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seguimento o das aguas ardentes da ilha da Madeira; e depois o parecer da Commissão de fazenda respectivo ás ilhas dos Açores.
Levantou-se a sessão á uma hora da tarde. - José Peixoto Sarmento de Queiroz, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Filippe Ferreira d'Araujo e Castro.

Illustrissimo e Excellentíssimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, tomando em consideração a conta do intendente geral da Polícia, datada em 31 de Maio proximo passado, e transmittida ás Cortes pela secretaria de Estado dos negocios do Reino, em o 1.º do corrente mez, representando a urgente necessidade de occorrer com prontas providencias á subsistencia dos dois recolhimentos de educação sitos no Calvario e rua da Rosa, e de outro que na cidade do Porto fundara D. Francisca de Paula, assim como á casa pia: resolvem, que o Governo fique autorizado não só para soccorrer immediatamente pelo cofre da intendencia cada um daquelles recolhimentos com a quantia de um conto de réis em papel, e á casa pia a de seis contos, mas tambem para continuar a prestar-lhes sempre os auxílios compatíveis com as forças e mais applicações do referido cofre, em quanto as Cortes não decretarem fundos permanentes, e regularem a fórma como de futuro deverão subsistir tão uteis estabelecimentos; ficando ampliada esta mesma providencia a favor do recolhimento de N. S. do Amparo na Mouraria, e havendo-se por mui recommendado ao Governo que dê as mais positivas providencias sobre a administração economica dos sobreditos estabelecimentos pios, assim como sobre o ensino e educação de seus alumnos, promovendo o augmento de seus fundos e readimentos, e a sua proveitosa applicação. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 21 de Junho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão voltar ao Governo por lhe pertencer na conformidade da ordem de 24 de Maio proximo passado a resposta dada em 31 do mesmo mez pela Commissão nomeada pela academia das sciencias de Lisboa para cuidar na publicação dos capítulos das antigas Cortes portuguezas, na fórma da ordem de 18 de Agosto de 1821, e transmittida ás Cortes pela secretaria de Estado dos negocios do Reino em 10 do corrente mez. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 21 de Junho de 1823. - João Baptista Felgueiras.

Para Candido José Xavier.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo, para que volte ás Cortes com as informações necessarias, o incluso requerimento de Manoel Rodrigues Lucas e outros officiaes, que pertencerão á esquadra commandada pelo Marquez de Niza. O que V. Exc. levará ao conhecimento da Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes, em 21 de Junho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DE 22 DE JUNHO.

BERTA a sessão pelo Sr. Gouvéa Durão, Presidente, á hora determinada, leu o Sr. Secretario Peixoto a acta da Sessão antecedente e foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta da correspondencia, e expediente na fórma que se segue.
De um officio do Ministro dos negocios do Reino em data de 21 do presente mez, transmittindo, em cumprimento da ordem das Cortes de 8 de Fevereiro deste anno dirigida ao mesmo Ministro, a consulta da meza da consciencia e ordens de 20 do mesmo mez, que acompanhava os seguintes traslados: O dos estatutos do collegio das ordens militares de S. Tiago da Espada, e S. Bento de Avis, fundado na Universidade de Coimbra, confirmados por Filippe II em 15 de Outubro de 1615. O do decreto de 14 de Dezembro de 1747 da instituição, e o alvará de 19 de Dezembro de 1788, porque a Rainha Senhora D. Maria I. approvou e confirmou o novo plano de estatutos para o governo do colegio de Nossa Senhora da Conceição para clerigos pobres. O dos estatutos do mosteiro de Nossa Senhora da Encarnação da Milícia, e mestrado de Avis, segundo a regra de S. Bento da Congregação de Cister, fundado em Lisboa do legado da Infanta D. Maria, filha de ElRei D. Manoel, confirmados por ElRei D. João IV. em alvará de 8 de Abril de 1642. O do regimento para o recolhimento das orfãs do castello, dado em 8 de Maio do 1613. O do regimento do recolhimento das orfãs arriscadas da casa de Nossa Senhora do Amparo da cidade de Lisboa, que instituiu Diogo Lopes Solis na era de 1598. O do regimento do recolhimento de Nossa Senhora dos Anjos, instituido em 16 de Outubro de 1765 pelo principal D. Lazaro Leitão Aranha em favor das viuvas pobres, e desamparadas. O de regimento das capellas de ElRei D. Afonso IV, determinado por ElRei D. Sebattião em 3 de Janeiro de 1562. O do compromisso da Rainha D. Catharina, dado aos religiosos de Belém no tempo em que governavão as merecerias, até que dellas fizerão deixação na mão de ElRei D. Sebastião, o qual mandou á meza de consciencia tomasse a seu cargo as
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ditas meceerias de sua avó. O do regimento da casa dos calecumenos da cidade de Lisboa, feito no anno 1808. O do decreto de 30 de Abril de 1778, pelo qual se encarregou á meza da consciencia e ordens a administração do seminario de S. Patricio, antigamente administrado pelos padres da compungia, e destinado para nelle se ensinar a theologia aos Irlandezes, que viessem a este Reino se instruirem nella. Declarava a meza da consciencia na sua consulta o não poder fazer a remessa do traslado do regimento antigo, por que ella se governara antes de 23 de Agosto de 1603, por o não haver. Determinou-se, que todos estes papeis fossem para a Commissão de Constituição.
De um officio do Ministro da fazenda, em data do 21 deste mez, em execução da ordem das Cortes de 8 deste mesmo mez, remetendo a consulta da Commissão para liquidar a divida publica de 19 do corrente mez, a respeito do requerimento dos lavradores de Benavente, Salvaterra, e Samora, em que pedem o perdão do emprestimo de sementes, que se lhes fez em os annos de 1810, e 1811. Foi remettido para a Commissão de fazenda.
De um officio do Ministro da guerra, em data de 20 deste mez, remettendo uma representação da junta do governo provisorio da ilha do Principe, debaixo de n.° 5, e em data do 4 de Fevereiro deste anno, em a qual expõe os vexames, que soffrem os officiaes militares daquella ilha, por depender a confirmação dos concelhos de guerra da decisão do supremo Concilio de justiça, em razão da difficuldade de commissões entre aquella ilha, e a capital da Monarquia; lembrando um meio de se estabelecer na mesma ilha uma junta de justiça, para approvar, modificar, augmentar, ou reprovar as sentenças do crime, que não forem de pena capital. Determinou-se que fosse para a Commissão de guerra.
De uma felicitação do corpo do commercio da cidade do Porto, expressando os sentimentos do patriotismo, adherencia , e fidelidade ao systema Constitucional, e de indignação para com os autores da conjuração tramada contra o governo representativo, e a sagrada pessoa do Sr. D. João VI. O Sr. Deputaria Von Zeller requereu, que desta felicitação se fizesse menção honrosa: e as Cortes assim o determinárão.
O corregedor da comarca da villa da Feira , Francisco de Sales de Barbosa e Lemos, o juiz de fóra, presidente, e officiaes da camara da mesma villa, dirigírão as suas felicitações, por se dignar a Providencia, de que fosse descuberta a conjuração, que se dirigia á destruição do systema constitucional. Mandou-se fazer menção honrosa desta felicitação.
Mandou-se para a Commissão de fazenda do Ultramar uma representação do Padre Domingos da Conceição, Deputado substituto pela provincia do Piauhi, em que se pede, a bem daquella provincia, as mesmas providencias, que se houverem de dar acerca dos dizimos do gado vaccum, e cavallar da provincia limitrofe do Siará.
O Secretario da Commissão para o melhoramento do commercio desta capital, Manoel Ribeiro Guimarães, remetteu, da parte da referida Commissão, 150 exemplares de uma memória escripta pelo prior da Magdalena da cidade de Portalegre, Manoel de Almeida, participando, que a mencionada memoria fora mandada estampar pela Commissão a rogo do seu autor, a fim de se destribuir pelos Srs. Deputados, mandando-se o resto dos exemplares para a casa pia, para que o seu producto se applica-se em beneficio daquelle tão util instituto: as Cortes ouvirão com agrado: e se destribuírão os exemplares do offerecimento pelos Srs. Deputados.
