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dos das votações direito salvo contra aquelles que illegalmente os excluirão: e sobre outra do Sr. Barreto Feio, para que se recomendasse ao Governo, que fizesse castigar os infractores das leis das eleições.
Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia a continuação do projecto do Sr. Guerreiro, que ficou adiado; o projecto sobre a circunscripção das paroquias, e congruas dos parocos; e para a hora da prolongação os pareceres das Commissões.
Levantou-se a sessão depois da uma hora da tarde. - Basilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Silvestre Pinheiro Ferreira.

Ilustrissimo e Excelentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portuguesa ordenão que lhes sejão transmitidas informações sobre o requerimento incluso de Antonio Jose Demonys, João Chrysostomo da Silva, Caetano Jacome de Castro Pita, Jose de Mauricio Corréa, e de Joaquim Jose de Miranda Rebello; declarando-se o tempo de serviço de cada um dos pretendentes, os vencimentos que tinhão, os motives da sua cessação de serviço, e desde quando deixarão de servir. O que V. Exca. levara ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 12 de Setembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DE 13 DE SETEMBRO.

ABERTA a sessão, sob a presidencia do Sr. Freire, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
O Sr. Deputado Secretario Felgueiras deu conta da correspondencia, e expediente seguinte.
De um officio do Ministro dos negocios do Reino, remettendo a portaria da mercê feita a Damião Pereira da Silva de uma segunda vida nos bens da coroa, e ordens, em cumprimento da ordem das Cortes, que se mandou remetter á Commissão de fazenda.
Do Ministro dos negocios da justiça os seguintes
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Satisfazendo a ordem das Cortes, que por V. Exca. me foi expedida em 3 do corrente, tenho a honra de levar ao seu conhecimento, que havendo o Governo pela repartição dos negocios da justiça pedido ao soberano Congresso, em officio de 29 de Abril, autorisação para remover desta capital, e de outras terras do Reino aquelles individuos que o publico declarava mais desaffectos, oppostos, e perigosos a causa da regeneração; e que aqui, e em muitos lugares dos mais populosos se suppunha terem concorrido para se levantarem tumultos, e insinuado o seu desenvolvimento; obteve a concessão com reconhecido proveito, mas não produziu esta medida tão repentinos effeitos que evitasse inteiramente o mal que continuou chegando a ponto de se descobrir a conspiração da Rua Formosa, de um para dois de Maio do corrente anno.
Em consequencia desta descoberta, da exaltação que ella causou no publico, dos embaraços que promettia o seu processo, officiou de novo o Governo por a secretaria de justiça, pedindo ao soberano Congresso alguma dispensação, se fosse necessaria, em quanto ao periodo da devassa, e à prolongação do effeito da medida de remoção dos individuos suspeitos, que fôra concedida em o citado 29 de Abril. Esta prolongação bem entendido he que só consistia na faculdade de demorar os individuos removidos nos seus novos destinos, ate que finalizasse o processo, e acalmassem os espiritos inquietos com o perigo que estivera imminente.
A força de trabalho, e continuas diligencias da parte dos magistrados, a quem se encarregou o referido processo, este se concluiu mais breve do que podia esperar-se, vista a grande complicação em que estava, e as relações mais ou menos directas que se suppunha haver do seu objecto com outros de igual, ou similhante natureza. Acabado pois de formar o processo, e parecendo ao Governo achar-se restituida a tranquilidade, que na maior parte se suppunha alterada pelos individuos que se removerão, mandou logo restituir aos seus lares aquelles que uma imperiosa necessidade fizera retirar para diversos lugares deste Reino, e que não ficarão envolvidos naquelle processo, logo que eslt findou, como constou por officio do corregedor do Bairro da Rua Nova datado de 13 de Agosto.
Em consequencia expediu a portaria, cuja copia remetto junta, pela qual forão mandados regressar aos seus domicilios em plena liberdade todos os removidos à excepção daquelles que ficarão pronunciados que forão mandados buscar presos, e já antes alguns tinhão tido licença para regressar: de uns e outros remetto igualmente a lista, e remetterei o resultado final do processo logo que os réos estejão sentenceados, no que tenho recommendado o maior cuidado.
Eis-aqui o estado do negocio, isto he, eis-aqui o termo, e resultado que teve a dispensação concedida pelas Cortes em 29 de Abril, e cujo effeito durou até à conclusão da devassa da conspiração; depois da qual se deu plena liberdade aos individuos, cujo porte, discursos, e acções os tinhão tornado objecto da publica indignação; e em tal caso cessou a necessidade da medida extraordinaria que o Governo requereu em 29 de Abril.
He o que se me offerece communicar a V. Exca. a fim de que tenha a bondade de o fazer presente ao soberano Congresso.
Deus guarde a V. Exca. muitos annos. Lisboa em 11 de Setembro de 1822. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. João Baptista Felgueiras - José da Silva Carvalho.
Mandou-se remetter á Commissão de Constituição, com o parecer e mais papeis a que se refere.

