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lares; o projecto sobre o emprestimo; e para a hora da promulgação os pareceres de Commissões.
Levantou-se a sessão à uma hora da tarde. - Francisco Barrosa Pereira, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Carta de naturalização.

s Cortes Geraes, Extraordinárias e Constuintes da Nação portugueza, tomando em consideração o que lhes foi representado por parte de Roque, carpinteiro, natural de Galiza, e attendendo a que elle se acha estabelecido em Portugal, casado com mulher portugueza desde o anno de 1803: concedam ao supplicante carta de naturalização, sem dependencia de outra alguma diligencia, para que possa gozar de todos os direitos e prerogativas que competem aos naturaes deste Reino Unido de Portugal, Brazil, e Algarves.
Paço das Cortes em 3 de Setembro de 1822. - Agostinho José Freire, Presidente; Basilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado Secretario; Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario.
N.B. Na mesma data e conformidade se concederão cartas de naturalização a Manoel Antonio Lourenço, Marcos Antonio Bregaro, Francisco Alonço, Fernando Meyer, Estaniskiu del Pinto, João Barreiro, José Bento Ares, João Baptista Zechinelli, e Claudio Sauxinet.

Para Filippe Ferreira de Araujo e Castro.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portuguesa mandão remetter ao Governo, a fim de se fazerem publicar e observar, as inclusas cartas de naturalisação concedidas a Claudio Sauvinet, João Baptista Zechinelli, José Bento Ares, Roque, carpinteiro, Manoel Antonio Lourenço, Marcos Antonio Bregaro, Francisco Alonço, Fernando Meyer, Estanislau del Pinto, e João Barreiro.
Deus guarde a V Exca. Paço das Cortes em 3 de Setembro de 1822. João Baptista Felgueiras.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraosdinarias da nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidos, se estiverem findos, os autos de libello de nollidade opposto ao testamento, com que falleceu Henrique Esteves Ribeiro, por D. Anna Cesarea Senna da Rocha, os quaes autos forão a final sentenciados na casa da supplicação. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V Exca. Paço das Cortes em 3 de Setembro de 1822. João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraosdinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidas, informações sobre o estado em que se acha a diligencia de que trata o officio do Governo expedido pela secretaria de Estado dos negocios da justiça em 18 de Junho proximo passado, requerendo se o prazo da devassa pelo tempo necessario, e se ampliasse até a conclusão do processo o effeito da autorização extraordinaria concedida pela resolução tomada em Cortes a 29 de Abril do corrente anno. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 3 de Setembro de 1822. João Baptista Felgueiras.

Para Candido José Xavier.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraosdinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo, a fim de ser competentemente verificado, o offerecimento incluso, que o bacharel João Antonio Moutinho da Veiga dirigiu ao soberano Congresso para as urgencias do Estado, dos dois valles juntos das quantias de 15$ réis, e de 12$240 réis, assim como da importancia do que se lhe deve de alguns transportes, que prontificou em quanto serviu o lugar de juiz de fóra de Silves. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V Exca. Paço das Cortes em 3 de Setembro de 1822. João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão

SESSÃO DE 4 DE SETEMBRO.

ABERTA a sessão, pelo Sr. Freire, Presidente, á hora costumada, foi lida a acta da antecedente, pelo Sr. Secretario Barroco, que foi approvada, e se mandou lançar na presente a declaração seguinte de voto assignada pelo Sr. Mendonça Falcão - Na sessão de ontem fui de voto, que a sentença sobre crimes capitães somente podesse ser proferida na relação por seis juizes, e nunca pelo juiz do territorio em primeira instancia.
O Sr Secretario Felgueiras, dando conta do expediente, mencionou o papeis seguintes.
Um officio do Ministro da fazenda, participando ter chegado a devessa, a que se procedeu em consequencia da conta dada pela Commissão fiscal do Porto, e ordem das Cortes de 28 de Março deste anno, e que fora remettida ao chanceller da casa da supplicação servindo de regedor, para proceder na fórma da lei, e com urgencia, de que as Cortes ficarão inteiradas.
Outro do mesmo Ministro, remettendo uma consulta do conselho da fazenda de 2 do corrente, acompanhada das relações das empregados no mesmo concelho, e um dos livros findos do registo das consul-

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tas, tudo em cumprimento da ordem das Cortes de 17, e 30 do passado, que foi mandado remetter á Commissão, que fez esta requisição.
Uma felicitação do almoxarife da commenda da villa do Torrão de Alemtejo Joaquim Antonio Baptista Varella, que foi ouvida com agrado.
Uma caria intitulada Epaminondas Americano, dedicada ao Sr. Deputado Bispo do Pará, e remettida por via do Sr. Fernandes Thomaz, e Sepulveda, para ser presente ás Cortes, relativa ao estado publico do Pará, e maranhão, que foi mandada remetter á Commissão de Ultramar.
Uma carta do Sr. Bernardo Antonio de Figueiredo, pedindo um mez de licença para tratar da sua saúde, que lhe foi concedida.
Um requerimento de vários proprietários de letras de portaria sobre o commissariado, que foi mandado remetter á Commissão de petições.
O Sr. Deputado Leal apresentou um requerimento assignado por vários officiaes do regimento n.° 2 de cavallaria miliciana da villa da Parnahiba, que foi mandado remetter á Commissão de petições.
O Sr. Secretario Barroto leu a declaração de voto assignado pelos Srs. Serpa Machado, Quental da Camara, Martins Ramos, e Peixoto, que dizia - Declaro, que na sessão de ontem fui devoto, que os juizes letrados, e leigos de primeira instancia, em quanto senão estabelecer o conselho dos jurados, não possão condemnar empena capital, ficando reservado o conhecimento de taes crimes ás relações, das quaes haverá recurso competente.
Fez-se a chamada, e achárão-se presentes 112 Srs. Deputados, faltando com licença os Srs. Moraes Pimentel, António José Moreira, Ozorio Cabral, Pinheiro de Azevedo, Ribeiro da Costa, Arcebispo da Bahia, Bernardo de Figueiredo, Sepulveda, Ledo, Feijó, Borges de Barros, Lyra, Bettencourt, Trigoso, Jeronimo José Carneiro, Costa Brandão, Ferreira da Silva, Fortunato Ramos, João Vicente da Silva, Annes de Carvalho, Belford, Gouveia Osorio, Faria, Moura, Lino Coutinho, Sousa e Almeida, Alencar, Martins Basto, Borges Carneiro, Fernandes Thomaz, Zefyrino dos Santos, Marcos António, Vergueiro, Araújo Lima, Bandeira: e sem licença os Srs. Ribeiro de Andrade, Bueno, Almeida e Castro, Queiroga, Castello Urânio, Saraiva, e Costa Aguiar.
Entrou-se na ordem do dia pela continuação do projecto n.° 218 sobre a reforma dos regulares, e entrou em discussão o artigo 33 (Vide tom. 5.° pag. 110).
O Sr. Correa de Seabra: - Sr. Presidente, já na sessão passada propuz a suppressão deste artigo; e novamente a proponho, 1.º porque elle he contrario ao direito, que manda dar o beneficio ao mais digno, 2.° Porque he matéria do projecto dos padroados, que peço a V. Exca. que dê para ordem do dia, logo que caiba em tempo.
O Sr. Rebello: - A Commissão por este artigo não tratou de prejudicar o que se possa decidir sobre O direito de padroado; a Commissão edificou sobre o direito, e disciplina actualmente em pratica relativamente a padroados, e especificamente aquelles a que se refere o artigo, e procurou tirar delles o possível partido. Quando se faz uma lei, seria indiscrição deixar de recolher da legislação, a outros respeitos existentes, as vantagens que póde conferir meramente pelo motivo de que essa legislação precisa de reforma; isto he deixar de fazer o bem presente por outro que e espera, masque depende de leis posteriores. A prudência pede, que desde logo se aproveite o bom, e que se não perca tempo em promover o melhor para o futuro. Eu já expliquei em outra sessão o espirito, e fundamentos deste artigo; as reflexões que então fiz não forão, nem podem ser facilmente refutadas; e a questão reduz-se a saber, se havemos tirar da legislação presente o proveito, que ella póde dar ou perda esse proveito por outro que ainda ha de vir, e Deus sabe quando; a prudência legislativa he o que deve decidir a questão reduzida a estes termos.
O Sr. Serpa Machado : - Eu tambem não adopto o artigo, e parece-me que elle está em contradicção com o que já aqui se venceu, a estes benefícios tem direito todo o mais clero secular; se pois são admiti idos, a tolos os benefícios a que tem accesso, esses seculares, seria uma desigualdade sanccionar este artigo, e por isso ou me parece que não deve adoptar-se, ou então supprimir-se, e adoptar uma doutrina contraria: disse um illustre Preopinante em outra occasião, que nós vínhamos a estabelecer a doutrina estabelecida peio direito dos padroados ; por tanto se os que segui ao uma opinião contraria offendião o direito de padroado, ella ia igualmente offender o padroeiro, pois que tem autoridade de prover em quem quizer; por consequência ou se supprima, ou se estabeleça a regra; que elles possão ser providos nestes benefícios, assim como podem ser providos em todos os outros.
O Sr. Caldeira: - Parece-me isto vontade de centraria todos os artigos, parece que fica mal ao Congresso deixar passar um artigo sem o contrariar! Se a Commissão apresentasse um artigo contrario, muita gente se havia levantar e dizer: não ha nada mais injusto; como o apresentou assim, tambem he injusto.
O Sr. Peixoto: - Sem recear a censura do illustre Preopinante, a qual já mais poderá comprehender-me; porque só contradigo as opiniões com que não concordo não tenho duvida em oppor-me ao artigo. Reprovo absolutamente a doutrina do artigo. A preferencia proposta suppõe um concurso, em que o beneficio não ha de conferir-se ao mais digno dos concorrentes; mas a um sujeito, em quem se ache uma qualidade, a qual he estranha áquellas, que constituem o verdadeiro merecimento para officio que há de exercer-se: em consequência he uma clausula legislativa; que denotando, que no concurso poderá preferir-se ao mais digno o menos digno, autoriza uma injustiça notória. Se se pertende, que os benefícios de cada uma das ordens sejão apresentados em membros da mesma ordem, decrete-se assim, sem que se fale em preferencia; mas não sei se será licito forçar por tal maneira a consciencia dos padroeiros. Concluo appoiando o voto do honrado membro o Sr. Corrêa de Seabra.
O Sr. Soares de Azevedo: - Antes de falar na

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materia queria que o illustre relator me desse uma explicação; se neste artigo se trata dos mesmos beneficios que fala o artigo 18, isto he, dos unidos casas religiosas supprimidas, ou se he dos que ficão ainda unidos ás casas religiosas, que se ficarem conservando, ou de uns e outros.
O Sr. Rebello: - Respondendo á pergunta do illustre Preopinante devo dizer-lhe, que no artigo 18 trata-se dos benefícios unidos ao s mosteiros que forem supprimidos, e trata-se delles para providencias sobre a natureza a que esses benefícios ficão reduzidos, e para quem se devolve a sua provisão; pelo contrario neste artigo trata-se do exercício de direito de padroado, que tiverem os conventos, ou mosteiros, que se conservarem. Tratarei agora de dizer muito pouco sobre argumentos resuscitados, dos quaes uns não vem para aqui, outros forão já refutados, e nenhum delles tem applicação á espécie do artigo. Os conventos provém estes beneficios do artigo em qualquer ecclesiastico com tanto que não seja indigno; não são providos em concurso, e portanto não só faz offensa nem a clérigos, nem a frades; porque nem uns, nem outros, tem direito a concurso, que não ha. O artigo, salva a clasula inherente aos padroeiros desta dá-se, de proverem em religioso que seja digno, não obriga a prover cm concurso porque isso, ainda que aliás seria muito justo, nem he praticável; porque os conventos não podião abrir concurso aos clérigos do bispado, nem he conabinavel com o direito de prover sem ser em concurso; todavia o artigo suppõe, e suppõe bem, que assim mesmo não deixarião de ser providos os religiosos mais dignos; porque este he o methodo porque nos claustros se qualifica o merecimento moral e literário, quando se conferem cargos aos religiosos da communidade. Vem portanto tudo a reduzir-se a que os conventos escolhão com preferencia entre os frades do mesmo instituto, e mosteiros, em lugar de encolherem avulsamente entre os clérigos seculares. Esta restricção nem offende a consciência dos padroeiros, que de curto se podem assim assegurar melhor dos frades mais dignos dos benefícios, do que dos clérigos em que alias os hão do prover, nem deixa de ser muito legitimado pelos diversos fins que se propõem no artigo, de conciliar por todos os modos praticáveis a reforma das corporações com o interesse que a religião e o Estado podem tirar de religiosos, que venhão exercitar dignamente os ministérios parochiaes, em lugar de estarem desaproveitados, nos claustros, e com pouca vocação de ali estarem. Torno a repetir; este artigo não suppõe que a actual disciplina, que permitte aos padroeiros a apresentação dos benefícios fora de concursos, seja a melhor; todavia como por ora he a que existe, a Commissão tirou delia o partido que podia, e devia, para a reforma dos ordens regulares: ninguém dirá que seja injusto que os filhos de uma corporação prefirão aos estranhos nos commodos para que estão habilitados, tanto mais quando do he resulta utilidade ae Estado porque ganha um membro activo, á economia , porque diminue o encargo da sustentação daquelle frade; e o serviço da religião ou lucra, se elle he mais digno do que seria qualquer clérigo, ou pelo menos não perde; porque elle será igualmente digno. Não confundamos as idéas, nem troquemos aquillo que existe pelo que apenas se espera. Este artigo na actual disciplina he razoável e justo; se amanhã se alterar a disciplina, e se ordenar que todos os beneficios sejão dados em concurso, a doutrina do artigo fica então subordinada áquella regra e só então terião vigor os argumentos dos illustres Preopinantes, se a dispendio dessa regra se quizessem continuar os provimentos dos beneficios de que se trata, pela maneira que propõe o artigo: com isto entendo, que foi a matéria está clara a ponto de e não poder illucidar mais, ou então a matéria he ião infeliz que se não póde illucidar para ser bem comprehendida e decidida. Portanto eu, que sou tão apaixonado dos concursos, como o podem ser os illustres Preopinantes, que desejo tanto como elles a reforma dos direitos de padroado, sustento o artigo; e votando por elle, desejarei poder concorrer amanha para que seja reformado a disciplina actual, a que elle se encosta.
O Sr. Soares de Azevedo: - A vista da explicação que acaba de fazer o illustre relator e colaborador do projecto e artigo, declaro que de nenhuma maneira o posso approvar, e que de qualquer modo que se queira entender e sustentar, não só he insustentável sua doutrina; mas deve ser supprimida. Diz o artigo os benefícios curados, e capelanias vitalícios e de apresentação dos mosteiros ou conventos das corporações regulares serão com preferencia providos em religiosos dos respectivos mosteiros, excepto quando não houverem religiosos que os pertendão, ou os que os pertenderem forem indignos de os occupar. Esta doutrina não só he contraria ao que se acha já vencido neste projecto, e em outros objectos analogos, mas he além disso contrario aos principios mais essenciaes do nosso systema, e do systema de todas as nações que tem por brazão os dictames da igualdade e da justiça. He contrario á doutrina já vencida, porque no artigo 18 deste projecto já fica sancionado que o provimento e apresentação de todos os beneficios unidos ás casas religiosas supprimidos fiquem restituidos á sua primitiva liberdade, e sejão apresentados segundo a regra geral pela qual são providos e apresentados todos os beneficios, que he por concurso: nem se diga que os beneficios, que he por concurso: nem se diga que os beneficios de que se trata neste artigo são aquelles em que os conventos ficão tendo o direito de padroado, porque se nós por um artigo de Constituição determinamos, que os mesmos benefícios de padroado real ou sejão curados ou não curados só possão ser providos por concursos, porque razão havemos de fazer uma excepção nestes do padroado dos mosteiros? Porque razão havemos de conceder ao padroado dos mosteiros um privilegio que negamos ao padroado real? Esta excepção seria na verdade odiosa. Se pois a doutrina do artigo considerada por este lado he odiosa além de injusta, considerada pelo outro lado em que pertende dar preferencia aos religiosos do respectivo mosteiro, não sendo indignos de os occupar; não só he muito odiosa, mas diametralmente opposta aos dois princípios fundamentaes do nosso systema, a sanccionados nas bases da Constituição - que a lei

