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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 23.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 1821.

SESSÃO DO DIA 27 DE FEVEREIRO.

Lêrao-se e approvárão-se as Actas das Sessões Ordinaria e Extraordinaria do dia antecedente.

O SENHOR Felgueiras propoz que, na ausencia por molestia do senhor Rebello da Sylva, enchesse o seu. lugar de Secretario o senhor Barroso Pereira, por isso que havia sido o seu immediato em votos. Approvado, cumpre-se.

A Commissão dos Poderes apresentou o seu Parecer ácerca da dispensa temporaria pedida pelo senhor Bispo de Castello Branco, e da absoluta escusa de ser presente ao Congresso, requerida pelo senhor Bispo de Aveiro, acquiescendo a ambos os petitorios. Foi approvado.

A mesma Commissão verificou os Poderes do senhor Deputado Substituto pela Provincia da Beira, Caetano Rodrigues de Macedo, que prestou o determinado juramento.

Lerão-se diversos Requerimentos, que forão remettidos ás respectivas Commissões, ou á Regencia onde competião; porem o Requerimento da Viuva e Filhos do Tenente General Azedo foi remettido ás Commissões Militar, e de Fazenda, para que sejão qualificados os seus serviços.

Por esta occasião propoz-se a creação de huma Commissão Especial, para qualificação dos serviços de todos os Beneméritos da Patria. Não se deliberou.

Leo-se por segunda vez o Projecto do senhor Ferrão para abolição das Leituras no Desembargo do Paço. Mandou imprimir-se para se discutir.

O senhor Borges Carneiro apresentou hum Additamento á Proposta do senhor Pimentel Maldonado, relativa aos Commendadores de Malta. Mandou imprimir-se, com urgencia, para se discutir.

O senhor Baeta propoz agradecimentos ao senhor Ex-Presidente, por haver cabalmente desempenhado as funcções de seu cargo. Foi approvado.

Proseguio-se em discutir o Projecto das Bases da Constituição: e porque no artigo 21.° não vem claramente expressa a validade da Sancção do Rey antes ou depois de jurada a Constituição: outro sim parecendo que em vez de = reside = deve dizer-se = residirá = e para salvar todas as hypotheses de que he susceptivel o mesmo artigo, deliberou-se que novamente fosse redigido peta Commissão.

Discutio-se o artigo 22.°, e disse:

O senhor Annes de Carvalho (leo o artigo) = A Ley he a vontade da Nação declarada pelos seus Representantes juntos em Cortes. = Não me parece muito exacta esta definição, não só em quanto ás palavras, senão em quanto á doutrina; porque em outro artigo se diz, que se ha de guardar a divisão dos poderes com dependencia da Sanção do Rei: por consequencia he preciso que concorra a vontade dos Representantes, e a Sancção do Rey para á formação da Ley; e neste artigo se perscinde de huma das causas efficientes, que he a Sancção do Rey; pelo que me parece incorrecta esta definição. Era preciso, visto que tambem depende da Sancção Real, que ambas as cousas entrassem na declaração da Ley.(leo) Todos os Cidadãos devem concorrer para a formação da Ley, elegendo estes Representantes pelo methodo que a Constituição estabelecer. Este artigo he muito importante, ou por melhor dizer, não conheço nenhum que chegue á sua importancia; porque se trata das Eleições, e segundo o bom, ou máo methodo com que estas forem feitas, se exprimirá bem ou mal a vontade geral. Dizer-se simplesmente que os Representantes devem exprimir a vontade geral, não he exacta. Supponhamos v. g, que se fizessem as éleições por Centurias, como, entre os Romanos, concorrendo todos os Cidadãos da primeira classe: Eis-aqui hum modo de exprimir a vontade geral pelos Representantes. Se acaso se consultarem os Inglezes, e se lhes perguntar, se a Nação exprime a sua vontade? dirão que sim, fazendo referencia á Camera dos Communs. Mas nesta Camera os Deputados são seiscentos e tantos: destes ametade são eleitos pelos Parochos; 171 pela, classe dos Proprietarios, 16 pelo Rey, e só ficão

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171 para a Nação, e com tudo elles dizem que exprimem a vontade da Nação. Se acaso formos a outro systema, v. g. á Franca actual, hum numero immenso compõe os Corpos representantes da Nação, e entretanto para 28 milhões de população ainda não he suficiente. Sc se consulta o Auctor do contracto social, veiemos que se não póde exprimir esta vontade da Nação, faltando hum só Cidadão. Por consequencia, como esta expressão da vontade geral póde ser muito equivoca, he indispensavel hum bom systema de eleições para expressar bem a vontade da Nação. Por isso eu queria que se adoptasse hum principio, pelo qual se estabelecesse bem esta vontade geral. Segundo os melhores Publicistas se vê, que o Terceiro Estado he o que exprime a vontade geral; porque este está mais immediato aos interesses da Nação, que não a primeira jerarchia, nem a infima plebe. Mas por ventura este artigo diz qual he o systema que se deve admittir nas Eleições? eu não o vejo. Por consequencia parece que este artigo procederia mais luminosamente, se estabelecesse hum principio de systema nas Eleições.

