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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIA DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 40.

Lisboa, 23 de Março de 1821

SESSÃO DO DIA 22 DE MARÇO.

Leo-se e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

LERÃO-SE tres Officios do Ministro Secretario de Estado dos Negocios do Reyno, que vão trasladados a final.

Leo-se, e mandou-se fazer honrosa menção da seguinte Carta de felicitação, e prestação de homenagem ás Cortes:

CARTA.

Augusto e Soberano Congresso. - A Camera de Arronches por si, e todos os habitantes desta Villa, e seu termo, cheios da maior satisfação pela reunião dos Representantes da Nação em Cortes, que tão assiduamente se empregão em promover a sua felicidade; tem a honra de dirigir a V. Magestade com toda a submissão, e respeito os seus mais firmes protestos da mais constante adhesão, e devida obediencia, asseverando tambem mui respeitosamente a V. Magestade que continuará, bem como se tem conduzido desde os primeiros passos que derão para a nossa Regeneração Politica, a dar provas nada equivocas do seu zelo, e interesse pela santa causa da Nação. Deos guarde a V. Magestade por muitos, e dilatados annos.

Arronches em Camera de 17 de Março de 1821. - O Juiz de Fóia, Manoel Maria Toscano Albuquerque - O Vereador, José Ferreira Marque da Ponte - O Vereador, Antonio Jacyntho da Sylva - O Vereador, José da Sylva Lobão Tello - O Procurador do Conselho, Pedro Antonio Vallejo.

Remetteo-se á Commissão de Saúde Publica huma Memoria para organização de hum systema uniforme sobre a Saude Publica, offerecida por Ignacio Antonio da Fonseca Benavides - E bem assim, á Commissão da Constituição hum exemplar da Col-lecção de Constituições antigas e modernas, outro para a Bibliotheca das Cortes.

A Commissão dos Poderes verificou os do senhor Deputado Substituto pela Provincia do Alem-Tejo, Manoel Antonio Gomes de Brito, que prestou o determinado juramento.

O Senhor Vice-Presidente participou ao Congresso as declaracões constantes do seguinte;

OFFICIO.

Illmo. e Exmo. Sr. - Francisco Gomes da Sylva, Membro da Junta Provisoria estabelecida no Porto, e da Junta Preparatoria de Cortes, não acceita o Ordenado, que na Sessão de 12 do corrente fora arbitrado a todos os Membros daquellas Juntas.

Francisco José de Barros Lima offerece para a diminuição da divida do Estado esse mesmo Ordenado, que na mesma qualidade lhe pertence.

Em Cartas, que recebi hontem fui auctorizado por cada hum delles para fazer esta declaração, a qual desejão que V. Exa. queira levar ao conhecimento do Soberano Congresso.

Deos guarde a V. Exa. Lisboa 22 de Março de 1821. = Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Hermano José Braancamp do Sobral, Vice-Presidente das Cortes = Manoel Fernandes Thomaz.

Outro sim participou o senhor Vice-Presidente a communicação verbal que lhe fizera o Conde de Resende, desistindo e offerecendo o mesmo ordenado para as

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necessidades do Estado. - E de cada hum individualmente se mandou fazer na Acta honrosa menção.

O senhor Sousa e Almeida, por parte da Commissão Militar, leo o parecer da mesma Commissão sobre as Relações dos Officiaes da Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros e de Guerra, com declaração dos seus ordenados, opinando que devia ser tudo remettido á Commissão de fazenda. Foi approvado.

Leo tambem, e forão approvados os seguintes:

PARECERES.

José Pereira de Lacerda, Coronel que foi da Guarda Real da Policia representa, que tendo servido sem nota trinta e cinco annos, fora reformado em Brigadeiro com o soldo de 48$000 reis na forma da Ley, no que se julga o Supplicante deteriorado; porque se tivesse menos tempo de serviço teria sido reformado em Brigadeiro, com o soldo de Coronel, que devia ser de 75$000 réis como Coronel de Policia; porque os Officiaes deste Corpo, por Graça de Sua Magestade entrão nas reformas, contemplando-se os soldos que vencião no mesmo Corpo, e pede se lhe continue a pagar o soldo de 75$000 reis.

A' Commissão da Guerra parece, que não havendo Ley que favoreça a pertenção do Supplicante, antes pelo contrario sendo reformado na conformidade das existentes, não tom lugar a sua pertenção, não só por contraria á Ley, mas por as circunstancias do Thesouro não permittiirem que a Nação seja muito generosa.

Sallão das Cortes 22 de Março de 1821. - Francisco XaviEr CAlheiros - José AntOnio da Rosa - Barão de Molellos - Antoónio Maria Ozorio Cabral - José de Mello e Castro de Abreu - José Maria de Sousa Almeida.

A Commissão Militar examinando o Requerimento de Gaspar Placido Botelho, Tenente de Cavalleria do Exercito, em que representa que achando-se na Corte do Rio de Janeiro para onde tinha tido na qualidade de Official em Segundo na Charrua Princeza Real, sendo então Segundo Tenente da Armada Real; em Janeiro de 1810 pedio a S. Magestade lhe concedesse a passagem para este Reyno no Porto de Tenenrte, que já era, como mostra da Copia da Patente, que junta; e sendo-lhe concedida esta passagem o Governo lhe mandou registar a sua Patente na Secretaria de Estado respectiva, porem o Marechal Bersford lha não quiz cumprir. Mostra com Documentos ter o Curso da Academia de Fortificação. Artilheria, e Desenho. Pede por isto, e estar ha dez annos sem exercicio se lhe de o exercicio do seu Posto com a Graduação de Capitão de Engenheiros.

A' Commissão parece que este Requerimento he da Competencia do Governo Executivo para lhe deferir como julgar conveniente ao Serviço, visto allegar tão sómente que ha mais de quatro mezes apresentou hum Requerimento igual ao Secretario dos Negocios da Guerra, o qual não tem apparecido despachado.

Sallão das Cortes 22 de Março de 1821. - Francisco Xavier Calheiros - José Antonio da Rosa - José de Mello e Castro de Abreu - Antonio Maria Ozorio Cabral - José Maria de Sousa e Almeida.

Leo mais o mesmo senhor Deputado o Parecer sobre os Requerimentos do Secretario e Officiaes da Secretaria do Governo das Armas da Provincia do Alem-Tejo, e do Padre Manoel da Santos Rodrigues Vidigal; opinando a mesma Commissão, que o primeiro devia remetter-se á Commissão de Fazenda, e que o segundo era indeferivel. Approvou-se.

Leo mais, e forão approvados os seguintes:

PARECERES.

A Commissão vio o Requerimento de Josefa Antonia, em que diz ter requerido á Regencia por via do Ajudante General do Exercito a Graça de mandar dar Baixa a seu Filho José Maria da Fonseca, Soldado do Regimento 16, por ter dous Filhos no Serviço Militar, e ser este quem a amparava, o que tendo-lhe sido indeferido este Requerimento, menos talvez por falta de justiça, que por não abrir exemplo, recorre a Supplicante a este Augusto Congresso para que mande buscar a Regencia este Requerimento; não obstante a decisão que já teve, e lhe defira como pede.

Parece á Commissão que este Requerimento deve ser indeferido, e que a Regencia terá em consideração a justiça da Supplicante, quando as circunstancias o permittirem.

Sallão das Cortes 21 de Março de 1821. - Antonio Maria Ozorio - Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello - José Antonio da Rosa - Alvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Povoas - José Maria de Sousa e Almeida - Bernardo Correa de Castro e Sepulveda.

A Commissão de Guerra vio a Petição, em que os soldados sentenciados do Presidio do Porto Franco pedem o podão das penas que estão cumprindo.

A' Commissão parece que he inattendivel a Petição porque não he assignada; e ainda mais porque este Augusto Congresso já declarou pelo ultimo Decreto de Perdão quanto julgou conveniente perdoar; e no mesmo Decreto está a decisão desta supplica.

Salla das Cortes 16 de Março de 1821. - Alvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Povoas - Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello - Antonio Maria Ozorio Cabral - Francisco Xavier Calheiros - Barão de Molellos - Francisco de Ma-

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galhães de Araujo Pimentel - José Maria de Sousa e Almeida.

A Commissão de Guerra vio o Requerimento de João Guilherme de Sousa, em que diz ter transigido com seu Primo Agostinho de Sousa e Castro sobre seus Serviços de Tenente Coronel já Decretados, pede em sua remunerarão o Habito de Christo, com faculdade de usar desde logo da insignia.

A' Commisão parece que á Regencia do Reyno he que compete deferir ao Supplicante.

Sallão das Cortes 21 de Março de 1821. - Francisco Xavier Calheiros - José Antonio da Rosa - Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello - Barão de Molellos - José de Mello e Castro de Abreu - Francisco de Magalhães de Araujo Pimentel - José Maria de Sousa e Almeida - Bernardo Corrêa de Castro e Sepulveda.