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deve ser igual para todos, e que só os talentos e as virtudes são os unicos requesitos necessários para qualquer emprego - se a lei he pois igual para todos como pertendemos dar aos religiosos do mosteiro uma preferencia a todo outro qualquer, que he o mesmo que um privilegio exclusivo? E se acaso só os talentos e as virtudes são os unicos requesitos para qualquer emprego, como queremos dar a preferencia aos religiosos do mosteiro não sendo indignos ainda que concorrão com outros mais dignos não sendo religiosos do mesmo mosteiro?
Como salvaremos assim o sagrado principio que o homem mais digno deve preferir ao menos digno? Não sanccionamos nós já que todos os religiosos possão concorrer nos concursos dos beneficios com os ecclesiasticos seculares, e possão ser providos nos beneficios quando nos concursos se tenhão mostrado mais dignos? Logo qual ha de ser a razão porque havemos de excluir os clérigos seculares de poderem concorrer com os religiosos nestes de que trata o artigo em questão? Porque razão havemos de dar nestes a preferencia aos religiosos do mosteiro?
Se he para se lhe facilitar a saida, e essa razão he justa, então deve dar-se-lhe a preferencia para todos, mas creio que não são estas as intenções do Congresso, nem dos autores do projecto, nem seria muito conforme com a doutrina da igreja, que exige sempre em todo o caso o mais digno: reprovo em consequência a doutrina do artigo, e peço a sua suppressão ficando-se em tal caso observando a regra geral estabelecida, sem similhantes excepções que são por sua natureza odiosas.
O Sr. Bispo de Beja: - Tenho ouvido com grande attenção as razões, que o nobre Deputado o Sr. Rebello tem exposto para sustentar a doutrina enunciada neste artigo. Resta-me porém ainda um escrupulo, que desejo ver desvanecido para poder votar tem receio de errar: rogo pois ao illustre Preopinante que combine a doutrina deste artigo com a determinação do concilio Tridentino fundada no direito natural, e divino, que impõe aos prelados diocesanos a estreitissima obrigação de conferir os beneficios paroquiaes aos mais dignos; e isto não obstante vejo, que segundo o artigo os religiosos deverão sempre proferir a outros ecclesiasticos seculares no provimento dos beneficios, de que no artigo se trata, exceptuando o unico caso de se mostrarem indignos de os occuparem.
O Sr. Sousa Machado: - A Commissão por isso mesmo que isto facilita a saida dos frades, julgou esta medida de absoluta necessidade, e por isso isto pareceu mais conveniente que o artigo 18: por consequência nós o que, dizemos he sómente, com tanto que não seja um indigno, e que se lhe não dê toda a liberdade: mas tem ainda lugar a fazer uma escolha muito grede, e tem a presunção a seu favor, o mais he muito geral em todos os concursos, a lei exige habilitações, neste caso exige mais esta.
O Sr. Camello Fortes: - Nós temos estabelecido como regra geral, que a lei he igual para todos; e eu não entendo com que razão se estabelece aqui uma differença; isto he uma injustiça manifesta; porque não póde ser indigno, mas póde ser um menos digno; e com que justiça pois, vai este projecto restringir a
regra do concilio de Terento; e por consequência eu não posso adoptar este principio.
O Sr. Feio: - Quando neste mesmo projecto se tratou de admitir os regulares a concurso com os seculares ao provimento dos beneficios ecclesiasticos, oppazerão-sa alguns honrados Membros, apoiados naquella notável regra: regularia, regularibus; secularia, secularibus conferencia sunt. Agora que se trata de prover os frades com preferencia nos beneficios apresentados pelos seus próprios mosteiros, oppõe-se também os mesmos illustres Membros. Não ha maior contradicção. Aqui he que tinha lugar a applicação do regularia, regularibus. Dizem que isto offende o direito de padroado. Este direito de padroado he cousa que eu não sei bem definir; parece-me que he dirivado de patronato: e se assim he, este direito he imaginário; porque a palavra patronato com todos os seus dirivados, está proscripta pela Constituição, não só do nosso código, mas até do Dicionário da lingua.
Julgou-se a matéria discutida, e foi supprimido o artigo, ficando o seu objecto comprehendido na regra geral.
Passou-se ao artigo 34, que foi apresentado á discussão, não como se acha no projecto, mas pela maneira seguinte, apresentado pelo Sr. Rebello da Silva. - O Governo habilitará do mesmo modo as freiras que tiverem repugnância de viver no claustro, ou outra justa causa para se poderem secularizar, devendo além disso as freiras, que não chegarem á idade de 25 annos completos, ter parentes, ou familias honesas que as recebão, sendo igualmente estas secularizações expedidas, e julgadas pelos Ordinários da naturalidade, ou residência das freiras, como mais opportuno lhe for. As freiras que se secularizarem, serão pagas pelos mosteiros ou conventos de que saírem, as mesmas prestações pessoaes, que percebião, se nelles permanecessem, as quaes por sua morte, ou annullação das profissões, serão applicadas, para as despezas da Nação, ficando entendido que por esta providencia, nem as freiras secularisadas perdem o direito de perceber as tenças estipuladas por parentes, ou extranhos, que perceber ião, estando na clausura, nem as familias adquirem direito para tirarem dos mosteiros, ou conventos os dotes que tiverem natureza, ou clausula de reversão para as mesmas familias, senão por morte, ou annullação da profissão das freiras secularizadas.
O Sr. Soares de Azevedo leu o que estava vencido.
O Sr. Camello Fortes: - Assim como está vencido he que deve ser.
O Sr. Peixoto: - Deve passar assim como está vencido, e não vagamente.
O Sr. Rebello: - Eu assentei que para tirar o que linha de vaga a expressão, he que se devia determinar por tal forma, que nem houvesse duvida no que a lei manda, nem ficasse indeterminado o arbitrio nu sua execução. Por tanto, se os illustres Preopinantes querem lei vaga, e cm lugar de lei arbitrio vago, então estão conformes comsigo mesmos nas suas opiniões; agora se querem, que a lei determine com certeza, e o Governo faça executar com percisão, neste caso he

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indispensavel approvar a redacção que tenho offerecido. Quando se diz: os mosteiros ou conventos darão ás freiras que se secularizarem prestações pessoaes, segundo as forças dos mesmos conventos, nem se determina o que o convénio deve dar, nem o que a freira ha de receber, nem a maneira porque o Governo a ha de arbitrar; e como para mim nunca he, nem será lei, e que nunca se sabe quando he bem executada, por isso assentei que as palavras - até onde o permittirem as forças dos conventos - devem ser substituídas pelas que offereci na redacção, que vem a ser - receberem as freiras secularizadas dos conventos de que saírem as mesmas prestações pessoaes, que receberião se nelles permanecessem. - Quando algum dos illustres Deputados entenda, que estas prestações são excessivas, em tal caso, principiando por mostrar que são injustas, deve concluir indicando, ou duas terças partes, ou uma metade das prestações que receberião nos conventos, se nelles permanecessem; mas em todo o caso determinem o quanto, porque sem isso não fazemos lei que mereça este nome; e diremos, palavras que podem ser frustradas sem responsabilidade de quem as illudir.
O Sr. Camello Fortes: - A resposta era fácil, e até admira que se pergunte.
O Sr. Serpa Machado: - Parece-me que a redacção não está exacta, e digo de mais a mais que esta disposição he injusta, e he differente do que se venceu.
O Sr. Macedo: - Para se não poder admittir esta redacção, basta lembrar que ha tambem conventos onde as freiras não recebem prestação nenhuma, e vivem todas um commum.
O Sr. Rebello: - Não posso deixar de admirar a generalidade com que se ataca a redacção pelos mesmos motivos que a justificão. As despesas dos conventos em tudo o que pertencem á sua economia domestica, manutenção do culto, e conservação dos edifícios, sabem primeiramente dos rendimentos dos conventos, e feito isto, he que se reparte o resto pelas freiras para a sua sustentação pessoal. A reducção não comprehende os rendimentos manuaes dos conventos, pelos quaes se possão augmentar as suas rendas; comprehende sómente os rendas sabidas seria injusto, que as freiras dentro nos conventos trabalhassem em proveito das que se secularisão; mas não acho menos injusto, que as que se secular não, contribuindo com os seus dotes para as despesas dos conventos de que saem, sejão além disso multadas em não receberem essas mesmas prestações, que depois de feitas as despesas dos conventos, perceber não se nelles estivessem. Mas as freiras que saem dos conventos, deixão de trabalhar nas communidades, dizem os illustres Preopinantes! Respondo, que o argumento concluiria se se propozesse que ellas recebessem parte do fructo do trabalho dessas freiras. Pelo contrario as freiras que saem, ficão sustentando ss despesas geraes dos conventos que não habitão, e apenas reduzidas ás prestações pessoaes de que hão de citar as despesas de uma habitação, e a sua sustentarão pessoal. Diz outro illustre Preopinante, que a reducção se não pode admittir, porque ha conventos pobres que não podem dar prestações algumas; não há argumento mais desgraçado! Pois ficando a reducção de que os conventos contribuirão com prestações annuaes para as freiras egressas, sem se determinar o quanto, seguir-se-ha daqui que os conventos não dão prestações porque as não tem, assim mesmo as hão de dar!
Por ventura a reducção que apresento fará ricos os convénios pobres, ou pobres os conventos ricos! Quando se diz que os convénios darão as mesmas prestações pessoaes, suppõe-se, que os conventos as podem dar, e he só para aquelles que as podem dar; do mesmo modo que a reducção que se diz melhor por determinar, que se deem prestações aonde permitirem as forças dos conventos, tambem se entendem necessariamente só daquelles que tem forças para as dar. Senhores, eu fui de opinião que as freiras se não secularisassem, sem terem meios certos para a sua subsistência no estado secular: o soberano Congresso determinou que ellas se podessem secularizar independentemente dessa subsistência certa, que eu julgava de razão, e de decoro, coherente com os meus princípios estou persuadido que para ser exequivel que o soberano Congresso determinou, e se não exporem absolutamente as freiras secularisadas, se lhes devem pelo menos segurar os alimentos que terião nos conventos, e de modo que nem fiquem ás questões com os conventos, nem dependentes do caprixo das autoridades, que forem encarregadas deferir esses alimentos. Os trabalhos regulares das freiras que permanecessem nos conventos, constituem um emprego natural de seu instituto; o premio desse trabalho he aquelle que as freiras merecerem em recompensa da na vocação: e não se paga com aquillo que havia de perceber a freira secularisada, se lá estivesse e que se não deve converter em proveito das que ficão pelo facto de terem saído. Eu entendo que as secularizações das freiras, assentando sempre em causa justa, não devem ser olhadas pela lei como uma falta que a lei deva punir. Concluo por tanto, votando pela redução, e tornando a repetir que se parecer muito, que as freiras percebão as mesmas prestações, o que eu não penso, pelo menos se declare se hão de ser duas terças partes, ou metade para haver lei que regule a sua sorte, e que possa ser executada.
O Sr. Guerreiro: - Parece-me que para se combinado o artigo, e mostrar a inutilidade delle para ser rejeitado, não he preciso substituir-lhe outro, com isto tenho respondido; não he necessário o artigo, e não approvo a sua disposição: nos conventos de freiras ha certos encargos, e officios da casa, que não servidos pelas mesmas freiras, ha mesmo serviços manuaes, que avultão as suas rendas; e cada uma das freiras cumpre com as obrigações do convento; saindo para fora, não trabalha; logo como ha de ella gozar do fructo do trabalho das irmãs, que ficão na clausura. Se o illustre Preopinante acha que isto he justo, diga-o claramente; eu não emitto opinião alguma a este respeito, mas sómente voto contra o artigo pelas razões que já disse, e por ser injusto.
O Sr. Abbade de Medrões: - Parece-me que seria bom considerar, que podemos reduzir os conventos