O senhor Pimentel Maldonado. - Opponho-me ao parecer do senhor Annes de Carvalho. Já se decidio neste Congresso que o Rey não terá o Véto absoluto, porem tão sómente o suspensivo, e este, quando muito, por huma Legislatura: daqui se conclue que a Ley poderá parlar independente de ser porelle sanccionada, mal que expire o prazo que se estabelecer na Constituição a este Véto suspensivo. A prompta sancção do Rey póde fazer com que a Ley obrigue mais cedo; a falta da sua sancção, com que obrigue mais tarde: porém nunca que deixe de vir a obrigar. Opponho-mo tambem á opinião do mesmo illustre Deputado em julgar o artigo defeituoso, por se não declarar nelle algum principio, que regule as eleições. Os que forão incumbidos de organizar as Bases da Constituição puzerão de parte o que não era da primeira necessidade que se declarasse aqui, e pedia para se declarar muito vagar, e longas discussões. Era grande a urgencia que inçava pelas Bases da Constituição, que com effeito apparecêrão com tudo o que he essencial.

He o meu voto que o artigo passe sem mudança alguma.

O senhor Borges Carneiro. - Em quanto á primeira objecção do senhor Annes de Carvalho parece-me, que se a Ley houvesse deter hum Pelo absoluto, póde ha sor preciso: mas não o tendo não o julgo necessario, porque o Rey só terá direito de fazer algumas observações que julgue opportunas. Em quanto á segunda a respeito do methodo das Eleições, como se tem dicto, que a nossa Constituição não ha de ser menos liberal que a do Hespanha, e nesta se estabelece que se ha de fazer por Parochias, etc. parece-me que não se fará aqui menos, e que assim se exprime Instantemente a vontade da Nação. Com tudo poder-se-hia accrescentar = com relação á, população do territorio Portuguez. =:

O senhor Moura. - O que disse o senhor Joaquim Annes a respeito da segunda parte do paragrapho, que era necessario decidir-se o methodo que se deveria observar nas Eleições, parece-me muito judicioso, mas inopportuno em Bases de Constituição, que são as condições mais essenciaes do Pacto Social. Se assim se tivesse feito, só este artigo nos teria absorvido o tempo, e não teriamos discutido as Bases tão prompto como se necessita, e deseja a Assemblea. Parece-me que he sufficiente o que se diz neste paragrapho, porque estabelece huma regra, em quanto determina que todos hão de concorrer á formação das Leys. Todos: esta palavra todos explica huma idéa tão universal que dá a entender que todos os Cidadãos tem huma parte na formação das Leys. A maneira de o fazer se reservará para a Constituição; como por exemplo, se hão de ter direito á eleição v. g. os Criados de servir, que em quanto servem tem suspensos os direitos de Cidadão: os Estrangeiros, os Mendigos, que por não terem interesses tão immediatos na Sociedade como os Proprietarios, e outras classes, parece deverem ser exceptuados deste privilegio, etc. Tudo isto, digo, se deixou para a Constituição.

O senhor Serpa Machado. - (Leo o artigo.) Esta proposição da vontade geral não se póde sustentar senão de hum modo indirecto, e talvez accrescentando a palavra = presumida = e dizendo - A Ley he a vontade presumida dos Cidadãos, expressada pelos Representantes. = Assim me parece que estaria melhor, e ficaria mais exacto, sem alterar a sua essencia. Em quanto ao mais do artigo, ainda que nelle ha inexactidão, como isso depende da Constituição, parece-me que para então se deve reservar; e que em quanto á regra geral que se estabelece para a approvação das Leys, soja a pluralidade de votos, mas não a unanimidade, porque esta he ideal, e nunca a póde haver.

O senhor Xavier Monteiro. - Parece-me exacta a doutrina deste artigo, porém desejaria alguma pequena alteração da letra. (Leo o artigo.) Entendo eu ser melhor dizer, "que a Ley he a vontade dos Cidadãos declarada pela pluralidade dos seus Representantes, depois da discussão publica." Em quanto ao segundo periodo acho-o bom; mas não vejo como concorda com o outro que diz = que todos os Cidadãos devem concorrer á formação das Leys = e não sei como depois disto se passa a excluir alguns. Por consequencia seria melhor dizer = que concorrerão á formação das Leys todos os Cidadãos, menos aquelles que declarar a Constituição.

O senhor Moura. - Eu não acho outra difficuldade ao que diz o illustre Membro senão a de que, se assim fosse, devia primeiro admittir-se que houvesse duas ceasses de Cidadãos; e eu não posso tal admittir, em quanto á fruição dos direitos Civicos; porque todos os que estão unidos por hum Pacto Social era huma só Cidade, são Cidadãos. Onde isto não succede assim he onde, por exemplo, ha Escravos. Verdade he com tudo que nem todos os Cidadãos devem ser admittidos a este direito de eleição, e isto he o que quer dizer o Artigo.

O senhor Xavier Monteiro. - Eu não tenho difficuldade em considerar Cidadãos de diversas classes. Até mesmo os Hespanhoes, que não tem Escravos, admittem Cidadãos activos, ou em exercido dos seus

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direitos, e Cidadãos sem esta prerogativa; cuja distincção me não parece má, para os abranger a todos.

O senhor Moura. - Eu, em rigor de principios, não admitto que haja Cidadão activo, e Cidadão passivo; todo o Cidadão he Cidadão activo: porem ha huma rasão de conveniencia, para que alguns Cidadãos não sejão admittidos ao direito de eleição, ou de se fazer representar; isto admitte-se em quasi todas as Constituições da Europa, e essa differença que faz a Constituição Hespanhola he em rasão dessa mesma conveniencia.

O senhor Pimentel Maldonado. - Parece-me não ter lugar a observação que fez o senhor Xavier Monteiro, sobre falta de concordancia no artigo. Pronuncia-se a regra geral, e diz-se depois que haverão excepções, e que a Constituição as estabelerá. Isto parece-me methodico, e claro: não comprehendo como se augmentasse o methodo, e a clareia com a emenda do sabio Deputado. Dizer-se que se ha de determinar os que devem ser excluidos das eleições, ou dizer-se, menos aquelles que se declarar que não, julgo que vem a ser o mesma. Voto que o artigo passe sem emenda alguma.

