O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 206

[206 ]

blico entende falar na segunda parte da mesma portaria. O que participo a V. Exca. para sua intelligencia e execução.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 22 de Agosto de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DE 23 DE AGOSTO.

Aberta a sessão, sob a presidencia do Sr. Freire, lea-se a acta da antecedente, que foi approvada.
Mandarão-se lançar na acta as seguintes declaracões de voto: 1.ª (do Sr. Ferreira Borges) Fui de voto sobre o artigo 207, que em voz do contribuições directas, se dissesse contribuição directa; e que adiante da palavra rendimento, se acrescentasse dos bens de raiz. 2.ª (dos Srs. Serpa Machado, Van Zeller, e Soares de Azevedo) Declaro que na sessão de ontem 22 de Agosto fui de voto, que alem dos corpos militares permanentes, e de milicias, estabelecidos na Constituição, senão firmasse por artigo constitucional o estabelecimento de outros corpos armados de qualquer denominação; devendo ficar livre às Cortes ordinarias o constituilos segundo melhor convier.
O Sr. Secretario Felgueiras, dando conta do expediente, mencionou os officios e papeis seguintes:
1.° Um officio do Ministro dos, negocios da justiça, remettendo outro do Juiz de fóra da Messejana, em que representa as razões porque não póde subsistir no lugar. Passou á Commissão de fazenda.
2.º Outro officio do mesmo Ministro, remettendo um extracto da conta dada pelo reverendo bispo de Cabo Verde em data de 2 de Fevereiro, representando a necessidade de um seminario na cidade de Ribeira Grande para educação de alguns ecclesiasticos que dignamente sirvão a Igreja. Passou á Commissão ecclesiastica de reforma.
3.º Um officio do Ministro da fazenda, assim concebido: - Illustrissimo e Excelentissimo Senhor. - Achão-se nas manadas de Alter do Chão seis machos serris, e onze mulas com a idade de quatro e meio annos, pouco mais ou menos. Similhantemente se achão vinte e sete poldros de mais de quatro annos, nas manadas d'Azambuja. Este gado vai a deteriora-se, porque estando em tempo de se recolher a cavalhariçs*, faz-se indomito, e difficultoso o seu ensino; além de comer as pastagens, e gostadouros que com utilidade devião servir para gado de idade propria. Os cavallos e bestas de quatro annos sempre se recolherão às cavalhariças da coroa; e consistião os recebimentos em quarenta poldros, e quarenta cabeças de gado muar com pouca differença para mais ou para menos. As mesmas cavalhariças davão por anno, á roda de sessenta cavallos pais, para lançamentos particulares, em que o Reino não deixava de interessar, não só por serem gratuitos, mas até pella belleza Já ruça. A despeza e conhecimento das ditas manadas, acha-se de presente commettida ao thesouro publico nacional, em quanto o soberano Congresso não dá sobre este importante objecto de caudellarias, efficazes, e uteis providencias; mas visto que o gado que se acha nas circunstancias de ser recolhido se vai arruinando, e que em parte a despeza das mesmas manadas, he feita á custa dos rendimentos da Serenissima Casa de Bragança; parece conveniente que as dezesete cabeças de gado muar, e os vinte e sete poldros de que acima falei, se mandem entregar nas cavalhariças de Sua Magestade; com a condição porém de que pelas cavalhariças se dêm para os lançamentos particulares no anno futuro de 1823, até sessenta cavallos, visto não estar ainda sytemado este ramo de administração publica.
Desta providencia segue-se o beneficio de haver cavallos pais, que não se encontrão, nem os ha com abundância, e sem dispendio; resultando tambem as crias de que tanta necessidade tem o exercito e o Reino. Digne-se V. Exca. fazer presente o referido ao augusto Congresso, para determinar o que for mais útil. - Deus guarde a V. Exca. Lisboa é 21 de Agosto de 1822. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor João Baptista Felgueiras. - Sebastião José de Carvalho.
Foi mandado remetter á Commissão militar, reunindo-se á de agricultura, e fazenda.
4.º Um officio do Ministro da guerra, participando ter expedido as ordens necessarias, para se verificar o offerecimento feito a beneficio das urgencias do Estado, pelo juiz de fóra de Penamacor José Pereira de Carvalho. Ficarão as Cortes inteiradas.
5.° Outro officio do mesmo Ministro da guerra servindo pelo da marinha, remettendo os partes dos registos do porto, tomados no dia 21 de Agosto á galera portugueza Trajano, vinda do Rio de Janeiro, bergantim portuguez Pensamento Feliz, vindo do Pará, e securas portuguezas Conceição, vinda do Funchal, e S. Antonio Vigilante, vinda de S. Miguel. Ficárão as Cortes inteiradas.
6.° Um officio do governador das armas da provincia do Pará, acompanhando duas protestações do firme adhesão ao systema constitucional, dos officiaes, cadetes, e officiaes inferiores dos corpos da 1.ª, e 2.ª linha da provincia, por occasião da chegada áquelle porto da escuna Maria da Gloria, mandada em commissão do Rio de Janeiro. Forão ouvidas com especial agrado as protestações.
7.º Uma queixa do cidadão José Caetano Ribeiro da Cunha contra João Anastacio da Cunha, ex-escrivão da fazenda da mesma provincia, que foi mandada remetter á Commissão de petições; bem como outro requerimento dos habitantes da capital, que pedião que ficasse chamando para o futuro Praça da Constituição, ao largo do palacio; que foi mandado á Commissão de Constituição.
8.° Um officio da junta do governo do Pará, participando o embarque para esta capital do Deputado substituto pela comarca do Rio Negro João Lopes da Cunha; de que as Cortes ficarão inteiradas.
9.° As segundas vias de varias outras representa coce da junta do Pará, que, por se ter dellas dado

Página 207

[207]

já conta ao Congresso, se mandarão ficar estas na secretaria: e o mesmo destino se deu às segundas vias de outros officios do conselho militar da divisão, dos voluntarios reaes de EI Rei, de cujas primeiras vias já se havia dado conta.
10.° Um protesto de indissoluvel união a Portugal, e inalteravel adhesão ao soberano Congresso, e Governo de Portugal, como legitima sede da Monarquia portugueza, e unico centro dos poderes contitutivos da soberania nacional, feito, e assignado pelo governador do bispado do Pará, em seu nome, e de todo o clero daquella diocese; que foi ouvido com especial agrado.
11.º Uma carta do Sr. Deputado Bandeira, pedindo mais um mez de licença para continuação dos seus banhos; que lhe foi concedido.
12.° Outra do Sr. Deputado Zefyrino dos Santos, participando o impossibilidade de assistir ás sessões por falta de saúde: e se lhe concederão quinze dias de licença.
13.º Outra do Sr. Deputado Mantua, pedindo licença pelo mesmo motivo: e se lhe concederão tambem quinze dias.
14.° Um diploma do Deputado substituto pela comarca de S. José do Rio Negro, João Lopes da Cunha, que foi mandado remetter á Commissão de poderes.
15.º Uma representação da camara da villa das Alagoas, que foi mandada remetter á Commissão de petições.
16.º Um offerecimento de 150 exemplares de um sermão recitado na sé desta cidade por Marcos Pinto Soares Vaz Preto, ex-prior de Alhos Vedros, para se distribuirem pelos Srs. Deputados; o que se verificou.
Feita a chamada, achárão-se presentes 121 Deputados, faltando com licença os Srs. Gomes Ferrão, Arcebispo da Bahia, Sepulveda, Feijó, Borges de Barros, Lyra, Bettencourt, Trigoso , Jeronymo José Carneiro, Costa Brandão, Almeida e Castro,
Queiroga, Mantua, Ferreira da Silva, Castello Branco, Annes de Carvalho, Belford, Faria de Carvalho, Gouvêa Osorio, Faria, Lino Coutinho, e Almeida, Zefyrino dos Santos, Araujo Lima, Bandeira, Salema: e sem causa legalizada os Srs. Ribeiro Costa, Bernardo de Figueiredo, Bispo de Béja, Bueta, Lourenço da Silva, Varella.
Passando-se á ordem do dia entrou em discussão a indicação offerecida pelo Sr. Guerreiro, para substituir a de Sr. Xavier Monteiro, relativa ao modo de formar a Deputação permanente (v. sessão de 22 deste mez, pag. 202).
O Sr. Borges Carneiro tendo pedido a palavra, disse: - Na indicação do Sr. Guerreiro, e nas outras que sobre o mesmo objecto se offerecerão, acho pouco decorosa restringir-se a hypothese de disidencia sómente ás provincias do Ultramar, suppondo que só ellas são susceptiveis de rebellião, e fazendo deste delicto expressa menção, como que ao fazer da Constituição se teve já em vista o eetado dissidente de algumas dellas. A mim me parece que este additamento deve ser exprimido por uma hypothese geral, isto he, commum a todas as partes do Reino-Unido, e sem se fazer manção alguma de rebellião. Assim concebido eu o julgo indispensavel, pois se algumas provincias para o futuro se separassem, seria absurdo manter-se a respeito dellas a regra porque aqui se manda formar a Deputação permanente: e como nessa formação não ha proporção nem com as provincias separadas, nem com a população dellas, eu rejeitaria tambem as outras indicações que trazem a palavra proporção, e a conceberia assim: Se algumas provincias do Reino-Unido vierem a perder o direito de serem representadas nas Cortes, proverão estas sobre o modo de se formar a Deputução permanente. Nem só diga que esta indicação está já prejudicada pela rejeição da do Sr. Xavier Monteiro: pois essa falava sómente das provincias do Ultramar, e não das de todo o Reino-Unido; e contentava-se com deixare ellas de ter perfeita obediencia ás leis, e ao Governo de Portugal, e eu exijo que ellas tenhão deixado de ser representadas no Congresso.
Declarada a matéria sufficientemente discutida poz o Sr. Presidente a votos a indicação, e não foi approvada. Propondo então á votação a que offereceu o Sr. Borges Carneiro, foi approvada, salva a redacção, e com a declaração de que nesta se tivesse em vista que o modo de que se fala na dita indicação não dizia respeito ao numero, mas unicamente ao modo da organização. Em consequencia desta decisão ficou prevenida a indicação que sobre o mesmo objecto offerecêra o Sr. Andrada na sessão antecedente, e prejudicada a do Sr. Castello Branco Manoel offerecida na mesma sessão.
Passou-se a discutir o seguinte

PARECER.

Havendo-se reenviado á Commissão de redacção da Constituição os numeros II é III do artigo 62 - b, a pag. 42, por ter desagradado que os domingos das reuniões fiquem incertos, e o complemento das eleições dependente de chagarem às respectivas cabeças todos os portadores dos autos das respectivas dependencias; parece á Commissão que estes dois numeros se podem reduzir a um, conformando-o com o n.º I pela forma seguinte:

Ao artigo 68 - b.

II. Na província da ilha da Madeira, e em todas as do Ultramar, as reuniões das assembléas da cabeça da divisão eleitoral (artigo 63), e, no segundo escrutínio, as de freguezia, de concelho, e de cabeças de divião, se farão no domingo, que designar a autoridade civil superior da provincia, e será o mais proximo possivel. Nas ilhas dos Açores fará esta designação a autoridade superior da respectiva divisão.
Parece tambem á Commissão que será conveniente accrescentar-se o seguinte

Art. 68 - c.