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a três classes: 1.ª os conventos ricos: a 2.ª classe he dos que sendo menos ricos, se mantém do trabalho que cada uma faz; e a 3.ª he dos conventos que são pobres, e que são sustentados com as mezadas de suas famílias; ora agora estas que tem as mezadas das suas famílias, saião com as mesmas mezadas; as dos convénios ricos essas saião com o que lá tem, com tanto, que he preciso que para e convento fiquem as despesas, porem que tudo isto se incumba ao Governo, e escuzamos estar aqui com estas miudezas.
O Sr. Sousa Machado: - Eu estava para fazer as mesmas distincções que fez o illustre Preopinante; a Commissão o que propõe he, que tiradas as despesas do convénio, o mais que se reparta igualmente por todas.
O Sr. Ferreira de Sousa: - Eu creio que já aqui se apontou o que estava vencido sobre esta matéria; então para que havemos estar atacando o que já se decidiu; basta esta razão de estar já decidido, para só não approvar o que agora propõe a Commissão.
O Sr. Vaz Velho: - Parece-me que se está atacando o que já se acha vencido: eu creio que já se venceu, que ellas devião ter uma subsistência fora, segundo ás forças do convento; agora o modo de conhecer q unes são as forças do convento isso he que nos não pertence: a Commissão não diz que se lhe dê mais do que o convento pôde, e por isso he escusado estar agora a questionar sobre o que já está vencido.
Depois de julgado sufficientemente discutido o artigo, posto á votação, foi approvado com a emenda seguinte - de se dizer em lugar das palavras as mesmas prestações pessoaes, que perceberião se nelles permanecessem - as seguintes palavras - as mesmas prestações pessoaes annuaes que permittirem as forças do convento, a que pertencerem.
Os artigos 35, 36, 37, e 38, forão approvados como se achão no projecto.
O artigo 39 foi approvado, com a simples emenda do se dizer - ordena - em lugar de - recommenda.
Passou-se ao artigo 40.
O Sr. Bispo de Beja: - Entre os vários artigos deste projecto, em que eu como membro da Commissão eclesiastica de reforma não concordei com os illustres AA. que o formarão, entrou este, que está em discussão, no qual se estabelece que fiquem extinctos os prelados maiores, definitorios, e capítulos geraes, não se admittindo outros, prelados regulares, que não sejão os locaes de cada mosteiro ou convento.
He incontestavel que até o sendo 10 não houverão congregações, isto he, consociações de muitos mosteiros, debaixo da inspecção e autoridade de um prelado maior. Os monjes de diversos mosteiros ainda que o mesmo instituto não formavão um corpo os congregação particular. Cada mosteiro tinha seu proprio abbade, o qual não dependia de outro prelado regular superior; sómente estava sujeito ao seu respectivo bispo, como cinsta das regras de S. Bazilio, de S. Agostinho, e de S. Bento. Disse que até ao seculo 10 não houve innovação na forma do governo monastico. Ainda que já no seculo 9 Benedicto abbade Annianense, por ordem e determinação de Luiz Pio teve inspecção sobre muitos mosteiros, que militavão debaixo da regra de S. Bento; todavia esta congregação pouco tempo durou, logo depois da morte de Benedicto Annianense se dissolveu, voltando os monjas ao seu antigo governo, e por isso se deve fixar a época deste estabelecimento no século 10, tendo a sua origem nos Clunicienses: forão depois instituidas muitas congregações, a dos Camaldulenses, a do Valle Umbrozo, e a do Cister etc.
Os mendicantes, e outras ordens, que depois forão instituídas adoptarão o mesmo plano: porém instituirão muitas congregações divididas pelas provincias, prezidindo a cada uma dellas um prelado chamado provincial. Esta he em summa a historia do estabelecimento das congregações ou ordens religiosas. Agora passo a expôr as razões, em que me fundei para não approvar o artigo do projecto.
A forma do governo monástico introduzida depois do estabelecimento das congregações, que comprehende prelados maiores, os capítulos geraes, definidores, e visitadores foi muito útil para o bom regimentos mosteiros, e para a conservação da disciplina monástica. Esta forma de governo, que he uma espécie de aristocracia veio a temperar, e a moderar o império quasi absoluto, que os abbades exercitavão nos seus mosteiros; por estas razões o conc. Trident. na sess. 26. de Reg. cap. 8. ordena que os mosteiros, que não estiverem sujeitos a capítulos geraes serão obrigados a formar congregação dentro de um anno. cantado depois de se por fim ao concilio: outro sim ordena, que se dentro dos limites de uma província não houver numero sómente de mosteiros para formar congregação, esta será formada dos mosteiros de ou 3 províncias. Logo a disposição do artigo tem contra si a determinação de um concilio ecuménico, e que também deve ser considerado como lei do Reino, pois o Sr. D. Sebastião por alvará de 12 de Setembro de 1064 ordenou que fosse publicado, posto em execução, e auxiliado por todas as justiças do Reino.
Pelo que toca aos capítulos gerares, que se poderá considerar como uns comícios ou Cortes monásticas, não se pede negar que são um meio efficacissimo para se obter o fim do instituto monástico. A estas assembleas concorrem os superiores dos mosteiros, que em regra são homens recommendaveis pelo seu saber prudência: ali de commum accordo deliberão sobre os negócios de maior importância, e fazem regulamentos que julgão mais úteis e necessários para o bom reimen monástico, e reformação da disciplina, accrescentando, tirando, e mudando muitas cousas prescriptas na regra da ordem. Por estas tão juntas causas o concilio Lateranense 4.° determinou que todas as congregações, ou ordens religiosas celebrassem capitulos geraes todos os triennios. Esta Constituição foi mandada observar por Clemente 5.°, e pelo Trident. no lug. cit. Logo a doutrina deste artigo tem contra si as determinações de 2 conelios gerais, e muitas Constituições pontifícias, e em consequência não o posso approvar.
Ultimamente pelo que respeita aos definidores: este estabelecimento não merece censura alguma. Os

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definidores são uma espécie de senadores, os quaes com o geral ou provincial deliberão sobre certos negócios, que não são de grande consideração; talvez se possão comparar com aquelles anciãos, que segundo a regra de S. Bento devião ser consultados pelo abbade em matérias de pouca importancia.
Da doutrina, que tenho desenvolvido deduso dois comentarios. 1.° O soberano Congresso não deve promover a alteração de uma disciplina, que tem mais de 3 séculos de duração, cuja utilidade tem sido reconhecida por tantos varões illustres pela sua sciencia e virtudes. 2.° No caso que o soberano Congresso resolva alterar esta disciplina, o não póde fazer em virtude de algumas bullas, que talvez os AA. do projecto tivessem presentes, pois estas são restrictas á reducção dos mosteiros, ou versão sobre alguns objectos de todo independentes da forma do governo monastico, e em consequência he de absoluta necessidade recorter á se apostólica para se poder dar á execução o que se acha disposto no artigo.
Sr. Presidente, nós temos concluído apossa Constituição política que nos enche de gloria; deixemos, Srs. aos religiosos salva a sua Constituição, a qual foi formada por homens sábios e virtuosos; e não tem íntima relação com a felicidade temporal do Estado.
O Sr. Guerreiro: - Concordo com o illustre Preopinante em quasi todos os seus principios, com um só não convenho, qual he quando diz, que esta matéria por ser ecclesiastica está fóra do alcance do poder legislativo, assim como não concordo com as consequências que elle tirou dos seus princípios. Muitas vezes tenho admirado a belleza da organização das ordens religiosas, e o seu methodo podia servir de governo áquellas corporações que desejem uma boa fórma de governo. He verdade que os padres do concilio Tridentino......
Pois he de direito divino o governo que deu aos reverendos bispos de todos os fieis da sua dioceze; não he essa porém a razão que me move: os padres do concilio fizerão o seu officio em determinar aquillo, e esta Assembléa faz o seu: vou considerar este negocio debaixo do ponto de vista que se considera actualmente, que he a utilidade ou inutilidade, para com a causa publica. As ordens religiosas formão um estado particular, com formas, leis e interesses particulares, e houve tempo em que dependião para todas as suas acções de um chefe que se achava constituído fora da Nação: todos sabem o que succedia a este respeito, e que este chefe era o geral das ordens residente ordinariamente em Itália. A maior parte das cousas das diversas religiões estão em opposição com espírito da Nação de que ellas devião ser parte. O espirito de corporação que existe entre elles, faz com que prefirão sempre os interesses particulares da religião, aos interesses do Estado, e temos visto abusarem das máximas da religião só para augmentar o temporal.
Se elles pois querem gosar do que gosão os outros cidadãos, he preciso que venhão confundir-se entre elles, he preciso que venhão para o estado único que deve existir, e que não haja um estado (formulado por elles) dentro do estado. Pouco importa que os padres do concilio Lateraense IV, e os do concilio Tridentino assim o determinem, a Constituição política he só uma, ella serve para todo o estado, e não deve já mais existir um estado pequeno dentro do verdadeiro estado. Esta matéria he pois meramente temporal; está debaixo do poder legislativo, e mesmo conforme com o direito divino, voto pelo artigo tal qual se acha. (Apoiado.)
O Sr. Serpa Machado: - Diz o artigo 40 (leu) isto he que se transfira o governo das ordens para os ordinários e para os bispos. Devemos nesta matéria attender a duas cousas, á disciplina que he puramente ecclesiastica, e á parte que o governo civil póde ter sobre este objecto: todas as reformas que se poderem fazer nesta parte são sem duvida da competência das Cortes; e tudo que pertence á primeira parte suas regulações etc. he attribuição da autoridade ecclesiastica: por tanto a reforma deste artigo deve marchar principalmente conservando aquella parte religiosa, que não prejudica a sociedade civil. Deste modo parece-me, que não devemos dar aos religiosos homens que os governem contra sua vontade, e por este principio he uma incoherencia sujeitalos a outras autoridades que elles não queirão: e não fazermos reformas de que não lhes resulte acues utilidade, nem no Estado. De mais consultemos a historia: eu me lembro que quando no século decimo se fez a reforma da disciplina, cada convento era governado sobre si: entre tanto a relaxação foi maior. Daqui concluo eu, que com effeito não he uma verdade tão demonstrada, que os religiosos estejão melhor quando sito governados por prelados locaces: he certo que nos governos geraes havia alguns abusos, mas não podemos por isso dizer que todos sejão insofríveis. Por consequencia será uma violência tirar a estes indivíduos o governo que elles adoptarão, e a que estão costumados: Seria pois mui conveniente que em lugar de dizer-se no artigo, extinguir-se-ão, se dissesse, poderão extinguir-se os prelados geraes. Se a maior parte dos frades assim quizerem, lá o farão, senão ficão como até aqui a esse respeito, no que não acho inconveniente algum.
O Sr. Rebelo: - Tem-se atacado a doutrina deste artigo por diversos lados; eu procurarei ser mui breve apesar da extensão da materia, e do muito que sobre ella se tem dito. He o objecto do artigo extinguir os prelados maiores, os capitulos geraes, e definitorios das ordens, e reduzir a prelados maiores, os capitulos geraes. E definitorios das ordeens, e reduzir a prelados locaes os superiores de cada convento eleitos annualmente pelas respectivas communidades, e com sujeição immediata aos ordinários. Isto he reduzir as corporações religiosas áquelle estado de simplicidade, e existencia politica, economica, e religiosa, que esteve em pratica desde o estabelecimento do estado monacal, até ao X seculo: esta só reflexão seria bastante para convencer da importancia desta materia, e da sua moralidade: e ella só bastaria talvez para lançar por letra tudo o que se tem produzido contra o artigo, que não significa mais do que transigir com prejuizos e males, que os abusos tem introduzido, e que a boa politica, e a pureza da disciplina da igreja não podem, nem devem tolerar em uma nação que se regencia.
Todos sabem, que o estar o monacal principiou nos desertos do oriente; que foi admitido no occidente pouco na-