O senhor Borges Carneiro. - Não ha Legislação que não tenha excepções. As Mulheres são Cidadãos, os Meninos são Cidadãos, os que tem molestias physicas, ou moraes, tambem o são; porém todos estes deveis ser exceptuados.

O senhor Bastos. - Como a duvida he na palavra = todos = poder-se-hia substituir com a palavra = elles.

O senhor Soares Franco. - Approvo o artigo tal qual está. Quando se diz = todos os Cidadãos = está muito bem dicto, porque até ha occasião em que se suspende o exercicio de Cidadão, por exemplo, a quem serve; sem que por isso deixe de o tornar a ser quando deixou de servir. O demais he verdade que está vago; mas não nos cabe agora o fazer classificações.

O senhor Barroso Pereira. - Parece-me que este artigo carece de emenda, por se achar em contradicção com o que já ficou adoptado no §. antecedente, no qual se declarou, o Poder Legislativo dependente da Sancção do Rey, e para se proceder com coherencia, deveria accrescentar-se ás palavras - a Ley he a vontade dos Cidadãos declarada pelos seus Representantes juntos em Cortes = as seguintes = depois de sanccionada pelo Rey. =

Demais, qualquer equivoco póde ser de funestas consequencias: e passando em silencio as que se podem deduzir da forma com que se acha enunciada a proposição, porque são obvias, julgo que ella não he exacta, nem corresponde ao fim proposto. Podem os Cidadãos ter huma vontade, podem declara-la pelos seus Representantes juntos em Cortes, e deixar comtudo de se verificar, e pôr em practica a sua vontade. Póde, por exemplo, toda a Nação desejar e ter vontade que se extinga hum tributo, e entretanto os seus Representantes em Cortes, tendo declarado explicitamente a sua vontade, podem accordar que o mesmo tributo subsista, por se julgar necessario, occorrendo posteriores considerações. Eis-aqui verificados os requisitos da proposição, e comtudo não haver Ley.

Parece por isso ser mais exacto, e mais conformo á doutrina de todos os Publicistas, e Jurisconsultos definir a Ley = A regra das acções de todos os Membros da Sociedade estabelecida pela vontade da Nação, declarada pelos seus Representantes em Cortes, e sustentada pelo Poder Executivo = assim se indica bem a origem, a forma, e o effeito da Ley, e se desenvolve a proposição já estabelecida no §. antecedente, nas palavras = reside, etc. = e de mais he isto conforme ao que já se adoptou no §. 2.° destas mesmas bases. Por tanto proponho que se emende o artigo nesta conformidade.

O senhor Manoel Antonio de Carvalho. - Não posso conformar-me com essa opinião. Nós estamos definindo a Ley n'huma Nação que constitue os seus direitos, e vê-se que a Ley he a vontade geral, declarada pelos Representantes da Nação. Por consequencia não he necessaria a Sancção do Rey, pois que tambem já temos concordado em que o Rey deve ceder á vontade da Nação; e assim parece-me desnecessario accrescentar = com a Sancção Real = porque, se tivessemos admittido o paradoxo de que era necessario o Véto absoluto, então seria preciso accrescentar = com a Sancção Real = porém como o não admittimos, julgo que o artigo está bem concebido, e que o contrato disso seria reduzir-nos a circunstancias improprias de hum Governo Constitutivo.

O senhor Barroso Pereira. - Huma cousa he sanccionar a Ley, e outra cousa he o Véto: de todos os modos, ou a Rey, ou os Representantes da Nação hão de sanccionar as Leys; porém esta Sancção não he o mesmo que o Véto.

O senhor Camelo Fortes. - Toda a Ley he a vontade dos Cidadãos juntos em Cortes e por consequencia he necessario que todos os Cidadãos concorrão á formação da Ley: porém a definição da Ley dada neste paragrapho, tem genero, e falta-lhe a differença. Quizera eu por tanto, que á palavra Ley se accrescentasse = para servír de norma ás acções do Cidadãos. =

O senhor Moura. - Diz o senhor Camelo Fortes, que está dada neste paragrapho a definição da Ley; porém que, tendo esta definição genero, lhe falta a differença, e quer por isso que á palavra Ley se accrescente = para servir de norma ás acções dos Cidadãos. = Eu acho que isto não estabelece a differença da definição. Esta differença acha-se per si mesmo estabelecida, porque hão ha Ley que não sirva de norma ás acções dos Cidadãos: esse he o destino essencial da Ley; por tanto accrescentar isto, não estabelece a differença. Foi apoyado.

O senhor Camelo Fortes. - Acho que diz muito bem o senhor Moura; porém, deve haver huma declaração que annuncie este requisito.

O senhor Moura. Mas se esse requisito he a essencia da Ley, não he necessario accrescentallo.

O senhor Borges Carneiro. Se nós dissessemos = a vontade do Cidadão he a Ley, etc. = precisaria.

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fazer-se essa declaração; mas como nós dizemos a proposição inversa = a Ley he a vontade do Cidadão = não he necessaria.

O senhor Camelo Fortes quiz tornar a fallar, porem foi suspendido pelo senhor Presidente, advertindo-o de que tinha já fallado por duas vezes, e que era necessario concluir. Effectivamente tomárão-se votos sobre o artigo, e foi plenamente approvado, tal qual está lançado nas Bases.

