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1.ª occasião, que vier ao Congresso: e posta á votação foi approvada.
Seguiu-se a continuação do parecer da mesma Commissão, era que offerece em forma de projecto, e para se expedir por decreto, outras disposições relativas ao mesmo objecto: e principiando-se pelo 1.° artigo, cm que propunha - que no primeiro dia do próximo mez de Outubro, havendo Sua Megestade entrando no Paço das Cortes com o ceremonial costumado, fará um discurso adequado á solemnidade da acceitação, e juramento da Constituição, cujo exemplar lhe terá sido remettido com a conveniente anticipação - posto á votação, foi approvado, com a declaração seguinte - que Sua Magestade fará, este discurso sendo sua vontade.
Passou ao artigo 2.° concebido nos termos seguintes - Logo o Presidente das Cortes apresentará ao Rei o livro dos santos evangelhos, sobre o qual pondo a mão direita, jurará, dizendo - Acceito, e juro guardar, e fazer guardar a Constituição politica da monarquia portugueza, que acabão de decretar as Cortes constituintes da mesma Nação. Esta formula será escripta, e datada em cada um dos dois exemplares da Constituição pelo secretario de Estado dos negócios do Reino, e em ambos assignada por Sua Magestade: e depois de julgado discutido, e posto á votação, foi approvado.
O 3.° artigo, em que se propõe - que o Presidente responderá ao discurso do Rei, e que na saída de Sua Magestade da sala se pratique o ceremonial costumado - foi appprovado com a alteração seguinte, que em lugar das palavras o Presidente responderá ao discurso do Rei, se diga o Presidente fará um discurso análogo ao objecto.
O Sr. Presidente propoz: Se a disposição destes três artigos devia entrar, e fazer o objecto do decreto? E posto á votação, venceu-se que não, mas que ficassem suas decisões lançadas na acta, e consideradas como addicionaes aos artigos do regulamento interior das Cortes, mas que se participassem ao Governo para sua intelligencia.
Passou-se ao 4.° artigo: e depois de discutido, e posto á votação, foi approvado em quanto á sua doutrina ; mas que voltasse á Commissão para tomar em Consideração algumas reflexões feitas a respeito de quem deve ser o Presidente, e da forma do juramento, e remessa do termo delle.
O artigo 5.º foi approvado, declarando-se que os termos dos juramentos prestados pêlos mesmos chefes sejão tambem remettidos para o mesmo destino.
O artigo 6.° foi approvado com o seguinte accrescentamento, que depois da palavra decretarão se, se accrescente as seguintes palavras: e eu aceeitei e jurei.
O Sr. Braamcamp propor, que a doutrina deste artigo 6.° não fizesse objecto do decreto, mas que se Considere como uma resolução das Cortes, que será communicada ao Governo: e assim se approvou.
Q artigo 7.° foi approvado.
O Sr. Franzini, por parte da Commissão de marinha, apresentou a redacção dos artigos relativos ao projecto da reforma, e extincção do aimirantado que
se lhe havia mandado redigir; e que forão mandados imprimir com urgência.
O Sr. Secretario Barroso leu uma declaração de voto assignada pelo Sr. Serpa Machado, que se mandou lançar na acta, e he do teor seguinte - Declaro que na sessão de ontem fui de voto, que se aumentassem as côngruas aos párocos indigentes, quanto fosse bastante para a sua decente sustentação: porem votei contra lodosos methodos, que a este respeito propoz a Commissão eclesiástica no seu projecto, e contra as addicções e substituições propostas por outros Senhores Deputados, e approvadas pelo Congresso.
O Sr. Presidente deu para a ordem do dia o projecto numero 222, que ficou adiado na sessão de hoje e fechou a sessão depois da uma hora da tarde. - Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario.

Redactor - Velho.

SESSÃO DE 19 DE SETEMBRO.

ABERTA a sessão, sob a presidência do Sr. Freire, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada. Passou o Sr. Secretario Felgueiras a dar conta dos negócios do expediente, e mencionou.
1.° Um officio do Ministro dos negócios do Reino, acompanhando rima conta, em que o chanceller da relação do Porto representa as duvidas que encontra na execução da ordem do Congresso de 18 de Setembro de 1821, o qual se mandou para Commisão de agricultura.
2.° Dois officios do Ministro dos negócios da justiça, enviando as respostas dos bispos do Porto, de Lamego, e do arcebispo de Évora, aos quezitos da ordem das Cortes de 6 de Julho ultimo, os quaes forão mandados para a Commissão ecclesiastica de reforma.
3.° Um do Ministro da marinha, com a informação da academia da marinha sobre o requerimento de Desiderio de Sousa Pereira Leite, que se mandou para a Commissão do marinha.
4.° As felicitações das novas camaras das villas das Caldas da Rainha, e da Messejana, das quaes se mandou fazer menção honrosa.
5.° Um officio do encarregado do commissariado, com exemplares da conta daquella repartição do mez de Abril, os quaes exemplares se mandarão distribuir.
6.º Uma representação de Domingos José Cardoso, com exemplares impressos, que se mandarão distribuir.
7.° Uma carta do Sr. Deputado João Vicente da Silva, pedindo prorogação de licença, que se julgou incompatível com a ultima resolução do Congresso, que manda recolher todos os Srs. Deputados.
Deu conta da redacção do decreto sobre a remessa para a bibliotheca publica de um exemplar de qual-

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quer escripto, que foi approvado. Lêrão-se as seguintes declarações de voto, que se mandarão escrever na acta: 1.ª assignada pelos Srs. Santos Pinheiro, e Antonio Pereira - Na votação de ontem a respeito cia primeira parte do artigo 7.° fui de oppinião, que devia passar tal qual se achava no artigo. 2.° Do Sr. Castello Branco Manoel - No artigo 7,° do projecto n.° 222, votei, que as congruas dos parocos fossem pagas a dinheiro, ou somente com os fructo de pão, vinho, e azeite. 3.º Do Sr. Soares de Azevedo - No artigo 8.° do projecto n.º 222 fui de voto, que as congruas estabelecidas, e calculadas em dinheiro, fossem satisfeitas em pão, vinho, e azeite, na forma proposta no artigo.
Procedeu-se á verificação dos Srs. Deputados presentes, e se acharão 118, faltando sem licença 16, os Srs. Gomes Ferrão, Povoas, Arcebispo da Bahia, Barão de Molellos, Aguiar Pires, Innocencio de Miranda, Queiroga, Vicente da Silva, Gouvêa Osório, Correa Telles, Rodrigues de Bastos, Grangeiro, Vasconcellos, Marcos Antonio, Vicente António: e com ella 26, os Srs. Moraes Pimentel, Canavarro, Ribeiro Costa, Bernarda de Figueiredo, Scputveda, Bispo de Beja, Bispo de Castello Branco, Ledo, Feijó, Borges de Barros, Moniz Tavares, Leite Lobo, Costa Brandão, Ferreira da Silva, Fortunato Ramos, Belford, Faria de Carvalho, Faria, Sousa e Almeida, Luiz Monteiro, Pinto da França, Fernandes Thomas, Pamplona, Sande e Castro, Vergueiro, Bandeira.
Passou-se á ordem do dia, e entrou em discussão e seguinte

Projecto N.º 301.

A Commissão de Constituição, examinando a indicação do Sr. Deputado Miranda, que lhe foi remettida por este soberano Congresso, he de parecer: Que o decreto da convocação de Cortes Constituintes no Brazil, promulgado em 3 de Junho próximo passado pelo Príncipe Real, he nullo; porque excede a autoridade de quem o promulgou: he contrario á vontade geral do povo do Brazil, representado neste Congresso; tende a dissolver a suspirada união do Brazil com Portugal, desfaz o pacto estabelecido por uma vontade geral, solemnemente declarada, e espalha por todo o Brazil as sementes da anarquia.
Para occorrer prontamente aos males que póde occasionar similhante decreto, pensa a Commissão que as Cortes se devem appressar a decretar o seguinte:
1. Que o decreto de 3 de Junho próximo passado, que convoca no Brazil Cortes Constituintes, he nullo.
2. Que os Secretários de Estado do Rio de Janeiro são altamente responsáveis pela illegalidade de uma tão despótica determinação, e devem ser processados.
3. Que o Governo do Rio de Janeiro, desobedecendo ás Cortes, e constituindo-se independente contra a vontade dos povos do Brazil, representados neste Congresso, he Governo de facto, e não he Governo de direito; e a obediência voluntária de qualquer autoridade será criminosa, menos quando for obrigada pela força.
4. Que a delegação do Príncipe cesse immediatamente, e que ElRei nomeie logo a Regência, que ha de exercer esta delegação na forma já sanccionada.
5. Que o Príncipe Real deve recolher-se a Portugal no praso de quatro mezes, contados desde o dia em que lhe for intimado o presente decreto. E no caso não esperado, que elle não obedeça a esta determinação, se proverá como a Constituirão determina.
6. Que será tido como traidor aquelle commandante de força de mar, os de terra, que obedecer ao Governo do Rio de Janeiro, não sendo a isso obrigado pela força.
7. Que o Governo por todos 03 meios que estiverem á sua disposição faça executar todas estas determinações.
Paço das Cortes em 11 de Setembro de 1822. - Manoel Borges Carneiro; Bento Pereira do Carmo; J. A. de Faria de Carvalho; José Joaquim Ferreira de Moura.
O Sr. Trigoso: - Como ninguém se levanta, darei já a minha opinião. Em quanto ao artigo 1.°, que diz, que o decreto de 3 de Junho próximo passado, que convoca no Brazil Cortes Constituintes, he nullo, creio que não póde haver discussão. He um decreto feito por quem não tinha autoridade para o fazer, e por quem arrogou o poder legislativo. Agora o que póde entrar em duvida, he o que diz a Commissão no preambulo cobre a pressa que tem para decretar o primeiro artigo, e seguintes, e sobre isto quero fazer algumas observações, observações que me embaraçarão seguir a opinião de alguns illustres Deputados Membros da Commissão de Constituição. Este decreto póde ter um de dois effeitos; o 1. effeito vem a ser obstar, que os povos do Brazil nomeem Deputados para as Cortes Constituintes do Brazil; o 2. effeito vem a ser obstar, que os povos e autoridades do Brazil continuem a obedecer ao governo do Príncipe. Agora digo eu, que estes dois fins por que foi feito este decreto, tem-se conseguido perfeitamente sem elle, que por isso o decreto não he necessário para os obter, e pode trazer alguns inconvenientes. O primeiro fim he obstar a que se convoquem Cortes Constituintes no Brazil. He evidente que para isto já este decreto não vai a tempo. As Cortes Constituintes forão convocadas m 3 da Junho. Chegou cá esta noticia depois de ter chegado ás outras partes do Brazil, em consequência se os povos do Brazil quizerem nomear Deputados para ellas, já os tem nomeado a estas horas, se não os quizeretn nomear, não tem nomeado, de maneira, que quando lá chega o decreto, já não pôde ter effeito, porque já se tem cumprido o do Príncipe. Ora se nós quizermos discorrer, sobre se os povos do Brazil terião motivo de deixarem de nomear Deputados para as Cortes, havemos descobrir, que tem todo o motivo para isto. Elles já tem a declaração das Curtes por um decreto solemne em que ellas declarão, que o decreto do Príncipe que mandava convocar os procuradores para o conselho era nullo. Se este decreto era nullo, e evidentemente devem entender os povos do Brazil, que as Cortes reputão nullo o decreto de convocar as Cortes Constituintes, porque o convocar as Cortes he um acto mais abu-