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tes do meado do IV seculo; que os religiosos estavão sujeitos aos parocos de suas respectivas paroquias, de quem recebião o pasto espirituel, como ovelhas do seu rebanho; que subsistião do trabalho de suas mãos, sujeitos entretanto á regras claustraes, e a prelados domésticos, que elles mesmos elegião. Concedeu-se aos conventos a acquisição de bens pela piedade e política dos príncipes, e desde então se principiou a ressintir a pureza da disciplina claustral, dos abusos muito fáceis que fizerão religiosos das riquezas que possuião, pertendendo subtrair-se á sujeição dos párocos, e dos bispos. Foi então necessário sujeitar por leis civis e canónicas tanto os religiosos como a administração dos bem dos conventos ao cuidado e vigilância particular dos bispos. Nesta conformidade decidirão os padres do concilio de Calcedonia canon 4.° de acordo com o Imperador Marciano, que assim o exigio do concilio: e assim se decidiu tambem no occidente pelo concilio Aurelianense I, e Aralatense V, celebrados o 1.° no principio do século VI, e o segundo pelo meado do mesmo século. Em todos estes concílios se determina - Que os abbades estejão debaixo do poder e jurisdicção dos bispos, e que os mesmos bispos os corrijão, se se desmandarem da execução das suas regras; e tambem que os mosteiros, e disciplina dos monges estejão subordinados aos bispos dos respectivos territórios = Desgraçadamente os bispos abusando tambem da sua autoridade principiarão a delapidar os bens dos mosteiros, e arrogar-se o poder de nomear abbades, provendo ordinariamente estes logares em parentes e apaniguados seus. Resultou daqui, que os mosteiros procurarão por isempções da sé apostólica, ás vezes patriocinadas pelos príncipes, sacudir nesta parte o jugo dos bispos, que a cada passo perturbava tambem o silencio dos mosteiros, porque os ião habitar por muito tempo, e alli exercião com pompa, e com estrondo as suas funcções episcopaes. Todavia as isempções nunca chegarão ao ponto de privar os bispos da sua jurisdicção espiritual sobre os mosteiros e sobre os monges; e só desde o seculo X por diante se principiarão a conhecer isempções concedidas nessa generalidade. Homens sábios, que tem profundado esta matéria demonstrão com evidencia, que as isempções absolutas de jurisdicção espiritual dos bispos, que alguns mosteiros affectão ter obtido antes do X século são todas apocryfas. Foi pois no X século, que principiarão a existir mosteiros fora da jurisdicção ordinária dos bispos, devendo-se esta novidade á confederação que fizerão alguns mosteiros da ordem dos coloniacences, e camaldulanos; que nestas confederações formavão capítulos geraes, e nomeavão visitadores. Desde esta época por diante todos os institutos regulares que se estabelecerão adoptarão o principio de confederação dos conventos, prelados maiores, capítulos geraes, e visitadores, debaixo da obediência da sé apostólica, com muito pouca sujeição aos ordinários, da qual se terão eximindo todos os dias por bulias pontifícias, que forão obtendo, até que de todo se eximirão da jurisdicção dos ordinários. Os bispos despojados da sua autoridade reclamarão quasi todos a sua juridicção, e aquelles que o não fizerão supportárão em silencio este golpe fatal, como uma restricção que se lhe punha no seu episcopado. A disciplina da igreja perdeu desde então a sua pureza e unidade; os fieis fugírão para os templos dos religiosos deixando de frequentar as suas paroquias; os párocos não poderão mais conhecer as suas ovelhas; a administração dos sacramentos foi partilhada com os religiosos dos diversos institutos, e principalmente dos mendicantes que tomarão por timbre eu adjuvar os párocos; porem isto deu lugar á incuria e ignorância dos párocos que deixárão de se habilitar para poderem administrar os sacramentos, e a palavra divina com o devido conhecimento da doutrina christã, e da moral; e os povos, debaixo da apparencia de muitos coadjutores de párocos, soffrêrão a cada passo a falta do pasto espiritual, porque estes coadjutores voluntários he não presta vão na occurrencia das suas percisões, e quando lho administravão se ressentião sempre da mão estranha porque o recebião. Os varões mais virtuosos e sclarecidos levantarão a voz contra estes males. S. Francisco ordenou expressamente aos filhos da sua regra, que nunca pedissem isempções da se apostólica, e que praticassem sempre os deveres de seu instituto debaixo da obediência e jurisdicção das autoridades comitentes ecclesiasticas e civis.
Desgraçadamente porém os franciscanos apenas seu fundador fexou os olhos procurarão obter, e conseguirão as mesmas, e a cada passo maiores exempções, que já tinhão obtido os outros institutos, e ficarão como elles fora da jurisdicção dos ordinários.
He celebre, e muito sabida a correspondência de S. Bernardo com o Papa Eugénio III. S. Bernardo com a franqueza, e energia que o caracterisavão, increpou o Papa Eugénio de ter posto as corporações regulares fóra do alcance da jurisdicção dos bispos: diz-lhe que não basta podelo fazer, mas he perciso reflectir, que o não deve fazer; que por este modo se perturba a ordem gerarquica da disciplina da igreja, tirando os membros subalternos da direcção, e movimento que a cabeça lhes deve dar; e que similhantes abusos significão o mesmo que pegar na cabeça os dedos da mão em lugar de os ter á disposição dos braços, e estes dirigidos pela cabeça. Com effeito a exempção das corporações regulares não só produsio os males, que tenho suscintamente tocado, mas ainda offendeu no seu essencial a jurisdicção dos bispos, que elles receberão de Jesus Christo por intermédio dos apóstolos, de quem são successores. O episcopado he obra divina, e não humana; a sua jurisdicção be divina; a disciplina da igreja com justa razão a circumscreveu a territórios marcados dentro dos quaes houvesse um rebanho sufficiente para um bispo; mas eximir da jurisdicção do bispo parte do rebanho existente na sua diocese, he uma operação offensiva dos direitos do episcopado, que nunca jamais pôde ser legitima com quantas bullas a queirão cobrir. O bispo deve dar conta de todo o seu rebanho, e todo o seu rebanho he obrigado a obedecer ao seu pastor: o bispo não póde eximir-se daquella sua obrigação, e tambem não ha poder na terra que lha possa restringir, ou diminuir o direito perciso para elle a prehencher.
Vierão finalmente os padres de Trento, conhecerão

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os abusos, e os males que resultavão do estado em que se achavão as corporações regulares, que era com pouca differensa o mesmo cm que agora se achão. Seja me licito dizer (e o posso dizer com affouteza porque se tracta de materias disciplinares) que o Concilio de Trento contemporison demasiadamente com os
abusos que observou no estado monacal; e tocou com dedos excessivamente delicados a reforma dos regulares. São poucos e escassos os remedios que applicou á grande enfermidade, e todos elles inúteis, porque deixou as raizes, e os troncos, que os entretem, e que os produzem. Conccorreu muito para isso a influencia da Sé apostolica, cuja politica achou sempre nas corporações regulares um exercito determinado a defender as suas pertenções; conccorreu tambem a circumstancia de que uma grande parto dos bispos, arcebispos, e cardeaes tinhão sido regulares, e conservavão certo amor ás corporações a que tinhão pertencido, e finalmente concorreu a fatalidade de que as Commissões desta reforma constavão pela maior parte de theologos regulares. Isto dicto em geral habilita-me para tocar mais particularmente a disposição deste Concilio, a que se referido um sábio Preopinante, e com a qual me pareceu que elle queria
auctorisar a conservarão dos prelados maiores, capitulos geraes, e definitorios como requisitos que o Concilio julgou essenciaes, ou preferiveis, relativamente às ordens regulares; e he o capitulo 8.º sessão 25 dos regulatres e freiras. Neste capitulo 8.º, que peço licença para ler, na sua proposição geral (leu) se determina, que todos os mosteiros que não estiverem sujeitos a capitulos geraes, ou aos bispos, nem tiverem visitadores ordinarios, e que estiverem debaixo da
immediata protecção da Sé apostolica, sejão obrigados dentro de um anno a formarem-se em congregações; que os metropolilas, se elles os não fizerem,
possão obrigalos a que o facão; que se os mosteiros de uma provincia não forem bastantes para isso, se possão reunir os de duas ou três provincias para formar congregação; e que nos capitulos geraes, que devem fazer de tres em três annos, elejão visitadores que visitem os mosteiros, e inspeccionem a sua disciplina pelo modo porque o praticão as congregações já formadas; finalmente, note-se bem que se nem assim os mosteiros se congregarem fiquem então sujeitos aos ordinarios respectivos como delegados da Sé apostolica.
Observe-se que neste capitulo se não diz em parte alguma, que he mais regular e mais perfeito estarem os morteiros sujeitos a capitulos geraes, e prelados maiores, do que nos bispos; que não manda que os mosteiros sujeitos immediatamente aos bispos se formem em congregações: e que todo esse grande processo que devem correr os mosteiros immediatamente sujeitos até apostolica, para formarem congregações, teve em vista, por uma parte, contemporizar com o abuso daquella immediata sujeição á sé apostolica, pelo intermedio das congregações e que mandou formar; e pela outra, acudir pelo menos ao escandalo de não estarem esses mosteiros debaixo das vistas de os corrigisse, determinando então que estivessem sujeitos aos bispos como delegados da sé apostolica. He notável, e esta demasiada contemplação com as sujeições immediatas á se apostolica, e chega a enjoar, que os mosteiros singulares, na hypothese do capitulo, que acabo de analysar, fiquem sujeitos aos ordinarios, não como taes, mas sim como delegados da sé apostolica. He costume da curia de Roma procurar adquirir por qualquer modo, e conservar debaixo de qualquer pretexto aquillo que uma vez tem adquirido. Em todo o caso a passagem do concilio do Trento não prova que he mais perfeito e conveniente, que os mosteiros estejão sujeitos a capitulos geraes, do que aos ordinarios, como pareceu inculcar um illustre Preopinante. Demonstrado, como supponho que está, que a doutrina deste artigo não significa mais do que resuscitar, e pôr em observancia a melhor disciplina que obteve até ao decimo século, direi apenas duas palavras para responder a outro illustre Preopinante, que desejava que se consultassem as corporações regulares para ver só lhes convinha a providencia deste artigo. Eu respondo ao illustre Preopinante pelas corporações regulares, e a resposta he esta = meia duzia de frades que fazem os capitulos e os prelados de cada corporação querem que se conserve tudo como está; e todos os mais frades querem a providencia do artigo =. A resposta dos primeiros he o resultado da sua ambição de mandar; a dos segundos he a expressão dos direitos originarios dos frades, de que o despotismo e usurpações os tem privado, e que agora se lhes devem restituir em uma regeneração politica que deve abranger todas as classes. Meia duzia de frades de cada corporação talhão os capitulos, determinão os prelados para os diversos conventos, destinão para os capitulos futuros os lugares que hão de ter os que então nas capituladas, e o miserável povo das corporações regulares como debaixo do jugo de ferro desta tyrannia regular, que se apoia exteriormente com a apparencia dos seus institutos, e com a irrisoria invocação do Espirito Santo.
O mesmo illustre Preopinante disse, que lhe parecia que a doutrina deste artigo não auxiliava a ecconomia em geral; peço licença para observar ao nobre Deputado, que o lado da ecconomia he tão palpável que ninguém póde deixar de o conhecer. Todas as corporações tem um património marcado, e rendimentos applicados para as despezas geraes; pelas taboas estatisticas conheceu a Commissão, que algumas corporações chegão a ter, só para isto, o rendimento annual de doze contos de réis; e as mais pobres tem sempre na sua porporção rendimentos avultados destinados para estas despezas. E em que se consome este dinheiro? Em jantares de capitulos, luminarias, secretaria, visitas aos conventos do reino, que deixão ficar tudo como acharão, e em obter bullas de despensa dos estatutos para poderem fazer prelados os que não tem as qualidades marcadas pelos estatutos, ou para reelejer aquelles que sem essas dispensas o não podião ser. Esta resposta tão viridica como concindente desengana o illustre. Deputado de duas cousas: 1.ª de que ecconomia he grandissima: 2.ª de que a ecconomia he suavissima porque versa sobre o superfluo, eu para melhor dizer sobre o pernicioso,

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que a boa razão, e a justiça não devem tolerar. Finalmente o illustre Membro poderá reflectir que o legislador não consulta os súbditas se querem ou não querem uma reforma; pelo contrario profunda a maioria, obtém os esclarecimentos precisos para haver na sua execução theorica e pratica, concebe-a de modo que se respeitem os direitos adquiridos em boa fé, e concilia as justas commodidades daquelles a quem as reformas devem comprehender, e feito isto lança a lei, e fala executar. Eis-aqui a meu ver o que se acha praticado relativamente á matéria que se discute; na presença de tudo o que o legislador devia contemplar, menos na de ter perguntado aos frades se querião ou não uma reforma política, economica, e religiosa, digo na presença das sobreditas considerações, á excepção desta consulta dos regulares, he que a Commissão organisou o projecto, e a materia deste artigo, que deveria passar sem a menor discussão, que parece até pouco decoroso ter sido atacado nos dias de boje, depois do que se tem lido, e praticado nos diversos paizes da christandade. A Com missão das Cortes de Hespanha, que apresentou o projecto para a extincção e reforma dos regulares, que teve lugar em Outubro de 1820, teve talvez menos trabalho para conceber o seu plano, e menos difficuldade de o ver approvado; ao menos na doutrina correspondente áquella de que se trata não me consta, que houvesse opposição apresentada, ou na Commissão, ou depois nas discussões do projecto.
O Sr. Corrêa de Seabra: - A isempção dos regulares da jurisdicção dos Ordinários e conservação das ordem em corporações com prelado maior são cousas differentes, e que não são entre si essencialmente connexas. O Sr. Rebello se confundio, e as julga essencialmente connexas talvez para ter occasião de mostrar a sua erudição. No voto em separado artigo 15 (leu-o) mui expressamente se diz, que os regulares ficão sujeitos aos Ordinarios, e esta sujeição não he incompativel com a corporação das ordens regulares em congregação com o seu prelado maior, e tanto não he que as isempções se forão concedendo gradualmente como dizem Caval., e os escritores de direito canónico, continuando as ordens regulares depois de consideradas na sujeição canónica aos Ordinários que foi a ultima isempção que obtiverão, e desta he que se queixão S. Bernardo, e mais padres. Não he incompativel como disse, porque são differentes os limites de uma e outra autoridade. A dos regulares he restricta á observancia, e guarda da disciplina monástica, e ao Governo economico e administrativo: os Ordinarios exercitão o que lhe compele por direito divino sobre todo o rebanho. Não sendo pois incompatível, a forma actual de Governo das ordens regulares com a sujeição aos Ordinários, não convém alterala, porque não he possível que os Ordinários entrem exactamente no conhecimento da relaxação e faltas, que forem apparecendo e desenvolvendo-se na disciplina, e saibão, e possuo fazer uso dos meios mais proprios e accommodados para as atalhar. As ordens, como já está dito, até ao seculo X se não formárão em congregações, e cada convento era sujeito ao seu abbade, ou prelado: qual foi o resultado? Relaxação de disciplina. Os illustres Preopinantes chamão saudosos a esses tempos, mas a historia desmente a asserção, e os escritores de direito canónico assim o reconhecem, Rieger he um delles. Caval, acerrimo contra as isempções não só reconhece, que se perdeu a disciplina, mas mui claramente diz, que as ordens regulares soffrião as maiores oppressões da parte dos Ordinários, e que não havia pretexto de que não se servissem para indavir os bens dos regulares. Neste estado de cousas o meio que se julgou mais próprio para a restauração da disciplina, foi o das congregações com prelados maiores, adoptando-se uma forma de governo mixto de monarquia, e aristocracia, ou das tres formas, segundo as differentes constituições das ordens. Assim o entendêrão os padres do concilio Lateranense IV, Tridentino, e muitos pontifices, como diz Rieger, e não ha duvida que examinada a forma do governo actual das ordens, se acha muito próprio para reparar a relaxação, e falta de disciplina, para acautelar os abusos que os prelados locaes podem fazer da autoridade, e para guardar os bens das ordens da invasão de uma autoridade estranha. Até as ordens contesta forma de governo são mais uteis á igreja, e o estado póde dellas tirar mais utilidade, do que da independencia de cada convento sobre si, pela facilidade de empregar os indivíduos onde podem ser de mais prestimo, e para que hajão habilitados com estudos e as mais circunstancias e requisitos para es pôr no lugar dos que vão faltando.
O exito justificou completamente o acerto da medida, a disciplina restaurá-se, as ordens florecem em virtudes, cultivão as letras com mais feliz successo; abrem escolas em beneficio da instrucção publica, melhorão e adiantão a agricultura, e por assim dizer apparece uma nova ordem de cousas, não devendo esquecer os grandes serviços que as ordens de Portugal fizerão na Asia e Africa. Sem embargo de tudo isto pertende-se agora repor as ordens no mesmo estado desses tempos, que chamão saudosos, e eu de calamidade. Não sei o motivo a não ser para que aconteça o mesmo que então se viu. Muitas outras conveniências e utilidade poderia apontar, mas para que me hei de cançar nisso? Se o plano do voto separado feito debaixo das vistas das ordens serem uteis á igreja, e o estado tirar maior utilidade já não pode ter lugar na sua generalidade, por estar prejudicado com os artigos deste projecto que estão vencidos. E por tanto basta recorrer a um principio decisivo: a forma do governo dos regulares pertence á disciplina ecclesiastica, e he regulado nos concilios Eucumenicos, não póde portanto a autoridade civil alterar esta forma de Governo. Segundo os principios de direito publico e poder civil pode não admittir esta ou áquella sociedade ecclesiastica, mas admittida , não he da sua competencia regular-lhe a forma de governo: isto são principios sabidos de todos. Um illustre Preopinante disse, que a forma de governo das ordens regulares com prelados maiores as constituis, estado em estado: se assim fosse o poder civil devia não admittilas, mas nunca seria da sua competência regular-lhe a forma de governo; mas não ha tal, atado no es-