Discutio-se o artigo 23.°, e disse: (lendo o artigo)

O senhor Pimentel Maldonado. - Considero esta iniciativa como se póde considerar o Direito de Petição: por meio delle póde qualquer pedir, e propôr o que julga conveniente para si. ou para a Sociedade. Ora se damos a todo o Cidadão este Direito, porque o havemos de negar ao primeiro Magistrado da Nação, que he ElRey? Por tanto sou de parecer que o artigo se reforme.

O senhor Annes de Carvalho (leo o artigo). - Acho neste artigo iniciativa das Leys, quizera que se me explicasse o que quer dizer esta iniciativa? Na Carta de 1814, feita pelos Francezes, só o Rey tem este direito, e os Representantes não tem outro mais que o da representação indirecta; o que, segundo Chateaubriand, consiste em propor ás Cortes certo Proveio de Ley. Lá entendo eu que cousa seja huma iniciativa directa, e indirecta; mas eu quizera relativamente ao nosso systema que se me dissesse o que quer dizer iniciativa indirecta? (leo outra vez o artigo). Parece-me que esta doutrina, em quanto não considera o Rey copulativamente com os Representantes da Nação, tambem não explicará bem o nosso systema politico. Concedeo-se ao Rey tal, ou tal Véto, tal ou qual suspensão; porque se suppõe o Rey com conhecimento dos bens e males da Sociedade, e por consequencia, que com sua sabedoria poderia auxiliar o Corpo Legislativo para applicar aos males o remedio. Supponhamos que os Representantes não se lembrão de apresentar, e discutir algumas Leys convenientes á Nação: e então o Rey, e os seus Ministros, que podem conhecer as necessidades da mesma Nação, serão privados de propor, e simplesmente propôr, ao Congresso as Leys que lhes pareção convenientes? Parece-me que não deve ser. Além disto: já se disse, que em todo o Governo Representativo convém muito que todos os Cidadãos concorrão para a formarão dos Leys: o Rey he o primeiro dos Cidadãos, e será talvez o mais instruido das necessidades dos outros: com que assim deve ser tambem quem concorra para a sua formação. Em terceiro lugar convem muito dar no Rey a iniciativa das Leys; porque elle se interessará mais por aquellas que elle iniciar, e as fará executar melhor. Alem disto: parece-me que toda aquella prerogativa innocente que se possa conceder ao Poder Executivo, se lhe deve conceder; porque assim se concorre para a sua influencia moral. Esta prerogativa parece-me que he innocente. He innocente porque por meio della não póde fazer mal algum, e pelo contrario póde-se adiantar algum bem. Dir-se-ha que isto he menos Liberal. Esta palavra repete-se muito, e muitas vezes: não sei se sempre se repete no seu verdadeiro sentido. Que cousa he huma Constituição bem Liberal, ou muito Liberal? Constituição Liberal he aquella que deixa aos Cidadãos o maior numero possivel dos seus direitos, e são simplesmente lhe coarcta aquelle que podem prejudicar ao bem commum. Por consequencia, para saber quaes são os que se devem coarctar, imposta muito que a experiencia dos Representantes se junte ás luzes do poder do Rey, para se saber quaes dos direitos naturaes do Cidadão se podem deixar em hum exercicio pleno, ou não. Por conseguinte, não vejo que a iniciativa do Rey possa de modo algum coarctar os direitos do Cidadão, antes pelo contrario os póde alargar. Dir-se-ha que o Rey terá mais influencia em todo o Congresso. Se acaso o systema das Eleições por de maneira que o Ministro não possa influir, então a iniciativa não póde prejudicar; porque a maior porte dos Deputados estará a favor da Nação: se as Eleições não forem assim, o Congresso, sem precisar da iniciativa do Rey, dará o que quizer.

O senhor Borges Carneiro. - Eu tambem desejo que nisto da iniciativa se faça alguma mudança. Duvido até mesmo se a palavra = iniciativa = he Portugueza (leo o artigo) sómente compete aos Representantes da Nação = diz o artigo: parece que está entendido que compete a todos; porém ha hum equivoco que se poderia evitar; dizendo = compete exclusivamente a qualquer dm Representantes =. Em quanto ao que diz o senhor Preopinante de que o Rey tenha a iniciativa das Leys, creio que isto he anti-constitucional, antiliberal, e muito perigoso. Não se deve deixar ao Poder Executivo, mais do que aquelle poder que inevitavelmente seja necessario; porque a experiencia tem feito conhecer, que sempre se revoga o que póde, e se se lhe deixar hum degráo, 1.ª de subir por elle. Porventura a Cidadãos tão conspicuos, em tanto numero, e que sabem todas as necessidades da Nação, poder-lhes-ha escapar facilmente alguma cousa que seja necessaria? Parece impossivel. Mas vamos suppôr que todos elles ignorassem o que o Rey pudesse conhecer: o Rey ou os seus Ministros não hão de ter relação com nenhum dos Deputados do Congresso, a quem possão annunciar o que julguem conveniente, sem necessidade de que appareça proposta sua? Pelo contrario que resultaria, se o Rey per si mesmo fizesse a proposta de alguma Ley? Qual seria o Deputado que se attreveria a hir contra tal proposta, e a chocar com o parecer do Rey? Póde ser que houvesse algum, mas não todos; porque todos conhecem que o ser Deputado lhes dura pouco, e que as contemplações que tivessem lido neste tempo lhes poderião servir para quando se tratasse de Graças, ou Mercês, considerando que o Rey teria conservado esta paixão no seu coração. Com que he perigoso que se de ao Rey a iniciativa por estas, e outras muitas rasões. Porque se lhe prohibe assistir ás deliberações do Congresso, senão pela influeneia que pede ler a sua presença? E prohibe-se-lhe isto, e não se lhe prohibirá a iniciativa? Eu opponho-me porque he antiliberal. ( Foi apoyado.)