A Commissão de Guerra vio o Requerimento de D. Anna Rita Xavier de Gusmão em que representa estar opprimida com a obrigação de sustentar tres filhas donzellas, e de cuidar de muitas demandas que tem ha dezeseis annos para defender o que he seu; e que tendo dous filhos, hum no Regimento 22, e outro Alteres no 7.° de Infanteria, os quaes por suas obrigações a não podem coadjuvar em seus negocios, pede que seu filho Alferes Felix Antonio Gomes tenha passagem para algum dos Regimentos da guarnição desta Capital: e quando isto não possa ser, que seja addido a algum delles para aqui melhor se emprega em tratar de seus negocios.

A Commissão parece que a Regencia do Reyno he que compete deferir á Supplicante. Sallão das Cortes 21 de Março de 1821. - Alvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Povoas - José Maria de Sousa e Almeida - Bernardo Corrêa de Castro e Sepulveda - Francisco de Magalhães de Araujo Pimentel.

A Commissão de Guerra vio o Requerimento de Maria Victoria, Viuva, do Lugar de Assentiz, em que pede a mudança de seu Filho Joaquim, do Regimento de Cavallaria N.º 4 em que serve para o do N.° 10.

A' Commissão parece que á Regencia do Reyno he que compete deferir á Supplicante.

Sallão das Cortes 21 de Março de 1821. - Francisco Xavier Calheiros - José Rntonio da Rosa - Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello. - Baião de Molellos - José de Mello e Castro de Abreu - Francisco de Magalhães de Araujo Pimentel - José Maria de Sousa e Almeida - Bernardo Corrêa de Castro e Sepulveda.

Joaquim José da Assumpção, assentou Praça de Voluntario no Regimento de Infanteria N.° 10 em 1808, donde passou ao Batalhão N.º 9 de Caçadores, e nele servio em Anspeçada, e sem nota até 1814, em que teve baixa em virtude do Decreto de 19 de Novembro de 1808, que esta concedia aos Voluntarios depois de 3 annos de serviço.

Representa que foi gravemente ferido junto a Bayonna, na Batalha de 13 de Dezembro de 1813, o que prova com Certidão de Chirurgião Mór do Batalhão, o que não consta da Certidão do Livro Meeiro, pede recompensa de serviços, e meios de subsistencia.

A Commissão de Guerra he de parecer, que deve requerer á Regencia do Reyno a quem compete deferir ao Supplicante.

Sallão das Corres em 22 de Março de 1821. - Francisco Xavier Calheiros - Barão de Moellos - José de Mello e Castro de Abreu - Antonio Maria Ozorio Cabral - José Maria de Sousa e Almeida.

Leo mais o mesmo senhor Deputado outro Parecer da mesma Commissão, de que a Representação de Antonio Thomaz de Almeida da Sylva Junior, devia remetter-se á Commissão de Premios. Foi approvado.

O senhor Soares Franco, por parte da Commissão da Constituição, leo o Projecto que se lhe havia encarregado na Sessão antecedente, de instrucções á Regencia para o caso possivel da chegada de S. Magestade, ou Pessoa da sua Real Familia. Por 52 contra 36 votos foi mandado imprimir, para entrar immediatamente em discussão, e he o seguinte:

PROJECTO.

Art. 1.° No caso de chegar á foz do Tejo S. Magestade, ou alguma Pessoa Real, a Regencia o participará immediatamente ao Presidente das Cortes, e dará partes continuadas do que for acontecendo. Mandará dous de seus Membros fora da Barra, se o tempo o permittir, para prevenir S. Magestade, ou Alteza de que póde livremente entrar a Não que conduzir Sua Real Pessoa e Família, ficando entretanto o resto da Esquadra fóra da Barra.

2.° O Presidente das Cortes convocará immediatamente o Congresso, que se declarará em Sessão permanente; nomear-se-ha huma Deputação de vinte e quatro Membros, se vier S. Magestade, e de doze se vier Pessoa da Real Familia. Esta Deputação a irá cumprimentar a S. Magestade, ou a Pessoa da Real Familia que chegar, e lhe apresentará as Bases da Constituição, ou esta, se estiver feita, para a jurar antes que desembarque. Immediatamente se dirigirá S. Magestade, ou a dicta Real Pessoa, ao Congresso Nacional, perante quem ratificará solemnemente o juramento que tiver crestado.

3.° A Regencia empregará todos os meios que julgar convenientes ao cortejo devido á Alta Dignidade Real, e necessarios para manter a boa ordem publica.

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Lisboa 22 de Março de 1821. = Francisco Soares Franco = Bento Pereira do Carmo = Luiz, Bispo de Beja = José Joaquim Ferreira de Moura = João Maria Soares Castello Branco = Joaquim Pereira Annes de Carvalho = Antonio Pinheiro de Azevedo = Alvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Povoas = Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello = Manoel Borges Carneiro.

Leo tambem o senhor Soares Franco, por parte da Commissão de Saude Publica, o Relatorio da mesma Commissão sobre o Projecto offerecido pelo Auditor Virador da Provincia de Alem-Tejo Luiz Manoel de Evora Macedo, votando que se approvasse o Plano de Estabelecimento de huma Casa Pia na Cidade do Evora, e que todos os papeis relativos se remettessse na Regencia, para proceder como melhor julgasse nocomeçar deste util estabelecimento. Foi approvado.

O senhor Gouvea Osorio, por parte da Commissão Ecclesiastica, leo, e foi approvado o seguinte:

PARECER.

A Commissão Ecclesiastica encarregada de examinar o Requerimento dos Habitantes da Villa de Almeirim, em que se queixão do abandono que soffre a sua Igreja Parochial, a cuja Fabrica he responsavel a Santa Igreja Patriarchal, ou a Excellentissima Congregação Camera, como annexa á percepção dos Dizimes, que cobra daquella Freguezia, visto que huma similhante queixa está fundad em factos, que dependem de averiguação, e de audiencia da parte, e da applicação de Direito estabelecido, e certo para tal caso por isso julga a Commissão, que o Requerimento dos Supplicantes deve ser remettido á Regencia para dar as Providencias necessarias.

Lisboa no Paço das Cortes em 7 de Março de 1821. - Luis, Bispo de Beja - Ignacio da Costa Brandão - José de Gouvea Ozorio - Manoel Agostinho Madeira Torres - Antonio Pinheiro de Azevedo e Silva.

Leo mais o mesmo senhor Deputado outro Parecer da mesma Commissão, de que o Requerimento dos Moradores das Freguezias de Santa Maria de Mortosa, e de S. Bartholomeo de Veiros fosse remettido á Fegencia, para lhe deferir na parte competente, devendo em quanto ao mais usar dos meios ordinarios.

O senhor Alves do Rio, por parte da Commissão de Fazenda, leo o Relatorio da mesma Commissão sobre os Requerimentos de Francisco Antonio Furtado, de Marianna Isidora, e de João Luiz Simões, e Francisco Ferreira, julgando-s indeferiveis. Approvou-se.

Leo tambem o mesmo senhor Deputado, por parte da mesma Commmissão, e foi approvado o seguinte:

Examinando a Commissão de Fazenda o Requerimento dos Vereadores, e Procurador da Camera da Cidade de Braga, em que pedem que pelo Cabeção das sisas se pague a divida que a Camera contrahio para supprir a criação dos Expostos, e que para o futuro se augmente o lançamento das mesmas sisas, e só ajunte o producto deste accrescimo ao rendimento destinado para a criação dos Expostos que actualmente he insufficiente: e constando á Commissão por informação do senhor Deputado Barroso, existir na Mesa do Desembargo do Paço huma Consulta, informações, e mais papeis relativos a outro igual Requerimento dos Supplicantes; assim como tambem existir em poder do Provedor Mór dos Orphãos hum Regulamento interino para a criação dos Expostos da Comarca de Guimarães: cujos papeis na opinião do dicto senhor Deputado, encerrão conhecimentos uteis, e necessarios para esclarecer, e dirigir este negocio.

Parece á Commissão que se ordene á Regencia o exigir da Mesa do Desembargo do Paço, e do Provedor Mór dos Orphãos os mencionados papeis, e logo que os obtenha os faça remetter ás Cortes para que estas, tornando-os em consideração juntamente com o Requerimento dos Supplicantes, possão com mais amplo conhecimento de causa adoptar medidas geraes sobre a criação dos Expostos: assumpto que o interesse publico, e o amor da Humanidade efficazmente recomendão.

Sallão das Cortes, em 21 de Março de 1871. - Francisco Xavier Monteiro - Manoel Alves do Rio - João Rodrigues de Brito - Manoel Borges Carneiro.

O senhor Soares Franco propôz que da Regencia se exigisse relação de todas as Cidades, Villas, e Concelhos do Reyno, com declaração das Terras Cabeças de Termo; qual seja a sua população, e extensão, e quaes os Termos confinantes. - E bem assim o trabalho pertencente á divisão da a Comarcas, que deve existir na Mesa do Desembarco do Paço. Foi approvado.