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tado; uma sociedade cuja fórma de Governo, se restringe ao interior da mesma, á economia e administração de seus bens, e que nem perturba nem embaraça a marcha da sociedade, em que arrogue algum cios direitos da soberania, nunca foi reputada estafo. Se este principio fosse verdadeiro, no sentido que o applicou e illustre Preopinante, então o poder civil podia tambem regular a forma de governo da igreja, o que he o maior absurdo. Mas o que mais me admira, e não sei explicar he, que sendo os regulares os primeiros que tiverão ideas de governo representativo, desconhecendo mesmo as nações antigas, que tiverão governos livres as fórmas representativas, que temos adoptado, que os governos que se modelarão por essas formulas se declarem contra esses que imitarão. Se os governos absolutos tivessem ciumes da forma de governo das ordens regulares, bem se explicava, que os governos representativos, modelados por ellas a não queirão conservar, não sei explicar. Até o nome de Constituição vem das ordens regulares, depois que se unirão em congregação.
Esqueceu-me no seu lugar responder a uma reflexão que ouvi, que os prelados maiores fazião grandes despezas, e que estas se podião evitar em beneficio do thesouro publico. - Duvido que com a collecta e diminuição que tem tido as rendas possão fazer essa despeza, todavia se afazem, facilmente a remedeião. Por esta occasião não posso dispensar-me de observar, que até para a fazenda era util a conservação das congregações, não só pela facilidade da cobrança e fiscalização das collectas, mas porque a collecta se lançava a toda a massa, o que se fez com muito acerto, porque distribuido por cada convento, muito poucos são os que podem collectar-se. Quem o duvidar, consulte os mappas. Muitas vezes tenho dito que o thesouro aproveita mais nas collectas, do que na administração ou venda dos bem dos regulares. Este projecto que mais se póde dizer fiscal, do que da reforma das ordens regulares, me ha de justificar, e para o tempo apello. Voto por tanto contra a extincção dos prelados maiores, e difinitorios, e substituo o artigo 15.º do voto em separado.
O Sr. Caldeira: - Não posso deixar de me admirar dos princípios que acaba de emittir o illustre Preopinante. Diz que o poder civil tem direito de admittir ou não admittir as ordens, mas nunca de se descrever a forma do governo: isto he contradictorio. As razões que a Commissão teve para adoptar este artigo já forão expostas pelo illustre redactor. Um illustre Preopinante que tanto deseja saber para que sirva d espirito deste artigo, devo informalo como membro da Commissão, e dizer-lhe que tenho recebido mais de 200 cartas de diversos religiosos, mostrando que o seu bem estar depende da approvação do presente artigo. Se os forem consultar haverá seis ou sete religiosos que digão, se não deve approvar este artigo, e o resto dirão que sim. Assim o dizem os documentos que tenho em meu poder, e que apesar de serem anónimos, vê-se com tudo serem de pessoas fidedignas. Acho a maior anomalia no que propõe um respeitável prelado membro desta assemblea, isto he ficarem os religiosos sujeitos a um prelado superior, e ao mesmo tempo aos bispos dai respectivas dioceses: isto seria o mesmo que um corpo com duas cabeças; o que certamente não se póde defender por principio algum civil, religioso, ou canónico. Estou persuadido, que os nossos bispos não conservarão os abusos e immoral idades de que falou um illustre Preopinante, respeito muito os nossos prelados, e estou certo que muito hão de forcejar para que se conserve a disciplina regular. O mesmo que succede em um só convento póde ter lugar estando aggregados. Estes prelados geraes quanto a mim de nada servem: suo arvores velhas que já derão fructo. Dizer-se, que o Congresso quer extinguir as ordens e costumes da religião, não he verdade; isto he uma calumnia. O fim das ordens religiosas obtem-se sem existirem estes prelados geraes. Quanto a dizer-se, que os frades são os inventores da Constituição; respondo que o governo constitucional data do povo de Israel: havia já nesse tempo frades?
O Sr. Vaz Velho: - Sr. Presidente, peço a palavra. Agora não poiso deixar de dizer alguma cousa sobre o negocio do que se trata, pois vejo que se pretende introduzir uma terceira especie, ou uma monstruosidade nunca vista, e de que não póde haver bons resultados. Nós temos visto nas historias, que nos primeiros tempos do christianismo, e pelo espaço de sete seculos cativerão os monges sujeitos aos Ordinarios, e em prelados particulares, em mosteiros separados, sem a ligação de jurisdicção de prelados maiores. Separarão-se com effeito da jurisdicção dos Bispos, instituírão uma nova forma de governo, sobre a reunião dos mosteiros, e debaixo da jurisdicção de um prelado maior, e assim se tem conservado ha mais de oito seculos. Em uma e outra época se distinguírão em letras, e em em virtudes; e nas mesmas tambem se encontrão grandes, e notaveis abusos. Sabemos logo o bem e o mal que tem acontecido naquelles differentes tempos. Nestas circunstancias, querendo o soberano Congresso que se fizesse uma refórma accommodada ao tempo, e estado presente das cousas, em que se pretende utilisar os regulares, e que sejão empregados nos ministerios ecclesiasticos pelos Bispos das differentes dioceses; que partido deveria tomar a Commissão, senão aquelle de sujeitar os conventos aos seus respectivos Bispos; e por consequencia desligalos dos prelados maiores? Esta resolução he mais conforme ás vistas do soberano Congresso, mais util ao publico, e á igreja, e ainda mais conforme ao espirito religioso dou primeiros seculos dos christãos. As vistas do soberano Congresso, pelas razões que acabo de referir. Mais útil ao publico, e á igreja, porque os Bispos ficão mais aptos, e em circunstancias mais adquadas, para empregarem os religiosos com fructo nos beneficios ecclesiasticos. Ao espirito religioso dos primeiros christãos, porque os primeiros instituidores, e propagadores das corporações regulares. Santo Antonio, S. Bazilio, e Santo Athanazio, não escolherão a presente disciplina relativamente a prelados maiores, e á separação da jurisdicção dos Bispos, mas sim a de estarem sujeitos aos Ordinarios em convantos separados. Como seja uma verdade muito sabida, que a pureza dos costumes, e espirito religioso dos christão, está na razão da maior proximidade dos tempos

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apostolicos, segue-se que a Commissão adoptou o partido mais seguro, e mais são, seguindo o costume dos primeiros seculos, do que se elegesse o que sómente começou em geral do decimo seculo por diante: principalmente quando saiu-mos, que a mudança daquella disciplina não foi feita com espirito de reforma, mas sim de se livrarem da ambição dos bispos, o que Mies causava grandes vexações, inconveniente este, que hoje fé não póde dar, pois nunca poderão estar á disposição dos Ordinarios os bens dos regulares. Dizem os illustres Preopinantes do parecer contrario, que se póde combinar tudo, unindo as duas disciplinas, a saber: o ficarem os regulares, como ate agora, sujeitos aos prelados maiores, e além disso ficarem sujeitos aos Bispos. Eis-qui, Sr. Presidente, ao que eu chamo monstruosidade; por me parecer que este corpo vinha ter ta horas de mais, e desnecessárias. Disse que não via nesta opinião bons resultados, pois não concebo como se possa evitar um aluvião de intrigas, e vexações, que do conflicto de jurisdicções possão, e devão nascer. Neste caso ficavão os regulares peor do que estavam d'antes, por isso que a mesma economia das differentes moradas ou conventos para morarem, em que elles achão refrigerio, seria regulada, e muitas vezes contrariada pelos Bispos. Em fim, Sr. Presidente, ou os regulares devem ficar como até agora estavão, ou senão ficarem como estavão, então devem separar-se os conventos: este he o meu voto.
O Sr. Ferreira Borges: - Sr. Presidente, o illustre Preopinante que acaba de falar, dispensou-me de falar muito tempo sobre esta materia, porque me previniu em muitas das cousas que eu tinha a dizer. Eu não posso com tudo deixar de dizer a V. Exca. que as razões que se apresem ao contra a doutrina deste artigo, são para mim muito estranhas; e he por isso que desejava emittir a minha opinião a este respeito um pouco mais amplamente. Diz o artigo, que se extinguão os prelados maiores, e não se admmittão outros senão os eleitos annualmente pelas respectivas communidades. Quando eu vi este artigo, julguei se restaurava a doutrina dos primeiros seculos da igreja; julguei os Ordinarios pontifices nas suas respectivas dioceses, e julguei finalmente, que cada reunião de regulares devia pela sua mesma naturesa não ter outro chefe, que não fosse o seu prelado natural. Julgava pois, que a esta doutrina não havia que dizer; porém vejo-a atacada até por um prelado deste Reino, que he tambem um successor dos Apostolos! Vejamos porém o que seja um prelado geral com o seu definitorio. Não he outra cousa mais do que um prelado superior com a differença de não estar sujeito a alguem. Ora não he isto uma excepção que sequer dar a este empregado? Certamente. Eu sei bem o que o Concilio de Trento diz a este respeito, e lambem sei a razão por que elle o fez. Acho mais que aqui se tem confundido a religião com os religiosos, o que muito importa separar. A fundação destas corporações foi santa, mas quando entrárão a metter-se com as cousas do seculo, cresceu a sua força, e ella tem sido prejudicial ao Estado, sirvão de exemplo os Jesuitas; he por esse mesmo principio que muita convem diminuila; por isso que por um principio inverso as corporações conveio concentrar-se, e constituirem-se um todo sem sujeição a alguma; convem que se lhe tirem certas regalias: não falo nas da sua religião, que he tambem a minha, e que eu respeito: quero que estas corporações não tenhão grande força: quero que voltem ao seu estado primittivo, ao estado em que começarão a haver frades. Se a alguem já conveio unilos, convem-nos agora separalos. Isto Dada tem com o juramento religioso. Embora tornem para o seu estudo primeiro, para não apparecer mais esta monstruosidade, já dita, de haver tua estado dentro de outro estado. Diz-se que nós não temos autoridade para legislar a este respeito; mas eu julguei sempre que quem podia o mais, podia o menos; julguei que a Nação podia abolir, e que por tanto muito mais podia reformar. Não devemos confundir o modo de obrar, com o modo de constituir; quem póde o mais, póde o menos. Nós não tocamos em cousa alguma, que pela igreja esteja sanccionada como dogma: os mesmos estatutos que elles tem lhes ficão. Não acho razão alguma para que os conventos não elejão os seus respectivos prelados, e formem todos uma massa com o bispo. Voto pelo artigo, e muito mais teria que dizer em abono da minha opinião; mas já não posso falar mais por doente.
O Sr. Abbade de Medrões: - Segundo o que se tem dito, nada tenho a dizer. A duvida que poderia haver era sobre as eleições: nós não podemos abolilas por nosso motu proprio, uma vez que se peça bulla para extinguir estes capitulos, não temos dificuldade alguma. O artigo tanto he util, que por elle vamos augmentar o numero dos constitucionaes. O que mais querem os regulares he que se extinguão os capitulos geraes; podemos estar certos que a excepção de seis ou oito religiosos (que são os mandões) o resto todos vem isto com muito boa vontade.
O Sr. Peixoto: - Por não reproduzir idéas mui debatidas, limitar-me-hei a um ponto de vista em que elle objecto ainda não foi tomado. Quero consideralo pela porte literaria, e nesse sentido julgo intempestiva a desmembração das ordens regulares. Nidguem ignora a penuria em que nos achamos de estabelecimentos literarios, e de escolas scientificas, que nos claustros se conservão cursos de estudos filosoficos, e ecclesiasticos, os quaes não podem permanecer, logo que as ordens se desmembrem. Agora mesmo se formos examinar o estado das congregações, acharemos nellas collegios formados de toda a mocidade década uma dellas, com mestres igualmente tirados da totalidade dos seus membros, acharemos os collegios collocados em casas proprias para o seu bom arranjamento economico, e para o systema dos estudos com bibliothecas, e outros meios favoraveis a taes estabelecimentos. Desmembradas as casas não podem continuar os collegios por falta de numero sufficiente de discipulos, e por falta de mestres. Nós sabemos o quanto as letras devem aos regulares, não só pelo que respeita ao tempo antigo, mas até actualmente em que vemos que quasi todo o clero instruído existe nos claustros, os delles tem saído: vemos na Universidade lentes mui distinctos, tanto em sciencias positivas, como nas naturaes da classe dos re-

