O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 139

DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 21.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 1821.

SESSÃO DO DIA 23 DE FEVEREIRO.

Leo-se e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

LERÃO-SE diversos Requerimentos, que forão remettidos ás respectivas Commissões.

O senhor Guerreiro, em nome da Commissão de Legislação, leo os seus informes sobre huma Petição dos Moradores de Villa Boim, relativa a huma Provisão do Desembargo do Paço, para alli se não venderem vinhos de fora do Termo, em quanto os houvesse do mesmo Termo; e sobre huma Representação do Corregedor de Portalegre ácerca da prisão dos salteadores, referindo-se a hum Projecto de Policia. Forão approvados.

O senhor Bordes Carneiro, por parte da Commissão de Fazenda, leo huma Proposta sobre a reducção das Despesas Publicas, que foi declarada urgente; e, lida segunda vez, foi admittida á discussão, mandou-se imprimir, e he a seguinte:

PROPOSTA.

Se convirá, vista a presente urgencia do Thesouro Nacional, fazer-se alguma reducção, e qual, nas despesas seguintes, que se estão fazendo em cada anno, como consta do orçamento remettido pelo Ministro da Fazenda.

[Ver tabela na imagem]

O senhor Vanzeller leo o Parecer da Commissão de Manufacturas e Artes ácerca do Requerimento de Lefranc e Companhia, relativo a huma Fabrica de algodão e seda. Ficou adiado.

Proseguio-se em discutir o artigo 21.º das Bases da Constituirão. Questionou-se: se o Poder Legislativo devia residir em huma só Camera, ou em duas; e se o Key devia ter o Véto absoluto, ou suspensivo, ou de nenhum modo. Ao que disse:

O senhor Pereira do Carmo. - Vou pegar da questão no mesmo pé em que a deixou a discussão de hontem. Parece-me que tres forão as opiniões, que se pronunciarão nesta Augusta Assemblea. A primeira, que na formação do novo pacto social se devião decretar duas Cameras. A segunda, que no caso de se não decretarem, se devia conceder ao Rey

Página 140

[140]

o Véto absoluto. A terceira, que se não devião formar as duas Cameras, nem conceder ao Rey qualidade alguma de Véto. Direi o que me occorre sobre cada huma destas opiniões, e pela mesma, ordem com que forão enunciadas.

E em quanto á primeira, os senhores Deputados que produzirão esta opinião, sobre a inculcarem como mais liberal, a fundamentarão nos perigos, que podião resultar de não haver hum corpo intermediario, que servisse de medianeiro entre o Rey, e a Nação; pois que dando-se huma só Camera legislativa, e subjeita a facções, e a partidos, era muito de recear, que ré precipitasse sobre o poder ficar, fazendo então degenerar a Monarchia Constitucional (o só Governo que eu desejo, e todos nós desejamos) em Republica, e por consequencia em Anarchia. Em huma palavra adoptarão aquella mesma opinião, que nestes ultimos tempos ha sido a dos celebres Publicistas Beijamin Constant, Lanjuinais, e do benemerito auctor do Campeão Portuguez.

Eu respondo em primeiro lugar, que a machina politica he já de se mesmo muito complicada; e que os Legisladores previdentes, longe de augmentar-lhe as rodas, devem muito principalmente esmerar-se em simplifica-la quanto seja possoivel, e desviar todos os tropeços, que podem embaraçar, e empecer ao seu gyro. Ora, sendo este principio de eterna verdade, julgo eu que muito vamos complicar o nosso pacto social com a creação de huma segunda Camera; mormente quando me lembro que a Nação he huma, e que por analogia a Representação Nacional deve ser huma.

Respondo em segundo lugar, que só respeito por melhor aquella Constituição, que une parece mais accommodada aos costumes, e differentes circunstancias do paiz a que se destina: e levado deste principio he que procuro, quanto o permittem as luzes do seculo em que vivemos, conciliar as nossas novas instituições com os nossos bons, e antigos usos, e costumes. Ora, correndo eu os settecentos annos da vida politica desta Monarchia, nada vejo em sua Historia que se assemelhe com o estabelecimento de duas Cameras, que nos propõe o Senhor Pinheiro: eu não vejo senão Cortes e Rey, Rey e Cortes. Talvez que alguem diga, que nessas mesmas Cortes se contrabalançarão os Poderes, e equilibravão as pertenções dos Tres Estados do Reyno, Clero, Nobreza, e Povo; porque deliberavão em Cameras separadas: mas observo, (sobre não ser exacta a comparação), que não foi esse o nosso bom, e antigo uso e costume desde o berço da Monarchia, e que só na sua velhice, isto he, no fraco reynado do decrepito Cardeal Rey he que pela primeira vez se introduzio nas Cortes de Lisboa de 1579. Os mesmos Filippes, que forão tachados, e com rasão, de usurpadores, se conformarão sempre ao costume antigo, assim nas Cortes de Thomar de 1581, como nas de Lisboa de 1583, e 1619, e só deixou de se pôr em effeito desde a Acclamalção do Senhor D. João IV. em 1641, porque desde então começou a prevalecer o principio de dividir para reynar.

Respondo em terceiro lugar, que a segunda Camera proposta como mediadora entre o Rey, e a Nação, para sustentar o equilibrio da Monarchia Constitucional entre a anarchia, e o despotismo, não póde desempenhar os altos fins a que a destinão seus Auctores, e isto por huma rasão bem simples, e he, porque não póde guardar entre hum, e outro Poder, a mais exacta e rigorosa imparcialidade; e por consequencia falta-lhe o requisito essencial para ser medianeira entre o Rey e a Nação. Prova-se: esta segunda Camera, ou ha de sahir da massa da Nação, ou da classe privilegiada dos Nobres. Se da primeira, não se póde reputar imparcial, porque naturalmente hade inclinar-se a favor de seus Constituintes, de quem recebe poderes, e consideração. Se da segunda, alem de não admitirmos já Classes na formação da Representação Nacional, aonde só figurão individuos: he claro que tambem se hade bandear a favor do Poder Arbitrario, de quem está na posse de receber honras, e mercês, com que tem medrado á custa das outras classes. O illustre Preopinante lançou mão da antiga Historia das Republicas Grega, e Romana, e bem assim da Historia das Republicas da Itália na idade media, para fundamentar a sua opinião, sem se lembrar que os tempos são mui outros do que dantes erão: pelo contrario eu lançarei mão da Historia de nossos dias para defender a minha. Nos derradeiros annos do seculo passado huma grande Nação formou duas Cameras do Poder Legislativo, huma a que deo o nome de Conselho dos Quinhentos, e outra dos Anciãos: que resultou desta defeituosa organização social? A continuação das desgraças da França.

Respondo em quarto, e ultimo lugar, que detesto mais o despotismo de cem, ou duzentos, de que o despotismo de hum só, como sabiamente ponderou o Senhor Trigoso: mas digo, que o despotismo anda quasi sempre annexo a perpetuidade do cargo, e por isso he mais de recear do Poder Executivo, (que alem da perpetuidade, tem na sua mão as graças, e a força) do que de huma só Camera Legislativa, que dura tres mezes; que se renova todos os annos, ou de dous em dous, e dos homens mais sabios e seguros da força), que tem muito a perder em qualquer onda revolucionaria, que o mar agitado das paixões póde mui bem lançar sobre elles mesmos. Não he natural que os que tem a perder, folguem com as revoluções, e gostem da anarchia, que ellas trazem comsigo: os Sans-Cullotes de todos os paizes são os que muito se comprazem com as aguas turvas, porque nellas he que esperão fazer vantagem.

Mas se não ha duas Cameras, dizem outros Illustres Deputados, deve conceder-se ao Rey hum Véto absoluto. Eu reputo o Véto absoluto huma monstruosidade politica, porque o Rey vem, por via desta prerogativa, a embaraçar a acção do Poder Legislativo, e então rompe-se inteiramente o equilibrio dos tres Poderes: de maneira que lidando nós por nos afastarmos da anarchia vimos por meio daquella concessão, a cahir nas mãos do despotismo. Para salvar todos estes embaraços, he que o Projecto concede ao Rey o Véto não absoluto, como unico meio de conciliar todas as collisões: e he por isso; que julgo muito exagerada a terceira opinião; pois he bem sabido que competindo ao Rey a execução das Leis, muito melhor desempenhará este dever, se tiver alguma parte na sua formação. Opponho-me portanto ás duas Ca-

Página 141

[141]

meras, e ao Véto absoluto, conformando-me inteiramente com o artigo 21 do Projecto das Bases.