O senhor Bettencourt. - Logo depois da nossa, feliz Regeneração, hum Amigo da Humanidade muito versado em instituições economicas, e de policia, presentou ao Governo interino hum plano muito bem combinado ácerca de hum estabelecimento para recolher os Mendigos, velhos, pobres, cegos, e aleijados que inundão Lisboa, muitas vezes illudindo a piedade, e extorquindo com seus estudados clamores a claridade que talvez os Cidadãos melhor poderião empregar; vindo pelo dicto plano a dar-se aos miseraveis não sómente huma subsistencia, vestuario, e domicilio certo, e no caso de molestia enfermaria, e remedios; senão tambem o Publico a tirar todo o partido possivel dos braços que pudessem ser empregados. Este plano foi mandado informar por hum sabio Magistrado, e ainda não appareceo neste Congresso, privando-se assim o Publico dos bens que podem resultar de tão util estabelecimento, e muito mais porque ser Auctor desde logo offerecia quatrocentos mil réis por sua propria sub-

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scripção, propondo-se a promover outras. Requeiro por tanto que se mande procurar, e que se apresente para se fazer de seu Auctor a devida menção, e approvar-se; do que resultará, aos pobres meios seguros de subsistencia, e ao Estado mais a uma prova de que este Soberano Congresso vela na sua prosperidade. Foi apoyado, e approvado.

Fez-se chamada nominal, e achárão-se presentes 88 dos senhores Deputados.

Discutio-se, segundo a Ordem do dia, o artigo 2.° do Additamento ao Projecto sobre Bens Nacionaes, e amortização da Divida Publica.

O senhor Ribeiro Telles (Não se ouvio - diz o Tachygrapho Marti.)

O senhor Trigoso (Não se ouvio - diz o Tachygrapho.)

O senhor Alves do Rio. - Parece-me que os senhores Preopinantes discordão nas suas opiniões. Hum assenta que o meio determinado não he sufficiente para extinguir a divida publica, e outro diz, que se não sabe se a divida será huma lha que precisemos de deitar mão deste recurso. Ouço de mais disso fazer huma differença, entre a vida actual, e as futuras: eu, em quanto ao Direito, a julgo de igual justiça; mas não se trata de construir este Direito, nem de tirar a posse, senão de a suspender em rasão da ureência, e das circunstancias até que estas melhorem. Por isso he huma suspensão unicamente, porque a causa publica assim o exige, na qual não acho que se offendão tanto estes Direitos.

O senhor Ribeiro Telles. - (Não se ouvio senão as phrases que vão entre pontos de reticencia - diz o Tachygrapho.) Eu não disse que o assentado seja pouco para pagar a divida publica, senão que nós ignoramos até onde chega a importancia dos meios estabelecidos... Que necessidade ha que nós vamos buscar hum recurso que tenha tal qual violencia, já que nem sabemos qual he a importancia da divida publica?.. Eis-aqui porque eu dizia que por agora se devião exceptuar as Commendas, e bens da Coroa.

O senhor Sarmento. - A mim sempre me parece que todas as disposições em politica devem consultar a justiça; porque o util nunca se separa do honesto, e do justo. Parece-me que este artigo se deveria excluir deste projecto. Trata-se de saber se o Rey, antes da installação das Cortes, tinha Direito para fazer, ou não estas mercês. O dizer que não haja de pagar novos Direitos he hum sophisma. A minha opinião he que se exclua inteiramente este artigo.

O senhor Borges Carneiro. - Os Illustres Preopinantes tem combatido o artigo fundados na justiça, e eu fundado na mesma justiça o sustento. Eu declararei que ha duas qualidades de justiça: ha huma descendente do Direito Feudal, e outra fundada no Direito Nacional. Eu a respeito da 1.ª comparo esta justiça á do Leão com a Ovelha. Eu não lhe chamo senão penuria, e oppressão dos fortes sobre os fracos. He huma injustiça systematisada, reduzida a Codigo, e sancionada pelo Direito da força. Em quanto á justiça fundada no Direito Natural, eu a vou fazer conhecer quanto puder. Segundo todos os principios da Rasão, e do Direito Natural, digo, que são nullas todas ás doações inofficiosas. Entendo por doações inofficiosas, taes como a que pudera fazer hum Pay que, tendo filhos, desse as suas propriedades aos estranhos. Quando hum Rey pois, que tem por Filhos os seus Súuditos, e os de vê considero como taes, faz estas doações em seu prejuiso, estas doações são nofficiosas. Segunda rasão, o Rey ainda mesmo pelas antigas Leys, não he senhor dos bens da Fazenda Publica, senão Administrador, e como tal não póde acenar estes bens. O mesmo Direito Romano estabelece que os bens da Nação não se podem, alienar. Como pois. estando já gravada a Nação com dividas, poderia o Rey, como Administrador dos bens da mesma Nação, doar 13 mil e tantos contos em Commendas para pagamento das dividas particulares, quando neste tempo existta huma divida publica, que devia ser paga com preferencia ás Commendas? Por tanto esta doação foi nulla, porque já existia esta divida. Se porem queremos considerar esta doação como regalia do Throno, e da Magestade, he injusta ainda assim mesmo, porque offende a sua pessoa. A respeito das Commendas, sabe-se que o Rey não fez estas doações como Rey, senão como Grão-Mestre, e o Grão-Mestre he Administrador: por consequencia isso mesmo foi tambem hum excesso practicado na Administração. Por todas estas rasões, estou persuadido de que, a não querer-se regular pelo barbaro systema feudal, pela justiça que elle estabelecia de oppressão do poderoso contra o pobre, não são justas taes doações. Consideradas pela rasão natural torno a dizer, que são injustissimas. A divida do Estado he muito sagrada, e com tudo tem-se tido a benignidade de contemplar estas doações neste periodo, não por injustiça rigorosa senão, torno a dizer, por benignidade (lêo o periodo.) Eu sustento com toda a força este periodo. (Apoyado, Apoyado.)

O senhor Sarmento. - Eu não o sustento, e até me parece que he indecente que sahia tal ley de hum Congresso tão augusto, porque ella he fundada ella hum machiavelismo, e huma hypocrisia que não he digna de nossas luzes.

O senhor Moura. - Dos principios estabelecidos pelo senhor Borges Carneiro, se se adoptassem como elle quer, segue-se que não só não se deve ter contemplação com a segunda e terceira vida nas Commendas e Bens da Coroa, mas nem mesmo com a primeira; porque, se as doações são inofficiosas, tanto se devião revogar na primeira vida como na segunda, como as perpetuas, ou de juro e herdade. Esta não foi a mente da Commissão, nem creio que possa ser a mente da Assemblea. O principio pois que não he applicavel á primeira vida, tão pouco o será á segunda, e á terceira. Alem disso, eu não posso deixar de notar injustiça neste artigo, e não posso deixar de considerar que está em opposição com hum dos artigos das Bases da Constituição. As doações, estando feitas por hum titulo legal, justo, e legitimo, produzirão huma propriedade tão santa como a que he derivada de outra origem. Se a urgencia das necessidades publicas exige que seja acommettido este direito, se ha tal Ley imperiosa, então deve haver indemnização. Aqui não ha expectativa a respeito da se-

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gunda e terceira vida: não depende esta doação nem mesmo de huma condicção que seja casual, depende de huma condição certissima, porque depende da vida do proprietario: morrendo este, passa immediatamente para o segundo e terceiro. Digo pois, que a propriedade do primeiro he a mesma que do segundo e do terceiro; não he propriedade territorial, he hum direito, huma faculdade, hum jus utendi que existe nos meus bens em quanto eu vivo, como outra qualquer propriedade territorial. Digo pois que, se offendemos este direito, deve haver indemnização; porque em todos os casos em que a propriedade deve ser offendida, a Constituição determina que seja indemnizada. Este ha de ser hum principio que não ha de admittir excepções, porque está cimentado nas leys fundamentaes. Eu não tenho bens da Coroa, não pertenço a familia que os tenha ou possa ter, nem tenho connexão nenhuma com pessoa que os tenha; mas tenho amor ao bom principio das Bases da Constituição, que fazem a propriedade santa; elle me faz adoptar esta opinião. Digo que deve só ser sanccionado o 1.° artigo, e que o 2.º não deve ser admittido; porque, he estas doações são inofficiosas, a sua revogação deve ter lugar tanto nas primeiras vidas como nas segundas. Sou por tanto de opinião, que os Commendadores paguem para esta caixa de amortizarão ou o terço ou ametade do rendimento liquido das suas Commendas, ou bens da Coroa. Elles não adquirião por titulo oneroso, nem suavão para adquirir, por isso devem pagar mais do que os outros Cidadãos. (Apoyado)

