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ma Assembléa legislativa, onde se trata de fazer numa reforma geral, e que tem toda a auctoridade para fazer nas leys as mudanças que julgar convenientes á felecidade geral, não se devera sustentar as materias, senão com rasões tiradas da natureza das mesmas cousas, quando se pertende mostrar a utilidade ou inutilidade da sua existencia. Entretanto, como o primeiro illustre Preopinante começou por sustentar os privilegios Ecclesiasticos com a auctoridade, á auctoridade responderei. = Tem-se allegado a Concordata feita entre o Clero e o Senhor D. João I., e podião-se allegar outras muitas de igual natureza. Mas que auctoridade podem ter as Concordatas ou convenções feitas entre partes muito desiguaes? Como he que os Reys poderião resistir aos Papas, que muito, tanto excomunhões desde Roma, os derribavão do Throno, desligando seus Vassallos do juramento de fidelidade? Acaso não tinha já o Senhor D. João 1.° hum desgraçado exemplo em hum de seus Predecessores, D. Sancho 2.° dethronado, e obrigado a refugiar-se em paiz estranho? Seu Irmão Affonso 3.° chamado para lhe succedeo, não havia sido obrigado por esse mesmo partido Ecclesiastico auctor da desgraça do primeiro, a assinar em Paris os artigos, que erão como as condições com que se lhe dava o throno? Que remedio tinha depois D. João 1.° que succumbir a esse fatal poder? Esta a origem dessa desgraçada Concordata, e de outras muitas.

E por ventura occultaremos nós as machinações vergonhosas que o Clero (eu que sou Ecclesiastico, com vergonha II digo) que o Clero em Iodas as epochas da nossa Monarchia tramou para sustentar seus pertendidos privilegios? Ninguem as ignora. Não forão os Ecclesiasticos que fortes do poder com que o Papa os apoyava, e tendo á testa a celebre Companhia denominada, de Jesus, dominando todos os Gabinetes, os que fizerão que depois se ratificassem todos esses privilegios, e ainda se alimentassem? Não foi esta Companhia que governava na menor idade do Rey D. Sebastião, assim como havia dominado no Reynado de D. João 3.°, Principe demasiadamente pio, que fez com que se celebrasse huma nova Concordata ainda mais extensa? Não foi desgraçadamente o mesmo partido Ecclesiastico que em grande parte concorreo para Portugal cahir debaixo de hum jugo estrangeiro, e não forão esses mesmos estrangeiros que nos dominárão, que vendo que devião o throno ao partido Ecclosiastico, para o chamarem mais a si, fizerão compilar as Ordenações Filippinas que ainda hoje nos governão, sem outro fim mais que o de inserirem nellas os novos privilegios? Ninguem que conhece a historia do Direito Portugues pude sobre isto entrar em duvida. Sendo assim, que vale a auctoridade? e ainda que valiosa fosse, não poderia ligar esta Assembléa, huma vez que ella a julgasse insubsistente. Deixemos por tanto a auctoridade, e procuremos argumentos da natureza das cousas, da natureza da sociedade civil, e da sociedade Ecclesiastica.

A primeira sociedade dos homens foi meramente civil: he certo que o homem tem faculdades intellectuaes que o destinão a mais altos fins, ao mesmo tempo que tem outras que o obrigão a cuidar na sua propria conservação, e de que derivão seus direitos naturaes, e de que não póde perscindir, como necessarios aos fins a que a natureza o destina. Mas por outra parte, como ser insellectual, o homem se acha em commercio com o mundo inteiro, com a mesma Divindade, e parece por tanto destinado a dar testimunho dessa Causa primeira que tudo rege. Mas por ventura, por assim dizer, a primeira Religião desta Dignidade tinha algum culto certo, tinha altares, tinha cerimonias? Não certamente: ella só consistia no intimo reconhecimento da Divindade, e não occupando parte alguma da vida do homem, nenhuma consideração tinha na sociedade civil. Veio finalmente o Regenerador do Mundo, e promulgou huma Religião santa, e propria a fazer a felicidade do homem. As idéas de Deos se aclararão e engrandecerão, e a isto succedeo hum culto regulado por certas formas prescriptas pela mesma Religião, que necessariamente devia fazer parte das occupações do homem. Desde logo a Religião adquirio consideração, e se formou huma sociedade religiosa differente da sociedade civil, ou para melhor dizer, a sociedade geral veio a ser considerada debaixo do duas relações, como civil e religiosa, e essa consideração augmentou depois que os Imperadores abraçarão essa mesma religião, e a protegerão. Mas a pesar disso, o Clerigo que delinquia era julgado em tribunal differente dos mais Cidadãos? quando os cidadãos religiosos delinquião, deixarão elles de ser olhados simplesmente como cidadãos? Todos erão subjeitos á justiça civil, e ninguem dirá o contrario.

Certo he que os Bispos exercitarão certa jurisdicção, mas só julgavão de peccados, de crimes pertencentes ao foro interno, e não tinhão Meirinhos, nem prisões, nem algum do apparato do foro civil; foi em seculos posteriores e de corrupção que arrogarão a si essas prerogativas alheas do seu Ministerio. Depois da destruição do Imperio Romano, e da invasão dos Barbaros, as luxes e as sciencias se perderão, o menos ignorante veio a ser considerado como sabio na sociedade. For consequencia como os Ministros da Igreja erão tirados dentre estes pela escolha dos Povos (não como depois por escolha arbitraria de Padroeiros) era natural que já recommendaveis por suas qualidades, os Povos os escolhessem para arbitros de seus litigios, muito mais em tempo que por falta de leys certas e fixas os Juizos não se exercitavão como hoje por meio de regras invariaveis. Mas a corrupção dos costumes, as paixões estabelecêrão seu imperio na Igreja mesma, os Pastores já ambiciosos, riccos e poderosos quizerão estender sua influencia, e se erigirão em Juizes necessarios dos Povos de arbitros e conciliadores que antes erão. Os Papas por outra parte querendo realizar suas inauditas pertenções, auxiliavão com todas as suas forças as usurpações dos Ecclesiasticos, para fazerem hum partido, e terem hum Exercito contra os Soberanos em todos os Estados. Os Prelados para firmarem melhor sua nova juriadicção, começarão a julgar pelo celebre Direito das Decretaes, que veio a