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SESSÃO DE 29 DE AGOSTO.

ABERTA a sessão, sob a presidencia do Sr. Freire, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
O Sr. Sarmento fez a seguinte declaração de voto, que se mandou lançar na acta: "Na sessão de ontem votei que as pedras preciosas, e todos os moveis de ouro, e prata dos mosteiros e conventos extinctos, fossem repartidos pelos conventos que se não supprimem, e pelas paroquias, e que não ficassem pertencendo ao thesouro nacional, como se determinou no artigo 15 do projecto para a reforma dos regulares.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente, mencionando
1.º Um officio da junta provisoria do governo de Goyaz, com a portaria que lhe foi dirigida pelo ministerio da fazenda do Rio de Janeiro, em data de 2 de Março de 1822, e a resposta dada pela junta áquella portaria. Passou á Commissão de Ultramar.
2.° Uma felicitação do coronel commandante da provincia das Missões, Antonio José da Silva Paulet, que foi ouvida com agrado.
3.° Uma memoria do sobredito coronel, ácerca do estado daquella provincia. Passou á Commissão do Ultramar com varios documentos que a acompanhavão.
4.º Uma representação em nome de todos os guaraniz da provincia das Missões do Uraguay. Mandou-se remetter á Commissão de petições.
5.° Uma carta do Sr. Deputado Ribeiro Costa, pedindo um mez de licença para tratar da sua saude; o que lhe foi concedido.
Deu conta o mesmo Sr. Secretario da redacção do decreto sobre a maneira de proceder ás refórmas no corpo da armada nacional, que foi approvado (vai no fim da sessão).
Feita a chamada achárão-se presentes 117 Deputados, faltando com licença os Srs. Gomes Ferrão, Moreira, Arcebispo da Bahia, Sepulveda, Bispo de Béja, Feijó, Borges de Barros, Lyra, Bettencourt, Carneiro, Costa Brandão, Almeida e Castro, Queiroga, Ferreira da Silva, Pinto de Magalhães, Vicente da Silva, Annes de Carvalho, Belford, Faria de Carvalho, Gouvêa Osorio, Faria, Lino Coutinho, Sousa e Almeida, Alencar, Varella, Pamplona, Zefyrino dos Santos, Marcos Antonio, Franzini, Araujo Lima, Bandeira, Salema; e sem causa reconhecida os Srs. Barão de Mollelos, Bacta, Castro e Almeida, e Povoas.
Concedeu-se ao Sr. Martins Basto, Deputado pela provincia do Rio de Janeiro, um mez de licença para tratar da sua saude.
Passando-se á ordem do dia, continuou a discussão do projecto para a refórma dos regulares (v. a sessão antecedente).
Pedindo o ar. Pessonha licença para retirar a indicação que offerecêra relativa ao artigo 21, a qual lhe foi concedida, entrou em discussão o artigo 22; a respeito delle disse
O Sr. Guerreiro: - Determina-se neste artigo, que os bens de raiz, ou moveis de qualquer natureza, os fundos e rendimentos dos conventos que se supprimirem, assim como os que pertencerem aos cofres e despezas geraes de cada uma das sobreditas corporações, serão applicados para os conventos das respectivas ordens que permanecerem com todos os encargos civis ou pios a que estiverem sujeitos: parece que esta disposição he contra a natureza do instituto das ordens mendicantes, que não podem possuir bens em commum. Alguns conventos tem bens de raiz, que não são outra cousa mais do que as cercas desses conventos, e por isso não entravão na classificação ordinaria dos bens de raiz possuidos em commum; mas agora depois de se extinguir um convento e applicar os seus bens para outro convento distante, já muda de natureza, e não podem ser considerados da mesma maneira, mas sim passão a ser bens de raiz, que não lhes he permittido possuir em commum. Parece pois que esta doutrina não póde ter lugar a respeito destes bens.
O Sr. Rebello: - He um facto, que as corporações mendicantes não podem possuir em commum bens de raiz, pelas suas regras, e institutos primitivos; porém algumas tem obtido dispensas pontificias daquellas regras e institutos, e hoje possuem bens de raiz em virtude daquellas bullas, e com beneplacito do poder civil. Nestes termos temos a Commissão sempre em vista não priorar a situação actual dai ordens regulares; e quanto aos mendicantes, tendo desejado melhorar progressivamente a sua condição e pobreza até ver se se chegava a conseguir, que não cobrissem as cidades, villas, e campos com sacos ás costas, pedindo esmola: por tudo isto pois a Commissão adoptou quanto ás ordens mendicantes o arbitrio de applicar todos os rendimentos que servião para as despezas geraes das mesmas corporações: e bem assim todos os rendimentos dos convenios que forem vagando, de applicar digo, todos os rendimentos a beneficio dos conventos que se conservarem. Este principio he no seu tanto o mesmo que a Commissão adoptou, e o soberano Congresso sanccionou relativamente ás ordens potrimoniadas. A Commissão suppõe que apesar destes espolios, os conventos que se conservarem hão de por muito tempo ser pobres, e os frades seus moradores, dependentes de esmolas para poderem viver; todavia a Commissão previne, e providencia o caso, em que estes conventos cheguem a ter mais do preciso para a sua subsistencia. Quanto ás cercas dos conventos, a Commissão julgou-as partes necessarias para seguirem o sen destino, e condirão: e quanto a esta parte a opinião do illustre Membro he a mesma da Commissão. Em consequencia voto pelo artigo, e convenho em que se declare expressamente, que as cercas seguem a natureza dos conventos a que pertencerem, e terão com os mesmos conventos o destino, que neste projecto se lhe determina.
Propoz o Sr. Presidente o artigo á votação, e foi approvado com a declaração de que o producto dos bens de raiz e rendimentos permanentes dos conventos e hospicios supprimidos em conformidade do artigo 21, serão applicados para as despezas publicas, e não para os conventos das respectivas ordens que permanecerem.

