pejo) Luiz Martins Basto.

Terminada a leitura, disse

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O Sr. Pereira do Carmo: - Sr. Presidente, eu levanto-me para fazer uma observação e dizer que negocios desta natureza, são os que nos fazem consumir o tempo inutilmente; e não quereria agora que este Congresso se convertesse em tribunal de justiça. Está o projecto dos foraes para se discutir ha tanto tempo, e ainda se não concluiu; daqui a pouco apparecerá outro não menos importante ácerca das nossas relações commerciaes com o Brazil, alem de muitos de utilidade geral, admittidos á discussão e já impressos.

Requeiro por tanto em nome da Utilidade geral, que nos desembaracemos de todos os negocios particulares; e que este de que se trata, seja remettido ao poder judicial, cujas attribuições muito convém á ordem publica, á estabilidade do systema constitucional, que não usurpemos.

O Sr. Bastos: - Por isso mesmo que o Congresso se não deve ingerir nas attribuições do poder judicial, como diz o Sr. Bento Pereira, he que o Congresso deve revogar tudo o que tem feito em prejuiso do supplicante, e do commercio. O caso he mui simples.

Sobre as questões entre Jeronymo de Arantes, e Antonio Martins Pedra filho e companhia proferiu-se um acordão na meza grande da Casa da Supplicação, Antonio Martins Pedra filho e companhia aggravárão para o Congresso, e este na decisão que proferiu veio a revogar aquelle acordão, fazendo uma manifesta invasão no poder judiciario, contra o determinado nas Bases da Constituição. A decisão do acordão foi conforme á lei, a do Congresso foi contraria a ella. O acordão determinou a providencia, que conciliava os interesses das partes, e os do commercio, e o Congresso favorecendo demasiadamente uma das partes prejudicou a outra, e o commercio. Estando o navio Oceano não só com mais das vinte toneladas, de que trata a lei, mas com mais de meia carga, não se podia impedir a sua navegação, nem exigir-se fiança para ella ter lugar; porque por uma parte nenhum artigo de legislação havia que a exigisse, e por outra todo o direito dos credores, se he que os havia, ficava Sobejamente acautelado com a obrigação dos officiaes do navio, e com o seguro deste. Por virtude daquella obrigação, se o navio não fosse victima de alguma tempestade, ou de algum corsario, de maneira que se seguisse a impossibilidade de voltar ao porto de Lisboa, necessariamente os ditos officiaes a elle o havião de trazer, e seguindo-se essa impossibilidade, estava o direito dos credores completamente acautelado pelo seguro. A que fim pois se havia de obrigar de mais a mais o dono do navio a prestar uma fiança, prohibindo-se-lhe na falta della a navegação do navio, sem damno manifesto do dono, e dos carregadores, e com notoria infracção me um julgado, e da lei? Diz um dos pareceres, que acabo de ouvir ler, que o supplicante está em contradicção; pois queixando-se de que o Congresso se intromettesse nas attribuições do poder judicial, sujeita de novo á sua decisão o caso em disputa, approva e requer a um tempo aquillo que condemna!

O supplicante está bem longe de cair no contradicção que se lhe imputa. O que elle pede não ha que o Congresso decida uma questão judicial, mas que ordene que fique sem effeito uma decisão incompetente, em que o poder legislativo revogou outra do poder judicial: o que elle pede he que se reduza tudo áquelle estado, de que não devera ter saído, e que se restabeleça o equilibrio dos poderes, que se alterou e confundiu. Consequentemente, reprovando o parecer que abona os precedentes, e as deliberações que te tomarão em sua conformidade, approvo o que se dirige á sua revogação, excepto na parte em que conclue que, a dar-se algum recurso do acordão de que faiei, devia ser para o poder executivo; pois he incontestavel que tão absurdo seria o recurso para o executivo, como o foi para o legislativo. ( Apoiado, apoiado).