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sivo do que convocar um concelho dos procuradores dos povos. Alem disto as Cortes já disserão na ultima proclamação quaes erão os verdadeiros princípios, que professavão relativamente ao Brazil, e segurança que devião ter os Brazileiros relativamente a Portugal. Se pois já isto está consignado em um documento autentico, segue-se, que os povos do Brazil devem saber muito bem a vontade das Cortes de Portugal, sobre aceitarem ou não aceitarem o decreto que manda ali convocar Cortes Constituintes. E mesmo não era necessário este argumento positivo. A razão natural deve mostrar aos povos do Brazil que tinhão jurado obediência ás Cortes, e Governo de Portugal, que esta obediência, e juramento obstavão á nomeação dos Deputados outras. Concluo pois, que quanto ao passado a ser inútil este decreto; quanto ao futuro mais me parece inútil, porque quaesquer que sejão as disposições deste decreto, ellas hão de serão provadas e applicadas no Rio de Janeiro. Ora ao mesmo tempo que isto se póde fazer, ao mesmo tempo se póde remetter paru o Brazil a Constituição que temos acabado de fazer, e de decretar: por isso mesmo que jurada no dia 1.° de Outubro, nada mais resta do que remetter exemplares para o Brazil. Agora digo eu, que o effeito que ha de fazer a Constituição publicada no Brazil, me parece mais forte do que o que ha de fazer este decreto; e até póde pensar-se, que procede de uma certa affectação, que estando feitas duas cousas, este decreto por um lado, e a Constituição por outro, se queira de propósito demorar a Constituição, e enviar o decreto. E com efeito todas as consequências que podemos tirar relativamente ao Governo do Rio de Janeiro, e aos povos do Brazil, de não obedecerem a este decreto, todas se devem tirar dos povos e o Governo não jurarem a Constituição, de sorte que vem a ser inútil a publicação do decreto uma vez que se publique a Constituição. Estas as reflexões geraes que tenho afazer, tanto de presente, como de futuro a respeito do decreto. Sobre o particular delle, terei também que dizer algumas cousas, quando se tratar de cada um dos seus artigos. Concluo pois, que me parecia melhor, apezar de que algumas proposições do decreto são muito verdadeiras, não o publicar já, he cuidar em remetter quanto antes para o Brazil a Constituição, e fazela ali jurar. Outras cousas haveria, que devessem preceder a Constituição, a fim de facilitar a sua publicação, sem ser este decreto; mas não me pertence dizer quaes sejão; pertence ao Governo medi talas, e executalas.
O Sr. Miranda: - Todas as razoes que apresenta o illustre Preopinante para mostrar, que o presente decreto não produz effeito algum no Brazil, ou seja pelo que respeita ao passado, ou ao futuro não que convencerão. Este decreto deve expedir-se já. Oxalá que a declaração que agora se faz, se tivesse feito ha seis mezes. Pelo que respeita ao passado claro, está, que nada remedéa o decreto, mas que não possa remedear para o futuro, não o posso ou vir. Tem-se adoptado muito de propósito muitas medidas de moderação, mas eu sempre afirmei, e hei de continuar a afirmar, que o partido rebelde ha de tornar-se mais ousado, quanto for maior a moderação que tiverem com elle. Diz o illuustre Preopinante, que a Constituição vai publicar-se, e que mandada para o Brazil está tudo remediado. Desejava saber, que idéas tem o illustre Preopinante para pensar, que a Constituição será recebida bem no Rio de Janeiro, ou não será recebida. Talvez, e he o mais certo, seja um livro proscrito que ali appareça, e que nada faça, a não ser nas partes onde precisamente este decreto não he necessário, não pelas razões que apontou o illustre Preopinante, porque as razões que elle tinha a favor do decreto, não as desenvolveu. Devamos notar, que no Brazil a maior parte dos Brazileiros são constitucionaes, e a prova evidente he, que os que querem proclamar a independência, ainda se não atreverão a proclamala á face dos Brazileiros, e descaradamente. Apregoão-se sim os seus princípios, mas sempre inculcando obediência ás Cortes, e affectando uma linguagem hypocrita. Esta linguegem hypocrita he que eu quero ver destruída, quero saber quaes são os amigos da união, os inimigos da pátria, e para isto quero que vá este decreto. As autoridades locaes, vendo que as Cortes continuão a autorizar o Príncipe Regente para continuar a governar o Brazil, estão em duvida se hão de continuar a obedecer-lhe, ou se hão de obedecer ás Cortes de Portugal. He necessário tiralos desta duvida, he necessário que ninguém possa apresentar duas caras, que os que tão do partido da independência se ponhão a um lado, e os que são do partido da Constituição se ponhão ao outro. Nós temos noticia, que em S. Paulo houve insurreição contra o governo do Rio de Janeiro, houve uma facção para um lado; no Norte vemos a união com Portugal, umas províncias querem a união, outras são dissidentes. Que resta pois? Que as Cortes declarem, que o Príncipe esta distituida da sua autoridade, que o Príncipe he refractario, e que todos que lhe obedecerem, são rebeldes. Por outra parte, he necessário que a Nação portugueza mantenha a sua dignidade; que o Congresso a mantenha também, e não a manteria, se continuasse a sofrer a desobediência do Príncipe, e a autoridade do Rio de Janeiro. Ora pois para desenganar as autoridades, para destruir todo isto he, que estou persuadido, que he necessário o presente decreto. Estou persuadido, que apenas este decreto chegar ao Rio de Janeiro o governo do Príncipe acabou num instante; que todos os officiaes de marinha se desligarão do governo do Rio de Janeiro, e jurarão obediência ao Governo de Portugal. Senão diga-se: qual he a razão porque do Rio de Janeiro te não tem mandado expedições para o norte do Brazil; porque não se tem mandado esquadras, he porque alí ha persuasão, que qualquer força que se ponha a bordo todo o official se voltará para o governo de Portugal. Por isso para desarmar o partido refractário, tirar-lhes as armas da mão, acabar com aquella linguagem hypocrita, he que he necessário este decreto. Olhemos para a conducta da junta de Pernambuco; não vemos a astúcia mais sagaz, a mais estudada malícia? Que fim tem tudo isto, senão o estabelecer o partido da independência. He preciso pois acabar com esta junta bitronte. Ha muito que se disse, que os da junta de S. Paulo tinhão passa-

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do o Rebicon; que poderia esperar-se da junta de S. Paulo, da facção Bonifaciana senão o ver este partido abatido, os membros que o compõe fugindo, como, unico medo de escapar á justiça. Por tanto para que tudo se conheça e manifeste, para que os partidos se conheção e acabem, julgo único meio este decreto, e como tal o approvo.
O Sr. Borges Carneiro: - Se nossos juizos estiverão algum tempo perplexos , sobre o modo de nos havermos com o Brazil, esta perplexidade tem acabado. As noticias são hoje geraes, uniformes, constantes. O caracter nacional não póde, nem deve sofrer mais. Há uma moderação que produz precisamente o effeito contrario daquelle a que se encaminha. Está assas conhecido o plano dos sectarios da independencia do Brazil. Solapadamente forão de cá e de lá realizando o seu projecto, que era adormecer as Cortes, e o Governo, e nem ganhando tempo para poder obrar. Mandárão emissarios a todas as partes: tiverão-nos em Portugal: dirigírão ordens, periodicos, emissarios a todos os pontos, e chegárão por fim até tirar a mascara. O seu principal estratagema foi fazer persuadir aos sinceros povos do Brazil, que a tenção das Cortes era escravizalos, e colonizalos; e que o Governo de Portugal despotico como d'antes os queria manter na escravidão; e ao Príncipe Real ambicioso de uma dominação prematura fazer- lhe crer, que as Cortes e o Governo intentavão entregar Portugal aos Hespanhoes, e trazelo com isso a capitanear o seu partido.
O primeiro passo importante que derão foi o de promover a saída de todas as tropas europeas do Brazil; fazer escolher juntas compostas em grande parte de secretarios da independencia; assassinar, perseguir, maltratar, os europeos por toda a parte, especialmente aos negociantes, que não só com palavras, mas com obras e dinheiro querião auxiliar a causa da união; abrir a porta a todos os periodistas que quizessem escrever contra aquella causa, e perseguir os que o fizerem em favor della. Assim caminharão falando sempre em união ao passo que dilaceravão todos os vínculos da união: falando em obediência ás Cortes, e a El Rei ao mesmo tempo, que desobedecião a todos os seus mandados; falando da reunião de procuradores das provincias brazilienses, como de um conselho meramente consultivo do Príncipe; depois intitulando-o Cortes, mas destinadas meramente para estabelecer medidas municipaes: dando alguma vez vivas ás Cortes, mas sem dizer a quaes: falando sempre em união, mas entendendo a das provincias do Brazil entre si, e a sonhada sujeição de Portugal ao Brazil.
Passárão depois a acclamar o Príncipe deffensor perpetuo do Brazil; depois Regente, e ultimamente Rei, titulo que elle diz n'uma carta ainda não acceita; mas vai dispondo as cousas a esse fim, affincando-se em pedir com encarecidas instancias a seu Augusto Pai lhe mande logo pata lá o infante D. Miguel para casar com sua filha. E para que? Para ali se perpetuar a casa do infantado, fiadora da successão da coroa; ali naquelle: continente, que se acha destinado em sua mente para ser a séde da monarquia Portugueza. Ultimamente com o decreto de tres de Junho que faz o principal objecto da presente discussão acabárão de tirar a mascara mandando reunir no Rio de Janeiro as Cortes constituintes e legislativas do Brazil, que destinão desde já para cabeça da monarquia Portugueza, sugeitando-lhe Portugal, e as possessões portuguezas da Africa e Azia, adquiridas e conservadas desde longe seculos com o sangue e fadigas de nossos maiores. Daqui vem a detenção dos Deputados que Angola enviava a Lisboa, dahi os emissários enviados áquelle reino para o revolucionar, como temos sabido pelo muito illustre Deputado do mesmo reino e meu prezado amigo o Sr. Manoel Patrício da Silva, que nunca deixarei de nomear com respeito, pelos sentimentos patrioticos com que proclamou a união e amor do sistema constitucional aos Angolenses, e mostrou a seus companheiros o seu desleal procedimento.
Tirada assim a mascara, obrarão então desmascaradamente os facciosos, e as autoridades sectarias daquelle partido. Em Pernambuco a junta, ou antes sem malicioso e manhoso presidente, sempre jogando com pau de dois bicos, na mesma proclamação em que chama os Pernambucanos ás armas, para repellirem a expedição que receião ser-lhes enviada de Lisboa, acaba dando vivas ás Cortes era residentes em Lisboa: quem diz ora, quer dizer que deixarão de residir aqui. Do decreto de 5 de Junho consta, que esta mesma junta havia solicitado do Principe Real que lhe nomeasse um official de marinha capaz; o qual ella lhe indicou, e o Principe com effeito lhe nomeou José Thomaz Rodrigues. Em outro decreto de 21 de Junho ordena S. Alteza, que a junta e o governador das armas não permittão servir os casos publicos, e postos militares se não a pessoas que tenhão adhesão a causa da uinão e independência do Brazil, isto he, da união das províncias do Brazil entre si, e da sujeição de Portugal áquelle continente, ao que também chamão união.
Na Bahia fizerão tambem os facciosos armar as villas de Santo Amaro, e S. Francisco, e Cachoeira, contra as forças do general Madeira. A junta daquella cidade, posto que mais reservada, chama n'uma proclamação aterradoras as medidas do general, editas provas dá bem a entender que segue o partido do Rio: a camara mais manifestamente está de intelligencia com os aulicos daquella cidade, e os negociantes são perseguidos e provocados. Agora perguntarei, donde provém todo este espirito de discordia, este fogo devorador que se vai ateando por varias provincias do Brazil? Ninguém ignora que vem do governo do Rio de Janeiro, e que he ali o centro donde a toda a parle se envião os emissários, e as ordens desorganizadoras; dalli os decretos, proclamações, portarias, emissários expedidos com admirável actividade. Esta idáa pois basta para provar quanto tem perder um só momento, se deve approvar hoje o parecer da Commissão, e tomar medidas para te annullar um governo, que se tem declarado hostil a Portugal, e á união do que já era Reino Unido, e tem excitado as tropas e seus commandantes a obrarem hostilmente contra seus juramentos de obediência ás Cortes, e a El Rei. As Cortes declararão, que o Príncipe continuasse a reger as provincial que naquelle tempo lhe obedecião. As