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Passando-se ao artigo 23, disse
O Sr. Rebello: - He necessario pôr este artigo em harmonia com o antecedente, visto que a sua doutrina está ligada com a do antecedente; e a doutrina do artigo antecedente foi essencialmente alterada pela ultima votação; entendo portanto, que se não póde discutir sem ser redigido de novo, para o que deverá ir á Commissão.
O Sr. Soares Franco, disse tambem que o artigo devia voltar á Commissão para o pôr em harmonia com o antecedente, e procedendo-se á votação, assim se venceu.
Approvou-se o artigo 24, com o additamento da expressão mendicantes depois das palavras corporações regulares.
Entrando em discussão o artigo 25, disse
O Sr. Sarmento: - Sem dar o meu parecer contra a annexação destes dois mosteiros, devo fazer uma observação a respeito do um delles, o da Encarnação. Este mosteiro foi originalmente dotado pela infanta D. Maria, filha do Sr. D. Manoel, para nelle se recolherem as filhas dos fidalgos pobres, que tivessem militado. Parecia-me que fazendo-se agora algumas modificações na sua primitiva instituição, iriamos não só criar um estabelecimento de reconhecida utilidade, mas conforme com as pias intenções da sua fundadora, que foi uma das mais virtuosas princezas, que produziu a casa real de Portugal. He conveniente que tratemos já de criar alguma instituição, e que não fique sómente em promessas o que havemos fizer; mórmente quando nos vai cabendo em sorte, por motivos de reformas, o acabar com algumas instituições. Porponho portanto, que se destine já o mosteiro da Encarnação para recolhimento das filhas daquelles militares, que ficão sem amparo, não sendo obrigadas a profissão alguma religiosa; estabelecendo-se estatutos competentes para a manutenção de uma instituição tão pia e util. Não póde haver duvida em se decretar uma tal instituição, porque se offerece para isso a mais opportuna occasião, sem ser mister entrar em maiores indagações e planos, que sómente servirião para espaçar tão util estabelecimento. Nem obsta, que os mosteiros continuem separados, ou se annexem, porque em cada uma destas hypotheses se póde verificar esta instituição, que não vem a ser outra cousa, senão modificar-se a instituição primitiva, applicando-se o mesmo rendimento da dotação.
O Sr. Rebello: - Eu estou possuido das mesmas idéas, e sentimentos, que exprime o nobre Deputado; assento porém, que a sua indicação não póde entrar neste projecto. Não póde entrar neste projecto porque elle considera os dois mosteiros, de que se trata, meramente pelo lado que tem de casas regulares; mas por fortuna se o artigo for approvado, fica já muita obra feita para se poder realizar a indicação do nobre membro. Aquelle dos mosteiros que vagar póde servir para o destino, que lembra o illustre Preopinante, e as rendas, que sobejarem podem constituir parte da sua dotação. O illustre Preopinante convirá facilmente, que o estabelecimento, que propõe, demanda um plano completo em todas as suas partes, que assegure a existencia, accommodação, e occupação das pessoas, que alí devem achar asylo, e trabalho honesto; a sua capacidade, extenção, e dotação devem corresponder ao numero de pessoas para que se destinar; a direcção, e policia interior do edificio, e suas moradoras, deve acompanhar desde logo esta instituição; e os principios de regeneração, de sã politica, e de uma bem entendida beneficencia devem franquear a entrada deste estabelecimento ás filhas, e viuvas dos militares, que tiverem morrido pela patria, ou lhe tiverem feito serviços importantes. Estas, e só estas devem ser as habilitações das pessoas, que se houverem de admittir alí, sem a mais leve sombra de vida claustral, que torne separado do mundo um estabelecimento, no qual as viuvas tem direito a achar um asylo honesto, sem mudar de condição; e as filhas dos militares benemeritos, o direito de adquirirem o patrimonio abundante de uma educação, que as habilite a serem boas donas de casa, e boas mulheres de seus maridos; e com isto espero que o illustre Deputado convirá, em que a sua indicação nem pertence ao projecto, nem nelle póde ser tratada por incidente; mas eu me declaro pela sua importância, sou, de parecer que se remetta a uma Commissão para a reduzir a projecto; e eu serei o primeiro a apoiar essa projecto quando for apresentado.
O Sr. Sarmento: - Eu retirarei a minha moção, se esta lembrança for bastante, para se conseguir o que eu proponho.
O Sr. Andrada: - Acho este lugar improprio para se tratar de similhante materia. Por. tanto vamos continuando com a doutrina em discussão.
O Sr. Serpa Machado: - Senhor Presidente, a Commissão continua com o seu plano de reforma; porém visto ter-se determinado a reforma das freiras, he claro que sómente terá lugar a reforma de umas quando se tratar igualmente da reforma das outras. Determinou-se que as freiras egressas hajão de receber uma prestação decente para a sua sustentação, e por isto uma cousa que devemos attender he sobre a sorte daquellas que ficão nos mosteiros. Está claro que as nossas vistas tendem a fazer o bem da Nação, porém eu vejo que de alguma sorte póde ser prejudicial este artigo, e digo que se deverá fazer uma excepção muito particular a respeito destes dois mosteiros de que faz menção o artigo 25, porque elles são compostos não só de fieiras, mas tambem de pessoas que se retirão do mundo, e das que vão buscar alí a sua educação. Por tanto são mais casas de retiro do que conventos de freirss; estas podem saír com licença do grão-mestre. Deixemos pois isto ao Governo: sempre me opporei a similhantes reformas quando ellas são contrarias ao bem publico.
O Sr. Corrêa de Seabra: - Apoio a opinião do Sr. Serpa Machado, já que fui previnido por elle. São bem sabidos os motivos que determinárão o Sr. D. Manoel, e o Sr. D. João III á fundação destes dois conventos, de Santos, e da Encarnação. Estes conventos são das ordens militares de Avis e S. Vago; governão-se pelos mesmos estatutos, com a unica differença de poderem os freiras casar; pelo que não ha razão nenhuma para que agora demos para estes conventos de freiras (chamo freiras por nome geral, com-
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prehendenndo as commendadeiras e moças do côro), providencias das que estão dadas para os freires. Cada ordem militar tem só um convento de freires, estes conservão-se separados, e não se mandão reunir; da mesma fórma estes conventos de freiras se devem conservar separados. Eu até tenho ouvido que qualquer dos conventos não he accommodado para que possão viver as que presentemente occupão os dois conventos. Accresce que pessoas daquela qualidade acostumadas a certos arranjos, e certo modo de vida não podem viver em harmonia com pessoas de muito differentes habitos e costumes.
O Sr. Rebello: - Levanto-me para dar algumas informações sobre a maioria; e responder ás principaes objecções que se tem produzido contra ella. Um illustre Preopinante diz que os rendimentos destes mosteiros são insignificantes, e que não chegão para as freiras; passemos pois em revista as rendas destes mosteiros, e confronte molas com as freiras que os habitão: Mosteiro da Encarnação, tem de renda annual 5:494$, tem freiras sete, e uma commendeira. Mosteiro de Santos tem de renda annual 7:930$220 em dinheiro; 1$592 alqueires de trigo; e 854 alqueires e meio de cevada: tem freiras onze e uma commendadeira. Eis-aqui os rendimentos destes dois mosteiros; e o numero de freiras para que elles se achão applicados. Esta informação he a mesma que derão os mosteiros, e que tenho na mão para o soberano Congresso poder saber ainda qualquer outra particularidade a este respeito. Os rendimentos destes mosteiros são todos, ou quasi todos tirados de bens nacionaes. Acha-se por tanto a Nação gastando com vinte freire as 13:424$220 réis, além do producto do trigo e cevada de que acima falei. Digo que este rendimento he applicado para as freiras, porque as moças do côro que ha nestes mosteiros sustentão-se inteiramente á sua custa, pelas mezadas que lhes dão os seus parentes. Quando se confronta tão grande rendimento com um tão pequeno numero de freiras parecerá que estas freiras vivem na maior opulencia; mas effectivamente não he assim, porque por um lado o thesouro publico não lhes tem pago pensões, e juros reaes, que formão parte destes rendimentos; e pelo outro lado, que he o principal, cada um dos dois mosteiros gasta na conservação dos edifícios, manutenção do culto Divino, criadas da casa, criados, capellães, confessores, administradores, procuradores e agentes de causas, medicos, cirurgiões, e mais sequito de empregados, que demandão taes estabelecimentos; digo, cada um dos dois mosteiros gasta nos referidos objectos quasi todos os seus rendimentos, e as freiras para viver precisão dos soccorros dos parentes, ou estranhos. Na presença de tudo isto, que linha a fazer a Commissão da reforma? Coherente com os seus principios de olhar estes mosteiros pelo lado que tem de regulares, não podia conservar nenhum delles, porque nenhum tem o numero de freiras para isso indispensavel; restava por tanto o arbitrio de reunir os mosteiros, arbitrio tanto mais natural quanto os institutos são, com pouquissima differença, os mesmos. Tinha ainda a Commissão que satisfazer a outros dois requisitos, que contemplou sempre neste projecto: 1.° beneficiar as freiras: 2.º salvar para o Estado a possivel economia. O primeiro destes fins obtem-se augmentando as rações das freiras que as tem menores, e dando a todas a faculdade de chegerem annualmente uma prelada que as governe. O segundo fim obtem-se, porque supprimindo-se um dos mosteiros, o Estado lucra toda a despeza economica que se razia com elle, á excepção do augmento que houverem de ter as rações das freiras que as tiverem ignores, e lucra alem disso um edificio, para o qual o illustre Deputado, o Sr. Sarmento, já achou um destino digno do soberano Congresso, e proprio de uma Nação regenerada. Diz algum dos illustres Preopinantes, porque se não conservárão estes dois mosteiros, assim como se conservárão pelo projecto os correspondentes conventos de freires de Aviz e Palmella? A resposta facil he, porque cada um destes conventos tem ainda maior numero de freires do que seria preciso para a regularidade da vida que professão, e os mosteiros de que se trata não tem cada um delles as freiras indispensaveis para a regularidade de seus institutos; e então a Commissão propõe para estes mosteiros a mesma providencia que teria proposto para aquelles conventos, se as circunstancias fossem as mesmas. Mas, continuão alguns dos illustres Preopinantes, as freiras, e moças do coro de ambos os mosteiros não se podem accommodar todas em um só, além disso não he justo privar pessoas daquella qualidade das commodidades a que estão acostumadas. Primeiramente devião os nobres Membros mostrar de facto que as freiras e moças do coro dos dois mosteiros não cabem todas em um só; em materias de facto he assim que se discorre para se poder concluir com exactidão. Ora pois examinem o numero de freiras, e moças do coro existentes, acrescentem-lhe o numero de cria-las sufficiente para o serviço geral do mosteiro, e pura o serviço individual das freiras e moças do coro, e acharão que alguns dos mosteiros as acommoda folgadamente. Sendo por outra porte indubitavil, que a Nação nos estabelecimentos que sustenta, não tem obrigação de contemplar commodidades excessivas ás pessoas que já gozão o beneficio singular de serem sustentadas á custa da fazenda publica sem a inherente condição de serviços feitos ao Estado. Quem levar tão longe as commodidades de uns, ha de por força fechar os olhos á miseria de outros, e desprezar a justa applicação que devem ter as rendas do Estado. Por tanto não póde haver receio de que um só mosteiro não accommode todas as freiras e moças do coro, a não suppor que se lhe deve tambem dar edificio para colonia de criadas; nem as commodidades justas destas freiras tem deixado de ser contempladas. Quanto ás commodidades excessivas que embaração as providencias de interesse geral, ou são sustentadas á custa da Nação, o soberano Congresso tem rigorosa obrigação não só de as não contemplar, mas ainda de as cortar cohibir. De tudo o que deixo dito fica tambem demonstrada a economia que rendia desta medida, e que um illustre Membro avançou, que se não obtinha. Ha cousas que se dizem facilmente, e que nem toda a dexteridade dos homens he capaz de demonstrar; e esta he uma dellas. Em um convenio de freiras, por

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mais rico que elle seja, quasi todo o seu rendimento se gasta com as despezas dos edificios, fabricas, criados, padres, administradores, e mais empregados, que seria longo referir, e uma pequenissima parte he que se applica para a sustentação das freiras: se nessa hypothese supprime-se um mosteiro, logo a economia lucra quasi todos os rendimentos, porque apenas continuão as despezas que se fizerem com a sustentação pessoal das freiras. Esta simples resposta he terminante. Por outra parte será economico, será toleravel entreter por causa de sete freiras, e algumas moças do coro, que se podem acommodar em outra parte, um estabelecimento que tem a renda annual de 5:194.$ réis e de que toca uma pequenissima parte ás freiras, porque o costeamento do estabelecimento absorve quasi tudo? Resolvão os illustres Preopinantes o problema como publicistas, e como Deputados. Quanto a mim estou firmemente persuadido de que os conventos de frades, e principalmente de freiras, devem mesmo pelo lado economico conter um numero tal de frades ou freiras, que pelo menos mereça a pena das despezas que custão estas pesadas maquinas; e he tambem debaixo deste ponto de vista, que foi calculado todo este projecto. Parece-me que tenho dado ao soberano Congresso as informações precisas, e supponho tambem ter respondido ás duvidas que me lembra terem sido produzidas contra a materia em questão. Muito de proposito deixo de falar sobre a origem, politica, e bons motivos porque se estabelecêrão estes mosteiros, porque nada disso influo para que elles não entrem na reforma pelo modo porque o projecto os considera; e apenas influiu para que a Commissão os comprehendesse na providencia que propõe
O Sr. Gyrão: - Não posso deixar de apoiar o illustre relator da Commissão, porque com effeito he de admirar que se estejão gastando tantos contos para sustentar dezoito mulheres. Diz-se que isto he um estabelecimento de caridade e de educação. Ora se elle o fosse podia-se dar por bem empregado todo o dinheiro. Mas, Srs., será estabelecimento de caridade, e de instrucção favorecer só uma classe? Pois para uma classe só he que se destinão estes dinheiros. Se a Nação estivesse em circunstancias de distribuir estas sommas, não havia do ser assim, mas pela maneira digna de uma nação regenerada, como disse o illustre relator da Commissão, o qual eu apoio em tudo. Uma das razões que se derão em contrario foi, que as freiras hão de ter rixas e desordens umas com as outras, mas tambem essa razão havia para a reunião dos frades, mas elles lá se hão de ir accommodando conforme quizerem ou poderem, não se hão de sacrificar os interesses da Nação, e o estado do thesouro, às intrigas de freiras. Este projecto tão bello deve ir continuando sem alteração, e eu apoio em tudo as idéas do seu illustre relator.
O Sr. Trigoso: - Quero rectificar algumas cousas de facto que tenho aqui ouvido. Esta instituição dos dois conventos do Santos, e da Encarnação foi principalmente destinada para as filhas dos commendadores das ordens militares. Estes commendadores recebião certos rendimentos dos bens das ordem em razão dos
serviços militares que fazião, principalmente nas campanhas d'Africa, deixando muitas vezes por causa destas, suas mulheres e filhas desarranjadas, e ainda mais por suas mortes, porque os rendimentos que percebião, revertião para as ordens, julgárão os Reis antigos que era uma cousa muito politica estabelecer asylos, onde se podessem recolher estas pessoas, o que era no mesmo tempo um modo de pagar os serviços, que os seus maridos e pais fazião na guerra. Estes asylos devião ter toda a apparencia de casas religiosas, por serem estas as mais proprias para se conservar a regularidade de vida; e em attenção ás qualidades das pessoas que nellas se devião recolher, e á corporação donde, saião os bens para ellas destinados, devião conservar o instituto militar. Tal he a origem dos dois conventos, muito deversa por certo da de todos os outros. As freiras logo que entra o para o claustro, ficão inteiramente mortas para o mundo, onde nunca mais tornão a apparecer; mas as das ordens, que como disse, só tem de religiosas tanto quanto he preciso para conservarem a regularidade devida, podem testar, herdar, e até succeder em vinculos; podem casar; podem sair e pernoitar fóra; e e até os rendimentos de que se sustentão são divididos em tantas porções, quantas são as freiras, administrando cada uma dellas o que lhe toca. De maneira que aquillo mesmo que nos outros conventos he effeito de relaxação e abuso, nestes dois de que tratamos, he observancia de regra, pois que os estatutos de um delles expressamente dizem que só guardarão vida commum no coro, e no dormitorio. Eis-aqui a sabia e politica instituição destes conventos, e eis-aqui a forma por que ainda hoje se governão. ElRei provê os lugares, e deve-o fazer nas filhas das pessoas das ordens que necessitão de similhante asylo; só ha a differença que tendo cessado ha muitos tempos as guerras de Africa, e dando-se ordinariamente as commendas a pessoas que não são militares, não se costuma já ter altearão a esta ultima qualidade para o provimento daquelles lugares. Em quanto ao mais, cada uma das casas tem seus rendimentos proprios que se repartem pelas freiras, e cada uma se sustenta conforme póde. As moças de coro não entrão nesta repartição, mas seguem os actos religiosos. Além disto ha tambem algumas donzellas, e viuvas que alí vão buscar asylo contra a inconstancia da fortuna, pois que limitas vezes lhe faltão os meios de uma honesta subsistencia no mundo, ou perdêrão a sua propria familia com quem vivião, e não podem retirar-se de todo á profunda solidão de um convento regular.
Pelo que diz respeito ao rendimento dos dois conventos, posso dizer que as freiras da Encarnação tinhão as quatro ou cinco freiras mais antigas meia moeda mensal, e as outras não tinhão nada. Desde o anno passado para cá deu-lhe ElRei uma commenda, e esta commenda divide-se pela sacristia, pela commendadeira, e pelas freiras, não sei, nem cuido que ellas sabem ainda quanto toca a cada uma, mas sei que he porção insignificante. Quanto ás freiras de Santos, estas tem bastantes rendimentos, mas esses rendimentos dividem-se por todos. Agora offereço duas difficuldades para a reunião dos dois conventos, e re-
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solva-as o Congresso como lhe parecer; a 1.ª difficuldade consiste em que o objecto politico que tiverão em vista os nossos Reis, creando aquelles conventos, foi o recolher ali as mulheres, e viuvas dos commendadores, e cavalleiros que tinhão feito serviços ao Estado; os bens a elles applicados são das ordens; os provimentos dos lugares são feitos pelos Reis de Portugal, a quem pertenço a administração das mesmas ordens. Se pois as filhas, e mulheres dos commendadores que não querem professar em outros conventos tem ali um asylo onde se possão recolher, segue-se que diminuindo-se o numero dos conventos, fica tambem diminuido este beneficio, com grave prejuizo das pessoas que actualmente nelle habitão, as quaes não podendo todas permanecer naquelle que ficar existindo, ver-se-hão obrigadas a sair para fóra, e a ficarem sem arrimo. 2.ª reflexão: os rendimentos daquelles conventos não são administrados pro indiviso, mas repartidos por cada uma das freiras, e como as freiras de Santos tem bastante rendimento, e as outras não, segue-se que unindo-se umas com as outras, ha mais pessoas que entrão na partilha, e que este maior numero de pessoas que accresce, necessariamente sem a fazer um desfalque muito grande nos rendimentos das freiras com grave prejuizo dellas. A' vista pois desta consideração, me parece que os conventos se não devem reunir.
O Sr. Rebello. - A' vista do que acabo de ouvir ao ultimo illustre Preopinante, he indispensavel apresentar ao soberano Congresso uma conta especifica dos rendimentos decada um dos dois mosteiros.