O senhor Annes de Carvalho. - Dous são os pontos substanciaes que nos occupão neste artigo das Bases. 1.º: Se acaso será conveniente que haja duas Cameras: 2.° Se deverá haver Véto, e se este ha de ser absoluto, ou resumido, ou nenhum. Em quanto ao 1.° propoz-se-nos hum Projecto para estabelecer duas Cameras Legislativas. Mas quaes são os elementos que devem entrar na segunda Camera Legislativa? Não se nos deo outro dado, senão ser Electiva, e mais nada absolutamente. Por consequencia o Projecto da segunda Camera está concebido com huma nimia generalidade, com huma demasiada abstracção, e não nos dá lugar a podermos julgar da sua influencia, boa ou má, sobre a Nação; nem da boa, ou má coherencia com os outros pontos das Bases da Constituição. Se acaso se nos dissesse o tempo que deverião durar os Membros desta segunda Camera; se além disso se nos determinasse a sua perpetuidade; se se nos designasse a natureza de seus elementos, isto he, se elles deverião ser escolhidos em attenção á sua Nobreza, ás suas riquezas ou talentos, ou se se deveria fazer huma combinação destes tres elementos, então já se nos offerecia alguma cousa por onde- pudéssemos julgar se o projecto ora adoptavel? ou não. Mas, como já disse, o Projecto elevou-se a huma entidade demasiadamente arbitraria, e que offerece muito poucos pontos seguros para ser comparado com a sua influencia, boa ou má, e com sua coherencia com a Constituição: daqui resulta o sumido defeito do mesmo Projecto, e vem a ser; não se poder applicar á experiencia. Eu tremerei sempre de theorias que não podem ser verificadas pela experiencia; porque as idéas concebidas, e propostas simplesmente pela imaginação intellectual, illudem muito: por isso toda a theoria com a experiencia he incomparavelmente para mim mais concebivel do que a outra que he limita a estas idéas intellectuaes. Agora nós não nos podemos valer de experiencia alguma para julgar da bondade, ou maldade do Projecto, segundo valle he apresentado. Se acaso queremos tomar esta experiencia do tempo do Directorio, não podemos sabor; se estará em coherencia com elle ou não. Se acaso o quero comparar com o systema complicado dos Tribunaes, não posso; porque não he possivel comparar factos, com factos, quando de huma parte vejo estes factos, e de outra não acho senão abstracções. Se o quero comparar com o resultado das duas Cameras de Inglaterra, ou da America do Sul, acho-o nas mesmas circumstancias; em fim, qualquer experiencia que se quizer luzes relativamente aos Governos que tenha, relação com o que este Projecto quer, não he possivel comparalla com elle, porque não apresentei relações para esta comparação. Por conseguinte he muito precioso o Astenia; porque todo o Projecto que não pede ser julgado pela experiencia, e certeza da verdade, he muito perigoso. Deste segundo defeito nasce hum terceiro, e vem a ser: offerece-se-nos este Projecto para Base de Constituição. Que cousa he Base de Constituição? He hum principio geral, muito fecundo em conclusões practicas, e conclusões que estejão em coherencia com esse principio, porque não são mais que huma deducção do principio mesmo. Agora demos essas Bases ao Congresso, e diga-se: haverá huma Camera Electiva; he preciso daqui deduzir outras conclusões que estejão em coherencia com este principio. Desejo sabor que conclusões hão de tirar os que houverem de fazer a redacção da Constituição? Nenhuma, porque isto he abstracto, não he concreto, não he individualizado, não contem em si dados para o que os Redactores da Constituição houverem de fazer. Logo, não podendo este Projecto servir para Base; não podendo alem disso ser examinado, e posto em prova pela experiencia; e tendo sobre tudo o ser demasiadamente novo, e abstracto, segue-se que elle não se póde approvar, nem desaprovar: porque não se sabe se póde ter influencia boa, ou má na Nação. Mas já que não podemos examinar o Projecto como podia ser comparando-o com a experiencia, limitemo-nos á sua generalidade; que he o mesmo que dizer, que não póde ser examinado, senão debaixo deste ponto de vista: que bem ou mal podem fazer em Portugal dous Corpos Legislativos, sem que se designe a natureza de cada hum? Assim se póde analysar a questão. A primeira vista vê-se hum deleito neste Projecto: vem a ser, o complicado systema Legislativo. Todas as vezes que o systema Legislativo se complica, resulta hum mal, principalmente se acaso este mal se póde evitar. Deste defeito de ser mais complicado resulta outro, que vem a ser; não se admittir unidade de Legislativo, e nada convém mais que isto. Ora o Projecto concebido assim apresenta este segundo prejuiso. Mas dir-se-ha: assim mesmo se complicou justamente; porque, simplificada a Legislação, a sua mesma simplicidade obstará ao bem da Nação. Examinemos qual das duas cousas he melhor. De que he que se trata, da creação de hum corpo, da creação de dons corpos Legislativos, ou de dar á Nação Representantes que tenhão a maior sabedoria possivel, e que sejão o mais isemptos de paixões particulares; Representantes que toda a sua paixão seja o bem publico, que o Cidadão para elles seja tudo, e o homem nada? Agora examinemos se será conservada a Sabedoria, e a boa vontade com dous corpos melhor do que com hum. Se acaso os dous Corpos forem mais numerosos que hum, então he certo que poderá haver mais Sabedoria nos Legisladores, mas, se nisto consiste, augmentando o unico Corpo Legislativo, se teria conseguido o objecto: por conseguinte não se póde dizer, que duas Cameras Legislativas tenhão mais Sabedoria que huma. Faria mais vontade? Pelo commum não. Não posso imaginar que os mesmos homens por estarem unidos em huma Salla, ou separados em duas, tenhão mais amor ao bem commum; com que, tão pouco se pOde concluir que tenhão mais paixão pelo bem da Nação. Finalmente, haverá menos numero de paixões? Creio que não; de modo nenhum: e pelo contrario, eu julgo que em duas Cameras haveria mais paixões. Em todo o Corpo Legislativo ha, e deve haver indispensavel mente partidos: se os Corpos Legislativos são dous, multiplicão-se as paixões; porque além das paixões particulares que haveria em cada hum dos Corpos Legislativos, estas paixões farião dividir-se entre si as Cameras, e em consequencia resultarião

**

Página 142

[142]

entre ellas divisões, e partidos, como se observa em Inglaterra, e em todas as outras partes onde ha este genero de Governo; logo não se póde dizer que o Projecto de duas Cameras Legislativas, resolva o grande Problema de dar mais segura, e sabia Legislação á Nação. Mas diz-se: dous Corpos favorecem mais a Liberdade da Nação do que hum Corpo. Não sei; confesso que para mim he enigma que não posso decyphrar. Em hum Corpo só vejo huma Representação Nacional, vejo por consequencia a identificação dos interesses dos Nacionaes, e vejo por consequencia mais interesse, e propensão nos Membros para fomentar a liberdade da Sociedade. Nas duas Cameras já não vejo isto. Necessariamente alguma das Cameras ha de ser superior á outra. Necessariamente alguma das Cameras ha de ter interesses privados, aos quaes ha de querer sacrificar os do bem commum. Pergunta-se: haverá menos precipitação? A isto já tem respondido muito bem alguns dos Preopinantes. Não se póde julgar a precipitação inherente a hum Corpo Legislativo quando mais, será este hum defeito de hum Corpo Legislativo mal regulado, cujo defeito se póde remediar logo que se regule de hum modo melhor a maneira de Legislar, para o que tem-se inventado innumeraveis methodos. Mas supponhamos que nenhum destes methodos chegasse a obter o resultado: suppo-nhamos que huma Camera fosse precipitada a pesar de tudo: e duas, porque o não serião? Se a primeira seria precipitada em propor as Leys, a segunda, rival da primeira, seria tambem precipitada em resolver as Leys que a outra propôs, e assim teriamos huma dupla precipitação. Talvez que o melhor modo de defender o tal projecto seja o de considerar huma das Cameras como hum Corpo conservador. Porem eu respondo primeiramente que nas Bases da Constituição se assenta como hum Corpo conservador o Conselho de Estado. Em segundo lugar, que em toda a Sociedade não ha senão hum Corpo verdadeiramente conservador: vem a ser, hum bom systema de Eleições, huma boa liberdade de Petição, huma opinião publica, franca, e determinada, resultado da Liberdade da Imprensa. Quando houver estes tres elementos a Sociedade será perfeita, e boa, senão permanecerá em eterna escravidão, ou ficará em huma perpetua flactuação. Por consequencia para eu ver se este projecto das duas Cameras, se podia abraçar como conservador, era necessario que se explicasse a sua natureza, e elementos. E então veria se era conservador, ou destruidor; porque huma segunda Camera póde ser huma, e outra cousa, segundo os seus elementos: como estes não se disignarão, não podemos dizer se será huma cousa ou outra. Logo, resumindo, cocluo: que me parece que o projecto como elle he proposto não se deve admittir. Daqui passo ao Véto. A questão he se se deve dar hum Véto que seja absoluto, ou suspensivo. Direi brevemente a minha opinião a este respeito. Sendo a Ley a expressão resumida da vontade, da unidade, e da pluralidade, achar hum Corpo Legislativo que exprima a vontade da Nação, he o grande problema que se pertende resolver. Para isto o primeiro elemento, e o mais principal he o das Eleições. Se ha hum plano bem ordenado, então he summamente provavel que os Deputados da Nação exprimão o mais aproximativamente que he possivel a vontade da Naçãoo. Mas ainda mesmo que o plano seja bem concebido, com tudo póde acontecer que os Deputados ou por ignorancia, ou por erro, ou por malicia, ou por precipitação, não acertem a exprimir bem a vontiade da Nação. Eis-aqui porque se julgou necessario recorrer a hum poder que rectificasse os desacertos que pudesse hiaver neste Corpo Legislativo, e assim expressasse melhor a vontade Nacional. Se acaso o Poder Executivo concorda com o Legislativo, resulta daqui a summa probabilidade de que o Legislativo exprima o melhor possivel a vontade da Nação: mas se acaso ha divergencia segue-se o Véto. Neste caso onde diremos que está o acerto? Da parte do Corpo Legislativo, ou do Corpo Executivo? Examinemos o Corpo dos Deputados. Este tem por si muitas vantagens que não tem o Poder Executivo: primeiro tem grande pluralidade, e he mais provavel que cem Homens acertem, do que hum; ainda que se considere acompanhado dos seus Secretarios, e do seu Conselho. Em segundo lugar, o Corpo Legislativo tem por si a confiança da Nação, esta he grande vantagem. O Corpo Legislativo, fazendo publicas, e frequente as suas Sessões, póde merecer a confiança da Nação: a Nação o escolheo, e o mantem: mas não se póde dizer igualmente que tenha sempre o Poder Executivo a opinião da Nação. Terceiro: o Corpo dos Representantes tem a vantagem de que elles são escolhidos de todos os pontos do Territorio; estão em contacto com toda a Nação; podem entender melhor a vontade, e a opinião da Nação do que hum Poder que, estando no centro, está mais distante da circumferencia. Quarta vantagem: o Corpo Legislativo he muito numeroso, por consequencia aproxima-se mais a vontade geral; porque a proporção que as vontades particulares dos individuos se aproximão entre si, assim tambem se aproximpu á vontade geral da Nação; e, tendo por si esta vantagem que não goza o Poder Executivo, tem huma probabilidade mais para o acerto. O Corpo Executivo tem huma vantagem que não tem o Corpo dos Deputados, que he a practica da execução: e isto he de muito valor. Mas os Deputados nem por uso deixão de ter tambem esta vantagem, porque as acções do Poder Executivo hão de ser observadas pelos Representantes da Nação, que as podem patentear. Logo, ainda que o Corpo Executiva tenha alguma vantagem, não se póde dizer que as tenha todas. Por conseguinte posso estabelecer esta conclusão: he mais provavel que acerte o Corpo Legislativo do que o Corpo Executivo; mas, como o ser provavel não he ainda ser certo, he aqui onde he bom o Véto; porem não Véto absoluto, porque se se adopta o Véto absoluto, he o mesmo que se se dissesse: apesar de haver mais probabilidade para o acerto no Corpo Legislativo que ao Corpo Executivo, queremos com tudo que decida o Corpo Executivo. Eis-aqui por tanto a rasão porque adopto hum Véto, mas não hum Véto absoluto. Acresce mais: não convem carregar de prerogativas o Poder Executivo. Sabe-se que, alem de ser elle Senhor da acção da Sociedade, tem outras considerações moraes. O Poder Executivo em Portugal, e em outras Monarchias, tem a seu favor o lustre do Throno; e sabe-se bem que qualidade de potencia he esta, para influir na imaginação dos Homens. Em 2.º lugar, tem o lustre de huma familia antiquissima, Hereditaria, e