O senhor Bordes Carneiro. - Já se disse a differença que ha a respeito das vidas actuaes, e das outras. As vidas actuaes tem já a posse, as outras não tem mais direito que o da liberalidade, ou o da generosidade; e generosidade contraria á Nação não se deve ter. Em quanto á regra que se estabelece relativamente á propriedade, deve se entender para a propriedade particular. Este direito já está sanccionado na Constituição. A propriedade que nasceo das doações dos bens Nacionaes, que se despenderão com profusão, essa não deve pertencer á Constituirão: então não poderiamos destruir os Direitos Banaes, e pessoaes, nem os laudemios usutarios que estão estabelecidos; nem poderiamos fazer com que o rigor da Magestade não disponha de nossos bens a seu arbitrio; porque segundo o Direito Feudal, os Reys tinhão Direito para dispor de bens, e das vidas dos vassallos, e este Direito estava consagrado na Ordenarão do Reyno. (Foi chamado á ordem pelo senhor Sarmento: muitos Membros se oppozerão a esta chamada, chamando á ordem o mesmo senhor Sarmento.) Eu não faço senão expressar o que consta da Ordenação do Reyno. Ella diz, que o Rey não poderá matar sem ouvir, mas já lhe dá o direito de matar. Em quanto ao direito de dispôr dos bens, isso estava reconhecido em toda a Europa, e numa tal propriedade não se deve dar por offendida de sorte alguma. Sabe-se tambem as machinações porque os Ecclesiasticos se tem apoderado da maior parte dos bens das Nações: sabe-se porque meios ellas fizerão dar aos Corpos de mão morta a maior parte destes bens; de sorte que em Portugal elles tem o dobro do Thesouro Publico, e bem se vê que huma Nação que não tem no seu Thesouro mais bens que ametade dos que tem huma Corporação, he escrava daquella Corporação: mas sabe-se tambem que as machinações que lhes servirão para encontrar tantos bens, erão reprovadas, e na sua origem criminosas; e já temos aqui outra excepção dessa palavra propriedade, porque essa propriedade em muita parte existe por essas machinações os bens são Nacionaes, e devem ter huma repartição para todos os Corpos do Estado. Se vamos a não querer tocar em nenhuma destas propriedades, então escusamos tratar de nova Legislação, então escusavamos ter vindo aqui. Propriedade legitima entendo eu que he a propriedade do particular, e essa quando não seja por hum titulo injusto, como os Laudemios, e outros. Pois por ventura nós sustentariamos isto tão conhecidamente injusto? he certo que he propriedade: mas he por num titulo injusto, por hum titulo nascido da preponderancia que tem tido os grandes sobre os pequenos; e nós não nos temos reunido aqui para sustentar esta preponderancia, senão para estabelecer o direito natural. E as Commendas? e estes bens dados aos Cavalheiros da Malta que nada fazem, nem podem fazer, quando eu conheço dous Parochos que não tem mais Congrua que 30$000 reis? digo agora: pois he Direito de propriedade que o Direito Feudal quizesse roubar aquelles bens combinado com os Jesuitas, sem que os Bispos o pudessem evitar? Se isto he propriedade, não he preciso Legislação. A propriedade deve ser respeitada quando he havida por hum titulo justo: e he da justiça deste Congresso o revogar estas monstruosidades. (Apoyado.)

O senhor Peixoto. - Eu sigo a contraria opinião, e acho que esta esperança das vidas he huma propriedade.

O senhor Moura. - O respeitavel Preopinante que respondeo aos, meus argumentos, reconheceo o respeito devido ás Bases da Constituição: diz unicamente, que se deve reconhecer sim a propriedade particular, e não a Nacional. Perguntaria eu se esta propriedade Nacional das doações da Coroa não se converte em particular depois que he feita a doação, e em quanto vive o Donatario? Deixa de ser Nacional logo, e no momento da doação. Pouco importa a posse que tem de mais o Donatario actual, a posse não lhe dá o direito. Alem disso: senão he propriedade inviolavel esta de que se trata, porque a mantemos no successor actual, e não a queremos manter no que se lhe segue? Não espero resposta solida a esta objecção: porque, se o principio he justo, deve ter huma applicação constante. Não fazemos esta applicação ao Commendador actual; e porque? A rasão he clara: por assentarmos que violamos o direito de propriedade. O mesmo direito, sem differença alguma, existe no successor: e porque não receamos fazer-lhe a mesma violencia? Eu não tenho sido, nem serei nunca o Advogado dos abusos; porem sustento esta opinião só pelo amor ao principio invocado, estabelecido, e sanccionado nas Bases da Constituição. Alem de que, a minha opinião he, que os Commendadores, e Donatarios contribuão com ametade do seu

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rendimento liquido: esta medida preenche o fim do Projecto, e saira a delicadeza de huma violação.

O senhor Camelo Fortes. (Por fallar baixo - diz o Tachygvapho - não se ouvio senão as phrases que vão entre pontos de reticencia) Sou da mesma opinião do senhor Deputado que acaba de fallar, e não posso deixar de reconhecer este direito... Ha occasiões em que o Governo póde fazer doações... He necessario por tanto separar esta idéa... Se neste artigo se fallasse só das doações inofficiosas, eu estaria e informe; mas não acho differença no artigo, vejo adoptada huma medida geral, tanto para humas como para outras.

O senhor Borges Carneiro. - A respeito do que diz o Illustre Preopinante, que são revogaveis aquellas doações quando não são positivas, he verdade que tal distincção estabelece o Direito Romano; mas estas distincções, de que está cheio o Direito Romano, são tanto do meu gosto que não as quero refutar, porque se refutão per si mesmas; porem isso pouco imporia. Ha outra cousa que diz o Illustre Preopinante, e he: que as doações que fossem inofficiosas poderião não ser attendidas; mas que talvez haveria outras que tivessem sido feitas por serviços. A isto digo eu, que não julgo pelas tenções, e que se deve attender á Ley, a qual diz, que ninguem póde receber estas doações sem poderem ser decretadas. Guardou-se isto? Diga-se se se tem guardado.

O senhor Moura. - Convenho em que taes doações sejão inofficiosas, mas revoguem-se desde já no actual possuidor. Torno a repetir, que foi esta a razão porque eu substituí ao 1.° paragrapho a medida de serem antes taxados os Commendadores: queria que se considerasse o Direito de Propriedade em todos igualmente. Não poderão ser privados da propriedade, mas podem muito bem, e devem ser taxados como os mais Cidadãos, e concorrer para as necessidades publicas, porque tudo quanto lucrão he doação.

O senhor Borges Carneiro. - Eu julgo muito justo o fazer carregar o pagamento da Divida Publica sobre todas as Classes da Nação.

A este tempo, dando parte ao Senhor Vice-Presidente o Porteiro Mor das Cortes de que era chegada a Deputação da Ilha da Madeira, e que esperava na Salla a licença de admissão, sahirão os Senhores Secretarios Freire e Barroso a recebella, e suspendeo-se a discussão. Entrada que foi, tomou os lugares que lhe estavão destinados, e o Senhor Brigadeiro Palhares, Membro da mesma Deputação, orou o seguinte:

DISCURSO.

Senhor. - Os Deputados da Ilha da Madeira, nas vesperas de voltarem para a sua Patria, julgão do seu mais sagrado dever ratificar no seio desta Augusta Assembléa os solemnes protestos que já tiverão a honra de fazer perante a Magestade da Representação Nacional. Testemunhas fieis do que temos observado nesta heroica Cidade; das lagrymas de prazer que rebentárão de todos os olhos, quando anunciámos a grata noticia de que fomos portadores; por extremo sensiveis ao mimo e gazalhado com que fornos recebidos penetrados em fim de tantos e tão diversos sentimentos, que nos trasbordão do coração, nós hiremos, Senhor, deposita-los no peito dos filhos da Madeira, para lhes darmos novo ser, novo alento, e huma existencia nova. E quando abordarmos áquella venturosa Ilha, quando nossos Concidadãos, ahi ciosos pela nossa chegada, se apinhoarem sobre as pravas para nos receberem em seus braços, nós saltaremos em terra levando em nossas mãos as Bases do sagrado Codigo que os Pays da Patria ha pouco sanccionárão, este ricco patrimonio que a geração presente Beja por herança ás gerações futuras. Nós lhe diremos então Filhos da Madeira colher o primeiro fructo da Vossa heroica resolução no dia para sempre memoravel de 28 de Janeiro; ainda ha pouco tempo não passaveis de vassallos: hoje sois homens, sois Cidadãos gozareis em toda a sua plenitude de vossos direitos civis e politicos. A Patria vos adoptou por seus filhos, e filhos mui queridos. Em vosso nome asseguramos ao Augusto Congresso, que a Madeira nunca se tornaria indigna do alto conceito que mereceo, por seu brioso Comportamento, aos seus Irmãos do Continente. Nós presenciámos a virtuosa porfia com quis os Representantes da Nação trabalhão por cortar os abusos. Sem todavia causarem violentos abalos á machina politica. Sabedoria nas deliberações; circunspecção nas medidas; e rapidez na sua execução, eis-aqui o que caracteriza as Cortes, e o Governo.

Esperai tudo que for felicidade, nossas esperanças não serão malogradas. - Tal será, Senhor, a nossa linguagem; e as nossas obras, e as obras dos filhos da Madeira corresponderão ajustadamente as suas palavras.