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gulares; vemos nas academias alunos: no episcopado prelados egrégios, e aqui mesmo neste augusto Recinto estão sentados muitos illustres Deputados, que entre os regulares tiverão a sua primeira escol a scientifica: e alguns delles, talvez não aproveitassem seus talentos, se lhes faltasse a commodidade que no claustro encontrarão. Devem ter-se também em consideração os collegios, que as differentes ordens conservão em Coimbra, os quaes adoptado o projecto deverão acabar. Em consequência de tudo, digo, que pela inclinação que professo ás sciencias, não posso approvar a doutrina do artigo.
Julgada a matéria suficientemente discutida, o Sr. Presidente poz a totós o artigo, e foi approvado.
Approvárão-se sem discussão os artigos 41, e 42.
Lido o artigo 43, disse o Sr. Presidente que contra elle havia uma indicação.
O Sr. Luiz Montara requereu, que a providencia delle se entendesse ás ilhas.
O Sr. Presidente respondeu, que no Reino de Portugal se entendião comprehendidas as ilhas adjacentes.
O Sr. Mesquita Pimentel: - Julgo que se não deve fazer por ora similhante declaração, em quanto se não conseguirem exactas e miudas informações sobre um tal particular; porque não sendo da intenção desta augusta assembléa o legislar por uma tal maneira, senão a respeito daquellas corporações, cujas rendas pertencerão de algum modo á fazenda nacional, fica impossível que muitos artigos desta lei possão ter applicação alguma naquellas ilhas; porque he preciso que se saiba, Senhores, que nem um só dos differentes conventos patrimoniados que ali existem, possue cousa alguma de bens que directa ou indirectamente se possa dizer pertencerem á fazenda nacional. Diferentes legados pios deixados pela devoção dos fieis, e convenientes applicações, com licença regia, dos dotes com que ali são obrigadas a entrar as diferentes pessoas, que a isso se tem resolvido, eis aqui a únicas rendas, que possuem as casas regulares naquellas ilhas; o que bem mostra qual a natureza legitima da sua possessão, e quanto se iria atacar o sagrado direito de propriedade, em querer dispor por uma tal maneira dos teus bens, de que são tão legítimos senhores como qualquer de nós dos que nos pertencem. Insisto pois em que tal declaração se não faça, ou quando alguma cousa se declare, seja pelo contrario, de que aquellas ilhas não ficão comprehendidas em tal decreto.
Foi approvado o artigo com a declaração, que por causa de clareza se lhe accrescente depois da palavra Algarve o seguinte - e ilhas adjacentes.
O Sr. Presidente participou se achavão presentes á porta da sala Isidoro Francisco Guimarães, nomeado commandante da corveta Princesa Real, que faz parte da expedição destinada á America, que com os officiaes da guarnição do navio, de que he comandante, vinha despedir-se, e protestar perante o mesmo soberano Congresso os sues puros votos de adhesão á causa constitucional, e da união do Brazil á mãi patria, e de cumprir os seus deveres, de que se mandou fazer menção honrosa, e proceder no mais na fórma do costume.
Igualmente participou achar-se tambem á porta da sala Leandro Gomes dos Reis, major graduado do 3.º batalhão de caçadores de Pernambuco, proximamente regressado, que vinha apresentar-se ao soberano Congresso, e protestar a amis firme adhesão ao systema constitucional, que foi ouvido com agregado, e se mandou proceder no mais segundo o costume.
Lêrão-se varias indicações relativas ao projevto acabando de discutir: uma offerecida pelo Sr. Borges de Barros, em que propunha, que as fereiras, cujos dotes revertem por sua morte para as sua familias, possão ainda saindo do convento exigirem os mesmos dotes: não se tomou em consideração, por se julgar prejudicada nas decisões formadas.
Outra do Sr. Almeida Pimenta sobre o preferirem os regulares, que se quizerera secularizar, imo só nos benefícios do pedroado de seus mosteiros, mas naqueles que denunciarem, que igualmente não se tomou em consideração, por se julgar prejudicada.
Outra do Sr. Manoel António de Carvalho, em que propunha, que os religiosos mendicantes, que vivem de ordinárias, se lhe deve mandar pagar para sua subsistencia, sobre o qual se decidiu não ter agora lugar o tomar-se em consideração, mas que fossa remettida á Commissão de fazenda.
Outra do Sr. Sarmento, em que propunha, que o mosteiro da Encarnação se destine para recolhimento de filhas de militares, que ficão sem amparo, não sendo obrigadas a profissão alguma religiosa, e dando-se-lhes estatutos competentes: mandou-se remetter á Commissão ecclesiastica de reforma, para a tomar em consideração em um projecto em separado.
Outra do Sr. Barata, em que propunha, que no Reino do Brazil ficassem extinctos todos os conventos regulares de ambos os sexos: foi mandada remetter á Commissão ecclesiastica de reforma, para a tomar em consideração, se a julgar digna della.
Outra do Sr. Castello Branco em forma de projecto, relativo ás ordens militares, que foi mandado remetter á Commiisão ecclesisttica de reforma.
Outra do Sr. Correa de Seabra, em que propunha, ficasse salva a discussão dos artigos 10, 12, e 17 do seu projecto de reforma offerecido em separado, bem como todos os pontos, que não fossem contrários ao já decidido: e sendo approvada para se adtmttirem á discussão os ditos artigos indicados 10, 12, e 17, e entrou logo em discussão o artigo 10, (vide Tom. V. pag. 129).
O Sr. Correa de Seabra: - A relação que estes conventos tem com a nossa historia deve determinar o Congresso a conservalos, porque são outros tantos monumentos históricos das acções da maior gloria dos Portuguezes.
O Sr. Rebello: - A doutrina da indicação do nobre Deputado está verdadeiramente comprehendida na regra geral estabelecida no artigo 7.º (leu). Entre as considerações que o governo deve ter em vista na designação dos mosteiros, e conventos que se de-

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vem conservar tem um distincto lugar aquelles, que ao recommendaveis pelas tradições historicas, politicas, e religiosas de suas fundações, e monumentos que encerrão relativos á historia politica, e religiosa da Nação; mas tudo isto he encarregado ao Governo pelas regras geraes, que se lhe prescrevem no citado artigo. Na lei devem ir sómente as regras, a sua execução pertence ao Governo. Por tanto a indicação do nobre Deputado nem he necessária, nem he propria para entrar na lei, porque imporia execução da mesma lei, que he competencia do Governo, e os fundamentos que legitimavão a generalidade do artigo 6.° são os mesmos que tornão inadmissivel a indicação do illustre Deputado.
O Sr. Caldeira: - Deve quanto a mim ter esta indicação a mesma sorte, que a do Sr. Deputado Sarmento, ate porque são analogas. Estou certo que o Governo para conservar os diversos mosteiros ha de attender, não só á sua capacidade para commodo dos religiosos, etc. mas tambem terá em conta o que diz a indicação.
O Sr. Peixoto: - Não he occiosa a declaração, proposta pelo honrado membro o Sr. Correa de Seabra; porque ha conventos que por ella devem permanecer, os quaes não estão precisamente na definição do projecto; e que por isso o Governo de acordo com os prelados das ordens poderá abolir. Tal he o da Batalha. O convento da Batalha foi incendiada pelos franceses, e os padres de S. Domingos não o estimão para morada: entre tanto penso, que não haverá um sé membro do soberano Congresso, que deseje velo despovoado, em quanto houver um unico religioso dominico, que possa habitalo; porque acontecendo, que a ordem se extinguisse inteiramente, qualquer teria devoto, que te arbitrasse outro meio de conservar aquelle edificio, fosse qual fosse a despeza que custasse, não só como monumento historico, mas até em prova do adiantamento em que as artes estavão neste Reino nos fins do século 14.º, e principio do 15.º
O Sr. Sarmento: - Eu não pretendo impugnar o principio, de que o Governo não deixará de conservar habitados aquelles mosteiros principaes das ordens, e mais conhecidos pela magnificência da sua arquitetura; porém ha uma circunstancia muito particular, e que exige muito a attenção deste augusto Congresso, e vem a ser o praticularizar o celebre convento da Batalha, a obra prima de arquitetura, vulgarmente chamada gótica, de todas as que presentemente existe não só em Portugal, mas em toda a Península. Não sei porque motivo, porém he um facto que os conventos de Pedrogão, e da Batalha, tão reputados pelos dominicos, como as suas Angolas, e Benguelas, para onde o governo daquella ordem destina os padres, que transgredirão de algum modo, ou a regra daquella ordem, ou incorrerão no desagrado dos seus superiores. He muito provavel que os padres, a quem a melhor vida seguramente terá mais influencia, do que o sobre enthusiasmo pela conservação da estupenda obra do convento da Batalha, consultem mais a sua commodidade, e procurem por todos os meios possiveis conseguir o evadirem-se de habitar aquelle convento; e como circunstancias muito particulares, como já observou o illustre Deputado o Sr. Peixoto de ser aquelle convento de mui poucas accommodações, bem como o não ser cabeça da ordem, como lembrou o Sr. Bispo de Béja; he muito de recear, que fique em desemparo, e entregue á sua total ruina, um edificio nobre e interessante pelo motivo da sua fundação, que excita as mais bellas recordações em todo o Portuguez, como pela extraordinária magnificencia da sua arquitetura. Não faço a mais pequena injuria aos padres daquella ordem, quando receio que elles anteponhão as suas commodidades a toda outra consideração, relativamente ao convento da Batalha, porque apello para factos que se não desmentirão facilmente, e lambem não faço injuria desconfiando da pouca attenção, que os objectos das bellas artes tem sempre merecido aos governos de Portugal, quando no meio de Lisboa se consentiu que os padres que rezão na igreja da Conceição velha, mutilarem a belleza do frontespicio de uru tão interessante templo, mandando rasgar as janellas, destruindo um monumento antigo, que zombou do tempo, e só não pôde resistir aos caprixos dos homens. lembrando ao Governo que dê todas as providencias para a conservação do convento da Batalha, não se intromette o Congresso no poder executivo, segue o adagio regular, porém verdadeiro, de que dois olhos vêm mais do que um, e não queiramos em tempo algum, que havendo ainda escapado alguma cousa daquelle soberbo edifício ás destruições que lhe fizer ao os francezes, se diga de nós o que os Italianos nos seus pasquins escreverão de certo papa, indifferente á conservação dós monumentos de Roma, que por culpa delle se extinguírão, tendo zombado da barbaridade dos vândalos: quod non fecerunt barbari, fecerunt barbarini.
O Sr. Serpa Machado: - Dar uma regra tão inexacta, he o mesmo que não dar nenhuma. O Governo uma vez que o decreto que está sanccionado, o não inhibe da conservação destas casas, não he de esperar que logo as vá supprimir sendo de tal importancia. A minha opinião he que isto se não admitia, não porque a regra seja inutil, mas porque me parece muito vaga.
O Sr. Barreto Feio: - Eu não me opponho a que entre os mosteiros, que ficão subsistindo, sejão contados alguns desses, que constão da indicação; opponho-me sim a que sejão conservados unicamente por motivos historicos: antes, se nós attendessemos a motivos historicos, mais deveriamos extinguilos, que conservalos; porque as proezas dos nossos maiores não dependem, para serem lembradas, da existencia desses mosteiros. A historia, e a tradição falão mais alto, que os conventos dos frades, que são um monumento, não de gloria, mas de superstição e injustiça; porque todos sabem que sempre que se vencia uma batalha, os nossos Reis em vez de premiarem os homens de guerra, premiavão os frades, erigindo, e dotando mosteiros.
O Sr. Presidente poz a votos o artigo, e foi rejeitado.
Passou-se ao artigo 12.º
O Sr. Rebello: - A primeira parte deste artigo:

