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por terra o portentoso edificio da nossa regeneração: os quaes, se chegarem a tomar assento neste augusto recente, farão todos os esforços, por verificar o seu infame projecto: e quando menos a sagrada causa da nossa liberdade civil fica arriscada, e o systema constitucional em perigo, e nós todos comprometidos. Por tanto proponho, que se diga ao Governo que mande sem perda de tempo sindicar sobre este objecto em todas as assembléas eleitoraes, aonde constar, que houve alluciadores, para proceder contra elles na conformidade das leis, que prohibem o suborno: e em segundo lugar proponho que todo aquelle Deputado, que se verificar ter sido eleito por via de suborno, não seja admittido a tomar acento nesta augusta Assembléa, e fique inhabilitado para nunca mais ser eleito para simlhante emprego. - O Deputado Innocencio Antonio de Miranda.
Ficou para 2.ª leitura.
O Sr. Conceição apresentou tambem a seguinte

INDICAÇÃO.

Setenta mil Portuguezes, cidadãos pacificos do Pauhy, são 70$ cegos, que desejando a luz da instrucção publica, para que tem concorrido, como seus irmãos de ambos os hemisferios, pagando o subsidio literario, desde a sua origem, apenas conhecem trez escolas das primeiras letras, na distancia de 60 leguas cada uma, e estas incertas, e quasi sempre vagas, por não haver na provincia quem queira submetter-se ao peso da educação da mocidade, pela triste quantia de 60$ reis annuaes, quando a um feitor de escravos tendo cama e meza, se arbitra no paiz a quantia de 200$ réis annualmente.
Por tanto proponho. 1.° Que se mandem crear 7 escolas das primeiras letras com o ordenado de 120$ rs. cada uma annualmente: 1.ª na cidade de Oeiras: 2.ª na villa de Parnaguá: 3.ª na villa de Valença: 4.ª na villa de Jeromenha: 5.ª na villa de Marvão: 6.ª na villa de Campo-Maior: 7.ª na villa da Parnahiba.
2.º Trez aulas de grammatica latina, com o ordenado de 200$ rs. cada uma: 1.ª na cidade de Oeiras: 2.ª na villa de Campo-Maior, que dista daquella 60 leguas: 3.ª na villa da Parnahiba, que dista desta outras 60.
3 ° Uma cadeira de filosofia racional, na cidade de Oeiras; outra de geometria plana, e trigonometria rectilinea na villa da Parnahiba com o ordenado de 400$ rs. cada uma.
E como desgraçadamente na provincia do Piauhy, não haja pessoas idoneas, que possão e queirão encarregar-se destes magisterios, devem pôr-se a concurso nesta capital, preferindo-se em iguaes merecimentos os presbiteros assim seculares, como egressos, por haver grande falta de sacerdotes na provincia.
4.° Que se mandem crear dous empregos necessarios para a conservação da saude daquelles povos. Um de fysico-mór, que residirá na cidade de Oeiras, capital da provincia: outro de cirurgião-mór do estado, que residirá na villa da Parnahiba 120 leguas distante, os quaes serão obrigados a tratar dos militares enfermos, cada um no seu districto, e a darem lições de medicina, e cirurgia pratica aos filhos do paiz, que desejarem applicar-se a esta arte. - O Deputado Domingos da Conceição.
Ficou igualmente para 2.ª leitura.
Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia os quesitos offerecidos pela Commissão encarregada da organização das relações provinciaes; a continuação do projecto sobre a reforma dos regulares; e na hora da prolongação os pareceres das Commissões.
Levantou-se a Sessão depois da uma hora da tarde. - Basilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado Secretario.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DE 3 DE SETEMBRO.

ABERTA a sessão, sob a presidencia do Sr. Freire, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente, mencionando
1.° Um officio do Ministro dos negocios do Reino, remettendo dois officios das juntas provisorias do Maranhão, e da Paraiba do Norte, com as datas de 5 e 22 de Junho proximo passado, que te mandárão remetter por copia á Commissão de negocios politicos do Brasil, revertendo os originais ao Governo.
2.° Uma carta do doutor Domingos Miguel Leitão Continha, offerecendo a 2.ª parte da collecção da legislação, com o repertorio ao Diario das Cortes. Foi recebida com agrado, e se mandou remetter para a livraria das Cortes para onde já se havia mandado a primeira parte.
3.° Uma carta da camara da cidade da Bahia concebida nestes termos: Senhor - A camara da cidade da Bahia surprehendida, e horrorizada pelo acontecimento, que teve lugar no dia 12 do corrente mez, e anno, inhibida por isso de continuar livremente suas funcções, leva á presença de Vossa Magestade a certidão inclusa do termo, que a instancias do procurador da mesma camara se fez lavrar no livro das vereações, no qual se refere fiel e verdadeiramente aquelle acontecimento; e pede a Vossa Magestade a mais pronta, e energica providencia para evitar os horrores da imminente anarquia, de que esta desgraçada cidade se acha ameaçada.
Deus guarde a Vossa Magestade como desejamos, e nos he mister. Bohia em camara 26 de Junho de de 1822. - Joaquim Antonio de Ataide Seixas, escrivão do senado da camara, o escrevi; Luiz Paulo de Araujo Bastos; Antonio Ferreira França; João José de Freitas; Francisco José Lisboa.

Termo de Vereação.

Aos quinze dias do mez de Junho de mil oitocentos vinte e dois annos, nesta cidade da Bahia, e casal

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do concelho della, onde se achava o doutor juiz do crime no impedimento do actual presidente do senado e o procurador do mesmo concelho o coronel Francisco José Lisboa, por este foi dito, que queria declarar, como declarava, que no dia 12 do corrente não houve vereação, por faltarem os vereadores, sendo esta falta procedida de se acharem naquelle dia os paços do concelho guarnecidos de patrulhas de cavallaria, estando continuamente a circular toda a casa da camara uma partida da mesma cavallaria, commandada por um subalterno de nome Monjardim, dizendo-se publicamente que esta tropa era destinada a prender a camara, se tentasse acclamar o Príncipe Regente; o que mais se verificou depois que elle procurador, e o vereador França, único que no referido dia compareceu, se retirárão da casa da camara depois do meio dia; porque logo tambem as referidas patrulhas se retirárão ao seu quartel: declarando mais o mesmo procurador ser falsa a causa, que se quer attribuir a similhante procedimento; o que melhor constará de todos os actos que o mesmo senado, respeitador das leis e da ordem, tem praticado; resultando do referido procedimento da tropa, que assim rondou a casa da camara, o não haver vereação no dia de hoje, por não comparecer um só vereador, nem mesmo dos annos preteritos, chamados para substituir os do presente anno. O que tudo elle referido procurador declarou, requerendo ao dito presidente que assim se escrevesse. E para constar mandou o mesmo ministro fazer o presente termo. E eu Joaquim António da Ataide Seixas, escrivão do senado da camara, o escrevi; Bastos; Lisboa. Está conforme, Joaquim António de Ataide Seixas.
Mandou-se remetter á Commissão de negocios políticos do Brazil.
O Sr. Secretario Soares de Azevedo apresentou uma carta do bacharel João Antonio Moutinho da Veiga offerecendo para as urgencias do Estado dois vales das quantias de 15$900 réis e de 12$240, assim como da importancia do que se lhe deve dos poucos transportes que aprontou em quanto serviu o lugar de juiz de fora de Silves. Recebeu-se com agrado, e se mandou ao Governo para tornar effectivo o offerecimento.
Feita a chamada, achárão-se presentes 109 Deputados, faltando com licença os Srs. Moraes Pimentel, Moreira, Osorio Cabral, Ribeiro da Costa, Arcebispo da Bahia, Sepulveda, Bispo do Pará, Feijó, Borges de Barros, Ledo, Lyra, Bettencourt, Trigoso, Jeronymo José Carneiro, Costa Brandão, Ferreira da Silva, Fortunato Ramos, Pinto de Magalhães, Vicente da Silva, Annes de Carvalho, Belford, Gouvêa Osorio, Faria, Sousa e Almeida, Martins Basto, Borges Carneiro, Zeferyno dos Santos, Marcos Antonio Vergueiro, Araujo Lima, Bandeira; e sem causa reconhecida os Srs. Gomes Ferrão, Andrada, Bueno, Aguiar Pires, Baeta, Almeida e Castro, Queiroga, Castello Branco, Lino Coutinho, Xavier de Araujo, Varella, Sande e Castro, Franzini, Martins.
O Sr. Barata, havendo pedido a palavra, disse: - Sr. Presidente, como tive a desgraça de chegar tarde, não pude ouvir o officio, e termo da camara da Bahia, ainda que bem o desejava; mas como me contão agora a materia de que tratão, não posso ficar calado. Como he possível, Sr. Presidente que se consinta que os batalhões lusitanos commandados pelo intruso general Madeira, continuem a atacar e devastar a província da Bahia? Como tolera o Congresso que este malvado, feito general por uma carta regia, que não foi referendada segundo os decretos do mesmo Congresso, e que está sem patente, e sem outros requisitos das leis, e de mais a mais carregado de crimes, continue a esmagar a Bahia, cercando os passos da camara, alternando, e afrontando aquelle illustre corpo municipal? Isto não só he insolencia, e attentado contra as leis, mas he a mais incrível tyrannia, que nunca vimos praticada no tempo do antigo despotismo; e que hoje se tolera em um governo chamado livre. Aquellas armas, Sr. Presidente, não tão as de Pompeo, patrocinando o Senado romano; ellas são criminais como as de Catilina, ou as de Manlio, para subjugarem a patria; só com a differença de que aquella patria não he do Madeiro, e seus infames satelites. Porém pondo tudo de parte, requeiro que só mande imprimir o officio, e termo da camara da Bahia, para que o Brazil inteiro, Portugal, e a Europa fiquem conhecendo as hostilidades do atroz Madeira, e a razão e justiça com que o Brazil faz a guerra civil, que de certo lhe he muito necessaria. Já temos visto o Governo mandar declarar-nos a guerra, exigindo da Inglaterra que não consentisse para aquelles portos negocio de munições navaes, polvora, armas, etc.; temos visto sairem daqui tropas, e mais tropas, apesar das nossas reclamações: mandão-se armas para nos degolarem: estamos vendo que se permitte ao Madeira debellar a Bahia, como quizer; e que se louvão todos os crimes deste seclerato para destruir e dominar a minha província, que eslava pacifica, e que mais concorreu para a Constituição. Que mais havemos ver? Estes procedimentos, Senhor Presidente, me fazem lembrar a este augusto Congresso que nós por direito das gentes não devemos estar aqui: achamo-nos em guerra civil, e já com hostilidades; e quando a Nação rompe em tal excesso, e se divide em dois partidos que se atacão, e por motivos tão justos, e legaes como os do Brazil, qualquer das partes fica constituindo uma nação differente; por isso a indicação do illustre Sr. Ribeiro de Andrada, que se reprovou, devia ter o seu devido effeito; e nós não devemos continuar a estarmos aqui só para soffrermos injurias feitas a nossas províncias, e a nós mesmos. Eu me admiro, de que sendo este Congresso comporto de tanta gente instruida, de tantos sabios legisladores, se deixem ir os negocios de similhante maneira. Porém seja como for, Sr. Presidente, ao menos publiquem-se estes documentos pela imprensa para que o mundo todo conheça a razão e a justiça que a todos os respeitos nos assistem.
O Sr. Presidente: - O Congresso decidirá se te deve imprimir o officio de que se faz menção.
O Sr. Girão: - Eu não me opponho a que se imprima esse officio, porque se me oppozesse, dir-se-hia que era por ter amizade ao Madeira, mas queria