O senhor Vice-Presidente respondeo - Senhores, a solemne promessa que pronunciastes dentro deste recinto a primeira vez que tivemos o gosto de vos escutar de que tanto na boa como na má fortuna a Ilha da Madeira seria sempre fiel aos seus Irmãos do Reyno, as expressões de fraternidade, e generosa lealdade, e união, com que agora de novo penhorais a nossa gratidão, e correspondencia, se conservarão indeleveis na memória de todos os Portuguezes, como prova da nobreza e os sentimentos que animão os habitantes daquella Ilha, e estreitarão cada vez mais os preciosos vinculos que ha muito tempo unem em feliz concordia estas illustres porções da grande familia Portugueza.

Vós tendes sido testemunhas da assiduidade dos nossos trabalhos, e de que todos elles tem por objecto a prosperidade, e a gloria da Nação. Narrai aos Vossos Concidadãos o que entre nós haveis observado; e dizei ao Governo, á Camera, e ao Povo da Madeira que as Cortes suspirão anciosas pelo momento em que hão de occupar-se particularmente do que diz respeito aos progressos do importante Commercio da Ilha, e ao melhoramento de sua in-

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terna administração. - Que se apressem os seus Representantes a vir tomar entre nós o lugar que lhes compete: E que no cordial acolhimento com que hão de ser recebidos, e no bem que farão á sua patria, a esse Paiz tão favorecido da Nutureza, acharão a mais ampla recompensa de suas gloriosas fadigas, e hum premio digno da nobre ambição de animos verdadeiramente Portuguezes.

E levantando-se deo Vivas aos Habitantes Ilha da Madeira, a ElRey o Senhor D. João Sexto e á Constituição, que forão geralmente repetidos.

Concluido o acto, retirou-se a Deputação, acompanhada pelos mesmos Senhores Deputados, e proseguio a discussão.

O senhor Abbade de Midões. - Eu não sei se acertarei agora a dizer o que pensava antes da chegada da Deputação: era a respeito das Commemdas. Perguntaria eu, se ellas são de Direito Ecclesiastico, ou Civil? Se são de Direito Civil, embora; S. M. póde resolver o que quizer: se são de Direito Ecclesiastico, seria preciso buscar outra origem. Se sequer que sejão de foro mixto, então entra a consideração das Bullas; porem as Bullas, se se concederão ao Rey, não foi como Rey, senão como Grão-Mestre para premiar os Benemeritos da Patria, mas isto pela vida dos mesmos Benemeritos, e não depois. Se ha de ser permittido ao Rey dispor das Commendas por 2.ª e 3.ª vida, poderia tambem dispor por 4.ª e por 5.ª, e por sempre. De mais disso: parece-me que a graça concedida na 2.ª e 3.ª vida não he huma graça fundada nos melhores principios; e portanto não precisa ser considerada pelos estrictos principios do Direito de Propriedade.

O senhor Pereira do Carmo. - He necessario distinguir duas epochas. D. João 3.° requereo a Adriano 6.°, que a necessidade de sustentar o lustre do Throno, e proseguir na guerra dos infieis, exigia que fosse concorrido com os dizimos das terras conquistadas; o que tinha sido concedido a seu Pay ElRey D. Manoel. O Papa deferio-lhe á supplica fazendo-o logo Administrador da Ordem de Christo in spiritualibus et in temporalibus, pela Bulla de 14 de Abril de 1322; graça esta que se estendeo depois aos Mestrados de S. Thiago e de Avis, por morte do Senhor D. Jorge em 22 de Julho de 1550. Agora a 2.ª epocha. O Papa Julio 3.° unio, incorporou, e consolidou na Coroa os tres Mestrados das referidas Ordens pela Bulla de 30 de Dezembro de 1550, onde se notão as seguintes palavras: Cum Regnis hujusmodi incorporeteur et consolidetur: revogando para este effeito o Concilio Lateranense, e a Constituição de Bonifacio 8.° Agora digo eu: que he verdade que as Commendas são estabelecidas em dizimos, mas estes secularizárão-se pelo facto da incorporação, e da dispensa dos Cavalleiros para poderem casar. Por tanto as Commendas já são de facto bens da Coroa, e póde a Nação dispor desses como julgar conveniente.

O senhor Alves do Rio. - Creio que o senhor Preopinante padece equivocação: o que foi consolidado não forão os bens, senão o Mestrado.

O senhor Pereira do Carmo. - Os tres Mestrados, de que os Senhores Reys forão Administradores, incorporárão-se na Coroa pela Bulla de 30 de Dezembro de 1550.

O senhor Alves do Rio. - Perdoe: nunca se tirou a esses bens a natureza de Ecclesiasticos. Tem huma administração particular: as Commendas tem dizimos, os bens da Coroa tem 5.° São em fim de huma natureza differente, não tem nada que ver com os bens da Coroa. O Rey administra as Commendas como Grão-Mestre, e esses bens são sempre bens Ecclesiasticos; se se unirão á administração da Coroa, por isto perdêrão a natureza de dizimos, e dizimos Ecclesiasticos, ainda que possão ser possuidos por seculares.

O senhor Pereira do Carmo. - Eu rectifico huma equivocação do senhor Preopinante. As Commendas compõe-se de dizimos, não ha duvida; com quanto estes dizimos forão sempre reputados, como Ecclesiasticos, ao menos na Igreja do Occidente: todavia secularizárão-se pela Bulla de Julio 3.° de 30 de Dezembro de 1550.

O senhor Bispo de Beja. - Perscindindo da questão que se suscitou sobre a natureza dos Dizimos, os quaes certamente não são devidos, nem por direito Divino, nem por direito Ecclesiastico, mas sim tem o seu ligitimo fundamento no quasi contracto, pelo qual os fieis se obrigarão a concorrer com esta prestação para o sustento do Clero, e conservação do culto; e consequentemente não tem a natureza de tributo, nem o Imperante tem mais direito sobre os Dizimos, que o que tem sobre os outros bens dos Cidadãos. Prescindindo, como já disse, da questão sobre a natureza dos Dizimos, e cingindo-me á questão principal, que está em discussão: Occorre-me huma rasão que a meu ver confirma a opinião dos Illustres, que sustentão que as Terras, e Casa da Coroa, e Commendas das tres Ordens Militares que vagarem, não devem ficar desde já applicadas para a caixa de amortização da divida publica no caso de haverem vida, ou vidas nas referidas ferras, Capellas, e Commendas.

He indubitavel, que a Nação está obrigada a pagar a divida publica, e por isso cada hum deve contribuir, á proporção das suas faculdades, para o pagamento da divida Nacional. Porem ficando excluida 2.ª ou 3.ª vida de succeder nas Terras, Capellas, e Commendas, que tinha todo o direito, vem a ficar mais gravada que todo outro qualquer Cidadão, porque estes contribuem tão sómente com huma parte dos reditos das suas propriedades, e aquelles vem a contribuir com todos os reditos das Capellas, ou Commendas a que tinhão direito, e de que ficão privados: o que sem duvida he contrario á justiça, e igualdade, com que devem ser tratados todos os Cidadãos.

O senhor Gouvêa Osorio (Não se ouvio - diz o Tachygrapho.)

O senhor Soares Franco. - Eu julgo que se poderia reduzir a quentão a dous pontos. Em 1.° lugar, pergunta-se, sobre os bens da Coroa, se acaso o Rey podia fazer estas doações ou não? Alguns dizem que o Rey não podia fazer estas doações, senão pela vi-

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da, considerando-as como hum Margado; porem eu que não sou da opinião dos Morgados, e acho essa doutrina contraria ás luzes do Seculo, não tratarei de a impugnar. Vamos a examinar se ha, ou não direito de dispor de alguma propriedade. Este direito tiverão-no os Reys na Legislarão Portuguesa, particularmente no tempo do Marquez de Pombal. Lembra-me que nesse tempo ás Freirar de.... se lhes tirou do dominio que tinhão de podar pôr per si mesmas a sua justiça, e a Ley dizia" Ainda que nós tínhamos dado este direito por doação, nunca perdemos o dominio que tinhamos; e por tanto o revogamos. No Decreto de 1801, quando S. M. (então Principe Regente) pedio hum 5.° aos bens da Coroa disse" Estes bens podem volver sempre á Coroa. Eu agora peço hum 5.° mas quem póde pedir hum 5.° o poderia pedir todo; porque estas doações forão feitas por tempo, e não á perpetuidade. Por conseguinte não ha nem póde haver duvida em que o Soberano póde tirar alguma parte da Propriedade. Vamos agora ás Commendas. Estes bens davão-se aos Parochos para os Officios Divinos, e sustento do culto. A Sociedade tem obrigação de sustentar todas aquellas ordenações que são Religiosas, e devem-se sustentar; porém estes bens tornarão-se seculares, e neste sentido eu os considero da mesma sorte que os bens Nacionaes. Mas elles não tem só esta a aplicação, senão tambem para reedificar Igrejas etc. bem que os Commendadores não cumprem com estas obrigações. Eu conheço hum homem da Beira que estava concertando huma Igreja que o Commendador não queria concertar. Estes bens são como já disse, são bens seculares. Agora em quanto ao direito da sua possessão, se ha de ser limitado á vida ou não, creio que se poderia adoptar hum meio termo: conservar depois da morte do possuidor sómente aquelles que forão dados por serviços. (Apoyado, Apoyado.)