[Ver Tabela na Imagem]

Mosteiro da Encarnação tem em propriedades arrendadas ....
Em foros ....
Em pesões ....
Em tenças ....
Em commendas ....
Em juros reaes ....
Em juros particulares ....

Somma ....

Mosteiro de Santos tem em propriedades arrendadas ....
Foros ....
Pensões ....
Ordinarias ....
Commendas ....
Juros reaes ....
Tem mais em propriedades arrendadas ....
Foros ....
Juros reaes ....
Tem para alimentos da commendadeira ....

Total ....

Tem finalmente em trigo 1$592 alqueires e meio, e em cevada 854 alqueires e meio. Esta he a conta geral e especifica dos rendimentos destes dois mosteiros, formada pelas respectivas commendadeiras, para satisfazer aos quesitos, e informações a que a Commissão da refòrma requereu se procedesse.
O Sr. Moura: - A Commissão propõe a incorporação das duas casas: ou ellas sejão religiosas ou não, são duas casas que se sustentão á custa do Estado: sejão ellas de que natureza forem, porque nisso me não metto eu, nem debaixo desse ponto de vista se deve olhar este objecto. Propõe-se a suppressão de uma casa cujos rendimentos são fornecidos pelo Estado. Parece que os unicos dois pontos de vista sobre que deve ser olhada a justiça ou injustiça desta incorporação, suppondo que o fim destas instituições he util ao Estado, he se a incorporação he contraria a este fim; e em segundo lugar, se da incorporação resulta ou não tilidade publica. Parece que fazendo a demonstração quanto á primeira cousa, de que a incorporação não he contra o fim da instituição, e em quanto á segunda que resulta utilidade ao Estado, parece digo que está demonstrada a justiça com que se propõe a incorporação. Ora eu não quero questionar, se o estabelecimento que applica bens das ordens militares á sustentação das filhas e mulheres de militares que morrerão na campanha, e fizerão serviços á patria, era estabelecimento util e politico. Convenho que o seja, como realmente assim he; não contesto a politica deste estabelecimento, porque em todas os nações, em todos os reinos ha estabelecimentos desta natureza: o que quero, Srs., he que se reflicta que o fim da instituição destes conventos está ha muito tempo acabado, e que estes lugares não são applicados ás filhas, nem as mulheres dos commendadores que serviços na guerra, e lá morrêrão, porque ha tempo que os commendadores não fazem estes serviços. Mas suppondo ainda que assim seja, e que nós possamos pôr as cousas no seu primitivo estado, ninguem poderia obstar que agora se não incorporassem. A incorporação não obsta nada a este fim. O que se faz com ella? mudão-se as pessoas ou freiras que existem em um lugar, e reunem-se em outro; mas isto nem tira os meios de subsistencia, nem prejudica as freiras em cousa alguma. Ora senão se pervertem os fins da instituição; se continuão a residir n'um mesmo sitio as pessoas que estavão em sitios diversos, que inconveniente ha na reunião? Diz-se porém que o rendimento de um mosteiro he maior que o do outro, e que reunindo-se todos estes individuos, longe de refilar economia, resultaria, ou nenhum proveito, ou talvez prejuizo. A mim parece-me que da incorporação destas duas casas, que fazem uma despeza separada, ha de resultar necessariamente utilidade; e quanto ao direito adquirido pelas commendadeiras de Santos, que tendo maiores rendimentos, não os podem distribuir pelas outras que tem menos, isto não he direito adquirido, que seja superior á autoridade legislativa; porque a autoridade legislativa que applicou aquelles rendimentos áquellas pessoas, póde agora applicalos a outras. Não ha direito adquirido que obste á união, ou ao menos não ha direito adquirido que seja superior ás considerações de economia, e utilidade publica, e superior á autoridade das Cortes, que guiando-se por esses mesmos principios, e tendo em vista os fins da instituição, reuna os dois mosteiros que estavão separados. Por isso concluo que ainda mesmo querendo restabelecer a primittiva instituição

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destes mosteiros, a Commissão propoz, e muito bem, a sua reunião, porque della resulta uma verdadeira economia.
O Sr. Castello Branco: - Estes dois estabelecimentos forão sem duvida louvaveis, e uteis na sua origem; mas tambem não posso negar que ha muito tempo se desviárão do seu instituto primitivo, e quando mesmo se contivessem nos limites desse instituto, não he menos verdade que elles se achão actualmente em contradicção com os principios do seculo, e mesmo posso dizer em absoluta contradicção com os principios constitucionaes que temos adoptado. Digo em absoluta contradicção, em quanto estes estabelecimentos são privativos de uma classe privilegiada de cidadãos. Por tanto sou de opinião que elles devem acabar, e muito mais devo ser desta opinião quando tenho sobre a meza um projecto para a secularização das ordens militares; e estes estabelecimentos que pertencem ás ordens militares, devem extinguir-se igualmente. Muito embora para o diante as legislaturas seguintes queirão providenciar sobre as viuvas, e filhas dos militares; isso deverá ser de outro modo. Temos pois que taes estabelecimentos devem acabar, mas ao mesmo tempo esperava eu ouvir neste projecto uma maior coherencia relativamente ao que se acha determinado em outra parte do mesmo projecto. Estes conventos da Encarnação, e Santos correspondem sem duvida aos dois convenios de Aviz, e Santiago: para estes determinou-se uma diversa fórma de extincção, attendeu-se á subsistencia dos individuos actuaes, e se combinou de uma maneira util para o Estado, e para os individuos o modo da suppressão destas duas casas. As duas casas da Encarnação, e Santos correspondem perfeitamente a estas; e se ellas devem ser supprimidas, qual he a razão por que a Commissão adoptou differente systema do que tinha adoptado para a suppressão das outras? Não acho razão alguma. Se a Commissão achou melhor a reunião das freiras destes dois conventos, devia achar as mesmas razões de utilidade na reunião dos outros, porque para isto não havia difficuldade alguma, talvez que a reunião dos conventos dos freires se podesse praticar melhor, do que realmente se póde praticar a reunião dos indivíduos do sexo feminino, que existem nestes dois conventos de Santos, e Encarnação; por quanto eu vejo que os illustres Membros que tem apoiado o projecto, não estão bem ao facto da economia destas duas casas. Vejo contemplar unicamente o numero de sete freiras na Encarnação, e de onze em Santos. Se assim fosse, muito facil era a reunião, e nós poderiamos combinar os interesses do Estado com a consideração de justiça que se deve ter com individuos pertencentes a uma corporação, até aqui autorizada pelas leis. He preciso saber que o numero de individuos que povoão estes conventos, e que percebem parte dos seus rendimentos debaixo de titulo de freiras, he em verdade pequeno: entretanto existe nesta mesma casa um numero quadruplicado, ou talvez maior de individuos, de quem iriamos fazer a absoluta desgraça com a reunião destas duas casas, ha moças de coro (Não se entenda que debaixo deste nome se comprehendem raparigas que vão para alí de menor idade para serem educadas: não he assim; são mulheres que vão procurar alí um refugio decenio, que não poderião encontrar no centro da sociedade, ou porque são orfãs, ou porque circunstancias particulares fazem com que não possão viver com as suas familias. Estas moças do côro não se achão nos primeiros annos da sua idade. Grande parte dellas achão-se em um estado decrepito; e reunindo-se ambos os conventos, o de Santos apezar de ser um edificio vasto, não poderia recolher commodamente as pessoas de uma e outra casa. Além disto estas moças do coro não são de maneira alguma pesadas ao Estado, porque elle não dá um unico real, e elles não tem mais do que o abrigo daquella casa. Existe outra classe de pessoas nestes conventos, que seria desgraçada, tal he a classe das viuvas que se achão nas mesmas circunstancias que as moças do coro. Supponhamos que se decreta a reunião destes dois conventos. A maior parte destas pessoas ficão desarranjadas, sem poder subsistir, e entregues aos baldões sempre incertos da fortuna. He certo que estas considerações se deverião postergar quando da conservação destes dois conventos resultasse prejuizo gravissimo á sociedade; quando para isto fosse preciso destinar uma renda extraordinaria, que devia melhor applicar-se em beneficio de individuos mais uteis á sociedade; mas eu já disse que nem as moças do côro, nem as viuvas alí recolhidas recebem um unico real das rendas daquelles mosteiros. Quanto ás freiras, que são as unicas que tem parte nos rendimentos das casas, essas ou vivão separadas, ou juntas, necessariamente hão de ter uma parte que lhes seja consignada para a sua sustentação. Que importa que ellas desfructem esta parte de rendimentos em Santos, e na Encarnação, ou só em Santos? Não pretendo todavia illudir o soberano Congresso; não quero dissimular que na separação existe realmente uma perda, mas examinemos se essa perda pela sua insignificancia deve ser sacrificada ás considerações que tento contemplado. Realmente o custeamento de uma tala de mais, he uma despesa addicional; e de mais disso por uma piedade mal entendida, principalmente nos mosteiros do sexo feminino, uma boa porção das rendas dos mosteiros he consummida no culto divino, ao mesmo tempo que os individuos, a cuja subsistencia se devia prover, morrem á fome. Para a santidade da religião, para o exercicio do culto divino, não he preciso que em casas destinadas para recolhimento de pessoas que buscão um asylo honesto, se fação grandes funcções, e apparatosas festividades de igreja. Reduzindo-se pois as despesas que se fazem com este objecto, ao que he absolutamente necessario para a sustentação da igreja e conservação do culto divino, não será tão grande o sacrificio. Acho que as outras considerações que fiz proprias da humanidade, devem merecer a attenção deste Congresso; por isso o meu voto he que a respeito dos conventos de Santos, e Encarnação se applique o mesmo que se acha determinado no artigo 1.° a respeito dos conventos de Aviz e Santiago.
O Sr. Vaz Velho: - Sr. Presidente, levanto-me para justificar a Commissão, pois parece-me ác-