Igualmente se destribuirão exemplares do mappa demonstrativo da receita, e despeza do cofre da Universidade, e suas administrações, em todo o mez de Janeiro deste anno, remettidos ao Sr. Secretario Felgueiras em carta de officio do corrente mez, por João Anastacio do Couto, deputado secretario da junta da fazenda da Universidade.
Remetteu-se para a Commissão de fazenda uma memoria relativa á má administração da decima ecclesiastica, e annos de morto, apontando os meios de se elevarem aquellas imposições ao tresdobro do rendimento actual, offerecida por um anonymo.
O Sr. Secretario Soares de Azevedo verificou o numero dos Srs. Deputados presentes, e se achou serem 116, faltando com licença 21: e são os Srs. Quental, Andrada, Moraes Pimentel, Osório Cabral, Ribeiro da Costa, Sepulveda, Bispo do Pará, Borges de Barros, Aguiar Pires, Braamcamp, Pinto de Magalhães, Segurado, Faria Carvalho, Faria, Lino Coutinho, Sousa e Almeida, Couto, Franzini, Araujo Lima, Ribeiro Telles, Silva Correia: sem causa reconhecida 9; e são os Srs. Bernardo António de Figueiredo, Bispo de Castello Branco, Bettencourt, Baeta, Almeida e Castro, Moura, Mello e Castro, Pinto da França, Pamplona.
O Sr. Secretario Peixoto leu a indicação do Sr. Ferreira de Sousa, que entrou em discussão em sessão antecedente, e he a seguinte: proponho que a respeito da prisão dos clerigos se tenha, no que fôr applicavel, a mesma attenção que se tem com os militares, recorrendo ás justiças seculares, aos superiores ecclesiasticos.
O Sr. Caldeira: - Sr. Presidente, se nós estivessemos em um tempo em que o despotismo nos regia, eu não duvidaria votar pela indicação: mas agora em um systema constitucional, em que a lei deve ser igual para todos, em que o cidadão não pode ser preso sem culpa formada, ou em flagrante delicto; esta indicação antes de attribuir louvores ao Congresso, o fará aborrecer, ella será a causa da impunidade, e a impunidade produz a immoralidade, aquillo que he causa da causa, he causa do causado, estas immoralidades he que farão recair sobre o Congresso o despreso. Nós não viemos aqui senão para restituir o espirito á igreja, e estimaremos restituillo aos primeiros seculos. O primeiro autor desta sociedade não quiz fugir de ser preso, elle podia fazer recair sobre seus perseguidores mais de doze milhões de anjos, ora se este divino instituidor deu um exemplo tão singular, e que da sua parte ouve sempre uma exacta observancia ás leis civis, como he que então o clero ha de fugir á observancia destas mesmas leis.

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Em os Apostolos temos mais exemplos. Pedro foi preço, e encerrado em um carcere....
Ora aquelle mesmo anjo que revelou isto a Pedro, não o podia livrar do carcere, e de elle ser preto? Porém elle quiz ser elevado á dignidade de soffrer o mesmo que o chefe do Apostolado. Por tanto pertenções iníquas, pertenções injustas devem ser inteiramente receitadas; elles hão de ser presos por um homem que tenha autoridade competente, que o não prenderá sem culpa formada, ou em flagrante delicto, como já disse; conseguintemente eu não vejo que esta medida seja contra o decoro devido aos occlesiasticos; pelo contrario, sendo castigado o culpado, o clero será respeitado pelas suas virtudes, pois que não acontecerão destes casos, vendo que como os mais cidadãos, elles são presos logo que commettão o crime: eu já touxe o exemplo de Jesus Christo, e dos Apostolos, elles forão injustamente presos, e como cutão quer o clero evadir-se a esta prisão feita por uma autoridade que elle deve respeitar? Elle não deve fazer outra cousa, senão fazer-se respeitar: porém quando elle he criminoso, deve ser castigado, a pena da prisão não deve ser considerada neste caso como pena, mas sim como segurança, nós não vemos que Baptista foi preso por Herodes...... seja pois o clero justo, e virtuoso, porque aquelle que o fôr não tem medo algum desta lei, mas sim os máos, que esses devem ser castigados: eu serei sempre contra esta indicação, apezar de que vejo que ella he sustentada por muitos illustres Membros com espirito de religião: eu respeito muito este espirito, desejára que todos os seus membros a respeitassem: pois nós, havemos de approvar um similhante privilegio com escandalo da igreja, e da sociedade? Por ventura o clero, não exerce os mais encargos da sociedade, e porque não ha de soffrer este? Quem deseja similhante privilegio? (respeitando muito o illustre Autor da indicação) São os fanaticos, os hypocritas, e os impostores; não falão assim os homens justos; por conseguinte eu voto contra a indicação em toda a sua generalidade.
O Sr. Vigario da Victoria: - Eu não posso ouvir de sangue frio a doutrina do illustre Preopinante. Este favor, ou privilegio que tem gozado desde o seculo 13, pelo qual Constantino confirmou um lavor, que os Príncipes seculares tinhão concedido aos ecclesiasticos, e tem sido conservado até agora, tendo igualmente sido concedido pelo Concilio Afonsino, e outros, e se os Príncipes tem conservado este privilegio até agora, porque o não hão de conceder as Cortes? Da concessão delle nada prejudica a sociedade; o projecto não concede, que o clero fique impune, mas que em consequencia das augustas funcções que elle exerce no meio desta mesma sociedade, seja respeitado; e qual será a razão porque quando foi para se conceder um igual privilegio aos militares, eu ouvi expender aqui mesmo neste augusto Congresso esta doutrina, e agora se não quer admittir? Por ventura os clerigos não são encarregados tambem de funcções augustas? Não merecem elles alguma consideração deste corpo legislativo? Não está na mão delle conceder-lhe este mesmo privilegio, que ficou sido concedido por todos os Imperadores? Não foi só Constantino, como tambem Theodosio, e Justiniano, segundo dizem alguns, e ultimamente todos os Principes catolicos o tem concedido, e não sei porque se ha de privar o clero deste favor, que verdadeiramente não he privilegio, he uma sombra do privilegio, que sempre que se houver de prender um clerigo, antes de sua prisão se dê parte ao seu competente superior para que se proceda a este acto com alguma regularidade, e logo que se satisfaça esta formalidade seja preso. Parece-me pois, que não póde de nenhum modo passar a doutrina que o illustre Preopinante tem expendido, e se aos militares foi concedido este favor, igualmente o deve ser ao clero, porque se aquelles defendem a sociedade pela força física, estes defendem-na pela força moral; o clero com a sua prégação insinua ao povo o systema constitucional: com tudo este privilegio não se extende aos crimes de lesa Magestade, nem aos de lesa Nação, porque em crimes desta naturesa não ha foro: S. Jeronymo diz a respeito dos inquisidores.....
Finalmente eu me sinto muito de ver combater aquella doutrina por aquelles mesmos, que a deverão defender, e se o clero he obrigado a que a sua pregação seja debaixo de ideias liberaes, da mesma fórma se deve conceder este favor, favor que elle goza ha treze seculos, dando-se primeiro parte as prelado diocesano, e então quando o prelado é não castigue, a nossa lei manda que o Magistrado o faça. Se nós queremos concentrar a religião, que he uma das bases mais principaes na sociedade, he preciso que se lhe dê alguma consideração, e o respeito que lhe he devido. Não he o clero. Sr. Presidente, que causa as desordens na sociedade, porque elles pouco ou nada podem influir na mesma sociedade; por conseguinte voto pela indicação.