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autoridades Militares enviadas ao Brazil vão ainda ligadas de algum modo áquella declaração, e he de absoluta necessidade, que se declare a nullidade, e usurpação daquelle governo, para que possão obrar livremente como exigirem as circunstancias. Eu não poderei pois melhor expôr qual seja o espirito daquelle governo, do que pedindo licença para ler algumas passagens das cartas enviadas pelo Principe ao Rei seu augusto pai, com recommendação de serem presentes ás Cortes (leu algumas passagens de varias cartas, e decretos do Principe, e concluiu). Parece-me ficar evidentemente mostrado por quanto acabo de expôr, que o governo do Rio de Janeiro se tem tornado hostil á causa da união, e da Constituição, e subversivo do juramento dado liberrimamente pelos Brazileiros, e por tanto voto por todos os artigos do parecer da Commissão, cuja materia he urgentissima.
O Sr. Costa Aguiar: - Sr. Presidente: são por certo bem tristes e dolorosas as circunstancias em que se achão os Deputados das provincias meridionaes do Brazil, porque constituidos na necessidade e dever de cumprir mui religiosamente as obrigações proprias de tão pezado, quanto melindroso emprego, são por outra parte desgraçadamente rodeados a cada momento da afflictiva idea, de que nada podem a bem de seus constituintes, sendo além disto o alvo descuberto e indefezo, onde se empregão todos os tiros, e para onde se dirigem algumas vezes mui acintemente expressões assás carregadas do modo, ou para melhor dizer, dos que não podem, ou não querem convir de boamente no actual estado das cousas no vasto, rico, e sempre magestoso Reino do Brazil: e supposlo não deva haver escolha entre o dever, e o melindre, ou capricho de alguem, com tudo o coração humano não pode deixar de sensibilizar-se ao ouvir continuamente os mesmos ataques, e toda a casta de repulsas. Este principio tão fecundo em resultados produz a maior parte das vezes, e ate mesmo deperta idéas, que talvez não lembrassem, ou quando em verdade occorressem não serião decididamente o germen do ressentimento, capaz em todos os tempos de móres resultados, especialmente quando a razão elevada pelo amor da patria, e de todos os mais sentimentos patrioticos sobrepuja quantos obstaculos se lhe impõe, por mais fortes que elles á primeira vista pareção ser; isto posto não he, nem o enthusiasmo mal entendido, nem a má vontade o que me obrigou a levantar-me, mas sim o querer, ou para melhor dizer, o dever pôr o meu comportamento de acordo com a minha consciencia, e he por tão justos motivos que francamente emittirei a minha opinião, e exporei as minhas ideas, embora ellas não agradem, ou mesmo possão suscitar-me algum dissabor, porque eu firme nos meus principios direi sempre o que sentir. O parecer da da Commissão he injusto, menos sincero, impolitico, inexequivel, e inutil, e capaz até, para me servir das mesmas expressões da Commissão, de lançar por todo o Brazil as sementes da anarquia. Longe de mim a idéa de offender os illustres Senhores redactores do parecer, porque eu combato só a sua doutrina, e jamais os seus autores. He injusto porque Portugal não pode nem deve pertencer ter mais direitos do que o Brazil. He um principio universalmente reconhecido por todos, que quando uma nação muda o seu modo de existir e de pensar, não pode tornar a ser governada como era antes dessa mudança. O Brazil reassumindo a sua soberania a exemplo de Portugal, pode constituir-se a seu modo, e lançar mão dos mesmos direitos, de que Portugal usou para mudar a sua antiga forma de Governo, depois dos celebres dias 24 de Agosto, e 15 de Setembro de 1821; e se os povos não são propriedade de alguem, como he crivel que Portugal se queira arrogar direitos que não tem, e que lhe não competem, e o que he peior a autoridade e despotico commando de regular por meio de bayonetas a sorte do Brazil. Como uma parte soberana da Nação pode pertender subjugar a outra parte dissidente maior e tambem soberana? Só a força o poderia autorizar e legalizar, porém a força jamais constituirá direito algum. Que diria Portugal, se o Brazil, não havendo accedido ao systema constitucional, pertende-se obstar a sua regeneração politica, enviando de além do Athlantico suas legiões para o forçar a entrar outra vez nos limites do imperio do despotismo, donde tão gloriosamente havia saido? He escusado avaliar mais, todos sabem o que então Portugal faria; e como he crivel, Senhores, como he possivel que Portugal se esqueça desta reciprocidade de direitos, tantas vezes proclamada á face de toda a Nação neste mesmo augusto recinto? Além de que como se pode dizer, que o Brazil adheriu ao nosso pacto social, e que o desfaz agora pela convocação das suas Cortes constituintes? Está por ventura feito este pacto? Foi elle já jurado e reconhecido? Ou he possivel que se possa admittir a arbitraria hypothese, de que pelo juramento das Bases ficou o Brazil constituido na dura e irremissivel necessidade de acceitar o novo pacto, que os Representantes da Nação fizessem, sem lhe ser mais permittido examinar se este mesmo pacto convem, ou não ás suas circunstancias, ou se preenche os fins, e condições com que os povos do Brazil annuirão ao presente systema de cousas? Não, Senbores, quando o Brazil jurou as Bases da Constituição que se havia de fazer, he porque não podia de outro modo adherir, e menos ser representado neste Congresso; mas por forma alguma se poderá daqui deduzir, que deva receber a lei tal qual se fizesse, e lhe fosse apresentada, embora julgasse não ser conveniente o acceitalla, por não ser capaz de promover os seus diversos interesses, por certo bem differentes dos de Portugal pela sua distancia, pelo seu clima, pela diversa mistura dos seus habitantes, e pela necessidade de outros recursos, e meios, etc.
Não, Senhores, não queiraes merecer o nome de injustos, e de Oppressores para os seculos vindouros, elles farão justiça ao Brazil, e a Europa assombrada tornaria a ver outra vez renovados os antigos tempos da barbaridade; porque instituições politicas prégadas e inculcadas aos povos no seculo XIX. a pontas de bayonctas, e ao estrondo da artilheria só poderião convir aos primeiros successores dos antigos Califas, e aos actuaes Padichaly da dynastia turca!!!... Mas longe de mim tão triste idéa, eu faço justiça aos il-

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lustres Senhores Deputados de Portugal, elles não professão taes principios, laborão unicamente como a honrada Commissão, em um erro de facto. He desgraçadamente este erro de facto quem me força a dizer, que o parecer he menos sincero, porque suppõe o presente estado das cousas no Brazil contrario á vontade geral dos povos, para deste principio poder deduzir o outro, que o Governo do Rio de Janeiro he Governo de facto, e não de direito; e supposta a primeira parte deste argumento muito seja contraria ão modo com que eu encaro os objectos, com tudo não posso deixar de alegrar-me vendo reconhecido pela Commissão o principio deduzido a contrario senso, isto he, que se a vontade dos povos fosse em verdade esta, então o Governo seria de direito, e por isso não seria criminosa a obediencia de qualquer autoridade a similhante Governo, constituido pela vontade geral dos povos.
Isto não obstante por nenhum modo deve deixar passar a opinião da Commissão de que, a dissidencia das provincias colligadas do sul existe só no Governo, e não nos povos; ah! Srs., não vos illudaes, e menos o interesse mal entendido vos faça suppor o que não existe: não he só uma provincia, porem sim as que compõem e formão o vasto imperio do Brazil, á excepção do Maranhão, e Pará, que tem proclamado o Governo do Rio de Janeiro; forão ellas as que rogarão a S. A. R. se dignasse tomar o agradavel e elevado nome de protector, e defensor perpetuo do reino do Brazil, e o Principe Real o Sr. D. Pedro conhecendo perfeitamente o estado de convulsão em que ficaria aquelle reino, se elle não acceitasse tão gloriosa offerta, por uma acção digna de si, e do seu grande coração assim accordou, e o firmou tocando com a sua mão o sagrado Livro dos Evangelhos: e que mudanças de então por diante? Sem aquelle passo o Brazil perdia-se a si mesmo, e perdido seria para sempre para Portugal, mas deste modo póde ainda conservar-se na qualidade de reino, e conforme a sua alta cathegoria, unido pelos laços de mutua, e amigaveis relações, e uma cordial e bem entendida fraternidade. Aquelle passo deu nascimento a outro mais sublime: a convocação de uma assembléa geral e constituinte da nação brazilianna, a qual a esta hora estará talvez instaurada, e aos seus illustres Membros no exercicio dos sagrados direitos, que lhe forão conferidos pelos seus constituintes: o que acabo de referir he tão claro como a luz do meio dia; e não são sómente as cartas e papeis publicos que clara e altamente o dizem, são os proprios decretos do Principe Real, são as representações da maior parte daquelles povos feitos a S. A. R., e ainda ha pouco a desgraçada Bahia acaba de afiançar o mesmo a este augusto Congresso pelo orgão dos seus representantes. Esta foi a razão porque nós o Deputados de S. Paulo fizemos a indicação lida na sessão de 26 do passado, e tambem o que deu motivo a outra feita pelos Srs. Deputados da Bahia na sessão de 11 do corrente, e esta he em fim a poderosissima razão, fundamentada tambem no que acima expuz, quando combati a injustiça do parecer, porque a Commissão não póde avançar, que a dissidencia não he do povo, e é sim do Governo, a menos que o Governo do Rio he só Governo de facto, e não de direito. He impolitico o, parecer da Commissão; porque na violenta posição em que se adião as cousas, não podem taes medidas deixar de produzir um effeito contrario no que se pretendia; e como he possivel em verdade, que o Brazil veja tranquilo a saida de S. A. R. do seu seio, e possa olhar com sangue frio para o medonho futuro que se lhe antolha? Oh! Deos immenso, que desgraçadas e aterradoras idéas!!! Estremeço só em pensar, que o rico e fertil Brazil seria então a preza dos partidos, e o foco das desordens da anarquia, e da guerra civil!!! E são estas as idéas de conciliação enunciadas por irmãos filhos dos mesmos pais, e alimentados com o mesmo leite? Não Srs., não he possivel, tal linguagem e taes palavras, para me servir das expressões do Turco Izzed Effendi traductor do Pendi Altar em persa, causão uma chaga profunda na parte mais sensivel do coração, quando pelo contrario devião ser tão puras e tão mimosas como as perolas, para não fazerem desviar e voltar a car ainda aos mais bem intencionados.
He inexequivel e inutil; porque não he crivel que S. A. R. o Sr. D. Pedro, ligado por um juramento tão solemne, como o que voluntariamente prestou de ser defensor e protector perpetuo do reino do Brazil e deixe ao desamparo, entregue a si mesmo; e ainda quando (o que não acredito, nem he de esperar da generosidade daquelle Principe) isto fosse possivel, de de certo os povos se opporião a tão terrivel passo, e S. A. R. teria de ceder outra vez á opinião publica, e à voz da nação brasiliana. Quando qualquer nação uma vez gozou dos doces, e saborosos frucots da liberdade; estorvada, e empecela na marcha dessa mesma liberdade he sempre funesto; porém fazela retrogradar he impossivel; a historia bastantes exemplos nos subministra desta verdade, e basta lançar os olhos para os nossos visinhos, e tambem para o que tem acontecido na america hespanhola, onde de certo muitas vidas se haverião poupada, e o que he mais os horrores da mais violenta e terrivel guerra, se outras medidas no principio se tomassem: desemganemo-nos Senhores, a ficada do Principe Real no Brazil, he e será sempre olhada por todos os amigos dos povos livres, e da humanidade como a taboa unica da salvação daquelle reino, embora interesses oppostos queirão inculcar idéas em si contadictorias, e que por si mesmas se desvanecem, por não serem apoiadas e firmadas na opinião publica, e nos principios hoje geralmente adoptados por todos as nações cultas. He capaz de lançar por todo o Brazil as sementes da anarquia, porque a historia e a experiencia desgraçadamente nos mostrão, que em todas as revoluções, ainda as mais justas, há sempre um pequeno numero de individuos, que illudidos por vão interesses, ou seduzidos por esperanças de maiores bens, ou mesmo excitados pelo egoismo, e pela maldade, divergem da opinião geral, e o que he mal, procuram até estorvar e inutulizar a execução dos planos os mais bem organisados, e convenientes; he o que temos visto acontecer em Napoles, he o que até se tem verificado em Hespa-