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Illustrissimo e Escellentissimo Senhor. - Rogo a V. Exca. queira propor ao soberano Congresso, para revolver as duvidas, que occorrem sobre a execução da lei da nova organização das camaras de 27 de Julho deste anno.
1.ª Qual deverá ser o procedimento que se ha de ter com qualquer cidadão, que recusar aceitar o cargo de substituto, ou ainda de vereador para que tiver sido nomeado.
2.ª Nas camaras das villas annexas, que se achão sujeitas á jurisdição de um só juiz de fora, se deverá haver um sósubstituto deste, ou em cada uma das mesmas villas; pois que em cada uma tambem o vereador mais velho exercita jurisdicção, quando o juiz de fóra está ausente do termo da respectiva villa.
3.ª Se tem lugar ainda a devassa de soborno praticado nas eleições das camaras, visto ser caso omisso na sobredita lei de 27 de Julho, e não se poder reputar contrario a qualquer de suas disposições a antigo procedimento que havia, e que parece não ter sido revogado.
4.ª Havendo (como ha já) quem se opponha com embargos ás eleições, como deve este processo ser tratado perante quem. Deus guarde a V. Exca. [...] de Queluz em 12 de Setembro de 1822. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. João Baptista Felgueiras - José da Silva Carvalho.
Remettido á Commissão de justiça civil.
Deu mais conta de outro officio do mesmo Ministro, remettendo a resposta, que dá o reverendo arcebispo primaz aos quesitos constantes da ordem de 6 de Julho, que se mandou remetter á Commissão ecclesiastica de reforma.
De outro do mesmo Ministro, satisfazendo á ordem das Cortes de 16 do passado sobre a remessa do processo entre partes Domingos José de Carvalho, e Alexandre José de Sousa, que se mandou remetter á Commissão de justiça civil.
De outro do mesmo Ministro, participando, que Sua Magestade o encarregara da pasta dos negocios da guerro, em consequencia da licença, que por molestia concedêra a Candido José Xavier, de que as Cortes ficarão inteiradas.
Do offerecimento que faz João de Figueiredo Fragoso, abbade no bispado do Porto, concelho da Maia, de 150 exemplares da pratica que fez aos seus freguezes; mandou-se distribuir.
E de uma representação da camara de Oliveira do Conde na comarca de Vizeu, que se mandou remetter á Commissão de petições.
O Sr. Deputado Secretario Soares de Azevedo fez a chamada, e achou faltarem os seguintes Srs. Deputados, a saber: com licença os Srs. Moraes Pimentel,
Moreira Canavarro, Ribeiro da Costa, Arcebispo da Bahia, Bernardo de Figueiredo,
Sepulveda, Bispo de Beja, Bispo de Castello Branco, Ledo, Feijó, Borges de Barros, Bettencourt, Leite Lobo, Carneiro, Costa Brandão, Ferreira da Silva,
Fortunato Ramos, Castello Branco, Pinto de Magalhães, Vicente da Silva,
Annes de Carvalho, Belford, Ferreira Borges, Gouvêa Osorio, Faria, Sousa e Almeida, Xavier de Araujo, Martins Basto, Pinto da França, Fernanda Thomaz,
Sande e Castro, Marcos Antonio, Vergueiro, Bandeira; e sem causa motivada os Srs. Gomes Ferrão, Ribeiro de Andrade, Bueno, Aguiar Pires, Lyra, Moniz Tavares,
Xavier Monteiro, Castro e Abreu, Gomes de Brito, Cirne, Lopes da Cunha.
Presentes 109.
Ordem do dia. Entrou em discussão o artigo 4.º do projecto n.° 289 já adiado da antecedente sessão.
O Sr. Barreto Feio: - Diz o artigo, que não podera ser devassada a casa do cidadão, se não para nella se procurarem armas, contrabandos, papeis, ou outras cousas, que possão servir para provar a existencia de um crime anteriormente commettido. Isto he o mesmo que dizer, que não podera ser devassada, se não por todo e qualquer motivo. Se este artigo fosse approvado seria preciso, que todo o cidadão mandasse fazer duas chaves, uma para si, e outra para estar na mão do magistrado, a fim de lhe poupar o trabalho de bater a porta, quando elle quizer entrar, e a si o incommodo de lha abrir. Destas visitas domiciliares, se alguma vez poder resultar ao publico alguma utilidade, resultará sempre ao cidadão um prejuizo, quasi irreparável: porque ainda que lhe não roubem os seus moveis, sempre fica deteriorado o seu credito, porque todo aquelle em cuja casa se vão procurar roubos, ou contrabandos, ainda que nada disto se lhe encontre, fica sempre suspeito de ser capa de ladroes, ou contrabandistas; por tanto voto contra o artigo, e sou de opinião que a casa do cidadão, não possa ser invadida por algum official de justiça, excepto em flagrante.
O Sr. Trigoso: - Eu ontem tinha-me levantado, porque não me parecia bem o discurso do ultimo membro que falou: porem agora só farei uma breve reflexão, e vem a ser que neste artigo 4.° em lugar de se dizer no n.º 2, e 3 - para busca de contranbandos - e para busca de cousas furtadas - se diga - para apprehensão de contrabandos, ou cousas furtadas - e em quanto ao n.° 4 assento que deve ser supprimido inteiramente; porque o invadir a casa do cidadão pacífico para busca de papeis ou armas, he atacar demasiadamente a casa do cidadão, e deixar o caminho aberto a arbitrariedades.
O Sr. Camello Fortes: - Diz a primeira parte do artigo para prender algum réo pronunciado a prisão. Acho isto demasiadamente restricto; porque então não se poderá entrar em casa do cidadão para prender aquelles que segundo a Constituição se podem prender sem culpa formada, do que se seguirão graves prejuizos; por consequencia parece-me que se deve aclarar isto mais, e dizer-se - para prender algum réo, pronunciado a prizão, ou aquelle que segundo a Constituição pode ser preso sem culpa formada.
O Sr. Guerreiro: - Sr. Presidente, o que acaba de dizer o illustre Preopinante, confirma-me mais no que eu pertendia. A grande difficuldade está toda em conciliar a administração da justiça com a inviolabilidade da casa do cidadão; com tudo farei algumas observações: o primeiro illustre Preopinante pertendeu