Página 143

[143]

Historica: o que dá hum grande poder moral, que he superior muitas vezes por seu influxo ao poder physico. Em 3.° lugar: o Poder Executivo he acompanhado de huma grande elevação. Todas estas potencias imoraes o fazem adquirir huma força immensa. Se acaso nós lhe accrescentassemos hum Veto absoluto davamos-lhe huma terrivel preponderancia sobre o outro; quanto mais, que o Poder Executivo ha de ter indispensavelmete a iniciativa das Leys, legal, ou illegalmente: ha de ter esta iniciativa legal pela Constituição, e ha de poder ter esta iniciativa illegalmente pela influencia que póde ter para encaminhar a seus desejos os resultados. Eis-aqui outro poder, e outra vantagem do Corpo Executivo. Ora agora eu não sei que isto se possa conciliar com o equilibrio que deve haver indispensavelmente entre os poderes. Não sei que isto se possa conciliar com o equilibrio, havendo hum poder tão grande, tão perenne, e tão perpetuo. A balança indispensavelmente propenderia a seu favor. Se acaso assim póde (como tenho dicto) haver equilibrio, ou não o percebo.

O senhor Serpa Machado. - O digno Membro que vem de fallar prevenio grande parte das minhas reflexões, porem nem por isso deixarei de expôr as minhas idéas sobre este objecto, referindo as minhas considerações á proposição principal deste artigo, que entrega ás Cortes o Poder Legislativo, dependente da Sancção temporaria do Rey. Examinemos primeiro quaes são os males que resaltão deste systema de organização, e a sua importancia. Vejamos em segundo quaes são os remedios destes males, e se os que hontem se indicárão são efficazes, e em fim se pela insuficiencia destes se poderão indicar outros melhores, e que sem destruirem a proposição estabelecida no artigo, remedeem ou diminuão seus inconvenientes.

São dous os principaes inconvenientes que nascem da concentração do Poder Legislativo em hum só congresso, primeiro a multiplicidade, e inconstancia de Leys que se desfazem, humas ás outras, o segundo consiste na precipitação com que são formadas. Nisto todos concordão, assim como que similhantes males são verdadeiros, e graves. Os remedios que se lhe indicarão na discussão de hontem no meu parecer são ineficazes, porque duas Cameras representativas, sendo compostas dos mesmos elementos, necessariamente hão de dar os mesmos resultados, com o duplicado vicio de destruirem a unidade; e o Veto absoluto me parece hum remedio peior que o mal; e não posso conceber como o parecer de hum homem, por mais respeitavel que seja, por maior confiança que nelle tenha depositado a Nação, a não ter os attributos da Divindade, deva pesar mais que o de cem ou mais homens que representão tres milhões de habitantes. Á vista de remedios tão insuficientes, nenhum juiso prudente se abalançará a usar delles, mormente quando se poderão indicar outros que sem alterar a proposição estabelecida no artigo, remedeem os apontados inconvenientes.

A precipitação na fatura das Leis, póde evitar-se com multiplicadas discussões, com largos espaços entre humas, e outras, exijindo segundo a gravidade das materias ametade, duas terças ou tres quartas partes de votos, e mil outros meios que amadureção as deliberações.

Em quanto á multiplicidade, e inconstancia das Leys, talvez se pudesse suggerir hum meio simples, que até aqui não tenho ouvido lembrar, e he o de restringir a iniciativa das Leys ou a huma Commissão escolhida das Cortes, ou á Deputação permanente das mesmas, que se ha de estar em innacção de humas para outras Cortes, se poderia occupar utilmente iniciando, e preparando as Leys que deverião discutir-se, e approvar-se no Congresso periodicamente reunido.

Concluo por tanto que a proposição tal qual está se deve conservar no artigo 21.º

O senhor Bispo de Beja. - Na discussão do artigo 21.° das bases da Constituição, que declara que o poder Legislativo reside nas Cortes com dependencia da sancção do Rey, o qual nunca terá o Veto absoluto, hum Illustre Deputado desta Augusta Assemblea foi de parecer que seria muito conveniente que houvesse como huma segunda Camera, a qual deveria ter parte na formação das Leys. Mostrou com ra-sões muito solidas, que esse meio seria mais conducente para se estabelecerem Leys sabias, que promovessem a felicidade, e tranquilidade dos Cidadãos. Esta opinião porem foi refutada por outros Illustres Deputados com fundamentos tambem muito solidos; de maneira que fallando com toda a ingenuidade, não me attrevo a formar juiso decisivo sobre este ponto. Não duvidarei porem aceder ao juiso da maior parte.

Pelo que respeita ao Veto absoluto. Hum Illustre Deputado sustentou, que se devia attribuir ao Rey esta prerogativa para dar a devida consideração á sua Real Pessoa. Nessa opinião encontro grandes difficuldades. Esta materia deve ser considerada debaixo desse ponto de vista. O Rey ou ha de ficar reduzido simplesmente á negativa sobre as Leys feitas nas Cortes, ou alem dessa prerogativa ha de poder dispor das honras, e empregos lucrativos. No primeiro caso pouco ou nada se concede ao Rey, e até se póde affirmar, como mui judiciosamente advertio hum lllustre Deputado na Sessão antecedente, que simi-lhante prerogativa seria fatal ao Rey. Priestlei em hum dos seus discursos sobre a politica diz, que se o Rey d'Inglaterra estivesse reduzido á simples negativa, seria hum fraco recurso. O seu Reyno acabaria logo no dia seguinte áquelle, em que o Rey se tivesse servido deste direito. Ao seguinte caso se concederia ao Rey mais do que comvem. A balança dos poderes não se conservaria em o justo equilibrio. A grande influencia, que ao Rey dá a faculdade de dispor das honras, e empregos lucrativos, fará que o Rey possa facilmente abusar do Véto absoluto, e em consequencia virá a ser inutil o poder Legislativo, que segundo a Constituição reside nas Cortes. Huma Constituição será perfeita se os poderes estiverem de tal maneira distribuidos, que as reacções sejão constantemente iguaes ás acções. E porque o Governo de Inglaterra não tem esta perfeição, por isso a influencia do Rey he tal, que nenhuma cousa se apresenta á sua sancção, sem que elle esteja prevenido, e antecipadamente tenha approvado.

Neste conflicto de opiniões o meu voto he, 1.° que se conceda ao Rey o Véto com as mesmas modificações, que se achão postas pela Constituição Hespanhola: 2.° que se attribuão ao Rey todos os direitos, e prerogativas, que tambem se achão determina-

Página 144

[144]

tias na mesma Constituição, sem que soffrão o mais leve desfalque. O poder do Rey he fundado sobre duas Bases, a saber, a opinião, e o interesse. Não se póde negar que a Pessoa do Rey he considerada como sagrada, e inviolavel, e observaremos esta veneração não só na Hespanha, e Portugal, mas ainda na mesma. França, e Inglaterra. Porem isto não basta. He preciso ajudar, e sustentar esta veneração com o interesse, fazendo que o Rey tenha influencia sobre os outros Poderes, a fim de se conservarem em perfeita harmonia.