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lembrar ao Congresso que se mandou para a Commissão um maço de papeis com muitos officios, cuja impressão vai a custar muito dinheiro, dá trabalho ás secretarias, senda a venda, e o interessa muito pouco; e por tanto parecia mais justo que tudo quanto são cartas do Príncipe se imprimisse; mas que o mais não, pois que são papeis que ninguem lê, importando em muito dinheiro; só os mezes passados passou; de cinco contos de reis que se gastárão com impressões.
O Sr. Ferreira Borges: - Eu voto que se imprima o que o Preopinante pedir, mas debaixo de uma circunstancia particular. Elle pede que se imprima a a representação da camara da Bahia com tudo quanto lhe diz respeito, ao que elle chamou crimes de Madeira, e baionetas que cercavão a camara , etc., etc Como estes crimes não estão no auto, parece que se deve imprimir só o auto, e não os crimes. O illustre Preopinante fala por ouvir dizer: se o ouvir dizer bastasse, eu tinha a requerer outra cousa tambem, e vem a ser que se imprima uma historia sobre certa tomada que se fizera ontem d'armas embarcadas aqui para Pernambuco, a titulo, segundo dizem, de caixotes de queijos. A imprimirem-se pois os crimes das baionetas de cá, quereria eu que se imprimirem tambem os crimes das baionetas de lá.
O Sr. Rodrigo Ferreira: - Imprimão-se os officios mas sem documentos, porque estes avultão muito. A edição completa será de grande custo: a despeza he certa, a venda muito pouca.
Decidiu-se que se mandasse publicar pela imprensa a carta, e termo de vereação da camara, juntamente com os officios do governador das armas, o género Madeira.
Passando-se á ordem do dia, entrarão em discussão os seguintes quesitos, apresentados em sessão de 29 de Agosto:
A Commissão especial, encarregada da redacção da lei sobre o regulamento e organisação das relações da reino de Portugal e Algarves, julga necessario, para poder ultimar seus trabalhos, propor ao Congresso, para se resolverem, os seguintes quesitos, que devem servir de base ao systema do processo criminal e civil, em quanto não se cria ou estabelece o juizo dos juízes de facto.
1.º Se ha de qualquer crime, por mais grave que seja, ainda o de pena capital, ser julgado pelo juiz de primeira instancia, posto que seja ordinário.
2.º Se sendo julgado em relação, e havendo appellação para outra differente, ainda nesse caso poderá Ter lugar a revista: porque então deverá ir a terceira relação.
3.º Se nas pendentes civeis, julgadas na relação em primeira instancia, havendo appellação para outra relação, deverá tambem admittir-se a revista nos casos e termos da lei. - Antonio Carlos Ribeiro de Andrada; Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento; Manoel Fernandes Thomaz.
Terminada a leitura do 1.º artigo, disse
O Sr. Bastos: - A questão deste artigo versa assim sobre os crimes capitaes, como sobre os que o não são. Estes ultimos devem ser da competencia dos juizes da primeira instancia; mas aquelles de nenhuma sorte. He mui perigoso confiar de um só os mais importantes destinos de outro homem: o pôr a vida de um cidadão nas mãos de um só juiz, que póde ser um ignorante, um perverso, ou um inimigo occulto. Até agora os réos de crimes capitães erão julgados nas relações, para onde se remettião com as culpas respectivas, e ahi não podião ser sentenceados por menos de seis juizes. Isto he muito mais liberal, muito mais conforme á humanidade, á razão, e á justiça, do que o serem sentenceados por um só julgador: e he necessario que as nossas novas instituições jamais cedão em justiça, em humanidade, e em liberalidade ás antigas: as quaes, a reformarem-se, o devem ser para melhor. Não se diga que a sentença da primeira instancia se não póde executar sem subir á relação, onde póde ser revogada. Quem póde exprimir os sustos, as afflicções, as agonias de um innocente condemnado á morte, nesse espaço que medearia entre uma e outra decisão? A garantia mestra, de que depende a segurança publica, e individual, que andão sempre connexas, he a dos jurados. Cuidemos em os haver com a maior brevidade possível, e em quanto isso se não consegue, deixeimo-nos de innovações, que podem ser fataes.
O Sr. Gouvêa Durão: - Sr. Presidente, pergunta a Commissão especial encarregada do regimento das relações, se em quanto se não organizão os juizes de feito hão de os processos capitães ser sentenceados pelos juizes de fóra ou mesmo pelos juizes ordinarios: e como esta pergunta he dirigida ao Congresso de que tenho a honra de ser parte, respondo que não, pela parte que me toca. Se o primeiro dever de qualquer corpo fysico ou moral he o cuidado da sua propria conservação, o segundo, o mais sagrado depois deste, he o cuidado da conservação de cadauma das partes que o compõem, e sendo qualquer associação política um corpo moral composto de muitos corpos fisicos de evidente, que ella tanto mais obterá o fim que deve conseguir, quanto mais numerosos e adequados forem para conseguir esse fim os meios que empregar; se pois a duração do todo he a suprema lei, a duração das partes he a lei immediata áquella, e lei tão efficaz que da sua sabedoria e observancia resultará em grande parte a conservação do todo, porque em regra quanto forem maiores os desvelos que o todo empregar pela conservação e bem ser das suas partes, tanto maior será o interesse e empenho destas pela duração daquelle. Tal he a marcha da natureza; e se consultamos a historia, esta nos convence de que esta marcha jámais se desmentiu. Porque Henrique IV desejava que o mais pobre dos seus subditos podesse metter todos os domingos uma galinha na panela; porque fazia responsaveis os seus generaes pelos damnos e violencias que a tropa em qualquer marcha fizesse aos paizanos francezes; e porque trdatou a todos estes como seus filhos, estes sentirão sua morte como nunca sentirão a de outro algum Rei. Porque o nosso João II desempenhava nas obras a divisa do pelicano, que escolhera; porque reprehendia os magistrados que fazião justiçar homens valentes, que podião transplantados para a Africa ser uteis á