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nada menos que deixar impune todos os crimes, uma vez que aquelles que os commetterem tenhão tempo bastante para se metter em uma casa. O segundo membro que falou propoz que em lugar de - busca - se diga apprehensão de contrabandos ou cousas furtadas. Não me opponho a isto porque o fim da diligencia he sempre a apprehensão, por isso convenho em que se mude a palavra; assim como em todos os números onde ella se acha. Este n.°4 pareceu ao illustre Preopinante demasiadamente duro, e que ia atacar o respeito que se deve ter á casa do cidadão: com effeito, eu concordo em que elle he duro; mas como isto he só na real existência do facto, parece-me que poderá passar. Supponhamos que um fabricante de moeda falsa foi denunciado de que elle a tinha em sua casa, ou na casa alheia, e que para apparecerem as provas he necessário a apprehensão da moeda, e dos instrumentos: será neste caso prohibido ir-se procurar á casa onde efectivamente se acha? Poderá ser; mas disso virá a resultar grandes inconvenientes. Um deposito de armas em tempo que a pátria se julga em perigo, feito por pessoas que estão pronunciadas como traidores á causa nacional. Uma correspondência entre rebeldes; quando isto constar que existe na casa do próprio réo, ou na de terceiro, não se ha de lá ir buscar? Quando constar que elles existem na casa do próprio réo ninguém se oppõe; por consequência quando isto for em casa de terceiro também ninguém se deve queixar.
O Sr. Lino Coutinho: - Sr. Presidente, eu creio que este projecto foi mandado fazer para se sustentar a inviolabilidade da casa do cidadão; mas pelo que vejo elle vai destruir aquillo que nós queremos fazer, e aquillo que mesmo já se acha sanccionado na Constituição por causa das excepções que nelle se estabelecem. Este projecto faz-me lembrar a amnistia que Fernanda Vil concedeu quando entrou na Hespanha, a qual sendo bem examinada não contemplava alguém em seus effeitos, pois que as excepções comprehendião todos os casos. O mesmo succede com estas; porque em todos os casos fica a casa do cidadão exposta a todos os insultos. Diz o honrado membro que se se não estabelecerem estas excepções resultarão muitos inconvenientes. Parece-me Sr. Presidente, que he melhor prevenir os crimes com boas leis, do que castiga-los depois de feitos por meios tão pouco conducentes. A casa do cidadão na frase dos mais celebres publicistas he um baluarte sagrado donde elle não póde ser tirado se não em casos muitos raros, é naquelles em que periga a existencia da sociedade, mas Srs. em casos tão insignificantes, em transgressões tão simples será o domicilio do cidadão violado e indultado? Ha crimes, todos nos sabemos, que trazem o perigo eminente da sociedade, porem outros que sendo particulares por assim dizer não offendem ao todo se não indirectamente: no primeiro caso concordo em que a casa do cidadão transgressor não lhe possa servir de asylo, mas no 2.° por modo algum darei o meu assentimento. Será crivel que uma simples ordem de prisão, uma denuncia de papeis ou armas guardadas, de contrabando, etc. sejão motivos sufficientes para similhantes intuitos jurídicos? Longe de nós um similhante parecer, que nos quer deixar expostos ás mesmas arbitrariedades dos magistrados do antigo regimen. Desgraçados dos portuguezes se ficarem existindo ainda as denuncias, e as buscas do contrabando do tabaco, sabão, e páu Brazil! Quem se tem julgado até hoje seguro, e se julgará para ao diante?
O Sr. Peixoto: - Não julgo necessária a substituição proposta de aprehensão por busca; nem sei como possa autorizar-se a apprehensão sem se autorizar a busca, que deve precedela; a não suppôr, que o objecto denunciado esteja á entrada da porta: o que me parece he, que este artigo está excessivamente vago, e que nos termos delle se destróe a inviolabilidade, que pretendeu firmar-se. Uma vez, que se permittão a prisão, e as buscas aqui propostas, não sei aonde reste a desejada inviolabilidade; porque nunca faltarão pretextos para registrar a casa do cidadão, logo que o magistrado tenha nisso empenho. Pelo que pertence á prisão de réos, deve restringisse a faculdade aos casos graves, em que possa recear-se a fugida do delinquente, mas naquelles, que provados não terão pena de degredo, não ha inconveniente em sustentar a regra da inviolabilidade.
Quanto ás buscas, apomadas no n.º 2 e seguintes, são dignas de reprovação em geral; e só poderão admittir-se, depois de se haver provado, que na casa se havião recolhido os objectos que se buscavão; porque então já o habitante della se reputa cúmplice no delicto: e em pontos mais graves, em que a publica segurança podesse ser interessada: e de todo o modo para que a busca se permittisse sem preceder prova, unicamente por denuncia, seria necessário, que ao mesmo tempo se determinasse, que em caso de ser falsa a denuncia, o denunciante ou o magistrado ficaria sujeito á pena de talião. Sem esta, ou outras similhantes garantias, será a casa do cidadão devassada, como até agora, ou ainda mais facilmente; e por tanto não posso approvar o artigo, sem que se reforme por differente maneira.
O Sr. Guovéa Durão: - Eu não posso approvar a doutrina do n.° 1.° do artigo 4.° do projecto que está em discussão, já porque omitte e excluo com o adverbio = sómente = uma hypothese, que ha de realizar-se muitas vezes, já porque na ultima hypothese que admitte, anulla em certo modo, o direito de asylo, que a Constituição promette ao portuguez em sua própria casa. Omitte, e exclue com o adverbio = sómente = uma hypothese que ha de realizar-se muitas vezes, porque não podemos duvidar que o código criminal ha de impor a muitos delictos a pena de prizão, nem podemos duvidar também ávista do artigo 172 da Constituição, que quando o tempo da prisão não chegar a 6 mezes o réo se livrará solto, e sendo assim, o official publico nos termos deste artigo e do antecedente somente póde entrar na casa do cidadão, quando elle tiver sido pronunciado a prizão, he evidente, que verificando-se a hypothese, que ha de verificar-se muitas vezes, de ler sido não pronunciado, porém sentenciado a prizão, não poderá neste caso o official munido de ordem prendelo em sua casa, porque este projecto exclue tal hypothese, permíttindo a prizão em casa somente no caso de pronuncia, e não