O senhor Pereira da Sylva. - A Liberdade do Cidadão está fundada mui particularmente na justa distribuição dos tres Poderes, e no perfeito equilibrio que elles devem guardar entre si: huma vez que algum se arrogue as attribuições do outro em breve desapparere a Liberdade. He muito de recear, sem duvida o despotismo do poder Executivo, e por isso deve a Constituição oppor-lhe obstaculos invenciveis que o obriguem a conter-se nos seus limites; mas não he menos de recear, nem ameaça menos a Liberdade do Cidadão, o despotismo que o poder Legislativo póde assumir, e este despotismo he tanto mais perigoso quanto he maior a rapidez com que obra. O poder Executivo para alterar a Constituição só póde usar de meios indirectos e de longos esforços, o poder Legislativo com huma só pennada altera ou destroe as mais justas, e mais bem estabelecidas Leys: para obstar aos excessos do poder Executivo ha sempre o recurso para o poder Legislativo; para obstar aos excessos deste não ha recurso algum. He por tanto da maior necessidade que na Constituição se estabeleça huma barreira insuperavel que possa conter as pertenções excessivas do Poder Legislativo, e oppor-se á demasiada precipitação com que muitas veres obra: sem isto não está muito segura a Liberdade do Cidadão. Muitos Politicos de primeira ordem se tem occupado deste objecto, e até ao presente não se tem descoberto outro meio mais adequado para conseguir este fim, do que a divisão do poder Legislativo em dous corpos distinctos, que reprimindo-se mutuamente se contenhão nos limites que a Constituição lhes prescreve. Tem-se escripto muito tanto a favor como contra este segundo Corpo, e neste Augusto Congresso se tem allegado quasi tudo quanto sobre esta materia se acha escripto. As principaes rasões dos que impugnão a existencia desta 2.ª Camera ou Senado ou Conselho vem em ultima analyse a reduzir-se a que esta 2.ª Camera só serve de paralysar as decisões da outra, e de manter a rivalidade e divisão. Huma e outra cousa acho eu que não só não são prejudiciaes, mas que são de absoluta necessidade. Sabe-se muito bem que a mania de todas as Assembleas deliberantes he a de accumular Leys, e que em todas ellas he muito frequente a precipitação em materias muito interessantes. Huma só Ley póde ás vezes fazer a desgraça de huma Nação, e que recurso haverá se huma facção dominante for interessada nessa Ley? Disse-se hontem que a 2.ª Camera era inutil para se obter a madureza nas deliberações por isso que tendo todos os projectos de passar por 3 leituras, pelo exame de huma Commissão, e pela discussão da Assemblea se obtinha n'huma Camera só igual madureza nas deliberações. A isso respondo que n'huma Assemblea única, por melhores que sejão os seus regulamentos, não os observa senão em quanto lhe apraz, e nenhuma garantia ha que assegure que ella se conterá sempre nos mesmos limites. Entre nós mesmos temos muitas vezes visto, com o simples pretexto de urgencia, alterar as formulas estabelecidas, e até revogar o que dez minutos antes se determinara. Não he pois inutil, como se disse, mas sim da primeira necessidade que haja huma 2.ª Camera que reprima os excessos da outra. Esse ciume, essa divisão que se recea entre os dous Corpos he maior palladio da Liberdade do Cidadão, e do justo equilibrio dos tres Poderes. Esse ciume essa rivalidade, essa opposição fará com que dous corpos se respeitem; hum delles nunca proporá senão leys justas, e sabias para não dar ao outro motivo para lhas reprovar, e outro nunca se attreverá a regeitar as que forem boas para não cahir no desagrado, e incorrer na justa censura da Nação. Mas suppunhamos que desta rivalidade nascia que a 2.ª Camera embaraçasse em alguma occasião o estabelecimento d'huma Ley judiciosa; o que não he de suppor, pergunto, qual he melhor haver quem embarace n'huma ou outra occasião a publicação de huma Ley boa, ou não haver quem se opponha a huma Ley que derogue a Constituição, e que estabeleça o despotismo legislativo? Ouvi hontem a hum Membro deste Congresso que o despotismo das Cortes nunca se podia recear, por esta Assemblea composta de Membros cujo poder só durará tres mezes; para não multiplicar exemplos que mostrarião a falsidade desta asserção, limito-me a figurar esta hypothese mui possivel. Supponhamos que as Cortes declaravão, debaixo de diferentes pretextos que o tempo das suas Sessões devia ser determinado a seu arbitrio. O Rey com o seu Veto temporario não poderia fazer mais que demorar por dous annos a execução de similhante mudança, porém as Cortes seguintes he natural que continuassem a querer huma alteração que tão proveitosa lhe era, pergunto agora quem se lhe havia de oppor? E traria esta medida comsigo o despotismo ou não? A resposta he facil. Outro Illustre Membro deste Congresso querendo impugnar o estabelecimento das duas Cameras disse que tal medida só poderia ser conveniente depois de reformados os abusos, e de estabelecida a Constituição. Dos seus mesmos principios se conclue immediatamente que devemos estabelece-los na Constituição que vamos formar. Nós vamos reformar os abusos, vamos estabelecer huma Constituição Liberal, vamos formar os Codigos necessarios, e sendo a nossa obra tão completa como ha de esperar das nossas fadigas, e das luzes de tão respeitavel Congresso devemos dar á nossa obra a maior estabilidade possivel, e admittindo o dicto Illustre Membro que a divisão do Poder Legislativo he o mais proprio meio para conseguir esse fim, não sei como possa negar que devemos estabelecer esta divisão na Constituição que vamos formar.

O Senhor Correa de Seabra. - Todos concordão em que, assim como os que tem o Poder Executivo tendem a fazer-se Déspotas, da mesma sorte os que tem o Legislativo; e que he preciso oppôr huma barreira que contenha huns, e outros nos seus justos limites. Os excessos do Povo legislador Romano abrirão a porta para a Dictadura perpetuar, e as Cortes

Página 145

[145]

de Cadiz obrárão logo despotismos que dispuzerão muito a opinião que auxiliou o Rey a postergar a Constituição. Mas não he só o Despotismo que ha a recear nos Congressos Legislativos da natureza das Cortes he a vacillação em que ficão as Leis, porque não sendo possivel que huma Nação, como a nossa, dispa em pouco tempo habitos tão inveterados, por força se hão de conservar nella por muito tempo opiniões inteiramente oppostas, e até apoyadas por interesses, que tocão a muita gente. Segundo a opinião predominante em qualquer dos nossos Congressos, assim serão as leys que delle emanarem, e póde bem succeder que segundo as alternativas deste espirito predominante a cada congresso desmanchando tudo quanto fez o precedente, como em parte viamos acontecer no espirito dos diversos Reynados, e até em hum mesmo Reynado nos projectos dos Ministros que se hião succedendo. Este mal he gravissimo porque deixa sempre incerto o direito de propriedade, e porque facilita ao Poder Executivo o attentar contra o Legislativo, aproveitando-se habilmente da facção descontente.

Dirse-ha que os Deputados sendo escolhidos pela Nação sempre hão de ser pessoas capazes, e hão de querer o melhor. Porém não ha cautelas que possão evitar a preponderancia do huma facção nas Eleições, e ainda que assim não succeda cada hum julga melhor o que he conforme á sua opinião e muitas vezes ao seu interesse que a cada passo nos cega. Ora, se os projectos de Leys não só forem examinados; nas Cortes mas em hum corpo mais permanente em que por isso se possa manter, e conservar certo espirito como he da natureza destas corporações, este corpo obstará á continua mudança das Leys, e não as deixará extraviar daquelle trilho que as luzes, e a experiencia assignalarem.

A prudencia do Senado Romano, e o espirito uniforme que por tantos seculos conservou he que deo a Legislação ao systema admnistrativo, e as medidas de Politica aquella harmonia e perseverança que fez dos Romanos o primeiro povo do Mundo, o que nunca poderia conseguir por si o povo legislador sempre em continuas oscilações e motins desde os primeiros tempos da Republica.

A mesma prudencia do Senado he que soube por muitos seculos conter por huma parte o povo por outra os Consules e Dictadores para se não fazerem Despotas, como por fim o vierão afazer quando o Senado entrou a perder sua influencia.

Será da sabedoria deste Congresso o formalizar hum Senado, ou Conselho de Estado que nem fique na influencia immediata do Rey nem na das Cortes, e que pelo espirito, experiencia, e prudencia de seus membros possa obstar ás facções predominantes, e influir no bom acerbo do Gabinete.

Desta maneira será tambem hum intermedio entre o poder Legislativo e Executivo para evitar o choque directo entre ellas, choque que se por fatalidade acontecer hade facilmente destruir hum delles, e precipitar a Nação em hum abysmo de males.

Para isto propende a opinião da maior parte dos Escriptos, e se os Hespanhoes seguírão outra vereda, o seu exemplo não basta porque da primeira vez forão mal succedidos, e agora da segunda ainda não ha tempo de lhe vermos bom effeito, que segundo podemos ajuisar está mui arriscado. Mas quando para elles seja bom o methodo que escolherão, a nossa situação he tão differente que exige sem duvida a medida de que tenho fallado a qual reputa indispensavel nas nossas circunstancias bem patentes a todos nós. E se isto for indispensavel para bem do Reyno, nisto faremos aquillo para que fomos mandados que he acommodar a Constituição Hespanhola ás nossas circunstancias, e promover do melhor modo possivel o bem publico, que he em que consiste o verdadeiro liberal de todas as instituições. Este Senado de que fallo poderia ser formado á imitação das nossas antigas Cortes entrando nelle pessoas de todas as ordens, e ficando hum corpo permanente, e até para se aproximar mais aos nossos antecesores.

O Senhor Manoel Antonio de Carvalho. - Senhores, não posso conformar-me a que entre nós se estabeleção duas Cameras, nem que o Rey tenha o Veto absoluto, mas apenas o suspensivo. Duas Cameras, como disse magistralmente hum Senhor Preopinante, não fazem senão empecer a marcha dos Negocios. Este Congresso, representando legitimamente a Nação, está cheio de todas as idéas dos melhoramentos e reformas que são necessarias na Administração publica; e nessas circunstancias não póde haver Camera nem Rey, que esteja mais senhor da Nação do que o Congresso della; nisso não vejo senão embaraços, e estorvos, de que nós queremos libertar. Tudo o que não seja ser francos, e liberaes, e seguir os exemplos da Nação visinha que, tenho visto todas as obras dos Legisladores antigos, e modernos, tem feito a sábia Constituição, que não só devemos imitar, senão ultrapassar; tudo o que não seja isto, não he senão pôr estorvos. Ninguem, melhor do que o Sábio Congresso da Nação conhece os interesses della, e a ninguem compete melhor cuidar nelles. Os Povos não são feitos para o Rey, os Reys são feitos para os Povos. O Rey que he bom Rey não póde querer outra cousa, senão a felicidade dos seus Povos. E nessas circunstancias o Rey não precisa de Veto, porque elle não deve prohibir o que he para felicidade dos Povos. Se elle impede esta vontade do seu Povo, então não ha Rey, he o inimigo da Nação. Assim eu me opponho ao Veto absoluto, e não quereria nenhum Veto, senão fosse por contentar essas consiencias que são ou fingem ser escrupulosas. O que he justo, e a Nação quer, o Rey tem obrigação de o querer; porque o Rey deve querer a vontade, e a felicidade da Nação senão não he Rey Constitucional. Demais disso: para que havemos de tirar, ao Corpo Legislativo, a faculdade de Legislar? Se admittimos huma segunda Camera, fazemos que aquelle corpo se a heterogeneo do Congresso Nacional, e que possa amalgamar-se com o Poder Executivo para pôr estorvo á marcha regular dos Negocios, e para que a Nação fique nos mesmos abusos de que acaba de livrar-se, e na mesma escravidão de que acaba de quebrar os ferros. Eu não vejo nada de palpavel nem tão util como a divisão dos tres Poderes, e que cada hum siga exactamente o seu caminho recto. O Povo todo representado neste Congresso, representa a Nação. O Rey Constitucional não deve querer, nem quer mais que a felicidade da Nação. Havemos de dar a hum Homem só mais do que a Nação tem? Eu não tenho duvida de

****

Página 146

[146]

opinar tambem que se lhe conceda hum Véto, mas não absoluto; porque no Veto absoluto, eu vejo a perdição Nacional, e não desejo essa perdição.

O senhor Brandão. - Eu não creio que o Véto absoluto seja hum absurdo, pelo contrario estou persuadido que está em harmonia com as Bases da Constituirão que temos estabelecido, e principios que adoptamos. Estabelecemos no artigo 16.° que o Governo da Nação Portuguesa he huma Monarchia Contitucional. Pertendemos que a nossa Constituição seja permanente, e invariavel o Governo; mas não o poderemos obter se adoptando as Bases da Constituirão, que temos presentes, não estabelecemos o Véto absoluto.