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nha, e tambem em Portugal, pois que por muitas vezes tenho ouvida resoar nas abobedas desta sala immensas felicitações das camaras deste reino pela descuberta da conspiração, que tão horrivelmente se pertendia aqui urdir: he tambem o que acontece, e acontecerá ainda mais no Brazil, se passar semelhante parecer, porque firmado o decreto que se fizer, procurarão aumentar o seu partido, já illudindo a uns, e já procurando todos os meios de os fazer apartar das idéas que antes tinhão: por outra parte o P. R. o Sr. D. Pedro procurará tambem obrigalos ao cumprimento dos eus decretos, e á execução das vontades dos povos, que tão positivamente pedirão uma convocação de Cortes Constituintes; e que males não produzirá semelhante collisão de cousas? Não, Senhores, poupemos a nossos irmãos tão inexaurivel fonte de desgraças, não seja este soberano Congresso o productor e causa de tantas ruinas. Resumindo pois as minhas idéas digo, que o parecer he injusto, menos sincero, impolitico, e inexequivel, e capaz de produzir o que elle receia, e está bem longe de desejar, e por isso me parece que deve ser rejeitado, como incapaz de por elle se fazer obra alguma.
O Sr. Moura: - senhor Presidente, o parecer da Commissão deve em tudo ser adoptado, porque estabelece principios os mais conformes á justiça, e á politica, e porque tira destes principios conclusões irrefragaveis. Nem as razões allegadas pelo Sr. Deputado de S. Paulo podem prevalecer contra este parecer, em quanto pretendem mostrar que elle se opõe á justiça, que he impolitico, e que he inexequivel. Igualmente lhe não obstão as que allegou meu illustre collega e amigo o Sr. Trigoso, em quanto se oppõe a que se adopte, não por negar a evidencia dos seus principios, e boa deducção das suas consequencias; mas pelo nenhum effeito que lhe considera, ou já porque não previne a convocação das Cortes no Brazil (único objecto que elle suppõe, em se anullar o decreto que as convoca) ou já porque os outros effeitos igulamente os produz a Constituição, que em poucos dias será remettida para o Brazil. Eu me proponho combater as opiniões destes dois Srs. Deputados. Primeiramente me desembaraçarei do Sr. Trigoso, e depois passarei ao que expoz o Sr. Deputado de S. Paulo.
He para mim cousa digna de grande admiração, que o Sr. Trigoso, a quem nunca me foi difficil conceder a mais vasta comprehensão nos objectos em que fala, e em cujos discursos se nota sempre a razão a mais solida, e a mais subtil, se equivocasse tanto no fim que deve ter o decreto, que a Commissão propõe. Não he certamente o objecto deste decreto previnir a convocação das Cortes no Brazil; (que já estarão convocadas, pelo menos com os procuradores das provincias, onde o Principe exerce mais directamente a sua autoridade) debil prevenção seria esta: O verdadeiro objecto deste decreto he fixar as relações, em que o governo do Rio de Janeiro deve permanecer para com as Cortes, e para com o Governo legitimo, a quem o do Rio tinha jurada obedecer. O decreto de 3 de Junho foi uma época politica; porque transtornou de todo estas relações; e porque estabeleceu e fundou a independencia; he por isso necessario que vejamos em que conta devemos ter este Governo, que até aqui era de direito, conservando-se na obediencia ás Cortes, e que hoje é de facto, erigindo-se com autoridade legislativa, e independente, a qual se arrogou, sem que lha conferisse que só lha podia conferir. A Constituição tambem não fixa estas relações, e não se evita com ella o que com a legislação do decreto se procura; porque não declara, nem determina em que ponto devemos olhar a autoridade usurpada do Principe, nem qualifica a obediencia, ou inobediencia das autoridades, e dos commandantes das forças de terra e mar, prestada, ou negada áquella autoridade de facto. A Constituição póde fornecer-nos principios a este respeito; mas não fixa de um modo immediato, e terminante a applicação daquelles principios. He por tanto incontestavel, que nem he desnecessario, nem inutil, que as Cortes legislem desta sorte, como queria o Sr. Trigoso.
Passemos ás razões, e aos argumentos do Sr. Deputado de S. Paulo, que parece não convir, nem com a justiça, nem com a politica do decreto. Srs., uma serie de reflexões sobre o estado da America, e uma collecção de factos todos innegaveis, há muito tempo me fizerão comprehender, que nem planos imaginarios, enm idéas abstractas de politica, nem theorias geraes de Governo serão capazes de manter a nossa união com a america, e de conservar a unidade do poder, que he tão necessaria, e tão essencial a esta surpirada união. Todavia era necessario que os principios, que as razões, que as medidas conciliatorias fossem de diante, para não poupar os pretextos da malignidade, e da ambição. Vimos já que nem a igualdade de direitos, nem a igualdade de representação, nem a igualdade das leis, podérão convencer a premeditada, e scismatica ambição das facções do sul, a que o Principe Real infelizmente se alliou. Pedírão-nos modificações, nós fizemos todas as que nos parecêrão, dentro da esphera da nossa autoridade; tudo foi em vão; de absurdo em absurdo caminhão auquelles facciosos, seduzindo os povos aos seus fins particulares: o decreto de 3 de Junho deve convencer os mais incrédulos, e os mais contemporisadores. De hoje em diante são outros os principios que nos devem conduzir. Srs., ou he verdade que a maioria das vontades dos povos trans-atlanticos quer a união com Portugal, e quer o mesmo poder; ou então he verdade que quer a independencia, e um poder diverso que os governe. Se o que está succedendo na america, (pelo menos nas provincias ao norte) póde provar-nos que a maioria quer esta união, e quer a autoridade das Cortes, então outra linha de conducta, outro principio devemos adoptar. Vou fazer observações sobre o facto, logo expenderei o principio, já que o facto he o seu fundamento, e a sua base. Quem poderá duvidar do facto? Deixemos o Pará, o Maranhão, e Pernambuco, vamos á Bahia: não obstante essas insurreições da Caxoeira, de S. Francisco, de santo amaro, e de Maragogipe. Que espectaculo nos offerece a Bahia? Chamo a attenção dos Srs. Deputados desta provincia, e sem medo que me desmintão no que vou dier. Escassos tres mil homens europeos estão ali ás ordens

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de Madeira. Se a tropa do paiz, se as cem, ou cento e cincoenta mil vontades dos habitantes daquella provincia não fossem adherentes á causa da união, e da unidade do poder, e do imperio, seria acaso possivel que Madeira, e os seus tres mil homens não tivessem sido esmagados, e reduzidos a cinzas? Se elles ali se conservão, he signal evidente, que o partido da união abrange a maioria, a grande maioria dos habitantes daquella provincia, e que a parte sã, os proprietarios, os homens de bom juizo, defendem o nosso partido; a desordem nasce de poucos agitadores; nós todos bem os conhecemos, bem sabemos quaes são os seus planos, e seus verdadeiros designios... Neste facto incontestavel fundo eu por tanto o meu principio, e he: Que já se não deve hoje tratar, nem de raciocinios, nem de exortações, nem de planos conciliatorios para manter a ligação da America; e só sim de dar ao grande partido da união, que existe naquelle paiz;, um auxilio tutelar, e protector, que o avigore, e que o habilite a combater, e a aniquilar a facção.
A isto he que se dirige o decreto, sim, a estabelecer este principio, e desenvolver a energia do grande partido, que tem na America, a união, e a unidade do poder he que se dirigem as intenções do parecer da Commissão. Para conseguir a firmeza do seu raciocinio estabeleceu a Commissão, como primeira base, a nullidade, a absurda nullidade do decreto do Principe, para a convocação das Cortes do Brazil. Suppoz que ninguem duvidaria desta nullidade; porém como o Sr. Deputado de S. Paulo quiz deduzir a legalidade do decreto de 3 de Junho da vontade dos povos do Brazil, eu lhe perguntaria donde consta a declaração unanime, e publica, e solemne, pela qual fizessem os povos do Brazil constar a seus illustres representantes neste Congresso, que as suas procurações estavão acabadas, e que tinhão escolhido outros procuradores para por elles serem representados em outro Congresso? Da sua procuração podem os Srs. Deputados do Brazil estar certos, porque dimana da vontade dos povos, escolhendo eleitores, da vontade destes eleitores escolhendo-os a elles, e dando-lhos uma procuração formal, e explicita, qual a que elles aqui apresentarão, mas da vontade diversa de seus constituintes qual he o testemunho que apresentão! O Principe convocou outra vez os eleitores de paroquia? e quem lhe deu o direito para os convocar? E esses eleitores erão porventura eleitores legitimos para fazer novas eleições? Não; elles já não erão eleitores; por que as suas funcções acabarão com a nomeação dos Deputados. Se o poder de eleger novos Deputados lhe deu o Principe, elle não lhe podia dar; se lhe derão os Povos, d'onde consta a sua reunião para este effeito? Predoe-me o illustre Deputado, mas derivar da vontade dos povos do Brazil a legitimidade da convocação das Cortes feitas pelo Principe no decreto de 3 de Junho, he o maior absurdo, e o maior não senso. E como se brinca deste modo com a vontade dos povos? Pois, Senhores, raiou o dia 24 de Agosto, e as acclamações dos Portuguezes forão tão geraes, e soárão tão alto, que forão ouvidas em todo o mundo: Estabeleceu-se o governo provisorio, e todo o Portugal lhe obedeceu: Convocarão-se as Cortes, e todos os Portuguezes votarão, e derão poderes: Fizerão-se as Bases, e todos as jurarão: Apesar de tão solemnes provas de uma vonsade tão geral, e tão espontanea; ainda se duvidou nas conferencias de Layback, ainda se duvida em alguns gabinetes da Europa, ainda duvidão alguns de nossos aristocratas, se a vontade da Nação portugueza na mudança das nossas instituições he geral, he espontanea; e tres miseraveis procuradores, sem missão expressa, juntos á voz de uma ordem illegal, hão de exprimir a vontade do Brazil!... Do Brazil, illustres representantes!... Que elles o dissesem, não me admira; porém que vos no-lo quereis persuadir, he abusar até da nossa paciencia!
O decreto do Principe he nullo; usurpa a autoridade, e o seu governo fica sendo de facto; agora resta averiguar em que conta devemos ter este governo, e o Principe, que se acha á testa delle. He facil a resolução. Receio que alguns espiritos acanhados, que algumas consciencias escrupulosas se recusem a tocar nesta materia, só porque o seu objecto he a respeitavel pessoa do Principe Real; sua elevada situação lhe dá direito a reger por muitos annos os destinos da patria, e por isso temerá alguem tocar-lhe. Não sou eu quem recêe tal; porque nem a justiça, nem o desempenho de um dever nacional, nem o exemplo de nossos maiores me podem infundir receio a este respeito: Os nossos maiores, Senhores, erão mais liberaes do que nós? Não o espero; porem elles nos comicios da Nação depunhão os Reis, repreendião a sua conduta, e jamais sacrificavão os grandes interesses da patria ás considerações particulares do Rei, ou da sua familia. Como poderemos pois recear de dizer ao Principe Real, que ha de perder o direito de succeder no trono de seu augusto Pai, se não reverter para Portugal? Dois Infantes irmãos de ElRei D. Duarte emprehenderão aquella dasgraçada viagem de Africa para tomarem Tanger; um delles, o Infante D. Fernando, ficou prisioneiro, e os Mouros pozerão como condição do seu resgate a entrega de Ceuta. ElRei juntou Cortes em Leiria para decidirem a questão, se deviamos entregar Ceuta para resgatar o Infante: Mas o Conde de Arraiollos (os Condes desse tempo erão de outra laia...) disse, que embora padecesse o Infante o barbaro captiveiro dos Mouros, e fosse victima de seu zelo imprudente; que Ceuta gandada com o sangue portuguez se não devia restituir. Eis aqui o modo generoso, e honrado porque se promovem os interesses publicos ainda á custa da conservação de personagens tão elevadas; se o Principe se entregar á deploravel allucinação de seguir os destinos, que seus perfidos conselheiros lhe tem marcado, percamos muito embora o Principe, a dignidade Real tem muito onde se reproduza; bastantes penhores temos da conservação do poder monarquico na augusta dynastia, que he o constante objecto de nossos votos.
Não pareça todavia estranho, ou incoherente, que a Commissão commine tão sómente ao Principe a perda do direito de succeder, no caso de não voltar para Portugal, e que o não sujeite á lei da respon-

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sabilidade, de que não parece estar isento, rigorosamente falando: por quanto, Senhores, não será por ventura politico prescindir do rigor desses principios, para respeitar a individualidade do Rei até no Principe sucessor da Corôa? Quando somos accusados de sectarios da Dimocracia pura só porque modificamos o Veto Real, e não admittimos uma Camara de Pares, não será justo mostrarmos ao mundo, que respeitarmos com excesso o primeiro dogma das monarquias temperadas, que he a inviolabilidade do Rei, pois neste caso chegamos ao excesso de o entendermos ao sucessor da corôa? Seja-nos permittido ser neste caso sómente os Ultras da Inviolabilidade, estando, (como eu estou) muito longe de a admittir em outro qualquer caso. Seria grosseiramente impolitico darmos ao Principe uma carta de prescripção; he necessario dar lugar a que elle possa ainda escutar os conselhos de seu augusto Pai, e que tenha occasião de obedecer ás suas paternas admoestações, para poder vir para o pé do throno, em que tem de succeder, e habitar o paiz, onde foi o berço da monarquia, e de seus inclitos progenitores. Assim se torna coherente o parecer da Comissão; os principios, por maior que seja a sua theoretica evidencia, nem podem ter na pratica uma applicação constante, e invariavel. Venha o Principe para a Europa, e se não vier, saiba que não há de succeder na corôa de sue augusto Pai; que maior responsabilidade lhe póde pezar?
Senhores, está demonstrada a justiça do principio admittido pela Commissão. O governo do Rio de Janeiro he governo de facto, que os povos lhe obedeção muito embora; não ha remedio, a tranquilidade publica exige sacrificios; porém as autoridades (em quanto não estiverem debaixo da força immediata), e os commandantes de mar e terra, que lhe obedecerem, devem ser castigados. Os principios são verdadeiros; as consequencias tem legitima deducção, por isso he em tudo adoptavel este perecer, e não he desnecessario, nem inutil adoptalo.
O Sr. Barreto Feio: - Os illustres Preopinantes disserão muito; eu direi pouco. Não me admira o comportamento do Principe, nem me espanta que elle se tenha levantado contra a sua patria; porque o Principe he um despota, e um despota não tem patria; a sua patria he aonde quer que elle encontra poder e imperio. E se a palavra = Principe = (como diz Alfieri) importa aquelle que está em o meio de seus vassallos, como estaria um leão no meio de um rebanho de orelhas. O Principe, que só deseja, Principe segundo esta definição, vendo que acha na America, o que não poderia achar em Portugal, não he muito, que elle prefira aquelle a este paiz. As suas palavras, as suas acções tudo convém a um despota; mas o que não convem á dignidade de uma nação livre e generosa, he a lentidão e timidez com que temos marchado em circunstancias tão arduas e apertadas: he preciso tomar-se uma decisão prompta; he de absoluta necessidade declarar-se rebelde e refractario o Governo do Rio de Janeiro; he por tanto da maior urgencia a publicação deste decreto; para que os malvados se aterrem, e os illudidos se desenganem.
O Sr. Lino Coutinho: - Acaba de dizer o Sr. Moura, que este decreto tem por fim marcar as relações que devem existir entre Portugal e o Governo do Brazil.
Eu atrevo-me a dizer, que não são estas as vistas do decreto, e do parecer da Commissão. As suas vistas são de certo crear proselitos, animar os tibios e fazelos firmes contra o partido do Brazil; este he o fim moral, que não podendo ser conseguido pelas armas, se pertende por este decreto que vai promover a perfeita e legal dissenção entre um e outro partido. Se o parecer da Commissão tem por fim o que acaba de dizer o Sr. Moura, eu não posso deixar de apoiar a opinião e argumentos do Sr. Trigoso, porque, se o decreto he, unicamente para marcar as relações entre estas duas partes da monarchia portugueza, a Constituição, que vai a ser mandada para lá trará comsigo este fim, pois que se o reino do Brazil, ou algumas de suas provincias não acceitarem a Constituição, então se verá logo que existem dois partidos, dos quais um chamado pelo Governo de Portugal rebelde declara da sua parte, e como em desforço o dito Governo de má fé e oppressor, e eis-aqui como ficão marcadas as relações procuradas entre Portugal e o Brazil. Por tanto não pode ser, senão debaixo de outras vistas, e torno a dizer, daquella de fazer proselitos, e aumentar os partidos, que o parecer he concebido. E poderemos nós tirar algum proveito de semelhante modo de obrar? Não por certo. Desenganemo-nos Srs., que quando um partido está encasquetado dos seus principios, todos os anathemas que contra elle se derramão não fazem mais, do que persuadilo da sua opinião, e incendialo contra o outro seu adversario. Por isso, Sr. Presidente, se Portugal quer reduzir o Brazil á obediencia use das armas se póde, papeis de nada valem, são inexequiveis. Por ventura, Srs., o Principe depois de ouvir dizer aqui, que elle era rebelde, que era um rapaz mal criado, que se tinha levantado contra a sua patria, e outros mil insonços disparates virá como um cordeiro immediatamente entrar em Portugal? He preciso ser mui credulo para assim o suppôr, para esperar que o Principe Regente do Brazil depois de ser considerado rebelde, como actualmente está, queira sem mais nem mais obedecer a meia folha de papel. Diz o Sr. Miranda, que basta unicamente que este decreto appareça no Rio de Janeiro para acabar ali logo com o Governo. Nem que este papel fosse a cabeça de Meduza que petrificava os homens: lembra-me neste momento de um general fanfarrão que dizia = Basta que se veja tremular a ponta do meu penacho branco para tudo arrear as armas = Isto não acontecerá assim, Srs., no estado actual em que eu considero aquelle continente. Acabo de ouvir dizer ao Sr. Borges Carneiro, que todo o Brazil está no estado de perfeita sublevação; mas o Sr. Moura por outra parte affirma que lá não existe senão um pequeno partido de facciosos, o qual mesmo na Bahia he tão diminuto, de modo que o Madeira ahi se sustenta com muito poucos soldados: eu não os entendo de certo; porém posso asseverar que desde o Maranhão até o Prata as opiniões são identicas, e unanimes.
(O Sr. Moura, e alguns Deputados dizião não, o Orador dizia sim. E depois de alguns momentos de teima proseguiu o Orador, e disse)