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accrescentando o de sentença; e não se diga que este caso por maioridade de razão se comprehende no outro de pronuncia, porque segundo as regras de interpretação, as leis criminaes, ou penaes se entendem restricta e precisamente do caso, e circunstancias em que falão, e não de outro qualquer não especificado, e em certo modo anulla este artigo do projecto o direito de asylo que a Constituição concede ao portuguez em sua própria casa, porque correspondendo ao substantivo = asylo = a idéa correspondente a lugar inviolável; lugar onde a justiça não pôde entrar, destruiríamos esta inviolabilidade, esse asylo dando franca licença á justiça para o violar, até em caso de tão pouca monta, que apenas lhe he imposta pela lei a pena de seis mezes de prizão, pois que este he o tempo marcado pela Constituição para qualquer ser pronunciado a prizão.
Quando na sessão de 18 de Julho do anno passado se discutiu o artigo 5.° titulo 1.° do projecto da Constituição indiquei eu, e sustentei, que o cidadão não devia ser prezo, nem citado em sua própria casa, fora de casos muito graves; e esta indicação posto que sobre ella se não votasse expressamente, concorreu para que o artigo fosse mandado á Commissão para o redigir de novo, e quando na sessão de 12 de Agosto elle appareceu novamente redigido, tornei a falar, e a sustentar novamente a opinião que anteriormente enunciara, e mandei uma nova indicação á mesa, que apesar de apoiada pelo Sr. Deputado Sarmento, e outros Srs. Deputados, se reputou prejudicada pela approvação que o Congresso deu á doutrina do dito artigo; porém se esta approvação excluiu da Constituição a minha lembrança, não excluiu nem a podia excluir de uma lei regulamentar; antes por isso mesmo que remetteu para esta as restricções a que deveria sujeitar-se a generalidade do asylo concedido á casa do cidadão, e habilitou a suscitar hoje novamente esta matéria; eu a suscito pois; eu lembro a este soberano Congresso, que em todas as nações polidas; que na mais livre que a Europa reconhece, a casa do cidadão he para elle um lugar por via de regra inviolável, que até será um meio efficacissimo de levantarmos o espirito abatido da nação, e suscitar no cidadão uma alta idéa de si mesmo, e um amor decidido á nova forma de governo. Lembro mais que se a Constituição já decidiu, que uma fiança livra o cidadão de ser prezo, elle deve achar o seu primeiro fiador na sua própria casa, em quanto não acha o segundo para sair della, e que esta latitude dada aos lares cívicos, somente deverá ser exceptuada nos crimes a que corresponder morte natural ou civil, porque em casos taes como o cidadão se fez réo de um delicto, pelo qual a sociedade se julga necessitada, ou a titulo do numero dos vivos, ou a expelido do seu seio, elle já não he cidadão, e não pôde gozar dos direitos inerentes a tal titulo, e lembro em fim, que passando este artigo; como está será a casa não um asylo, mas apenas um abrigo contra as intemperanças da estação. Portanto fundado nos motivos ponderados proponho, que o artigo seja concebido de um dos modos que ofereço na presente indicação que remetto para a mesa.
O Sr. Moura: - Eu quero fazer algumas reflexões nos casos em que se trata do artigo 4.°; mas antes de fazer estas observações farei uma em geral sobre o artigo. - Os senhores que tem falado pró, e contra a doutrina tem-se cansado mais em exaggerar os extremos do que tocar no verdadeiro ponto da questão. Uns querem que a casa do cidadão nunca seja devassada: eis o primeiro extremo. Outros porém querem, que pelo motivo de segurança publica, possão os ofticiaes de justiça entrar na casa do cidadão. Quem disser que a casa do cidadão deve ser para elle um baluarte, onde ninguém poderá entrar contra sua vontade, e commette um erro, e um grande absurdo; e no mesmo cahem os que pretendem, que nos casos de segurança publica ella possa sempre ser invadida. Logo vamos tomar conta nesta matéria, sem referirmos as nossas considerações nem a um, nem a outro extremo; porém devemos procurar um meio termo entre elles; diz o artigo (leu-o). Pois um réo está pronunciado a prizão por um crime, e se elle se meter em sua casa dirá,- por mais que quizerem, em quanto eu tiver a firmeza de me conservar dentro de minha casa não hei de ser prezo. - Isto he um absurdo; logo este caso deve-se estabelecer ein regra. Se elle estiver mesmo no fundo da sua escada, dirá á justiça - passa por lá muito bem, que eu não hei de sair daqui, e hei de escarnecer das leis, e da justiça. - isto he absurdo. - Passou o Orador a mostrar os inconvenientes que resultavão de poder ser invadida a casa do cidadão, por motivos de segurança do Estado, e depois disse, que para salvar estes inconvenientes, elle convinha na supressão do art. 4.º uma vez que se adoptasse este: que as buscas para os contrabandos se fação por uma ordem passada por um magistrado, a qual seja executada pelos officiaes de justiça, e caso que se ache ser falsa a denuncia, o denunciante que he obrigado a assingnar a denuncia, ser-lhe-ha imposta a mesma pena, que devia soffrer aquelle a quem elle acusou, e quando não tiver bens para isso soffra a de prizão.
O Sr. Sarmento:- Eu também não vou muito para princípios abstractos, e metafysicos, como das minhas opiniões muitas vezes aqui proferidas he fácil deduzir-se; porém na presente questão trata-se de assegurar a posse de direitos verdadeiramente práticos, e por isso sempre quero fazer algumas reflexões; ellas serão breves. A doutrina deste artigo seria mais fácil de adoptar-se, se o illustre autor do projecto, em vez de nos remetter para a lei da responsabilidade dos ministros, e officiaes públicos, como declara no artigo 9.°, indicasse já neste projecto algumas bases, para a responsabilidade, em que incorrerrão aquelles que abusassem da autoridade publica, empregando com o pretexto que tirassem das casos declarados neste artigo. Provavelmente V. Ex.ª mandará ler a emenda, que offereceu o illutre Deputado, o Sr. Gouvéa Durão, porque eu não a percebi muito bem, porém eu a ouvirei ler, quando se julgar discutido o artigo do projecto, como se costuma praticar. - Diss o Sr. Presidente que elle ia satisfazer os desejos do illustre membro, e passou a ler a emenda, finda a qual continuou o Orador, dizendo: - Posto que eu não possa já emittir a minha opinião, não deixo todavia de dizer, que me