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duzir-se do que se tem dito, que ella excedeu os seus deveres, quanto escreveu o parágrafo de que se trata. Quando a Commissão foi encarregada da reforma das corporações regulares, entendeu que nesta denominação se comprehendão os mosteiros de que se trata: mas se o soberano Congresso os quiz exceptuar, agora mesmo, já que então o não fez, póde declarar a sua vontade, e acaba-se a questão. Entretanto a Commissão fez o que devia com a coherencia com que costuma proceder. Ella tornou por base para a reforma dos conventos das outras ordens, o numero dos indivíduos e dos conventos; de sorte que não havendo indivíduos sufficientes para perfazerem uma communidade, e preencherem todas as funcções e ministérios ecclesiasticos se diminue o numero dos conventos. Admittida, esta base, a Commissão , para não merecer a nota de parcial, e para ser consequente nos seus procedimentos, não podia deixar de regular-se pelo mesmo principio, e de adoptar a mesma medida a respeito dos mosteiros em questão. A Commissão observou que as famílias dos dois mosteiros erão apenas sufficientes para um só; e então regulada pelo principio estabelecido reformou o numero, ou reduziu os dois a um só, na forma que tinha praticado com as outras corporações. Tenho por tanto justificado a Commissão no que fez, e mostrado a consequencia no modo porque obrou. Agora responderei a duas objecções com as quaes se tem pretendido atacar a doutrina do parágrafo. Diz-se que a reunião destes dois mosterios he prejudicial ao publico, e opposta aos interesses das pessoas particulares. Prejudicial ao publico, porque sendo estes mosteiros por sua instituição abrigo de certas pessoas cujos parentes servirão o Estado, quantos mais mosteiros houver, mais pessoas occuparão: opposta aos interesses dos particulares, porque sendo um dos mosteiros bem dotado, e o outro não, necessariamente diminuirá para umas, o que for necessario para as outras. Porem nem um nem outro inconveniente me parece seguir-se da doutrina do projecto. Não se segue o primeiro, porque já disse que o mosteiro que ficasse inhabitado se podia destinar para esse mesmo fim, dando-se-lhe uma melhor direcção, e com maior proveito publico. Não se segue o segundo inconveniente, porque eu provarei que se ha de verificar o contrario, a saber, que não perdendo nada as que tem muito, terão mais as que tem pouco. He um principio estabelecido e muito certo que qualquer destes mosteiros habitado, gasta o principal das suas rendas em despezas alheias da subsistência das freiras que o occupão ; de sorte que ainda que tenhão muito, chega uma pequena parte ás mãos de cada uma para seu sustento. Segue-se por tanto que evitando-se essas grandes despesas em um delles, e acrescendo a utilidade ao outro, vem este augmento a fazer maior a porção das mais pobres, igualando-a com a das que até agora tinhão mais,; donde resulta que não perdendo as mais ricas cousa alguma, passão as que tem menos a melhorar de fortuna ficando iguaes às outras.
O Sr. Borges Carneiro: - Approvo o parecer da Commissão com duas emendas, e direi com brevidade. Approvo a reunião destes mosteiros, por isso que não ha necessidade nenhuma de conservar duas casas, quando em proporção ao numero de freiras que existe, não he necessária senão uma; e he sabida a economia que resulta de manter os acessórios de uma só casa ou de duas, quero dizer, uma só administração, igreja, culto, criados, médicos, etc. A primeira emenda que faço he, que onde diz o projecto quanto seja necessario para a sustentação das freiras, regulada com igualdade para todas, e na razão das mais bem patrimoniadas , eu supprimiria estas ultimas palavras e diria quanto seja necessario para a decente sustentação das freiras, regulada com igualdade para todas; de maneira, que as que tem muito dêem para as que tem menos, pois sei que em um destes conventos se passa com necessidade, quando no outro com grandeza e luxo: e a grande regra do systema constitucional he de bens nacionaes dar aos que tem de menos, e tirar aos que tem de mais. A outra emenda he, que aonde diz, deixará intactas, com a mesma applicação as rendas do culto divino e do reparo dos edificios, eu diria que o Governo empregará para a manutenção do culto divino e dos edifícios as rendas necessárias: e isto porque presentemente se gasta muito com festas, etc. e o luxo no culto divino, se he permittido, devo ficar para as igrejas cathedraes, e paroquiais, e não para estes estabelecimentos de caridade. Com estas duas emendas approvo o artigo.
Declarada a matéria sufficientemente discutida, e decidindo-se que a indicação do Sr. Sarmento ficasse reservada para entrar em discussão no fim do projecto , propoz o Sr. Presidente á votação a l.ª parte do artigo até às palavras ambos os mosteiros, e foi approvada, como estava, ficando por isso prejudicadas as duas emendas seguintes: 1.º (do Sr. Serpa Machado) Os mosteiros da Encarnação e Santos ficarão subsistindo em quanto o numero de freiras, e moças, do coro não diminuir tão consideravelmente, que só possão reduzir a um só, o que ficará ao prudente arbítrio, e discrição do Governo : 2.ª (do Sr. Guerreiro) Os mosteiros da Encarnação, e de Santos da cidade de Lisboa, pertencentes às ordens militares do S. Bento de Aviz, e S. Tiago da Espada, ficarão subsistindo no estado em que se achão, até que por outra lei se reforme o seu instituto de um modo mais conforme ao que exige o bem publico.
Propoz-se á votação a 2.ª parte do artigo até ás palavras bem patrimoniadas, e não sendo approvada como estava, o foi depois com a suppressão das palavras e na razão das que até agora fossem mais bem patrimoniadas.
O resto do artigo foi approvada nos termos seguintes: e o Governo fará applicação das rendas necessarias para a manutenção do culto divino no mosteiro que subsistir, e conservação dos edificios.
Approvárão-se os artigos 26, e 27.
Passando-se ao artigo 28, disse
O Sr. Serpa Machado: - As mesmas razões que ponderei a respeito da reunião dos conventos dos frades, estabeleço agora para oppor-me ao presente artigo: todas as vezes que se estabelece uma lei de dificil execução, he necessario deixar ao Governo alguma latitude. Para que havemos de fazer soffrer a es-

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tas mulheres tantos encommodos; quando parece que seria mesmo necessario deixar-lhe algum recurso permittindo-lhes acabar a sua vista onde quizerem?
O Sr. Rebello: O illustre Preopinante ataca vagamente o artigo, e condemna as regras que elle propõe como demasiadamente restrictas, e de difficil execução; e como o illustre Preopinante propõe outras, que na realidade são arbitrios vagos pelos quaes o Governo não tem principios que regulem a sua execução, desejava eu que o nobre Deputado explicasse precisamente, em que consiste a restricção das regras que o projecto apresenta, e determinasse os arbitrios que lhe substitue para eu poder falar com certeza e exactidão sobre a opinião que emittiu.
O Sr. Serpa Machado:- (Não o ouviu o taquigrafo).
O Sr. Rebello:- Pois bem: o artigo em questão trata dos mosteiros que o Governo ha de supprimir, e reunir; e pertence aos conventos, e mosteiros de freiras patrimoniadas. A Commissão deixa ao Governo toda a latitude para verificar estas suppressões , e reuniões com a prudência, que recommenda a delicadeza da materia; entendeu porém, que devia marcar certas condições e arbítrios que encaminhassem estas operações, e ás quaes o Governo se encostasse para preencher as vistas da reforma: deixou-lhe pois o possível arbítrio, mas conduzido quanto o legislador o podia, e devia fazer, aos fins que a lei pretende conseguir. Uma única regra certa e infallivel apresenta o projecto, e vem a ver, que se não conservará convento algum de freiras, que tenha menos de 15 freiras professas; esta regra seria por tanto aquella, e a única que o illustre Deputado poderia, e deveria atacar como restricta e rigoro-a; mas nem o nobre Membro o fez, nem podia fazer finalmente; porque era verdade esta de tal modo demonstrada a despeza que custão estes estabelecimentos, e a necessidade de que comprehendão um numero de freiras, que mereça a pena das despezas que occasionão, que eu me persuado que não haverá algum tão inconsequente, e desgovernado, que deseje que se conservem convénios com menos de l5 freiras, advertindo ainda que este numero se precisa para a regularidade da vida , que professão. Deve por tanto passar o artigo como está.
Suspendeu o Sr. Presidente a discussão para se ler uma felicitação dirigida ao soberano Congresso pelo brigadeiro António Claudino Pimentel, que foi recebida com a consideração do costume. E entrou a prestar juramento e tomar assento no Congresso o Sr. João Lopes da Cunha, Deputado pela província do Rio Negro.
Continuando a discussão do artigo, disse
O Sr. Borges Carneiro : - Approvo o artigo com duas declarações: primeira, que onde diz mosteiros, que não contiverem 15 freiras, se diga, que não contiverem 12, porque esta he a determinação do concilio de Trento, e não ha razão para se ampliar o que agora se quer restringir: segunda, que não approvo a segunda parte do artigo. O que me parece bem, he que as freiras que se houverem de reunir, se reunão em conventos do mesmo instituto, ainda que fiquem mais remotos de outros conventos de instituto diverso, porque isto concorre muito para a conservação da disciplina. E geralmente, que sobre os lugares da união fique quasi tudo ao arbítrio do Governo, o qual deve nisso attender aos desejos das preladas e das freiras que se houverem de mudar.
O Sr. Abbade de Medrões: - A minha opinião he que se deixasse este artigo indeciso até vir a bulia da secularização das freiras. Nós temos decretado que as secularidades hão de levar certa porção dos bens dos conventos para a sua subsistencia , segundo o permittirem as forças dos conventos; não sabemos as que se querem secularizar, se será a quarta ou terceira parte, ou metade, e por isso este artigo só deve ter lugar depois de vir a bulla. Alem disto convem attender ao incommodo que se vai dar às religiosas de terem que mudar a sua mobília ; o desgosto que se vai causar às famílias com estas mudanças, e uniões; e a intriga que ha de reinar entre ellas, porque he uma verdade, que os homens facilmente se acommodão, mas as mulheres não.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Proponho que logo que qualquer convento de freiras deixe de ter um numero suficiente, possa o Governo supprimilo. .
Declarada a matéria sufficientemente discutida propôz o Sr. Presidente o artigo á votação, e foi approvado com o accrescentamento das palavras á vontade dellas, depois das outras ou mais vizinhos.
Approvou-se o artigo 29 com a substituição das palavras logo que, em lugar de sempre que.
O artigo 30 foi approvado como estava.
Passando-se ao artigo 31, disse
O Sr. Rebello: - He necessario dizer duas palavras sobre este artigo. A Commissão observando que ha alguns conventos tão pobres que não tem para a sua subsistência se não a caridade dos fieis, assentou que não havia se não dois meios; ou propor que se consignassem prestações de que vivessem, o que as actuaes circunstancias do erário não permittem; ou então se deixassem subsistir os conventos, e freiras até ao menor numero praticável, para não prejudicar a sua actual existência tirada de esmolas sabidas dos fieis; e por isso assentou fazer excepção na regra geral attendendo ainda a que estas freiras são pobres, e ao mesmo tempo tão desgraçadas, que não podem sair da clausura a solicitar pessoalmente as esmolas dos fieis.
O Sr. Manoel António de Carvalho: - Tenho que accrescentar a este artigo, que não sendo da mente deste Congresso desamparar pessoa alguma sem lhe occorrer com os meios necessários ao menos para a sua sustentação, succede que estas religiosas mendicantes tem com effeito ordinárias nas differentes alfândegas deste reino, e que tem sido para isto mesmo applicadas pelos reis. Como porém ellas não devão ser espoliadas destas ordinárias sem se lhe dar outro meio de subsistência, o que seria uma barbaridade, julgo que neste artigo se deve dizer, que se pagarão a estas religiosas as ordinárias que lhes competem, e que ellas sempre cobrarão, e de que estão agora indevidamente privadas; ou então, dê-se-lhes ao thesouro subsistencia, visto que ellas não tem bens nenhuns patrimoniaes, e só vivem destas ordinarias.
O Sr. Rebello: - A hypothese deste artigo não