No caso de segundo escrutinio, os mesarios que houverem levado os autos de eleição de Benguella a Angola; de Bissáo a Cacheu a Cabo Verde; das de-

Página 208

[208]

pendencia remotas de Moçambique a esta cidade; e se Solor e Timor a Macáo, voltarão em qualquer das assembléas de freguezia, que se hão de reunir nas cabeças destas divisões para o segundo escrutínio, ficando este assim supprido nas ditas dependencias. Manoel Borges Carneiro; José Joaquim Ferreira de Moura; Luiz Nicoláo Fagundes Varella.
Feita a leitura desta nova redacção, disse O Sr. Borges Carneiro: - Deste modo o 2.° e o 3.° numero ficão reduzidos a um só. Para o Ultramar não se pode determinar fixamente quaes hão de ser os domingos em que se reunão as assembléas, porque isto depende de viagens longas ou das monções irregulares do mar. O mesmo digo, v. gr. das ilhas de Cabo Verde, e de Timor e Solor, a respeito de Macáo. Não se póde entrar na especificação de designar em uma Constituição tal ou tal domingo. Só a autoridade civil superior de cada província póde commodamente determinalo, ordenando mesmo que se mande uma embarcação a esta ou áquella ilha. Na Constituição o mais que só póde e deve fazer he recommendar-se que seja no domingo mais proximo possivel; no que se conforma este numero com o primeiro.
O Sr. Macedo: - Acho falta de coherencia em que seja para Portugal um artigo constitucional a designação dos domingos em que se hão de celebrar as eleições, e as juntas seguintes, e que o não seja para o Ultramar. Mas se não he possível designar na Constituição estes dias, attentas as circunstancias particulares daquelles paizes, embora sujeitemos isto a uma lei regulamentar, que haja de fazer-se quando houver mais exactas informações, e que possa alterar-te quando assim pareça necessario às Cortes subsequentes; porém de forma nenhuma deixemos um tão importante objecto dependente do capricho das autoridades. Parece-me que este he o partido mais razoável que podemos adoptar, uma vez que se reconhece a impossibilidade de marcar já aquelles dias na Constituição.
O Sr. Borges Carneiro: - Na Constituição já está determinado o domingo para as assembléas primarias, que he o que mais importa. Quanto aos domingos para as assembléas subsequentes basta que a autoridade civil superior da província os designe, e não vejo razão para se não admittir esta mesma regra para iodas as assembléas do segundo escrutinio.
Procedendo-se á votação, foi approvado o artigo novamente redigido, até às palavras mais proximo possivel. A ultima parte relativa às ilhas dos Açores foi rejeitada, approvando-se em seu lugar a doutrina do N.° II, na forma porque se acha lançado na Constituição, supprimidas porém as palavras em todo o Ultramar, e declarando-se que debaixo da expressão ilhas adjacentes se comprehende a ilha da Madeira, e que fica por isso sem effeito a generalidade com que fora approvada a doutrina proposta agora pela Commissão. Foi igualmente approvada a doutrina do N.º III na forma lançada na Constituição até às palavras as copias (art. 63 - b) 4 e o resto da maneira seguinte: as reuniões de concelho no domingo seguinte ao referido, e as de cabeça de divisão no 1.° domingo, depois que a ella chegarem os portadores de todos os autos das eleições da divisão.
Propoz o Sr. Miranda verbalmente, que as primeiras assembléas, ou sejão formadas de uma ou mais freguezias, ou parte dellas, se ficassem as assembléas primarias: e se decidiu que sim.
Passou-se ao artigo proposto pela Commissão, para se collocar debaixo do n.° 68 - c, e sendo posto a votos, não foi approvado como está.
Propoz o Sr. Margiochi que as eleições dos Deputados nas divisões do Benguela, Angola, Moçambique, e Macáo, se fação por pluralidade relativa em 1.° escrutinio; e havendo duvida se podia haver votação sobre esta proposta, o Sr. Presidente propoz á votação: 1.° Se podia haver lugar a votação? e venceu-se que sim. 2.° Se acaso se approvava a proposta? e venceu-se que não.
Propoz então o Sr. Presidente se no eccrutinio das divisões de Benguella, Angola, Moçambique, e Macáo, votem sómente aquelles eleitores que se poderem reunir em um prazo tal, que não retarde consideravelmente o processo das eleições? E posto à votação, foi approvado.
Passou-se a tratar da redacção dos artigos addicionaes para o Brazil, apresentados pela mesma Commissão de redacção. (V. a sessão antecedente pag 205).
O artigo 1.º foi approvado, com a clausula de que expressamente se declare na Constituição, que o Príncipe Real successor da coroa não póde ser membro desta regencia, na forma que já se achava vencido.
Entrou em discussão se os Príncipes e Infantes devem igualmente ser privados de serem membros da regência do Brazil: e posto á votação, venceu-se que sim; e que igualmente assim se declarasse na Constituição, naquella parte que á Commissão melhor parecesse a sua collocação.
Approvou-se o artigo 2.° como estava.
O artigo 3.º foi approvado, accrescentando-se depois da palavra referendará, as seguintes: os decretos, ordem, e mais diplomas pertencentes á sua repartição.
O artigo 4.° foi approvado, accrescentando se o termo logo, depois da palavra dando; dizendo-se: dando logo conta ao Rei.
O artigo 5.º foi approvado, accrescentando-se unicamente ao seu n.° II as seguintes palavras: e os presidentes das relações.
Por esta occasião se tomou em consideração, e foi approvado o seguinte

PARECER.

Na sessão de 8 do corrente Agosto, mandou-se que fossem tomadas em consideração pela Commissão encarregada dos artigos addicionaes á Constituição para o Brazil, quatro indicações offerecidas na discussão do projecto n.° 288; uma do Sr. Camello Fortes, tendente a inhibir a regencia do reino do Brazil, de prover não só os lugares do tribunal supremo de justiça, segundo dispõe o n.º II. artigo 10.° do dito projecto, mas tambem alguns outros lugares, que fossem declarados no regimento da mesma regencia.

Página 209

[209]

Á Commissão parece que sendo o fim unico do estabelecimento daquella regência o facilitar a administração e recursos do Brazil, tanto quanto for compatível com a união daquelle reino ao de Portugal, seria contraria a este justissimo fim, a pretendida restricção do poderes, que em nada atacão a união desejada, não sendo exercitados por autoridade própria, sim por delegação; alem de que qualquer restricção a similhante respeito atacaria o vencido na acta; pois sendo o citado artigo concebido nos termos seguintes: Não poderá prover os lugares do tribunal supremo de justiça; e tendo sido approvado sem clausula, ou modificação alguma, ficou assim tambem vencido que podesse prover os outros lugares, contra o que pretende o illustre, autor da indicação.
Outra do Sr. Fernandes Thomaz, o qual propõe que no regimento da regencia se possão ampliar, ou restringir os artigos addicionaes; e parece á Commissão que estando, como estão, já sanccionados os referidos artigos, sem ampliações ou restrições; e formando parte da Constituição, não podem ser alterados, e muito menos por uma lei regulamentar.
Outra do Sr. Soares de Azevedo, propondo se addicione ao 4.° artigo do n.º X., -que a regencia não possa dirigir negociações algumas diplomaticas de qualquer natureza que sejão: parece á Commissão que he redundante esse addicionamento por estar muito claramente comprehendida a sua matéria nos termos do referido artigo que são os seguintes: Nomear embaixadores, consules, e mais agentes diplomaticos, e fazer tratados politicos e commerciaes com os estrangeiros, declarar guerra offensiva, e fazer a paz.
Outra do Sr. Castro e Silva, propondo que a regencia, e o tribunal supremo de justiça do Brazil se componhão a ao de tantos membros brazileiros, quantos europeos: parece á Commissão que sendo muito importante as funcções desta regencia, sendo todas relativas ao Brazil só, e não podendo ser exactamente preenchidas por quem não conhecer bem as localidades, interesses, e costumes daquelle; reino, El Rei não os encarregará jamais a pessoas que por falta de taes conhecimentos não possão cumprilas perfeitamente, e preferirá sempre as que, ou pelo nascimento, ou pelo domicilio no Brazil estejão mais habilitadas para o bom desempenho da sua delegação; muito principalmente quando na escolha dos membros da mesma regência, e dos secretarios della, deve ser illustrado pelo conselho de Estado, pelo que vem a ser desnecessario restringir a faculdade da escolha, taxando classes, e o numero de cada uma; e muito mais desnecessarias parecem á Commissão taes restricções na escolha dos membros do tribunal supremo de justiça, cujo emprego não depende de conhecimentos locaes, sim de outros communs aos habitantes do Brazil, e aos de Portugal. Sala das Cortes 19 de Agosto de 1822. - Luiz Martins Basto; Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva; João Fortunato Ramos dos Santos; José Feliciano Fernandes Pinheiro.
O Sr. Borges Carneiro propoz que ao artigo 5.° se accrescentasse outro numero, em que se determinasse que a regencia tambem não podesse dar beneplacito a quaesquer decretos de concilios, letras pontificias, ou constituições ecclesiasticas, que contenhão disposições geraes: e assim se approvou.
Passou-se ao artigo 6.º, e foi approvado como estava.
Levantou-se a Sessão depois do meio dia. - Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Silvestre Pinheiro Ferreira.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinárias da Nação portugueza tomando em consideração o officio do Governo expedido pela secretaria de Estado dos negocios estrangeiros em data de 31 de Julho do presente anno, na parte relativa às tropas da divisão de voluntários reaes, que se achão em Monte Video: resolvem que o Governo está autorizado para remover daquella provincia as referidas tropas da divisão de voluntários reaes, e seu estado maior, dispondo dellas, segundo julgar conveniente e honroso ao publico serviço, e empregando os meios necessarios para restaurar a sua disciplina e subordinação. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 23 de Agosto de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão
__________________

SESSÃO EXTRAORDINARIA DE 23 DE AGOSTO.

Aberta a sessão á uma hora e meia da tarde, sob a presidencia do Sr. Freire, continuou a discussão do parecer da Commissão diplomatica sobre a evacuação de Monte Video (V. a Sessão de 20 do corrente pag. 188). Para apoiar o referido parecer, disse
O Sr. Pamplona: - Sr. Presidente, peço a palavra para falar sobre a ordem. Se esta questão se tratasse hoje como se principiou a tratar sexta feira passada, ella seria interminável. Um illustre Deputado começou a falar sobre o parecer da Commissão em sentido muito diverso delle. Elle tratou a questão como se a Commissão quizesse a evacuação de Monte Video, quando pelo contrario a Commissão mantém a decisão do Congresso de 2 de Maio, e só trata de ser conveniente a remoção dos voluntarios rease de El Rei; e então a respeito destes foi a Commissão de parecer que o Governo podesse empregar estas tropas, quando, e pelo modo que conviesse ao decoro do reino unido. Não se disse ao Governo que tirasse dalli aquella tropa, mas sim que exercitasse elle aquelle mesmo poder que já tem, porque ninguém pode duvidar, que o Governo poderia fazer sair de Monte Video a divisão dos voluntarios reaes, bem como mandou sair de Lisboa o regimento n.° 24, e chamar o regimento n.° 23, e he de desejar que et diga ao Governo, que se penetre da consciencia de suas attribui-

TOMO VII

Dd

Página 210

[210]