O senhor Pereira da Sylva. - Parece-me que este artigo 23 se acha concebido mais restrictamente do

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que convido, e por isso não posso approva-lo tal qual está. Diz-se que a iniciativa directa das Leys sómente compete aos Representantes da Nação, juntos em Cortes. Duas cousas temos de examinar neste artigo; 1.º se aos Representantes da Nação compete o direito de propôr as Leys; se este direito lhes deve ser exclusivo, não podendo ninguem mais exercita-lo. Pelo que respeita á primeira questão que este direito de iniciativa he inherente ao cargo de Deputado de Cortes e que nunca lhe póde ser roubado: se nós deixarmos estabelecido no artigo antecedente que a Ley he a vontade geral da Nação declarada pelos seus Representantes juntos das Cortes, claro está que a elles compete declarar, qual he essa vontade. Sem esse direito ficaria o poder das Cortes reduzido a hum poder inteiramente no salvo, e toda a liberdade politica se tornará illusoria. Ha muitas Leys, e até mesmo Leys fundamentaes que nunca serião propostas se chocassem os interesses do Ministerio, huma vez que elle tivesse na sua mão exclusivamente o direito da iniciativa. A França por exemplo determinou na sua Constituição, que os Ministros serião responsaveis, mas como era necessaria huma tal Ley que fizesse effectiva e a responsabilidade, e o direito de iniciativa estava só nas mãos do Ministerio, nunca ella se póde conseguir. He por tanto indubitavel que o direito de iniciativa deve pertencer ás Cortes: resta examinar se lhes deve competir exclusivamente. Parece-me que não, e que os Ministros do Rey se deve conceder igual prerogativa. Não se póde duvidar de que os Ministros acostumados a ver diariamente as difficuldades que se apresentão na execução das Leys; habituados aos negocios, e a observarem n'hum ponto de vista as relações que muitos objectos tem entre si, estão sem duvida em melhores circunstancias de poder propôr as reformas necessarias, de formar planos geraes que convenhão a todas as partes do systema politico, do que estará cada hum dos Deputados de per si, que por mais luzes e probidade que tenha carece dessa experiencia e desses conhecimentos praticos: os Ministros vêem em grande a Nação que administração e os Deputados só conhecem as necessidades ou perigos parciaes. Accresce a estas razões que os Ministros nunca se lhes póde tolher a possibilidade de fazerem propôr as Leys que euizerem, por via de hum Deputado amigo e então nesse caso só farão propor as Leys que lhes forem vantajosas. Permittindo-se-lhe, pelo contrario, o direito da iniciativa, o desejo de se popularisarem e o amor da gloria fará com que á porfia se empenhem em ser auctores de boas Leys. Em algumas Constituições he esta iniciativa das Leys feita em nome do Rey, mas não me parece que isso se devia estabelecer na nossa Constituição. Esssa determinação seria, ao meu ver contradictoria com os principios fundamentaes de politica moderna. Segundo estes principios he o Rey huma pessoa inffalivel, que não se póde enganar, que só quer o bem de donde nunca póde emanar a injustiça; supposto isto haveria nada mais contradictorio que apresentar-se huma Ley em nome do Rey, e dizerem as Cortes; essa Ley he injusta, traria comsigo a desgraça da Nação; não deve passar? Além de que o respeito e a consideração do nome Real poderia vir a influir consideravelmente nas decisões do Congresso e tolher a liberdade dos Deputados. Venhão sim as propostas, que o Rey quizer fazer, ao Congresso, mas venhão em nome dos seus Ministros e não se comprometta o caracter sublime de imparcialidade, que he e primeiro attributo do Monarcha Constitucional. O meu voto hc por tanto, que a iniciativa das Leys se não attribua exclusivamente aos Deputados de Cortes, mas que eu permitta tambem aos Ministros do Rey ella prerogativa.

O senhor Baeta. - (lendo o Artigo ) Apoyo a opinião do anterior Opinante, fundada em que os Ministros podem ter mais exacto conhecimento das necessidades da Nação, em attenção ás quaes devem fazer-se as Leys.

O senhor Serpa Machado. - Este artigo estabelece iniciativa directa, e iniciativa indirecta. Não entendo como se podem fixar os limites de huma, nem de outra. Eu considero como iniciativa indirecta, o direito de propor á Assembléa qualquer artigo de Legislação, sem pôr a este na necessidade de entrar na discussão delle; e como iniciativa directa a necessidade em que se me a Assemblea de discutir o projecto de huma Ley apresentada. Partindo destes primeiros, parece-me que a iniciativa indirecta deve parecer á Assemblea, e póde estender-se a alguem mais; e que a iniciativa directa não deve pertencer senão á Assemblea. Parece-me que a indirecta podia ser estendida aos Ministros do Rey; porque por este meio se poderia saber as cousas que elles propunhão como necessarias sem necessidade de as adoptar, nem de as discutir. Parece-me tambem que a Assemblea poderia estabelecer do seu mesmo seio huma Commissão permanente, para que por meio della passassem todas as propostas de Ley que se fizessem, e desse o seu informe sobre ellas; remediando deste modo a inconstancia das Leys, e fazendo-as perfeitas. Não me parece que deve haver repugnancia nisto, porque temos o exemplo de algumas Republicas pequenas que se tem accommodado com este methodo.