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he verdadeiramente a de que se acaba de falar. O illustre Preopinante suppõe talvez que as freiras que professão nos institutos mendicantes são todas indigentes; não acontece assim. Felizmente no artigo 28 são comprehendidos conventos de freiras franciscanas, que são riquissimas, e por isso estão na classificação das patrimoniadas. Não ha em parte alguma deste artigo providencia que tire ás freiras aquillo que lhes pertence: e e por tanto sendo mui razoavel o que acaba de dizer o illustre membro, todavia julgo ser isso objecto de uma indicação; e eu serei o primeiro a apoiala.
Propoz o Sr. Presidente o artigo á votação, e foi approvado como estava.
Passou-se ao artigo 32, que na conformidade do que já, se achava vencido a tal respeito, havia sido novamente redigido pela Commissão nos termos seguintes:
32. O Governo habilitará pelos meios competentes os religiosos para se poderem secularizar a titulo de benefícios, ou a titulo de ministerios vitalicios de instrucção, educação, caridade publica, capelanias do serviço do Estado, ou de qualquer estabelecimento pio, quando estes ministérios lhes subministrarem rendimentos pelo menos iguaes aos que prescreverem as constituições dos respectivos bispados para patrimonio dos clerigos: do mesmo modo habilitará os religiosos, que tiverem repugnancia de viver no claustro, ou alguma outra justa causa, para se poderem secularizar a titulo de patrimonio. Sendo as secularizações a titulo de beneficios, obtidos em concurso, expedidas pelos ordinarios perante quem os mesmos concursos se fizerem; e todas as mais expedidas, e julgadas pelos ordinarios da naturalidade, ou residencia dos religiosos, ou pelos da diocese, em que existirem os patrimonios, ou quaesquer outros dos sobreditos titulos de secularização, como mais opportuno fôr aos secularizandos; e ficando elles em virtude das mesmas secularizações aptos para todos os beneficios, e ministerios, como quaesquer outros clerigos seculares.
Foi approvado, ficando salva a indicação do Sr. Borges Carneiro sobre assignar-se uma pensão para patrimonio dos frades que quizerem saír.
Entrando em discussão o artigo 33, disse
O Sr. Ferreira Borges: - Este artigo, Sr. Presidente, he contra a doutrina já aqui sustentada muitas vezes. Nada de preferencias, ao mais digno he que deve dar-se o beneficio; e o meio de se conseguir isto he o meio do concurso, e por isso voto contra o artigo.
O Sr. Rebello: - A opinião do illustre Deputado labora em duas equivocações: a 1.º em suppôr que a Commissão approva a actual jurisprudencia dos padroados: a 2.º em suppôr que os beneficios, de que trata o artigo, são daquelles que nela actual disciplina se provem por concurso. Nenhuma destas cousas he assim; a Commissão he a primeira que reconhece a necessidade de reformar o direito do padroado, em grande parte offensivo do espirito da igreja, e direitos dos e eclesiasticos, que nesta qualidade devem preferir para os ministerios sagrados pelas suas maiores virtudes, e letras, manifestadas em concurso; estes são os sentimentos da Commissão, e muito particularmente os meus, que por diversas occasiões tenha dito neste augusto recinto, que os meus votos serão satisfeitos quando não houver um unico beneficio, que não seja provido em concurso, celebrado perante os ordinarios respectivos. Mas a Commissão tinha obrigação de tirar para a refórma dos regulares todo o partido, que esta má disciplina dos padroados lhe podia conferir. E qual he o direito de que gozão os conventos e mosteiros quanto aos beneficios de que trata o artigo? O direito he proverem estes beneficios em qualquer ecclesiastico, com tanto que não seja indigno: e então que faz o projecto? propõe que os conventos expliquem este direito preferindo os frades dos mesmos conventos, ou institutos, que pretenderem os beneficios, com tanto que não seja o indignos. Com esta providencia abre-se mais uma porta para occupar utilmente religiosos enclaustrados; allivião-se os conventos da sustentação dos que saem; he natural, que os beneficios sejão mais bem providos, porque os religiosos que os pertenderem serão sempre dos mais benemeritos; os direitos do padroado soffrem apenas a restricção, que he dictada pela causa publica; e os clerigos não podem queixar-se, porque estes beneficios não são dados em concurso, a que elles podessem ser chamados. Quando deixo assim analysados os fins do artigo, e utilidades que delle resultão, deixo tambem mostrado, que os beneficios de que se trata não são dados em concurso, e por tanto cáe por si mesma a opinião do illustre Deputado, que suppunha esta hypothese. Em uma palavra, a Commissão não approva a actual disciplina dos padroados, mas em quanto ella não for emendada, edifica sobre ella para os justos fins da refórma. A Commissão funda-se no que existe, o illustre Deputado no que se deseja, mas não existe. Deve por tanto passar o artigo: nem elle prejudica a refórma que se houver de fazer nos direitos do padroado.
O Sr. Corrêa de Seabra: - Este artigo deve ser supprimido, porque ha um projecto sobre o direito de padroado, que se ha de discutir.
Sendo chegada a hora da prolongação, e não se julgando o artigo sufficientemente discutido, decidiu-se que ficasse adiado.
Mencionou o Sr. Presidente uma felicitação do tenente de marinha João Bernardo Corrêa Couper, a que se mandou dar a consideração do costume.
O Sr. Fernandes Thomaz, por parte da Commissão especial encarregada da organização das relações provinciaes, leu os quesitos, cuja resolução ella julga necessaria para poder ultimar a lei sobre aquelle objecto; e se mandárão imprimir para serem discutidos com urgencia.
Continuou a discussão adiada do parecer da Commissão de Constituição, sobre a indicação dos Srs. Deputados da provincia de S. Paulo (v. a sessão de 27 do corrente pag 261). Sobre o mencionado parecer disse
O Sr. Peixoto: - Sr. Presidente, não posso approvar o parecer da Commissão, naquella parte em que julga que os Srs. Deputados do Brazil ficarão desligados do Congresso de Portugal, logo que as provincias reputadas dissidentes elejão Deputados para o