ções, e que não pergunte mais ao Congresso o que está na esfera da sua autoridade. A Commissão tambem não disse que não acceitava o acto de incorporação; disse sim que lhe parecia conveniente acceitalo por agora. Para isto fundou-se na falta de autoridade no chefe que convocou o Congresso da provincia, e em muitas outras considerações que a Commissão expõe, como tambem por falta de execução das instruções que se derão ao Barão de Laguna, por ser ignorado pelo povos que no Congresso se tratava um assumpto politico de tanta transcendencia, como arguiu um dos Deputados; além de varias outras considerações, que a Commissão expendeu, considerações que extremou do grande numero de documentos officiaes, que estão sobre a meza. Todas estas razões levarão a Commissão a concluir que por ora não se acceitasse o acto de união, em quanto não constasse com clareza a adhesão dos povos ao mesmo acto. He certo que depois nos constou, que tinha sido nomeado um Deputado para quelle Congresso, mas tendo elle tido demorado no Rio de Janeiro não sabemos como fui eleito, nem os poderes de que vinha munido, o que he mais um motivo para sobreestar a uma decisão final. Além de que tenho a observar que não está no nossa liberdade tomar esta decisão, ainda quando os povos estiverem de acordo a decidir sobre a união, e ainda que com effeito estivesse legitimamente representados; nós temos relações particulares com a Hespanha, das quaes depende a nossa determinação. A politica e a prudência dirigirão a Commissão sobre este parecer. Peço pois a V. Exca. que resuma estas duas questões, e que as ponha em separado, porque primeiro a Commissão não propõe se não dizer ao Governo, que está nos suas attribuições o remover os voluntarios reaes de El Rei, por isso que lhe está incumbida a defeza do território portuguez; e depois he que occasionalmente accrescentu que isto he absolutamente necessario para restaurar a disciplina ali inteiramente perdida. Com effeito que ella o está consta claramente da communicação do general em chefe, e do conselho do primeiro batalhão de caçadores. He impossivel restaurar se ali a disciplina sem se retirarem aquellas tropas. Eu não pertendo fazer injuria ao Barão de Laguna, que eu estimo até porque muito o conheci por ter servido debaixo das minhas ordens, e o considero como um official muito benemerito; porém circunstancias melindrosas o pozerão em situação critica, de que não póde desenvolver-se com o acerto desejado, o que a Commissão mostra com evidencia no seu parecer. Reduza pois V. Exca. a questão a dois pontos: 1.º se está na autoridade do Governo remover o corpo dos voluntarios reaes de Monte Video, como convier ao serviço publico. 2.º Se se deve sobreestar na acceitação do acto de união.
O Sr. Andrada: - Sr. Presidente, desejo saber se o nobre Preopinante ha de ter outra vez a palavra, porque pretendendo falar sobre a ordem, falou bem fora da ordem: peço pois a V. Exca. que lhe não torne a conceder a palavra; isto he que he ordem.
O Sr. Presidente: - Como membro da Commissão póde falar duas vezes.
O Sr. Barreto Feio: - Limitar-me-hei a fazer algumas reflexões olhando a questão unicamente pelo lado militar. A divisão de voluntários reaes, apenas se espalhou em Monte Video a noticia de que seus companheiros d'armas havião quebrado os ferros da sua pátria, accesa de uma nobre emulação de virtude, e saudosa do seu paiz natal, determinou jurar a Constituição que fizessem as Cortes, e ao mesmo tempo requerer a sua encorporação ao exercito de Portugal, de que fora desmembrada; e para deliberar sobre o modo porque isto se poderia fazer sem compromettimento do seu general, nomeou um concelho militar. Até aqui eu não só approvaria o comportamento da divisão, mas até o julgaria digno de muitos louvores, se este conselho apenas preenchido o objecto da sua installação, se dissolvesse. Porém não succedeu assim; este monstro inteiramente novo nos fastos militares, e mais extravagante que esse que nos descreve Horacio, não só continuava a existir, mas a exercer attribuições que de nenhum modo lhe podem competir, attribuições que destroem pela base disciplina militar. Este facto nos prova que a tropa tem perdido a subordinação, e o commandante a sua autoridade. Alguns males tem já daqui resultado, mas elles nada são comparativamente áquelles, que podem, e necessariamente devera resultar, se a tempo se não tomarem as convenientes medidas.
Nestas circunstancias, deverá permanecer isolada em um paiz tão remoto, uma tropa que não quer obedecer, e um general que não póde commandar? Ninguém me dirá que sim. Então que deveremos fazer? Mandar outro general? E quem nos assegura que elle será obedecido? Que resta pois? Ou mandar retirar de Monte Video a divisão dos voluntários reas, e empregar cada um dos corpos, que a compõe, separadamente em differentes pontos da América, ou mandala regressar a Portugal. Qual destes dois arbitrios será mais conveniente nas actuaes circunstancias, delibere o soberano Congresso; mas que he indispensável adoptar um ou outro, não póde ser objecto de questão. Quando porém nenhum delles seja adoptado (o que não espero), desde já me attrevo a profetizar, que brevemente veremos (além de muitas outras desgraças) destruirem-se reciprocamente estes guerreiros, como a fabula nos diz que succedêra áquelles que nascerão dos dentes de Cadmo.
O Sr. Borges Carneiro: - A questão de boje não he (como falsamente aqui se disse na sessão passada) a mesma que em outro tempo se agitou «obre se dever ou não abandonar Monte-Video. Era essa uma questão politica pertencente às Cortes, e que ellas devião tomar em consideração, tendo presente as notas diplomaticas do gabinete hespanhol: se isto hoje se questionasse eu permaneceria provavelmente na mesma opinião que então tive. A questão porém he boje totalmente diversa, e consiste em decidir se Monte Video ha de ser guarnecido ou conservado precisamente com a divisão dos voluntários reaes, ou com outra tropa; e se ao Governo compete conservar ou retirar toda ou parte dessa divisão: questão em verdade a mais estranha n'uma assembléa legislativa, que nunca outra similhante foi certamente tratada em algum corpo legislativo da Europa, e que se o Go-

Página 211

[211]

verno a propoz ás Cortes, mostrou desconhecer as suas attribuições. Embora a poderemos nós discutir, porém sustentarei que não se possa pôr a votos, porque votando nos exporiamos a um perjúrio, isto he, a votar contra as bases juradas, segundo os quaes o emprego da força armada pertence livre e absolutamente ao Governo. Em verdade questionar aqui se o Governo ha de mudar um destacamento de uma para outra parte, se ha de conservar qualquer parte do território com uma, antes do que com outra força, com grande ou pequena; he isto um inaudito transtorno do exercicio dos dois poderes politicos. Onde se discute sobre se o Governo ha de conservar, e guarnecer Monte-Video precisamente com a divisão dos voluntários reaes, ou se a póde mudar para onde lhe parecer, tambem se discutirá alguma vez sobre se elle póde mudar o regimento n.° 24 para Almeida, e o regimento 23 para Lisboa.
Quem he responsável pela segurança publica, e conservação de Monto-Vidco,- ou de qualquer parte do território portuguez? he o Governo. Que tem pois as Cortes com que elle o segure e conserve com a devisão de voluntarios reaes, ou com outras tropas? Segundo a opinião dos militares e outras pessoas regressadas de Monte-Video, e mesmo pelo parecer da Commissão, consta que a força militar que hoje ha nuquella provincia cisplatina deita a 8 mil, isto he, 4 a 5 mil de cavallaria e infanteria, além dos 3:500 dos voluntarios reaes, convém saber, batalhões de tropas de S. Paulo, Rio Grande do Norte, e Rio Pardo, inclusivamente um batalhão de artilheria e cavallaria; tropa muito sufficiente para sustentar aquella provincia, e que a continuará a manter com boa vontade pelo muito que as ditas provincias de S. Paulo, Rio Grande etc. são interessadas em conservar aquelle posto militar que lhes cobre e defende as suas fronteiras; pelo que de boa vontade continuarão a concorrer com as recrutas e dinheiros necessarios. Se pois o Governo julgar desnecessaria ali a divisão dos voluntarios reaes, deverão as Cortes mandar-lhe que a conserve? Será elle obrigado a conservala ali quando mesmo precisasse della para acudir a algum ponto onde se manifestasse alguma urgencia maior? Onde sem ella não podesse reprimir milhares de facciosos que estivessem maltratando e assassinando os Portuguezes europeos que tanto implorão o nosso soccorro e protecção? Onde se levantasse alguma facção que pertendesse estabelecer um novo governo, destruir as Corte, rasgar a unidade da monarquia, e mesmo erigir no Brazil a sua séde, subjugando no dominio do novo mundo as possessões portuguezas das outras tres partes da terra? E que? Duvidamos nós que no Brasil existe com effeito um centro de facciosos que desejão senhorear-se das nossas provincias da Asia, e Africa, e darem a Portugal uma delegação de poder? Que no Brazil existem facciosos que se dizem missionarios dos povos, e por toda a parte atropellão e assassinão os miseros Europeus? Como se trata pois aqui de prender as mãos do Governo para que não possa dispor da divisão dos voluntarios reaes e de qualquer outra tropa, como melhor convier á segurança, e tranquilidade, conservação e integridade de todas as partes da Monarquia?
Ainda mais: poderiamos nós obrigar o Governo a manter em Monte-Video aquella tropa apesar de estar ali fazendo uma despeza enormissima, e superior ás rendas publicas? Setenta e tantos contos por mez, e um deficit mensal de mais de 6 contos? E que direi da insubordinação que quasi necessariamente devia resultar, e com effeito resultou da falta de pagamento de tão enormes quantias? Que direi da arbitraria imposição ou prestamen a que foi necessario recorrer o general para pagar, e aquietar os animos insubordinados? Que direi das operações machiavelicas do Príncipe em mandar ordens ao Barão de Laguna para dar baixas á divisão, e a ir assim desorganizando como já praticou com a guarnição do Rio commandada por Avillez, e com a expedição ás ordens do adulador e imbecil Maximiliano?
Por tanto não se diga ao Governo que tire, nem que conserve a divisão em Monte-Video: diga-se-lhe, que considere continuamente nas suas obrigações e nos melhores meios e modo de as satisfazer; e não seja caso que com as nossas discussões causemos á presente expedição demoras maiores que aquellas que já se observão. A expedição está parada, e em verdade o que vemos he que tudo está a caranguejar. Ouço dizer que os vasos de guerra tem concerto pronto, e que os negociantes aprontão o que a elles pertence: qual he pois a causa de tão nociva demora? Ninguém o sabe. O que eu sei he, que o Ministro da marinha, depois de honrado pelas Cortes e pelo Rei com se porem á sua disposição tão grandes meios, foi-se pôr a tomar boas aguas e arei: não digo que não seja por doença, porém militares que padecem molestias cronicas em tempo de guerra, e em dias de combates, são fraca cousa. Não estamos em tempo de banhos e ares, mas em tempo de ou pegar ou largar. Nada de delongas: trata-se de se acudir algumas províncias do Brazil que existem em perfeita anarquia ate ao ponto de de haver formado um batalhão ligeiro, a quem to dá uma relação de Europeos, com a nota chupa: o miserável Europeo que traz esta nota, mais cedo ou tarde, leva facada, ou paulada, e he então que o manhoso e malvado director «e a p piai)de com o seu batalhão. E soffrerem-se tantas indignidades por mera apathia e inaptidão, eis o que não se póde comprehender. Temos no Brazil grandissimo partido por nós; porém não o apoiamos quando o podiamos fazer, e o deixamos esmorecer e assassinar.
Sobre o segundo ponto da aceitação do acto da união da provincia cisplatina, de que trata o parecer da Commissão, não direi nada, pois se não deve tratar disso se não tendo presentes todas as negociações diplomaticas, e com intervenção da Hespanha. Basta dizer que os povos não aceitarão aquelle acto voluntariamente, e que alguns de seus artigos são anti-constitucionaes. Devem ser presentes ás Cortes as razões da nossa antiga amiga, e agora mais que nunca adiada Hespanha, conservando-se entre tanto Monte- Video no pé em que está; no que Hespanha não perde, antes ganha, porque se um dia tornar a occupur as suas possessões naquelles paizes, como Buenos-Ayres e Entre Rios, tem mais seguro o territorio

Dd 2

Página 212

[212]

de Monte-Video em nosso poder, do que no poder de seus inimigos, que se apossarão delle no mesmo momento em que o largamos.
O Sr. Castello Branco Manoel: - Sr. Presidente versando o parecer da Commissão sobre materia tão importante, e sendo eu do mesmo, voto devo tambem expender as razões, que me movem a apoialo. Contém elle duas partes. Na primeira diz a Commissão que se autorize o Governo para fazer retirar as tropas dos voluntarios reaes, que occupão Monte-Video. Na segunda opina que se não aceite a incorporação, que aquella provincia offerece é nossa monarquia. V. Exa. determinou propôr separadamente á votação cada uma destas partes, mas pela intima ligação que uma tem com a outra, permittiu que simultaneamente se podessem discutir. Eu farei por tanto mui breves reflexões a respeito da segunda, mostrando que esta incorporação he impraticavel, e impolitica: para dahi concluir que igualmente se deve approvar a primeira.
Não tratarei da illegalidade com que he apresentada a incorporação dessa provincia, illegalidade manifesta, bastando para a demonstrar, o reflectir que foi feita no meio das baionetas. Quero mesmo suppôr que ella he legitima, e que os povos mui espontaneamente, e pelo unanime voto de todos de se pertendião unir ao nosso imperio. Quero ainda suppôr mais, que essa provincia antecedentemente fizesse parte da monarquia portugueza; ainda então attentas às circunstancias, e condições com que se faz o offerecimento da incorporação, esta era inadmissivel, e impraticavel.
Logo que uma nação reasumiu a soberania, e os inauferiveis direitos, que sempre lhe são ineherentes, he inquestionavel que toda ella, e cada uma das suas provincias póde constituir-se, e forrar o seu novo pacto social com as condições que muito bem quizer, e por isso ainda na hypothese que Monte-Video fizesse parte da antiga monarquia portugueza, elle podia muito bem, sim ou não adherir ao pacto social das outras provincias; Porém tambem he certo, que essas outras provincias podem aceitar, ou rejeitar a sua união, não só quando aquella offerecesse condições differentes das que tivesse adoptado no seu pacto, mas ainda sendo conformes, no caso que lhes parecesse impolitica, ou prejudicial a sua união. Vejamos agora quaes são as condições com que esta provincia de Monte-Video nos offerece a sua incorporação? Todas são oppostas ao systema que temos adoptado. Não as enumero todas por brevidade, mas entre ellas vemos que pertende muitos privilegios, e immunidades. E será isso compativel com o principio geral que adoptámos, que a lei he igual para todos? Temos abolido os privilegios, e havíamos de permittir a uma provincia exclusivos das leis geraes? Qual seria a belleza do nosso systema? Uma tal admissão séria a cousa mais monstruosa, e irregular. Destruiriamos os principios que temos estabelecido. Construiriamos um edificio monstruoso, e irregular. He por tanto semelhante incorporação inadmissivel, e incompativel com o nossa systema constitucional. Daqui se deduz a necessária consequencia, que não só parte, mas toda a tropa europea te retire, e evacue aquella provincia. Deveremos guarnecer, e com tanto dispendio, um territorio cuja conservação, e união (como demonstrei) não seja praticavel?
Disse que segundo o nosso actual systema era impraticavel aquella união; agora accrescento mais, que até seria impolitica. Não só porque iria talvez offender os interesses de uma potencia, cuja união nas actuaes circunstancias não só nos he útil, mas necessaria, mas tambem porque essa nova acquisição seria opposta aos nossos proprios interesses. Eu nunca medi a grandeza de qualquer imperio pela extensão do seu território. O grande numero de seus habitantes laboriosos he que o constitue grande; os muitos e numerosos braços de que se compõe, as riquezas provenientes da sua industria heo que o fazem respeitavel. A prova disto nos offerece a historia antiga, e moderna. Os Cantões helveticos, a Hollanda o comprovão. Aquelles habitando um escasso, e montanhoso terreno, mas muito povoado, se julgão inconquistaveis. A Hollanda muito pequena em territorio, mas grande em população e riqueza, mais de uma vez tem feito vacillar a Grã-Bretranha, que se arroga o imperio dos mares. Já vimos as esquadras hollandezas subirem o Tamiza, e quasi á vista da capital daquella poderosa nação incendiar as suas embarcações. A extensão de territorio, quando este não he povoado, na minha opinião em lugar de engrandecer dimnue muito a força de um Estado, pela impossibilidade que ha de o defender. Por este principio no meu conceito o vastissimo reino do Brazil, despovoado, cheio de immensos bosques, e desertos, tendo aqui, e acolá villas ou cidades, he um reino fraquissimo incapaz de se defender de qualquer ataque, ainda que na verdade sejão valorosos os seus poucos habitantes. Como se poderião elles soccorrer, e defender em taes distancias, habitando provincias quasi incommunicaveis? Sim, todos os habitantes do Brasil reunidos em duas, ou tres das suas provincias formarião um corpo de nação já respeitavel, porém dispersos, e isolados são de muito pouca consireção. E tanto mais procede isto, se attendermos ás lições, que nos dá a historia. Esta nos ensina que imperios dilatados só subsistem e permanecem, governados por um poder despotico, cujas deliberações rápidas se podem estender aos dilatados confins desse território. As republicas, ou governos populares, pela vagarosa marcha de suas decisões, acabarão logo que dilatarão o seu terreno, ou ao menos sempre desde então data a sua decadencia. O nosso systema constitucional nada tem de desposito, antes pelo contrario alguma cousa participa do republicano. As suas deliberações não podem ter aquella rapidez, que he necessaria a um dilatado imperio. E seriamos prudentes, seriamos politicos, quando a nossa monarquia he a maior do globo em extensão, tendo immensos, e fertilissimos desertos a cultivar, e povoar, tratarmos da aquisição de uma provincia, que pela maior parte he inhabitada? Que provas dariamos da nossa sabedoria a todo o universo? Seriamos prudentes desprezando a cultura de fertilissimos campos para ir occupar desertos, que já nos roubão quasi oito mil ho-