O senhor Borges Carneiro. - Ficaria offendido o esplendor da Magestade, se o Rey (ou seus Ministros que he o mesmo, pois todos sahem que quando falla hum Ministro não falla em seu nome, se não em nome do Rey) ficaria offendido, digo, se, declarando a sua vontade em hum Negocio, não se accedeu; a ella? Seria isso ligar as mãos ao Congresso. Feio que pertence á iniciativa directa, ou indirecta, he huma divisão viciosa, que eu julgo se deveria desterrar, substituindo em vez da palavra = iniciativa = o direito de propôr as Leus, etc.

O senhor Castello Branco. Eu julgo que a iniciativa directa das Leys, he o direito de propor por assim dizer ex-abrupto hum projecto de ley, sem mesmo obrigar a dar abrasoes em que taes leys se fundão. Isto entendo eu por iniciativa directa das leys, o que todos convem que deve pertencer ao Corpo Legislativo; pois se se concedesse que fosse aos Ministros do Rey, todos devião presumir que, huma vez que elles erão partes do Poder Executivo, erão o mesmo, em quanto a isto que o Rey: o que seria bastante

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para prender muitos dos Membros do Congresso. Por outra parte, ou não acho necessidade do que os Ministros venhão á Assemblea propor medidas contra alguns maios urgentes, quando elles tem de dar os relatorios do optado dos Nogocias da sua Repartição, mostrando então indirectamente a necessidade que ha de taes, e taes, providencias, para as quaoes se devem dar taes ordens, ou fazer Leys pelo Congresso. Isto he o que eu julgo que se deve entender por iniciativa indirecta; porque assim não se faz outra cousa senão propor o estado actual das cousas, ainda que só indiquem os meios que serião a proposito para remediar os males que se soffrião. Ora estabelecida deste modo (que segundo me parece he como se deve considerar) estabelecida, digo, assim a iniciativa directa, e a iniciativa indirecta; creio que todos devem convir em que a primeira pertence só, e exclusivamente no Poder Legislativo, e que a segunda se não póde negar aos Ministros, como a outros quaesquer Cidadãos, nos casos estabelecidos.

O senhor Moura. - Parte do que eu queria dizer já foi prevenido sabiamente pelo Penhor Preopinante, mas sempre direi alguma cousa sobre o inconveniente de dar ao Rey a iniciativa directa das Leys. Em primeiro lugar não me embaraço com o escrupulo do senhor Borges Carneiro ácerca da palavra = iniciativa = porque iniciativa, e iniciação vem do Latim iritio: o que sim explicarei são as rasões que deve em vista a Commissão das Bases da Constituição, para não conceder ao Rey a iniciativa. A primeira he que o Rey tem sempre a iniciativa indirecta, a qual consiste em declarar a urgencia de taes, e taes circunstancias, que reclamão taes, e taes medidas. Em segundo lugar se se concedesse ao Rey o direito de propor huma Ley, como se havia de submetter ao mesmo Rey o Juiso da Assemblea sobre a Ley que elle propôz? Como podia ser o Rey Juiz, e Parte ao mesmo tempo? Pois era Parte quando propunha, e era Juiz quando sanccionava. Por evitar esta incoherencia. foi tambem que se julgou conveniente não dar ao Rey a iniciativa das Leys. Demais, ha outro inconveniente: o esplendor da Magestade he muito grande, isto tem muita influencia, e a Assemblea deve obrar com toda a liberdade, o que não succederia tendo o Rey a iniciativa das Leys; porque nem esta, nem outra Assemblea se póde considerar inteiramente livre do prestigio desse esplendor. Não faço differença de que a proposição viesse feita pelo Rey, ou pelos Ministros, porque sempre vinha involvida no mesmo prestigio da Magestade, o que prenderia igualmente a liberdade da Assemblea. Por conseguinte, eu julgo não deve ter o Rey a iniciativa directa, não ficando privado da indirecta.