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nação; porque conseguia o perdão das partes e perdoava áquelles que briosos e honrados se havião constituido criminosos; porque levou o amor que tinha aos seus vassallos ao ponto de se consolar da perda de seu filho único, porque o suppunha pouco apto para governar os Portuguezes, o sentirão e chorárão estes como jamais sentirão e chorarão outros Reis. Imitemos pois o exemplo destes grandes homens hoje que somos legisladores como elles forão; e se queremos que a obra importante de que estamos encarregados dure, identifiquemos com ella o interesse de cada um dos indivíduos que compõem o todo da sociedade portugueza, circundando a vida destes de tantas, e de taes barreiras, que imposta a irremediavel pena de morte possa cada um dizer, não se perdeu um cidadão, perdeu-se um inimigo, não se fez um damno fez-se um bem á sociedade separando della uma parte gangrenosa. Que a vida olhada abstractamente seja um bem ou seja um mal, que seja um vehiculo para o bem ou para o mal, são questões filosoficas que pouco nos importão, o que nos importa he que na censura de direito ella he reputada o maior bem civil, e se no systema antigo, se em uma ordenação escrita com sangue qual a nossa na parte criminal, se deu tal importancia á vida do homem, que menos de seis juizes, dos quaes fossem quatro conformes, não podião sentenciar alguem á morte, com que coherencia, com que política permittiriamos hoje que um só homem podesse applicar esta pena terrivel, que só uma necessidade imperiosa, e só provas mais claras do que a luz do dia podem justificar? Bem pelo contrario deveremos hoje ser mais escrupulosos, mais dificultosos a esse respeito: tirem os Portuguezes todos do cuidado e protecção que nos merece a sua vida, mais um motivo poderoso para se unirem, para amarem o systema novo, porque achando elles neste systema o seu interesse, o systema achará em todos o mais firme apoio e adhesão. Nada pois de conceder-se a um juiz letrado ou não letrado o direito de sentenciar por si só qualquer cidadão á morte; prepare o processo, mas depois de preparado o remetta á relação para ser nesta visto e decidido, este o meu parecer sobre a primeira pergunta que nos faz a Commissão.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Pelo modo com que se acha combinado pela Commissão o systema da organização das novas relações, assim se tinha opinado, que os crimes de morte ou áquelles que pelas leis tivessem pena maior do que cinco annos de degredo para fóra, houvessem de ser julgados nas relações como erão até aqui, em quanto estabelecem os juizes de facto; porém como o artigo 154 da Constituição diz, que as relações só poderão conhecer por appellação e aggravo, era necessario que o Congresso primeiramente resolvesse este negocio a fim de poder estabelecer o systema com uniformidade; porque para se determinar, como parece justo, e foi o parecer da Commissão, que os crimes capitaes e graves sejão preparados pelos juizes territoriaes, e quando estiverem a ponto de se sentenciarem sejão remettidos ás relações, objectava em primeiro lugar o artigo da Constituição 154; e em segundo lugar era necessaria a resolução do segundo quesito, scilited, se depois dos crimes julgados na primeira relação ha de haver recurso de appellação ordinaria e extraordinaria de revista; e sendo assim he necessario que a culpa seja julgada em tres differentes relações ou tribunaes. Eis-aqui o que a Commissão expõe ao Congresso, para que o mesmo Congresso resolva; porque sem esta decisão não póde continuar na formação da lei.
O Sr. Moura: - Não só por esta razão que acaba de dizer o illustre Deputado; isto he, por ser necessario pôr de accordo a resolução deste negocio com o que já se acha determinado na Constituição (que em todos os casos as relações hão de conhecer só por appellação, e não por primeira instancia), não só por esta razão, digo, mas por outra muito forte, se não póde seguir a opinião dos dous illustres Preopinantes. Não ha cousa mais facil do que sem um profundo exame allucinar a imaginação de quem não reflecte, com uma idéa geral. Oh, pois da morte de um homem, do importante negocio da sua vida ha de conhecer outro homem! Que reflexão tão incoherente! Realmente assim seria se o juiz da primeira instancia conhecesse definitivamente, e sem recurso. Mas quem proporia similhante absurdo? De certo ninguem. O que se propõe he que o juiz de primeira instancia conheça, e que depois conheça, o juiz da appellação, e que fique ainda lugar á revista. Parece pois, que isto he seguir princípios mais liberaes ainda, do que aquelles que tem sido seguidos. Até aqui dava-se autoridade a uma relação sómente para conhecer da vida de um homem: no systema contrario ha mais respeito á vida deste homem. Conheça primeiramente o juiz de primeira instancia, e aqui temos uma opinião: conheça a relação do districto, e aqui temos segunda opinião: conheça finalmente o tribunal de revista, e aqui temos terceira opinião. Tres opiniões, por consequencia, são necessarias nestas questões importantíssimas; e todas tres entrando como elemento para se tomar uma decisão definitiva sobre este importante negocio. E então não será isto melhor do que devolver-se o negocio á relação, e que depois haja só apenas a revista? Vamos agora examinar este objecto tal qual era até aqui. O juiz de primeira instancia formava o processo; porque fazia o corpo de delicio e tirava a devassa, que são os dois elementos essenciaes do processo crime. Depois disto o júri de primeira instancia pronunciava, e dava por isso a sua opinião; e depois sequestrava, se o caso era disso; e depois ainda tirava as inquirições do plenario; e finalmente devolvia este negocio assim guizado, e preparado aos juizes de segunda instancia. E neste caso que conhecimento tomavão as relações? Qual he o verdadeiro conhecimento sobre um facto crime? Por ventura he o que resulta de allegações das partes, ou he aquelle que resulta do contexto das provas? Sem duvida, he o que resulta de testemunhas, do corpo de delicio; mas tudo isto era dos juizes de primeira instancia: as relações nestes pontos essenciaes só tomavão conta do que os juízes de primeira instancia lhe apresentavão. Logo então porque fatalidade o juiz que faz todo este negocio; que pergunta as testemunhas; que observa o facto, e todas

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as circunstancias ou precedentes, ou concomitantes; que faz o corpo de delicio; que ouve a parte; que lhe faz perguntas; que está mais no caso de conhecer a gravidade maior ou menor do crime; porque razão, digo, ha de ser este juiz inhibido de dar a sua opinião sobre este negocio? porque razão, insto mais, ha de ser permittido a este juiz pronunciar, e porque razão lhe não ha de ser permittido dizer que o crime está provado apesar da defeza, e que o pronunciado merece tal ou qual pena? A não ser por uma especie de aristocracia juridica, não posso suppôr porque isto seja. Srs., não nos illudamos com razões apparentes e superficiaes: do importante negocio da morte ou da vida de um homem, ha de conhecer um só juiz? não. Devem conhecer tres juizes diversos: conhece o juiz de primeira instancia; conhece depois o juiz de segunda instancia; conhece o tribunal de revista, porque tudo isto he necessario: só os desembargadores julgarem deste negocio grave he privilegio. Nas monarquias absolutas tudo se ressente dos seus principios; tudo são privilegios, até nisto....
O Sr. Serpa Machado: - Alguns Opinantes tem falado, e votado contra este artigo, e ou verei se posso responder aos argumentos do Sr. Moura Como he que se quer deixar aos juizes de primeira instancia o conhecimento do mais importante negocio, em quanto se não estabelecem os juizos dos jurados? e por isto não ha inconveniente em que se deixe este objecto ás relações, assim parece-me ter satisfeito por este lado. A outra objecção he sobre o dizer-se, que aos juizes de primeira instancia não pertence conhecer definitivamente, e por consequencia não causa prejuizo aos réos. Em quanto a isto digo que isto he sempre contra o réo, porque elle será julgado a pena capital na primeira instancia, e em quanto se decide em os outros tribunaes, elle estará sempre a soffrer, e soffrerá muito mais do que a mesma pena capital...
O Sr. Camello Fortes: - (Não o ouviu o taquygrafo.)
O Sr. Soares de Azevedo: - Temos a resolver um quesito proposto pela Commissão especial do regimento das relações, se em quanto não se organizão os juizes de facto devem os juizes da primeira instancia, ou sejão de fóra ou ordinarios, proferir sentença de morte. Com effeito todos os illustres Membros que tem falado sobre este objecto tanto por um como por outro lado tem ponderado razões mui fortes na verdade, porem eu ainda mesmo que visse a balança no seu justo equilibrio e não me parecesse propender mais para a parte negativa, eu sem duvida seguiria esta por me parecer mais favorável á humanidade, e mais conforme com os nossos principios filantropicos. Sim, senhores, seria muito para desejar que nós podessemos abolir inteiramente de entre nós a pena de morte, a experiencia porem mostra que ella he absolutamente indispensavel para conservação da sociedade, mas já que nós não podemos extinguir a pena de morte ao menos não a tornemos mais dolorosa, mais dura, e mais sensivel. He claro que a sentença de morte proferida em primeira instancia por um só homem ha de necessariamente ser examinada por uma relação; todos sabem em consequencia o grande espaço de tempo que deve mediar entre a primeira sentença e sua execução, e que momentos de amargura e tormento não passa um infeliz em todo esse grande espaço de tempo? A quantos não serão talvez mais penosos cada um desses momentos do que o da própria morte? Quantas vezes não assassinamos nós, para assim dizer, a este infeliz? E que interesse tira daqui a sociedade de taes afflições, de taes agonias, e de taes tormentos de espirito? He sem duvida esta a razão porque todos os criminalistas concordão e recommendão que entre a imposição da pena de morte, e a sua execução deve só mediar o menor espaço possivel, e só aquelle que se tornar indispensavel, e nós de certo nos apartamos destes principios tanto mais, quanto mais instanciar neste caso concedermos, e desnecessariamente como esta de que se trata. Senhores, o objecto em questão não he de tão pequeno momento como talvez á primeira vista pareça, elle he digno de ser pezado com muita madureza. Na censura de direito a sentença proferida por um só homem tem maior probabilidade de fallivel, do que sendo proferida por uma relação, e he por isso que para esta se dá appellação; se a sentença pois sendo proferida por um homem só tem mais probabilidade de fallivel do que a proferida por uma relação, para que havemos de conceder a um homem só o poder proferir sentença sobre a morte de um homem, ainda que se diga, que ella póde ser reformada na relação? Supponhamos que ella póde ser reformada na relação, e ser o réo nella absolvido, mas he tambem necessario suppor que o réo póde injustamente ser condemnado á morte pelo primeiro juiz, e quem apesar de ser o réo depois absolvido na relação o ha de livrar do tenebroso e melancolico susto e receio da morte, que soffreu em todo esse espaço da tempo? Quem lhe lavará essa ignominia de ter sido condemnado â morte? Acaso não he isto uma pena, é uma pena assás terrivel, e capaz de per si só realizar ou ao menos aproximar muito o instante do fim de teus dias? E com que necessidade? Se a ultima sentença da relação he a que em tal caso ha de ter a execução, de que serve a primeira sentença? Porque não evitamos todos aquelles resultados que he mui possivel acontecer? Lembremo-nos que muitos réos condemnados á morte depois de estarem de oratorio são absolvidos só pela razão de terem soffrido um receio tão imminente da morte, julgando-se só por isso terem purgado o delicio, e a experiencia tem mostrado que estes pouco tempo vivem depois, portanto ocaso não he de lana caprina como alguns o querem suppor. São certamente estas as razões porque pelas nossas leis actuaes ninguem póde ser condemnado á morte senão em relação e por seis ministros; e queremos nós em tempo constitucional e de liberalismo ser menos liberaes! onde está essa filantropia tantas vetes aqui proclamada em favor do humanidade? Lembremo-nos, que concedendo aos juizes em primeira instancia o poderem proferir sentença de morte, o resultado será absolver sempre o réo, vendo que tem a ser julgado em segunda instancia, e bem longe de fizermos com isto um bem á sociedade fazemos-lhe um mal. Sou portanto de parecer que aos juizes em primeira instancia principalmente aos ordinarios de modo algum se lhes deve conceder o poder proferir pena de morte.