O Governo Constitucional he o meio entre dous extremos, a Monarchia e Democracia; participa de ambos, e está subjeito ao influxo de ambos: em quanto estes dous extremos conservão força igual, o equilibrio se mantem, e o Governo Constitucional subsiste; mas se hum delles ganha maior força, e não encontra barreira que se opponha ao seu impulso, o equilibrio se perde: e ao Governo Constitucional succede a Monarchia, ou Democracia. Portanto para manter o Governo Constitucional he neceseario dar aos dous poderes acção, e reacção igual para os conservar em equilibrio.

Hum dos meios de conservar o equilibrio entre os elementos do Governo Constitucional he dar a ambos os poderes, Legislativo, e Executivo a força necessaria para obstarem a qualquer injusta usurpação, que hum ou outro intente fazer: a iniciativa da Ley he a força do poder Legislativo, o Veto absoluto he a força do poder Executivo. Não fica sendo possivel ao Executivo auctorizar as suas usurpações, ao Legislativo fazellas.

Se olhamos para as Bases da Constituição vemos que o poder Legislativo alem da iniciativa das Leys, e poder de legislar exclusivo, e absoluto, tem não só grande influencia nas repartições do Executivo, mas até hum Véto absoluto nas operações mais importantes daquelle poder. Tem Véto absoluto nos tractados de alliança offensiva e defensiva; e nos tractados de Commercio; tem Veto absoluto na declaração, e continuação da guerra; porque lhe pertence determinar a força Militar; tem Véto absoluto em todas as operações que dependem do Thesouro, porque lho pertence a imposição dos tributos. E que tem, ou póde ter o Executivo, que contrabalance a força, e proponderancia que resulta de tantas prerogativas senão tiver o Veto absoluto? Supponhamos todavia que existe igualdade: poderá ella conservar-se sem Véto? Eu creio que não.

Ninguem ignora que entre o poder Legislativo, e Executivo existe sempre rivalidade; sendo assim, como o poder Legislativo não pede ser coarctado, tor-nar-se-há tyranno; cada dia fará, e revogará Leys, segundo lhe convier: arrogar-se-ha os direitos, e prerogativas do poder Executivo, e acabará finalmente por se apossar da Administração publica. Isto não são theorias abstractas, são verdades historicas: he o que se vio em França no nosso tempo: he o que se tinha visto em Inglaterra no tempo de Carlos I. O meio pois de prevenir a dissolução do Governo Constitucional, he prevenir a usurpação: hum dos meios de a prevenir he o Véto. O Veto não dá ao Rey o poder de fazer Leys; dá-lhe o poder de manter sem, alteração as Leys estabelecidas. Do Veto do Rey se póde dizer o que Cicero dizia do Veto dos Tribunos do Povo Romano; não dá poder de fazer o mal, mas de impedir o mal: se o Poder Executivo não pode dar principio á Ley, parece que o Legislativo não o deve dar completamente; isto he a sancção. Estabelecido o Veto, o Congresso Legislativo não póde privar o Rey dos Direitos que a Ley lhe confiou sem o seu consentimento; nem o Rey adquirir novos Direitos, sem que o Congresso Legislativo lhos conceda. Desta sorte o Véto firma a estabilidade da Constituição. Julgo por tanto que o Véto absoluto se deve estabelecer para manter a Constituição.

As rasões com que o Veto absoluto tem sido impugnado me não convencem do contrario. Disse que o Veto absoluto nos privaria de boas Leys: que debalde legislaria o Congresso, porque o Rey não deixaria passar Ley alguma. A experiencia nos mostra que não devemos recear tal inconveniente. Convenho que sejão rejeitados até dar as Leys que não são evidentemente necessárias: porque toda a Ley he huma restricção da Liberdade, e não deve ser estabelecida sem absoluta necessidade: se houver absoluta necessidade da Ley, eu não receio que o Rey negue a sanção. A Liberdade da Imprensa que fórma, e dirige a opinião publica me dá inteira segurança: Os Reys conhecem bem os seus interesses para contrariarem a sua força irresistivel: raras vezes tem os Reys de Inglaterra exercido este direito: e a historia de nossos dias mostra com quanta circunspecção se póde fazer uso delle.

Tambem dizem: he absurdo suppôr mais provavel que acerte hum homem do que acertem cem. Não se suppõe que he mais provavel acertar hum só homem, e por isso as Leys são feitas por cem, e não por hum só: suppõe-se porem porque a experiencia approva que esses cem homens, qualquer que seja a sua illustração, estão subjeitos ao erro, e ás paixões, e podem fazer Leys conformes ao interesse particular, e contrariar ao publico: acautelou-se o mal, dando-se ao Rey o direito de tornar sem effeito essas Leys. Tambem dizem que he injurioso á Nação que a vontade de hum só homem prevaleça contra a vontade geral expressa pelos seus Representantes: tambem o Rey he representante da Nação, Não se oppõe sua vontade á vontade geral da Nação: mas á vontade particular dos seus Representantes. Os Inglezes tão orgulhosos com a sua liberdade, não julgarão indecoroso o Veto do Rey, nem os Romanos julgárão que o Veto de hum tribuno deslustrava a Magestade do Povo; sabião que o Poder de se oppôr ás Leys do Povo era dado pelo mesmo Povo. Não nos he licito, dizem tambem, estabelecer o Veto absoluto, porque a Constituição Hespanhola sómente concede ao Rey o suspensivo, e nossas Procurações não nos auctorizão para fazermos Constituição menos liberal que a Hespanhol. Limitemo-nos a esta questão, qual he mais liberal o Veto suspensivo ou absoluto? Eu julgo que o absoluto, o mais liberal he o mais digno do homem livre aquelle de que resulta maior bem: aquelle que torna mais segura a nossa Liberdade: aquelle que mais se oppozer ao poder arbitrario, esse he o mais liberal. Ora o Veto suspensivo nada mais faz que retardar a su-

Página 147

[147]

pensão da Ley; o Veto suspensivo nada mais faz que retardar a execução da Lei. O Veto absoluto mantem a Constituirão, e sem dar ao Rey o poder de obrar reprime a arbitrariedade do Poder Legislativo. Por estas rasões o julgo mais liberal, e concluo que huma vez que permaneção as restricções que nas bases se põe ao Poder Executivo, se deve na Constituição estabelecer o Veto absoluto como hum meio necessario para dar estabilidade á Constituição.

Tambem me leva a esta opinião a rasão indicada por hum Illustre Preopinante a conveniencia, ou antes necessidade, de conservarmos as nossas relações com o Brasil para, nos não vermos na necessidade de buscar a povo estranho, que sempre se compra a preço da liberdade.

O senhor Borges Carneiro. - Diz hum Illustre Preopinante, que não são os Povos feitos para o Rey, senão os Reys para os Povos. O direito feudal estabelecido sobre a destruição do genero humano, diz justamente o contrario. Chamarão-se a huns desses pequenos Reynos, estabelecidos pelas ruinas de outros, patrimonio dos Reys. Estas idéas arraigarão-se desde as invasões do Seculo 6.° até ha poucos annos. A ellas aggregou-se a superstição, e fez as algemas de ferro que nos tem escravizado atégora. Aggregárão-se tantas superstições ao Throno, e se lhe addicionarão tantas attribuições monstruosas que Monarchia se converteo em escravidão. Estes principios estiverão arraigados na mente dos homens até que a luz espalhada pelos Philosophos fez conhecer a rasão, e contribuio para essas reacções, que causarão algumas revoluções, como a de França, e outras que tem feito derramar lagrymas a toda a Europa. Isto deo lugar a algumas transacções dos Povos com os Reys, e daqui vem este monstruoso Veto de que se está fallando. Não fallo das duas Cameras, isso he absurdo. A Nação he huma indivisivel, nella reside a Soberania, e seria tumultuoso que esta Soberania se dividisse em duas partes. Que quer dizer estabelecer duas Cameras? Isso seria o mesmo que dar hum Decreto pelo qual o Poder Executivo pudesse fazer a sua vontade, e dispor de tudo a seu arbitrio. O Poder Executivo he sempre tentado a comer, não he preciso apresentar-lhe mais pasto, não he preciso pegar-lhe no estribo para que nos monte: o que he necessario he estabelecer barreiras de ferro contra elle, para que não possa ultrapassar os seus limites. Este medo não póde ter lugar no Congresso: a Nação se junta todos os annos por seus Deputados: estes não são Deputados senão tres mezes: sabem que, depois que acabe este tempo, são só o que erão antes, e nada mais; o Lente he Lente, o Advogado Advogado, e nada mais; assim nelles não he facil que tenha cabimento a intriga. Por conseguinte depois que elles vem com todas as instrucções das suas Provincias, devem preencher as instrucções dos seus Committentes. Que quer dizer, depois de vir com todos estes conhecimentos, de examinar huma cousa com tanta circunspecção, de decretar o que julgão conveniente, que diga o Rey Véto, que significa em bom Portuguez, não quero? isto he ruinoso, e injurioso para a Nação. Não fallo só do Véto absoluto: o Véto absoluto he o mais absurdo que se póde imaginar. Disse-se aqui hontem, que se a Ley for injusta, não a sanccionará o Rey, e que se for justa a sanccionará. Primeiramente se he injusta, e o Congresso não a conheceo por tal, como a tem de conhecer hum Homem só? 2.° Que, se he justa, o Rey não lhe porá o Véto. Veja-se a experiencia de todos os Seculos, e ver-se-hão Leys justas sem circulação, não por má vontade do Rey, porque o Rey não sabe; senão por má vontade dos Cortesãos, dos Aulicos; desses Aulicos que não permittem nada bom, porque he contra os seus interesses. O Rey, se a verdade chegasse aos seus ouvidos faria alguma cousa boa; porem os Cortezãos não a deixão chegar. O Véto absoluto he sempre injurioso; deve haver huma exacta divisão dos tres poderes, e o Véto, alem de perturbar o equilibrio estabelecido entre elles, he injurioso torno a dizer, porque depois de huma madura discussão, de hum reflexivo exame da parte das Cortes, he muito injurioso que o Rey diga, Véto, não quero. Os Legisladores de Cadiz, conhecendo esta injustiça, concederão ao Rey o Véto; mas não absoluto. Eu tenho dicto, e repetirei que sou muito affecto á eminente Constituição que fizerão os Sabios Legisladores de Cadiz; mas digo, que neste ponto commettèrão hum erro, e derão hum testimunho de fraqueza a todas as Nações: porque elles não se achavão com gentes no seu seio que tiverem a espada debaixo dos capotes, para os obrigar a fazer o que fizerão; e poderião muito bem ter prohibido absolutamente o Véto, em vez de o conceder para tres annos, que he o mesmo que auctorizar hum Homem para que diga tres vezes = Não quero = o que cem Homens julgarão util.