O Sr. Vaz Velho: - Sr. Presidente, a indicação de que se trata diz: que as prizões dos ecclesiasticos devem merecer a mesma contemplação, que merecêrão as dos militares a este soberano Congresso. Apurando o que até agora tenho ouvido, reduz-se a materia sujeita a duas questões: 1.ª se o soberano Congresso póde ter a dita contemplação: 2.ª se podendo, a deve ter. Em quanto á primeira questão, depois de se haver demonstrado que os imperantes forão os que concederão aos ecclesiasticos o privilegio do fôro, em consequencia do qual vinha o da prisão; não se pode duvidar do poder do soberano Congresso, por isso que só póde negar aquelle, que póde conceder: pois que que as cousas se desmanchão pelos mesmos principios porque se fazem. Ainda menos admite duvida depois que o soberano Congresso, julgando-se autorizado, aboliu o privilegio do fôro ecclesiastico. Pelo que respeita á segunda questão, isto he, se o soberano Congresso deve ter com as prisões dos ecclesiasticos a mesma contemplação, que teve com as dos militares. Nesta questão devo começar de mais longe, examinando d'antemão os princípios, que se tem estabelecido para firmar e defender a opinião negativa. Disse (e isto com muito calor e enthusiasmo) que no tempo de Christo e dos Apostolos não havião cadeias ecclsiasticas; não havia privilegio de fôro; e não se

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recorria o autoridade ecclasiastica para se mandar prender: logo nado disto se deve consentir agora! Tenho observado, e sempre com admiração minha) que quando se fala em meterias relativas á religião, as mais das vezes se avanção mais ou menos grandes paradoxos. Com effeito trazer, por exemplo, o que se praticava, ou deixava de praticar em um tempo, em que a religião, a igreja, e os seus ministros erão perseguidos, em que os que governavão nos Estados erão os seus maiores inimigos: para este em que a igreja he protegida, em que a religião he a dominante do estado, em que os que governão a professão e respeitão! Certamente he o maior dos paradoxos. No tempo da perseguição mandavão-se prender os ecclesiasticos sem recorrer aos ecclesiasticos, que he o mesmo que sem recorrer aos perseguidos; logo hoje devo-se fazer o mesmo!! Esta conclusão, pelo menos na minha logica, he absurda. A conclusão debaixo da palavra hoje, suppõe nas mesmas circunstancias o que he manifestamente falso, e por isso o raciocinio nada conclue. No tempo dos Apostolos, diz S. Agostinho, os Reis não entrevinhão nas causas a favor da igreja, porque ainda se estava cumprindo a professia do Psalmo Adstiberunt reges terrae et principes coxvenerunt in unum adversus Dominum et adversus Christum ejus. S. Paulo foi preso, passou de uma para outra prisão, appellou de um para outro juízo, e tudo isto era conveniente á religião pelas conversões que hia fazendo. S. Pedro saiu da prisão por virtude divina, sem recorrer ás autoridades. Porventura serão estes exemplos para se alegarem? Refutado por tanto este principio, passemos á questão: que a religião influe muito na sociedade, e que sem religião não ha boa sociedade, o conhecerão os mesmos gentios; Cicero lhe chamou o fundamento da sociedade humana; o o propugnaculo do magistrado. E Platão disse que a religião era o vinculo das leis, e de disciplina honesta.
A religião explica-se pelos seus ministros, e a consideração destes influirá muito na consideração daquella. Que respeito merecerá a religião, cujos ministros forem pelas autoridades vilipendiados? Todos os governos respeitárão os ministros das suas religiões pelo que nisto interessava o Estado. Este foi o motivo porque os Imperadores e Reis concederão á igreja talvez o privilegio do fôro; e não o unico motivo do fanatismo como se tem asseverado. He necessario irmos com muita cautella e madureza, quando nos propozermos a remediar abusos, pois he muito facil de um extremo passar a outro, como, por exemplo, tem acontecido aos nossos irmãos da igreja reformada, que pertendendo reformar os obusos, que dizião achavão na igreja romana, tem muitos declinado para o socianismo, que he o extremo opposto, isto he negar a Jesus Christo. Eis-aqui as razões que ha a favor da indicação, isto he, para que os ecclesiasticos sejão presos pelas autoridades ecclesiasticas, para que nas prisões se dê a decencia devida. Todos vêm que nestas razõas não ha uma rigorosa justiça, pois que a prisãi parece dever ser feita pela autoridade que a manda por sua sentença, que he segundo o que está sancciinado, a autoridade civil, mas nem sempre o legislador se move pela rigorosa justiça, antes muitas vezes he esta embargada pela equidade, e uteis consequencias. Da outra parte oppõe-se a difficuldade da prisão; o não perder o ecclesiastico a qualidade de cidadão, que deve estimar em muito pela igualdade diante da lei, como os seus concidadãos: o terem perdido o privilegio do fôro, e por consequencia o da prisão, etc. Umas e outras considerações ponho na presença deste augusto Congresso para dar a preferencia ás que lhe parecer mais fortes, pois eu como interessado não declaro o meu voto.
O Sr. Alencar: - Senhor Presidente, depois que sobre esta materia se tem falado pró e contra, parece que não devêra falar sobre esta questão, visto não ter aquellas idéas que já expendêrão tão illustres preopinantes; porém eu não concordo com elles em quanto ao approvar-se a indicação. Eu, Senhor Presidente, sou clerigo, porém primeiro fui cidadão, e por isto não quero ter outros privilegios do que o de ser cidadão portuguez. Acho gravissimos inconvenientes em se adoptar similhante medida, elles já se achão ponderados pelos Senhores Freire e Alves do Rio na sessão passada, um clerigo commette um crime, e ha de se esperar que se tire licença para ser preso? No entanto muda-se elle. No Sertão acontece, que a cabeça do bispado he dahi duzentas leguas, e ha de esperar por que se vá tirar licença? Ha de elle ficar impune do delicto que commetteu? Voto por tanto contra a indicação na sua generalidade, exceptuando-se aquelles ecclesiasticos que se acharem empregados em juridicção, como por exemplo o cura de almas, porque seria um grande inconveniente que se prendesse o ecclesiastico, e que ficassem os freguezes sem pasto espiritual; proponho portanto que estes sejão exceptuados. Os clerigos que forem homens de bem não podem ter receio algum de similhante medida, os que temem são os máos, estes devem ser punidos, conseguintemente voto como já disse por sua rejeição, exceptuando-se o caso que apontei: este o meu voto.
O Sr. Borges Carneiro: - Antes de tudo eu estabeleço como incontestavel principio nesta materia, que a sujeição dos ministros da igreja á autoridade e leis civis nas materias temporaes longe de ser injuriosa á Religião, he a ella mui conforme, aos dictames dos livros santos, e á natureza e fins das sociedades civis. Eu não recordarei a este respeito sómente a disciplina da igreja nos primeiros seculos, em que ella não tinha ainda uma forma exterior regular, em consequencia das perseguições: oitocentos annos depois da sua fundação ainda não se havia visto um só exemplo de os Bispos e seus ministros exercitarem autoridade de prender a quem quer que fosse. Os ecclesiasticos implicados em crimes erão presos pelas justiças civis. Só no século XII depois que a ambição de alguns Papas, e a impostura das Decretaes Isidorianas introduziu na igreja um foro externo separado do interno, e se muniu de aljubes, tribunaes, codigos, torturas, etc., isto he, depois que se atropellou o scitis quia principes gentium dominantur corum, vos autem non sic do Evangelho, he que se viu estabelecida essa monstruosa extensão da chamada iminunidade pessoal, local, e real, que attribue aos ecclesiasticos um poder privativo sobre causas tem-

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poraes, e exime a elles e a essas cousas da disposição do poder civil. Os principios civis, unicos depositarios do poder temporal, ou tolerárão estas usurpações, ou mesmo expressamente as concedêrão e ampliárão, já arrastados pela prepotencia e artificios dos clerigos, já movidos de uma devoção quasi sempre mal entendida e filha de principios espalhados pelos mesmos clerigos, unicos que naquelles tempos de ignorancia sabião ler e escrever. Com tudo como esse direito (falo da autoridade de os clerigos prenderem ou serem presos) todo se fundava na comcessão e jurisdicção dos Reis, muitas vezes elles alterárão, ou revogárão as suas concessões e o uso delle. Na peninsula hispanica bem como no resto da Europa forão sempre exceptuados os crimes chamados privilegiados ou atrozes como, os de Estado, contra a segurança publica, assassinio, etc., pelos quaes os clerigos continuárão sempre a ser presos e punidos pelas justiças seculares. Tambem aos clerigos, que o seu prelado não castigar prompta e dignamente, diz a nossa ordenação affonsina, qe o Rei os fará castigar. Hoje que está revogado o privilegio do foro quanto aos crimes, commettidos pelos clerigos, será uma cousa bem estranha que as autoridades civis os não possão mandar prender, e que quem póde o mais, não possa o menos. E que? Terão essas autoridades de requerer a prisão aos Bispos, os quaes tenhão de lhes remetter o clerigo preso talvez a grande distancia? Isto se faz com os militares, porque estes em toda a parte tem escoltas que fação estas remessas; porém os Bispos não as tem. Pelo que he cousa bem incoherente, além de ser contraria á boa admministração da justiça, que o juiz criminal não possa prender o clerigo criminoso, e o possa setenciar. Parece-me pois que ás justiças civis se deve dar hoje esta faculdade, devendo as mesmas communicar logo a prisão ao prelado para elle saber a conducta e destino do seu subdito, bem como não ser este preso no tempo em que exercita o ministerio sagrado; duas circunstancias estas que tambem se praticão com os milicianos, e os clerigos são militia Christi.