Página 213

[213]

mens que melhor podiamos empregar, além das grandes, sommas pecuniarias, que não podemos dispender? Desengane-mo-nos, senhores, se, queremos ser grandes cuidamos na cultura do que possuímos, multipliquemos quanto nos for possível a nossa população; sobejo terreno temos, que a possa sustentar. A adquisição de novas provincias não nos engrandece, antes debilita. Por ventura não achamos nos prpprios lares a triste experiencia desta verdade? Que ganhamos com a adquisição do grande território do Brazil? Trouxemos o ouro, riqueza ideal, mas que diminue a proporção que se multiplica: depois de havermos este metal achamo-nos mais pobres, e mais fracos. Este bello territorio liberalizou-nos o metal precioso, as brilhantes pedrarias, mas em recompensa demos-lhe a nossa população, e a nossa industria, o achamos depois em consequencia os nossos campos incultos, despovoados, e por isso infructiferos, á nossa marinha aniquilada. Em algum tempo exportava Portugal o pão, e o peixe; tão abundantes erão as suas pescarias, sem as quaes não há commercio, nem marinha; agora não nos chega o ouro do Brazil para comprarmos o pão, e o peixe, que recebemos dos estrangeiros. Em uma palavra deixamos de ser grandes essencialmente, depois que fomos grandes em territorio. Seria hoje sonho (ao menos em quanto não emendarmos nossos erros) até o intentarmos as emprezas, que concluimos quando nos continhamos só em Portugal, o nos Algarves. Reparemos as nossas faltas: a agricultura, a industria, e por consequencia o commercio, o aumento da população, sejão os unicos objectos em que empreguemos as nessas vistas. Deixe-mo-nos de projectos quimericos de engrandecimento com adquisição de provincias. Não convém a incorporação de Monte-Video; e em taes circunstancias deveremos ali conservar a nossa tropa? Certamente não. Toda ella deve retirar-se.
Tem-se oferecido contra a minha opinião principalmente dous argumentos, e vem a ser, 1.º que este mesmo parecer tendo sido discutido em sessão de 2 de Maio foi rejeitado. Segundo, que a conservação da praça de Monte-Video he muito util ao reino do Brazil, e por isso he a chave donde depende a sua defeza; porém ambos elles são de bem pouca monta. Em quanto ao primeiro sei que foi rejeitado o parecer da Commissão: mas decretou-se por ventura constitucionalmente que se não evacuasse Monte-Video? Certamente não. Foi uma deliberado filha das circunstancias, provisoria, e que só deve susttentar-se em quanto persistissem as circunstancias: á vista dellas era então conveniente a conservação: ellas mudarão, já he inútil essa conservação; agora não só ella he inutil, mas antes a evacuação se tem tomado necessária.
Em quanto ao segundo, he falso o dizer-se que Monte-Video seja a porta, chave, que feche a entrada dos inimigos do Brazil. Não tem por ventura este reino mais de mil legoas de costa maritima, e muitas mais de fronteiras com as provincias de Hespanha? E tropas destacadas em Monte-Video poderão obstar ás invasões que se fizerem nestas costas, e nestas fronteiras? Pelo contrario casas tropas se tornão ha inuteis, e servirião bem para guardar essas costas, e essas fronteiras. Fraca muralha será esse grande rio com que dizem defensavel ás provincias do sul do Brazil: mais forte barreira he o grande deserto que medeia entre esse rio, e as provincias do sul do Brazil; mais difficultoso será ás tropas inimigas o atravessar este na distancia talvez de mais de cem legoas, do que o dito rio, que não conterá uma milha na sua largura. Nada pois concluem os argumentos; e desta forma o meu voto he em tudo approvar o parecer da Commissão.
O Sr. Fernandes Pinheiro: - Sr. Presidente, procurarei restringir-me aos dois unicos pontos, aos quaes V. Exca. circunscreveu a presente discussão, a saber 1.° o regresso da divisão dos voluntarios reaes, destacada em Monte-Video, pelos fundamentos da indisciplina, e da enorme despesa que aponta a Commissão diplomatica; 2.° a declaração da nullidade do acto de incorporação daquella provincia ao Reino Unido, por assentar sobre condições sumnamente gravosas, e ser conseguido por meios de seducção, e por tanto illegitimos. Quanto ao 1.° ponto não duvido conformar-me com o parecer da Commissão, attentas principalmente as circunstancias que se tem hoje ponderado de achar-se este Reino ameaçado de uma formidável invasão, e até para ir coherente com o que opinei a segunda vez que em Maio passado debateu-se sobre a já pretendida evacuação dessa praça, tendo tanto mais dispensavel essa força, quando ainda lá ficão 4 mil e tantos bravos soldados, que a defenderão, e guardarão. Tratando agora do 2.º ponto, bem que de necessidade serei superficial, por hão estar ao alcance de todos os documentos, reservados á illuttre Commissão, e vagando apenas sobre o que acabo de ouvir em resultado, sempre avançarei que me recordo haver lido no artigo segundo desse mesmo acto de incorporação que certas regulações ficavão ainda pendentes de ulterior declaração, e approvação deste Congresso com audiência dos Deputados da provincia cisplatina: ora não se achando elle ainda definitivamente ratificado, segue-se que poderião ainda ser modificadas e alteradas. Admira que houvesse essa pretendida seducção e illegallidade, e que tendo decorrido mais de um anno, não haja transpirado reclamação de um povo, e de uma corporação, ou mesmo de um indivíduo, antes o contrario nos consta de diversas participações officiaes do Príncipe Real, dos annuncios dos periodicos, e das demonstrações de adhesão, que derão proximamente os seus Representantes no Rio de Janeiro. Todavia para remover a mínima suspeita de coacção, parecerei talvez demasiadamente escrupuloso quando proponho que se se enviem commissarios de confiança que vão de perto examinar a linha de conducta que se observou, e quaes os animos daquelles povos, e verificada a coacção, serei então o primeiro a votar pela evacuação, e inteiro abandono daquelle território. Portugal he mui justo, e mui generoso para não respeitar nos outros, os direitos sagrados de liberdade que tanto zella em si proprio. Admirou-me de ouvir ha pouco a dois nobres Membros exigirem essencialmente para essa convenção a intervenção da Hespanha com Monte-Video.

Página 214

[214]

Abandonando-o por tantos annos, faltando inteiramente ú protecção, e às condições essenciaes do pacto social, ella perdeu os direitos da soberania , e Monte Video reassumiu sua natural independência, que com outras províncias do Sul da America vai sendo successivamente reconhecida pelas potências da America, e da Europa; logo com toda a legitimidade contratamos immediatamente com Monte Video, pois que concordão os publicistas, que para negociar com um povo, basta que elle esteja independente de facto, sem entrar no conhecimento dos direitos que elle tem a essa independencia; a historia nos offerece exemplos, quando na Inglaterra , durante as dissenções entre as duas casas rivaes de York, e Lencastre, ambas chegárão a reinar, com ambas tratárão os soberanos da Europa.
Ultimamente não podendo prever a: deliberarão final que tomará a assembléa sobre o segundo ponto em discussão, e não me sendo permittido tornar a fallar, desejaria chamar principalmente a attenção do soberano Congresso para as consequencias que resultarião de se decidir a intentada evacuação daquelle territorio sem previo assignalamento da raia. O tratado de limites do 1.° d'Outubro de 1777, apenas excitada a execução, foi roto pela injusta aggressão de 1801, e nossas tropas victoriosas avançarão uma vastissima extensão, que no periodo de mais de vinte annos tem sido povoado de innumeraveis, e ricos proprietarios; reconhecendo já a necessidade os dois governos limitrofes, e para previnirem futuras contestações, tinhão concertado, e demarcado em 1819 uma linha de fronteira, que principiava na angustia de Cartilhos na costa do mar, e terminava na embocadura do Arapey no Uragay. Não se precipite o passo, torno, a insistir; aliás seria uma indignidade, cousa inaudita espantosa, que sobre deixar o Brazil exposto, e vulneravel por aquelle lado, o exercito portuguez depois de dar a paz, e a segurança áquelles povos á custa de tantas vidas e cabedaes, vagueaste pelo interior da campanha a mercê de que Monte Video lhe assigne os pontos e os limites que deva occupar e guarnecer.
O Sr. Moura: - O parecer da Commissão diplomatica, que está sobre a mesa, e que faz hoje o objecto da sessão extraordinária desta casa, indica elle mesmo que a discussão tem duas partes; porque a Commissão resolve nelle duas cousas: a 1.ª he que o Governo deve ser autorizado a fazer retirar de Monte Video aquella parte do exercito de occupação, que forma a divisão de voluntarios reaes, composta de tropas europeas, tanto de cavallaria, como de infanteria, para poder empregalas onde melhor convier: 2.ª que a incorporação daquelle territorio cisplatino ao reino do Brazil se não deve aceitar, por não se achar bem expressa a verdadeira e espontanea vontade dos povos.
Este parecer foi tomado sobre um officio do Ministro de Estado dos negocios estrangeiros, que pedia providencias sobre os moios de manter este exercito de occupação, visto achar-se decidido pelas Cortes na sessão de 2 de Maio passado, que este exercito de occupação não abandonasse a margem oriental do Rio da Prata. Representa mais o Ministro os defeitos do acto de incorporação, e a desconformidade em que elle estava com as instrucções que para aquelle effeito tinhão sido enviadas ao Barão de Laguna pelo ministerio do Rio de Janeiro em 1821. Pela mesma ordem com que a Commissão dá o seu dictame sobre estes dois objectos, farei eu algumas observações, combinando a conveniencia ou inconveniencia, justiça ou injustiça, politica ou impolitica deste dictame.
Quanto ao primeiro ponto, direi antes de tudo, que o Governo pelo ministerio dos negocios estrangeiros, não pede ser autorizado a tirar de Monte Video a divisão de voluntarios reaes (naturalmente porque considerou que tinha toda a autoridade de o fazer): o Governo só pede meios de manter o exercito de occupação, atrazado em soldos, e forçado a recorrer aos meios extorsivos de emprestimos forçados para subsistir. A Commissão parece que adopta é expediente de fazer regressar a divisão para diminuir as despezas: e nisto ha coherencia; por quanto no que respeita á autoridade que o Governo tinha, e tem, de remover aquella divisão para onde queira, ninguém lha pode contestar no rigor dos principios constitucionaes, e oxalá que o tivesse feito há mais tempo, visto que a resolução deste Congresso de 2 de Abril se não oppõe ao exercício das faculdades do Governo sobre este ponto. Sim; he necessario reflectir um pouco. O que só decidiu em 2 de Maio foi que se não abandonasse Monte Video. A Commissão dizia que se abandonasse: foi rejeitado este parecer: logo está decidido que se não abandone. Bem está, a resolução he clara: mas abandona-se por ventura Monte Video por se fazer retirar dali a divisão de voluntários raes? Não fica ali permanecendo o resto do exercito do occupação? Não nos diz por ventura o general commandante, que não he necessario que ali haja tanta, força effectiva? O exercito de occupação compõe-se de 3 mil homens de infanteria e cavallaria, a divisão de voluntarios reaes compõe-se de 3600; ainda ali ficão mais de 4 mil homens, e póde-se reforçar a guarnição com mais tropas de S. Paulo, ou outras da America, como acaba de dizer o illustre Deputado. Tanto era o que bastava para ficar salva a responsabilidade do Governo, em tirar aquella divisão daquelle destino, principalmente se lhe desse outro mais util. Se o Governo por tanto o não tem feito assim, não direi eu, como diz a Commissão, isto he, que fique, ou seja o Governo autorizado a fazelo; direi sim que o Governo está autorizada a fazelo, e que alguma cousa lhe deveria ser estranhado pelo não ter feito ha mais tempo.
Ora parece que a discussão devia aqui parar, o que nada mais havia a tratar. Póde o Governo fazer o que se propõe; e se o fizer não encontra nem as bases da Constituição, nem as leis, nem a decisão tomada pelas Cortes em 2 de Maio passado sobre este assumpto. Porém, como a Commissão entrou na discussão dos motivos que justificão a necessidade de remover de Monte Video a divisão de voluntarios reaes, eu farei o mesmo, offerecendo todavia á vossa consideração outro motivo ainda muito mais forte, de que se não fez cargo a Commissão.