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O Sr. Ferreira Borges. - A Commissão especial encarregada da lei sobre o regulamento e organização das relações, pergunta = se ha de de qualquer crime por mais grave que seja, ser julgado pelo juiz de primeira instancia, posto que ordinario. Como não dá a sua opinião, cada um deve dar a sua, por tanto eu o vou fazer, ainda que pouco tenho a dizer. A minha opinião he que o juiz de primeira instancia possa e deva dar a sua sentença sobre o crime seja qualquer que for a sua natureza. Algumas das razões porque me movo já estão tocadas. A primeira e mais substancial he a do artigo da Constituição em que não quero bolir, nem posso. Está decidido que as ralações não conheção em primeira instancia; logo he necessario que haja um juiz antes dellas que dê a sentença, e daqui ninguem me moverá; salvo; se se bolir na Constituição. As relações hão de conhecer dos crimes só por via de recurso, he necessario pois que haja antes uma sentença. Oppoz-se contra isto que a humanidade gemia, e que era necessario evitar os meios do atormentar o réo. Quer-se que os crimes sejão immediatamente punidos, porque assim o pede a justiça; mas a justiça tambem pede que o cidadão seja amplamente defendido. Por tanto he necessario que haja estas instancias. Esta sentença, disse um Preopinante, esta sentença do juiz não he definitiva; he definitiva, porque põe termo ao julgado, ainda que não se executa. Pela opinião que sigo o juiz faz o mesmo que fazia até agora, com a differença de declarar a sua opinião, que não declarava. Julga-se que isto he desnecessario, e que he fazer passar ao réo lances repetidos, e muitas mortes; já disse que isto he favoravel ao réo, o réo sempre está com esperança, muito principalmente se o juiz puder commutar as penas; quanto mais que eu julgo, que os choques que soffre o homem depois de sentenciado á morte podem servir, e avaliar-se como pena, e pena muito bem entendida. Esta opinião he tem duvida muito mais liberal do que a dos tempos antigos, porque accresco que então não havia recursos sobre as relações, e agora dá-se um recurso sobre as relações. Por tanto á vista de tudo isto julgo que os juízes de primeira instancia devem e podem decidir da vida do cidadão, posto que sua sentença não seja exequenda.
O Sr. Cattello Branco Manoel: - Sr. Presidente, quanto eu pedi a palavra logo que um illustre Preopinante tinha emittido a opinião negativa sobre o primeiro quesito, pretendia refutar os seus argumentos e firmar com razões a contraria, votando pela affirmativa. Porém como alguns illustres Preopinantes se anticipárão, e tem desenvolvido muitas reflexões que abonão a minha opinião, tendo tido prevenido, pouco me resta agora a dizer. Comtudo sempre accrescentarei alguma cousa, e principalmente direi, que me enchi de admiração, vendo a energia com que um illustre Preopinante avançou, que seria o maior absurdo confiar a vida do cidadão, (o mais precioso de todos os bens) unicamente ao voto de outro individuo, que por imperícia, por paixão podia cegar-se, e injustamente decidir sobre a existencia de outro cidadão. Que muito justamente tinha a lei decretado, que só um grande numero de homens (seis) podessem julgar da vida de outro homem. Certamente disse a este respeito cousas muito bellas: disse verdades. Seria cousa monstruosa, que um só homem podesse decidir sobre a ultima, e mais importante sorte de outro homem. Mas o illustre Preopinante certamente entendeu o quesito por muito differente modo do que os membros da Commissão o propozerão. Deu-lhe uma intelligencia diversa daquella em que deve ser concebido, e muito alhea da que expressa, e literalmente indica o quesito. Por ventura pergunta-se se o juiz da primeira instancia ha de decidir da vida do cidadão? Certamente que tal cousa se não pergunto. O quesito diz: ser julgado pelo juiz da primeira instancia. Logo quando se explica, e da primeira instancia, de necessidade suppõe que ha de haver segunda, e essa será composta de grande numero de juizes, que definitivamente hajão de decidir a sorte do réo. Se a causa ha de subir a 2.º instancia já desapparecem os receios do illustre Preopinante que de forma alguma (e com razão) quer confiar a um só a decisão de um negocio de tanta importancia, qual a vida de um homem. Que ha de haver essa secunda instancia, não só o dá a conhecer o quesito, mas ainda que não fosse proposto com tal clareza, nunca podia conceber-se de outra forma, attenta a nossa actual legislação, pois ainda nas causas de menos monta, cujo conhecimento pela lei pertence ao juizo do territorio do réo, sempre aquelle appella ainda por parte da justiça nos casos, e dilictos publicos, ainda que aliás a lei lhe não imponha pena capital; e assim o illustre Preopinante que tanto advogou a causa do réo, querendo que ella fosse sómente decidida nas relações, ainda fez mais duro, e pouco favoravel o seu partido. Já disse que cessão as razões de temor que o réo podia ter em que um unico homem fosse quem o havia de sentenciar definitivamente, não sendo o juizo da primeira instancia um juízo decisivo, mas sim dependente do julgado da relação. Ganho o réo muito em que haja essa primeira instancia por muitas razões. Ganho primeiramente porque nesse juizo se vai tratar a sua causa pelos meios ordinarios, em que elle melhor póde mostrar a sua innocencia, em que póde produzir com mais facilidade a sua defeza, as suas provas. Ganha em que ainda depois de proferida a sentença, pelo juiz da primeira instancia, elle por meio de embargos póde destruir os seus fundamentos: tem a liberdade de allegar novos factos, sobre os quaes novamente produzirá suas provas. Assim um processo mais instruído, e plenamente regulado sobe á relação onde definitivamente ha de ser julgado com melhor conhecimento de causa; onde com todo o escrupulo são examinadas, e pezadas as provas: onde póde ainda tornar o embargar a sentença, e mostrar sua innocencia, quando aliás se o livramento principiante (como se pratica) na relação onde de ordinario são os réos julgados em processo, summarios, e onde se não podem desenvolver tão bem os factos, elle ficaria privado daquelles primeiros recursos. Por tanto quando o illustre Preopinante advogava a causa do réo lhe estava peiorando a sua condição.
Não tem peso algum o argumento que se faz da

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incapacidade que suppõe no primeiro juiz, parecendo-lhe, o inculcando, que elle não tem aquelles conhecimentos, aquella moderação, que he precisa para julgar uma causa de tanta ponderação. Primeiramente a isto se podia responder com o nosso antigo adagio - medico velho, e letrado novo. Mas concedo, e estou persuadido, que nos juizes superiores ha mais prudencia, madureza, e jurisprudencia que nos juizes inferiores, e assim o suppõem as nossas leis; porém o argumento procederia se o juiz da primeira instancia decidisse definitivamente, e logo fosse executada a sua sentença, porem já notamos que esta primeira sentença só póde dizer-se definitiva em quanto por ella cessa, a jurisdicção do primeiro juiz, mas não he terminante, não he exequível, não he mais do que um voto (digamos assim), mas nem ainda he voto, que faça peso na ultima decisão. Os autos sobem á relação, e lá vai o negocio a ser dicidido em 2.ª instancia por aquelles que os illustres Preopinantes de opinião contraria querem, que fosse a primeira, vai lavrar-se uma sentença ultima em um processo mais bem preparado em que o réo tem alcançado mais facilidades de produzir sua defeza, e aonde tem ainda os mesmos recursos, que obteve no primeiro juizo.
Além de que, tendo nós estabelecido na Constituição que não haja mais do que um juízo de primeira instancia, que a este se appelle para as relações, em tudo iguaes, e de que não ha recursos mais do que a revista isto em todas as causas cíveis e crimes, sem fazer differença de capitães, e que até terminem as causas em segunda instancia, não he mais regular, que em todas seja a marcha a mesma? Para que se ha de fazer essa differença? Para que havemos de admittir uma similhante anomalia? Será por ventura para utilidade do réo, e a favor da humanidade? Certamente nào. Já mostrámos o contrario, e que antes íamos peiorar a condição dos mesmos réos. Será por ventura a utilidade publica que assim o exige? Em que consistirá essa utilidade? Eu não a vejo. Observo sim, que pela maior precipitação, pela falta de esclarecimentos, que melhor se podem haver na primeira instancia, com mais facilidade póde um réo innocente ser condemnado, contra a regra, e principio geral que antes absolver mil delinquentes do que comdemnar um innocente.
Ainda mais. Admittida a anomalia de que nos crimes capitães, isto he, em que a lei impõe pena de morte se podesse conhecer sómente nas relações, seria necessario precisamente designar quaes erão esses casos. Nós sabemos que pela legislação do Reino não he sómente no caso de homicídio em que se impõe pena capital. São muitos outros. Lembro por exemplo um: o caso de adulterio. Este e outros muitos em que ha a mesma pena sempre forão processados nos juízos inferiores, nem eu penso que os illustres Preopinantes que estão pela negativa do quesito, queirão que estes e outros similhantes sejão só processados nas relações. Depois disso, quantos casos haveria em que antes de formado o processo, e serem miudamente examinadas as circumstancias parecia ter lugar a pena capital, que depois se conhece não ter lugar? E deverião estas subir e tratar-se primeiro na relação? E quem deveria primeiro decidir se sim ou não pertencia á relação o formar o processo? Isto no foro seria causa de muitas duvidas. As mesmas questionarião sobre esta competencia, e o juiz da primeira instancia, que decidisse, já realmente vinha a terminar o negocio principal, porque já decidia se tinha ou não lugar a pena ultima. Eu tenho presenciado muitas destas questões. A junta criminal creada na Madeira para conhecer de todas as causas, que não merecessem pena ultima, foi aonde se terminarão muitas destas questões, e eu não sei se algumas vezes se decidiu, que não tinha lugar a pena capital em que deveria ser imposta, e outras vexes se remettêrão para a relação réos, em que esta julgou não ter lugar a pena. Eis aqui o resultado que havia de acontecer, se em taes casos não admittissemos a primeira instancia nos juízos inferiores. Haveria muitos incommodos para as partes, e utilidade nenhuma.
A isto não obsta o que disse um illustre Preopinante, figurando que esse tempo que mediou entre a sentença da primeira instancia que condemnava o réo e a 2.ª que era definitiva, todos esses momentos erão para o mesmo de crueis angustias. Disse que isto era uma morte lenta e duplicada, e que bastava que o réo soffresse quando se fizesse a execução da sentença. Porém muito differente he o meu modo de pensar. Não he a sentença do primeiro juízo o que ha de atormentar o réo. Bem sabe este que a ultima sentença da relação he a que ha de regular o seu destino. A sua consciencia, o seu crime, ou a sua innocencia he que produzirão o socego, ou a inquietação do seu espirito. Se elle estiver innocente ficará muito tranquillo, ainda que na primeira instancia condemnado; na justa esperança de que na segunda será absolvido. E pelo contrario se estiver culpado os remorsos serão o seu maior flagello. Não he por tanto esta consideração a que deve regular-nos para que devamos responder ao quesito pela negativa. Pelo contrario as razões que expendi, e outras muitas que se tem ponderado são sufficientes para votarmos (como voto) pela affirmativa.
O Sr. Guerreiro: - Que o decidir-se da vida de um homem, ainda em primeira instancia, por outro homem único, he um mal, não padece duvida; e se se tratasse de organizar os tribunaes criminaes, seria necessario que em lugar se ser um o juiz de primeira instancia, fosse um tribunal. Já está porém na Constituição determinado, que se ha de organizar este juízo, e que elle he o dos jurados. Como porém isto ha de levar muito tempo a fazer, toda a questão he, se se deve conservar a forma de processar as causas criminaes capitaes, como estava até agora, ou se deve substituir-se, que os juizes de primeira instancia sentencêem o processo, e dahi haja appellação para a relação competente; por outra, se he mais conveniente ao réo ter um recurso, ou não ter nenhum; se he mais conveniente ao réo ter uma só decisão sobre a sua cabeça, ou duas. Parece que se a sentença do primeiro juiz fosse logo exequível, não havia cousa mais horrorosa, porque em todos os casos as sentenças não havião de ter appellação. O juiz da primeira instancia teria grande influencia na sorte do réo.