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Congresso convocado no Rio de Janeiro. Os Srs. Deputados tomárão lugar neste recinto, por procurações legitimamente conferidas por seus constituintes, e só podem separar-se, por uma revogação igualmente legitima dessas procurações. Não póde attribuir-se esta qualidade ao acto da eleição de Deputados para o Rio, acto que deveremos ter por illegitimo, a não querermos reconhecer a separação, e independencia das provincias que se reputão dissidentes. Os Srs. Deputados tem procurações para estas Cortes constituintes: em quanto as Cortes constituintes senão fixarem, devem permanecer nellas, e exercitarem os poderes, que na sua origem forão legitimos, e legitimos se conservão até que sejão revogados por meio que nos seja licito approvar. Não serei da mesma opinião sobre a resolução que o Congresso tomou, pela qual os Srs. Deputados do Ultramar forão habilitados para representarem suas provincias nas Cortes ordinarias, em quanto não pedissem ser substituidos por outros nomeados de novo: e a differença he manifesta: nós adoptámos esse arbitrio pela natural presumpção de que as suas provincias assim o approvarião; mas esta presumpção cessa pela simples duvida sobre a vontade dos constituintes: e essa duvida nascerá do facto da eleição de Deputados para o Rio de Janeiro. Concluo que durante a continuação das Cortes constituintes, não seja permittida aos Srs. Deputados do Brazil a separação que solicitão; e que se reforme a resolução tomada a respeito da sua conservação nas Cortes ordinarias.
O Sr. Trigoso: - O parecer da Commissão não foi bem entendido outro dia pelo Sr. Margiochi; nem hoje o he pelo Sr. Peixoto. A Commissão não entrou na questão se o Brazil ficava desligado de Portugal, uma vez que os povos nomeassem Deputados para as Cortes do Rio de Janeiro; o que disse he que nesta hypothese os Srs. Deputados actuaes ficavão desligados de assistir a ellas. Os Srs. Deputados do Brazil são conservados nas Cortes, não para sempre, mas só até que os povos do Brazil facão novos Deputados para aqui; mas se os povos do Brazil, em lugar de procederem á nova nomeação de Deputados que lhes foi incumbida, fizerem a de Deputados para as Cortes do Rio de Janeiro, tem por este facto mostrado que querem desligar-se de cá, e os Srs. Deputados do Brazil tem acabado as suas funcções. Mas isto he facto por onde mostrão os povos que querem desligar-se: mas segue-se daqui, que por direito devem considerar-se desligados? Não se segue. Qual he pois o direito a este respeito? Eis-ahi o que a Commissão se absteve de decidir, por que não foi sobre isso que o Congresso lhe mandou interpor o seu parecer, nem era disso que a indicação tratava. A questão era se ficavão desligados de assistir ás Cortes os Srs. Deputados actuaes das provincias do Brazil que forem dissidentes; e a Commissão julgou, que se por factos se mostra que as provincias se desligão, ficão tambem desligados os representantes dellas; mas não se segue daqui que as provincias do Brazil fiquem desmembradas de Portugal, ou que este perca o direito que a ellas tem, porque os povos mostrárão por factos querer-se desligar, ou porque o Congresso deixou saír os seus representantes. Assento pois que póde muito bem approvar-se o parecer sem que nos involvamos nessa questão juridica.
O Sr. Villela: - Não obstante ser a conclusão do parecer da illustre Commissão conforme aos desejos que eu ha muito tempo tenho, de ver concluida a minha missão neste soberano Congresso, pois que a pezar de mui honrosa, tem sido por muitas vezes amargurada; não posso com tudo approvar os principios em que ella se fundamenta. Diz a nobre Commissão e um de seus honrados. Membros, o Sr. Trigoso, acabou de repetir: que havendo-se agora mandado a ordem para a eleição dos Deputados que devem entrar nas proximas Cortes de Portugal, he esta a occasião de conhecer a vontade das provincias do Brazil: porquanto, uma vez que todas ou algumas dellas não os elejão, e só nomeem Deputados para as Cortes, que se pretendem instaurar naquelle reino, he signal manifesto de não quererem ser aqui representadas; e que por conseguinte deverão então ser despedidos os seus Deputados deste soberano Congresso. He isto o que em verdade não me parece muito exacto. A lei das eleições foi remettida, se he que já foi, ás autoridades das provincias do Brazil para a fazerem executar. Ora supponhamos que ainda se não tenha executado, e que entre tanto aquellas provincias nomeárão Deputados para as Cortes do Brazil: como sabe a illustre Commissão que a falta de execução da referida lei se deve attribuir á vontade dos povos, e não a algum outro embaraço, ou motivo? Em que se oppõe aquelloutra nomeação a que elles conservem e tenhão seus Deputados nas Cortes de Lisboa para tratarem negocios geraes da nação, e presentemente de tudo o que he necessario para se estabelecer e firmar a união do Brazil com Portugal? Como pois só por conjecturas, ainda que bem fundadas, se propõe mandar sair deste soberano Congresso os Deputados do Brazil sem que as suas provincias hajão a este respeito manifestado expressamente a sua vontade, e revoguem as suas procurações? Não se poderá reputar um tal procedimento como um acto de violencia, o de insulto contra a dignidade da representação do reino do Brazil, e como um principio de declaração de guerra? Senhor Presidente, nas grandes tormentas capêa o piloto que he prudente; em negocio de tanta monta he preciso caminharmos mais moderados. Não posso tambem consentir em outro principio por me parecer perigoso, e he que se devão reputar rebeldes as provincias do Sul do Brazil por obedecerem ao Principe Real, quando a sua autoridade he legitima, e foi mandada conservar alí por estas mesmas Cortes até á publicação dos artigos addicionaes á Constituição. E na verdade, taxar de rebellião o procedimento das provincias que obedecem ao Principe Regente, e conservar alí a sua autoridade, he querer sacrificar esta, chamando os povos á desobediencia. Por conseguinte, em quanto elle fôr delegado do Rei; em quanto como tal for ali conservado, he do dever das ditas provincias obedecerem-lhe. Pelo contrario he que serião rebeldes. Voto pois contra os fundamentos do parecer da Commissão; e voto mais que uma vez que os Deputados do Brazil se mandem sair deste soberano
TOMO VII.
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Congresso, guando as suas respectivas províncias nomeem Deputados para as Cortes daquelle reino, por se entender que só por este acto ellas tem declarado a sua vontade de se separarem, fique tambem por este mesmo acto , pelo qual são privadas de ser representadas, reconhecida a sua independência, e por nenhum modo sujeitas ainda ao domínio de Portugal, como na sessão passada propoz o Sr. Margiochi que de direito deverião ficar, e igualmente assim pareço entender o Sr. Trigoso. Os povos não são rebanhos de ovelhas, cuja propriedade pertença a pessoa alguma. O Brazil tem tão livre a sua vontade, e tanto direito a manifestala, como tem e teve Portugal no famoso dia de 24 de Agosto, em que se separou do Brazil. Que se diria, se então este, não annuindo ao novo systema aqui proclamado , como podia não querer annuir, pretendesse obrigar Portugal a permanecer unido contra a sua vontade? Seria o procedimento o mais iniquo, e de certo Portugal resistiria com toda a justiça. Muito menos ainda posso consentir em outra proposição, qual foi a do Sr. Xavier Monteiro, pedindo que as províncias dissidentes percão o direito de ser representadas em pena da sim defecção. Nada me parece tão ocioso, como uma tal declaração quando ellas existão separadas : nada me parece mais iníquo, quando hajão de voltar a reunir-se, ou sejão a isso obrigadas, que he talvez no que se pensa, e tão fácil se acredita. Isto faria firmar o nó da separação. Com effeito qual seria a província dissidente, que sabendo ter perdido o direito de ser representada, quereria outra vez unir-se com Portugal? Acaso os seus representantes soffrerião ter uma sorte inferior á dos libertos, a quem se concedeu o direito de representação? Além disto similhante proposição he contraria às bases que jurámos. A pena imposta a um indivíduo não deve passar a seus filhos e netos. Pois que? Por quererem hoje os habitantes do uma província separar-se, hão de os seus descendentes ser privados do direito de representação quando tornem outra vez a fazer parte do mesmo systema? Nada he mais iniquo, além de impolitico, e muito me admiro de que tal sentença fosse proferida por um Deputado, que eu reputo liberalissimo; a não ser filha da sua desesperarão contra os acontecimentos do Brazil.
O Sr. Xavier Monteiro: - A opinião da Commissão de Constituição sobre a indicação dos Srs. Deputados de S. Paulo funda-se, para reprovar a mesma indicação, em que não ha factos sufficientes para conhecer que as províncias do Brazil não querem estar unidas com Portugal. Isto he contrario ao que affirmão os Srs. Deputados, que querem ausentar-se. Elles dizem, e creio que dizem a verdade, que estão chamadas as Cortes constituintes do Brazil, em consequência das representações dos procuradores geraes daquellas províncias. Estes por quem forão nomeados? Pelos eleitores de freguesia, que são os mesmos que nomearão os Srs. Deputados. Entre tanto achão-se procuradores que querem a independência do Brazil, partindo da mesma fonte, donde sairão os Srs. Deputados. Isto quanto á theoria. Quanto a factos, he necessario sermos cegos para os não ter previsto ha mais de 6 mezes. Não poucas vezez o tenho eu annunciado , e outras tantas tenho sido contrariado, apesar de que os acontecimentos posteriores tenhão constatemente comprovado a minha opinião.
Muitas vexes aqui disse, que a união não existiu se não em palavras, desde que uma junta se rebellou, e o Príncipe adoptou os princípios dos rebeldes. He sem duvida que em algumas províncias existia ha muito a rebellião, ou separação, isto he, existia uma causa, que fazia que no Brazil, onde se admittiu de boca a união a Portugal, se não obedecesse a este Governo. Este era o facto, o qual em vez de se tornar retrogrado, como erradamente muitos Srs. Deputados imaginarão, tem ido progredindo a ponto de já se acharem convocadas Cortes constituintes; e ainda disto se duvida, porque se assentou em duvidar de tudo, ainda das cousas mais claras : e assim iremos duvidando até a eternidade. (Apoiado, apoiado). Acho pois inexacta a Commissão quando se funda em falta de factos, e muito mais quando diz que ficarão só desligados de assistir no Congresso os Srs. Deputados das províncias dissidentes, quando apparecer este facto.
Eu tinha dito, falando sobre este assumpto em outra occasião , que queria que a desligação fosse; em consequência da perda de direito de representação em que incorrem as províncias rebeldes. He isto o que acabou de combater um illustre Deputado, e veio a concluir, que se se admittisse este principio tínhamos uma patente contradicção dos princípios constitucionaes. Eu affirmo pelo contrario que se privarmos temporariamente do direito de serem representados , povos dissidentes, e que fazem todos os esforços para conseguir uma separação permanente, adoptaríamos uma theoria tão nova, quanto absurda. Não admito que direitos desta espécie se possão demittir e recuperar, segundo o capricho ou fantasia, como brincos de criança. Os povos quando se rebelião he para ver se lucrão na rebellião; e eu acho que nós estabeleceríamos o fomento da rebellião se concedêssemos que tornarião a ser representados. O Brazil ou todo ou em parte quer ser independente de Portugal. Só Portugal quizer usar do direito de povoação e civilização, que contra elle lhe assiste, e o subjugar por força, nunca já mais os povos assim sujeitos devem ser representados. He necessario que falemos com toda a lisura e franqueza: da parte dos Srs. que assignárão a indicação existe já esta franqueza, e elles nisto merecem o meu louvor. Elles dizem que a vontade dos povos he não ficarem unidos a Portugal; elles mesmos dizem que não querem ser aqui representantes; e apesar disto havemos de continuar a insistir contra a sua vontade? isto he o maior absurdo. Termino pois dizendo : os Srs. Deputados fazem bem requerendo ausentarse, porque de qualquer modo que possão ser considerados em Portugal, nunca podem fazer parte da representação nacional, porque se as suas províncias continuarem separadas, como de facto estão, elles representão povos estranhos á união portugueza: se forem julgados rebeldes, e existirem debaixo de occupação militar, tambem povos desta qualidade não podem ser representados em Cortes. Devo falar numa espécie, que tocou um Sr. Deputado relativamente ao parecer