O senhor Castello Branco. - Posto que não seja, este o lugar proprio para determinar a natureza particular das Commendas das Ordens Militares, convém todavia tratar preliminarmente esta materia, a fim de ver se devem ficar subjeitos ás mesmas regras, que no artigo 2.° deste Projecto se estabelecem a respeito dos bens da Coroa. Não sei que bens temporaes possão ser objecto privativo da igreja, que não he outra cousa mais que a sociedade dos fieis unidos para ciarem culto a Deos, segundo a norma prescripta pela Religião, e huma Religião que cousa nenhuma tem de terreno: he com tudo huma obrigação da sociedade civil prover á sustentação dos Ministros dessa Religião; ella o póde fazer separando quaesquer bens, e destinando-os para esse fim, entregando-lhe a elles mesmos a sua administração e repartição. He então que os dictos bens por seu destino se podem chamar Eclesiasticos, e ficão subjeitos aos regulamentos da Igreja; mas tambem este destino póde cessar no momento em que o Soberano o queira, com tanto que de outro modo prova á sustentação dos Ministros da Igreja, e desde logo esses bens tornão a entrar na massa dos bens da Nação. Ora he o que tem acontecido aos dízimos que constituem as Commendas; ha muito que entre nós se lhe tem dado outro destino inteiramente secular, já não são bens eclesiasticos, são bens publicos, e por consequencia iguaes aos da Coroa, e susceptiveis do mesmo destino que a estes convenha dar.

Estabelecido este principio, segue-se examinar se os bens da Coroa juntamente com as Commendas devem ser applicados á amortização da divida publica, logo que vagarem por morte dos que actualmente os possuem, ou se elevem primeiramente verificar-se as vidas em que forão dados. Para decidir esta questão convém remontar aos primitivos principios, de que devem dedusir-se os corollarios que abrangem os casos particulares. Eslabeleceo-se a sociedade, e ao mesmo tempo a propriedade indispensavel para conservar esta mesma sociedade; mas desde logo os Cidadãos subjeitárão huma parte desta propriedade, assim como de todos os seus direitos naturaes, aos interesses e necessidades geraes. Daqui provêm o direito que o Soberano tem de impor subsidios e tributos, sem que por isso se possa dizer que offende o direito da propriedade, com tanto que não exceda os limites da necessidade publica e reconhecida, para que o Cidadão he obrigado a concorrer, porque de outra maneira não se poderia manter a sociedade.

Ora quando o Imperante contrarie huma divida publica, não he outra cousa mais do que adiantar os subsidios necessarios, porque não he o momento de arrecadar os antigos, ou impor outros novos; e em todo o caso a Nação está obrigada a pagar essa divida por meios extraordinarios na falta dos ordinarios. Devemos porém considerar duas especies de propriedade, huma particular, que provêm do facto proprio do individuo, so seu trabalho, industria, ou talento; outra he a propriedade publica, quero dizer, daquelles bens que originariamente forão destinados para as despesas publicas, e desta natureza, são os bens chamados da Coroa, as Commendas e outros incorporados nos bens publicos. Nesta supposiçãos he claro que os Cidadãos tem direito a que serem taxados senão as quantias a que não chegão os bens publicos, e que o Soberano por consequencia não póde dar estes em circunstancias de necessidade publica, sem, atacar huma ley fundamental do pacto social, constrangendo o Cidadão a ceder huma parte da sua propriedade individual maior do que a que Ley que se obrigou; e se circunstancias particulares aconselhão a doação desses rendimentos, deve-se sempre entender que he temporaria, e com a tacita clausula de não ter vigor desde que a necessidade publica, o exija.

Taes são as circunstancias em que nos achamos; existe huma grande divida, que a Nação deve pagar, e para isso he necessario estabelecer hum fundo de amortização; para este devem necessariamente entrar os bens da Coroa, e todos os mais que lhe são incorporados, como bens destinados ás necessidades publicas; e só depois destes exhaustos he que a sociedade se póde dizer obrigada ao pagamento da dicta divida pela sua propriedade particular, e por consequencia era o momento em que todos os Donatarios de bens da Coroa os devião desde

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logo largar. Se nós queremos ter huma contemplação excessiva por toda a especie de propriedade, se queremos estender indistinctamente a mesma inviolabilidade, viremos de necessidade a cahir no absurdo de atacar indevidamente a propriedade particular, aquella que se póde chamar propriamente tal, a unica a quem competem todos os attributos da propriedade.

Taes são os princípios da rigorosa justiça, e que o artigo 2.° do Projecto devia estabelecer como regra geral, para dahi deduzir as excepções, se as deve haver. Com effeito não ha justiça tão inviolavel, que na practica não admitia modificações, e nossas circunstancias particulares as exigem no caso de que tratamos. Huma nova ordem de cousas na administração publica tem necessariamente adversarios, de que não convém augmentar o numero, chocando demasiado os interesses particulares. Esta consideração deve dar lugar a huma excepção na regra geral a favor dos actuaes possuidores dos bens da Coroa, Commendas, e outros similhantes; que esses desfructem pacificamente e por inteiro os dictos bens, mas que por sua morte elles entrem no cofre de amortização da divida publica, sem attenção a mercês de outras vidas. Se tendo, como he justo, toda a contemplação pelos vivos, queremos ainda estender essa mesma contemplação aos que hão de nascer, pouco ou nada nos restará a fazer pelo bem da Nação. (Apoyado.)

O senhor Sarmento. - Quando a politica não assenta nos principios da justiça, quasi sempre he timorata, e segue os passos da fraqueza. (Foi chamado á Ordem, e proseguio.) Eu não tenho medo dos que hão de nascer, dos mortos, nem dos presentes; o que tinha medo era de fazer huma cousa que não fosse de justiça. Este artigo ataca os principios da justiça, e da verdade; he capaz de produzir a anarchia, e não sei então quem teria auctoridade para sentar-se no lugar do Governo, (Foi geralmente chamado á Ordem.)

O senhor Vaz Velho. - Peço palavra para dizer muito poucas cousas, pois nem costumo desperdiçar palavras, nem demorar-me em principios vagos. Não, sei senhores, qual he mais perigoso quando se practica, e principalmente em materias de Legislação, se proceder sem justiça, se com muita justiça. Ouço dizer ou proferir asem justiça ou injustiça, aos apices de justiça; mas eu quereria sempre huma justiça refinada, e nunca a falta de justiça quando se trata de infracção de direito, ou indemnizações - Vamos á materia subjeita. São duas as questões, em que se tem fallado, a primeira sobre Dizimos e sua natureza: segundo, se as Commendas que vagarem ainda mesmo havendo vida ouvidas nellas, devem ser applicadas para a caixa de amortização da divida publica. Pelo que respeita á primeira, digo que os Dizimos tem a mesma natureza que as Oblações dos fieis dos primeiros Seculos da Igreja; porque succedendo os Dizimos as Oblações, e occupando aquelles o lugar destas, devem ter a mesma natureza. Se porém as Oblações dos fieis da Igreja primittiva pelo seu distino se chamavão Ecclesiasticas, da mesma sorte os Dizimos que as representão e são applicados aos mesmos fins elevem chamar-se Ecclesiasticos. Sobre o ser Dizimo, ou outra qualquer prestação nada digo porque essa póde ser alterada, sempre certo de que os fieis devem por direito Divino sustentar os Ministras da Religião, e manter o culto Divino. Em quanto á segunda questão digo: que o Rey quando fez a mercê de Commenda em vidas, estas se devem considerar como huma pessoa moral, e que a mercê se fez a todas, e que tocos tem igual direito, e por consequencia quando se infringe em qualquer das vidas aquelle direito, faz-se huma injustiça, porque se offende hum direito adquirido, que tom força e natureza de propriedade. Diz-se que he differente o direito do que possue daquele dos sem sucressores, porque o actual possuidor já pagou menos direitos, e que se fez maior injustiça a este, do que aos seus vindores: confesso que não sei como a falta de huma formalidade que he certamente hum accessorio faça diminuir o direito, o qual não tem origem nessa formalidade. Quando porem assim fosse, seguir-se-ha que invadir-se esse direito adquirido em segunda vida era menos injustiça, mas nunca deixava de a ser.

Mas como não estamos aqui para fazermos injustiças, per isso o meu voto he, que só se appliquem para a dicta caixa na ultima vida.