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agrada mais a emenda do que a doutrina do projecto. Eu não estou seduzido pelas extravagantes illusões, com que se costuma denominar a casa do cidadão: certamente a casa deverá ser um asylo para o cidadão pacifico o virtuoso. A imaginação dos poetas, por exemplo a lembrança do Horacio, o qual procurando descrever o prazer, e satisfação de cada um em sua casa, igualou esse contentamento áquelle, que provém da companhia da mulher agradável, domus et placens uxor, não deixs de offerecer uma idéa exacta daquella satisfação, que sente todo o cidadão dentro do abrigo da sua habitação. Tudo o que tender para coarctar, e limitar o goso desses direitos, por isso que diminue os maiores prazeres da vida, e perturba o descanço, e socego do homem, merece que seja determinado com mais seria reflexão. Segundo estes princípios desde já emitirei a minha opinião, afim de que se não faça a excepção lembrada, para que a busca dos contrabandos seja permittida, e declarada como um dos casos, em que se póde violar o interior da habitação de qualquer cidadão. Ha meio de estabelecer leis, que prohibão o giro, e circulação dos géneros defesos, e o mesmo exemplo apontado pelo illustre Deputado o Sr. Moura, somente serve para mostrar a facilidade de se precaver a venda de taes generos, porque se for um delles o tabaco, da sua recepção se seguem os indícios tão fortes do seu cheiro, ao qual nenhum nariz poderá resistir, e as guardas excitadas por um tal indicio, poderão até pôr em bloqueio aquella casa, dentro da qual se presume se tem feito tal contravenção de lei. Quando o cidadão já tem sacrificado a maior parte dos seus direitos primittivos ao bem geral da sociedade, não parece justo que se restrinjão ainda mais aquelles restos e vestígios da primittiva liberdade, as quaes ainda devem apparecer dentro do asylo da morada de cada um.
O Sr. Corrêa de Seabra: - Sr. Presidente: sou de opinião que o primeiro numero deste artigo fique reservado para o código; eu fui de opinião na discussão da Constituição, que em regra só tivesse lugar a pronuncia a livramento; fui vencido, e na Constituição ficou sanccionada a pronuncia a prisão. He dureza proceder a prisão do réo sem ser ouvido, a legislação existente modifica este rigor pelo meio das cartas de seguro; no código he necessário modificar este rigor, uma vez que na Constituição ficou sanccionada a pronuncia a prisão, podem lembrar differentes meios de a modificar, ou o mesmo seguro facilitando-o mais em quanto aos casos, e meios de o conseguir, ou por meio de fiança, ou mesmo por meio de segurança meramente por disposição da lei sem mais formalidade: não devemos por tanto prejudicar a legislação do código, e por isso este numero deve ser supprimido. O segundo numero também deve ser supprimido, e formar artigo de projecto geral sobre contrabandos, porque nesta generalidade póde dar occasião a muitos abusos. No terceiro não tenho duvida: no quarto sou da opinião do Sr. Trigoso, que se supprima, porque effectivamente pôde dar occasião a muitos abusos; sanccionado este artigo, a liberdade ficava menos garantida do que pela legislação existente. Qualquer artigo da legislação, como tenho dito, necessita de muita combinação, e reflexação sobre o mal, que pode produzir em comparação do bem que delle pode resultar.
O Sr. Borges Carneiro: - Na Constituição está em geral determinado, que ninguém possa ser preso sem culpa formada: porem estão oppostas a esta regra algumas excepções, como são primeiro vários crimes nella exceptuados; segundo, as recrutas, e os que são presos conforme as ordenanças militares; terceiro, os que se prendem por causas que não são puramente criminaes, como os que desobedecem ao juiz que os manda chamar para os acariar, ou para jurarem como testemunhas, os depusitarios que não pagão seus alcances. Ora he evidente, que todos estes devem ser comprehendidos no presente artigo, pois se se permittir que elles recolhendo-se a suas casas, todos os dias ha de ser illudida a administração da justiça, e os mandados da autoridade publica; e se dará aos máos cidadãos uma protecção toda nociva aos bons e à ordem publica, he por tanto necessário que se posa entrar em casa de algum a prendelo, em todos os casos em que a prisão pode ler lugar segundo a lei: nem em verdade se póde conceber um só caso, em que sendo permittida por assim dizer a violação da pessoa, se não permitta a da casa, que he certamente menor.
Quanto ao numero segundo do artigo votarei, que se possão dar buscas em os armazens ou lojas em que haja noticia de estarem contrabandos: quanto porem ás casas de habitação, tenho bem receio que se facilite demasiadamente a violação do asylo domestico.
O Sr. Ferreira de Sousa: - Para salvar-mos o meio termo, eu digo que se devem comprehender os casos que o Sr. Borges Carneiro acaba de mencionar. Eu vou dizer o modo que me lembra, e pelo qual se evitarão alguns inconvenientes. (Leu uma emenda) Em quanto ao n.° 4.°, convenho com o Sr. Trigoso: e lembrava-me se acrescentasse aqui um passo, que talvez não lembrou, e vem a ser o furto, que muitas vezes se faz de molheres, e por este modo vê-se o pai de família, ou despojado do sua molher, ou filhas; e por isso se deve determinar alguma cousa a este respeito, para que se possão aprehender, encontrando-se.
O Sr. VanZeller: - Sr. Presidente, como quando se tratou na Constituição deste objecto expuz qual era a minha opinião; desejo agora igualmente della: voto, e votarei sempre contra tudo quanto fôr atacar a inviolabilidade da casa do cidadão, e como se tem trazido já á discussão tudo quanto havia a dizer theoreticamente, direi o que a pratica me tem feito conhecer em Inglaterra, aonde a casa do cidadão he um azillo sagrado, o que aqui se tem dito ser excessivo; nunca a ninguém passou pela lembrança, que o seu socego depois que entrou em sua casa possa ser perturbado: em França, e outros paízes por onde tenho andado, fala-se muito em liberdade, porém ninguem se recolhe a sua casa sem receio de que algum Gens de Armes ou algum esbirro venha perturbar o seu descanço. Sr. Presidente, em quanto um cidadão depois das fadigas do dia se não recolhe a sua casa certo, que nada terá a receiar, e que poderá em liberdade gozar da companhia de seus filhos, e de sua