O Sr. Borges Carneiro: - Pelo que vejo esta questão he mui simples. Este credor tinha sentença pula sua divida; e mandando fazer penhora, moveu-se a questão se podia fazer-se no navio do devedor, e sua canja. Esta duvida decidiu-se ultima e definitivamente por acordão da meza grande da casa da supplicação. O credor que se considerou aggravado com o acordão, em vez de pedir uma revista, (se he que ella lhe podia competir) recorreu ao Congresso, o qual, falemos francamente, por não ter o conhecimento pratico dos negocios que tem agora, ou porque naquelle tempo convinha annuir ás innumeraveis queixas que havia contra o poder judicial, tomou conhecimento do caso, e revogou o acordão da Relação. Não podemos hoje deixar de confessar que não se fez bem em se entrar nos limites do poder judicial, e por consequencia não temos agora mais do que dizer, não pertence as Cortes; e que a primeira decisão que elles derão fica sem effeito algum, restituido o processo ao statu que ante bellum, pois segundo a Sapientia, sapientii est mutere consilium.

O Sr. Lino: - Parece-me que se deve declarar que todos os requerimentos feitos sobre este objecto não pertencem ao Congresso, e por consequencia ficão sem effeito, assim como a primeira resolução.

O Sr. Freire: - Aqui já houve um caso igual a este com os Abbades de .... que tudo ficou sem effeito algum; eu não estou bem ao facto deste caso; porem parece-me que ella não pertence ás Cortes, e que tudo quinto se tem praticado deve ficar sem effeito.

O Br. Marfins Bastos: - Eu não posso falar, nem assignei este parecer, pois que me dei por suspeito nelle; o que eu requeria he que este negocio se não decidisse sem estarem presentes os Membros da Commissão para elles darem as razões que tiverão para o assignar, e aclarar o Congresso. O negocio he muito serio; e se se decidir já, talvez iremos transtornar direitos que jamais podarão ler recursos: por tanto eu tenho a propor que fique este negocio adiado em quanto se não acharem presentes ao menos dois Membros da Commissão.

O Sr. Lino: - Aqui não deve haver contemplação alguma; o Congresso não ha infallivel, elle deve fazer justiça; e se a não fez, então deve agora revo-

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gar a sua resolução, até mesmo porque resolveu sobre uma sentença dada pelo supremo tribunal, com o qual o Congresso se não póde intrometer. O primeiro dever, e a primeira honra do Congresso he fazer justiça, e limitar-se nas raias da sua autoridade.

O Sr. Martins Bastos: - Quando aqui se tratou deste negocio, e se decidiu foi com todo o conhecimento de causa; e por esta mesma razão he que eu requeria que a resolução actual fosse tomada com tanto conhecimento de causa como então.

O Sr. Girão: - A mim tem-me sido entregues alguns papeis impressos relativamente ao negocio deste homem, e tenho conhecido quanto elle he infeliz; e se eu vejo que ainda fica adiado, então digo que a sua infelicidade não tem limites; a questão está decidida, e deve-se tomar uma resolução final.

O Sr. Borges Carneiro: - Sr. Presidente, queira V. Exc. propor se este negocio pertence ás Cortes ou não. Se se vencer que pertence, então se continuará na sua discussão.

Poz o Sr. Presidente a votos o parecer, e foi rejeitado, decidindo-se que ficassem sem effeito todas as resoluções das Cortes sobre o negocio que fazia o seu objecto, e todas as ordens que em consequencia daquellas resoluções se tem expedido.

Leu-se, e foi approvado o seguinte

PARECER.

A Commissão de justiça civil viu o requerimento de D. Maria José da Costa, viuva do capitão mór Francisco Bernardo Osorio, a qual supplica revista de praça especialissima contra as sentenças da casa da supplicação, que revogando outra de uma das varas do eivei da corte, a sujeitarão a pagar á recorrida Anna de Jesus mais de novecentos mil réis de expensas litis.

A Commissão desejando desenganar-se pelos seus proprios olhos da verdade ou affectação da queixa da requerente avocou os autos, e examinando-os attentamente, apesar de constarem quasi de mil folhas, passa a informar este soberano Congresso do contexto de um processo notavel, e muito notavel no foro pelas singularidades de que abunda. He notavel que a misericordia desta cidade offerecesse contra a requerente e sua fallecida mai um libello, pedindo-lhes as despezas de criação e alimentos de uma exposta, que dizia filha natural do fallecido pai da dita recorrente, em quanto aquella exposta, que he a recorrida, estivesse debaixo do patrio poder della misericordia; porem he muito mais notavel, que sendo os autos por effeito de declinatoria remettidos ao juizo de Torres Novas, este arbitrasse a fo. 20, e, dizendo que para expendas litis, tres mil réis mensaes á misericordia desta cidade.