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Mas ainda quando o juiz estiver encanando de preparar o processo para a relação, ou qualquer corpo collectivo, não terá grande influencia? Não terá elle os meios de aumentar, ou diminuir as provas? facilitar a absolvição do réo, ou difficultala? A triste experiencia nos tem mostrado milhares de crimes impunes por irregularidades de processo, e por estes meios. Portanto, a influencia que os juizes tem no processo não he de agora, he de ha muito tempo. O methodo actual de processar era recommendavel pela sua brevidade; só tres dias erão deixados ao réo para receber os soccorros da religião, a fim de partir para melhor vida. Mas pergunto eu: qual será mais conveniente, soffrer um terrível choque a respeito de uma sentença injusta que um réo sabe que não ha de ter execução não sendo confirmada na superior instancia, ou ter a sua vida dependente de se lhe assignarem o dias para dizer de feito e de direito para ao depois ser executada a sentença? Creio que a sorte do réo he muito mais miseravel e mais triste. Elle não tem recurso nenhum, um tribunal he susceptivel de paixões como he um homem, e se este tribunal não tem recursos em que perigo não está ávida do homem? Temos visto isto principalmente em casos em que ha interesses particulares. As relações não tendo compostas de homens a toda a prova, estes muitas vezes letrados pela seducção, ou pelo poder, ou por outra qualquer cousa, condemnão um réo, que a opinião publica julga innocente. Quanto a ser necessario evitar que a sorte de um homem depende das paixões de outro homem, já se mostrou muito bem, estabelecendo as duas intancias; portanto assento não haver outro remedio se não estabelecer e confiar esta decisão aos juizes da primeira instancia, em quanto se não estabelece o juízo dos jurados, para irmos conformes com o que se acha estabelecido na Constituição. Quanto a saber, se este juiz ha de ser o juiz territorial ainda que seja ordinario, não emitto a minha opinião, porque a Commissão não propõe este quesito; mas sómente digo que a Constituição não reconhece juizes ordinarios de primeira instancia, não reconhece de primeira instancia se não os letrados; e por isso quando a estes juizes se conceder o conhecimento destas causas, não só contrariará a Constituição, antes de contrario vamos conformes com o systema indicado.
O Sr. Xavier Monteiro: - Os fundamentos allegados pelos illustres Deputados, que tem sido de opinião, que conheça da vida de qualquer réo, não um só homem, mas uma relação, fundão-se no abuso que haveria de um só homem decidir da vida de outro: em segundo lugar, na humanidade que exige que o réo padeça com a maior brevidade. Admittidos estes fundamentos concluiria eu, que nós temos a humanidade na marcha criminal. Sobre um homem só julgar, assás tem sido respondido pelos illustres Preopinantes. A sentença de um juiz de primeira instancia não he logo exequível, não he se não uma opinião, mas uma opinião que serve de muito, uma opinião em que se exhibem os fundamentos porque elle lançou a pronúncia; pois que a pronuncia he um julgado de que se não dá razão; mas na sentença dão-se razões, que podem ser boas ou más: entretanto como as consequencias della se não executão, dá lugar a que os juizes superiores avaluem do bem ou mal julgado; motivo este essencial, por que assento, que o juiz de primeira instancia deve julgar causas desta natureza. De mais os juizes de primeira instancia nas causas civeis dão a sua opinião, e então porque a fazenda ha de ser mais bem avaliada do que a vida? Portanto em todas as causas deve o juiz de primeira instancia dar a sua opinião e os fundamentos em que se estriba. Daqui ha duas utilidades: primeira he que aquelle juiz habilita-se á julgar, e não vai novo para outros tribunais a dar a sua opinião sobre objectos tão melindrosos. Não se encontrará então indivíduo que aos 20 annos depois de juiz, lance pela primeira vez o seu voto sobre crimes capitães. Acresce outra razão ainda mais forte, e vem a ser, quando se sentenceia em uma relação um réo á morte, adoptão-se muitas vezes os fundamentos de uma sentença que se tivesse sido publicada um mez antes, combatida pelo advogado do réo, e combatida pela opinião publica, decerto não se adoptarião similhantes fundamentos. Ora, quando um juiz n'uma relação lança os fundamentos da sentença, que apenas podem ser combatidos dentro de tres dias, e por um letrado as mais das vezes pago por uma misericordia, nem ha tempo para os examinar com perfeição, e combatelos, nem ainda mesmo que sejão combatidos, he tão facil o revogalos. Se os fundamentos fossem de outro juiz não seria difficil; porém sendo dos mesmos que dão a sentença, a experiencia mostra as difficuldades que ha na sua emenda: e portanto deve dar-se o maior intervallo ao réo, talvez o decuplo do que até agora se dava para haver opposição a uma sentença de tal natureza. O dizer-se, que em todas as nações cultas o intervallo he muito curto, não he exacto; e para mostrar a falta de exactidão destes princípios basta allegar a Hespanha em que os juizes de primeira instancia estão conhecendo de crimes capitães, e julgando sobre elles. Por todas estas razões assento, que aos juizes de primeira instancia se deve conceder o julgar da vida de qualquer cidadão, deixando-se ao depois o ulterior conhecimento ás relações.
O Sr. Caldeira
O Sr. Feio
(Não os ouviu o taquygrafo.)
O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Eu sou a favor desta opinião. Certamente não o seria se acaso visse que do juiz de primeira instancia não havia, appellação para a segunda instancia; porque estou certo e firme naquella maxima romana, que soube respeitar a qualidade de cidadão o mais que podia ser respeitada: De capite civís, nini per maximum Comitiatum ne ferunto. Querião aquelles liberalissimos Romanos que a vida do homem fosse summamente respeitada, e que sem ser cuidadosa e miudamente examinado o seu comportamento, se lhe não podesse impor a pena de morte. Estas mesmas razões me obrigão a dizer, que o cidadão fica mais liberalmente defendido quando elle não tem uma só instancia, mas duas instancias: na primeira o juízo onde se comette o delicto, ahi ha as provas mais efficazes e conhecidas, e ahi he que se vai instaurar o processo, ainda