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Sr. Presidente, V. Exca. mantenha a ordem, eu presto attenção a todos os honrados Membros quando falão; o Sr. Moura , e os outros podem refutar os meus argumentos quando lhes pertencer a vez, mas não devem perturbar-me: V. Exca. torno a dizer, mantanha a ordem.
O Sr. Moura: - Cada um póde apoiar, ou desapoiar.
O Sr. Lino Coutinho: - Mas não he isso o que eu ouço, nem aqui ha costume de se desapoiar ninguem.
O Sr. Presidente: - Pesso aos Srs. Deputados que não interrompão o Orador, o desapoiado causa desgosto, não o apoiem, nem o desapôiem.
O Sr. Lino: - A mim não me embaraça que digão apoiado, ou não apoiado áquillo que eu digo, seja asneira ou discrição ha de ser escrito pelos tachigrafos; não venho aqui para levar elogios como Orador, nem pertendo campar por isso; não sou nenhum Demosthenes, nem o pertendo ser; se ha algum que gosta de apoiados, leve-os muito embora, eu não os quero; são para mim indifferentes ou escusados, o que eu quero só he que me não interrompão e me deixem falar e dizer o que penso e entendo. O facto he pois Sr. Presidente, que desde o Maranhão ate ao Rio da Prata ha uma só opinião de quererem uma delegação de Governo executivo no Brazil, e esta no Principe Regente. Mas diz o honrado Membro, onde está na Bahia essa opinião tão pronunciada e geral? Como he que tres mil homens europeos se podem ali sustentar contra milhões de vontades. Bem mostra o honrado Membro que assàs ignora a topografia daquelle paiz, e o estado daquella provincia. A tropa da Bahia he toda miliciana, e se acha estendida por uma superficie de mais de 200 legoas de norte e sul; dessa mesma são poucos os regimentos que pertencendo as diversas villas do reconcavo se achão nas vizinhanças da cidade, e como queria o Sr. Mouro ver já cair sobre o Sr. Madeira o poder da Provincia para então assim dizer que a Bahia se achava levantada? O momento ainda não tarda, e elle chegará. Como póde o honrado Membro negar a autoridade do mesmo seu heroe Madeira quando escrevendo ás Cortes e a ElRei diz, que toda a provincia se acha insurgente; as villas sublevadas, e só a cidade sujeita pela tropa europea que dentro ali commanda. Não sei como he possivel, que o honrado Membro ouvindo ler estes officios se atreva ainda a dizer, que na Bahia ha só um pequeno partido. Passa depois o mesmo Sr. a argumentar contra os principios dos illustres Deputados de S. Paulo, e diz, que os procuradores não forão eleitos legitimamente, porque forão eleitos pelos eleitores de provincia quando já tinhão acabado o seu officio. Porêm iguaes factos não temos nós aqui visto? Quem em Portugal se não os eleitores nomeárão os jurados? E então não os julgarão as Cortes aptos para isso? E como o que em Portugal he justo não o será no Brazil? Diz mais o honrado Membro, que 1400 homens não exprimem a vontade da provincia, e que não sabe como os Deputados da Bahia fundão os seus argumentos em uma representação sómente assignada por estes individuos. Porém pergunto eu.
A representação dos europeos que aqui veio de quantas assignaturas constava? De 800; mas aquellas assignaturas não forão feitas em camara, nem juntas, mas separadas; e as 800 como forão feitas? Da mesma sorte que estas ultimas pelas casas de cada um em particular. Mas, diz-se ainda, quando se vê uma representação em nome de um povo, não se segue que elle todo tenha assignado, e que seja esta a vontade geral. Ora, sobre isto podia eu dizer imensas cousas, mas direi somente uma á pouco succedida em as nomeações dos Deputados em Villa Franca, onde ha 6 a 7 mil almas apenas só votarão 36 homens, para a eleição de seus Deputados de Cortes, e será esta nomeação feita a pluralidade do povo de Villa Franca? Aqui em Lisboa tem 24O mil fogos, votárão 12 mil individuos. Nas Caldas votárão 120 e assim por diante; entretanto os Deputados forão nomeados, e ouço dizer que bem nomeados, posto que a meu ver esteja pessimamente feitos. Basta. Tenho respondido aos argumentos do Sr. Moura, e de alguns outros Srs. Preopinantes, e em quanto ao parecer da Commissão para marcar as relações em que deve ficar o Governo de Portugal com o do Brazil, julgo inutil; bastando a remessa da Constituição, mas se o fim delle he aumentar a desordem animando o partido do Governo de Portugal, e fazendo proselitos, então não he o parecer que decidira da sorte do Brazil, são as armas. Quando dous partidos se chocão, o que tem mais força he o vencedor, e he este quem impõe a lei. Os successos em taes casos decidem a questão.
O Sr. Castello Branco: - Não me he possivel levantar-me para falar sobre a materia que faz o objecto do parecer da Commissão, limitar minhas ideas a cada um dos artigos do projecto do decreto, pois que até agora elle tem sido tratado em geral. Tem-se falado sobre a utilidade de uma medida legislativa a este respeito: he sobre isto que eu vou falar. Se até aqui existia algum véo que podesse encobrir ao soberano Congresso, ou a parte do Congresso, o estado presente do Brazil, este véo acaba de se rasgar, os factos são de uma notoriedade tal, e além disso de um escandalo de tal natureza, que hoje nenhum de nós póde chamar-se a duvida, ou ignorancia para formar um verdadeiro juizo que deve formar sobre o estado do Brazil. O que se me apresenta desgraçadamente he, que uma grande parte do Governo do Brazil, advirta-se que eu não digo de todos, porque alguns há que merecem do soberano Congresso, que merecem da Nação inteira os maiores elogios pela pureza, e sinceridade dos seus procedimentos e decidida adhesão a causa constitucional. Torno a dizer, o que se me apresenta desgraçadamente he que uma parte do Governo, ou juntas provisorias do Governo das provincias do Brazil tem lançado mão da autoridade, que se lhe commetteu unicamente para fazer a felecidade dos povos, tendo em vista suas utilidades particulares, tendo em vista um partido que desde muito tempo existiu em todo o Reino do Brazil, tendente a independencia absoluta de Portugal. Que este partido existia, em quanto o Brazil era esmagado pelo Governo despotico, pelo Governo inteiramente militar, que não podia fazer senão desgraçados aquelles povos,

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que os opprimia, vexava, e roubava. Longe de insultar este partido, eu lhe tributo os verdadeiros elogios que elles devem merecer de um homem, cujas ideas são liberaes. He natural a todo o homem repugnar a oppressão, e procurar os meios de solver-se de um governo despótico. Nestas vistas louvo aquelles que seguião este partido como verdadeiros patriotas, porém formo delles um juizo muito differente desde o momento em que regenerando-se Portugal, e proporcionando ao Brazil os meios de se regenerar, igualmente sendo franco ao Brazil o caminho de adoptar um systema liberal, unico que póde fazer a felicidade dos povos, este systema, e pelo contrario procura desviar-se delle, procura desunir o Brazil do resto do imperio portuguez, procura fazer desgraçados aquelles povos. Quando eu vejo assim proceder este partido, eu duvido das suas ideas constitucionais, eu duvido da pureza dos seus sentimentos, e só me levo a julgar que em todos os tempos, em todas as épocas, assim como no actual esse partido não tem em vista senão fazer a desgraça dos povos. Quantos testemunhos não temos para poder affirmar que este he o partido da independencia. Mas abrange elle a maioria do Brazil? Os factos me mostrão o contrario. Os illustres Membros que me procedèrão a falar, assàs provas tem mostrado, e as mais convincentes para persuadir-nos esta verdade; por consequencia nada me resta a dizer sobre isto. E qual deve ser pois a linha da nossa conducta a estas circunstancias? Nós somos chamados pela Nação inteira para formar o pacto social que deve ser o resultado desta regeneração politica, pacto social que lhe offerece as garantias da sua liberdade e felicidade futura. He este o dever sagrado para que nos juntamos no recinto desta sala, e he aquelle que deve ser o complemento dos nossos trabalhos. A Nação inteira, os Portuguezes de ambos os hemisferios annellão, suspirão por ver o complemento desta obra; nós a temos felizmente completado, está chegado o momento de nós affertarmos á Nação inteira este codigo sagrado da sua liberdade. Não se estende elle aos Brazileiros igualmente que são como nós representados neste Congresso? Devem por consequencia ser menos efficazes nossas medidas para com os povos do Brazil, do que para com os de Portugal? Não temos nós sanccionado, e já decretado como um principio que nas revoluções que existem entre os differentes Governos das provincias do Brazil, fique á disposição do Governo empregar a tropa, tomar todas as medidas proprias do Governo executivo para chamar á união e verdadeira obediencia esse Governo, as facções dissidentes que procuram illudir os povos? Pois então se nós temos sanccionado isto, que pasmosa contradicção seria neste Congresso, quando nós proclamámos que á disposição do Governo fica o propôr, tomar todas as medidas que são uteis, em algumas circunstancias mais uteis ainda que a força das armas, seria uma contradicção, digo, que nós concedessemos ao poder executivo, o reconhecer as atribuições que lhe são proprias, e lhe negassemos coadjuvalo com as medidas legislativas proprias deste Congresso.
Por este principio approvo o decreto na sua generalidade, ainda que na sua annalyse possa diversificar em algum dos seus artigos. Falo da utilidade do projecto em geral. Se he verdade que existem governos dissidentes, e facções que não tem em vista senão illudir os povos, qual o meio porque póde fixar-se a opinião vaga, e sempre incerta desses povos ignorantes por falta de luzes. Será como disse o primeiro honrado membro que falou, e com grande admiração minha, reconhecendo a verdade dos principios do projecto, não recconheceu utilidade de se expedir, achando que na Constituição encontrarão os povos o critério por onde devem formar o sen juizo? Não por certo. He precise estabelecer principios de que se possão tirar os verdadeiros corolarios. Poderá o illustre membro que primeiro impugnou o parecer mostrar com evidencia, que os povos em geral são capazes de achar na Constituição um modo por que devem formar o seu juizo. Poderá negar-me em actuaes circunstancias em que se acha este soberano Congresso de illustrar os povos, cuja utilidade deve fazer demarcar a linha, dentro da qual deve proceder, de lhe marcar evidentemente os limites que elles não poderão já mais ultrapassar, sem conhecimento manifesto de que fazendo-o, elles contravém á lei, a qual he promulgada por autoridade legitima: Devemos nós por falta de uma providencia tão útil, que he da nova obrigação, deixar que as facções illudão os povos? Que os chefes dessas mesmas facções levem á frente a sua ambição prematura de reinar para contrariar o que parece de uma autoridade legitima? Já se vê pois que he de absoluta necessidade, que he do nosso rigoroso dever dizer aos povos muito distinctamente, muito cathegoricamente qual he a sua obrigação. Emquanto se não disser aos povos que elles não devem obedecer ao Principe Real, que elles não devem obedecer ao Governo do Rio de Janeiro, que elles não devem obedecer a alguma das autoridades que procede contra a união de Portugal, contra os principios que devem formar esta união, os povos não entenderão, os povos vacillarão sempre no juizo que devem formar das suas obrigações, e tanto mais prejudicial será a falta desta medida, quanto mais facil nós vemos que he a essas facções, continuar a illudir os povos. Além disto nem sempre he só a justiça, porque devemos decidir as resoluções da autoridade; ha outros principios além da justiça, e decoro da Nacão, o decoro que nós devemos sustentar em nome de uma Nação livre e independente; he para nós um principio tão sagrado, como o de justiça. Exemplos não haverá em todas as assembléas legislativas, e deliberativas de tempos antigos, e modernos, em que se possa mostrar um procedimento circunstanciado de moderação tal, qual he aquelle que as Cortes de Portugal tem mostrado á vista dos insultos que contra ellas se tem dirigido. Qual seria o Senador Romano, que sentado no seu lugar no Senado, visse duvidar da legitimidade daquella augusta Assembléa, pôr em duvida a legitimidade das liberdades romanas. Elle se exaltaria ao ultimo ponto, e não poderia soffer que no recinto augusto do Senado se proferissem injurias, se proferissem ultrages contra o mesmo Senado. Entretanto he o que nós temos soffrido, e nesta parte