He notavel que pedindo a mãi da recorrente vista deste arbitrio embargavel nos proprios autos, se lhe mandasse dar em separado; porem parece ainda mais notavel, que tendo aggravado deste despacho para a correição, e desta para a casa da suplicação, nem alem, nem aqui tivesse provimento como consta a foi. 28, foi. 36 v., fol. 52, e fol. 60.

Foi este ultimo accordão proferido em 12 de Janeiro de 1802, tirou a misericordia sua sentença e sobre sentença, como provão as certidões fol. 401, e foi. 406 para cobrar as custas, pois que a taes accordãos sobre aggravo não competia outra execução; porem he notavel, 1.° que tendo findado a força dos citados accordãos com o pagamento das custas; 2.° que devendo finalisar a acção principal, tanto que a recorrida saísse da misericordia; 3.º que tendo a mencionada acção principal dormido quinze annos e quasi quatro mezes, appareça depois a recorrida em 9 de Maio de 1817, fazendo citar a recorrente para a ver habilitar, e ver se habilitar nesses autos findos do instrumento do aggravo.

Julgou-se a habilitação a foi. 68 v. apesar da opposição da recorrente, e he natural que requerendo a recorrida sentença com salva desses autos findos da aggravo, se lhe mandasse passar, não para ajuntar aos autos da acção principal e como habilitada poder extrabir sentenças do arbitramento das expensas litis y mas para se fazer a conta a estas expensas litis de todo o tempo em que parece ter dormido a causa principal, e não haver por isso motivo para se deverem taes litis expensas.

Contárão-se com effeito as expensas litis, não á misericordia, porém á recorrida, e citada a recorrente para o pagamento, pediu vista para embargos de nullidade, e erro de contas, e he notavel, que tendo-se-lhe mandado dar nos proprios autos de sentença com salva, não teve este despacho execução, porque os accordãos foi. 151 e foi. 159 v., a mandarão dar em separado.

Procedeu-se a penhora nos bens da recorrente por effeito das sentenças que havião denegado o provimento ao aggravo de recusar o juiz vista com suspensão do arbitramento das expensas litis, e embargando a recorrente, forão a foi. 234 v. mandados separar dos autos de penhora os seus embargos, de que a recorrente desistiu, com o pretexto de usar do meio, de defeza que lhe competisse como se vê a fol. 236, e considerando-se como terceira sentença, e possuidora dos bens penhorados, pediu vista para embargos de terceiro, e dando-se-lhe, involveu na materia destes embargos as nullidades que obstavão ao progresso daquella execução, e recebidos taes embargos, e contestados a foi. 299, arrazoados a final, involvendo-se nas alienações d'uma e outra parte as nullidades; forão julgados provados pelo corregedor do eivei da Corte na sentença foi. 417 v., porem aggravando a recorrida ordinariamente, obteve a seu favor os accordãos foi. 443 v., foi. 558, e foi. 593 v., que condemna a recorrente a pagar as sobreditas litis expensas (as quaes com custas importavão em 954:415 réis, como se vê a fol. 899) lhe deixarão direito salvo para tratar das nullidades por meio competente.

Tal he a historia summaria de um processo a que por bastantes titulos se póde dar o nome de celebre no foro: a Commissão se abstem de patentes o juizo que a respeito do mesmo o dos accordao só preditos faz, parque não pareça invadir attribuições do Poder judiciario; porem attendendo ao que exposto fica, e dos autos consta, se persuade que a re-

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corrente tem sufficientes motivos de queixa contra os accordãos mencionados, e que este Congresso soberano a deve soccorrer com o remedio que supplica: e em taes termos.