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que elle depois seja remettido á relação. De lá he que ao depois dimanão as ordens para que o juiz daquelle territorio examine, confronte as testemunhas, procure todos os meios de aclarar a verdade. Este juiz de primeira instancia avista dos documentos que tem presentes, e que ninguém melhor que elle os podia exigir, então he que forma sua pronuncia, e então he que deve dar a sua sentença, porque he necessario que o criminoso não escape a espada da lei quando tem sido criminoso; se o não he, elle espera e muito bem, que a sua sentença vai ser revogada na segunda instancia; e se o he, ainda que se veja na primeira instancia absolvido, o remorso, flagello o mais terrível que o homem sensível tem, logo que commette uma acção, ou que a natureza reprova, ou a lei condemna, o remorso, digo, este vingador eterno o acompanha por toda aparte; por isso não espero que o homem condemnado na primeira instancia passe por tantos tormentos como alguns Preopinantes nimiamente sensíveis pensarão, porque elle sobe que aquella sentença he o effeito da sua justa culpa, que o ha de acompanhar assim como o remorso até á sepultura; e se com effeito elle te julga innocente não lhe importa a primeira sentença, porque o homem que se julga innocente dentro do seu coração, pouco lhe importa se levantem contra elle as leis, e se lhe comminem penas. Por isso assento que devemos conceder em benefício do réo, que o juiz de primeira instancia profira sentença de morte, e que d elle se possa appellar para a relação, concedendo-se tambem a revista: este o meu voto.
O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Sr. Presidente, temos adoptado na Constituição um principio de jurisprudencia criminal, muito conforme á razão, de que depende a segurança pessoal do cidadão, e sobre tudo a sua liberdade, a saber: que nenhum cidadão poderá ser julga-lo em causas crimes, maiormente graves e capitães senão pela lei, e por um conselho de jurados seus iguaes, eleitos pelo povo, e em certo modo de sua escolha por virtude das recusações. Isto posto, tratando-se agora de providencias interinas sobre o juízo dos crimes capitães, parece fóra de toda a duvida que devemos preferir aquellas, que forem mais conformes, ou mais semelhantes ao principio e maxima constitucional, já adoptada e sanccionada. Por tanto dar agora aos juizes de direito a jurisdicção, que nunca tiverão, nem hão de ter, de julgar em primeira instancia das causas capitães, he encontrar clara e manifestamente o principio sanccionado na Constituição, do que fallei; e por isso sómente sem mais considerações, rejeito essa idéa. Voto pois que estas causas sejão como até agora julgadas em relação; primeiramente porque a relação póde considerar se como um concelho de jurados especial, bem que com algumas differenças; em segundo lugar porque nada se innova, e não ha necessidade de novas leis, e novos regulamentos. O argumento de um illustre Deputado deduzião do grande inconveniente de não haver neste processo tempo sufficiente nem occasião de se allegarem e deduzirem as razões de defeza ou de accusação, e até de se publicarem pela imprensa, como convem tem toda a força contra os summarios, que se devem abolir; porém nenhuma certamente contra o livramento ordinario, o qual da maneira que está regulado dá sobejo espaço e occasião para tudo o que deseja o illustre Deputado. O que elle accrescenta dizendo que he de grande utilidade que o juiz de direito se vá desde logo exercitando, para depois julgar com facilidade e acerto, parece que não tem fundamento á cerca das causas crimes, porque estabelecidos os jurados, o juiz de direito não faz mais que applicar a lei, a qual he verdadeiramente o juiz; e tal he a principal prerogativa, e vantagem desta nobre instituição. Digo pois que nada se innove; que os crimes capitaes sejão julgados em relação segundo as leis estabelecidas; e que aos réos se dê sempre livramento ordinario, este o meu parecer.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Parece que uma grande parte dos illustres Preopinantes se tem desviado do ponto da questão: a questão he simplicissima, e vem a ser, se na primeira instancia póde ser um homem só que julgue, ou hão de ser seis juizes. Tudo quanto se tem dito a este respeito he alheio da questão. Desenganemo-nos, os recursos são os meninos, e escusa-se de estar a argumentar sobre este objecto, pelo réo ter mais recursos ou menos recursos; a demora na execução também vem a ser a mesma. Por isso o que eu quero que se me diga agora, he se o Congresso quer que um homem seja julgado por um juiz ordinario que o condemne á morte, assignando o seu nome de cruz..... Na Constituição estabelecêrão-se os jurados; e para que se disse que fossem oito juizes! Foi porque está assentado, que no juizo de um só homem ha maior capacidade e maior firmeza? Certamente não. Porque não se quer que nas relações se julgue em primeira instancia, porque são os desembargadores? Pois faça-se um ajuntamento de homens que não sejão desembargadores. Diz-se que as relações não hão de conhecer umas das outras; pois onde havemos de ir buscar outro tribunal, onde se estabeleceu, elle na Constituição? Em fim, Senhores, para não cançar mais a assembléa escusamos de estar a gastar mais razões. Qualquer que seja o systema que o Congresso adoptar, he sempre na certeza que não he conforme em tudo com os principios da Constituição, pois que não póde realizar-se de outra maneira. Em qualquer systema ha embaraços, mas parece que este he o que tinha menos. O juiz territorial prepara o processo, tira a devassa; o promotor do juizo accusa o réo, e quando o processo está prompto remette-o á relação; ella julga, e depois o promotor appella e vai á segunda relação: e depois se algum dos interessados na causa não se contenta com isto, tem o direito de revista, que se lhe concede. Isto parece o melhor, e mais conforme com a Constituição. Se assim não agrada, fação o que quizerem.
Declarada a materia sufficientemente, discutida, propoz o Sr. Presidente á votação o 1.º quesito, e se venceu pela forma seguinte: Qualquer crime por mais grave que seja, ainda o de pena capital, será julgado pelo juiz de primeira intimida, sendo letrado, porém sendo juiz ordinario, não. E suscitando-se a questão de quem neste caso seria o juiz, disse
O Sr. Soares de Azevedo: - Parece-me que es-

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te negocio deve ir á Commissão para ella dar o seu parecer.
O Sr. Fernandes Thomaz: - O Congresso resolveu que conhecessem os juizes letrados em primeira instancia, e resolveu tambem que não conhecessem os juizes ordinarios; logo não ha outro meio senão conhecerem os juizes letrados mais proximos; e por tanto a Commissão não póde dar outro parecer, e assim o Congresso he que deve resolver. Outra questão que se póde suscitar, he se no caso de haver dois juizes letrados, he de ser o juiz de fóra mais visinho, posto que de differente comarca, ou o da mesma comarca, ainda que menos visinho.
O Sr. Camello Fortes: - .....
O Sr. Sarmento: - Eu não posso accrescentar mais do que acaba de dizer o Sr. Fernandes Thomaz: aqui não ha opção nem escolha, senão de ser um juiz mais proximo, ainda que seja de differente comarca, ou ser o juiz menos proximo, porém da mesma comarca: e portanto escusa este negocio de ir á Commissão, porque he de uma simplicidade reconhecida.
O Sr. Peixoto: - Deverá ser o juiz de fóra mais visinho qualquer que a commarca seja. Isto he o mais favoravel ás partes, e concorda com o estilo da nossa legislação, na qual assim se determina nas leis dos encravados e contiguos, na dos atravessadoiros; na das resistencias; e unicamente o alvará de 27 de Novembro de 1804 restringe as adjudicações para passagem de aguas aos ministros de vara branca da comarca, o que foi talvez um descuido de que tem resultado difficuldades, e augmento de custas em taes diligencias.
Propoz o Sr. Presidente se havia lugar a votar sobre a materia, e decidindo-se que sim, propoz quem havia de ser juiz no caso mencionado, e venceu-se que fosse o juiz letrado mais proximo. Propoz mais se havia lugar a votar-se sobre a declaração de que devia entender-se por juiz letrado mais proximo, se e da mesma comarca, ou geralmente o mais visinho de qualquer comarca; e decidindo-se que sim, propoz finalmente se se devia deixar o arbitrio da Commissão, o decidir-se a este respeito, ou se convinha declarar-se já que por juizes letrados mais proximos se entendem ser da mesma comarca: e venceu-se que ficasse a arbitrio da Commissão.
O 2.º quesito não foi entregue á votação por se julgar prejudicado pelas resoluções tomadas sobre o 1.º E igualmente não se entregou á votação o 3.º por pedir a Commissão licença para o retirar, no que conveio o Congresso.
O Sr. Miranda, por parte da Commissão das artes, leu os seguintes

PARECERES.

1.º A Commissão das artes he de parecer que deve ser indeferido o requerimento de José Pedro Colares, mestre fundidor de cóbre, nesta cidade, em que pede se declare á junta da fazenda da ilha da Madeira, o prestimo que elle tem para fabricar alambiques de distillação contínua, e que em consequencia seja inhibida a mesma junta de mandar vir de fóra do Reino os dois alambiques, para cuja compra foi autorizada pelo soberano Congresso. A Commissão está tão inteirada da habilidade do recorrente, como da falta de justiça, e conveniencia da supplica que fórma o objecto do seu requerimento.
2.º A Commissão das artes examinou o requerimento de José Rodrigues da Silva, proprietario de uma fabrica de louça no lugar do Juncal, termo da villa de Porto Moz. Requer o supplicante que os mestres e aprendizes empregados na sua fabrica sejão isentos do recrutamento para o serviço do exercito e armada. Parece á Commissão que este requerimento deve ser indeferido, por se acharem reguladas por lei as isenções e que o supplicante se refere.
3.º José Maria da Silva, filho de Antonio da Silva, e de Maria Magdalena, um, e outro já defuntos, e da classe dos mestres da corporação da fabrica nacional das sedas, allegando a pratica observada na direcção da referida fabrica, de ficarem as viuvas dos mestres gozando das prerogativas de seus maridos, assim como os seus filhos, sendo fabricantes, recorreu ao Governo para ser admittido na corporação em a qualidade de mestre, de que seu pai, e mãi havião gozado. O seu requerimento foi indeferido, com o fundamento de que não podia ter lugar em quanto se não procedesse á refórma da fabrica que se achava pendente. Em consequencia o supplicante recorre ao soberano Congresso repetindo a mesma supplica que havia feito ao Governo.
A Commissão das artes, conformando-se com os principios porque o Governo indeferiu o requerimento que o supplicante lhe havia dirigido, he de parecer que este deve ser igualmente indeferido. Paço das Cortes 26 de Agosto de 1822. - Hermano José Braamcamp do Sobral; Manoel Gonçalves de Miranda.
Forão todos approvados.
O Sr. Van Zeller, por parte da Commissão do commercio, deu conta do projecto de decreto, de que a mesma Commissão fôra encarregada em sessão de 20 de Julho proximo passado sobre a livre exportação dos generos cerenes da ilha de S. Miguel, que se mandou imprimir para entrar em discussão.
O mesmo Sr. Deputado, por parte da referida Commissão, leu os seguintes

PARECERES.

Primeiro. A Commissão do commercio veio remettido da Commissão de fazenda, com o parecer de que não pertence ás Cortes, e sim ao poder judicial, um requerimento de Antonio Ferreira Garcez, negociante desta praça. Elle expõe que tendo mandado vir de Antuerpia pelo navio Henry, capitão Oreille, seis pacas de pannos hollandezes, derão entrada e manifesto nesta alfandega a 23 de Janeiro ultimo, para onde se descarregárão a 28 do mesmo: mas desencaminhando-se o certificado de origem, não pôde despachalos senão depois que lhe chegou outro, e por isso, além do prazo dos tres mezes, concedidos pelo decreto de 3 de Novembro ultimo, para principiarem a ter vigor as suas disposições, pelo que se lhe exigi-