Se porém não for adoptada esta opinião, convém então que a inhibição de prenderem as justiças aos clerigos, seja modificada com as seguintes declarações: 1.ª que farão a requisição ao Bispo, ou seu vigario geral estando no mesmo lugar, e não estando ao vigario da vara ou archipreste, os quaes ficarão responsaveis por qualqier ommissão: 2.ª que isto não terá lugar nos crimes que pela lei merecem pena de morte, ou degredo de dez annos commettido em flagrante: 3.ª que a autoridade ecclesiastica cuidará de fazer logo remetter o clerigo preso á autoridade civil, pedindo o necessario auxilio.
O Sr. Caldeira: - Eu tinha pedido a palavra para responder ao Sr. Marcos de Sousa. Eu devo primeiramente declarar que não tenho outro motivo para rejeitar a indicação do que tem o illustre Preopinante para apoiar, isto he de conservar a dignidade do clero; seria uma cousa absurda que pertencendo eu a esta classe, a não quizesse fazer respeitar; mas os meios de que nos temos servido são oppostos. Creio que a intenção de todos os illustres Deputados que tem fallado, não he em toda a sua extenção, eu approvo-a com as modificações que acaba de apontar o Sr. Borges Carneiro; porque como esta não faz mais do que concorrer para que sem utilidade nenhuma se conceda este privilegio; todos os cidadãos desejão, que o clero seja respeitado porque de outro modo a sociedade perderia muito, mas o respeito não se dá, merece-se. Se o homem por si o não merecer, por mais respeitado que o queirão fazer, nunca o será. O Sr. Borges Carneiro já mostrou o que succedia até o seculo 12.º da igreja, não vejo necessidade de fazer similhante novidade. Se as leis erão boas, e a sociedade estava em ordem para que nos juntamos nós aqui? Devemos fazer só cousas justas e indispensaveis. A sociedade estava em transtorno, ninguem o póde duvidar. He o fundamento dos hypocrytas não pensar na religião a sua vontade. Não sei pois o que isto possa fazer de bem á religião, nem ao clero, e por tanto não posso approvar a indicação como está, mas da forma que a emendou o Sr. Borges Carneiro.
O Sr. Serpa Machado: - Eu já disse, que não póde haver duvida alguma de que se tenhão abolido todos os foros pessoaes. Agora porém trat-se de outra cousa, vem a ser, se certa classe de cidadãos devem ser prezos com certa formalidade. Já dissemos a respeito dos militares que só o poderião ser, participando-o primeiro aos seus commandantes, e agora propõem-se que quando o mesmo succeda a algum ecclesiastico se dê igualmente parte ao seu superior. Isto não importa um privilegio, tem-se-lhe dado este nome odioso, tal não he, mas sim um modo de fazer estas prizões. A primeira objecção que se fez contra a indicação foi, que ella he destituida de utilidade, e que era incoherente estabelecer um privilegio a favor dos ecclesiasticos. He preciso destinguir os direitos dos cidadãos: todos tem os mesmos, mas póde dizer-se que não acontece assim rigorosamente de facto. Quando se diz que um cidadão he igual a outro diante da lei, quer dizer que quando dois cidadãos estão nas mesmas circunstancias, elles devem ser julgados da mesma fórma: porque quanto ao militar, em consequencia do que está decretado, acha-se em uma situação differente dos mais cidadãos: o mesmo deve succeder aos ecclesiaticos por estarem encarregados de todos os objectos da religião. Supposto pois isto, he necessario que para bem da ordem publica elles não possam ser prezos sem esta formalidade, não por se lhe dar privilegio, mas sim por serem uns empregados, que exercem tão augustas funcções que estão tão ligadas com a sociedade. Nem se diga que nisto não póde haver abusos, porque tem acontecido: eu sei de um ministro territorial do nosso tempo, que prendeu um clerigo, indo debaixo do palio conduzindo o sacramento. He para não succederem destas; e porque isto não importa verdadeiramente um privilegio que eu pugno pela indicação. Ha outra objecção que parece mais consideravel, que isto seira um prejuizo pelos grandes incommodos, e faria impecer a administração da justiça, e que o réo se poderia evadir em quanto se passávão as ordens necessarias. Nenhuma destas considerações tem grande lugar; temos leis que podemos impor áquelle que o merecer, uma vez que

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abuse. Os arciprestes, ou vigarios da vara são umas autoridades que estão espalhados por todo o reino proximas umas ás outras: e a quem com facilidade se póde participar, porque a indicação não diz precisamente que seja o bispo, diz uma autoridade ecclesiastica. Quando se tratou dos Deputados de Cortes, não determinamos nós que elles não podessem ser prezos sem este Congresso ser sabedor? E porque? Foi para lhe conceder algum privilegio? Não certamente: foi para que nenhuma autoridade o podesse prender sem o participar, por assim convir ao bem publico. Por tanto ainda que o presente caso se possa considerar como uma sombra de privilegio, até por assim irmos coherentes com os costumes dos povos, o deviamos approvar. De mais isto não he uma lei constitucional, póde revogar-se quando assim pareça preciso. A respeito do que disse o Sr. Borges Carneiro, faça-se embora o que elle disse nos grandes crimes de que falou, mas em geral deve conceder-se esta prerogativa, do que não vem mal: a sociedade o que interessa he que o criminoso seja prezo, tanto se lhe dá que seja por este, como por aquelle alcaide, como que seja nesta ou naquella cadèa, o homem que he levado ao patíbulo, tanto se lhe dá ser justiçado por este, como por aquelle algoz.