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nós merecemos maiores elogios que o antigo Senado de Roma, com todo o seu patriotismo, nós merecemos maiores elogios, que todas as Assembléas legislativas que nos tem precedido; tal o amor que nós consagramos pela desejada união do povo do Brazil, unico motivo que poderia fazer callar o meu enthusiasmo, ou amor proprio. Eu proprio, todos os honrados Membros deste soberano Congresso, ao ouvir proferir as injurias que se tem proferido contra esta Assembléa, não nos contariamos ao ouvir estes insultos, se não fosse a desejada união. Mas em fim he necessário que todas as cousas tenhão um termo; este termo he chegado, he chegado o momento em que nos devemos a par da justiça sustentar o decoro da Nação portugueza de quem somos os representantes. Não he mais licito disfarçar, que no Brazil ha facções, que estas facções são presididas pelo Principe Real; por consequencia que he do dever deste Congresso o publicar por meio de um decreto o juizo que forma sobre estas facções, marcando aos povos qual deve ser a linha de sua conducta. Por consequencia assás está demonstrada a sua utilidade, e ainda mesmo a necessidade absoluta deste decreto, que ella está ligada com o cumprimento dos nossos deveres os mais augustos, e que nós não poderemos prescindir de tomar sobre esta materia um partido decidido por meio de um decreto. Isto quanto ao parecer da Commissão em geral de que unicamente me he permitido falar agora; reservo-me na analyse de cada um dos seus artigos, direi qual he a minha opinião sobre cada um delles, e quaes os pontos em que o meu parecer differe daquelle que a Commissão ha apresentado.
O Sr. Pereira do Carmo: - Depois de aggradecer ao illustre Deputado pela provincia de S. Paulo o Sr. Costa Aguiar a civilidade com que tratou os Membros da Commissão; direi que não me parece ainda tempo de olharmos o negocio pelo seu lado politico. Se chegar a occasião, e ainda tiver a honra de me sentar entre os Membros deste augusto Congresso, produzirei mui desafogadamente a minha opinião, quando me conste, sem a menor sombra de duvida, qual he a vontade dos povos do Brazil. Entre tanto a Commissão encarou este objecto só pela sua face juridica; e por isso, em vez de me espraiar em longos, e eloquentes discursos, que não julgo proprios deste lugar; cingir-me-hei a uma curta analyse de cada um dos artigos do parecer, concluindo, que elle deve ser approvada em todas as suas partes. O artigo 1.º diz que se deve declarar nullo o decreti de 3 de Junho, que convoca no Brazil Cortes Constituintes. E porquê? Porque excede as attribuições, e poderes de quem o promulgou. Quem he que promulgou este decreto? Foi o Principe Real. E o Principe Real tem uma autoridade propria, ou delegada? Tem só a autoridade, que lhe delegou o seu augusto Pai o Sr. D. João VI. E S. M. delegou no Principe Real a autoridade de convovar Cortes Constituintes no Brazil? Não; logo o decreto de 3 de Junho he nullo, porque excede o poder, e as attribuições de quem o promulgou. Não só he nullo este decreto, mas vai de encontro á vontade dos povos do Brazil, legal e autenticamente declarada nas procurações, que autorgarão a seus Deputados, para virem fazer comnosco a Constituição politica da Monarquia, que de agora em diante deve reger todas as partes de nosso vasto imperio. E não só he nullo este decreto, e contrario á vontade dos povos do Brazil, mas promove a monarquia, e separação daquelle Reino do de Portugal: porque em fim, Srs., haver Cortes constituintes no Brasil, e Cortes constituintes em Portugal, e continuar a dizer-se, que ambos os Reinos formão um só corpo politico, chamado Nação; he zombar da nossa boa fé; e levar a hypocrisia a tão subido ponto, que difficilmente se accreditará na posteridade. Chame-se muito embora a este systema de governo, federação, ou tudo quando quizerem, mas nunca união dos dois Reinos n'um só corpo politico. Se pois o decreto de 3 de Junho he nullo, por exceder o poder, e attribui-se de quem o promulgou; se he contrario a vontade dos povos do Brazil, authentica e solemnemente declarada; se promove a anarquia, e separação do Brazil de Portugal, segue-se que o ministerio do Rio, donde nasceu este monstruoso parto, he altamente ressponsavel á Nação, e deve ser processado: eis-aqui o que determina o artigo 2.° Segue-se mais, que o governo do Rio he governo de facto, e não de direito. He governo de facto, porque desgraçadamente lhe obedecem algumas provincias do Brazil: não he governo de direito, quero dizer legitimo, porque não está authorisado para similhante procedimento, por este Congresso, como representante da Nação, unica fonte, donde vem toda a legitimidade. E daqui se segue, que todas as authoridades, que voluntariamente lhe obedecerem, são criminosas: e se estas authoridades forem commandantes de força do mar, ou de terra, altamente criminosos se devem reputar, e como taes declarados traidores, por serem instrumentos efficazes, e espontaneos de um governo refractario. Eis-aqui o que dispõe os artigos 3.º, e 6.º E em taes circunstancias deverá por ventura continuar a delegação do Principe Real? De nenhuma sorte. O Sr. D. Pedro de Alcantara assentando de si para si, que Deus criara os Portuguezes de ambos os hesmisferios para Sua Alteza dispor delles a seu bel prazer; tem-se feito arbitrario e despotico, sempre com a capa de constitucional; como se palavras nos illudissem! Apezar da brandura, e moderação, com que as Cortes, (a quem teve a bondade de chamar jacciosas, e pestiferas) o tratarÃo; tem Sua Alteza Real tantas vezes reincidido, que já não he possivel, sem grande quebra da dignidade Nacional, fechar-mos os olhos a seus hostis, e illegaes precedimentos. Deve pois cessar desde já a sua delegação; e em vez della instaurar-se a regencia, sanccionada na lei fundamental da Monarquia. He justamente o que determina o artigo 4.º Mas aonde residirá o Principe? Deve voltar para Portugal para aprender com seu Augusto Pai a ser constitucional em obras, e não em palavras; Volte ao seio dos Portuguezes da Europa para grangear sua affeição, e amor, que tem perdido pelos seus disconcertados procedimentos, inórmente contra a tropa Europoa, que tantas vezes affrontou a morte no campo da batalha para conservar a coroa á sua angusta Dynastia. E se o Principe não vier? Então imponha-se-

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lhe a pena já decretada na Constituição. Tal he a doutrina do artigo 5.º No artigo 7.º se facultão ao governo todos os meios de que poder dispôr, para dar á execução e presente decreto. Desta curta analise tenho pois direito a concluir, que o parecer deve ser approvado em todos os seus artigos.
O Sr. Barata: - Sr. Presidente. Se eu fora tão arrebatado nos acessos do meu enthusiasmo politico, como alguns illustres membros desta augusta assembléa, poderia levantar hoje a voz, e usar de uma fraze similhante á do illustre Deputado o Sr. Fernandes Thomaz, quando depois de fulgurar e trovejar contra o Braz, exclamou com enfatico desprezo - adeos Sr. Brazil, passe por lá muito bem. - Quando lanço os olhos, Sr. Presidente, para o estado do reino do Brazil no dia de hoje, e observo os voluntarios movimentos de todas aquellas provincias, desde o cabo de S. Roque até o Rio da Prata, e todo o interior na mais fraternal união; parece-me que tambem podia dizer agora - adeos Sr. Portugal, passe por cá muito bem - adeos Sr. Padre Téjo; fique-se com as suas areias de ouro; possua cada uma paiz que a natureza lhe deu em partilha, fiquem os portuguezes nos seu Portugal. [...] no seu Brazil. - Mas não, Sr. Presidente [...] do bem que dirige o meu coração nestes tempos dificeis, e calamitozas circunstancias, he [...] me faz empenhar na defeza dos interesses nacionaes, forcejando do modo que me he possivel, para fazer regeitar in limine, e lançar no esquecimento este parecer da Commissão, que segundo o meu entender he absurdo, impolitico, subsersivo, e digno certamente do mais soberano desprezo.
A Commissão examinando a indicação do illustre membro o Sr. Miranda, e deliberando sobre as vulcanicas proposições que ella encerra, estabelece principios de tal maneira incendiarios, que parece cortar pela raiz os restos da esperança da nossa reconciliação. O parecer apresenta tres bazes, e sobre ellas funda sete artigos, todos fulminantes, e temerarios; apenas proprios para fazerem publicar a guerra a som de tambores, e lavrar o fatal decreto de uma sanguinoza independencia, acarretando para o reino de Portugal as mais perigozas consequencias. Eu vou tratar de cada uma em separado, na esperança de que o illuminado Congresso patentee hoje sua sabedoria, sua moderação, seu verdadeiro patriotismo.
Diz a Commissão que o decreto da convocação de Cortes brazileiras de 3 de Junho publicado pelo Principe he nullo, porque excede a autoridade de quem o promulgou. Eis-aqui Sr. Presidente a primeira asserção falsa da Commissão. Aquelle decreto parece-me valioso, e eu vou dar as rasões, offerecendo como uma prova a seguinte abreviada exposição. Havendo S. Magestade emigrado para o Brazil, estabelecido ali a sua Corte, e centro da monarquia, e dado ao mesmo Brazil a cathegoria do reino, he evidente que Portugal ficou reduzido a provincia, e de certo modo tomou a si os atributos de Colonnia, que dantes pertencerão ao reino do Brazil; isto foi comprovado tanto pelos saques de dinheiro e gente, como pelos recursos que Portugal como provincia, hia mendigar todos os dias a capital do reino do Brazil. Então Portugal oprimido e irritado conspira, insurge, e faz uma revolução só por si, separando-se absolutamente do Brazil, como bem demonstrão seos movimentos, depois seu manifesto á Europa, e finalmente o artigo 21 das Bazes da Constituição. Este brado da liberdade soou no Brazil, que abrindo de todo os olhos reconheço os vivos do governo ali existentes, e rompeu immediatamente n'outra revolução em separado, sem intervenção de ninguém; promovendo seus interesses segundo as circunstancias, ficando absolutamente independente, seguindo em tudo a marcha que o destino, a natureza, e a politica lhe tinham destinado. Assim ficarão os dois hemisferios independentes de direito e de facto; e cada um como uma nação independente da outra, recobrando a parte da soberania que lhe tocava, podia usar della, como bem quizesse segundo seu bom direito, suas circunstancias e interesses. Havendo porém o Brazil reconhecido que Portugal só por si perdia a representação politica, e ficava reduzido a uma Nação da 4.ª ordem, e desejando generosamente acodir-lhe, por isso que tinha primeiro atacado o despotismo, e querendo ao mesmo tempo conservar a integridade, e a gloria do nome portuguez, determinou até por fanatismo nacional, unir-se a elle, para que melhor se conservasse a dynastia de Bragança, e aquella unidade que dá força e consideração a todas as potencias da terra. Seis mezes decorrêrão obrando cada um dos Estados livremente, creando a administração, e dirigindo os respectivos negocios, segundo indicava a politica particular, como independente nação. Então o reino do Brazil ou como crédulo ou como sincero, confiando demasiadamente em Portugal, deu passos cheios de franqueza, e magnanimidade, esperando igual retribuição do Reino irmão: a novidade dos acontecimentos, a embriaguez da esperada ventura, e coragem que inspira a liberdade de mãos dadas com os antigos habitos, tudo [...] para fazer acreditar a desejada reciprocidade de interesses e direitos, que só podia apertar dos novos vinculos da voluntaria união dos dois Estados independentes e contratantes: sim elles já querem negociar, já se querem unir, e já envião alguns Deputados. Foi nestes momentos criticos e cheios de embriaguez, que Portugal restaurando os alentos perdidos na luta contra o despotismo, e prevalecendo-se da sobeja boa fé dos brazileiros, e da presença de ElRei e outras circunstancias favoraveis, interpreta a seu favor e proveito os direitos do reino do Brazil, e parece manejar pouco a pouca os interesses politicos, fazendo inclinar a balança para sua única felicidade: e até mesmo parece, que se restaura o systema colonial mascardo, e que resurge a cadaverica tyrannia?
Agora vem o orgulho aspirando ás antigas preeminencias de Portugal; e desfarçadamente parece querer tirar ao Brazil a cathegoria de Reino, a qualidade politica de Nação combinada, e ao mesmo tempo privado de todos os direitos que essencialmente constituem seu ser, e sua representação politica. Eis que chega a discordia e faz renascer a fatal intriga entre Brazileiros e Portuguezes, a qual permanecendo nutre acintemente as crueis maquinações dos negociantes e seus satelites; tudo se chama rebel-