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da Commissão. Diz elle que he necessario declarar o Principe rebelde, primeiro do que fazer saír os Srs. Deputados. Por esta occasião noto a immensa extensão que elle dá á autoridade legitima do Principe. Será esta autoridade emanada das Cortes para elle poder fazer o que quizer? Creio que as Cortes lhe estabelecêrão restricções. E que fez o Principe? Passou além dos limites destas restricções; erigiu-se em legislador, chamou os povos para formarem um novo pacto social, e manda que lhe obedeção como chefe do poder executivo usurpado a seu Pai. Não ha maior transtorno de principios. De tudo concluo que não approvo o parecer da Commissão, nem pela materia nem pela forma; e proponho se lhe substitua a presente indicação: Achando-se proclamada a independencia no Brazil pela convocação de uma assemblea constituinte, proponho que sejão convidados os Srs. Deputados do Brazil, para darem individualmente a sua opinião sobre este acto; e que aquelles, que affirmarem ser a convocação de tal assemblea da sua approvação, ou á vontade da sua provincia, fiquem privados de continuar as suas funcções neste Congresso.
O Sr. Andrada: - O illustre Deputado que acaba de falar, em parte tocou os motivos que me movêrão a propor a presente indicação. Eu não posso conceber representação, nem de povos subjugados, nem de povos dissidentes que já não fazem parte da mesma nação. Estes forão sem duvida os motivos porque eu propuz que as representações daquellas provincias que estavão dissidentes fossem dispensadas da assistencia neste Congresso: forão motivos de direito, além de outros motivos particulares de sensibilidade. Em verdade he preciso que um Deputado do Brazil seja despido de toda a sensibilidade, de todo o amor ao paiz que o viu nascer, parar permanecer neste. Congresso onde a cada momento ouve severos ataques, vê tornarem-se medidas que ferem na vitalidade o paiz que elle representa. Um nobre Deputado do Rio de Janeiro disse o outro dia quasi o mesmo que acabo de dizer; queixou-se de insultos, e de sarcasmos; duvidou-se da realidade das suas queixas: mas basta correr brevemente pelos olhos, as paginas do diario das Cortes, e ahi se verá se tem havido estes ataques. Os que offendem, esquecem facilmente as offensas que fazem; mas os que as recebem, guardão-nas dentro do peito, como sagrado deposito, a esperar o tempo da justa retribuição. Eis-aqui porque a uns lembrão mais e a outros menos. Recordo-me agora do que disse uma mulher celebre, que havia um não sei que de augusto na impressão que sobre nós faz o espetaculo do genio luctando com a adversidade. He, diz ella, como um carvalho batido pelas tempestades; como a natureza abandonando a mais preciosa das suas obras. Eu digo tambem que ha um não sei que de inexprimivelmente doloroso na sensação que em nós produz a vista dos Deputados do Brazil luctando com a indisposição do povo portuguez; insultados, injuriados, e não podendo mesmo á custa de tanto vilipendio salvar a afflicta patria. He preciso que estejão mortos a todo o sentimento de dignidade nacional, de dignidade do paiz que os viu nascer, para poderem supportar similhantes choques, e tão grandes tormentos! Isto mais que tudo faz necessaria a separação dos Deputados do Brazil deste Congresso, no momento presente. Eu não quero por isto, Sr. Presidente, fazer mal á união, e aqui he necessario dizer alguma cousa a este respeito. A opinião de um representante de uma nação póde ser a verdadeira opinião dos povos representados, ou póde ser diversa: póde a maior parte dos Deputados, do Brazil pensar que he utilissima a união do Brazil com Portugal, e podem no entretanto ver que as provincias não pensão como elles; e se acaso quizerem, como he obrigação de um procurador popular, se acaso quizerem ser o espelho do espirito dos povos que representão, devem dizer, se os povos não quizerem, não queremos esta união, ainda que elles individualmente a queirão. Mas, Sr. Presidente, eu não creio que se faça mal á união com a separação temporaria, muito pelo contrario. Juntos aqui, somos como inimigos em linha de batalha defronte de inimigos, que principiamos o combate por ataques desultorios de injurias: parece-me ver os heroes gregos troyanos á face uns dos outros, insultando-se mutuamente, incitando a acção com insultos e sarcasmos. A disputa, natural consequencia de tão impropria união, augmenta o azedume, accrescenta o amargor dos animos; tal he a natureza do coração humano. Julgava pois que uma pausa a tantos combates seria vantajosa á união que devemos querer, ainda que ora pareça o contrario; julgava quererá conforme mesmo ao melindre dos Srs. Deputados do Brazil, e á delicadeza dos Srs. Deputados de Portugal adoptar esta pausa. Por direito he certo que não póde haver representação de quem não faz parte da Nação, ao menos de facto. Mas, diz-se, este facto não he bem provado. Eu creio que he querer fechar os olhos á luz do meio dia. Um decreto do Principe Real convoca Cortes constituintes e legislativas; e porque as convoca? A rogos dos povos e dos seus procuradores. O que são esses procuradores? São os orgãos daquelles povos, eleitas da mesma maneira que nós. De mais, ha algum signal de descontentamento dessas provincias para com o governo do Principe? Não por certo; tudo o que se vê he o contrario; todos o idolatrão, não ha nada que lhe seja opposto.
Mas, diz-se, ainda lá está a autoridade legitima que he o Principe. Legitima, nas circunstancias actuaes? Não vê o illustre Preopinante as ultimas cartas de S. A. que não reconhece este Congresso? Realmente elle he chefe de outro governo. Elle diz que estas Cortes são malditas, são pestiferas. Pois então como póde dizer-se que he autoridade legitima uma autoridade que não conhece a fonte donde ella dimana? Demais, eu observo que em tudo e por tudo as falas dos procuradores que representão as provincias. Quando se vê S. A. R. declarado pelas provindas defensor perpetuo do Brazil, como se combina isto com o delegado sómente de Poder executivo, como delgado amovivel? Um defensor perpetuo he um chefe perpetuo daquelle paiz. Por consequencia os factos hão bem claros, não são precisos outros. Sr. Presidente, eu como individuo, he necessario que o diga, sinto muito todas estas dissidencias: a minha opinião particular era, que a vantagem de ambos os hemis-
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ferios estava n'uma união ou menos frouxa, e nisso differirei alguma cousa de outros: mas já disse, qualquer que seja a minha opinião particular, eu sempre a sujeito á opinião geral do Brazil, e mórmente do povo que me viu nascer: ainda que se opponha aos meus sentimentos hei de sujeitar-se a ella. Se por acaso o paiz que me viu nascer adoptar instituição inteiramente despoticas e absolutas, não me hei de oppôr a similhantes instituições, mas hei de fugir daquelle paiz; he o unico remedio que me resta. Se as instituições de um paiz lhe não agradão, o unico direito que compete ao cidadão he abandonado; o povo por si he só o juiz competente da fórma do governo que quer adoptar. Á vista do que tenho dito reprovo o parecer da Commissão, e não posso deixar de insistir na minha indicação. A do Sr. Xavier Monteiro approvaria eu, tirada a explicação da vontade particular, porque essa não he elemento preciso. A vontade da provincia tal qual o Deputado a concebe, he o que he da sua consciencia apresentar; nisto não terei duvida. Em verdade, o que a minha provincia hoje chama união, he uma idéa muito differente da que nós lhe damos. O Brazil chamou antigamente união á unidade de um só Poder executivo, e legislativo; não he hoje esta a idéa que elle associa ao nome união: hoje chama união apenas ao que outro, chamão separação, isto he, unidade sómente de Poder executivo em ambos os reinos. O que elle pretende he ser nação separada, sujeita porém ao mesmo Poder executivo; isto he o que consta de todos os actos publicos, he o que consta de todas as explicações dadas pelos procuradores. Voto por consequencia na fórma da minha indicação.
O Sr. Castello Branco: - Tem-se impugnado o parecer da Commissão, já pela doutrina que elle encerra, ou para melhor dizer, pela falta de harmonia em que está com os princípios que nos devem dirigir, já tambem pelos resultados ou opiniões falsas, que della se devem tirar. Em consequência he preciso, para evitar estas arguições, que cada um dos membros da Commissão declare neste Congresso qual he o seu modo de pensar nesta matéria; quaes os principios em que se funda: he o que vou fazer. Propoz-se verdadeiramente uma questão de direito publico: a Commissão decidiu a meu ver pelos princípios bem conhecidos do mesmo direito publico. He claro, que a base de todo o systema representativo de governo vem a ser a livre escolha que fazem os povos das pessoas de seus representantes. Esta livre escolha houve nos povos do Brazil para elegerem os seus representantes que tem assento neste soberano Congresso ; por consequencia não podemos duvidar da sua legitimidade. He tambem um principio deste mesmo direito, e desta forma de governo, que os povos, uma vez que exercitarão este seu direito de escolher seus representantes, não podem no tempo marcado na Constituição revogar estas procurações. Se tal principio se admittisse seria um fermento de discórdia, um principio desorganizador de todos os governos; e por isso este systema de governo não poderia ser admissivel como contrario á existência e socego da sociedade. Por tanto em todo o rigor de direito, parece que ainda que os povos das províncias mostrassem por factos decididos, que elles revogavão as procurações que uma vez legitimamente derão, os Deputados que assim legitimamente estavão eleitos não devião ausentar-se do Congresso, pois que tinhão a livre eleição dos povos, o estes não podem revogar as suas procurações. Mas deverião elles continuar a ser procuradores desta mesma Nação? Não certamente, apesar do principio em contrario que acabo de estabelecer, de não poderem os povos revogar as suas procurações. Mas he por outro principio mui diverso que elles não poderião continuar no exercício destas mesmas procurações, a sabor, porque os povos pelo facto de violar o seu juramento tinhão perdido o direito de serem representados, e perdendo esse direito, os seus representantes, como parte desses mesmos povos não podião continuar a gozar do direito de representação. Se elles não tinhão direito de serem representados, como poderia continuar o direito de representar, que he muito maior que o de ser representado? A Commissão não ignorou estes princípios; ella viu muito bem que se os povos esquecendo os seus deveres se negassem á adhesão a Portugal que uma vês tinhão jurado, elles não estavão por isso desligados de direito. Todos sabem que uma vez que uma nação inteira jura e abraça uma forma de governo, se uma parte della se desliga, não deixa a outra de ter direito a empregar a força, ou os meios que julgar necessários para a fazer entrar em seus deveres, e reduzila ao systema que ella uma ;vez adoptou, perdendo entretanto o beneficio que a maior parte da nação lhe havia apresentado. Mas por ventura havia necessidade da Commissão fazer a declaração destes princípios, ou vinhão para o caso? Digo que não vinhão para o caso, porque realmente nenhum facto ha publico da parte dos povos, que nos mostre decididamente que elles são perjuros ao seu juramento , que elles se tem desligado de Portugal. Todos os factos que temos visto constantemente são factos do governo. O governo he que tem, para assim dizer, escravizado os povos, suffocando as vozes que elles terião vontade de levantar para jurarem de novo a sua adhesão ao governo de Portugal, e às Cortes. Por tanto, se não ha um facto dos povos que prove contra elles, que prove claramente que elles são perjuros ao seu primeiro juramento, como he que nós lhe podemos impor uma pena que elles não tem merecido? Por isso não podendo os povos revogar as procurações que uma vez derão; não havendo factos pelos quaes os mesmos povos mostrem que se desunirão de Portugal, e perderão o direito de representarão, nenhum motivo podia ter a Commissão para decidir que os Srs. Deputados do Brazil se devião separar do Congresso. Estes os princípios de direito publico de que ninguém póde duvidar, e de que não podem tirar-se consequências desastrosas, por isso que a Commissão julgou conveniente não os pôr em toda a sua clareza; ou para melhor dizer, julgou conveniente não trazer á memória deste Congresso na presença dos Deputados do Brazil esse direito de força, que temos para constranger o Brazil , quando elle se desviar dos seus deveres. Por isso , se os illustres Preopinantes julgarem necessária esta declaração, eu serei o