O senhor Barreto Feyo. - Se seguissemos a doutrina, que alguns dos illustres preopinantes tem estabelecido, = que todo o direito adquirido he inviolavel =, nós viríamos a cahir num absurdo, que traria comsigo funestissimas consequencias, e talvez abalaria os fundamentos da nossa melhor obra; pois que por essa doutrina, tendo o nosso Rey recebido dar não de seus Maiores as ideas de hum Governo despotico, a Nação attentaria contra o direito da propriedade, querendo restringir-lhe esse poder.

Quando se tira a hum usurpador aquillo que elle tem usurpado, quando se restitue o seu a seu dono, não se offende, protege-se o direito da propriedade.

O senhor Serpa Machado. - Ponho de parte a questão que tão sabia como incompetentemente se tem suscitado sobre a natureza dos dizimos convertidos em Commendas, e não menos perscindo de sustentar que os Commendadores e Possuidores dos bens da Coroa tenhão hum direito de propriedade; o que julgo necessario examinar he se os Commendadores e Possuidores dos bens da Coroa gozão de hum direito qualquer ao rendimento dos bens, e Commendas, e se este direito na primeira vida he igual áquelle que goza a 2.ª, e 3.ª Que hum e outro destes direitos he igual, e homogeneo he indubitavel, logo injusta a Ley que priva 2.ª, e 3.ª vida de hum direito que concede á primeira; e assim fica offendido o principio que estabelecemos nas Bases da Constituição de que a Ley deve ser igual para todos, dadas as mesmas circunstancias. Por tanto a Legislação que offerece este artigo he contradictoria nos seus principios, e decisões. Debalde recorreo o Auctor deste projecto a denominar este direito da 2.ª e 3.ª vida por Mercê de espectativa, inculcando com este nome hum direito differente do que se gozava na primeira. Esta subtileza he bem conforme áquellas de que acaba de ser arguido o Direito Romano.

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O senhor Carvalho. - Senhor Presidente, creio que todos estes senhores tem opinado excellentemente, e produzido excellentes rasões; porém parece-me que a pesar de se terem tocado tão bons, e tão differentes objectos ainda não se mencionou o principal. Todo o homem em geral tem a obrigação de pagar as suas dividas, e esta obrigação relativamente ás Nações, he ainda mais estricta, pelo que pertence a politica, e porque assim ella não poderião existir as sociedades. A grandes males he necessario remedios fortes. Ainda que hum remedio pareça demasiado activo a consciencias escrupulosas e timoratas, ou de huma jurisprudencia demasiadamente estricta, eu julgo que taes escrupulos devia cessar á vista do mal, á vista da enorme divida que esta Nação tem contraindo, que nos pesa, e que devemos extinguir quanto antes for possivel. Adoptar o meio de huma contribuição imposta sobre o Povo pesaria demasiado sobre elle, e em consequencia em vez de aligeirar os nossos males, odiaria mais preponderantes. O Auctor do projecto lembrou sabiamente o modo de os extinguir pouco, a pouco, cujo meio me parece suave para toda a Sociedade, e digno de se adoptar, vem a ser: que aquelles que não tinhão muito, ou talvez nenhum direito a ser proprietarios dos bens Nacionaes que possuem, estes não se aproveitem delles senão depois de cumprida a sagrada obrigação da divida publica. Nada acho mais obvio, mais natural, nem mais justo. Eu sigo os principios de huma jurisprudencia natural, de numa politica que tem por fim proporcionar o pagamento da nossa divida, adoptando o meio, e o modo que he menos oneroso á Nação, e áquelles sobre quem cahe este onus. Debaixo deste principio, creio que não ha rasão nenhuma para deixar de deitar mão do meio proposto, que eu considero como suave, e justo. Os mesmos possuidores, se attendessem aos verdadeiros principios de utilidade publica, e Nacional, acharião pouco gravoso este sacrificio, em quanto se não pagava a divida publica; e o acharião muito justom porque he huma obrigação essencial do homem pagar o que deve; e elles são devedores como os mais, pois que são Membros da Nação que deve. Finalmente, Senhor, o meio proposto he suave; porem ainda que o não fosse tanto, a utilidade da Patria está primeiro que tudo: Salus populi suprema lex esto. (Apoyado)

O senhor Pinheiro (Não se ouvio - diz o Tachygrapho.)

O senhor Margiochi. - Depois desta extensa discussão, esperava eu achar algum socego á minha rasão, mas não o pude conseguir. Ha muito tempo que eu ignorava o que era vida; agora fico ignorando o mesmo, ir mais confuso, e em duvida sobre o que he justiça. Ignorava o que era vida, porque hum grande Phisiologista altamente louvado, diz, que a vida he hum estado opposto á morte. Esta parece ser huma casualidade, mas não se póde isto attribuir a hum homem tão gabado: com que fiquei em duvida do que queria dizer. Tambem achei outros que fazião distincções sobre vidas, organicas, sensitivas, e animaes, o que me fazia confusão; agora vejo que ha pessoas mortas que podem ter vidas, e ha pessoas que podem ter vida antes de ter nascido. Fico com a mesma confusão. A sua pelo que pertence á justiça direi, que era injustiça tirar a propriedade áquelles que talvez não nascerão. Para demonstrar isto direi: que não se attende á natureza das Commendas, e seu destino; isto he que fossem dadas para recompensar merecimentos. De maneira que os Reys vem a conhecer do merecimento das pessoas, antes de serem nascidas, e antes mesmo de duas, e tres vidas; porque tenho visto que se concedem até ás pessoas não nascidas. Agora querer obscurecer que as Commendas sejão por este modo dadas ao merecimento, he huma imjustiça. He huma grande falta. Por consequencia, eu fico em grande confusão, tanto pelo que respeita á vida no sentido juridico, como tambem na justiça.

O senhor Miranda: - O Illustre Preopinante está pasmado de ver que ha pessoas com tres vidas, e eu de ver que ressuscitão!... Hontem rejeitou-se o Projecto que eu propouz, para que se coarctassem em huma quarta parte os Commendadores de Malta, e agora vamos a adoptar huma medida que eu julgo menos justa, se talvez se adopta. Não devemos olhar as Commendas só como propriedade, senão como huma recompensa dada pela Patria. Ha Cidadãos Benemeritos: mas quanto ás que forão dadas por mercês gratuitas, e se não quizera que se reconhecesse este direito, ainda mesmo depois de paga a divida publica. Os Filhos desses Homens que fizerão serviços á Patria poderião auxiliar-se com huma indemnização. Embora sejão considerados os Filhos de hum Homem Benemerito; mas com que rasão se ha de declarar que os Netos gozem do mesmo direito?

O senhor Peçanha: - Eu apoyo a opinião do senhor Miranda.

O senhor Alves do Rio. - Senhores, eu quere propor em vossa presença que os bens da Coroa todos são Nacionaes: que não se trata de pagar a divida da Nação: que o papel moeda está crescendo cada dia, que está a 23 por cento, e que tudo isto se deve tomar em consideração.

O senhor Miranda. - Isto he muito justo, mas tambem se deve ter em consideração as Viuvas, e os Filhos dos que servirão a Patria.

O senhor Castello Branco. - Este principio faz honra ao senhor Preopinante, e a todo este Congresso, se se pudesse applicar á practica. Eu chamo a attenção desta Assemblea para huma consideração particular. Quaes são os individuos que estão de posse das Commendas pingues? He preciso fazer differença de Commendas honorificas, e pingues. Nós tivemos huma guerra, huma guerra assaladora em que aquelles que figurárão militarmente fizerão as maiores proezas, e que forão admiradas; em toda a Europa. Examine-se qual he destes individuos que fizerão taes proezas, e que tem huma Commenda lucrativa. Eu não conheço nenhum. Por consequencia, o principio de que he preciso providencias para premiar os Filhos destes Cidadãos Benemeritos, he principio que faz honra ao Preopinante, e á Assemblea, mas não he applicavel a practica. Ha Commendas como todos sabem que vem a vencer hum quartinho. Se he com isto que podemos preencher o principio dado, cada

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hum pensa. Por tanto o principio he duvidoso e na practica não tem lugar.

O senhor Xavier Monteiro: - Tenho visto com muito aferro a justiça, huma grande parte dos senhores Preopinantes, votarem pelo direito na segunda vida: eu reconheço este principio, mas não posso deixar de admirar, que para o apoyar se chame o artigo das Bases da Constituição, que se diz, que se deve respeitar a propriedade. Tambem nas Bases se diz que a Nação reconhece a divida publica. He preciso notar a differença que ha entre a propriedade nascida da industria, e aquella que nasceo por mercê, talvez sem serviço. Diga-se que chegarião os clamores ao Ceo, se se tocasse na segunda vida; e não se faz caso dos clamores dos crédores da Nação? Os crédores da Nação são a meu ver mais prejudicados do que os outros crédores, porque tem em seu poder promessas que ainda se não verificárão. As medidas geraes raras vezes costumão estabelecer a justiça em toda a sua plenitude. Por tanto eu sou de opinião que se conserve este direito só para recompensar de serviços; porém assim mesmo sem ser por Commenda, senão por outro titulo qualquer; que se tenha cinsideração com a divida da Nação, e que se note a differença de huma a outra propriedade.