O senhor Guerreiro. - Tem-se discorrido sabiamente na materia; porem eu tratarei de accrescentar algumas inflexões. A primeira destas será extrahida do conhecimento e da sciencia do coração humano. Tendo o Rey o direito de propor as Leys, e pró pondo alguma effectivamente, esta teria de ser ou admittida, eu rejeitada. Pergunto: rejeitada a Ley, ou ainda que não fosse rejeitada, approvada com emendas, resentir-se-hia o seu amor proprio, ou não? Parece-me, consultando o coração humano, que sim. Ora offendido o seu amor proprio, ou a Ley não teria executada com boa vontade, ou não leria o resultado que devia ter. Ha outra rasão mais forte para se não conceder ao Rey a iniciativa das Leys, e he, que he impossivel, se a tivesse, a existencia da Constituição. Parece paradoxo: mas eu vou ver se o posso demonstrar. Tendo o Rey o direito de propor as Leys, elle não deixaria de propor todas as que quizesse; sem deixar apenas aos Representantes mais do que o direito de examinar, e approvar as suas propostas. O Publico veria que todas as boas Leys dimanavão do Poder Executivo, e acostumar-se-hia a considerallo como huma fonte de toda a prosperidade. Conseguindo o Rey era Opinião publica, afaria tornar contra o Poder Legislativo. Os meios são faceia: armando obstaculos ao Poder Legislativo para que não resultem os bens que se esperavão das suas operações, e fazendo considerar os Ministros como fonte do todo o bem, considerar-se-hia o Poder Legislativo como fonte de todo o mal. Estabelecido assim, podia o Rey acabar com a Constituição, e se quisesse, tornar a estabelecer o sou poder arbitrario. Isto só bastai ia para desenganar de que o Rey não deve ler a iniciativa, assim como se deve negar a todas as outras pessoas. Ouvi dizer que a iniciativa devia compelir ao Rey como Cidadão, considerada esta iniciativa, como hum direito de Petição: mas o direito de Petição não he senão de chamar a attenção do Congresso sobre hum, ou outro objecto, e não de apresentar huma Ley ridigida em fórma tal, que he o que se póde entender por iniciativa. Ouvi dizer que os Ministros poderião ter mais practica das urgencias, e males do estado. O Rey, e os Ministros encerrados na sua Capital apenas vêem as cousas pelas relações que se lhe apresentão, muitas vezes inexactas, e feitas por pessoas interessadas. Pelo contrario, hum Corpo Representativo, que he composto de Membros tilados de todas as classes, e de todos os Cidadãos, não será quem melhor conheça todas as necessidades da Nação, e por conseguinte quem póde pôr os meios, para alliviar estas necessidades? Elle he por conseguinte quem deve exercitar a iniciativa das Leys. Tenho tambem ouvido que isto se devia dar ao Rey como huma prerogativa innocente: mas parece-me que não podemos chamar innocente huma prerogativa que pede fazer a destruirão do systema Constitucional. A respeito do que se tem proposto para a nomeação de huma Commissão permanente, parece-me queijo não se deve adoptar. Huma Commissão permanente instruida dos Membros da Assemblea tem o mesmo caracter, e os mesmos conhecimentos que o Corpo de que foi tirada; por conseguinte, se se considera, que o Corpo não póde exercer o Juiso sobre as Leys que lhe forem apresentadas, menos o poderá exercer huma fracção delle. Eu julgo, que todo o Congresso será mais capaz de conhecer se hum projecto he digno, ou não de ser admittido á discussão do que hum pequeno numero de Membros do mesmo Congresso. Por consequencia a mim parece-me que o artigo deve poisar tal qual está. Foi apoyado.

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O senhor Trigoso. - Foi de opinião que a proposta devia ser feita tambem pelos Ministros.

O senhor Soares Franco. - Approvo o artigo, mas tenho algumas reflexões a propor. Tem-se dicto muitas vezes que não se póde dar ao Rey a iniciativa das Leys. Mas os senhores que adoptarão este artigo dizem, que se não póde negar aos Ministros o fazerem seus relatorios. Chamão a isto iniciativa indirecta, porem o que eu desejava era que se declarasse a iniciativa directa a favor dos Ministros, e que tambem elles pudessem representar aquelles melhoramentos que fossem convenientes nas suas differentcs Repartições. He melhor que este direito será dado aos Ministros. Querer dizer que isto he o mesmo, que o direi, o de Petição, não he assim. Verdadeiramente o Minisstro não vem a apresentar a Ley, senão a formar as Bases dessa Ley. Por tanto parece-me de necessidade o que proponho.

O senhor Moura. - Para mim he muito respeitavel a opinião do sabio Preopinante. Entretanto eu acho que não deve competir aos Ministros similhante iniciativa. Eu appello para todos os Publicistas. A iniciativa directa he o direito de fazer a uma proposta de Ley para que só haja de adoptar; e a iniciativa indirecta he huma exposição das circunstancias que podem exigir tal, ou tal remedio. E isso não compete só aos Ministros, senão a todos os Cidadãos, porque todos os Cidadãos usão na Petição a iniciativa indirecta, dizendo. Existem taes ou taes circunstancias, ás quaes podem-se applicar taes, ou taes remedios. Parecia-me a mim por conseguinte, que não era preciso fazer huma formal declaração.

O senhor Borges Carneiro. - Insisto em que se tirasse a palavra iniciativa substutuindo estas palavras = o direito de propor as Leys. =

O senhor Vaz Velho. - Aqui não ha mais que duas cousas a considerar. Propôr a Ley pertence ao Congresso; a necessidade delia pertence ao Cidadão. Por conseguinte eu approvo o artigo tal qual está.

O senhor Guerreiro. - Para evitar toda a duvida, dever-se-hia fazer huma explicação do verdadeiro sentido da palavra = iniciativa.

senhor Castello Branco. - Parece-me que na Constituição se ha de aclarar isto exactamente. Por agora só tractamos de Bases.

Tomárão-se votos, e ficou o artigo approvado tal como estava redigido, por 71 contra 11 votos.

Discutio-se o artigo 24, e lendo-o, disse:

O senhor Pimentel Maldonado. - Creio que só por principios de conveniencia, e não de justiça se póde tolher ElRey de vir assistir aos trabalhos do Congresso Nacional: até parece que este direito compete com preferenca ao maior dos Funccionarios Publicos. Eu não hesito entre o conveniente, e o justo venha pois ElRey, tantas vezes quantas quizer, presenciar nossas Sessões.

O Senhor Gyrão. - Eu não me posso conformar com este parecer. Para o futuro poderia ter lugar, depois que a Nação estivesse habituada á Constituição; mas presentemente não, porque ainda o não está. O que eu quizera he, que se declarasse que se faria a abertura das Cortes, ainda que o Rey não assistisse.

Sem mais discussão ficou approvado este artigo com hum só voto contra, que foi o do Senhor Pimentel Maldonado.

Foi assim mesmo approvado o artigo 25.º por 42 votos contra 40: e antes de se discutir o artigo 26, disse o Senhor Borges Carneiro que neste lugar cabia o estabelecer alguns outros artigos como Bases da Constituição; porém deliberou-se que na Sessão seguinte os trouxesse por escripto, e que a respeito dessa, e de quaesquer outras propostas se seguiria o theor já para todas adoptado, sem interromper a discussão das Bases da Constituirão. Em consequencia

Discutio-se o artigo 26.º, e por 80 votos contra 2 foi approvado na mesma, forma em que estava concebido.