O Sr. Sarmento: - A falta de uma fisionomia, que descobrisse os fanaticos, e os hypocritas, tem neste mundo o resultado de nato poupar trabalhos áquelles, que injustamente são arguidos em razão das opiniões que proferem. Eu tive a infelicidade de seguir a opinião do illustre autor da indicação, e apesar das observações feitas por outro illustre Preopinante, ainda hoje sigo a mesma opinião, e como ella dimana de certos princípios, dos quaes provavelmente não mudarei, pois cheguei já á ametade da carreira de um praso bom de vida, e era tempo de me firmar em principios, que me parecerão resultar da combinação da verdade com a experiencia, estou ainda nas mesmas idéas, que enunciei em a sessão antecedente; se ellas são o producto do fanatismo, ou da hypocrisia não poderei dizer, porém que são o resultado de habitos inveterados, se elles podem considerar-se taes em trinta e seis annos de idade, tambem o não poderei dizer, sim porém que são culpados os que me educárão com estes princípios, e idéas vulgares. Só poderei indemnizar a falta de idéas não vulgares, expressando-me sem vulgaridade, que os ecclesiasticos em fragante devem ser prezos, nem eu posso considerar que haja receio de que elles possão commetter actos criminosos no mesmo acto de seus ministerios, e por isso similhante determinação não arriscará nunca o decoro, e respeito devido a objectos de religião. Eu não sou instruido suficientemente, nem em conhecimentos ecclesiasticos, nem na historia da igreja, todavia he bem constante e de todos sabido, que S. Paulo, creio que he um exemplo, bem no principio do christianismo, estando condemnado a açoites, appellou para os foros de cidadão romano, e na verdade parece que o rejeitar qualquer contemplação, com que os nossos concidadãos se querem honrar, e distinguir, não só he loucura rematada, mas talvez terrivel hypocrisia, a fim de encobrir vistas particulares, se attendermos a natureza do coração humano, e do homem mais virtuoso, o qual se obra acções boas, pela pratica dellas não he insensível aos effeitos da emulação. He preciso que os principios que enunciamos sejão exactos, e praticaveis: nós temos estabelecido a igualdade de direitos, e oxalá que possamos estabelecela, que teremos fundado o melhor systema constitucional: a respeito da igualdade, he preciso determinar bem o que intendemos por igualdade, porque iriamos suppor que depois do estabelecido o systema constitucional, os homens nascerião com as mesmas dimenções, uns não serião mais gordos, nem mais magros. Quando opoiei a indicação, eu logo reconheci a necessidade de haver com ecclesiasticos alguma contemplação, para que se não attribuisse a medo a destincção, com que se havia exceptuado a classe militar, sendo os militares os unicos com quem se havia guardado contemplação. Eu propunha que da mesma maneira com que estas duas classes gozavão antes da nossa regeneração politica de privilegios: houvesse depois da reducção desses privilegios a mesma analogia, deixando-se ao ecclesiastico algum certo de consideração, com que a Nação portuguesa sempre contemplára esta porção de cidadãos. Havia tambem um motivo político, e de maior ponderação, e he o espirito publico da Nação portugueza que considera com respeito as instituições religiosas. Eu não procurarei em apoio da minha opinião, escriptor algum fanatico, nem hypocrita, nem de idéas vulgares, chamarei a opinião do mesmo João Jaques Rosseau: veja se os concelhos, que elle dava ao conde de Willowsky, a respeito da reformação do governo da Polonia, elle dizia que para dar boas leis aos povos da Polonia, se havia mister de um legislador polaco, porque a bondade da legislação depende não da excellencia do trabalho, porém da facilidade da applicação, e esta do conhecimento da cento, e eu tenho para mim que as melhores leis são aquellas para cujo recebimento já existe disposição em quem as ha de receber, e não aquellas, cuja execução ha de exigir trabalho, e energia do governo.
O Sr. Guerreiro: - A causa da religião, e a consideração politica dos ministros della, são cousas muito differentes: a primeira questão he religiosa, e a segunda he civil ou política, e por isso póde livremente falar-se sobre esta, sem tocar aquella. He sómente pelo lado civil e político que eu vou considerar a questão; a saber, se sendo accusado perante um juiz secular qualquer clerigo, por crimes; em chegando o caso em que conforme as leis elle deve ser preso, isto he, havendo pronuncia, se poderá proceder a prisão, ou se para tal se devia recorrer aos prelados ecclesiasticos. Tem-se produzido differentes razões pela affirmativa, e entre ellas se trouxe para prova o que se decretou n'um caso similhante para os militares; parece-me porém que não vale similhante paridade. Respeito muito o clero portuguez. Lendo porém a historia acho, que desde que os usurpadores romanos tomárão o governo, começárão a conceder privilegios a esta classe, depois se forão augmentando ou pela piedade regia, ou pelo interesse que elles tinhão nisto, confundirão as cousas de tal fórma que todos os poderes ião a ser absorvidos pelo poder ec-

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clesiastico: elles até tratarão de assumir os direitos que a sociedade tinha concedida aos Reis, e daqui se originou uma guerra que ninguem ignora. Não obstante pois o poderio que teve o clero, não obstante as circunstancias que fizerão alguns Reis em transigir os seus proprios vassallos, em Portugal sempre forão considerados como uma classe sustentada pela autoridade do rei. A autoridade pois que os bispos tinhão para empregar força para conter os seus ecclesiasticos, essa mesma lhe foi circunscripta. Se a maior parte dos prelados não tem este poder, e precisão recorrer aos juizos seculares, como he possivel sem transtornar a harmonia destes poderes, como he possivel fazer com que o poder secular peça licença ao ecclesiastico? Não he isto um menoscabo da lei, ir fazer dependente a execução da justiça de uma autoridade eclesiástica? Certamente. E são as razões mais fortes que ha para se regeitar a indicação. Qual foi a razão porque a respeito dos militares se decretou que não fossem presos sem autoridade dos seus commandantes: isto he porque atacada esta classe encarregada da execução de ordens, que por sua natureza são de muito segredo, de que depende ás vezes perder-se ou não uma guerra, ou uma nação inteira, só os seus superiores devem ser autorizados para se poderem prender. Mas dá-se isto mesmo aos clerigos? Porventura as suas funcções estão ainda cubertas com o véo do mysterio, não são ellas publicas? Segue-se pois que nem a favor do paroco, nem do bispo deve haver esta excepção, porque já mesmo está determinada em quem ha de recair a jurisdicção, e por isso não padece o serviço da igreja. Logo não vale aquella paridade, nem por se ter feito aquella excepção a respeito de uns, se deve fazer a respeito de outros. Diz-se tambem que admittida a indicação o clerigo será muito respeitado: eu sou o primeiro a votar a favor de quantas cousas possa haver para este fim, uma vez que não venhão a destruir a igualdade dos cidadãos. Finalmente seria uma admiração, que dantes obrigassem as leis á autoridade ecclesiastica a impetrar a autoridade civil, e agora fosse necessario que a autoridade civil implorasse a ecclesiastica.
O Sr. Pessanha: - Apezar das razões com que o illustre Preopinante atacou a indicação, não posso deixar de votar por ella com algumas restricções. Eu subscrevo á doutrina que tenho ouvido a alguns illustres Deputados de que as immunidades ecclesiasticas forão arrancadas á superstição dos principes nos seculos de ignorancia; e tambem de que não he a prisão, mas o crime o que póde deshonrar os ecclesiasticos indignos do seu alto ministerio: mas não posso deixar de considerar que as leis devem ser feitas para os povos, que por vilas hão de ser regidos. A Nação portugueza, he religiosissima por essencia, e muita parte della custar-lhe-ia a fazer distincção entre a causa da religião e a dos seus ministros; que ajuizaria ella se se prenderem clerigos quando elles estivessem exercitando as funcções do seu ministerio? Já tirámos aos elencos o seu foro particular, que importa que agora lhe deixemos, esta prorogativa d'honra? Tambem já se disse, que isto poderia ter os inconvenientes quando se tratasse de crimes contra o Estado. Convenho, mas para conciliar essa segurança com o que me parece que exige a honra do sacerdócio, julgue, que deverão excluir-se da indicação os casos de flagrante, e os que são exceptuados na Constituição, para que os cidadãos possão ser presos sem culpa formada. Com estas modificações approvo a indicação, porque me parece muito coherente com o espirito da Nação.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. presidente; tenho ouvido sustentar a indicação com o fundamento de que receitada ella, se irião alterar os nossos costumes, e se se faltaria ao respeito que se deve ao clero; por outra parte toma-se por fundamento que uma vez concedidos estes privilegios militares não ha razão para que se negão aos ecclesiasticos. São estas as razões que se tem apresentado. A primeira bem, longe de defender a indicação, he opposta a ella, porque nesta parte o que eu requeiro he, que se observem os costumes antigos. Os clerigos até agora diz-se que não erão prezos sem licença dos bispos; mas o que eu quero he, que se me diga qual he a lei que manda isto: Aqui estão muitos reverendos Bispos que podem dizer se já derão alguma licença para este fim. Não ha tal lei. Então que se pretende por isto, he conceder-se aos clerigos um privilegio que elles nunca tiverão. Muitos dos illustres ouvintes sabem que a ordenação do liv. terceiro titulo... he fala nisto e dia, que se o juiz prender o clerigo em caso de culpa formada, o remeta logo ao bispo, diz mesmo que o prenda, e seria uma cousa muito inconsequente que o juiz tivesse autoridade para formar a culpa, e não para o prender, e neste caso pedia ella licença ao bispo para prender o clerigo? Nenhuma; nunca se pediu em Portugal. Tomára ouvir a lei em que se diga que seja preciso licença para o prender; e juiz occular tinha pronunciado um clerigo; mandava-o prender, e depois o remettia ao bispo. E porque? Por uma razão que já não existe: então era o bispo o seu juiz, agora já o não he. E a que proposito se ha de pedir licença ao bispo? Para que? E como podemos nós conceder uma cousa a esta classe, que se não concede a cidadão nenhum? Antes havia um costume a respeito dos militares, isto he, não existia a respeito dos clerigos. Que me mostrem lei em contrario disto, que eu sou o primeiro que voto pela indicação. Não falo no caso de flagrante, então he prezo o principe que fosse: por tanto não falo nesta hypotese. O caso he, se o clerigo podia ser prezo pelo juiz secular, e qual era o seu dever, era remettido ao bispo. Agora não sei como se ha de fazer isto: além das razões que ha a respeito dos militares, e que não militão a respeito dos clerigos, ha de mais a mais uma de muito pezo; e he, que o commandante mandando-se prender o soldado, e verificada a prizão, prende-se logo, o que não succede com o bispo. Até aqui a pratica não mostra um só facto em contrario, só se o que commetteu o delicto anda fugido: se os bispos para prender um clerigo, he-lhes preciso depressa o poder secular? Como isto he contrario aos nossos mesmos costumes, depois de haver um desejo de que a lei seja igual para todos, não ha razão para fazer em differença para os clerigos.