O senhor Vaz Velho. A presente questão acha-se mui bem debatida, posto que me parece tem sahido muitos dos Prcepinantes fora da questão. Trata-se de saber e examinar se as Bases da Constituição do modo porque estão debatidas satisfazem e prehenchem o fim para que se organizarão. Diz o artigo: Guardar-se-ha na Constituição huma bem determinada divisão dos tres poderes, Legislativo, Executivo, e Judiciario... Cada hum destes poderes será respectivamente exercitado de modo, que nenhum se possa arrogar as attribuições do outro... Logo a questão reduz-se a examinar: se a divisão dos dictos tres Poderes póde ser tal, como aqui se affirma, segundo estas Bases da Constituição. Isto o que passo a examinar. Primeiramente estabeleço, como principio certo, que todos estes tres Poderes são independentes, todos tres se recebem igualmente da Nação, o Poder Executivo, em quanto Executivo não está subordinado ao Legislativo, nem vice versa. Que o Poder Legislativo sómente tem o poder de organizar o Corpo do Poder Executivo, mas quanto á Jurisdicção, he só a Nação quem lha confere. O que supposto digo: que para os tres mencionados Poderes, ou principalmente os dous Legislativo, e Executivo, se poderem conservar, sem que algum delles possa arrogar as attribuições do outro, he necessario, que mutuamente se respeitem. Para se respeitarem he preciso, que haja hum equilibrio de Poderes. Para se dar este equilibrio, he necessario que os Poderes sejão iguaes. Sem esta igualdade, perde-se o equilibrio; e sem este, ninguem poderá obstar a que o Poder preponderante arrogue a si as attribuições do outro. Vejamos agora se os dous Poderes tem esta igualdade, segundo a

Página 148

[148]

doutrina das Bases. Segundo estas tem o Poder Legislativo a iniciativa das Leys, he elle quem as faz, tem por si, ou por outrem a proposição de todos os Empregados Civis, Ecclesiasticos, e Militares, tem a direcção da força armada, e tem ultimamente a distribuição das rendas da Nação. Que tem o Rey para contrabalançar todos estes Poderes? Hum Veto, ou huma simples negativa, que nada obsta, e huma eleição, ou escolha dos individuos, que todos são creaturas do Corpo Legislativo, explicado pelo Conselho de Estado. Nestas circunstancias eu não vejo igualdade de Poderes, eu não vejo equilibro, e por consequencia não vejo como se possão conservar em respeito, e sem preponderancia. Todos os Preopinantes se tem empenhado em tirar os poderes ao Rey como perigosos ao equilibrio dos Poderes. Porem eu me persuado, que tirar tudo ao Rey, tem o mesmo resultado que dar-lhe tudo, ou todo o poder em materias moraes e politicas, principios contrarios tem muitas vezes o mesmo resultado. Eu o mostro com hum exemplo. Os Suecos opprimidos pelo despotismo revolucionarão-se, fizerão huma Constituição, em que tudo tirarão ao Rey, não era certamente menos Liberal do que esta. O que daqui se seguio foi, que hum dos seus Reys Gustavo III, em hum só dia, com duas Companhias de Guardas, fez huma revolução, deitou abaixo a Constituição, e erigio-se em Monarcha absoluto sem huma pinga de sangue. Qual foi a causa deste phenomeno? O tirarem-lhe todo o poder. Esta falta de consideração, em que se via hum Rapaz de 26 annos, esperto, e de talentos, o obrigou a fazer huma tentativa em que não perdia nada, e em que podia ganhar muito. Certamente se tivesse que perder não o faria, porque o homem não se expõe facilmente a perder o quee tem, com a esperança contingente de obter o que não tem. Dir-se-ha, que os Suecos estavão em peores circunstancias, e menos aptos para sustentarem a Constituição. He certamente pelo contrario, por quanto sendo hum principio certo, que as columnas de huma Constituirão são a instrucção da Nação, o amor á Constituição, e o enthusiasmo para a defender; todos estes tres requisites tinhão os Suecos, pois possuião a Constituição havia duzentos annos. São estas as columnas que faltão a huma Nação que não tem a instrucção necessaria para conhecer a bondade de huma Constituição, não a tom gozado para a poder amar, e não tem enthusiasmo porque não sabe porque o ha de ter. Daqui concluo, que tanto he perigoso dar ao Rey auctoridade de mais, como o tirar-lhe toda, nas circunstancias em que nos achamos, li como as bases tirão tanto ao Rey, que não póde igualar com o Poder Legislativo, julgo-as insuficientes para o fim de conservarem os poderes, como se pertende. Não entro por ora no modo porque se ha de obter esse fim.

O senhor Xavier de Araujo. Eu tenho de fazer a este Congresso huma nova proposição, peço por tanto que se vote, se se admitte a que já fez o senhor Pinheiro.

O senhor Miranda. - Eu julgo que no mesmo instante em que adoptássemos o Veto absoluto, tinhamos sellado a escravidão dos nossos Committentes.

O senhor Soares Franco. - São duas as questões que dividem actualmente a Assemblea; huma se ElRey ha de ter o Véto, e de que qualidade ha de ser, e outra se as Cortes hão de ser compostas de huma, ou de duas Cameras. Compete a ElRey o Véto, porque he hum Membro muito importante da Representação Nacional; porque tendo de promulgar e de executar as Leys, he preciso que entre tambem de certo modo na sua formação; e porque estabelecendo nós a Monarchia Constitucional he conveniente que lhe demos o lustre e o respeito necessarios para que sustente a sua dignidade. Porém o Véto absoluto seria inteiramente fatal á Liberdade dos Povos, e talvez nada util á Magestade do Rey. Por mais justas que fossem as Leys feitas em Cortes, hum Ministro malévolo ou ignorante podia induzir o Rey a que as não sanccionasse, e nunca passarião; como por outra parte a Constituição o reputa inviolavel, não havia meio algum de fazer passar huma Ley que seria talvez necessaria para a felicidade do Estado. Esta inviolabilidade do Rey he necessaria para a estabilidade e segurança das Nações; he huma ficção politica, mas de que não podemos perscindir, e por isso he que se exige a responsabilidade dos Ministros. Ora esta inviolabilidade he incompativel com o Veto absoluto; nós estariamos perpetuamente expostos á injustiça e capricho dos Ministros, e não haveria meio algum de os governar pela Ley, porque ella não passaria; nesse caso seria melhor desampararmos nossos lugares, e hirmo-nos embora. Querer confiar tudo á justiça e á bondade do Rey he o mesmo que dizer, que não queremos regular-nos por Leys fixas e determinadas. Hum facto absoluto desorganizou a Polonia, e fez com que aquelle antigo e guerreiro Paiz fosse desmembrado e dividido pelas Potencias suas visinhas, e desapparecesse da lista das Nações, igualmente quando se deo ao infeliz Luiz XVI o Veto absoluto, não se considerou que no tempo de guerra, de grandes desconfianças publicas, de paixões exaltadas, e de intrigas formidaveis aquella arma era muito perigosa, como effectivamente foi, nas mãos do Monarcha. Em tempos mais socegados, como o nosso, quando a Constituição e a Ley estejão em vigor, o Rey não deve nunca usar della, como o de Inglaterra, que ha cincoenta annos apenas a empregou duas vezes. Então para que havemos conceder hum dom, que não deve ter uso, ou a tello, deve ser máo? Parece recear-se o Despotismo da parte do Corpo Legislativo; porem se o compararmos com o Executivo, a balança está e estará sempre a favor do ultimo. O Corpo Legislativo porem decreta o numero de tropas, que ha de haver no tempo de paz, ou de guerra; 15, 20, ou 30$ homens em Portugal; mas logo o Poder Executivo se apossa delles, e os dirige á sua vontade. O Corpo Legislativo decreta as rendas publicas, 18 ou 20 milhões, por ex. para hum anno; e logo o Poder Executivo os começa a empregar por sua mão. Onde está o dinheiro e a força está o poder. Diz-se que as Cortes podem muito bem negar os tributos, que se pedem; eu entendo muito bem essa possibilidade, quando sejão para sustentar huma guerra injusta, ou huma despesa arbitraria e consideravel; mas seria impossivel que os pertendesse negar para as despesas ordinarias do serviço publico. Em fim o Rey dirige todas as relações Diplomaticas e Commerciaes

Página 149

[149]

com as Potencias Estrangeiras, e conhece os seus segredos, que só podem ser patentes ao Corpo Legislativo por meio de explicações secundarias. Em fim este Corpo he temporario, e seus Membros voltào á classe de Cidadãos ordinarios dentro de pouco tempo, de maneira que tem de certo hum receio bem mal fundado os que temem que elle se possa erigir em Despotico. A força do Congresso he toda moral; está fundada só sobre a opinião publica; he preciso que siga constantemente a estrada da Virtude e da Justiça, e que as suas Leys sejão as melhores para o bem geral, para que elle seja respeitado e poderoso. A instrucção publica, e a Liberdade de Imprensa são os seus mais seguros esteios, e assim mesmo a balança dos poderes he contra elle; se déssemos aos poderes ordinarios da Realeza hum Véto absoluto, pouco teriamos mudado de Governo. Hum dos senhores Preopinantes disse que hum dos Reys de Suecia unicamente com duas Companhias desfizera o Corpo Legislativo, só porque lhe tinhão tirado muitas das suas prerogativas, o que não faria se lhas tivessem conservado; parece o argumento contra producentem; se com duas Companhias se póde dissolver hum Congresso, que se affastava das regras da Justiça, como senão fará com 10, ou 12 Regimentos? Quem nos diz, que os homens não dão o mesmo peso á abolição de huma prerogativa ou de humas poucas? O Véto absoluto he em consequencia contrario á liberdade dos Povos e incompativel com huma boa Constituição.