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rão na alfandega os novos direitos, o que não obstante suas representações, foi confirmado pelo conselho da fazenda: requer por tanto o supplicante que se attenda ao tempo da entrada, e não ao do despacho das fazendas, principalmente quando por uma omissão de que não teve culpa, não pôde despachalas mais cedo; e em todo o caso, tendo-se resolvido pelo sobredito decreto de 3 de Novembro de 1821, os tratados existentes, reclama o supplicante que se não alterem a seu respeito os direitos regulados para as fazendas de Hollanda, e Zelandia, pelo de 18 de Novembro de 1604.
A Commissão parece que esta ultima pertenção não tem lugar, porque não se alterárão pelo sobredito decreto os direitos, mas sim as avaliações dos pannos hollandezes, que se achávão mui baixas, e illudido por consequencia assim o tratado que elle reclama. Em quanto porém á primeira pertenção do supplicante, parecer ter mais fundamento, e a Commissão certamente quando propoz aquelle prazo, não teve em vista senão salvar as especulações feitas na boa fé que se achassem em caminho, ou prontas a partir antes de ser conhecida em paizes remotos a nova disposição, e para este fim calculou o tempo de viagem, e por consequencia o da entrada, e de fórma nenhuma o tempo do despacho na alfandega, que poderia aliás ser sujeito a varias demoras, e por varias causas. Depende pois a decisão desta pertenção do espirito com que foi feito aquelle decreto, e parece portanto á Commissão que o soberano Congresso deve declaralo, para ficar servindo de regra invariavel neste, e outros casos similhantes que possão occorrer. Paço das Cortes 20 de Agosto de de 1822. - Luiz Monteiro; Francisco Van Zeller; João Rodrigues de Brito.
Venceu-se que não havia lugar a votar-se sobre este parecer, em quanto propunha se fizesse uma declaração ao decreto de 3 de Novembro de 1821: e se approvou o parecer da Commissão de fazenda, de que não pertencia ás Cortes.
Segundo. A Commissão do commercio foi presente a indicação do illustrissimo Deputado, o Sr. Franzini, para que sejão preferidos e providos na propriedade ou serventia dos lugares vagos de guardas da alfandega, os ex-militares, que se apresentarem a concurso com os devidos requisitos. A reunião das alfandegas foi já determinada por este soberano Congresso, e devendo ella necessariamente trazer uma grande diminuição dos seus empregados, não seria coherente ordenar agora que se provessem novas propriedades, quando as que actualmente existem terão talvez de ser annulladas; e por tanto
Parece á Commissão que se deve unicamente recommendar ao Governo, que attenda aos ex-militares que tiverem os requisitos necessarios para a serventia dos lugares de guardas da alfandega, em quanto não tiver effeito a alteração projectada, e que a seu tempo, e com iguaes circunstancias elles poderão ser attendidos para os mesmos officios, que houverem então de fixar-se definitivamente. Paço das Cortes 20 de Agosto de 1822. - Luiz Monteiro; Francisco Van Zeller; João Rodrigues de Brito.
Ficou adiado para se unir e discutir juntamente com o projecto geral ao mesmo respeito, offerecido pelo Sr. Ferreira Borges.
O Sr. Pereira do Carmo, por parte da Commissão de Constituição, lei os seguintes

PARECERES.

1.º Manoel Antonio Lourenço, natural de Galiza, mostra por documentos que reside em Portugal, ha mais de vinte annos, onde tem servido de enfermeiro dos hospitaes militares, e tendo-se applicado ao estudo de cirurgia, hoje exercita essa profissão; pede carta de naturalização, e parece á Commissão de Constituição que se conceda.
Marcos Antonio Bregaro, natural de Genova, allega, que residiu em Lisboa dezeseis annos, e ha vinte e um na cidade do Porto, onde está estabelecido, sem animo de sair deste reino. Junta attestados da sua boa conducta, e pede a carta de naturalização. Parece á Commissão que se lhe conceda.
Estanislao del Pinto, natural de Roma, mostra por documentos, que reside em Portugal ha vinte e dois annos, casado com mulher portugueza, de quem tem filhos, e com animo de não deixar este paiz. Pede carta de naturalização, e parece á Commissão que se lhe conceda.
Francisco Afonso, natural de Galiza, bispado de Tui, reside nesta capital ha perto de onze annos, presentemente no exercicio de caixeiro de um armazem de vinhos, como prova no documento junto. Pede carta de naturalização, que a Commissão he de parecer se lhe conceda.
Fernando Mayer, capitão do batalhão de caçadores n.º 10, e natural de Brosemek, diz e prova ter servido no exercito nacional e real ha doze annos, fazendo as campanhas de 1810, 1811, 1812, 1813, e 1814. Pede carta de naturalização, que a Commissão he de parecer se lhe conceda.
Paço das Cortes 26 de Agosto de 1822. - Bento Pereira do Carmo; José Antonio de Faria de Carvalho; Luiz Nicolao Fagundes Varella.
2.º Claudio Sauvinet, natural de Bayona de França, residente nesta capital ha mais de 7 annos; proprietario de uma fabrica de serveja, e distillação no sitio de Val de Pereiro;
João Barreiro, natural de Galiza, residente nesta cidade ha mais de 20 annos, casado com mulher portugueza, estabelecido com uma loja de bebidas á Cruz de Paio, e occupado no exercicio der conductor do correio geral;
João Baptista Zechinelli, natural de Raguza, residente nesta cidade, ha mais de 13 annos, casado com mulher portugueza, e empregado ao trafico do commercio;
José Bento Ares, Hespanhol de nação, e residente ha mais de 10 annos nesta cidade, onde exerce a arte de cirurgião dentista;
Roque Carpinteiro, natural de Galiza, casado com mulher Portugueza desde o anno de 1803, empregado em guarda do porto de Belem.
Pedem cartas de naturalização, que a Commissão he de parecer se lhes concedão, attendendo ás circun-

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stancias particulares de cada um dos supplicantes, que elles provão pelos documentos, com que instruem suas respectivas supplicas.
Paço das Cortes 3 de Setembro de 1822. - Bento Pereira do Carmo; José Antonio de Faria de Carvalho.
Forão approvados.
Leu mais o Sr. Pereira do Carmo, por parte da mesma Commissão, os seguintes

PARECER.

1.º Foi presente á Commissão de Constituição um officio do Ministro da justiça, remettendo outro do chanceller da casa da supplicação, servindo de regedor; em que representa a contradicção em que se acha com o actual systema de Governo a formula do juramento que prestão os desembargadores daquella casa, e por consequencia a necessidade de se alterar a dita formula.
A Commissão convém nesta necessidade, e havendo de propôr uma formula de juramento adequado ao Governo constitucional representativo, e que seja geral para todos os empregados públicos, he de parecer que não pode melhor desempenhar este dever, que propendo aquella mesma que o soberano Congresso já sanccionou para os empregados do tribunal especial da imprensa no decreto de 25 de Junho de 1822, e he concebida nos termos seguintes: Eu juro aos Santos Evangelhos manter a Constituição Política da Monarquia Portuguesa, observar as leis, e cumprir religiosamente as obrigações do meu cargo.
Sala das Cortes 23 de Agosto de 1822. - João Maria Soares de Castello Branco; Bento Pereira do Carmo.
Decidiu-se que voltasse á Commissão para propor um projecto de lei sobre esta materia.
2.º O Ministro das justiças dirigiu ás Cortes um officio, em que requer alguma medida legislativa para espaçar a diligencia relativa á conspiração annunciada, se para isso não basta o §. 1 da lei de 31 de Março de 1741: e outro sim para ampliar o effeito da autorização extraordinaria de 29 de Abril antecedente, até se concluir o processo.
A Commissão de justiça criminal fez o extracto dos papeis inclusos, e sobre elles interpoz o seu parecer.
A Commissão de Constituição, evitando a repetição do outro extracto, reduz a sua opinião ao seguinte:
Be o poder judicial se acha nas circunstancias da citada lei de 1744, della póde fazer uso sem dependencia de nova autorização.
Se está fóra dessas circunstancias, e da legislação existente, não póde fazer-se nova lei com effeito retroactivo, para um caso anteriormente acontecido.
Se a legislação existente permitte espaçar a diligencia, he consequencia disso espaçar-se o effeito da autorização de 29 de Abril.
Se a mesma legislação não permitte a demora da diligencia, também não póde demorar-se o effeito da citada autorização.
Paço das Cortes 3 de Agosto de 1822. - João Maria Soares de Castello Branco; Francisco Manoel Trigoso; Luiz Nicoláo Fagundes Varella; José Antonio de Faria Carvalho; Bento Pereira do Carmo.
Terminada a leitura deste ultimo parecer, disse
O Sr. Guerreiro: - Peço que fique adiado, e que o Ministro seja presente. He necessario sabermos que motivos ha para elle fazer similhantes requerimentos. Diz o Ministro que precisa se dispensem as formalidades que formão a garantia e liberdade do cidadão, isto he, quer ter direito para propor uma remoção arbitraria. Autorizalo para isto sem sabermos se he necessaria esta providencia, não me parece justo; por isso peço que este parecer fique adiado, e se dê para principio da ordem do dia, e que o Ministro respectivo venha assistir á sua discussão.
O Sr. Pereira do Carmo: - A Commissão não deferiu ao peditorio do Ministro; diz que te ocaso de que se trata, está incluído na lei, o Ministro não deve recorrer ao Congresso, mas sim ao poder judicial; e se não está incluído, o Congresso não deve dar novas providencias, porque não póde fazer leis com effeito retroactivo. Quanto a prolongar a remoção dos suspeitos, tambem não foi deferido o Ministro, porque na conformidade do parecer esta remoção deve acabar, quando se concluir a devassa, tirada no prazo, que a lei tem designado. Em taes termos julgo que te póde approvar o parecer da Commissão, tem receio de se violarem as garantias e liberdade dos cidadãos, de que fala o Sr. Guerreiro.
O Sr. Guerreiro: - Parece-me que a Commissão dizia que se a lei espaçava o tempo, se devia autorizar o Governo para o espaçar, logo a Commissão he desta opinião, e por isso convem discutir-se.
O Sr. Camello Fortes: - (Não o ouviu o taquygrafo).
O Sr. Faria Carvalho: - Supponho que o parecer da Commissão não foi bem entendido pelos illustres Deputados, que tem falado sobre elle; pois que se foste entendido, não se ponderarião sobre elle as duvidas, que tenho ouvido ponderar. Elle contém verdades jurídicas, que parecem verdades mathematicas. Diz a Commissão, que, se o ministro da diligencia tem a favor della essa lei, que elle cita, e alguma outra legislação existente, para poder espaçar a diligencia, póde servir-se dessa legislação, e não precisa do legislação nova. Isto não he uma verdade? Todos dirão, que sim. Diz a Commissão que, se o ministro não tem na legislação existente o pertendido apoio para espaçar a diligencia, não póde fazer-se uma lei nova com effeito retroactivo, para ir aproveitar o caso de que se trata. Não he isto outra verdade? Diz mais a Commissão que, se a legislação existente permitte o espaçar a devassa, he necessaria consequencia disso espaçar-se o effeito da autorisação, isto he, a demora dos removidos até a conclusão da devassa, porque essa he que nade dizer se são, ou não culpados; e portanto, nesta hipothese tambem o juiz não precisa de nova concessão. Se a legislação existente