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familia, nem que tenha a recear, que quem lhe bate á porta, seja a justiça para o arrancar a seus braços; mas sim o carinhoso amigo, que vem visitallo, e fazer-lhe a vida feliz, nada temos feito.
Quanto ao segundo artigo, esse também de maneira alguma póde passar; que tornam as authoridades as cautelas que quizerem; que cerquem a casa com tripla conta de malsins, e espias; mas entrar dentro, a isso prefiro antes viver em um paiz innundado de contrabandos, aonde eu goze em minha casa de toda a liberdade, do que num aonde se tenhão evitado os contrabandos com a perda da inviolabilidade da minha casa. Em fim voto contra todos estes artigos, e contra tudo quanto for contrario a estes princípios.
O Sr. Franzini:- Eu estou convencido, que no estado actual dos costumes e da legislação existente, infelizmente se não póde já conceder á casa do cidadão a inviolabilidade, que se devia desejar; porém vejo com pesar, que se vão introduzindo tantas excepções a este artigo, que a final desaparecerá a realidade do azillo promettido na Constituição, e por isso decididamente me oponho á excepção que a authorisa a devassar as casas para busca dos contrabandos. Concedendo-se esta excepção vamos abrir uma porta franca ás mais atraiçoadas delações, e vinganças, e persuado-me que não ficará seguro o cidadão o mais honrado, tanto mais se atendermos ás penas afflictivas, e desproporcionadas, que impõe a actual legislação. Quem he que ignora, que por uma insignificante porção de sabão, ou tabaco, póde um homem ser condennado a 5 annos de galés ou degredo? Não poderá um inimigo mandar metter dentro de uma casa 2 arrateis de tabaco, para depois o denunciar, e achando-se-lhe, eis ahi, condemnado a galés! Neste caso todo o cidadão se veria na dura necessidade diariamente a dar uma busca em sua casa, com o receio de nella encontrar taes géneros, que facilmente podem ali ser introduzidos furtivamente por um domestico mal intencionado, ou por algum official de justiça inimigo, no acto da busca, perdendo-se assim uma família em honra e bens, e então ficaríamos em peores circunstancias do que nos tempos passados, aonde ao menos se guardavão certos privilégios. Pertence á authoridade vigiar com a maior severidade, que se não introdução os contrabandos no Reino; porém nunca serei de voto, que se devasse a casa do cidadão para se proceder a essas odiosas buscas, reprovadas em todos os paizes livres.
O Sr. Brito: - Os meus princípios a favor da liberdade de commercio, são bem conhecidos, com tudo eu desapprovo esta opinião, que favoreceria sobremaneira os contrabandistas, se fizesse de suas casas um asylo impenetrável aos officiaes encarregados de appreender contrabandos. E não só apoio a providencia do artigo a respeito de contrabandos; mas quizera que ella se estendesse também ás fazendas descaminhadas aos direitos. Nem tenho receio de que o cidadão seja punido innocente, só por se lhe acharem em casa dois arrates de tabaco, mettidos por algum creado, ou inimigo sem elle o saber, porque eu não supponho que um juiz, fosse tão falto de principies de direito que só por tal, sem provas plenas condemnasse um cidadão. Ao contrario estou certo, que se o artigo não passar, adeus leis prohibitivas, e adeus direitos das alfândegas; eu me persuado, que o cidadão merece mais do que o material da casa; esta não se privilegeia senão em attenção áquelle que a occupa. Em consequência entendo, que nos casos em que tem lugar a prizão do cidadão, e appreensão de seus bens, e estão preenchidas as formas da lei, deve seguir-se a effectiva execução desta na própria casa, como o deve ser na rua. Assim o pede a justiça, e o bem publico. O contrario só he favorável aos malfeitores, caloteiros, e contrabandistas.
O Sr. Camélia Fortes: - Tem-se demonstrada que qualquer póde ser preso fora de sua casa, e se então elle o póde ser, porque não o ha de ser tambem dentro della? Se tal passasse, a casa do cidadão seria um covil de ladroes; e estes se augmentarião muito, visto que tinhão em sua casa uma fortaleza innaccessivel. Diz a minha indicação, ou áquelle, que segundo a Constituição póde ser prezo sem pronuncia. Por consequência aquelles, que a lei manda sejão prezos antes da pronuncia estão compreendidos, e desta forma fica a regra conforme para todos os casos, e mesmo para aquelles em que se póde proceder a prizão em pronuncia. Em quanto a contrabando digo, que he contradictorio o dizer-se que não se busque o contrabando em casa daquelle que se souber o tem. Disse-se, ponhão-se-lhe guardas: isto não tem lugar algum, mesmo porque a final estes guardas se tornarião em contrabandistas. Além de que, quando se diga que eu tenho em minha casa contrabando, eu desejarei que se vá lá, porque se se achar, eu fico culpado como mereço, e a não se achar, eu fico livre daquella mancha, e appareço innocente, e livre de toda a suspeita.
O Sr. Guerreiro: - Os diversos princípios com que se tem combatido este artigo, fazem com que isto se tenha extendido muito. Por tanto começarei por lembrar, que não acho ser cousa indifferente um ataque á liberdade do cidadão. Eu felizmente sempre exerci jurisdicção, e antes quero que se retarde a execução da justiça, do que se vexe a liberdade do cidadão. Tem-se dito que o princípio que se acha na Constituição se vem a reduzir a nada. Eu devo lembrar ao illustre Preopinante, que a Constituição não mas reduziu-se aos casos que a lei marcar. Não se prejudica com o que diz este marcou os limites, nem os effeitos desse asylo decratado para a casa do cidadão; artigo 4.° nada do que se ha de fazer no código. No código hão de declatar-se muitas causas que já estão decretadas. Estamos vivificando um edifício velho e ruinoso; e assim he necessario, que no mesmo tempo, que se faz uma parte nova, se segue a outra parte velha, para evitar a sua total ruina. Sr. Presidente, muito combatido foi este artigo por um illustre Preopinante, e por todos aquelles que apoiarão a indicação por elle proposta, para substituir este artigo. Nos casos em que pela Constituição não tem lugar a prisão, não póde ter lugar este artigo; e nos casos que póde dar fiança também não. Eu desejaria muito que me foste possível propor a este soberano

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Congresso um titulo de leis criminaes, em que se declarem os casos em que a prisão tem lugar: mas de certo o Congresso, antes que quizesse, não podia entrar na discussão de tal cousa, por falta de tempo. Por conseguinte, se no estado em que está a nossa legislação ha casos em que se diz, que a justiça deve segurar ao réo em certos casos, e antes de culpa formada: a justiça deve lançar mão delle, o ir buscalo até a sua casa. Eu não duvidarei com o illustre preopinante, restringir somente a pina de prisão aos casos de ter sido pronunciado, por crimes, que provados, tenhão pena de morte, ou degredo perpetuo: todavia não podia soffrer a desigualdade de que um cidadão que não sabe de sua casa, porque não tem meios de subsistência, ou que por exercer um officio trabalha em casa, porque não possa ser preso por estar ali, ao mesmo tempo que um seu visinho que tal modo de vida não tem, apenas sair á rua possa ser preso. Toda a distincção entra a condição dos cidadãos, faz muito odioso este estado de cousas. Se o cidadão se refugiou na sua casa para não ser preso, e se conteve nella não saindo fora para que a sentença só não execute: isso mesmo he uma pena para elle; porque soffre o encommodo de estar ali encarcerado, ao mesmo tempo que não o isempta de soffrer a pena que a lei lhe impozer. Também não sou da opinião do Sr. Borges Carneiro, porque de todos os casos que a Constituição menciona, e que póde haver lugar á prisão antes de culpa formada, eu não vejo se não um, e este he o caso de flagrante delicto; porém quanto a este já no artigo 1.° está providenciado. Outros casos que a Constituição menciona, e que póde ter lugar a prisão antes de culpa formada; eu não entro agora a examinar as razões que esta illustre assemblea teve para os decretar; porém examinando-os digo, que não acho nenhuma para que a, casa do cidadão seja violada. Em quanto aos contrabandos, não ha razão alguma para se lhe oppôr, se não a injustiça das leis dos contrabandos: não entro agora neste exame; porque a questão he um pouco longa de discutir, e cita se deve reservar para quando se tratar de reformar essas leis. Quanto ás cousas furtadas existe a mesma razão, que para o contrabando. Constando que existem cousas furtadas em uma casa, e o dono della nega telas, uma de duas, ou o dono ha de ficar sem ellas, ou se hão de ir buscar a casa daquelle que as tiver. Diz o artigo 9.° (leu). Eu teria proposto neste mesmo projecto as penas, se não o apresentasse em tempo em que se está fazendo por ordem deste Congresso o código penal: não encontro porem inconveniente algum em que os illustres Deputados que o estão fazendo, incluão nelle o que agora se determine.
Julgada a matéria sufficientemente discutida, o Sr. Presidente propoz á votação o n.° 1.º; e não sendo approvado como está, propoz: se se approvava com a emenda do Sr. Deputado Camello Fortes, que diz - proponho que ao n.º 1.° do artigo 4.° se accrescente - ou aquelle, que segundo a Constituição póde ser preto sem pronuncia? E foi assim approvado. Pelo que se julgarão prejudicadas as emendas propostas pelos Srs. Gouvêa Durão, Borges Carneiro, Ferreira de Sousa.
O n.º 2.º não foi approvado como está, nem igualmente a sua suppressão; mas sim a emenda proposta pelos Senhores Deputados Miranda, Moura, e Franzini, que diz - Propomos, que o determinado no n.º 2.º do artigo 4.° tenha somente lugar relativamente aos armazéns, e lojas dos negociantes de géneros - E ocorrendo duvida sobre a redacção, se venceu, que o n.° 2.° se concebera pela forma seguinte - Para buscas de contrabandos em quaesquer lojas, ou armazéns -rejeitando-se a outra redacção offerecida pelos Srs. Macedo, e Guerreiro, que dizia - buscas de contrabandos em lojas abertas, e officinas, que estejâo mandadas por qualquer lei, estatuto, ou regimento.
O n.° 3.° foi approvado, com a alteração de se dizer - apprehensão - e não - busca.
O n.º 4.º não foi approvado, e se mandou supprimir; rejeitando-se igualmente a 2.ª parte da indicação do Sr. Miranda.
O n.° 5.° foi approvado como está: e propondo o Sr. Presidente á votação a addição para n.° 6.° do Sr. Ferreira de Sousa, que diz - para buscar e apprehender alguma mulher, que contra vontade de seus pais, tutores, ou maridos, se acharem em casa alheia indevidamente, venceu-se, que não havia lugar a votar.
Os artigos 5.°, e 6.° forão approvados como estão.
O artigo 7.° foi approvado, supprimindo-se as palavras - em que se vai fazer a busca.
O artigo 8.° foi approvado, com declaração, que neste artigo, como no artigo 5.°, se diga - busca ou opprehensão.
O artigo 9.° não foi approvado como está: e se venceu, voltasse á redacção, para que o autor do projecto declarasse as penas, em que incorrerão os transgressores.
O artigo 10.° foi approvado, supprimindo-se as palavras - ou buscas.
O Sr. Deputado Soares Franco pediu, e obteve a palavra, para ler as seguintes