Accrescentarei alguma cousa sobre as duos Cameras. Tem-se dicto que a segunda Camera era o intermedio entre o Rey, e o Congresso; mas creio que não se tem analysado bem a sua natureza; ou ella he electiva, e tirada indistinctamente das diversas classes de Cidadãos, e então he puramente huma parte, huma fracção do Poder Legislativo; ou ella tem attribuições particulares de perpetuidade, de riquezas, de quantidade, e então he Corpo perigoso; brevemente se unirá com o Poder Real, e se tornará rival e inimigo do Corpo dos Representantes. Tem-se attribuido a huma Camera só os vicios que são geraes a todos os homens; isto he, a sua inconstancia, a precipitação era fazer as Leys, os partidos e paixões, que os agitão; isto póde ter lugar em huma Camera, em duas, ou em duzentas. He necessario examinar os vicios da Instituição, e não os dos homens. No nosso actual estado em que he preciso reformar muitos abusos introduzidos por Ley ou por costume, tudo o que fosse complicar as molas da machina administrativa, entorpeceria, e paralysaria os seus felizes resultados. Os mesmos que propozerão em França em 1789 as duas Cameras, concordão que nos primeiros annos não podia ter lugar similhante estabelecimento; quando se trata de reformar abusos e privilegios he preciso concentrar o poder em hum Congresso só, e dar-lhe unidade e auctoridade. Para o futuro, quando o systema Constitucional estiver perfeitamente estabelecido, quando o Rey tiver accedido de muito boa vontade a este sistema, quando os abusos estiverem extirpados, e os nossos costumes formados, e criados já, segundo essa nova ordem, então talvez eu não me oppuzesse á segunda Camera; mas deixemos aos nossos filhos o cuidar do futuro, e dos seus interesses; trata-se do tempo actual, e no tempo actual he muito complicado, e perigoso similhante methodo. Em fim a experiencia deve ser a nossa mestra; este Congresso he unico; as suas decisões tem sido muito madura e vagarosamente tomadas, e não podemos calcular quaes serião os effeitos de huma medida nova, e estranha. Approvo por tanto o Artigo no que diz respeito a dous pontos essenciaes.

O senhor Pinheiro.- A minha proposta não era para a Constituição, mas sim para as Bases della, e eu a retirarei, se o Congresso o permittir, para entrar a do senhor Xavier de Araujo.

O senhor Xavier de Araujo. -A Assemblea póde decidir se ao senhor Pinheiro se lhe concede retirar a sua moção, e a mim que lea a minha, para ser impressa, e ver se merece discussão.

O senhor Castello Branco. - Parece-me que póde o senhor Araujo apresentar a sua proposta, para declarar qual he o terceiro meio que elle propõe.

O senhor Miranda. - Isso he faltar á ordem, a ordem he a discussão das Bases.

O senhor Fernandes Thomás. - Apoyo o que diz o senhor Miranda. Se o senhor Deputado quer, proponha o que tiver que dizer como opinião, ou emenda, mas não como Projecto; porque quando se trata da discussão de hum não póde apresentar-se outro Projecto.

O senhor Borges Carneiro. - Apoyo esta doutrina: decida-se primeiro se deve haver huma Camera, ou duas, e depois disto estabelecido, então se verá se o novo Projecto ha de ser admittido á discussão.

O senhor Pimentel Maldonddo. - Se se admittissem estas propostas no meio da discussão das Bases, poderia acontecer que cada hum dos senkores apresentasse novas propostas cada dia, e que a discussãodas Bases durasse hum anno, ou annos; porque de cada palavra das Bases se poderia tomar assumpto para novas propostas. Assim quando se estabelecem estas Bases para se discutir, não se devem admittir novas propostas. De outro modo vão-se paralysar os trabalhos desta Assemblea.

O senhor Pinheiro. - Deve-se examinar huma questão que he talvaz a de maior importancia que se tem aqui tratado, porque se trata de assegurar a nossa liberdade.

O senhor Moura. - Mas o senhor Araujo póde expor vocalmente o que queira, sem necessidade de fazer novas propostas.

O senhor Xavier de Araujo. - Senhores, eu tomo a palavra e peço a vossa attenção sobre a mais ardua questão, que no momento actual póde occupar-nos. Trata-se da Organização do Corpo Legislativo, e de se determinar se elle deve ser composto de huma, ou duas Cameras: Legisladores, eu tratarei esta questão com a franqueza propria de hum homem livre, de hum Cidadão zeloso do bem do seu Paiz, sem vistas pessoaes, e só com o pensamento no bem da minha Patria; Servir-me-hei para esse effeito das doutrinas dos homens de Estado das outras Nações, daquelles homens que, havendo meditado profundamente nas Bases solidas dos Governos, tem deixado de parte os systemas de huma metaphysica tenebrosa, e

Página 150

[150]

chymerica, bem persuadidos de que ha, Senhores, huma grande differença entre o Metaphysico, que na meditação do seu Gabinete comprehende a verdade em toda a sua energia, e pureza; e entre o Homem de Estado, o qual he obrigado a attender ás antecedencias, difficuldades, e obstaculos, que ella sempre encontra na sua applicação aos Estados corrompidos. O Metaphysico, viajando sobre hum Mappa Mundi, corre tudo sem dificuldade, não se embaraça com montes, rios, desertos, ou abysmos; mas quando se quer realizar a sua viagem, quando se pertende chegar ao seu termo; então he necessario não esquecer, que he sobre a terra que se viaja, e não em hum Mundo ideal. Eis-aqui, Senhores, huma verdade que sempre devemos ter em vista. Passemos á materia da proposta, A Assemblea Nacional será composta de huma Camera, ou dividida em duas? Parece-me evidente, que no momento actual, e nesta primeira Convocação huma Camera unica era preferivel, e talvez necessaria, porque havia muitas dificuldades a vencer, e sacrificios que pedir. Mas para o futuro, Senhores, o modo de estabelecer deverá ser tambem o de conservar? Não será differente o Processo que aperfeiçoa daquelle que organiza?

Aquillo que he necessario em huma circunstancia extraordinaria, em huma crise unica nos Annaes de hum Reyno, não será por ventura perigoso quando applicado a todos os tempos, e ao Estado habitual do seu Governo?

Legisladores, quando se ordena a Constituição de hum Imperio, não basta considerar os homens numericamente, e com attenção sómente ás suas faculdades, e seus direitos naturaes; he necessario olhallos moralmente debaixo da relação das suas affeições, suas paixões? seus habitos, e desconfiar de theorias metaphysicas muito enganosas em materias de Governo, e Administração. He esta huma verdade incontestavel, bem como o he, que todos os homens são dotados de grande inclinação para dominar os outros homens, e que se faz preciso limitar-lhes o poder, a fim de não abusarem delle. Appliquemos á Sociedade, ao nosso Estado actual os principios atéqui estabelecidos. Nós temos dous Grandes Corpos a organizar; o Legislativo, e o Executivo: não devemos firmar entre Elles barreiras immoveis, barreiras passivas; isto não seria sufficiente, porque Leys promulgadas em hum tempo serão esquecidas em outro; e he necessario oppôr a huma força sempre activa outra igualmente em actividade. Por outra parte não he conveniente deixar estas duas forças em estado de combate perpetuo huma com a outra; pois que expor-se-hia a Sociedade ao triste resultado de commoções continuas. Daqui se segue a necessidade de dividir o Poder Legislativo, não em duas partes mas sim em tres. Porque hum Poder unico absorveria tudo; dous se combaterião até que hum destrui-se o outro; mas tres se conservarão em equilibrio se forem combinados do modo que, quando lutarem dous, o terceiro, interessado igualmente na mantença de hum e outro, se junte áquelle que for opprimido contra o que opprime; e estabeleça assim a concordia entre ambos.

Deste modo vemos nós a Inglaterra subjeita ao Poder arbitrario, durante a ausencia dos Parlamentos, á Anarchia quando a Camera dos Pares foi destruida, até que a Revolução de 1688 lhe trouxe a paz interior. Devemos por tanto estabelecer hum Corpo Legislativo, composto de tres Partes; a saber, dos Representantes da Nação, de hum Senado, e do Rey. Os Representantes independentemente das suas proprias forças acharião hum apoyo de mais na resistencia do Senado contra o Rey, e elles o acharião igualmente no Poder do Rey contra as pertenções do Senado. Este que não deverá ter nenhuns privilegios uteis, mas só prerogativas honorificas, prenderia na Camera dos Representantes pelos direitos de Propriedade, de Liberdade, e em fim pelo exercicio de todos os Direitos Nacionaes, que teria de commum com ella: finalmente o Rey, que teria tambem a sua prerogativa a manter, reprimiria o Senado pelos Representantes, e os Representantes pelo Senado. Deste modo as tres Formas de Governo achando-se misturadas apresentarião huma, que teria as vantagens de todas sem os inconvenientes de nenhuma.

Se do principio geral da balança dos Poderes se desce depois ao exame de todas as combinações que podem resultar dos systemas de huma, ou de duas Cameras; quantas rasões se apresentão em apoyo da ultima? Huma Assemblea unica corre perpetuamente o risco de ser arrastada pela eloquencia, seduzida por sophismas, inflamada por paixões dos outros, por commoções repentinas que se lhe fazem communicar, e contra as quaes se não attreverá a resistir. Mas se eximirem duas Cameras em vez de huma, a Primeira terá muita attenção nas suas devisòes, por isso mesmo que ellas tem de ser subjeitas á revisão da Segunda. Esta advertida aos erros daquella, e das causas que os produzirão, se acautelará contra hum juiso errado, cuja origem tem conhecido. Huma Camera unica não será nunca ligada pelas suas deliberações; por mais que Ella quizer prender-se, nunca o será bastantemente, porque como tem em sua mão a Cadèa que a liga rompella-ha quando quizer, e lhe aprouver. Hum instante de enthusiasmo lhe fará perder o fructo de muitos dias de profundas combinações; de hum dia para outro ella póde revogar a decisão mais solemne; basta para isto que haja membros descontentes da divisão, e interessados em revogalla. Os males que huma tal organização póde produzir, são incalculaveis: a Constituição mesmo estará em hum perigo perpetuo, entregue ao capricho, e inconstancia: como não haverá Leys fixas, não haverá habitos politicos, sem estes não haverá caracter nacional, e consequentemente Liberdade. Lembremo-nos, Senhores, que na America Unida, a pesar de ser hum Mundo Novo, aonde não havia titulos hereditarios, e só Familias de Proprietarios Agricultores, costumes simples, e poucas necessidades, não foi ahi possivel estabelecer huma Camera unica; os seus Publicistas demonstrarão que não havia bom Governo, não podia haver Constituição solida sem a balança dos Poderes.