O senhor Moura. - Digo que ambas as propriedades são respeitaveis; que ambas devem ser attendidas; que ambas merecem o mesmo respeito. Pergunto porem se huma propriedade deve conservar-se com a destruição da outra?

O senhor Xavier Monteiro. - Respondo que nós estamos em circunctancias de atacar alguma destas propriedades, e que em tal caso se deve atacar aquella que ter menos justa. Nós temos hum deficit: para salvar esse deficit he preciso adoptar alguma medida. Querer fazer reformas sem tocar nos direitos de alguem, não he possivel. He preciso tirar alguma cousa a alguem; ou o que se lhe prometteo ou o que tem na sua mão. Qual será melhor? Alem do deficit, ha huma grande divida do papel moeda. Reconhecer nestas circunstancias todas as propriedades iguaes em direito, he cousa que não posso conciliar. (Apoyado.)

O senhor Brito. - Estão preenchidos os fins como se achem seguros os credores. O deficit da Nação não he tão exorbitante. Só algumas economias de despeza podem preencher esta falta, e quando fosse necessario lançar alguns impostos, era isso menos máo do que offender os direitos de alguem. (Susurro de desapprovação.)

O senhor Castello Branco. - Reprovo o que diz o Illustre Preopinante, que huma vez que os Crédores estão seguros estão prehenchidos os fins. Reprovo, porque quando se propõe os meios de amortizar huma divida em hum anno, ou em 50 annos, isto faz differença. Ha principalmente huma divida, que he a do papel moeda, que quanto antes se extinguir, melhor; porque quanto mais existe maior se faz o descredito desse papel, e esse papel he realmente hum ataque contra a propriedade. Elle vem todos os dias a atacar a minha propriedade, e a dos outros.

O senhor Brito. - Eu não creio que o papel moeda ataque a propriedade do senhor Preopinante, se no vence ordenado: em quanto á dos mais tão pouco ataca, porque o possão pelo que o comprão, fazendo o competente rebate. (Sussurro, e riso de desapprovação.)~

O senhor Vice-Presidente perguntou se a materia estava bastante discutida? - Decidio-se que não. - E ficou adiada para a Sessão seguinte.

Determinou-se para a Ordem do dia da Sessão seguinte o Projecto que esteve em discussão, e os outros dous sobre Fazenda, e generos Cereaes.

Levantou o senhor Vice-Presidente a Sessão á hora do costume - Francisco Barboso Pereira, no impedimento do primeiro Secretario.

AVISOS.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. Exmo. Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, tendo-lhes sido presente a inclusa Representação dos Habitantes da Villa do Almeirim sobre o abandono em que se acha a sua Igreja Parochial, a cuja Fabrica he responsavel a Santa Igreja Patriarchal, ou á Congregação Cameraria, pois que percebe os dizimos daquella Freguezia: Mandão remetter a mesma Representação á Regencia do Reyno para dar as providencias necessarias.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 22 de Março de 1821. = João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Determinão que a Regencia do Reyno remetta a este Soberano Congresso huma Consulta, e documentos respectivos, que deve achar-se na Mesa do Desembargo do Paço, sobre hum Requerimento da Camera de Braga ácerca do pagamento da creação dos Expostos naquella Cidade; assim como hum Regulamento interino para a criado dos mesmos Expostos da Comarca de Guimarães, que deve existir em mão do Provedor Mór dos Orfãos. O que V. Exa. fará presente na Regencia, para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 22 de Março de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e

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Extraordinarias da Nação Portugueza, Determinão que a Regencia do Reyno remetta a este Soberano Congresso huma Relação de todas as Cidades, Villas, e Concelhos do Reyno, com declaração da Terra que he Cabeça do Termo, - sua População - sua extensão, e quaes os Termos com quem confina; assim como os trabalhos pertencentes á Divisão das Comarcas, que devem existir na Mesa do Desembargo do Paço. O que V. Exa. fará presente na Regência, para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 22 de Março de 1821. = João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Determinão que a Regencia do Reyno informe a este Soberano Congresso do destino que teve hum Projecto de Plano para recolhimento, abrigo, e emprego de Mendigos, que hum Amigo da Humanidade offereceo ao Governo interino com o Donativo de quatrocentos mil réis para este fim. O que V. Exa. fará presente na Regencia para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 22 de Março de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias e a Nação Portuguesa, Tendo-lhes sido presente a Memoria inclusa de Luiz Manoel de Evora Macedo ácerca do Estabelecimento de huma Casa Pia na Cidade de Evora: Approvão o plano da creação desta Casa, e Mandão remetter á Regencia do Reyno a mencionada Memoria com o informe da Commissão da Saude Publica a esse respeito, para que na conformidade do parecer da mesma Commissão mande formar o Mappa das Casas de Beneficencia, e Correcção da Cidade de Evora, de seus rendimentos, e estado, e faça proceder como julgar mais conveniente para começar aquelle util estabelecimento. O que V. Exa. fará presente na Regencia, para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes, em 23 de Março de 1821. = João Baptista Felgueiras.

OFFICIOS.

Illmo. e Exmo. Senhor. - Ordena a Regencia do Reyno em nome de ElRey o Senhor D. João VI., que eu participe a V. Exa. para ser presente no Soberano Congresso o que tem occorrido ácerca dos Officios expedidos peio Procurador da Fazenda da Casa e lotado das Senhoras Raynhas ás Auctoridades Construidas nas terras da mesma Casa e Estudo: e satisfazendo a esta ordem cumpre-me dizer: que por carta anonyma chegou á Regencia do Reyno, noticias de taes, com huma copia do que o dicto Procurador da Fazenda expedira ao Corregedor da Comarca de Faro, e outra do modelo das Representações, que o Corregedor devia promover se assignassem pelas Cameras, Nobreza, e Povo das differentes, terras da Comarca, procurando que o numero das assignaturas fosse o maior possivel, Conhecido a gravidade deste negocio, e para fundamentar os ultimos procedimentos, ordenou a Regencia que o Corregedor da Comarca remettesse sem perda de tempo os originaes do Officio e modelo, abstendo-se de qualquer diligencia a este respeito, e ficando responsavel pelo resultado que da demora pudesse seguir-se (copia N.° 1) e logo que estes papeis chegarão forão remettidos ao Desembargo do Paço para consultar (copia N.° 2) com a possivel brevidade, ouvindo o Procurador da Fazenda, auctor delle e sobre os artigos da Copia N.° 4. Existem pois os papeis naquelle Tribunal donde se mandarão subir antes mesmo de Consulta para cumprimento do Aviso de 9 do corrente, se o Soberano Congresso assim o determinar.

Deos Guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 20 de Março de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras - Joaquim Pedro Gomes de Oliveira.

Illmo. e Exmo. Senhor. - A Regencia do Reyno, em Nome de ElRey o Senhor D. João VI., remette á presença das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza huma Copia, não só do parecer, mas de toda a Consulta da Junta da Directoria Geral dos Estudos em data de 26 de Janeiro proximo passado, sobre o Requerimento da Camera de Torres Novas para o augmento do Ordenado dos Mestres de primeiras Letras; e com esta remessa satisfaz ao que lhe foi determirado pelo Aviso de 14 do corrente. O que V. Exa. fará presente no mesmo Soberano Congresso para sua intelligencia.

Deos guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 20 de Março de 1821. = Senhor João Baptista Felgueiras = Joaquim Pedro Gomes de Oliveira.

Illmo. e Exmo. Senhor. - Não ha no Requerimento de Manoel Francisco de Figueiredo mais que aparencia de Justiça nascida da occultação que faz do verdadeiro estado o seu negocio, pois não contende com hum simples serventuario, nas com o proprietario, contra o qual não póde sustentar-se na serventia, que pertende não lhe dando direito a tanto o Alvará de 22 de Junho de 1760. O seu contendor Antonio Joaquim Guimarães, obteve na Corte

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do Rio de Janeiro o Aviso da Copia N.º 1 para ser provido com algum pequeno Officio vago, ou que houvesse de vagar. E em taes circunstancias era a practica attestada na minuta N.º 2, provendo-se interinamente o agraciado até que baixasse confirmada por Decreto a mercê da propriedade, considerando-se entre tanto feita para conferir-se a serventia. Este o fundamento porque a Mesa do Desembargo do Paço repettio na Consulta N.° 3 a pertenção do dicto Manoel Francisco de Figueiredo; e he com o parecer deste Tribunal do qual não discorda o Conselho da Fazenda na Consulta N.° 4, que a Regencia do Reyno se conformou na decisão deste negocio: O que participo a V. Exa. de ordem da Regencia do Reyno para que o leve à presença do Soberano Congresso, e assim se cumpra o Aviso que V. Exa. me dirigio em data de 7 do corrente.

Deos Guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 20 de Março de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras - Joaquim Pedro Gomes de Oliveira.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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