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O Sr. Trigoso: - Parece que o disposto nas nossas leis era o seguinte: commettido o delicto as autoridades civis formavão a culpa, e depois a remettião para a autoridade ecclesiastica onde havia sentença: em consequencia hoje he um ministro secular que faz a prizão, que dá a pronuncia, e o que dá a sentença: a mesma razão que havia para os não prender em os crimes exceptuados deve haver hoje para que o sejão, por já não haver excepção, uma vez que se aboliu o foro. A primeira razão que se deu a favor da indicação foi a analogia dos militares, a segunda a consideração que se deve ter com os ministros da religião. Os militares estão n'outras circunstancias que já se tem explicado, e não se segue, que por se conceder um privilegio aos militares se deva conceder aos clerigos; os militares podem ser prezos quando o commandante queira, e os clerigos não estão nas mesmas circunstancias; se pois os ministros seculares hão de fazer tudo quanto pertence ao processo dos clerigos, não vejo razão para que os não possão prender: a regra geral deve ser, quem processar o crime devia prender o réo, e porque as razões que se tem dado a favor não me parecem de peso algum, por isso devem ser prezos pela autoridade que lhe formão o processo; em consequencia não posso approvar a indicação, e os clerigos devem ser prezos como os outros cidadãos, mas com duas excepções, a primeira que nunca um eclesiastico possa ser prezo quando exercite o seu ministerio; e a segunda que nunca o juiz o faça sem dar parte a autoridade ecclesiastica. Feitos estas excepções não posso admittir a indicação, ainda mesmo para fazer com que elles consertem o espirito de mansidão que lhe he proprio.
O Sr. Corrêa de Seabra: - Sr. Presidente. Não posso deixar de apoiar a indicação porque he conforme com os costumes da nação portugueza, e o respeito, que a mesma sempre teve aos clerigos como ministros da religião, ainda mesmo na relaxação, que geralmente se observa, e por consequencia a indicação he adoptada e accommodada ás circunstancias e necessidades do tempo, e a sua rejeição he medida intempestiva. Já Talleirand em uma assembléa da França observou, que uma medida intempestiva, e que as necessidades do tempo não pedem, precipita o legislador, e póde dar occasião a uma revolução.
O povo portuguez não está em circunstancias de ver a sangue frio um clerigo prezo e amarrado por um beleguim, ou qualquer official desses destinados para similhantes execuções, muito mais sendo de recear que sejão frequentes os excessos, de que não faltão exemplos mesmo no tempo do privilegio do foro. Um illustre Deputado já lembrou alguns, e eu muitos outros apontaria, mas só faço menção de um no tempo d'El-Rei D. José. Certo ministro mandou prender um clerigo quando hia administrar à Santa Unção a um enfermo. Devemos nós perder de vista que o povo fácilmente se póde persuadir, que esta medida he adoptada em ódio á religião? Os argumentos, que se tem produzido em contrario não destroem a indicação, a fórma da prizão nada tem com os limites do sacerdocio, e imperio, como suppoz um illustre Preopinante, tem tanta relação, como tem a forma da prizão dos militares, dos empregados publicos, etc. Outro argumento, de que a forma de prizão que propõe a indicação, embaraça a administração da justiça nenhum lugar tem, porque não he necessario recorrer aos bispos ou a meza ecclesiastica, como suppozerão os illustres Preopinantes, que falárão em sentido contrario, basta recorrer aos vigarios da vara, ou arciprestes, por isso o autor da indicação diz na mesma = seus superiores = igualmente não tem força o outro argumento de que a forma de prizão era consequencia do privilegio, e que extincto o privilegio deve cessar a forma de prizão deprecando aos superiores ecclesiasticos; porque antes mesmo do privilegio se praticavão deprecar desta ou daquella forma aos superiores ecclesiasticos, ou isto tivesse origem em lei ou em costume, porque a experiencia mostrou a necessidade de uma tal pratica, tanto para que os superiores podessem promptamente providenciar a falta, que podía haver no serviço da igreja, que pode-se seguir-se por effeito daquella prizão, como para que os sacerdotes tivessem a consideração, e indepenencia necessaria para o exercicio das suas funcções. O argumento da ajuda do braço secular não he applicavel para aqui, porque isso procedia na execução das sentenças contra os leigos: voto portanto a favor da indicação tal qual.
O Sr. Ferreira de Sousa: - Sr. Presidente, eu estou admirado do que tenho ouvido: por exemplo, nós concedemos aos militares privilegios que já tinhão, e porque o não havemos conceder aos ecclesiasticos, que tambem os tinham? As justiças seculares nunca os prenderão: a minha indicação o que quer he, que se tenha com os clerigos a mesma contemplação que se teve com os militares: ha autoridade a quem facilmente se póde recorrer, como são os vigários da vara, e os arciprestes, etc., isto não faz nada ao sacerdocio, porque já lhe tiramos o privilegio de foro: o motivo principal da indicação, he para irmos coherentes com os costumes portuguezes, a opinião em que estão os ecclesiasticos, e a estranheza que haveria em um clerigo ser prezo como outro qualquer cidadão? Um homem por sor pronunciado, não se segue que seja criminoso, antes se tem aqui dito que em quanto não he sentenciado, a prizão he verdadeiramente uma custodia. Parece-me que será muito estranho que um clerigo seja amarrado e levado pelas ruas publicas para uma prizão aonde está gente de toda a casta. Faça-se-lhes o mesmo que aos militares, estes podem ser prezos em fragante, succeda o mesmo aos clerigos, mas nos casos ordinarios o que eu quero he, que se tenha a mesma contemplação com uma que com outra classe. Dê-se parte ao seu superior, áquella autoridade que ficar mais ao pé, para elle o mandar prender: a prizão feita por officiaes que elles lá tem para isso, não causa estranheza ao povo, porque sempre assim foi; eu ainda queria outra cousa... estando prezo no aljufe siga de lá mesmo o seu livramento: isto he o que nós queremos, os motivos que para isso ha, já forão considerados, e os que o não forão são obvios a todos: o negocio não precisa mais explicação, he muito claro.
O Sr. Ferreira Borges: - Eu poço a V. Exca. queira fazer-me o favor de mandar ler a indicação,

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porque não sei os termos em que está concebida. (Lida pelo Sr. Secretario Sarmento, continuou o mesmo Sr. Deputado). Eu não posso senão votar contra a indicação, e a razão he muito simples. Ou nós queremos dar aos ecclesiasticos mais privilegios, que lhes dá a ordenação, ou não. Se lhe queremos dar mais, como não vejo razões que me movão a isso, voto contra: e se lhe queremos dar os mesmos, escuzamos legislar, porque a lei está em pé: fação-se as prizões do clero como se fazião até agora; isto até era escuzado, porque os foros acabão. Por tanto sou de opinião que se deve desattender a indicação; que se não deve fazer innovação alguma, e que se deve proceder com os senhores ecclesiasticos, como dantes. Por isso, e porque se acabárão privilegios de foro, não posso approvar a indicação.