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deve ser remettida á Commissão de instrucção publica: quanto á segunda, deve ser reservada para quando se tratar de um projecto geral a este respeito, porque ha muitas mais causas a que attender, as quaes nem são tratadas no artigo, nem se podem omittir.
O Sr. Corréa de Seabra:- Retiro a primeira parte porque não he compativel a sua execução, mas para a ultima, peço a attenção do Congresso. Temos selvagens em Africa e America, he uma vergonha não se tratar da sua civilização. A materia offerece vasto campo para discorrer, mas o estado da minha saude não o permitte, e por isso faço uma breve reflexão. A historia antiga e moderna, não deixa lugar a duvidar, de que a civilização de selvagens he exclusivamente reservada aos ministros da religião, e que as providencias politicas são de todo inuteis para isso, devendo unicamente o poder civil auxiliar os missionarios. Tratemos seriamente deste negocio, demos a providencia que a historia ensina ser a mais propria, e reparemos assim a censura que justamente se nos faz, do desprezo e nenhuma conta que temos tido na civilização dos Indios e Gentios.
O Sr. Presidente propoz: se o Congresso permittia que o seu autor retirasse o artigo 12 até ás palavras - e a utilidade publica - e se decidiu, que sim.
Propoz então o resto do artigo, e decidiu-se, não dever tratar-se neste projecto.
Entrou em discussão o artigo 17.
O Sr. Correia de Seabra: - He indispensavel a conservação destes collegios, não porque os regulares empregados na universidade e habilitados para isso não podem subsistir fóra, mas para que os frades, que se conservarem nos conventos possão lá fazer os seus estudos.
O Sr. Caldeira: - Não acho incompatibilidade nenhuma, que em Coimbra se conservem conventos ou collegios das respectivas ordens, porque de qualquer das fórmas fica servindo para os mesmos frades: accrescendo no ultimo caso estarem habilitados para estudarem.
O Sr. Macedo: - Esta matéria he certamente digna de ser tomada em consideração pelo soberano Congresso: porém não devemos agora tomar uma deliberação precipitada; e por tanto proponho, que se encarregue a Commissão de dar sobre ella o seu parecer. Por esta occasião seja-me licito lembrar, que não he justo, que por mais tempo continuem os regulares a serem inhibidos de frequentar as aulas de sciencias naturaes da universidade, antes pelo contrario será muito conveniente que elles se dediquem a estes estudos, sem desprezar os da sua profissão: por tanto proponho que a Commissão tome este objecto na consideração que elle merece, a fim de se ordenar o que for acertado.
Outros Srs. Deputados apresentarão varias indicações para substituir o artigo, sendo uma do Sr. Borges Carneiro, em que propunha que os conventos patrimoniados prestassem uma pensão aos egressos, e que os egressos dos conventos não patrimoniados tivessem preferencia nos beneficios, coadjutorias, e capellanias.
O Sr. Gyrão disse: - Se aqui estivesse o illustre autor da indicação, sustentala--ia muito melhor do que eu o posso fazer, no entanto darei sempre a minha opinião a favor della. Eu sei que ha muitos frades, que desejarião sair para fóra dos conventos, mas não tem para isso o patrimonio necessario, nem poderão talvez obter um beneficio em toda a sua vida. He preciso pois que lhes tiremos este embaraço, porque saindo para fóra vem ser uteis cidadãos, e podem-nos servir de muito: despindo o habito, vem a ser muito uteis á sociedade. Desejava eu pois, que se concedesse aos frades o mesmo que ás freiras se concedeu, que se pozesse a secularização para elles nos mesmos termos que se poz para as freiras: devemos ser coherentes, e as mesmas razões que houve para benificiar o sexo feminino, militão para o masculino. Seja-me licito dizer aqui o que se dá a um padre benidictino quando sáe, quando adoece, etc. (leu.) Ora ás vezes tem todas estas pensões no mesmo anno, e eis-aqui como estando dentro na corporação, esta lhe póde dar esta somma, e assim bem lha póde dar cá fora, e já chega para o seu patrimonio. He verdade que isto se não verifica em todas as ordens; no entretanto assento, que se não deve fexar a porta áquelles religiosos, que não tendo meio, quizerem sair: e isto he o que peço ao soberano Congresso tome em consideração, e faça o mesmo que a este respeito já fez ás religiosas.
O Sr. Abbade de Medrões: - Eu apoio o que diz o illustre Preopinante: se nós não concedermos alguma cousa aos padres que não tiverem patrimonio, então poucos saírão para fóra. A mesma medida que se deu a respeito das freiras, peço eu que se tome a respeito dos frades. O nosso principal objecto nesta refórma he favorecer todos os religiosos que quizerem vir para o seculo. Pois então pertence a um convento rico, e quando sáe para fóra ha de morrer de fome?
O Sr. Ferrão: - Eu não tenho duvida de ceder ao illustre autor da indicação esta lembrança, para vêr se he mui feliz em ser attendida, do que foi a minha, quando logo no principio das Cortes propuz esta mesma materia no meu additamento ao projecto n.º 16 do mesmo illustre autor; em que propuz, que as ordens monacaes, e as que possuem rendas sejão obrigadas a dar património aos egressos, em quanto não tiverem patrimonio. - Deste modo sairão muitos frades para o seculo, porque estando contra sua vontade no claustro, são obrigados a soffrer todas as violencias que ali se fazem, por não terem património para saír, e sem o qual não podem nunca deafradar-se: voto por tanto a favor da indicação, porque estas forão sempre as minhas idéas. Sem se dar patrimonio, muitos religiosos serão obrigados a morrer frades contra a sua vontade.
O Sr. Rebello: - Alguns illustres Deputados acabão de falar a favor da indicação do Sr. Borges Carneiro, que deseja, que os conventos patrimoniados subministrem prestações aos frades, que se houverem de secularizar para sua subsistencia no seculo, em quanto não tiverem beneficio, ou outro ministerio de que vivão. Esta indicação está essencialmente prejudicada pela materia do artigo 1.° do projecto, que

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passou sem restricção, nem reserva; e por toda a contextura do projecto já sanccionado, o qual se alteraria todo, se esta indicação fosse approvada, o que supponho, que não acontecerá. Eu esperava que os nobres Deputados, que tomão a defeza desta indicação principiassem refutando os argumentos, e razões fortissimas, pelas quaes a Commissão se declarou no preambulo do projecto contra estas secularizações indeterminadas; que feito isto mostrassem a justiça da indicação, e concluissem provando a sua conveniencia, e os meios praticos de a verificar; mas nada disto fazem; reduzem-se os seus discursos a enunciados avulsos sem consistencia, e sem applicação. Eu offereço á contemplação do soberano Congresso tudo o que a este respeito se acha ponderado no preambulo do projecto, e espero, que nenhum illustre membro se levante a favor da indicação, sem principiar pela tarefa de refutar os fundamentos ali propostos, e quaesquer outros, que agora me lembrem para combater esta indicação. Senhores, os frades que se secularizão não tem direito ás prestações dos conventos, e corporações de que sáem. Pela razão porque perdem os direitos de familia pela profissão religiosa, perdem os direitos aos rendimentos, e vantagens, que tinhão como religiosos pela secularizações, pelas quaes deixa de lhes pertencer. Estes dois actos produzem iguaes effeitos, cada um no seu objecto; e he isto tanto assim, que o religioso egresso, que pertende voltar para a corporação de que saíu, depende de nova acceitação, que lhe podem conceder, ou negar; de outro noviciado, em que póde ser ou não approvado; e de nova profissão, que póde ou não fazer. He verdade que o soberano Congresso concedeu ás freiras as prestações, que a indicação propõe para os frades; entre tanto a paridade não corre perfeitamente, porque as freiras de ordinario levão para os conventos dotes, que se convertem em fundos permanentes para sua sustentação, e dos mesmos conventos, e seria bárbaro despojar as freiras secularizadas ao menos de uma porção dos rendimentos dos dotes, que ficão nos conventos; assim como seria imprudente retirar de um golpe os dotes dos conventos, porque significaria o mesmo, que destruir os conventos, e desmanchar os meios de subsistencia das communidades das freiras. Acresce a isto, que a desgraçada situação, em que se acha uma freira violentada na clausura, e abafada dentro de quatro paredes sem meios de se secularizar, e sem destino facil, em que se occupe, e de que possa viver no seculo, inspirava uma compaixão, e beneficencia singular, que não milita para os frades, mais livres nas suas acções, menos incommodados nos conventos, e com diversos meios de se secularizarem utilmente, prevalescendo-se dos seus talentos, e prestimo para obterem beneficios, ou ministerio, em que se occupem no seculo, e de que vivão. He neste sentido, e com este fim, que a Commissão combinou o plano de secularizações dos religiosos por fórma tal, que será difficil, que um religioso de prestimo, e que não tenha vontade de viver no claustro deixe de ter em pouco tempo beneficio, ou emprego decente, e porveitoso em que sirva utilmente a religião, e o Estado, e se sustente pelo seu seviço, e trabalho. Não deixemos de reflectir, que se o politico, o filosofo, e o canonista achar grande difficuldade para desculpar a sustentação das corporações regulares tiradas dos bens da Nação, ou da caridade dos povos, em lugar de sair do trabalho manual dos religiosos como he da sua primitiva instituição; que difficuldade, ou para melhor dizer, que absurdo horrivel não seria consignar os bens das corporações religiosas para sustentar homens que perdêrão a qualidade, que lhes dava o direito a esses bens, que não desempenhão as obrigações que lhes são inherentes, e que se lanção no mundo sem fim, sem destino, e sem occupação? Pelo lado politico, e economico esta desamparada medida seria fatalissima: deixaria de um golpe vasios os conventos, e vagos todos os seus bens de raiz. Seria preciso que o Estado administrasse cada convento, e os bens que lhe pertencessem, e até prover á decrepitude de poucos religiosos, que ficassem esmorecidos nos cantos dos conventos, dependentes de quem os servisse, acompanhasse, e soccorresse no resto da sua vida. E então, que males, que prejuizos, e que difficuldades? Como se conservarião tantos, e tão preciosos edificios? Como se administrarião tantos, e tão diversos rendimentos de quatrocentos e tantos conventos, alguns dos quaes occupão grande numero de individuos na sua administração? Qual seria o valor de tantos edificios vagos, e de tanta propriedade rustica vaga de um golpe? Aonde iria parar a agricultura, o arrimo de povos inteiros, que vivem dos trabalhos, e socorros dos conventos? Lembremo-nos, que pela extincção dos Jesuitas vagou tão grande massa de propriedade rustica, e urbana, que a Nação não a pode metter em gyro, porque vagou de uma vez; foi preciso dar uma, e vender outra ao desbarato; e assim mesmo a agricultura do Reino ressentiu-se desta operação. Aconteceu isto com os bens de uma só corporação, he verdade, que poderosissima, mas que não tem proporção com os bens de todas as corporações regulares a vagarem juntas, e de um golpe.
Na estreiteza dos meus talentos não sei mesmo como se poderia prover á administração, e venda destes edificios, e bens de raiz; e quando mesmo isso fosse facil, eu acharia indigno de um governo dispensar os frades das suas obrigações religiosas, admittilos no mundo sem occupação e destino, eximilos até do incommodo de administrarem os bens, de que subsistem, e converter-se em seu mordomo para lhe entregar alimentos de que nutrão a sua perfeita ociosidade. Quanto a mim nem sei combinar um systema de administração dos conventos, e bens das ordens capaz de prevenir e acautelar os inconvenientes, que deixo referidos; nem mesmo que soubera (permitta-me o soberano Congresso esta expressão de ingenuidade) empregaria o meu trabalho em objecto tão impolitico, e tão injusto. Se a indicação por uma fatalidade, que não espero, fosse approvada, desde já declaro, que o seu autor, e patronos, são os que devem apresentar os planos necessarios para o verificar, porque eu não posso ser obrigado a trabalhar contra o que entendo conveniente á religião, e ao estado, e que tenho pela minha parte procurado levar aos seus fins pelos caminhos proprios, e suaves. Esta indicação des-