Página 215

[215]

A Commissão lembra como motivos justificativos desta medida: 1.° as grandes despezas que faz o exercito da occupação: 2.° a indisciplina da divisão de voluntários reaes. E certamente que no que respeita ás despesas, he impossível não ver diante de nós um abysmo, quando se considera que se está contrahindo um empenho de seis contos de réis por mez; que se pediu um emprestimo para satisfazer a divida atrazada; e que se está devendo o soldo de muitos mezes. E he assim que se salva a integridade de uma monarquia! No que respeita á disciplina he tambem o mais extraordinario saber-se, que o general não he o que commanda, quem commanda he um conselho de representantes dos corpos, por elles escolhidos, e este conselho he quem regula, e he quem commanda. Onde se viu jámais o commando de um exercito confiado a um corpo deliberante! Um illustre Deputado disse outro dia que tudo isto se remediava, reformando as despezas, e restabelecendo a disciplina; mas isto póde-se dizer facilmente, o fazendo he o difficil. Quem poderá restabelecer a disciplina de um corpo no mesmo sitio onde elle principiou a ser indisciplinado!
Mas fóra destas ha outra razão superior a todas, que exige se tire aquella força daquelle sitio: he a necessidade de a empregar onde ella possa melhor defender a integridade da Monarquia, assegurar a conservação das liberdades publicas, e consolidar o systema constitucional. Este he que he o ponto de vista, a que eu quero elevar as vossas considerações.
Pois, Senhores, he possivel que nós desconheçamos o vulcão que está debaixo de nossos pés! Quando o Governo precisa de ter á sua disposição todos os meios para conter, e refrear na America o desenvolvimento de um espirito anárquico e subversivo, de que todos se queixão, e que ameaça não só os Europeos ali residentes, mas todos os proprietarios, e todos os homens sisudos daquelle paiz: quando o Governo carece de ler á sua disposição todos os meios, de gente, e de dinheiro para coadjuvar a Hespanha, no empenho de se oppôr, e de destruir os falazes designios do chamado cordão sanitario, postado junto dos Pyreneos: quando os interesses da Monarquia, da Constituição, e da liberdade estão ameaçados na sua essencia, e no centro, quem se atreverá, sem incorrer na mais tremenda responsabilidade, pôr-se agora a disputar com o Governo sobre a conveniencia, ou inconveniencia, de tirar da mais remota extremidade do Império um punhado de tropa brava, e briosa para a poder coliocar onde faça um roais importante serviço? Ah! Senhores, prmittí-me este curto desvio. Se a oligarchia tem feito um contracto com a aristocracia europea (sua natural alliada), para que outra vez os Froncezes pizem o territorio da Peninsula, he necessario que estejão á disposição do Governo todos os bravos Portuguezes, que já levarão as Hostes da tyrannia para a outra banda dos Pyreneos, com a bayoneta sobre os rins. Todos os meios he preciso que se ponhão á disposição do Governo. Todos devemos então pegar em armas, e fazer sacrificios, divisões do exercito, milicias, guardas nacionaes. Havemos de appellidar a Nação toda. Todos, em fim, (como disse outro) dia um conspicuo defensor das liberdades politicas na camara dos Seputados em França; e esta generalidade lhe mereceu acclamações de toda a parte), todos devemos pegar em armas, logo que a trombeta da oligarchia toque na altura dos Pyreneos.
Concluo por tanto que o Governo deve repartir a sua attenção entre as duas scenas politicas, que se estão abrindo nos dois hemisférios da Monarquia, e que por esta razão he necessario não restringir os meios, de que elle póde lançar mão; porém que se lhe devem ampliar para que elle obre á sua vontade. Por tanto não devemos autorizar o Governo, devemos sim julgalo autorizado a que remova aquella divisão para onde quizer: e que todo, e qualquer destino, que se lhe dê, não se oppôe ao que as Cortes tem decidido neste assumpto.
Em quanto ao segundo ponto do parecer da Commissão, em breves palavras me desembaraçarei delle. Deixo de falar na opportunidade ou inopportunidade das instrucções mandadas ao Barão de Laguna, para se consultar a vontade dos povos cisplatinos, sobre a incorporação ao reino do Brazil, visto que o fim das preditas instrucções foi só conhecer o vontade daquelle povo sem violencia, nem suggestão. O certo he, que o modo de consultar esta vontade foi irrisório: o povo não escolheu os seus representantes, e isto basta já para não ter havido representação, e só farça de representação. Depois disto, o mesmo general confessa que usou de meios suggestivos para inclinar o animo daquelles mesmos representantes a approvar a incorporação. Que miséria, até confessalo!..
Mas ainda que tudo fosse feito com toda a regularidade, que declaração se póde colher de um povo que está debaixo do jugo das bayonetas? Os Napolitanos exprimem por ventura a sua vontade estando guarnecidos por tropas austriacas? Tiremos de Monte Video o exercito de occupação; retire-se elle ou para S. Paulo, ou para o Rio-Grande, e veremos então que nos representão esses Cabildos, e esses Ayuntamientos. Ainda aperto mais o meu argumento. Em que tempo estamos nós tratando da legalidade, ou illegalidade desta incorporação? He quando o Deputado Obes que vinha representar neste Congresso o estado cisplatino, ficou no Rio de Janeiro; e ficou ali contra a lei da sua procuração, contra o seu juramento, e de mais a mais assigna a representação de tres de Junho, em que se pede ao Principe, delegado d'El Rei na America, a convocação das Cortes constituintes! Que bello desempenho fez este procurador! Deixemos pois esta questão para outro tempo. Vejamos o que resulta deste famoso decreto de 3 de Junho. Entretanto cumpre dizer, que o acto da incorporação he nullo, he fundado em base fictício, suppõe a vontade, não a declara, e assim não se deve aceitar. Nunca porém deixarei de repelir que a occupação foi injusta, e impolitica; foi um plano de velhacaria diplomatica, mas isto he materia decidida; tarde ou cedo se ha de reconhecer a justiça desta minha asserção.
Como se trata de cousas de Hespanha, não devo acabar sem reflectir que neste assumpto costuma um

Página 216

[216]

zelo verdadeiramente farisaico, prevalecer-se do nosso antigo fanatismo politico para tingir com as cores da infidelidade, e da traição qualquer auxilio, ou qualquer boa opinião, que se possa ter da Hespanha. Isto foi louvavel, e util em outros tempos, pois era connexo com a nossa independencia; hoje devemos fugir de tão fataes preocupações; hoje devemos ajudar a Hespanha com todas as nossas forças, e fazer com ella uma causa commum, porque, ó Portuguezes, os nossos inimigos naturaes, os que querem a ruina da nossa independencia, e da nossa liberdade não estão dentro da Peninsula, encontrão se para lá dos Pyreneos...
O Sr. Andrada: - Peço a palavra, e protesto desde já que só falarei sobre o primeiro artigo, guardando-me para falar no segundo na sua competente occasião. Não posso negar que he muito louvável a constancia na continuação de emprezas virtuosas, mas não abrange o mesmo louvor a emperrada obstinação nos caminhos tortuosos da intriga. Qual nome deva dar á teima com que o Ministro dos negocios estrangeiros segunda vez depois de batido em campanha aberta volta agora com a mesma pertenção, até agora não o sabia eu. Novo Magriço, o Ministro vem tomar duelos pela miseria donzella, a provincia de Monte-Video, como o outro a quem se assemelha pela figura, buscou defender as filhas de Albion; mas este ao menos recebeu convite das perseguidas; o Ministro porem he por devoção que acode a Monte-Video, que não implora taes soccorros. Será amor da humanidade? He da estofa do amor que mostravão os assassinos mandados por um pai barbaro contra seu desgraçado filho, a quem suffocavão para su bien. Era verdade era difficil conceber o fim de similhante teima. Rasgou-se porém o véo, os nobres Preopinantes o declarárão, he preciso levar o ferro e o fogo ao Brazil (Não: disserão alguns Srs. Deputados). Sim (continuou o Orador), he preciso levar o ferro e o fogo ao Brazil, e he preciso perante nós, e que nós o autorizemos. Não o conseguirão. Se se quer declarar guerra ao Brazil, he preciso antes declarar-se (o que tenho muitas vozes dito) que a representação dessas provincias dissidentes, se acha vaga. Que quer dizer estarmos aqui ouvindo insultos a cada momento? Rasgue-se o véo: não podemos ser Representantes. Sermos Portuguezes, irmãos da mesma familia, vivermos unidos, convenho; mas não para consolidar a desgraça dos nossos provincias. Não he uma só provincia dissidente, he uma grande parte das provincias brazileiras que está em dissidencia; se se quer mandar-lhe a guerra, despeção-nos; aqui estamos em ferros. isto basta para prefacio. Vamos agora ao parecer da Commissão. A primeira parte delle he inadmissivel. Examinemos as suas razões: indisciplina de tropa, difficuldade de subsistencia della. Se observo os documentos que se achão perante a Commissão, vejo que não he tanta a difficuldade de subsistencia. Ella confessa que 78 contos de réis são bastantes para sustentar esta divisão, e não adverte que se devem fazer grandes economias nellas, as quaes deitarão fora 10, ou quatorze contos. Mas entre 78 contos, o que dá Portugal, que tantas carpideiras faz? nem um real. O Rio de Janeiro avança 50 contos, e a provincia de Monte-Video 22; restão 5 contos de deficit; e este deficit exige similhante medida? não por certo. A meu ver não he este o motivo della. Vejamos o outro que he a indisciplina das tropas, o qual he mais serio. Eu conheço apezar de não ser da profissão militar que quando um corpo de tropa chegou a tomar um espirito de insubordinação, difficil he o tornar á ordem. Talvez a passagem de um paiz para outro lhe fosse muito util, póde ser; he o que nós fazemos aos desgraçados que commettem crimes n'um paiz; mudamo-los para outro: mudar de ares ás vezes não h máo, he util. Mas pergunto eu, não haverá algum outro meio para fazer reviver ali a subordinação? Mudar a officialidade, dar-lhe um chefe mais severo, mais digno de os commandar etc. Mas esse chefe de que serviria? Seria desobedecido, Então qualquer ordem que vá tambem não será obedecida. O argumento he claro, ou elles não estão tão insubordinados como se pinta, ou se o estão não servem de nada quaesquer medidas. Disse um nobre Preopinante: isto he do Governo. Em verdade introduzir-mo-nos, e ingerir-mo-nos em negocios do execução não nos compete. Talvez que assim fosse ao principio; mas esse mesmo Governo empurrou-nos este negocio, e uma vez que cá veio, uma vez que tomou essa direcção deve-se decidir; o contrario he para mim doutrina nova, porque quem se compromette, quem se louva em mim, e reconhece a minha superioridade, quer uma decisão. Seria pois cousa notável que recambiássemos este negocio. Mas o Governo póde mudar um destacamento dum lugar para outro porém, pergunto eu, trato-se simplesmente de mudar um destacamento de um posto para outro? Seguramente não he esta a questão. Uma vez que tinhamos determinado a occupação de Monte-Video, e que a tinhamos determinado da maneira que convinha a nossos interesses, era da obrigação do Governo obrar de forma que não fosse contra estas medidas, e por isso neste caso cumpriu bem o sua obrigação. Se o Governo retiraste a maior parte das tropas, de curto violava as nossas decisões, uma vez que o não autorizassemos para isto. E para que, senhores, para que autorizar o Governo a retirar de Monte-Video aquelle numero de tropa? Não seria mais singelo tirar dali tropas, que vindo para outros lugares não gastassem nada? A legião dos voluntarios reaes substituindo, em outro qualquer posto que não seja aquele, faz sempre despeza a conta e cargo do thesouro portuguez; e então não seria melhor transplantar os corpos milicianos de Monte-Video para os seus respectivos paizes? não ganhavão mais soldo e diminuião deste modo as despezas sem ficarem a cargo do thesouro portuguez. Qualquer pessoa diria isto, mas não o diz a Commissão. Pretende-se que o parecer não he contra o decidido pelo COngresso; digo que he. O que se decidiu foi que expressamente se não tira-se do posto da provincia de Monte-Video a divisão dos voluntarios reaes; agora quer-se variar. Á vista disto, Sr. Presidente visto que eu acho remedio mais facil de evitar a insubordinação das tropas, do que desac-