O Sr. Leite Lobo: - Diz-se que se deve approvar a indicação por motivos da sensação, que a contrario faria nos povos. A doutrina da indicação he que causaria essa sensação. Ver os ecclesiasticos criminosos, e impunes. Voto contra.
O Sr. Isidoro José dos Santos: - Um illustre Preopinante disse que lhe mostrassem lei que mandasse o que se pretende na indicação a respeito do clero: eu pelo contrario lembro-me de ter visto a ordenação, que manda, que no caso em que os empregados tenhão um juizo particular, os juizes que lhe formarem a culpa, os remmettão para esse juizo, ainda antes de pronunciados. Parece-me que he necessario notar-se isto. Não temos nós visto por ahi nos diarios serem accusados padres dos crimes mais atrozes; he necessario isto, para que estes não possão influir contra a utilidade publica. Quanto ao mais da indicação, póde approvar-se com as modificações lembradas.
O Sr. Belford: - Levantei-me para responder a alguns Preopinantes, que tem dito ignorão qual a lei que probibia aos juizes seculares prender os ecclesiasticos. Digo eu, que isto he uma cousa filha da pratica, que vem a ser, que quando se prende qualquer criminoso, qual he a primeira cousa que se faz? He o auto de habito, e tonsura. He por que os juizes querem ver se tem autoridade para prender, tendo ordens: isto he da pratica da nossa legislação, e por tanto digo, que era prohibido aos seculares prender os clerigos, e até estou certo de um facto a este respeito. Falando da indicação digo, que he preciso dar uma consideração a esta classe; e em razão desta consideração he que póde haver o grande respeito que se lhe deve ter. Por tanto approvo a indicação, não porque ella de privilegio, senão porque he uma classe respeitavel, que merece esta distincção.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Sobre a materia não digo mais nada, porque ella he muito clara. Quero somente declarar a um illustre Preopinante, que disse, que em Portugal a pratica de proceder a respeito destes casos, era recorrer aos juizos ecclesiasticos: eu sou ministro ha 20 annos, e fui juiz da coroa uns dois annos, mas nunca tal pratica observei. O que diz a ordenação, he que depois de formada a culpa, reincita o réo, tendo ordens sacras, para o seu bispo. Por isso he que eu tinho dito, que não havendo lei contraria a esta, iriamos dar, approvando a indicação, um privilegio aos padres, que elles nunca tiverão: todo o juiz os prendia, mas logo que conhecia que era clerigo, o remettião com a devassa, se a havia: ainda ha pouco se tirou devassa na ilha da Madeira, a respeito dessa cousa de um padre, e na relação disserão que volvesse ao juiz para a pronunciar. Tudo o que eu disse, entendo-o pela pratica.
O Sr. Presidente poz a votos a indicação do Sr. Ferreira deSousa, e foi regeitada. Propoz então, conforme a indicação do Sr. Trigoso: I que os ecclesiasticos não possão ser prezos em acto do seu ministerio: 2. que se dê immediatamente parte aos superiores, quando se effeitue a prizão. E ambas estas partes da indicação forão approvadas.
O Sr. Macedo: - Uma vez que se trata de fazer expedir já o decreto, devo lembrar ao soberano Congresso uma reflexão que me occorreu hontem, mas que não tive lugar de expender: direi pois que na extincção dos privilegios pessoaes parece que se involvem os privilegios de fôroconcedidos aos contratadores de tabaco, e aos seus administradores: mas pela razão com que nós exceptuamos os privilegios concedidos por tratados, julgo que igualmente devemos conservar este em quanto durar o actual contrato, pois que faz parte das suas condições.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Os contratadores do tabaco não tem privilegio de fôro: tem uma condição que diz que os contratadores e os seus comarcãos não possão ser demandados senão no sitio onde estão, mas he a respeito de consas de tabaco. Se todos os empregados que lá ha, tivessem privilegio de fôro então era melhor ser superintendente do tabaco do que desembargador do paço, mas eu quando lá servi não recebi mais que o ordenado.
O Sr. Borges Carneiro: - Deve declarar-se, que o privilegio do fôro dos actuaes contratadores ou rendeiros da fazenda nacional, se guarda em quanto durarem seus contratos; pois com a consideração desse e outros privilegios he que lançarão nas rendas, e as arrematarão. Outra consa será para os contratos futuros. Por tanto o fôro dos contratadores do tabaco deve continuar a cumprir-se tal qual está, e como bem disse o Sr. Fernanda Thomaz, não o tem todos os empregados, ou estanqueiros; mas só aquelles que constão das condicções do actual contrato.
O Sr. Macedo: - Peço que se declare, que he só ao actual contrato que se conserva o privilegio do fôro estipulado nas condicções: porque nos seguintes contratos sou de opinião que se não conceda mais tal privilegio.
O Sr. Serpa: - Se he verdade a doutrina que acabão de expor os illustres Preopinantes, não nos devemos limitar ao contrato do tabaco, devemos estender esta medida a todos os contratos da mesma naturesa feitos com a fazenda nacional.
O Sr. Presidente: - Se parecer ao Congresso, póde isto incorporar-se no artigo 2.°
O Sr. Camello Fortes: - Parece-me que se não poderá rasoavelmente pôr em duvida, que os contratos que estão em pé são validos, pois que a Nação respeita os direitos de cada um. O controlo taba-
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co foi feito debaixo de certos privilegios; uma vez que se quizessem abolir estes prjvilegios, seria preciso compensar os contratadores de alguma fórma; mas podem elles não querer esta compensação, e por isso não vejo outro meio senão conservar o contrato do tabaco como está, e mesmo que haja privilegios pessoaes he necessario conservalos.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Parece-me muito justo o que acaba de dizer o Sr. Camello Fortes. Estes homens contratárão com a Nação, e por isso não se lhe podem tirar estes privilegios com justiça, uma vez que se declare que isto fica só para o actual contrato. E supponho que não ha outro contrato desta naturesa.
O Sr. Bastos: - Os argumentos que tenho ouvido produzir, poderião ter lugar na discussão das bases da Constituição; hoje de nenhuma sorte. Por ellas ficárão abolidos todos os privilegios pessoaes de foro. Ellas achão-se juradas por nós, por todas as autoridades; e a Constituição de que são parte, acha-se jurada por toda a Nação, á qual os contratadores pertencem. Nestes termos nós seriamos prejuros, se lhes conservarmos aquelles privilegios, e elles se dos mesmos fizessem uso. Entre os tratados, e os contratos reaes não ha paridade alguma. A citada lei fundamental obriga todos os Portugueses, e não as Nações que tem contratado comnos. Nós por tanto estamos na impossibilidade moral de fazer cessar immediatamente os privilegios constantes dos ditos tratados, como já aqui mostrei em outra accasião. Ao contrario os referidos contratos forão celebrados entre o chefe do governo, e alguns de seus subditos, e podem desfazer-se, ofendendo os direitos dos outros, como realmente offendem, ou exigindo-o a publica utilidade, a que a particular he essencialmente subordinada. E que perdem os contratadores em ficarem privados dos privilegios do foro? Ou nada, porque a que se lhes tira pelo novo pacto social he muito menos que o que se lhes dá, ou muito pouco, pois de que servem privilegios a quem os não emprega, ou faz empregar como instrumento de oppressão? Com tudo para remover todo o escrupulo, faça-se embora toda a interpretação em favor dos contratadores: e indemnize-se, que he o mais a que ella póde estender-se. Isso não he o que ha de fazer o Erario pobre. E horrorrisemo-nos da transgressão das bases, e do prejurio.
O Sr. Ferreira Borges: - Trata-se de ver se por ventura se ha de estabelecer uma excepção no decreto que acaba de sanccionar-se, que extinguiu os privilegios de foros pessoaes. A Nação vendeu um privilegio para ter uma somma de dinheiro por elle, deve conservar a sua palavra: mas isto só succede no contrato do tabaco, porque outros que haverá, são privilegios da causa. Ora como eu não conheço outro contrato não posso ampliar a doutrina do Sr. Macedo: e por isso devo simplesmente exceptuar-se o contrato actual do tabaco.