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primeiro que digo que a faço e a assignarei. Agora porem tenho que dizer alguma cousa a respeito do que tenho ouvido a alguns dos membros da deputação do Brazil. Diz-se que ha um decreto do Principe para convocar Cortes no Rio de Janeiro, que este decreto foi passado á solicitação dos procuradores, e que elles são os órgãos da vontade dos povos. Seria preciso que nós não tivessemos experiencia alguma dos meios porque os povos são victimas, para darmos força a este argumento. Qual he o acto solemne por onde nos consta da eleição popular desses procuradores? Por ventura congregarão-se os povos para o nomearem : não me consta. Por consequência esses homens, tendo em vista interesses particulares, estando dominados de espirito servil e anticonstitucional, se erigirão em procuradores dos povos, mas advogárão a sua causa particular, como se fosse a causa dos povos. Estes não devem estar por uma aleivosia (tal lhe posso chamar) que muito injustamente se lhes levantou. Ouvi tambem outro principio, é he que não podamos chamar dissidentes a taes e taes provincias do Brazil mesmo na hypothese de ellas nomearem procuradores, pois que os nomearão em consequencia de ordem de uma autoridade legitima, qual he a do Príncipe Real, autoridade legitima por decisão deste Congresso, autoridade legitimo (se me não engano no que ouvi) porque ella reconhece o poder do Rei. Com effeito a ouvir este raciocínio estremeci , e estremeci pela liberdade da nação, da illustre nação Portuguesa. Póde haver autoridade legitima , seja qual for a decisão do Congresso nacional, que não reconheça a soberania da nação que reside no corpo que a representa? Que não obedeça às Cortes estabelecidas em Portugal? Por ventura reconhecer a autoridade do chefe do poder executivo póde de maneira alguma sanar a desobediência áquelle corpo em que reside essencialmente a soberania, de que esse chefe do poder executivo não tem mais que uma parte emprestada ? Se fosse possivel admittir-se este principio eu diria que a liberdade estava acabada em Portugal, que era inutil e desnecessário continuarmos a formar o pacto social que deve unir toda a nação portugueza. Por consequencia acho bem fundado o parecer da Commissão porque elle he conforme aos principios rigorosos de direito publico Se ha falta de alguma parte desses principios, que a Commissão por prudência julgou que não devia declarar, e se se julgar que deverão apontar-se, eu serei o primeiro em o fazer.
O Sr. Villela:-- O illustre Deputado que acabou de falar, exclamou que lhe estremecerão as carnes de me ouvir dizer que a autoridade do Príncipe Real no Brazil era legitima. Outro me arguiu pelo mesmo motivo, dizendo que á vista dás expressões da ultima carta do Principe Real á ElRei seu pai, em que atacava a soberania do supremo Congresso, já se não podia considerar legitimo o seu governo no Brazil. Ora pergunto eu ; se he a mim , se he aos illustres Deputados, se he aos povos a quem compete o decidir sobre este ponto? Não está sobre a meza essa carta? Que tem decidido á vista della o soberano Congresso? Por ora cousa nenhuma. Pelo contrario, depois de outras cartas similhantes, cheias de iguaes expressões, senão mais ácres, resolveu que se conservasse o Principe Real no governo das provincias do Brazil, que lhe obedecião. Assim, em quanto lhe não fôr casada a autoridade que o Rei lhe delegou, em quanto fôr ali conservado como seu delegado, direi sempre que o seu governo he legitimo. Se outra cousa se pretende, declare-se; e eu então direi tambem o que entender.
O Sr. Gyrão: -Eu levanto-me para fazer algumas distincções nesta melindrosa questão, porque tenho ouvido dizer sempre Brazil, Brazil, Brazil, e eu quero fazer distincção de algumas provincias do Brazil que tem recusado obedecer ao Principe, como o Pará, Maranhão, Alagoas, e Bahia. Senhores, nós temos necessidade de um facto bem provado para decidir esta questão. Falando com franqueza, digo que estou persuadido que algumas províncias do Brazil querem lá Cortes, e querem lá um centro de união, mas he necessario um facto que não deixe duvida nenhuma. Para mim hão he bastante nomearem procuradores; porque também daqui forão outros procuradores pedir um Rei a Napoleão, e a vontade da Nação não era essa. He necessario por tanto que aquellas províncias declarem expressamente a sua vontade. Se chegar o dia em que saibamos que as Cortes do Brazil se juntão, então nesse dia direi eu: agora já não he possivel que estejão sentados neste Congresso os Deputados do Brazil; mal em quanto não chegar esse dia não me atrevo a dizelo. Por ora o que temos he um decreto do Príncipe para se nomearem Deputados. Póde bem ser que os povos lhe não queirão obedecer. Por tanto, repito que temos necessidade de um facto bem provado para decidir esta questão. Ora he necessario entrar a discorrer sobre esta hypothese figurada, e fazendo algumas reflexões, digo, que muitos suppõem provada esta hypothese, de que os Srs. Deputados não podem estar entre nós, porque então representão povos rebeldes. Ora ainda assim haverá quem faça alguns argumentos, e que diga que devem conservar-se. Estes argumentos consistem: 1.º em dizer, que os povos não tinhão direito de revogar as suas procurações: 2.º que um Deputado he procurador de toda a Nação: o 3.º argumento he, que á Hespanha perdeu as suas Americas porque despediu os seus Deputados. Ora vou responder a estes argumentos.
Um Deputado he Deputado de toda a Nação, mas que quer dizer isto? No meu modo de pensar, o que quer dizer he que póde tratar dos negócios da Nação, o mais seria absurdo dizer que a representava toda. Usa-se deste termo para differençar uma Nação representada, de uma Nação que fez um pacio federaticio. Vamos a outro argumento de conveniência : a Hespanha perdeu a America porque despediu os seus Deputados. Ora este argumento para mim não tem força; isto são razões de empíricos. Tirarei uma comparação da santa Escritura, e vem a ser o que dizia Elifaz ao Santo Joh. Deus permittiu ao demónio que lhe esmagasse os filhos nas ruinas da casa, agitando os ventos para isso; que lhe fizesse roubar os rebanhos chamando os ladrões do deserto; e que lhe queimasse as cearas com o fogo dos ceos;

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ora o tal Eliyz e os falsos amigos dizião a Job que seus pecados erão causa disto! Nossos empiricos, nossos falsos amidos dizem-nos o mesmo; nossas discussões não nossos desejos de colonizar o Brazil , são nossos pecados de querermos ser Hespanhoes, os que fazem separar o Brazil da mãe patria! Mas eu responder a taes amigos que he o demónio da intriga, da ambição, e demagogia quem esmaga os Europeus em Pernambuco, quem os faz roubar por esses novos Árabes do sertão; he elle quem ateia o fogo nas províncias do sul, e elle mesmo he talvez quem move nossos Elifazes de agora. Muito custou a Job o que lhe imputavão, e muito me custa a mim tanta calumnia; mas, Srs., se tivermos constância e firmeza, nossos males presentes serão recompensados com immensos bens futuros. Deixei de propósito para o fim o primeiro argumento, e vem a ser: que os povos não tem direito de revogar as procurações. He uma verdade, não admitto tal direito; porque seria transtornar todo o systema, e faço differença de povos a nação; porque povos he a parle, e a nação o todo: esta pode tudo, aquelles devem ceder á maioria. Nestes termos, digo que nós suspendendo a representação das provincias rebeldes, usamos dos direitas da maioria, ha o principio do castigo que deve continuar com as armas. Não sei que haja Deputados de rebeldes, nem fica bem aos Srs. que se adiarem nestes termos estar entre nós, nem ao Congresso o consentidos no seu recinto; todavia a medida he forte, e por Uso o facto que lhe dá causa deve ser bem provado. Logo que o seja, voto que saião os Srs. Deputados; tuas por ora não.
Sendo chegada a hora de levantar a sessão, e não se julgando suficientemente discutido o parecer da Commissão, decidiu-se que ficasse adiado.
O Sr. Borges Carneiro, por parte da Commissão da redacção da Constituição, deu parte que esta linha pronta a redacção das emendas e additamentos que se ordenarão na revisão da Constituição: e julgando-se que não era preciso imprimirem-se, designou-as o Sr. Presidente para a ordem do dia de amanha, depois do parecer que ficou adiado; e para a hora da prolongação os pareceres das Commissões.
Levantou-se a sessão depois da uma hora da tarde. - Basilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

DECRETO.

As Cortes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação portugueza, tomando em considerarão a consulta do conselho do almirantado, transmittida pela secretaria dos negócios da marinha em data de 7 de Março do corrente anno, ácerca da maneira de proceder às reformas no corpo da armada nacional, decretão o seguinte:
1.° Os officiaes da armada nacional serão divididos em tres classes: 1.a daquelles que lendo servido a bordo dos navios de guerra, estão aptos para lodo o servido, por suas qualidades fysicas e morais: 2.º dos que não tendo servido a bordo, obtiverão todavia patentes ou graduações militares: 3.º dos impossibilitados para serviço activo, por suas moléstias ou idade.
2.º Os officiaes da segunda classe não serão comprehendidos nas promoções dos officeas da armada, e terão sómente direito aos accessos que lhe compelirem por seus empregos.
3.° Os officiaes do terceira classe, em quanto a estado do thesouro publico não permitte que sejão reformados, poderão ser interinamente empregados, conformo suas circunstancias, e em algum serviço de terra, como commandos de fortalezas marítimas, capitanias deporto, e outros similhantes, ficando salve a cada um o direito de requerer a sua reforma.
4.° Ficão revogadas quaesquer disposições que se encontrarem com a do presente decreto. Paço das Cortes em 29 de Agosto de 1822. - Agostinho José Freire, Presidente; João Baptista Felgueiras, Deputado Secretario; Basilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado Secretario.

Redactor - Galvão

SESSÃO DE 30 DE AGOSTO.

A Hora determinada disse o Sr. Freire, Presidente, que se abria a sessão, e lida a acta da sessão precedente pelo Sr. Deputado Secretario Sousa Pinto foi approvada.
O Sr. Deputado Secretario Felgueiras deu conta da correspondência, e expediente seguinte:
De um officio do Ministro dos negocios do Reino, remettendo a consulta da administração do tabaco, com a relação dos respectivos empregados, que se mandou remetter á Commissão, que havia requerido, aquelles documentos.
De um officio da Ministro dos negócios da justiça, remettendo os autos findos, em que foi parte o Conde da Louzam, em cumprimento da ordem de 23 de Julho, que se mandou remetter á Commissão da justiça civil, unindo-se-lhe o autor da indicação, na qual se pediu a dita remessa.
De uma representação da junta provisória do governo de Matto Grosso, em seu nome e de todos o habitantes daquella província, datada no Cuiaba eu 16 de Fevereiro deste anno, enviando as suas felicita coes ao soberano Congresso: foi ouvida com agrado e se mandou fazer menção honrosa.
De outra representação da mesma junta , com muitos documentos, repetindo o que já expozera eu outro anterior officio, que se mandou remetter á mesma Commissão, onde estiverem os outros papeis.
De uma carta de felicitação e agradecimentos ao soberano Congresso, dos dois professores de latim, e portuguez da villa de Castello de Vide, que foi ouvida com agrado.
De uma carta do Sr. Deputado João Fortunato

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