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dia dos brazileiros, quando são os europeos facciosos que tambem causão males: tudo se move só a fim de ter pretextos para manter e conservar guarnições de tropas europeas, como guardas pretorianas, que sopeem e dominem as provincias do reino do Brazil, e facilmente possão dispôr de seus habitantes: agora apparece o decreto de 28 de Julho de 1821, em que se ordena que o exercito de Portugal e Brazil seja um só, o mesmo, e indivizivel, a fim de trocar as tropas brazileiras pelas de Portugal, e a fim de subjugar facilmente aquelle Reino; logo sae o decreto de 9 de Setembro, pelo qual se pretende pôr o reino do Brazil em absoluta dependencia de Portugal: seguindo-se immediatamente o decreto do 1.° de Outubro do dito anno, pelo qual se desorganizou o reino do Brazil, e se pozerão todos os negocios civis e militares á discripção do poder executivo em Lisboa, etc. em fim os Deputados Brazilianos de nada servem pela superioridade de numero e votos dos europeos, vencendo-se na Constituição muitos artigos oppostos ao bem do Brazil; e fabricando-se artigos addicionaes segundo os preceitos europeos. Então só se ouviu a palavra - concedemos - como se o reino do Brazil fosse escravo do de Portugal etc.
Alem do que fica exposto, prohibiu-se o negocio de armas, munições navaes: mandárão-se tropas, e ouviu-se com indifferença o clamor dos assassinatos
por ellas commettidos: surprehendêrão-se as provincias, arrogando-se a Portugal o direito de legislar, e todas as vantagens e preeminencias; e até parece que de proposito se atiça o fogo da guerra civil: e para que assim o digo, pretende-se govenar o Brazil, como se elle fora uma habitação de miseraveis escravos, que estejão á disposição de Portugal, etc. Então o Brazil immenso, rico, illustroso, e mais populoso: reconhecendo o passo desacautelado que tem dado, e o poder de remediar a tudo como Nação livre e poderosa; livre por seu unico esforço e heroismo com plena absoluta, e legal posse de seus direitos naturaes e politicos, inalinaveis, e imprescriptiveis, conheceu a necessidade de continuar a existente revolução, ou de fazer outra nova, a fim de apagar essas pegadas indiscretas de sua desacautelada sinceridade; e de promover de novo sua particular ventura: por isso com plena autoridade de escolher a forma de governo que quizer, e de chamar o chefe que bem lhe parecer, e se olhe o Governo constitutional portuguez, reformando e adaptado as suas circunstancias peculiares, a vontade dos povos do Brazil, e elegeu a sua Alteza Real o Senhor D. Pedro que já era Principe herdeiro da coroa para seu chefe do poder executivo; por isso mandou este mui validamente convocar Cortes legislativas como era de razão conforme o direito natural, publico, e das gentes que
lhes assiste. Eis-aqui, Sr. Presidente o encadeamento dos successos, e os motivos dos actuaes acontecimentos; eis-aqui os efeitos da nova revolução do Reino do Brazil; e a justiça dos actuaes negocios politicos; eis-aqui Sua Alteza legislando conforme seu bom direito em consequencia disto he falsa a base do parecer da Commissão: he absurta, e só capaz de dezacreditar este Congresso, aggravando ao mesmo tempo os males, que de toda a parte recrescem sobre a Nação portuguesa já tão afligida.
Vejamos agora a 2.ª parte da baze do parecer da Commissão. Esta vindo de principios erroneos deve sahir necessariamente. Diz ella que o decreto he contrario á vontade geral do povo do Brazil representado neste Congresso. Eis aqui novo absurdo. Se o povo do Brazil expressa a sua vontade no Seará grande a favor de S. Alteza de nova ordem ali estabelecida; e se faz eleger dous Deputados pelos eleitores de paroquias, remettendo ao mesmo tempo os dinheiros publicos; se Pernamhuco faz uma decedida revolução para acclamar o Principe dentro do poder executivo e deffensor perpétuo daquelle reino prestando-lhe obediencia voluntaria, e preparando Deputados; se nas Alagoas se faz outra revolução para jurar a mesma obediencia a S. Alteza, excluindo parte dos membros do governo, e abraçando todas as reformas, se na Bahia se proclama em toda parte por meio de nova revolução, a mesma obediencia por vontade geral como consta dos oficios do intruzo general das armas Madeira, e do manifesto enviado pelo povo a este Congresso; se por toda parte daquelle Reino do Brazil se expressa volluntaria e francamente a vontade geral, com a velocidade do rais como he que se pode dizer, que o decreto de 3 de Junho he contrario a vontade do povo? Quem a vista das concussões geraes do Brazil e suas disposições hostis deixa de conhecer, que a vontade do povo hoje he outra; que as disposições novas são as valiosas, pois ha força para o reino do Brazil se não condicionalmente? O que eu digo são verdades evidentissimas. O illustre autor da indicação, Sr. Presidente, delirou quando a emprehendeu; e os illustres membros da Commissão aberrárao das estradas da prudencia de legisladores, e de cidadãos, que desejão salvar a patria dos horrores e calamidades da guerra.
Tambem he falso dizer, que o povo do Brazil está representado neste Congresso, pois ainda não existem aqui as duas terças partes dos Deputados daquelle Reino: isto he evidente, e não pede que se gaste tempo em arrazoados.
Nem he menos alheio da verdade o asseverar, que o decreto de 3 de Junho de S. A. R. tente a dissolver a suspirada união do Brazil com Portugal: os illustres membros da Commissão não reflectirão que o raciocinio está na razão inversa. Se S. A. não tivera abraçado o systema do Brazil, se não tivera contentado os povos, congragaJo os partidos, apagado o fogo da discordia, retirado as tropas portuguezas, acalmado as facções, e as vinganças, e se finalmente não tivesse convocado Cortes constituintes brazileiras, talvez já tivesse apparecido no reino do Brazil algum massacre como o de S. Bartolomeu, que depois de ensopar a terra de sangue dos irmãos, fizesse a independencia absoluta com odio irreconciliavel, tirando por longos annos o refugio dos portuguezes naquelles paizes bemaventurados. A Nação deve agradecer a S. A. a doce politica que tem empregado para conservar a união, arrostando com mil desafios e insultos com que Portugal tem provocado o Reino do Brazil. Fazer opposição aos decretos de S. A., póde fa-

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zer a desunião. Daqui torno a concluir, que o parecer da Commissão he absurdo, e deve ser rejeitado in limine, como verdadeira facha da discordia.
Igualmente he falso em 3.º lugar o outro principio em que se funda a Commissão quando diz - desfazer o pacto estabelecido pela vontade geral. - Eis-aqui a occasião de rir. Qual é o pacto já formado? O Brazil não conclui pacto algum com Portugal. O juramento das Bases foi sobre materia preparatoria. A Constituição por ventura não foi jurada, segundo as mesmas Bases? O reino do Brazil está em guerra civil, e recalcitra por todos os modos; onde está o pacto estabelecido? De mais o juramento do Brazil foi provisorio, e provisionalmente, pois que teve por objecto cousas invisiveis e condicionaes? O Brazil achando-se enganado fez nova revolução com o mesmo direito com que operou a primeira: estabeleceu novo plano, seguiu diversa marcha, e vai arrebatado pelos seus sublimes destinos: como he pois que fala a Comissão em pacto estabelecido? Quem o faz? Onde se acha elle? He forte teima! Deixemos pois illusões, e confessemos que a indicação está bazeada em principios falsos, e que por consequencia deve ser rejeitada in limine.
Passemos agora aos 7 artigos, ou 7 fachos da Commissão. Diz o primeiro artigo, que o decreto de 3 de Junho de Sua Alteza, que manda convocar Cortes Geraes Constituintes, he nullo. Eu já demonstrei que o decreto he valido, porque se funda na legitima autoridade do povo, transferido a Sua Alteza Real pela nova revolução, e por outras razões expendidas, quando tratei do informe cabeçalho deste parecer. Mas quero fazer uma pergunta? Supponhamos que se decreta a nullidade daquelle decreto, que succederá? Nada por certo? Nem por isso elle deixará de ter o seu effeito? Nem por isso elle deixará de Ter o seu effeito? Que tem o sol que nós lhe gritemos como Josué: - Demora-te, sol: - O caso não obriga a milagre; o astro segue o seu curso. E que dirá quem ouvir taes vozes? Dirá que somos doidos. Pois estamos no mesmo caso. O Brazil vai seguindo o impulso dos seus destinos na sua orbita politica, e não para na carreira, como planeta: o movimento do Reino do Brazil, Sr. Presidente, não he uniforme, he accelerado; elle ha de arrabatar como um rio impetuoso, tudo quanto se lhe puzer diante. Além disto suponhamos gratuitamente, que Portugal tinha direito para declarar nullo o decreto de 3 de Junho, de Sua Alteza Real: se, Portugal não, tem força para sustentar esse direito, he voz que clama no dezerto, perde de facto, e ha de ficar debaixo. Os direitos das Nações é que estão em guerra civil, de facto como os Reinos de Portugal, e Brasil, hão de ser reconhecidos pela sorte das armas; aquelle que vencer a final, terá direitos, dará as leis, fará os processos, lavrará as sentenças; e o outro ha de ficar esmagado; o contrario he obstinação insensata, a que só se deve responder com gargalhada.
Passemos ao segundo artigo do parecer da Commissão. Diz elle que os Secretarios do Rio de Janeiro são responsaveis, e devem ser processados. Eis-aqui Sr. Presidente, uma bulla do Papa, mandada para a China. Que tem hoje os Secretarios de Estado do Rio com estes fulminantes decretos? Com estes processos? O Governo do Brazil he similhante ao d'Inglaterra no tempo de Cromwel: o Reino do Brazil vai obrando de facto, em quanto Portugal grita a favor de seus pretendidos direitos. E que direitos tem Portugal sobre o Brazil?? Mas não nos desviemos. Suponhamos que se processa? De que serve o processo? Quem irá ao Brazil fazer executar a sentença? Isto; Sr. Presidente, parece sonho. He preciso acordar.
Vamos agora ao terceiro artigo, este toca em tres questões: 1.ª Que o Governo do Rio de Janeiro desobedece às Cortes: 2.ª Que obra contra a vontade dos povos do Brazil: 3.ª Que he Governo de facto, e não de direito. Para falar sobre estas questões será preciso fazer grandes discursos: mas eu serei muito breve. Tratemos da 1.º questão. Segundo parece, o Governo do Rio de Janeiro não tem restricta obrigação de obedecer ás Cortes em tudo: a obrigação parece ser relativa, e condicional. Os povos do Brazil tem direitos iguaes, e perfeitos como os de Portugal: o Brazil está firme sobre as Bazes da Constituição, que elle só quer abraçar na parte que lhe convier a seus direitos e interesses: o pacto social que o Brazil dezeja fazer não está principiado, quanto mais acabado: o Reino do Brazil está igual a Portugal; e um igual politicamente não obedece a seu igual por isso mando com a devida reverencia, parece que o hemisferio brazileiro não tem obrigação de obedecer cegamente ás Cortes portuguezas; e ainda reais nas circunstancias presentes, que a nova revolucão, e mudanças do Brazil tem dado nova força, e novo impulso, e direcção a todas as cousas.
Quanto a segunda questão - que obra contra a vontade dos povos, - sua falsidade fica evidente, apenas reflectirmos que os povos por toda a parte pegarão em armas, fizerão novas revoluções, e mudarão a face dos negocios politicos, elegendo a Sua Alteza Principe Regente, centro do Poder executivo, e defensor perpetuo do Reino do Brazil; ora se tudo isto tem sido operado espontaneamente pelos povos, como diz o artigo - contra a vontade dos povos do Brazil? - E se Sua Alteza obra segundo as mudanças, e vontade geral dos povos, segue-se, segundo parece, que tudo quanto elle faz he legitimo; especialmente porque tem forças para sustentar.
Vamos agora á 3.ª questão, que he governo de facto e não de direito: eis-aqui uma distincção bem metafysica para um governo forte. Como se hão de separar estas qualidades de um governo alicerçado sobre a vontade dos povoe, que formão a maior parte da Nação, e que tem forças para se sustentar? Parece pois que se póde concluir, que o governo de Sua Alteza he de direito, e he de facto; e por isso legitimo. Direito sem força para o verificar de facto, nada vale. Pergunto de que serviu o direito a Jaques II de Inglaterra? O facto que nasceu da força sempre póde mais que o direito em taes casos. De que, serviu o direito ao nosso Affonso VI, elle de facto morreu prezo? Que utilidade derão os direitos a Luiz XVI Rei de França, se elle de facto perdeu a cabeça na guilhotina? Que sustentaculo achou Montezuma