O Sr. Borges Carneiro. - Ninguem póde combater sem injustiça o principio geral do que a todos os contratos actuaes se deve conservar o privilegio pessoal do fôro nos termos em que estiver expresso nas condições do contrato. Quanto ao argumento deduzido das bases, no decreto que as publicou está deferida a effectiva derogação doa privilegios do fôro pessoal, até a factura da presente lei: ora esta lei podia ser feita daqui a dois, tres, ou quatro annos, e continuarião em tanto aquelles privilegios. O que he certo eu, que quando quer que ella se faça, ha de fazer-se nos termos habeis. E quem dirá que são termos habeis romper os contratos que estão pendentes no tempo em que se faz a lei?
O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu quero ler as palavras da lei, porque ao duvidou dellas (leu).
O Sr. Bastos: - Um illustre Preopinante disse, que o artigo das bases que aboliu todos os privilegios pessoaes de fôro, ficou suspenso até á factura da lei de que estamos tratando, e que esta se podia ainda deferir até daqui a tres ou quatro annos. Por isso mesmo que a suspensão não foi absoluta, mas se lhe marcou por termo a factura da presente lei, he obvio, he incontestavel, que não póde continuar daqui por diante. Nem he exacto o dizer-se que esta lei podia ainda tardar tres ou quatro annos. Nas bases se prometteu que ella se faria immediatamente, e já ella não ha pouco tardia. E em quanto ao resto ninguem respeita mais os contratos do que eu; porém nós temos dois absolutamente repugnantes entre si: um entre o chefe do governo e alguns individuos, concedendo-lhes aquelles privilegios, e outro da Nação intuirá, de que esses indivíduos fazião parte, abolindo-os, e esta abolição robarada com juramento. Assim a questão vem a ser: qual dos dois deve observar-se?
Julgada a materia sufficientemente discutida, o Sr. Presidente propoz; se devião subsistir os privilegios pessoaes do fôro estipulados por contratos chamados Reaes, durante o tempo desses contratos: e foi approvado.
Poz o Sr. Presidente á votação a moção do Sr. Deputado Alves do Rio, verbalmente feita em a sessão antecedente, a fim de se expedir immediatamente o decreto da extincção dos privilegios pessoaes de fôro, sem se esperar pela decisão a respeito dos privilégios de causas. Sendo posta á votação, foi approvada.
O Sr. Deputado Secretario Sarmento leu um officio do Ministro de negocios de justiça em data de 21 do corrente mez, transmittindo uma conta do desembargador corregedor do crime do bairro da Rua Nova José Joaquim Gerarão Sampayo na mesma data, em que respeitosamente implorava venia para ser inquirido o Sr, Deputado Miranda, por assim o exigir o serviço da justiça, e por não caber na sua alçada poder judicialmente avisar o dito Deputado, cujo depoimento se fazia indispensavel tomar-se na devassa, a que elle estava procedendo, sobre a conspiração impiamente tramada contra os representantes da Nação, e contra a pessoa de ElRei, e Ministro de justiça; achando-se o Sr. Deputado Miranda, como testemunha referida na participação a ElRei pelo marechar de campo Luiz do Rego Barreto. O Ministro declarava ser-lhe necessaria a resposta com urgencia: e depois de breves observações, se determinou a concessão da licença requerida.

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Deu mais conta o Sr. Deputado Secretario de uma felicitação dirigida ás Cortes pelo Marquez de Angeja, o qual, chegando do Reino do Brazil, vinha apresentar os seus sentimentos de respeito, amor, e obediencia ao soberano Congresso, e renovar os seus juramentos, para cumprimento dos quaes sempre sacrificará sua vida, e faseada. Foi ouvida com agrado: e o S. Deputado Secretario Soares de Azevedo saiu, na forma costumada, para significar isto mesmo.
O Sr. Deputado Secretario Peixoto leu uma declaração de voto do Sr. Deputado Secretario Sarmento, a qual tambem assignárão alguns Senhores Deputados, e he como se segue.
Na sessão de hoje votei a favor da indicação do Sr. Deputado Ferreira de Sousa, relativamente ao modo da prizão dos clerigos. Paço das Cortes 22 de Junho de 1822. - O Deputado Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento; Antonio Pereira; Francisco de Assis Barboza; José de Gouvêa Ozorio; José Ribeiro Saraiva; Francisco Manoel Ramos; Roberto Luiz de Mesquita Pimentel; Francisco de Magalhães de Araujo Pimentel; Joaquim Antonio Vieira Belford.
Deu o Sr. Presidente para a ordem do dia o projecto de decreto n.º 264, offerecido pelas Commissões de agricultura e commercio, ácerca das aguas ardentes da provincia da Madeira, e as bases dos artigos addicionaes da Constituição relativos ao Reino do Brazil: porém, em razão de uma moção feita pelo Sr. Deputado Freire, determinou o Sr. Presidente em segundo lugar para a ordem do dia o parecer da Commissão especial de negócios políticos do Brazil n.º 266, em lugar do projecto das bases para os artigos constitucionaes ácerca do Rei no do Brazil. Para a hora da prolongação se destinou o trabalho da eleição do tribunal de Cortes. Levantou o Sr. Presidente a sessão Ires quartos de hora depois do meio dia. Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento. Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excelentíssimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinárias da Nação portugueza concedem a licença requerida no officio do Governo expedido pela secretaria de Estado dos negócios da justiça, em data de 21 do corrente mez, para ser citado o illustre Deputado em Cortes Manoel Gonçalves de Miranda, a fim de depor na devassa pendente sobre a conspiração ha pouco descuberta. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 22 de Junho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

SESSÃO DE 25 DE JUNHO.

ABERTA a sessão, sob a presidencia do Sr. Gouvêa Durão, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
Mandou-se lançar na acta a seguinte declaração de voto: "Os abaixo assignados forão de voto, na sessão de 21, que na prizão dos ecclesiasticos se tivesse respectivamente a mesma contemplação, e fórma que se deve observar na prizão dos militares, nos termos da indicação do Sr. Ferreira de Sousa". - Fortunato Ramos; Corrêa de Seabra; Bispo de Béja; Isidoro José dos Santos; Arcebispo da Bahia; Marcos Antonio; Antonio Pereira; Manoel Filippe; Gouvêa Osorio.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente, mencionando os papeis seguintes.
1.º Um officio do Ministro dos negócios do Reino, remettendo os officios do governo da Ásia, mais papeis respectivos, constantes de Uma relação, que o acompanhava, ácerca do commercio do amfião, e do opio, nos portos portuguezes da India. Passou á Commissão de Ultramar.
2.° Outro officio do mesmo Ministro, remettendo um officio do governo provisório da província de Matto Grosso, em data de 9 de Janeiro, sobre a prerogativa de capital da cidade da Santissima Trindade. Passou á Commissão de Ultramar.
3.º Um officio do Ministro de justiça, remettendo uma representação do juiz de fora de Messejana, sobre o mudar a sua residencia para a villa de Aljustrel, e outros objectos. Passou á Commissão de justiça civil.
4.º Um officio do Ministro da fazenda, remettendo uma consulta da Meza do Desembargo do Paço, de 21 do corrente, dando a razão de não poder cumprir as portarias de 23 de Março, e 21 de Maio, sobre as informações pedidas por ordem das Cortes de 21 de Maio, relativas a portagens. Passou á Commissão de agricultura.
5.° Outro officio do mesmo Ministro, remettendo a copia do officio dirigido ao Thesouro publico nacional, pelo escrivão da meza grande da casa da Inpia, datado de 17 de Maio próximo passado, sobre a venda do páo Brazil, mandada Verificar por aviso de 15 de Abril ultimo; com as condições com que fora feita. Passou á Commissão de fazenda.
6.° Um officio do Ministro da guerra, remettendo um officio da junta provisória do governo da provincia do Parà, relativo a orna nova organisação de tropa naquella provincia. Passou á Commissão de guerra.
7.° Uma, felicitação da camara da cidade de Coimbra, feita ao soberano Congresso, e congratulação pela descuberta da projectada conspiração, de que se fez menção honrosa.
8.º Uma felicitação feita pelo Major governador da praça de Faro, Antonio Pedro Lecor, [...]

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