Página 217

[217]

cupando um posto tão importante, como a provincia de Monte-Video; vislo que eu acho meios tão fáceis de fornecer a despeza que este corpo faz, visto que sendo preciso tirar alguma tropa he mais útil tirar alguma que tirada não faria despeza em outra parte, não posso deixar de votar contra o parecer neste primeiro artigo: e se acaso fosse preciso mesmo além das tropas milicianas que mais interessão, retirar alguma tropa de linha, então deveria autorizar-se o Governo para isto com tanto que elle assim o peça. Eu concordo com um nobre Membro que ha pouco acabou de falar. Conheço o interesse que lemos de sustentar a causa de Hespanha, a causa peninsular: nisto concordo eu pois que não tenho razão nenhuma de consciencia em contrario, antes ninguém mais ama do que eu a cauta da liberdade, e ninguém aborrece mais do que eu a tyrannia dos despotas europeos. Venhão para aqui aquella tropas se são precisas, mas empregalas para dilacerar irmãos, isso não voto eu.
O Sr. Soares Franco: - Eu tratarei sómente do parecer da Commissão, mas antes disso he necessario aclarar uma idéa sobre a ultima decisão deste Congresso a respeito de Monte Video. O que o Congresso decidiu nesta occasião a respeito de Monte Video, foi que não devia desoccupar-se aquella praça por então.
A Commissão hoje não propõe que se deseccupe, o que propõe he que o Governo está autorizado para remover a divisão dos voluntários reaes, sem entrar na questão se devem ser empregados n'uma guerra no Brazil, ou se deve vir para a Europa. Digo pois que este objecto he todo do Governo. Nós nas bases dissemos que pertencia ao Governo o emprego da força armada. Acabamos de sanccionar no artigo 96, do poder executivo, que ao Rei está incumbido o que diz respeito a este objecto. Por tanto não temos nada mais a dizer sobre elle. Mas o Governo mandou-o ás Cortes, diz um illustre Preopinante, e por tanto devemos tomar delle conhecimento; isto não he assim. Nem o Governo o mandou para isso, nem ainda que o mandasse deviamos tomar tal conhecimento, porque nos não competia. Provou-se claramente que aquellas tropas estão em falta de disciplina, e de subordinação, etc.; e parece-me que se quiz impugnar esta verdade. Deverei dizer alguma cousa sobre isso. Esta tropa foi ha sete ha sete annos para Monte Video, e a maior parte della tinha combatido na Peninsula cinco ou seis annos. Ora treze annos de serviço, e muitos delles fora da patria, he muito. Os soldados estão obrigados a obedecer á lei, mas he necessario que as leis sejão toleraveis, he necessario que não sejão levadas a extremos excessivos. Poucos homem são como Socrates, que bebão a cicuta a sangue frio; sei de muitos soldados, e talvez officiaes, que tem vivido miseravelmente, sem cama, sem etape, sem pagamentos, fazendo muitos sacrificios; he necessario que não os obriguemos a fazer mais. Esta tropa nos primeiros tempos era paga pelo thesouro de Portugal, hoje são pagos pelo Rio de Janeiro. As notas do banco soffrem hoje um rebate consideravel em Monte Video, e quem sabe como serão pagas hoje? Não são só seis contos de réis de deficit; devem-se-lhe muitos mezes de prets; e havemos nós de sangrar e abrir as arterias do nosso Estado, já tão falto de meios para sustentarmos ali estas tropas? O corpo inteiro anda por 8:000 homens: logo tirando 3:500 dos voluntarios reaes, ainda ficão 4:500 de tropas brazilicas, força mais que sufficiente para fazer a guarnição. Demais aquellas tropas precisão de ser organizadas de novo, e só o podem ser em Portugal, debaixo das vistas do Governo; he para Portugal que ellas devem regressar quanto antes, se as demorarmos lá perdemo-las todas.
Tal decisão seria cousa extraordinaria, e então para que fim? Para defender as provincias do sul da Brazil, que acabão de declarar que querem lá Cortes constituintes. Não vemos o estado em que está o Brazil, as cartas do Principe Real, e mais que tudo a fala do Deputado Obes, da provincia de Monte Video, que diz: de ontem para hoje são passados seculos; de ontem para hoje temos patria e temos Rei? e havemos então sacrificar as tropas, e arruinar o nosso thesouro, em auxilio de tal gente, sem utilidade alguma própria? Se olhamos para o estado da Peninsula, vemos que nos he preciso tomar uma attitude guerreira; armar os nossos batalhões para poderem correr a Hespanha, que he a nossa vanguarda a quem devemos fazer um tratado de alliança. Os estrangeiros não hão de pôr o pé no nosso pescoço altivo, hão de morrer todos quantos entrarem na Peninsula, porque lhes havemos fazer uma guerra destruidora. Por tanto deve vir esta decisão, para o Governo a empregar onde lhe parecer; não nos compete a nós dar-lhe destino. Mas contém dizer que elle está autorizado para isso, e não que o fica agora, como parece dar a entender a Commissão.
O Sr. Aguiar: - Sr. Presidente, o parecer da Commissão, que faz o objecto da presente discussão, he por maneira tal tão ligado e dependente da letra e conteudo dos officios do Ministro dos negócios estrangeiros, da data de 9 e 31 de Julho proximo passado, que eu não posso falar, e menos votar sobre materia de tanta monta, sem que primeiro diga alguma cousa sobre aquelles officios. Expõe o Ministro no de 9 de Julho á soberana consideração deste augusto Congresso, em primeiro lugar a necessidade que ha de prover os meios de sustentar o exercito de occupação da banda oriental do Rio da Prata; e em segundo, que era tambem necessario decidir-se, se convinha ou não aos verdadeiros interesses da Nação o aceitar a incorporação daquellas provincias ao Reino Unido, e acceitala debaixo das condições com que os povos a offerecêrão. Ponderando ao mesmo tempo, entre outras cousas, a desgraça em que ellas se achavão para occupação das tropas portuguezas, e pela incerteza da sua futura sorte; e tambem e compremettimento das nossas pacificas relações tanto com a Hespanha como com os outros Estados Hispano-americanos, etc., etc. O mesmo Ministro dos negocios estrangeiros no outro officio de 31 de Julho expõe que depois de haver participado ao soberano Congresso em officio de 24 de Dezembro de 1821 as imperfeitas noticias, até então recebidas, osbre o modo porque o general Barão de Laguna havia procedi-

TOMO VII

Ee

Página 218

[218]

do na convocação do congresso cisplatino, não restava ao Governo outro partido, se não o de expedir ordens áquelle general para que mais circunstanciadamente expuzesse a maneira como neste importante negocio se havia conduzido; accrescentando mais o referido Ministro que apezar de abster-se de fazer reflexões sobre o merecimento dos papeis enviados pelo Barão de Laguna, era todavia do seu dever dizer que o Governo só tinha convencido de que aquelle general faltou em todos os pontoe á letra e ao espirito das instrucções de 16 de Abril de 1821, que lhe forão transmittidas: taes são mais ou menos as palavras do Ministro. Ora em verdade eu muito poderia dizer sobre o modo singular e assàs decidido com que o Ministro dos negocios estrangeiros, que aliás eu respeito, se explica, querendo afincadamente inculcar a este Congresso a maneira do pensar do Governo, ou para melhor dizer, a sua a este respeito, como se o soberano Congresso para decidir este negocio necessitasse saber a opinião do Governo, para em tudo conformar-se com ella. Deixando porém isto de parte, passarei agora a tratar precisamente do parecer da Commissão, porque talvez na continuação do meu discurso possa ainda falar sobre a mesma singularidade das expressões do Ministro. Quando na Commissão, de que tenho a honra de ser membro, se tratou deste importante negocio, eu fui de opinião contraria á dos meus illustres collegas, não concordando no seu modo de pensar, e foi esta a razão porque não assignei o parecer: e por isso cumpre-me agora expôr a minha opinião, o que não fiz então, por não haver assistido, por moléstia, á sessão em que elle foi apresentado. São pois duas as partes do mencionado parecer, na 1.ª diz a Commissão que deve deixar-se toda a amplitude e latitude ao Governo para elle dispor da força existente em Monte Video, como lhe parecer; e na segunda, cingindo-se em tudo a letra do ultimo officio do Ministro que considera nullo e irrito tudo quanto se fez em Monte Video, julga por isso a Commissão que sendo illegal, e illegitimamente representados aquelles povos não podia admittir-se, e menos acceitar-se a incorporação daquellas provincias ao Reino Unido. Quanto á primeira parte, eu de boa vontade accederia e concordaria com o pensar da Commissão, senão tivesse observado que o Governo he o mesmo que sujeitou á decisão do Congresso o modo de decidir esta questão sobre a maneira de prover á conservação do exercito naquella provincia: por tanto se o Governo muito de proposito, ou talvez mesmo porque não quiz metter-se neste negocio, recusou decidir este ponto, he da nossa competencia o decidilo, porque nisto lhe não fazemos injuria, já que voluntariamente se sujeitou á decisão do Congresso. Quanto porém ás excessivas despezas que as tropas existentes em Monte Video fazem mensalmente, isto he tão claro como a luz do dia, e basta lançar-se um golpe de vista sobre a quantia horrorosa de 78:055$903 réis despendidos com aquellas tropas, pela maneira seguinte: com a divisão dos voluntarios reaes, que he a que faz maior despeza 42:037$396 réis; com as briosas tropas de S. Paulo... (sussurro nas galerias). Não são sussurros que me amedrontão, tenho bastante coragem para emittir francamente a minha opinião, e rogo a V. Exca. Sr. Presidente, faça restabelecer a ordem, e que seja guardada a dignidade de minha pessoa neste augusto recinto. (O Sr. Presidente recommendou, aos espectadores que prestassem attenção, e o Orador proseguiu no seu discurso, dizendo:) Como está restabelecida a ordem voltarei com todo o sangue frio á materia, e continuarei na analyse das despezas; com as briosas tropas de S. Paulo, Rio Grande, e Rio Pardo 35:968$507 réis, cujas duas sommas com a de 973$300 réis, importância dos soldos, e vencimentos dos officiaes do estado maior do exercito perfazem o total dos referidos 78 contos e tantos réis mensaes, além da divida de 32 mezes de soldo e prets á divisão da direita que guarnece a linha do Uraguay, e sem fazer menção de fardamentos e fardetas, por se suppor irem dos arsennes de Lisboa no Rio visto ser isto muito dispendioso em Monte Video. Em vista do exposto he em verdade evidente a immensidade da despeza que ali se faz, para o que não podem bastar as rendas da provincia de Monte Video, que sendo neste anno calculadas em 22:000$ réis mensaes, esta quantia com a de 50:000$ réis, que se sacão em letras sobre o banco do Rio de Janeiro não he bastante para preencher aquella totalidade, havendo por isso um deficit de mais de seis contos de réis. Nestas circunstancias he de infallivel necessidade o dever-se providenciar este negocio, isto he, o dever-se reduzir a menos o numero das tropas que devem continuar a occupar aquella provincia; e isto não obstante devermos esperar para o futuro bastante augmento nas rendas de Monte Video; pois que se aquella provincia em 1821, apenas livre e desembaraçada de uma desastrosa guerra de dez annos, e de um verdadeiro o temivel estado de anarquia, rendeu e produziu 1:233$551 cruzados, deve necessariamente a sua receita crescer para os annos futuros, depois que os seus estabelecimentos forem outra vez postos no seu antigo estado, e restituidas ao seu auge, e primitiva grandeza todas as fazendas de gados destruidas pela guerra, etc., etc.
Quando porém á scducção da tropa existente em Monte Video, e ao modo de evitar tão grandes despesas; sem falar na reforma que o Governo deve fazer do um tão numeroso Estado Maior como o que alí se acha, direi que approvo a opinião de um illustre Preopinante que julga te devem antes retirar as tropas milicianas, pois que estas fazem uma grande; despesa, o que se evita, sendo ellas transferidas, e postas no seu paiz. Approvo tambem de boa vontade a opinião do Sr. Moura, e vem a ser, que attentas as circunstancias em que nos achamos, ameaçados talvez de uma invasão estrangeira na Hespanha, occasionada pelo célebre cordão sanitário (Sendo em verdade para admirar que esta idéa assuste agora o Congresso, quando sendo proposta ha pouco em uma indicação feita pelo Sr. Rosa, não foi então tomada em consideração, e antes foi rejeitada), se deve autorisar o Governo para chamar a divisão dos voluntarios reaes de El Rei para Portugal: não só porque talvez não convenha que exista mais em Monte Video