Parece á Commissão que á recorrente deve conceder-se dispensa do lapso do tempo para requerer revista contra aquelles accordãos no Desembarco do Paço. Paço das Cortes 5 de Novembro de 1821. - Carlos Honorio de Gouveia Durão; Luiz Martins Bastos; Manoel de Serpa Machado; Pedro José Lopes de Almeida; Francisco Barroso Pereira.

Designou o Sr. Presidente, para a ordem do dia na immediata Sessão do dia 30, a continuação do projecto de Constituição, e na prolongação, um parecer adiado da Commissão de guerra, e a continuação do projecto de organização provisoria das camaras.

Levantou-se a sessão depois das duas horas da tarde. - João de Sousa Pinto de Magalhães, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza attentando ao que lhe foi representado por D. Maria José da Cosia, viuva do capitão mór Francisco Bernardo Osorio, ácerca de uma execução, que lhe move Anna de Jezus no juizo da correição do civel da corte, escrivão José Teixeira Pinto Chaves Cabral, pela quantia de 954:154 réis, como consta dos autos juntos, que forão transmittidas ao soberano Congresso pela Secretaria de Estado dos negocios da justiça em data de 17 de Outubro de 1821: resolvem que fique dispensado o lapso do tempo para que não obstante a lei em contrario possa a recorrente D. Maria José da Costa requerer revista no desembargo do paço contra os accordãos proferidos a final na referida causa. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exc. Paço das Cortes em 18 de Fevereiro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Ignacio da Costa Quintella.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ficão inteiradas do conteudo nos tres officios inclusos do governador da provincia do Maranhão Bernardo da Silveira Pinto, datados em 2, 23, e 23, de Novembro 1821; e designados com os numeros 42, 46, e 47, os quaes forão transmittidos ao soberano Congresso pela Secretario de Estado dos negocios da marinha em data de 15 do corrente mez, e mandão remetter os mesmos officios ao Governo para os fins que achar convenientes. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 18 de Fevereiro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Candido José Xavier.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor: - As Cortes Geraas e Extraordinarias da Nação portuguesa mandão remetter ao Governo, para os fins que julgar convenientes, o incluso officio da junta provisoria do Governo de Parahiba do Norte em data de 14 de Dezembro de 1821, expondo que estendendo a medida de cautela, que havia tomado a respeito de José Maria Correa sargento mór do regimento de milicias de brancos daquella cidade, remette tambem ao soberano Congresso a Manoel Maneio Judice Biquer, sargento mór do mesmo regimento. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 18 de Fevereiro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DE 20 DE FEVEREIRO.

ABERTA a sessão sob a presidencia do Sr. Serpa Machado foi lida, e approvada a acta da antecedente.

O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os officios e documentos seguintes.

Um officio do Ministro do Interior, ácerca da consulta da Mesa da consciencia e ordens, firmada Sobre a representação do escrivão da real camara, e do mestrado da ordem militar de S. Thiago da espada, pedindo providencias ácerca da confusão e desordem, a que se achão reduzidos os bens da dita ordem militar. A Commissão militar.

Um dito do Ministro da fazenda, enviando as tres certidões, que faltavão dos encabeçamentos das comarcas de Lamego, Tentugal, e Evora: ficando deste modo inteiramente cumprida a ordem das Cortes. A' Commissão de fazenda.

Um dito do mesmo, remettendo uma consulta do Conselho da fazenda, ácerca da duvida que lhe occorre, á vista do decreto de 25 de Abril, de passar titulo a D. Marianna Catharina Peregrina Clara da Conceição, de certa mercê de sobrevivencia. A' Commissão de fazenda.

Um dito do Ministro da marinha, ácerca da urgente precisão de se comprar uma porção de ferro para as obras do arcenal da marinha, não se podendo assim proceder sem a resolução do Conselho da Junta da fazenda da marinha;, avista da proposição, que por ordem do soberano Congresso fizera á mesma Junta o seu antecessor. A' Commissão de fazenda.

Mais do Ministro da guerra o seguinte officio.

Illustrissimo e Excellentissimo. Senhor. - Tenho a honra de transmittir a V. Exca., para o fazer presente ás Cortes deraes e Extraordinarias da Nação portugueza, o requerimento incluso do Capitão do 4.° regimento de cavallaria Bernardino Mascarenhas da

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