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mancha ainda as vistas politicas da refórma a outros respeitos, privando a nação dos recursos presentes, e futuros, que devia tirar successivamente da gradual reducção dos convenios, e bens das ordens; nada disto se consegue, porque o producto e rendimento de todas as corporações, uma vez admittida a indicação, he absorvido por inteiro nas consignações dos egressos, pois que ellas serião calculadas na presença dos bens de cada corporação; sendo ainda para notar, que por grandes, que parecessem, serião sempre insufficientes para um secular. A mim chega a pungir-me, e a magoar-me esta indicação, porque estive com a Commissão calculando a reducção dos conventos, e a secularização dos frades por tal fórma, que fossem seguindo um movimento progressivo, de que resultasse ir vagando a propriedade á proporção, que os religiosos fossem achando ministerios, em que se occupassem utilmente no seculo. Voltemos agora as nossas vistas para outros lados. Para que he, que se propõe tão façanhosa, e anti-economica medida? Para sustentar um bando de vadios, e ociosos, que venhão perturbar a tranquillidade, e segurança publica, incommodar as autoridades civis, e ecclesiasticas, cobrir de opprobrio a ordem clerical, traficar com os ministerios sagrados para viverem de qualquer modo, e sobrecarregar ainda a caridade dos povos, aos quaes se hão de apresentar pedindo esmolas, de que sustentem a si, e aos vicios inseparaveis da ociosidade. Tudo isto deve acontecer necessariamente, porque a hypothese suppõe as secularizações dos religiosos, que nem tem patrimonio, nem sáem para o serviço de beneficio ou ministerio de que se sustentem. Uma vez admittidas as secularizações avulsas, todo o religioso, que tem seis, ou sete cruzados novos sáe do convento convidado pela esperança de grandes fortunas, e attrahido pelos encantos de uma liberdade, que deseja possuir; passados poucos dias acaba-se-lhes o pouco dinheiro; as prestações dos conventos por grandes que sejão apenas lhes chegarão para renda de casas, e para um miseravel vestido; he então que tem lugar os arrependimentos, desmanchos, mendicidade, e vicios de que ha pouco falei, e de que nos estão dando exemplo os frades de Hespanha, que o Governo deitou fóra dos claustros de uma vez, e outros a quem permittiu, que saíssem quando quizessem com pensões, que lhes mandou dar pelo thesouro; he verdade que a maior parte destas pensões não se pagou, ou pelo menos não se pagou regularmente; mas estou persuadido, que os resultados serião com pouca differença os mesmos, visto que as prestações, que sobejão muito da decente sustentação de um religioso no seu convento, não chegão á terça parte das suas mais parcas despezas no estado secular. Dizem o illustre autor, e patronos desta indicação, que por meio della se adquirem cidadãos, que estavão perdidos no claustro; mas que falta de advertencia á sua hypothese e aos bons principios de politica! Estes religiosos sáem sem patrimonio proprio, e sem occupação e destino, qual he pois a utilidade, que o Estado tira de taes acquisições? A sociedade não só não tira vantagem, que muito pelo contrario tira prejuizo. Não tira utilidade, porque estes frades não vem exercitar serviço, ou ministerio algum, em que se occupem como cidadãos activos, e tira o prejuizo de os soffrer, e sustentar pelas boas, e más artes, de que elles para isso se houverem de prevalecer. Srs., a sociedade não he poderosa quando tem muitos individuos, mas sim quando tem muitos cidadãos todos laboriosos, e todos ganhando , ou merecendo pelo menos a sua sustentação pessoal. Os vadios, os homens sem emprego não são cidadãos, são zangãos da sociedade, não constituem a sua força, constituem a sua fraqueza, e são prova da sua má policia; a sociedade, que os tem no seu seio deve expulsalos de si como fardos, que a opprimem, e contagios, que se communicão; e seria o cumulo da loucura recrutar vadios, e ociosos, e pagar-lhes ainda para que o sejão. Mas dir-se-ha que faz um religioso no convento? Faz aquillo para que foi para lá, e para que se admittirão e se tolerão as ordens regulares: e para que querem os illustres Deputados, que elle se secularize na sua hypothese? Para vadio, e ocioso, que em nenhuma sociedade se devem tolerar. Um religioso no seu convento, quando não esteja resignado com a sua sorte, empregará utilmente o seu tempo, e comporá a sua conducta para se habilitar para merecer os beneficios, e ministerios, a titulo dos quaes se póde secularizar segundo o projecto da refórma, e então temos um bom religioso, que não perturba a paz do mosteiro em quanto o for, e que vem ser util á religião e ao Estado quando se seculariza, deixando uma memoria louvavel no claustro, trasendo uma recommendação pessoal para o seculo, locupletando o Estado com o seu serviço, e eximindo-o da despeza, que lhe custava a sua sustentação na clausura. Eis-aqui o cidadão activo, que a Commissão apresenta no seu projecto, mas um cidadão perfeitamente antipoda do chamado cidadão da indicação, e cujo nome proprio he o de vadio, e ocioso. Srs., a indicação ataca em frente a politica, a economia, a tranquillidade, e segurança civil, o decoro dos ministros da religião, os costumes, e a disciplina da igreja, que prescreve-o em todos os tempos os desejos acefalos sem occupação, e sem ministerio, por serem tão perniciosos ao espirito, e ordem ecclesiastica, como o são os vadios aos olhos da sociedade civil; eu espero que o soberano Congresso rejeite sem mais discussão uma materia, que não tem um unico lado porque se sustente, que não promette senão males, e de que nem por milagre se podem esperar bens.
Passou-se á leitura e votação das differentes indicações propostas para substituirem o artigo, e são as seguintes.
Uma do Sr. Sousa Machado, em que propunha, que os religiosos, que frequentão a universidade, ou que estão addidos a ella, como são os mestres, e oppositores, no caso de serem extinctos os conventos da sua moradia na cidade de Coimbra, receberão daquelles, para que forem mudados, o contigente que lhes pertencer, ainda mesmo que nelles não residão.
Outra do Sr. Macedo, em que propunha, se declare abolida a prohibição que tinhão os regulares, de frequentar as aulas das sciencias naturaes na universidade de Coimbra.

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Outra do Sr. Guerreiro, em que propunha, que a Commissão ecclesiastica de refórma proponha o melhor meio de conservar os collegios de Coimbra, para os religiosos do respectivo instituto, que forem estudar no universidatie, conservando estes collegios as suas rendas, ou, não sendo bastantes, concurrendo todos os respectivos conventos com sua quota parte, e sendo os collegiaes admittidos a estudar em qualquer faculdade, abolidas as restrições até hoje practicadas; e que quando alguns institutos não possão dar collegiaes bastantes, seja um collegio applicado para os religiosos de dois, ou mais institutos dos mais analogos: depois de se julgar esta materia sufficientemente discutida, e posta á votação, decidiu-se, que voltasse o artigo com todas estas indicações á Commissão ecclesiastica de reforma, para tomar tudo em consideração.
Leu-se outra indicação do Sr. Borges Carneiro, em que propunha, que os conventos patrimoniados prestarão ao egresso uma pensão annual, que gozará em quanto vivo for, e não tiver beneficio, ou officio publico, ficando por isso obrigado aos encargos pios do convento; e que os egressos dos conventos não patrimoniados terão a preferencia nos beneficios, coadjutorias, e capellanias: e sendo posta á votação, foi rejeitada.
Outra do Sr. Ferrão de Mendonça, em que propunha a revogação da carta regia, que mandou executar a bulla chamada Ternativa, e a outra carta regia de 8 de Novembro de 1802, bem como todos os artigos de legislação, que possa embaraçar quaesquer estatutos, que as communidades queirão fazer para o seu regimen interior, de acordo com os Ordinarios a que ficão sujeitos: foi mandada remetter á Commissão ecclesiastica de reforma.
O Sr. Pessanha apresentou a seguinte

INDICAÇÂO.

Sendo publico, e constante, que as desordens acontecidas na provincia da Bahia, tem sido grandemente concitadas por cartas remettidas desta capital para aquella provincia, por individuos que ha tempos não tem cessado de representar por este meio aos habitantes dessa parte do Brazil, que as Cortes trabalhão por colonisar aquelle Reino, e outro sim que Portugal não tem meios para cohibir a rebelião pela força; proponho que se diga ao Governo, que expressa para a Bahia as mais terminantes ordens, a fim de que essas cartas sejão aprehendidas, e remettidas ao mesmo Governo, para que na presença das ditas cartas se proceda contra seus infames autores. - Pessanha.
Ficou para 2.ª leitura.
O Sr. Luiz Monteiro, como Thesoureiro das Cortes, apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Como a mezada de 13:000$000, que se cobra do Thesouro publico não seja sufficiente para fazer face aos differentes pagamentos, que devem fazer-se pela thesouraria das Cortes, como

[Ver Tabela na Imagem]

Honorarios de 113 Srs. Deputados....
Ordenados dos porteiros, e mais empregados da sala....
Ditos dos redactores, tachigrafos, e empregados na redacção do Diario....
Ditos dos officiaes, e empregados na Secretaria....
Despezas de impressões, depois de abatidos os recebimentos respectivos, regidos pelos ultimos mezes....

Rs. Além das despezas miudas, a cargo do porteiro das Cortes....

Proponho para fazer regularmente os ditos pagamentos, que a sobredita mezada de Rs. 18:000$000 se augmente em futuro.
E achando-se além disto ainda por pagar

[Ver Tabela na Imagem]

Ordenados dos officiaes, e empregados na Secretaria, relativos aos mezes de Junho, Julho, e Agosto....
Despezas das impressões nos mesmos mezes, pouco mais ou menos....

Proponho igualmente que se forneção os meios para a sua pronta solução.
Paço das Cortes 2 de Setembro de 1822. - O Deputado Thesoureiro, Luiz Monteiro.
Foi remettida á Commissão de fazenda.
O Sr. Abbade de Medrões leu a seguinte

INDICAÇÃO.

Consta por cartas particulares que o Principe Real no Rio de Janeiro pretende fazer tratados de alliança e commercio com algumas potencias estrangeiras. Isto póde ser muito funesto ao systema constitucional, que pretendemos consolidar, e tornar a metter Portugal no abysmo de calamidádes, de que felizmente se acha livre. Portanto proponho, que se diga ao Governo, que mande logo fazer um manifesto a todas as nações, no qual desapprove, e dê por nullos todos os actos, tratados, e procedimentos do governo do Rio de Janeiro desde 16 de Janeiro do corrente anno por diante, como arbitrarios, illegaes, e injustos, por serem praticados sem autoridade legitima, e acima da jurisdicção delegada, que ElRei o S. D. João VI. commetteu a seu angusto filho, quando saíu daquella corte para Lisboa: a fim de que chegue ao conhecimento de todas as potencias, que não he da vontade do nosso amavel soberano transtornar o systema constitucional, que espontaneamente jurou promover, e sustentar, por estar intimamente convencido, de que só assim póde fazer a felicidade do seu povo. - O Deputado Innocencio Antonio de Miranda.
Ficou para 2.ª leitura.
O Sr. Lopes da Cunha leu a seguinte

TOMO VII. Yy

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INDICAÇÃO.

Uma das causas da decadencia em que se achão as provincias do Pará, e Rio Negro, he sem duvida a falta de numerario. Esta falta nasce de que em todos os navios se exporta uma porção considerável de moedas, de ouro, e prata. Daqui resulta que todas as classes de cidadãos se achão com as mãos atadas para tentarem o augmento do seu cabedal, porque tendo prontos todos os artigos para tentarem qualquer negociação, achão encalhe quando se trata de haver dinheiro para a ultimar, por limitada que seja. Esta verdade he notoria a todos os que tem frequentado aquellas provincias. Os diversos effeitos produzidos por esta causa, são sensíveis a todos, mas não são irremediaveis.
O numerario he o representativo do que o homem faz uso. Esta verdade de todos sabida, não carece de demonstração, todos conhecem que sem dinheiro não póde haver giro de commercio, industria, e os mais ramos que que fazem florecente qualquer paiz. Para supprir esta falta, administra os meios esta presente indicação. Comprar cobre, e cunhalo, tal he o remedio. Não he de agora, foi sempre naquellas provincias o numerario muito escaço mesmo quando havia mais abundancia de ouro, e prata: mas então o pouco que havia, fazia o giro do paiz, cresceu a população, e o numerario experimèntou desigualdade; franqueou-se o commercio, os estrangeiros levárão o ouro e prata para os seus paizes, paralisou inteiramente o giro pecuniario; o mesmo cobre foi transportado para o Maranhão por estrangeiros, e nacionaes. Uma arroba de cobre custará seis mil e quatro centos réis pouco mais ou menos, e cunhada a dita arroba de cobre pelo cunho e pezo da moeda do paiz dá cincoenta mil réis com pequena differença para mais ou menos; logo se o soberano Congresso permittir e ordenar que se faça a dita compra, ordenando se cunhe na casa da Moeda desta capital, dará vida áquellas agonizantes provincias.
Se a fazenda nacional de Lisboa poder fazer o adiantamento do cobre, fará justiça ao muito que se tem distinguido aquella provincia, a primeira do Brazil, que proclamando a nossa regeneração politica, mostrou, e todos os dias mostra, uma firme adhesão ao systema constitucional. Este soberano Congresso bem o sabe, e a mesma fazenda nacional do Pará indemnizará o Erario de Lisboa do valor do cobre que prestar.
Mas se o não quizer, ou não poder fazer o dito adiantamento, então eu negociarei a quantia necessaria a este fim para assim fazer tão util serviço.
Não he levantar o valor á moeda, pois isso tem em politica que dizer; isto he sómente introduzir o numerario em um paiz, que o não tem; he dar vida aquella praça de commercio que tem pouco negocio, porque se acha só um representativo para fazer as suas transacções. Deduzindo, sé vê a utilidade que vão perceber aquellas provincias, e reciprocamente Portugal pelos generos importados daquelle paiz, e para se tirarem tantas utilidades só he preciso, que o soberano Congresso diga ao Governo compre o dito cobre e o mande cunhar, que por esta primeira vez basta que sejão mil arrobas. Lisboa 2 de Setembro de 1822. - João Lopes da Cunha, Deputado pelo Rio Negro.
Ficou para segunda leitura.
O Sr. Domingos da Conceição leu a seguinte

INDICAÇÃO.

Achando-se presentemente vagos na provincia do Piauhi dois lugares importantes da junta da fazenda nacional, como são os de escrivão da fazenda, e contador da mesma; consta-me que o Governo do Rio de Janeiro tem nomeado dois empregados para encherem aquelles lugares: a pezar da provincia do Piauhi com os honrados membros da junta provisoria do Governo se acharem ligados ao poder legislativo das Cortes Extraordinarias, e Constituintes, ora congregadas em Lisboa, e executivo, na pessoa do Sr. D. João VI, nosso Rei Constitucional, com quem se communicão, obedecendo ao sagrado juramento que prestárão.
Tendo o soberano Congresso determinado, que as rendas das provincias devem ser empregadas na conservação e augmento das mesmas provincias, que as produzirão, salva a quota parte que se arbitrar para as despezas da Nação.
Proponho, que se diga ao Governo com a maior urgencia possivel expessa as ordens necessarias á junta da fazenda do Piauhi; e à junta provisoria do Governo, para que demorem todos os dinheiros que se acharem em caixa, e fóra della, até que recebão ordens ulteriores deste Governo, em que se lhe determine qual ha de ser o seu destino. Sala das Cortes 3 de Setembro de 1822. - O Deputado, Domingos da Conceição.
Foi lida 2.ª vez, admittida á discussão, e que se remettesse á Commissão de fazenda do Ultramar com urgencia.
Leu-se outra indicação do Sr. Manoel Antonio Martins, em que propunha se remettesse à competente Commissão um exemplar de uma memoria demostrativa das necessarias providencias para as ilhas de Cabo Verde, e Guiné, que apresentava, para que á vista della a Commissão forme aquelles projectos de lei, que julgar necessarios: e foi approvada.
Disse o Sr. Presidente que havia de haver sessão secreta para se ler um parecer da Commissão diplomatica, que a Meza tinha assentado dever ler-se em sessão secreta: e deu para a ordem do dia os projectos numeros 293, e 295; e pareceres de Commissões, e fechou a sessão pela uma hora da tarde. - Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario.

Redactor - Velho.

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