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não autoriza o espaçamento da devassa, tambem não autoriza o espaçamento dos removimentos; e não se póde fazer nova autorização com effeito retroactivo. Quem poderá duvidar destas verdades? Que concedeu com isto a Commissão de Constituição? Nada: pois que, se a legislação existente autoriza o que o ministro pertende, como elle parece inculcar em seu officio, lá a tem, póde fazer uso della, e não precisa do favor do Congresso. Se a não tem, não se lhe concede; porque se não podem fazer leis com effeito retroactivo, sem a maior offensa da boa razão, e da ordem publica. Eis-aqui porque eu disse, que suppunha não ter sido bem entendido o parecer da Commissão de Constituição, que em ultimo resultado he o da Commissão de justiça criminal.
O Sr. Peixoto: - Ao meu parecer, o illustre Preopinante confunde especies mui diversas. Uma cousa he a devassa; outra a autorização, dada ao ministerio para os removimentos; e nada tem um com o outro objecto. A devassa foi um procedimento judicial, feito ex officio pelo juiz competente, por facto, que pela lei o determinava. Os removimentos procedêrão de uma autorização especial das Cortes, concedida ao ministerio, em virtude de um officio, em que se representava a necessidade desta medida, para dissolver algumas reuniões, que se tornavão suspeitas; e que progredindo poderião perturbar a publica segurança. No officio não se falava em devassa; nem a devassa era da competencia do ministerio. Em consequencia a devassa he cousa mui distincta dos removimentos; e por isso não póde dizer-se que da conclusão della ficasse dependente a duração do effeito do decreto de 30 de Abril. Segundo o que tenho ouvido, o officio do ministro veio para o Congresso em 13 de Junho, e demorou-se nas Commissões de justiça criminal, e de Constituição mais de dois mezes e meio: na Commissão de justiça criminal Houve um voto em separado: a Commissão de Constituição discordou da criminal; isto depois de haver uma e outra examinado miudamente todos os papeis, que servirão de fundamento ás differentes opiniões: em vista do que parece, que o Congresso não obraria com a madureza que lhe he propria, se agora em um momento, e sem o necessario exame arriscasse uma decisão precipitada. Pela minha parte não tenho noticia de mais documentos, do que de uma lista que se imprimiu nos diarios, á qual contém os nomes dos sujeitos dados por suspeitos pelo coronel da policia, com a declaração dos removidos. Por tanto sou de opinião, que estes pareceres fiquem adiados; e se for preciso, que se peção ao Governo novas explicações, visto haver decorrido tanto tempo desde a apresentação do officio, que os motivou.
O Sr. Bastos: - A devassa depende dos juízos, o espaçamento depende essencialmente das deliberações do Congresso. Uma cousa não tem affinidade com a outra. Se a tivesse, e a segunda fosse uma consequencia da primeira, mui pouco garantida estaria entre nós a liberdade dos cidadãos. A autorização, que se concedeu ao ministro, foi extraordinaria, e foi por um mez sómente. Apenas este expirou, acabou aquella; e eu hei de oppôr-me sempre a que se prorogue, ou se conceda fóra dos casos expressos na Constituição. Sobejamente se tem ella de facto prorogado. A subtileza com que a Commissão de Constituição a quer fazer continuar he mui estranha para mim. Sou pois nessa parte contra o parecer, e approvo o da Commissão criminal, que está muito mais conforme á razão e á justiça Mas ainda que a este respeito a minha resolução está tomada, não me opponho com tudo ao proposto adiamento, attenta a gravidade da materia.
O Sr. Faria Carvalho: - Depois do que eu já expliquei, e de que diz o parecer da Commissão de Constituição, não sei em que está a subtileza, que um illustre Deputado estranhou? Quem he que ha de saber se as circunstancias que apparecem na devassa estão comprehendidas na lei que o ministro aponta? Somos nós, que não temos a devassa presente, nem somos juizes competentes, ou ha de ser o juiz da mesma devassa? Logo a Commissão não podia responder senão hypotheticamente ao mesmo juiz = Se tendes em vosso apoio à disposição dá lei, que citaes, não precisaes de outra. Se a não tendes, não se faz outra para o mesmo caso de que se trata. Onde está aqui á subtileza? Temeridade seria dizer, que as circunstancias da devasta não são as da lei citada; porque isso era discorrer pela devassa sem saber o que ella contem; era applicar a lei, sem ser juiz, e fóra do processo; e isso he que era digno de estranhar-se. Fala-se de prorogar a autorização concedida ao Governo; e a que vem isso nesta occasião? Nem o ministro a pede, nem a Commissão he de parecer que se conceda. O que o officio pertende he a demora dos removidos até á conclusão da devassa que he o que eu emendo pelo processo de que se fala; porque depois da conclusão da devassa, já o juiz della não o he do mais processo, e não precisava tirar duvidas sobre o futuro, que ha de ser tratado por outros juizes. Na verdade, que cousa he mais natural, do que a conclusão da devassa ser a conclusão do removimento, é mesmo por credito e utilidade dos removidos? Antes disso, podia a justiça confundir-se com o favor. Digo pois que o parecer da Commissão não podia ser mais justo em menos expressões; e que não se devia intrometter a discorrer pela devassa que nunca viu, e a discorrer sobre a lei citada sem saber o caso a que he applicada. Se o juiz fizer má applicação della, elle será por isso responsavel, e o pagará: se fez bom uso della, fez o seu dever. Mas nada disto sabemos com exactidão é por meio legal, e por isso respondemos hypotheticamente.
Procedendo-se á votação sobre o parecer, decidiu-se que ficasse adiado.
O Sr. Xavier Monteiro: - Está adiado pelo Congrego este negocio, mas observo que o effeito da autorização já expirou ha muito tempo, e tanto expirou, que muitos dos removidos se mandárão recolher, e estão em Lisboa.
Observou o Sr. Presidente que era melhor pedir ao Governo algumas informações sobre o estado em que se acha este negocio: e assim se venceu.
Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia a continuação do projecto sobre a reforma dos regu-

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lares; o projecto sobre o emprestimo; e para a hora da promulgação os pareceres de Commissões.
Levantou-se a sessão à uma hora da tarde. - Francisco Barroso Pereira, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Carta de naturalização.

s Cortes Geraes, Extraordinárias e Constuintes da Nação portugueza, tomando em consideração o que lhes foi representado por parte de Roque, carpinteiro, natural de Galiza, e attendendo a que elle se acha estabelecido em Portugal, casado com mulher portugueza desde o anno de 1803: concedam ao supplicante carta de naturalização, sem dependencia de outra alguma diligencia, para que possa gozar de todos os direitos e prerogativas que competem aos naturaes deste Reino Unido de Portugal, Brazil, e Algarves.
Paço das Cortes em 3 de Setembro de 1822. - Agostinho José Freire, Presidente; Basilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado Secretario; Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario.
N.B. Na mesma data e conformidade se concederão cartas de naturalização a Manoel Antonio Lourenço, Marcos Antonio Bregaro, Francisco Alonço, Fernando Meyer, Estaniskiu del Pinto, João Barreiro, José Bento Ares, João Baptista Zechinelli, e Claudio Sauvinet.

Para Filippe Ferreira de Araujo e Castro.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo, a fim de se fazerem publicar e observar, as inclusas cartas de naturalisação concedidas a Claudio Sauvinet, João Baptista Zechinelli, José Bento Ares, Roque, carpinteiro, Manoel Antonio Lourenço, Marcos Antonio Bregaro, Francisco Alonço, Fernando Meyer, Estanislau del Pinto, e João Barreiro.
Deus guarde a V Exca. Paço das Cortes em 3 de Setembro de 1822. João Baptista Felgueiras.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidos, se estiverem findos, os autos de libello de nollidade opposto ao testamento, com que falleceu Henrique Esteves Ribeiro, por D. Anna cesarea Senna da Rocha, os quaes autos forão a final sentenciados na casa da supplicação. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V Exca. Paço das Cortes em 3 de Setembro de 1822. João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraosdinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidas, informações sobre o estado em que se acha a diligencia de que trata o officio do Governo expedido pela secretaria de Estado dos negocios da justiça em 18 de Junho proximo passado, requerendo se o prazo da devassa pelo tempo necessario, e se ampliasse até a conclusão do processo o effeito da autorização extraordinaria concedida pela resolução tomada em Cortes a 29 de Abril do corrente anno. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V Exca. Paço das Cortes em 3 de Setembro de 1822. João Baptista Felgueiras.

Para Candido José Xavier.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraosdinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo, a fim de ser competentemente verificado, o offerecimento incluso, que o bacharel João Antonio Moutinho da Veiga diriiu ao soberano Congresso para as urgencias do Estado, dos dois valles juntos das quantias de 15$ réis, e de 12$240 réis, assim como da importancia do que se lhe deve de alguns transportes, que prontificou em quanto serviu o lugar de juiz de fóra de Silves. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V Exca. Paço das Cortes em 3 de Setembro de 1822. João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão

SESSÃO DE 4 DE SETEMBRO.

ABERTA a sessão, pelo Sr. Freire, Presidente, á hora costumada, foi lida a acta da antecedente, pelo Sr. Secretario Barroco, que foi approvada, e se mandou lançar na presente a declaração seguinte de voto assignada pelo Sr. Mendonça Falcão - Na sessão de ontem fui de voto, que a sentença sobre crimes capitães somente podesse ser proferida na relação por seis juizes, e nunca pelo juiz do territorio em primeira instancia.
O Sr Secretario Felgueiras, dando conta do expediente, mencionou o papeis seguintes.
Um officio do Ministro da fazenda, participando ter chegado a devessa, a que se procedeu em consequencia da conta dada pela Commissão fiscal do Porto, e ordem das Cortes de 28 de Março deste anno, e que fôra remettida ao chanceller da casa da supplicação servindo de regedor, para proceder na fórma da lei, e com urgencia, de que as Cortes ficarão inteiradas.
Outro do mesmo Ministro, remettendo uma consulta do conselho da fazenda de 2 do corrente, acompanhada das relações das empregados no mesmo concelho, e um dos livros findos do registo das consul-

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