Aqui se apresentão duas questões accessorias. De que modo será composta a primeira Camera? Ella o será dos Representantes da Nação, eleitos livremente segundo formullas que se estabelecerem. Segunda questão; Sello-ha da Alta Nobreza, e Alto Clero? Decido-me que não. Porque seria isto perpetuar a separação das Ordens, e este espirito de Corporação,

Página 151

[151]

que he o maior inimigo do espirito publico. Por tanto a segunda Camera deverá ser composta de Cidadãos de todas as Classes, aos quaes os seus talentos, os seus serviços, e virtudes fizerem merecedores desta recompensa. Seu Numero deverá ser de 60, acima de 35 annos, e Proprietarios: Perguntar-se-ha agora? Quem terá o poder de nomeal-os! Não deve ser o Rey sómente, porque seria confiar-lhe demasiada auctoridade; será ou a primeira Camera de Legislatura, ou os Collegios Eleitoraes por propostas ao Rey. Suas funcções durarão dez annos, e he esta Camera a que hade ter a attribuição de julgar publicamente os Agentes Superiores do Poder Executivo, accusados de haverem feito de seus cargos hum abuso contrario á Ley.

Resumindo tudo é que até aqui tenho dicto. = Proponho: Que o Corpo Legislativo seja composto de tres Partes integrantes = do Rey = dos Representantes da Nação = e de hum Senado.

O senhor Gyrão. - Eu sou liberal, e desejo o bem da minha Patria; porém não creio que possa exceder aos poderes que me forão dados, e para o que se pertende agora julgo que precisaria novos poderes.

O senhor Borges Carneiro. - He desnecessaria a nova proposta: não vejo a necessidade desses poderes medios; e que melhor poder medio do que a Deputação permanente, a qual he huma chave mestra, que os Legisladores de Cadis descobrírão, e nenhuma outra Nação tem achado para fechar as portas á arbitrariedade, e estar de sentinella a favor da Liberdade? Huma vez estabelecida a raya da divisão dos poderes da Constituição Hespanhola, e a Depitação permanente, não ha percisão de outro poder intermedio; e apoyar tal projecto seria fallar contra a Procuração dada aos Deputados para que fação huma Constituição mais liberal que a de Hespanha.

O senhor Peçanha. - Propõe-se-nos para a organização do Corpo Legislativo a creação de duas Cameras ambas eleitas da massa da Nação; huma menos numerosa -, e ainda que temporaria de maior duração do que a outra, a qual deve servir de contrapeso para evitar o despotismo do Poder Legislativo, cohibir o nimio ardor de promulgar leys, e dar muito maior solidez á Constituição. Aos dous primeiros pontos já está plenamente satisfeito por alguns dos Senhores Preopinantes; e demonstrado a meu ver sem replica, que o estabelecimento da segunda Camera olhado debaixo daquelle aspecto he inutil pelo menos. Quanto porem á ultima rasão; a saber, a maior solidez da Constituição, se se conceder que ella he verdadeira, conceder-se-ha tambem que a Constituição não obtém tanta solidez com huma Camera alta temporia, dure ella sinco ou dez annos (alguns annos de mais ou menos nada fazem ao caso) como com huma Camera, cujos membros sejão vitalicios; e com esta ainda menos do que com huma, cujas attribuições tenhão anualidade de hereditarias. Neste ultimo estabelecimento teremos neste ponto de vista o perfeito ideal; mas será forçoso tambem que ponhamos em vigor todas aquellas instituições, que tendem a concentrar o poder, e riquezas em poucas mãos, deixando assim como em legado aos nossos descendentes o mesmo estado de cousas, que agora se observa em Inglaterra, a pesar de ser o paiz classico da Liberdade; onde hum pequeno numero de familias, ou antes de individuos possue tudo, e a grande maioria nada; teremos o hediondo contraste da opulencia e luxo de poucos com a miseria do maior numero, vindo a verificar-se como na Grão-Bretanha, que a despesa para o sustento dos pobres, mesquinha como deve ser, forma hum notabilissimo augmento nas publicas contribuições: este augmento que em si mesmo he hum mal, torna-se muito mais digno de attenção pelas suas relações com a moralidade, com a ventura dos individuos, e conseguintemente com a da Nação, contendo na sua natureza mesma hum germen fecundo de revoluções; assim o que devia dar solidez á Constituição, fraquea pela Base. Mas tornando á questão principal; não nos persuadamos de que os membros desta segunda Camera, assim mesmo eleitos temporariamente, deixarão de forcejar por conseguir a transmissão das suas attribuições a seus descendentes, porque esta he a tendencia do coração humano; tendencia que toma muito maior força dos costumes, que ainda estão em voga. Teriamos de crear huma nova aristocracia, tanto mais para temer quanto mais a sua existencia se identificasse com a Constituição: na escolha de duas aristocracias, tendo nós de crear huma de novo, eu me declararia antes pela antiga do que pela de moderna data: ao menos aquella já teria a casa feita. Conservemos por tanto as legislaturas subsequentes como estas Cortes extraordinarias, não lho introduzindo outra roda, cujo attrito só sirva de empecer-lhe os movimentos, que aliàs terão o competente regulador no Véto temporario d'ElRey: o meu voto será sempre = nada de duas Cameras.

A final ficou adiada a discussão, adoptando-se na redacção do artigo a palavra = regulado = em vez de ecercitado.

O senhor Ferrão apresentou duas Propostas, relativas á reforma das Aulas de primeiras letras, e economias do Exercito; e hum Projecto de Decreto para a abolição das Leituras no Desembargo do Paço.

O senhor Miranda expoz alguns crimes de hum famoso salteador, e pedio que á Regencia se expedisse Aviso para dar sobre isso as mais energicas providencias. Foi apoyado.

O senhor Soares Franco julgou urgente que a Commissão Ecclesiastica désse o seu parecer á cerca do Breve para se comer carne na Quaresma. Foi apoyado.

O senhor Pimentel Maldonado offereceo hum Additamento á Proposta relativa aos Cavalleiros de Malta.

Leo-se hum officio do Ministro Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros, e Nota inclusa, que vão por copia a final da presente Acta, e em consequencia do que se expedio á Regencia o Aviso que tambem vai trasladado.

Lerão-se por segunda vez, e se determinárão para a Ordem do dia da Sessão seguinte os Projectos offerecidos pela Commissão de Fazenda = sobre a declaração da natureza dos bens da Coroa, amortização da Divida Publica, e consolidação do credito do Thesouro Nacional = sobre compensação das dividas do Thesouro Nacional = e sobre as despesas da Fazenda Publica não legalmente determinadas.

Levantou o senhor Presidente a Sessão á hora do costume. = João Baptista Felgueiras, Secretario.

Página 152

[152]

OFFICIO.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Havendo eu apresentado á Regencia do Reyno a inclusa Nota, que lhe dirigio D. José Maria de Pando, manifestando o desejo de poder levar em sua companhia a assistir ás Sessões das Cortes na Tribuna do Corpo Diplomatico o General Hespanhol D. Filippe Arco Aguero, e dous Ajudantes, que se achão nesta Capital de transito para Galliza, a mesma Regencia me manda fazer esta communicação, a fim de ser presente ás Cortes, e insinuar-se o que deverei responder ao dicto D. José Maria de Pando.

Deos guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 23 de Fevereiro de 1821. = Senhor João Baptista Felgueiras. = Anselmo José Braancamp.

NOTA.

José Maria de Pando tiene la honra de ofrecer sus obsequios al Senhor D. Anselmo José Braancamp; y de decir-le que se hallan en esta Corte de paso para Galicia el General Español D. Filippe Arco Aguero, y dos de sus Ajudantes; quienes desearian assistir tan luego, como fuese posible á una Sesion de las Cortes: Espera por lo tanto José Maria de Pando que S. S.ª tenga la bondad de permitir-le que los condusca á la Galeria destinada atentamente para el Cuerpo Diplomatico, y Consules; a cuyo efecto ruega a S. S.ª quiera tener la complacencia de hacer expedir las ordenes oportunas a fim que no se experimente difucultad en la entrada.

José Maria de Panda quedará mui reconocido a este favor que le dispense el Senhor D. Anselmo José Braancamp; a cuja disposicion se ofrece José Maria de Pando.

AVISOS.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Tendo sido presente ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza o Officio do Secretario da Regencia em os Negocios Estrangeiros em data de hoje, que acompanhava a nota que lhe havia dirigido D. José Maria de Pando, manifestando o desejo de poder trazer em sua companhia a assistir ás Sessões das Cortes na Tribuna do Corpo Diplomatico o General Hespanhol D. Filippe Arco Aguero, e dous Ajudantes, que se achão nesta Capital de transito para Galliza: Mandão as mesmas Cortes que a Regencia do Reyno haja de fazer communicar ao dicto D. José Maria de Pando, que podem vir os acima mencionados para a Tribuna do Corpo Diplomatico. O que V. Exa. Fará presente á Regencia do Reyno para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes, em 23 de Fevereiro de 1821. = João Baptista Felgueiras

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza Determinão: que a Regencia do Reyno faça remetter a este Soberano Congresso os Mappas Topographicos, e de população das Provincias do Reyno, e de todos os mais trabalhos Estatisticos, e de divisão de territorio, que se achão nas Secretarias de Estado. O que V. Exa. fará presente á mesma Regencia para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes, em 23 de Fevereiro de 1821. = João Baptista Felgueiras.

Errata.

No Diario N.° 13, pag. 79, col. 2.ª, onde se lê = foi em Cortes que se estabelecerão as Dizimas = lea-se = Decimas = onde se lê = posticulosa attenção = lea-se = particular attenção = e na pag. 80, col. 1.ª, onde se lê = Affonso que= lea-se= Affonso 5.º

No principio do Diario N.° 19, onde se lê=Sessão do dia 21:= lea-se =20. =

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×