Página 219

[219]

similhante tropa tão insubordinada, segundo os ultimos acontecimentos alí praticados com a erecção do tal conselho militar, e modo por que foi formado; mas principalmente porque servindo-me da expressão do Sr. Moura, não póde ser empregada no Brazil, não só pelo estado de dissidencia, em que se achão as provincias do Sul, e porque estando a Constituição para ser jurada, deve a vontade daquelles povos expressar-se sem coacção, ou medo, o que já mais poderá verificar-se no meio de baionetas, e mais preparos de guerra; mas principalmente porque esta tropa serviria para excitar desordens maiores no Brazil, e produzir consequencias as mais tristes e funestas: por consequencia a meu modo de pensar, a este respeito he que o Governo deve ter toda a latitude possivel na reducção das tropas, para nesta parte proceder como achar conveniente, fazendo transportar as tropas para Portugal, mas nunca para as poder empregar no Brazil. Quanto á segunda parte do parecer da Commissão se convém ou não aos verdadeiros interesses da Nação o aceitar a incorporação da provincia de Monte Video debaixo das bases estabelecidas, ou se se deve julgar irrito, e nullo tudo quanto ali se fez, direi, que eu não posso tratar desta materia sem que primeiro confronte e combata algumas reflexões que o Ministro dos negocios estrangeiros aponta, pois que ellas motivárão o parecer da Commissão. Ponderou o Ministro, que tudo quanto se havia feito era irrito e nullo, porque o Barão de Laguna havia faltado em tudo á letra, e ao espirito das instrucções. Que o Barão de Laguna faltou ás instrucções, he manifesto; mas a culpa foi do Governo em lhe mandar instrucções inexequiveis e impossiveis de se pôr em pratica, porque contendo a provincia de Monte Video trinta mil almas pouco mais ou menos, não era possivel ter representada por um só Deputado; quanto mais que as instrucções de 16 de Abril davão para assim dizer, ampla faculdade ao Barão de Laguna para obrar daquella maneira, pois que Sua Magestade lhe dizia, que tomasse quanto fosse possivel por bases as referidas instrucções, como se vê claramente do officio do Barão da data de 10 de Janeiro do corrente anno. Diz mais o Ministro que o Barão de Laguna empregou pessoas agraciadas pelo Governo Portuguez, isto não he exacto, porque o Barão de Laguna, vendo que não podia seguir aquellas instrucções, fez aquillo mesmo que qualquer outra pessoa alisada faria em taes circunstancias, visto que os negocios estavão levados a tal ponto, que não podião, nem devião ficar na violenta posição em que se achavão, sendo por isto de absoluta necessidade, e de inteira conveniencia e utilidade daquelles povos o de verem enunciar com franqueia a sua vontade; em a razão por que o Barão de Laguna consultou todos os homens instruidos, e principalmente o chefe politico da provincia, os quaes todos observando que não era possivel comprirem-se taes instrucções, julgárão por isso necessario tomar outras bases e que devia tocar um Deputado a cada duas mil almas, fixando-te o seu numero no de 18; por tanto não foi o Barão de Laguna quem por si só procedeu em similhante arranjamento. Ousa mais o Ministro dizer, que não era aquella a vontade dos povos, porque os Deputados Peras, e Gallegos dizião o contrario etc. Cousa nova. Pois porque um Deputado, ou outro hão he da opinião da maior parte dos Membros de uma assemblea representativa, poderemos dizer que a decisão tomada não he valiosa? Isto, sem duvida he cousa nova, torno a dizer.
Quanto á outra reflexão que o Ministro faz, de que nem ao menos compareção os 18 Deputados, pois que o seu numero foi apenas de 16; para responder a ella será preciso seguir a marcha daquelle Congresso, e vermos, o que ali se passou.
O Congresso cisplatino foi instaurado no dia 15 de Julho de 1821, estando presentes 13 Deputados a saber, 4 de Monte Video, 2 de Extramuros, e 7 dos differentes povos de S. José, Sacramento, Maldonado, Mercedes, Soriano, Serro Largo, e Canelones: no dia 16 em que se decidiu que o Congresso estava legitimamente constituido, appareceu mais outro Deputado: no dia 18 em que por acclamação geral foi votada a incorporação de Monte Video ao Reino Unido comparecerão, mais 4, dois da provincia de Monte Video, e 2 por Guadalupe; por tanto nem a este respeito foi exacto o Ministro, pois que pela enumeração feita se observa que estiverão presentes mais de 16. Diz mais o Ministro, que os Deputados não tinhão instrucções algumas dos seus constituintes, accrescentando que nem por hypothese se podia dizer que fossem commissionados para tão grave assumpto, pois que, os alcaides o erão unicamente para o governo administrativo, e os outros os syndicos para a inspecção da administração ordinária da fazenda, justiça, etc. Não sendo possivel a reunião individual dos povos não só pelas distancias, mas pelos diversos partidos, e até mesmo pelo perigo de taes. ajuntamentos, pois que a esperiencia desgraçadamente lhes tinha feito ver todos os transtornos e prejuizos que se havião seguido nas outras reuniões passadas, e que mesmo poderião ainda resultar da que se pertendia; estas considerações pois fizerão que com razão o chefe politico da provincia, e todas as mais pessoas de bem e probidade da provincia se servissem dos antigos usos vigentes no pais mais bem fundamentados, para a reunião representativa, existindo taes propriedades nos cabildos que sempre ali gozárão de influencia, sendo além disto os que nas passadas convulsões tiverão toda a autoridade nos povos, e os que tem a opinião publica, e a quem os mesmos povos se sujeitavão; onde não ha cabildos, estão as justiças territoriaes na razão delles, e são o centro commum dos interesses dos seus respectivos visinhos, e do direito legitimo, ou convencional de os promover, e de os representar; por tanto não he exacto o que diz o Ministro, porque esta representação foi dictada pelas circunstancias. Em consequência não se póde por maneira alguma asseverar e sustentar que a vontade dos povos não foi suficientemente declarada; o que póde sim dizer-se he que o Barão de Laguna faltou á feira das instrucções que pelo Governo lhe forão enviadas, para proceder na convocação do Congresso cisplatino; mas deste principio já mais se poderá concluir que a vontade dos povos deixasse de ser claramente manifestada. Admiro-me muito de que o

Ee 2

Página 220

[220]

Ministro seja aquelle mesmo que tome a seu cargo a defeza voluntaria e graciosa dos povos, reassumindo os seus direitos, queixando-se em seu lugar quando elles se não queixão, e antes pelo contrario sabemos que estimão a sua união, e incorporação com o Reino Unido, pois que a experiencia lhes mostrou que era útil esta deliberação: o que acabo de dizer apparece a toda a luz e vê-se, se lançarmos os olhos para os procedimentos do Buenos Ayres; vemos que a pezar dos esforços feitos por aquelle governo para não sortir effeito esta incorporação, com tudo os povos se não allucinárão, e menos as pessoas, a quem se procurou reduzir, como o doutor Fructuoso Rivera, a quem até se offereceu o supremo poder da provincia; menos sortirão cffeito as tramas traçadas por Buenos Ayres para calumminar o governo do Barão, e depois até o proprio Congresso por meio de um periodico etc. etc. o que tudo em verdade prova qual era a vontade dos povos e o quanto elles approvárão o que o Congresso fez.
Quanto porém ao que se quer inculcar sobre compromettimento nosso com a Hespanha, me parece que esta reflexão não póde ter lugar; porque: todos os tratados estão nullos, e forão violados por ella, que até abandonou aquelles desgraçados povos, deixando-os entregues aos horrores da guerra civil, e ao choque violento de partidos diversos, etc., etc.; além disto conviria porventura á grando nação portugueza, nação digna de heroes, abandonar aquelles desgraçados povos? E isto porque um ministro portuguez assim o lembra? Seria sem duvida similhante deliberação contraria á dignidade deste soberano Congresso, e uma tal decisão apressada, e dada sem a precisa madureza podia de certo produzir graves males. Por tanto resumindo as minhas idéas, a minha opinião e voto he, que só não decida sobre a 2.ª parte do parecer da Commissão, em quanto não vierem noticias ulteriores a respeito daquella provincia; ou então que se diga ao Governo, que procure todos os meios possiveis para saber, se com effeito a vontade dos povos foi ou não manifestada sem suggestão, ou se em verdade he esta ainda a vontade daquela provincia, para poder em fim decidir-se com todo o conhecimento de causa sobre matéria de tanta ponderação: este o meu modo de pensar a este respeito, e o meu voto.
O Sr. Miranda: - Sr. Presidente, eu principiarei pela vehemente peroração com que o illustre Preopinante rematou o seu discurso. O illuslre Preopinante fazendo aparallelo entre a importância da occupação de Monte Video, e o interesse que temos em manter e estreitar cada vez mais a nossa alliança com Hespanha, pareceu esquecer-se que a mais cordial e franca cooperação com esta potencia, de cujo destino dependem hoje os destinos da Nação portugueza, he o abjecto hoje em dia da maior transcendencia, e que mais que outro algum deve hoje em dia fixar seriamente a attenção do Governo.......... em vez de se em pregarem estas forças para fazer entrar na ordem as provincias dissidentes, continuem a guarnecer uma provincia estranha que pondo a coberto um governo rebelde o habilitão a desenvolver a seu salvo as loucas idéas que tem ousado conceber. O illustre Preopinante, e outros que o procederão falando no mesmo sentido, tem accusado o Governo por mostrar uma contínua perseverança, afinco, e obstinação, como elles mesmos se exprimem, em consultar o Congresso Acerca da retirada das tropas européas de Monte Video, como se o Governo para similhante medida não estivesse autorizado, e como se ella não se achasse na esfera das suas attribuições. Além de que os illustres Preopinantes se quizessem rflectir um pouco facilmente verião, que laboravão em uma completa equivocação. O Governo não consultou o Congresso ácerca da retirada da divisão dos chamados voluntarios reas, por maneira alguma se deprehende dos officios e documentos, que forão mandados á Commissão diplomática. Toda a correspondencia foi dirigida pelo Ministro dos negocios estrangeiros, e he bem claro que por via deste Ministro não havia de ser remettida ao Congresso uma materia que por sua natureza era da competencia da secretaria de guerra. Como nem todos os membros desta assembléa estarão bem informados do que se tem passado a este respeito, em poucas palavras, e quanto o permute a publicidade, que pode ter esta materia, direi o que he bastante para a sua illustração. Logo que a corte foi estabelecer-se no Rio de Janeiro, por occasião da invasão franceza concebeu o plano de engrandecer-se na America, e vendo que não podia alargar-se para o norte voltou-se para o sul, e achou no Rio da Prata uma divisão natural e uma linha de fronteira que quadrava perfeitamente com as suas vistas. A revolta das provincias de Buenos Ayres, de Entre Rios, e Monte Video offereceu-lhe motivos para invadir esta provincia, que as tropas portuguesas forão occupar com o plausivel pretexto da segurança das provincias limitrofes do sul do Brazil, pretexto que serviu de pedra angular em todas as intrincadas negociações habil, mas ardilosamente tratadas pelo Condo de Palmella. Deu lugar esta occupação a reclamações da parte de Hespanha qu tomou para medianeiros os gabinetes das principaes nações da Europa, e as negociações achavão-se em actividade quando uma nova ordem de cousas obrigou Sua Magestade a regressar para a Europa. Pouco antes da sua partida he que se mandarão ao Barão de Laguna as ordens a que se refere o Ministro para a convocação de uma assembléa, formada pelos representantes dos povos de Monte Video, como todos sabem, assim como todos sabem qual foi o resultado das suas deliberações.
Que o governo de Hespanha, tinha sobejos motivos para suspeitar que o Barão de Laguna, além das ordens ostensivas recebêra outras secretas, he comprovado pelos mesmos factos com que o Ministro o segue por se ter inteiramente desviado das instrucções, que o Governo lhe havia dirigido, porém estes factos devem ficar ao cargo do general, que visivelmente abusou da influencia que tinha como commandante das forças. Basta olharmos para a condição 2.ª do acto de incorporação, pela qual se declara que o general Barão de Laguna continuará no Governo daquella provincia, e isto sem restricção alguma; basta vermos que o general sem que para isso autorizado, declarou que elle em nome de S.