O artigo 27.° quasi sem discussão foi unanimemente approvado.

O artigo 28.° foi tambem approvado por 72 contra 10 votos.

Discutio-se o artigo 29.º, e disse:

O senhor Pimentel Maldonado. - (lendo o artigo) Está bem concebido até ás palavras = observancia das Leys = o que se segue comprehende-se no artigo antecedente, e he escusado declarar-se.

O senhor Borges Carneiro. - Eu não acho repugnancia em que permaneça todo o artigo: he preciso declarar todo o que vai estabelecer a fruição dos direitos do Cidadão.

O senhor Miranda. - Parece-me que aonde diz = a observancia das Leys = deveria acrescentar-se = e da Constituição.

O senhor Borges Carneiro. - Desejaria que se designassem algumas das attribuições, e prohibições a respeito do Rey.

O senhor Presidente. - Mas senhor Borges Carneiro, temos assentado que isso pertence á Constituição.

O senhor Borges Carneiro. - Tambem desejaria que se designassse ao Rey, e á Real Familia dotação correspondente, e aqui me parecia que era proprio lugar.

O senhor Castello Branco, (lêo o artigo) - O Rey he inviolavel, e seus Ministros responsaveis etc. - estas palavras não abrangem casos que poderião acontecer, e que são, ou podem vir a ser criminosos, afóra a responsabilidade que aqui se declara.

O senhor Borges Carneiro. - Eu julgo ainda o artigo defeituoso em duas cousas = inviolavel na sua pessoa = se deveria accrescentar = em tudo e que toca ao exercicio de Magestade = no que não pertence a isto não fallaria eu = Seus Ministros responsaveis etc. - desejaria que se dissesse alguma cousa do modo porque se ha de fazer effectiva esta responsabilidade: como por exemplo, que eles tem de assignar todas as ordens, etc.

O senhor Moura. - Senhor á idéa da inviolabilidade não se deve accrescentar nada. A pessoa do Rey he muito respeitavel; a sua responsabilidade deve ser muito extensa: querer mesquinhar isto he demasiado. Eu quero que seja o Rey muito respeitavel,

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muito inviolavel. Esses casos do abuso do poder, são extraordinarios, e não quizera que a Assemblea se lembrasse delles. Em quanto a declarar que os Ministros são responsaveis pela falta de observancia das Leys, afóra a Constituição, nisto todos somos responsaveis, e elles o são tambem. A responsabilidade dos Ministros he diversa, e he preciso que tenha huma qualidade mais forte que a dos outros Cidadãos. Eis-aqui porque a Commissão julgou que se devia accrescentar estas palavras, que são de muita importancia, especialmente porque em cada hum destes objectos póde haver casos que não se achem determinados pela Constituição. A responsabilidade dos Ministros deve ser grande. Aqui he que eu quero toda a severidade, porque os Reys nunca abusarão do seu poder, senão pelos máos Conselheiros.

O senhor Margiochi. - Ha muito tempo que os Escriptores de Direito Natural concedem o direito de resistir aos agressores, e muitas vezes de resistir com a forca: não digo mais. O Parlamento de Sicilia, diz "que o Rey he inviolavel, he impeccavel" mas he na sua Administração politica, quando não dava-se-lhe o direito de ser assassino. He inviolavel politicamente, que no demais, se he hum injusto agressor, deve estar subjeito á Ley.

O senhor Moura. - Quizera que nós fizéssemos como fizerão os sabios Legisladores de Athenas, que não incluirão no seu Codigo penas para certos delidos, porque não suppuzerão que em Athenas haveria quem os commettesse.

O senhor Freire. - O Rey como Rey, he inpeccavel: mas a Constituição ha de decidir os casos em que elle ha de peccar, e então já não he Rey; por tanto approvo completamente o artigo como está.

O senhor Borges Carneiro. - Eu convenho no que diz o senhor Moura: mas por isso digo, que se entenda a inviolabilidade no que toca ao exercicio da Magestade.

Tomárão-se votos, e tal como está redigido, foi o artigo approvado por 81 contra 1 votos.

Apresentou-se o seguinte:

VOTO EM SEPARADO.

Na Sessão do dia 26, em que se votou sobre o artigo 21, propondo-se as tres questões, 1.ª se devia haver duas Cameras; 2.ª se na falta das duas Cameras devia haver Feto absoluto do Rey; 3.ª se na falta do Véto absoluto, o devia haver limitado; em todas as 3 questões votei nominalmente pela affirmativa, e requeiro que isto se escreva nas Actas. Lisboa 27 de Fevereiro de 1821.

Antonio José Ferreira de Sousa.

José Vaz Correia de Seabra da Sylva Pereira.

Determinou-se para a Ordem do Dia da Sessão seguinte a discussão dos demais artigos das Bases da Constituição.

Levantou o senhor Presidente a Sessão ás horas do costume. - José Ferreira Borges, Secretario.

AVISO.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza Mandão remetter á Regencia do Reyno o Requerimento incluso do Marechal de Campo Manoel Pamplona Carneiro Rangel, em que pede se levante o sequestro, a que se procedeo nos seus bens; a fim de que a mesma Regencia lhe defira segundo achar de justiça. O que V. Exa. fará presente na mesma Regencia para sua devida intelligencia e execução.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 27 de Fevereiro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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