INDICAÇÕES.

Devendo pelo artigo 25 da lei da liberdade de imprensa fazer-se no principio de cada legislatura a eleição dos jurados pelos eleitores de comarca, e tendo nós adoptado na Constituição a eleição directa feita pelo povo, he claro, que não ha eleitores de comarca, e que he indispensável reformar a lei naquella parte. Como porém consta por outro lado, que tem apparecido alguns embaraços práticos na sua execução, requeiro que se peção no Governo informações ácerca das dificuldades, e embaraços que a experiência tiver mostrado, que se oppõem á pronta execução desta lei. - Soares Franco.
Foi approvada.
Tendo sido prohibida absolutamente a importação do azeite de oliveira estrangeiro pelo decreto de 18 do Maio de 18S1, os contratadores deste género, aproveitando-se da falta de colheita, que se espera no presente anno, fazem monopólio do muito azeite

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he armazenado, tanto que estando em Lisboa a 4$800 réis, e a 5$000 réis o cântaro de doze canadas não apparece no mercado a quantidade sufficiente para o consumo da capital: o seu fim he fazerem uma escacez artificial, para que o género suba num preço exorbitante, e oppressivo ao povo. Para destruir um tal monopólio, proponho o seguinte

Projecto de Decreto.

Art. 1.° Fica livre a importação do azeite de oliveira estrangeiro, logo que o cântaro de doze canadas chegue em Lisboa a 5$500 réis, e no Porto a 7$200 réis.
2.° Pagará o azeite estrangeiro 15 por cento de direito de entrada em quanto não exceder o azeite da terra a preço de 6$000 réis o cântaro, e 8$000 réis no Porto. - Soares Franco.
Ficou para segunda leitura.
As administrações são por uma rega quasi sem excepção muito mais prejudiciaes á fazenda nacional do que as arrematações; porque he mais natural que cada indivíduo trabalhe com mais gosto para si do que para os outros, e não he da prudência do legislador por em contraste a virtude dois homens com o seu interesse: por este motivo requeiro, que se excite a attenção do Governo para arremattar a illuminação da cidade, aos bairros, ou como for mais conveniente, se dahi resultar, como parece certo, deminuição na despesa, e melhoramento na illuminação. O mesmo se deve praticar a respeito da limpeza da cidade, em que andão empregados muitos homens, e animaes por conta do Estado. Os arremattantes devem tomar por avaliação os animaes, as carretam, e todos os mais utensílios, como he costume em semelhantes occasiões. O que he verdade he, gastar-se em Lisboa uma grande somma, segundo se crê, com a limpeza das lamas; e haver cidades populosas na Europa onde não se faz despesa alguma em similhante artigo, e andão muito mais limpas. Por esta occasião lembro que se peça ao intendente geral da policia a conta da receita e despesa da sua repartição, que elle já promettera dar. - Soares Franco.
Ficou para 2.ª leitura.
O Sr. Deputado Secretario Felgueiras deu conta da redacção do decreto sobre o progamma, e premio para a redacção do projecto do novo codigo civil: foi approvado, com a alteração em quanto á inscripção na orla da medalha, devendo ler-se - Ao auctor do projecto do codigo, etc. Deu mais conta da redacção do decreto sobre o augmento da consignação para a thesouraria das Cortes, que foi approvado. É ultimamente da redacção da ordem em conformidade do parecer da Commissão da Constituição na sessão antecedente sobre as duvidas, e irregularidades, que tem occorrido sobre a eleição para Deputados: foi approvado.
O Sr. Deputado Borges Carneiro, por parte da Commissão especial encarregada da ultima redacção, e prontificação dos dois exemplares originaes da Constituição, deu conta do estado, em que se achava aquelle trabalho; e se determinou, que na sessão de amanhã se desse conta da ultima redacção pelo impresso, por onde se informa, que se estão tirando as copias.
O Sr. Deputado Miranda propoz, que se expedissem ordens para fazer recolher todos os Srs. Deputados, que se achão com licença, a fim de assistirem à assignatura da Constituição: foi approvada a indicação.
E propondo o Sr. Deputado Gyrão, que se declare permanente a sessão seguinte no caso de haver emendas na redacção da Constituição, que vai lerse, se venceu, que não havia ainda lugar a votar.
Deu o Sr. Presidente para a ordem do dia a leitura da ultima redacção da Constituição. E disse, que levantava a sessão, sendo mais de uma hora da tarde. - Francisco Barroso Pereira, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

DECRETOS.