Página 221

[221]

Magestade aceitava o acto de incorporação, declaração em que commetteu duas faltas de maior importancia: 1.ª aceitar a continuação indefinida de um emprego sem permissão do Governo: 2.ª exercer um acto que só he da competencia das Cortes. Assim mesmo o Governo despresando esta declaração, dirigiu o acto do incorporação ao Congresso, e como da resolução das Cortes depende o progresso das negociações pendentes e a maneira porque devem ser reguladas, por isso o ministro o dirigiu ao Congresso. O ministro pondo a cargo do Barão de Lagurva todas as irregularidades, que commetteu, toca accidentalmente no estado de indisciplina e mais circunstancias, em que se achão as tropas de occupação. Esta materia excitou a attenção da Commissão diplomatica, e depois de exigir do Governo as informações necessarias expendidas no preambulo do seu parecer, reduziu este a dois simples artigos que formão o objecto da actual discussão. A respeito destes dois artigos não repetirei o que se tem dito. Entretanto pelo que respeita ao 2.°, como a probabilidade de ser regeitado diminue consideravelmente pela exposição de argumentos derivados do estado das negociações, que só em sessão secreta convém ser expendidos, por não se fazerem patentes ao publico, e por conseguinte ás nações estrangeiras, que poderião abusar de uma franqueza indiscreta, proponho o seu adiamento. Pelo que respeita ao 1.º tem havido alguma confusão de idéas da parte de alguns illustres Preopinantes em quanto se tem esforçado em sustentar que não convém abandonar a provincia de Monte Video, esquecendo-se que esse he o mesmo parecer da Commissão, e que ha uma differença muito grande entre à evacuação total das forças que occupão aquella provincia, e a faculdade que o Governo tem de occupar militarmente pelo modo que mais conveniente lhe parecer. As forças que se achão naquella provincia com compo mse de 3600 homens de tropas europeas, e de 4500 de varios corpos da provincia do sul. Destas forças sómente 1200 homens he que se achão guarnecendo os postos de Uraguai, o resto está em Monte-Video na mais perfeita ociosidade visto que ha tempos não tem inimigos com quem possão combater. Nestes termos ainda quando o Governo mandasse retirar, e empregar no Brazil, ou onde lhe parecesse, os 36OO Europeos, ficavão 4500 bravos Paulistas, e de outras partes que são mais que sufficientes para a guarnição. Além disto he muito singular que se queirão occultar as circunstancias do Rio de Janeiro? Ignora-se que elle já publicou a sua independencia? Certamente não. E então quando em o Rio de Janeiro se estão dilatando as mólas da independencia, havemos de estar a occupar tropas nacionaes em sua defeza? Não. Ellas devem vir suffocar ali o germen da discordia. O Governo deverá fazer desembarcar aquellas tropas em Santa Catharina ou no Rio, e oxalá que elle já o tivera feito. Por ventura havemos esquecer que os povos de S. Paulo forão os que levantarão já a voz contra a junta, e que um membro della ha sido accusado pelos povos para o Rio de Janeiro? Quando vemos tudo em desordem havemos de abandonar á sua sorte os desgraçados negociantes que ali se achão a ponto de serem victimas da independencia? Não póde ser. Portanto appoio o parecer da Commissão pelo que respeita ao 1.° artigo, o qual se reduz á simples declaração de uma attribuição que inquestionavelmente he da natureza do Governo executivo.
O Sr. Aguiar: - Devo dar uma explicação ao que acaba de dizer o Sr. Miranda, pois que o honrado Membro me fez dizer o que em verdade não disse, por quanto não avancei que desprezassemos a consideração e attenção que devemos ter com a Hespanha, antes pelo contrario approvo, e approvarei sempre todas as medidas que tendão para a conservação desta mesma consideração, não só porque a Hespanha se acha empenhada na mesma causa, que nós tão santa como justamente devemos defender, mas igualmente porque, amando a liberdade, não posso deixar de amar os Hespanhoes que são livres e generosos, e mil vidas que eu tivesse todas empregaria na defeza da liberdade, e na destruição dos despotas inimigos da humanidade: o que eu disse foi, que não podíamos receiar similhante compromettimento com a Hespanha, porque todos os tratados anteriores estavão nullos, e forão violados por ella que ate havia abandonado os desgraçados povos da provincia de Monte-Video, deixando-os entregues aos horrores da guerra civil, e ao choque violento de partidos diversos etc., etc.; eis o que eu disse e ponderei.
O Sr. Andrada: - Ouvi uma bernardice. O Sr. Miranda falou em revolução de S. Paulo: está mal informado. O Principe Regente mandou chamar o general Oyenhausen; duvidou obedecer este general, a ligado com o coronel Francisco de Sousa Queiroz resolvêrão tambem não obedecer; obedecêrão porém dois Membros da junta, Manoel Rodrigues Jordão e o coronel Andrada Machado. Não conseguindo o que querião derão a sua demissão, não fugirão. Ao coronel Jordão e Andrada Machado foi aceita esta demissão, e este veio para o Rio de Janeiro e foi ali recebido cordialmente; não fugiu de certo nem he de familia que fuja. Depois esse mesmo governo mandou já Deputados a S. Alteza a dizer-lhe que em quaesquer circunstancias era o mais obediente servo da regencia do Rio de Janeiro.
Declarada a materia suficientemente discutida propoz o Sr. Presidente á votação a primeira parte do parecer, e foi approvada, substituindo-se as palavras fique autorizado pelas palavras está autorizado.
Reflectindo o Sr. Miranda que a segunda parte do parecer devia ficar adiada para se tratar em sessão secreta, disse
O Sr. Andrada : - He já mui tarde para se adiar este negocio, e para se tratar em segredo. Alguns dos Srs. Deputados, tanto o Sr. relator da Commissão, no seu arazoado denominado de ordem, e em que falou contra a ordem mui vagamente, como tambem os Senhores Castello Branco e Moura, tem falado sobre a segunda parte do parecer. As razões que se allegão não são de pezo: o que he secreto ficará em segredo; o que he publico, o que são razões de direito publico, publicamente se devem tratar.
O Sr. Aguiar: - Eu sigo a mesma opinião. Este negocio tem sido tratado publicamente. Muitos il-

Página 222

[222]

lustres Preopinantes tem já falado sobre a 2.ª parte do parecer do Commissão; eu igualmente falei sobre ella, expendendo até muitas e muitas razões, que aliàs não exporia, se me lembrasse que esta questão ficaria adiada para ser tratada em sessão secreta: por tanto deve continuar a ser discutida publicamente: eu pela minha parte não tenho a menor duvida, e menos medo de votar publicamente, porque sempre votarei conforme a minha consciencia, e o que me dicta a rãzão; e os que sendo de opinião contraria forem vencidos, tem o recurso de fazer declarar na acta o seu voto.
O Sr. Gyrão: - Eu levanto-me para apoiar o adiamento, e isto por muitas razões e muito fortes. A primeira razão he que pouco tempo nos resta desta sessão: 2.ª porque estas materias tratão-se primeiro pela diplomacia: 3.ª e ultima razão e mais forte, he que a esta decisão deve preceder uma discussão muito franca a respeito dos Srs. Deputados do Brazil. Eu lamento a nossa sorte, e se acaso ha provincias dissidentes, os poderes dos Srs. Deputados destas provincias estão quebrados e nullos (A'ordem, á ordem.) Eu falo com toda a decencia, e não offendo ninguem, estou na ordem. Por tanto esperemos ulteriores noticias, e não decidamos um negocio de tanta ponderação, sem que ellas venhão, e sem que primeiro haja a franca discussão de que acabo de falar.
O Sr. Andrada: - Eu declaro desde hoje, que nem a minha dignidade nem a minha consciencia me podem permittir o vir aqui. O Congresso tome isto em consideração. A minha provincia he dissidente completa; ha factos, ha um decreto de S. Alteza; os procuradores admittidos em S. Paulo, em Minas, nas provincias do Rio de Janeiro, etc. estão em sessão actualmente; ha o procurador de Monte Video, ha a sua fala impressa, a sua fala em que elle agradece ao Principe a sua incorporação e jura fidelidade. Nestas circunstancias nenhum Deputado do Brazil que tiver algum senso e prudencia ha de querer continuar a estar aqui. He impossivel que lhe não doa a consciencia quando votar em medidas contrarias aos legitimos interessas da sua provincia.
O Sr. Martins Basto: - O que acaba de dizer o Sr. Andrada póde entender-se, que he indecoroso a todos os Deputados do Brazil. O Congresso não sabe menos do que eu a respeito do Brazil: só elle he que póde manjar. Eu heide desenganar-me quando tiver visto que a provincia do Rio de Janeiro escolheu com effeito novos Deputados: antes disso não.
O Sr. Presidente: Isto he materia nova, he necessario uma indicação por escripto para ter lida 1.ª e 2.ª vez, e discutida.
O Sr. Caldeira e algum outros Srs. Deputados apoiárão o adiamento, e procedendo-se á votação, venceu-se que ficasse adiada a 2.ª parte do parecer, decidindo-se que voltasse á Commissão, para que instruindo-a com a correspondência diplomatica proponha o parecer para se discutir em sessão publica, ou proponha a sessão secreta, se assim julgar necessario. Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia o resto das indicações relativas á Constituição; e na hora da prolongação os pareceres dias Commissões, a eleição da mesa.
Levantou-se a sessão depois das 4 horas e meia da tarde. - Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DE 26 DE AGOSTO.

ABERTA a SESSÃO, sob a presidencia do Sr. Freire lerão-se os actas da sessão ordinaria, e extraordinária do dia antecedente, e forão approvadas.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente, e mencionou os seguintes

OFFICIOS.

Illustrissimo e Excelentissimo Senhor. - Sua Magestade manda remeter às Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza a consulta inclusa da junta da Casa, e Estado do Infantado, do 1.º do corrente, expondo que a suspensão do tombo geral, e do condado da Feira, ordenada por aviso de 23 de Outubro de 1820, da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, não póde deixar de ser ruinas á fazenda da serenissima Casa, e que ao contrario na continuação dos ditos lombos receberá a mesma Casa mais util beneficio, para que servindo-se V. Exca. de a fazer subir ao conhecimento do soberano Congresso, haja de decidir como mais Justo e conveniente for.
Deus guarde a V. Exca. Palacio do Queluz em 22 de Agosto de 1822. - Sr. João Baptista Felgueiras. - Filippe Ferreira de Araujo e Castro.
Remettido á Commissão de justiça civil.
Ilustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As informações exigidas pelo soberano Congresso, sobre a representação da confraria do Sr. Jesus dos incuraveis, de Villa Franca de Xira, comprehendem tres objectos, que exacta e succintamente se expõem.
A propriedade da ermida e casas que se pedem he do padroado real: por esta razão, e por manter a sua integridade, se oppoz o procurador da corôa á sua doação, e assim consultou o Desembargo do Paço, e resolveu o Governo.
O conceito que o Governo forma desta instituição, he todo o que merecem homens que de coração se votarão á humanidade, e á religião em seu verdadeiro espirito, e que tantos serviços lhes tem feito a elles, e ao Estado, como he notorio, e publico facto, geralmente attestado, e constante de todas as informações; toda a protecção que lhe prestar o soberano Congresso, he bem merecida e justa.
No que respeita porém á qualidade desta protecção que se manda ao Governo indicar, parece bem justa a concessão da propriedade e administração da ermida e casas que se pede, e que o Governo lhe não póde outorgar, por exceder as suas attribuições.
Outros auxílios parece não os carecer por ora, pela muita e generosa piedade dos fieis daquella villa, que sufficientemente mantem aquelle estabelecimento.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×