As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação portugueza, tomando em consideração a urgente necessidade de se proceder á formação de um novo codigo, e julgando conveniente convidar por meio de um prémio os jurisconsultos portuguezes para tão importante composição; decretão o seguinte:
1 Todos os cidadãos que quizerem concorrer ao prémio, serão obrigados a apresentar no 1.° de Dezembro de 1824 um projecto de código civil ás Cortes, que hão de abrir a sua sessão naquelle dia, depois do qual nenhum concorrente será admittido.
2 O código será dividido em duas partes distinctas, uma dellas ha de conter o código civil, a outra o código do processo civil. Ambos estes comprehenderão um systema luminoso da jurisprudência civil, accommodados aos grandes progressos, que esta sciência tem feito nas outras nações, e ás circunstancias particulares tanto físicas como moraes da Nação portugueza, conformando-se com a actual Constituição política da monarquia, e não se desviando do direito derivado dos costumes de longo tempo observados em a Nação, excepto quando esse desvio se fundar em motivos attendiveis, que serão declarados um breves notas. As leis do methodo serão observadas em toda a obra, e cada um dos seus artigos será escrito com muita clareza, precisão, e pureza de linguagem.
3 Nomearão logo os Cortes uma Com missão composta de cinco jurisconsultos dos mais acreditados na theoria, e pratica da jurisprudência, para que examinando os projectos, que forem apresentados, interponha ácerca delles o seu parecer em consulta, que deverá ser transmittida ás Cortes no preciso termo de sessenta dias, durante o qual ficarão dispensados os commissarios do exercício de qualquer emprego publico. Serão nesta consulta classificados os projectos segundo a ordem do seu merecimento, observando-se em cada um delles especificamente as virtudes, e os defeitos notáveis em quanto ao systema, methodo, doutrina, elocução, escolhendo-se entre todos aquel-

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le que parecer mais digno de se adoptar, e sanccionar como lei.
4 As Cortes remetterão a mencionada consulta a uma Commissão do seu seio, a qual depois de examinar os diversos projectos, e o que acerca dellas se consultou, exporá no termo de trinta dias, se algum ha que mereça o prémio, qual elle seja, e se os dois que se lhe seguem, ainda que de inferior merecimento, devem ter a honra do accessit.
5 Discutido o parecer da referida Commissão, as Cortes adjudicarão o premio ao projecto, que o merecer, declararão quaes são os dois dignos do accessit, e farão logo, depois do tomada esta resolução, abrir as cédulas em que estiverem escritas as epígrafes dos projectos, para se annunciarem os nomes dos autores premiados, mandando queimar as demais cédulas no caso de se haverem offerecido outros projectos.
6 Farão as Cortes publicar pela imprensa assim as obras que merecêrão o prémio, e o accessit, como a consulta e o parecer da Commissão, que as censurárão, e farão remetter o projecto premiado não só ao seu autor, concedendo-lhe tempo bastante para o emendar, que nunca excederá o prazo de tres mezes, mas também á universidade, á academia das sciencias, ás relações do Reino, aos advogados dellas, e aos sábios da Nação, para enviarem ás Cortes, no mesmo prazo assignado ao autor do projecto, as observações que lhes occorrerem para serem presentes no acto da discussão; e a Deputação permanente dará logo as providencias necessárias para se convocarem as Cortes a sessão extraordinária, afim de se discutir o projecto emendado.
7 O prémio consistirá na quantia de trinta mil cruzados, pagos no espaço de vinte annos em uma pensão annual de 600$ réis pelo thesouro publico, e em uma medalha de oiro do valor de 50$ réis, a qual terá d'um lado a imagem da Lusitânia coroando com uma coroa de loiro, e rama de oliveira ao autor do projecto, cuja efige será ali gravada, e no reverso a seguinte legenda: Ao autor do projecto do código civil portuguez a pátria agradecida. O premiado poderá trazer esta medalha pendente ao colo nos dias de festividade nacional.
8 A cada um dos autores dos dois projectos, que obtiverem o accessit se pagará pelo mesmo modo metade do prémio pecuniário acima estabelecido.
Paço das Cortes em 13 de Setembro de 1822.
Agostinho José Freire, Presidente;
Basilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado Secretario,
João Baptista Felgueiras, Deputado Secretario.

As Cortes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação portugueza, attendendo ao augmento de despeza que tem recaindo sobre a thesouraria das Cortes, decretão o seguinte.
1.° Fica elevada a vinte contos de réis a consignação mensal, que pelo thesouro publico se manda entregar ao Deputado Thesoureiro das Cortes pelo decreto de 29 de Outubro de 1821.
2.° A administração da Imprensa nacional nas remessas que fizer para o thesouro publico poderá encontrar a despeza das impressões que lhe deve a thesoururia das Cortes.
Paço das Cortes em 13 de Setembro do 1822.
Agostinho José Freire, Presidente;
Basilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado Secretario;
João Baptista Felgueiras, Deputado Secretario.

Para Filippe Ferreira de Araújo e Castro.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, tendo resolvido não tomar conhecimento das questões suscitadas em algumas juntas eleitoraes das cabeças de circulo, por ficar esse objecto reservado para a junta preparatória das proximas Cortes, a qual as mencionadas juntas devem dar conta dos seus procedimentos, e das razões em que se fundarão: attendendo todavia a que a nota de inconstitucional, que motivou a exclusão de alguns cidadãos que devião entrar em segundo escrutinio, nem foi provada, nem julgada por autoridade competente: declarão, que a sobredita nota não póde de maneira alguma fazer quebra na reputação dos cidadãos, contra as quaes se dirigiu, e recommendão a mais exacta observância das disposições do decreto de 11 de Julho do presente anno nos subsequentes actos das actuaes eleições. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 13 de Setembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excelentissimo Senhor: - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmitidas informações ácerca das difficuldades e embaraços que a experiência tiver mostrado na execução do decreto de 4 de Julho de 1821 sebre a liberdade de imprensa. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 13 de Setembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

SESSÃO DE 14 DE SETEMBRO.

ABERTA a sessão, sob a presidência do Sr. Freire, à hora costumada, leu o Sr. Secretario Barroso a acta da antecedente, que foi approvada, e se mandou lançar na presente a declaração de voto seguinte do Sr. Gyrão - Declaro, que na sessão do dia 13 fui de voto contrario á primeira votação do artigo 4.º
O Sr. Secretario Felgueiras, dando conta do expediente, mencionou os papeis seguintes.
Um officio do Ministro dos negócios do Reino, remettendo uma consulta do senado da camara sobre

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