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Imperador do Mexico nos seus direitos, se de facto Cortez lhe arranca o Imperio? Quando um tyranno se apodera de qualquer povo, e se erige Imperador de facto, elle fica legitimado de direito, logo que o povo lhe dá o seu beneplacito pela vontade geral, o declara que elege, e quer conservar esse mesmo imperante. E se isro succede com qualquer tyranno, que direi de Sua Alteza, que he Principe herdeiro, e tem o voto solemne que lhe fizeram os Brazileiros, acclamando-o voluntaria e livremente Regente, centro do poder executivo constitucional, e defensor perpetuo do Reino do Brazil: se de facto está de posse da dita regencia e tem força para se sustentar, segue-se (salvo melhor juizo) que o seu governo he de direito e de facto; e que tanto este decreto da questão, como tudo mais que tem obrado he valioso. Deixemos pois, Sr. Presidente, de fazer guerra com palavras, e sigamos o impulso natural das cousas humanas. Quando a terminação do dito artigo 3.° declarando criminosa a obediencia voluntaria de qualquer autoridade, basta dizer que he um delirio. Como he possivel que qualquer autoridade de per si; possa desobedecer, ou fazer a mais pequena opposição a vista da força que prepondera, seja ella qual for? Quem se quererá expôr na presença de um governo que está com as armas na mão, e cheio de enthusiasmo? Fujamos pois, Sr. Presidente, dos laberynthos da fantazia, e busquemos a realidade das cousas.
Não he menos repugnante com o bom senso o artigo 4.º, que manda nomear a regencia ou delegação do poder executivo nessa occasião em que o Brazil se acha ainda agitado, e na effervescencia da sua revolução; parece-me que elle não ha de acceitar um tal presente. Para que enviar decretos sem meios de os fazer effectivos? Demais não será crueldade magoar o coração de ElRei, que precisa hoje tanto de consolação; attentas as criticas e perigosas circunstancias do filho? Que dor não ha de elle sentir comprimido de um lado pelo dever, de outro lado pela natureza?
E passando ao 5.° artigo torno a asseverar, que estamos cada vez mais embaraçados, porque tudo quer dizer que se pretendão cousas moralmente impossiveis. Manda-se ao Principe que volte? Elle enthusiasmado desobedece. Eu tremo de o dizer! Chamar agora a Sua Alteza, he o mesmo que chamar o
Sofi o Kkersim kan da Persia. Sua Alteza está um potentado no Reino do Brazil; parece-me que ha de resistir a tudo; e por isso julgo melhor usar de brandura, e contemporisação, para não azedarmos demaziadamente os nossos negocios. Quando não se póde esperar conseguir uma cousa, he melhor não emprehendela: além disto eu me opponho a este decreto; até pelos males que hão de attingir a Nação: nos vemos hoje entrar e sair navios no Tejo: e por ventura succederá o mesmo depois deste decreto? Não por certo. Sua Alteza irritado mandará fexar os portos do Reino do Brazil; usará de represalias; cortará o nosso commercio; fará manejos politicos perigosos; dará duzentas cartas de marca a corsarios que açoutarão até a embocadura do Téjo; e causará ainda maiores damnos do que nós calculamos.
Quanto ao artigo 6.º que declara traidor aos commandantes das forças de mar e terra que obedecem a Sua Alteza; nada mais digo; porque acima tratei deste objecto envolvido no artigo 3.º, aqui só acrescento que segundo este decreto, temos mais de meia Nação criminosa, e por isso impunivel. Qual será o commandante temerario que quererá concorrer em tal desobediencia ao Principe, que está poderoso daqui a duas mil legoas de distancia, que lhe paga bem, e lhe dá esperança de melhor ventura? Por isso mesmo que o decreto bole com muita gente, e com muitos interesses, e cria muitos criminosos, não se espera delle o necessario effeito.
A respeito do artigo 7.º e ultimo, parece-me que posso fazer uma reflexão bem singular; e he a seguinte: Que o governo no laberynto em que se acha envolvido, podia assim dizer: "Como eu hei de fazer axecutar todas estas determinações pelos meios que estiverem á minha disposição, e eu não tenho meios nenhuns, pois estou sem esquadras, tem soldados, e mais que tudo sem dinheiro, e por isso sem forças para fazer executar minhas disposições; por isso quero esperar por esses meios, para então dar ordens; isto he melhor do que desacreditar-me, mostrando de facto a fraqueza em que me acho." Em uma palavra, Sr. Presidente, não cessarei de clamar que o melhor expediente he a prudencia, e esperar rejeitando in limine este projecto, como absurdo, subversivo da boa ordem, e tranquilidade dos Portuguezes de ambos os hemisferios; incendiario, e digno certamente de ser queimado.
O Sr. Soares Franco: - Não posso deixar de dar a minha opinião sobre um objecto tão importante. Trata-se de saber se se deve declarar nullo o decreto pelo qual o Principe Real convoca Cortes Constituintes para o Brazil; mas julgo ser necessario expôr algumas idéas geraes que me devem conduzir a decisão deste ponto, e para isto recorrerei aos passos que deu o descobrimento, povoação, e colonisação daquelle paiz. A nação portugueza primeiramente limitando-se ao territorio de Portugal foi estendendo-se pouco a pouco por suas conquistas, descobrimentos, e occupações. Estendeu-se á Africa, á Asia, e ultimamente ao Brazil onde não achou nação alguma estabelecida; tribus selvagens, e errantes, sem estabelecimento algum fixo, e sem propriedade he que vagavão por aquelles desertos. Pouco a pouco nos fomos dilatando, e em consequencia não foi o estabelecimento do Brazil outra cousa mais, do que a mesma nação portugueza estendida até lá. O Brazil não constituiu senão uma unica nação com Portugal. Portugal ali formou os seus estabelecimentos, para ali levou muitos dos seus habitantes, e estes tem sido constantemente revesados por Portuguezes. Constituindo pois Portugal e o Brazil uma unica nação, esta nação foi sujeita a um governo que era uma monarquia temperada; e assim como em Portugal muitas villas não tinhão assento em Cortes, assim aconteceu a respeito do Brazil; não porque os Brazileiros tivessem menos direito que os Portuguezes, porque erão em tudo igualmente contemplados, mas porque esta ordem datava dos principios da monarquia, e não se tinha alterado. Havia o

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systema colonial só relativo a objectos de commercio; isto he, só os portuguezes podião commerciar no Brazil. Mas quando se fez a regeneração politica os Portugueses da Europa convidarão os povos do Brazil para terem uma igualdade absoluta de todos os direitos, e lhes offerecerão a posse daquelles de que até aqui erão privados. Não só os povos do Brazil accedêrão a isto, e de bom grado quizerão ter parte na nossa regeneração politica, mas ElRei mesmo jurou as Bases da Constituição, e desde que ElRei as jurou, a nação ficou uma unica nação, da mesma sorte que o tinha sido até ahi. Os Brazileiros depois de juradas as Bazes nomearão os seus Representantes, e para quê? Para virem formar em o Congresso de Lisboa a Constituição, reformar abusos, e fazer os melhoramentos de que a nação precisava. Esta Constituição he feita pela soberania da nação. Todos os seus representantes devem concorrer para formar esta Constituição. A soberania da nação he só uma; nas Bases da Constituição se diz, que a nação portugueza he uma derramada por ambos os hemisferios. Por consequencia o estabelecimento das Cortes soberanas no Brazil vai a formar dos Portuguezes duas nações separadas. E então nós poderiamos por ventura sanccionar isto? Tinhamos autoridade para o fazer? De maneira nenhuma. Nós devemos pelas nossas procurações manter a indivisibilidade da nação portugueza; e por isso tudo que for destruir esta indivisibilidade não póde admittir-se, como tal julgo opposto ás Bases juradas o decreto de 3 de Junho; e por isso assento que nós não podemos deixar de o declarar nullo. O Principe he uma autoridade delegada, elle já jurou a Constituição com seu Pai, em consequencia não he mais que uma delegação do Poder executivo, como tal não pode fazer decretos, e he esta outra razão porque he nullo o decreto; tambem he nullo pela vontade geral dos povos representada neste Congresso, que ainda não está claramente derrogada. Era a cesario que houvesse uma insurreição geral em que os povos mostrassem que querião a sua independencia e separação de Portugal, e expressamente confiassem ao Principe um novo poder, e era de mais preciso que a nação inteira reconhecesse esta independencia. Portanto, da nullidade do decreto de 3 de Junho ninguem pode duvidar. Mas pergunta-se he necessario, que se faça esta declaração por um decreto das Cortes, e que este se expressa já? Eis aqui outra questão. Eu supponho que he necessario. He verdade, que a Constituição vai dizer o mesmo, mas logo que El-Rei nomeie a Regencia, he necessario que o Principe venha para Portugal, ou então que governe de um modo inteiramente independente. Mas se não quer obedecer á soberania nacional, e a El-Rei seu Pai, se quer fazer uma outra nação, então claro he refractario, dissidente, e rebelde, e que nesse caso he necessario que nós tomemos outro caminho, que vejamos quem nos há de governar e succeder na coroa. He necessario que aquelles povos não estejam em duvida sobre quem he a autoridade legitima a quem deve, obedecer, porque presentemente não sabem se devem obedecer a ElRei, ou ao seu filho independente. Pois há de estar um commandante de uma praça, ou de um navio de guerra em duvida se ha de obedecer ás Cortes de Portugal, e ao Rei, ou se ha de obedecer ás Cortes do Brazil, e ao Principe? Isto não póde ser; havemos continuar de direito um Governo que não sabemos o que he? Hão de haver dois Governos executivos, duas soberanias? Não queremos homens de duas caras; homens encobertos; quem seguir a Causa de Portugal, digão; quero seguir a da faccão Brasilica, declare-se. Por isso a minha opinião he que se siga a opinião da Commissão em geral; que se declare que o decreto de 3 de Junho he nullo para sabermos definitivamente em que ficamos, e os povos possão francamente escolher o seu partido, e nós o nosso.
O Sr. Serpa Machado: - A materia que se trata he importante, mas a discussão não merece a consideração que se lhe tem dado, por que todas as cousas que aqui se determinarão, ou forão approvadas pelo Congresso, e se achão sanccionadas na Constituição, ou então são de tal evidencia, que não podem admittir duvida. Assim, já na Constituição se determinou, que havia de haver uma Regencia, e que estabelecida esta Regencia o successor da corôa havia de voltar para Portugal, e que toda a desobediencia que fizesse o successor da coroa, ou o Governo actual do Rio de Janeiro era rebelião. Que o decreto da convocação das Cortes passado pelo Governo do Rio de Janeiro he nullo, he da ultima evidencia. Nem a Nação autorisou o Governo do Rio de Janeiro para similhante decreto, nem as Cortes, nem ElRei, unicas fontes donde podia dimanar similhante poder. Por tanto creio, que ninguem pode duvidar que a doutrina destes artigos he verdadeira; e parece diminuir a força da sua evidencia o estar a contestala ou discutila. A questão pois que poderia suscitar-se era, se esta doutrina deve fazer objecto de decreto, e se deve ir primeiro que a Constituição. Que não póde ir primeiro que a Constituição he claro. Por mais pressa que se dê a este decreto ha de ir ao mesmo tempo, não póde ir antes. Não me opponho tambem, que esta doutrina se estabeleça como um decreto, porque não he outra cousa mais que a desenvolvão de alguns artigos da Constituição. Mas quizera, que a redacção delle se pozesse bem, de acordo com a Constituição, porque parece que alguns dos seus artigos darião occasião a contrariar o já disposto. Assim no artigo 5.º diz-se que o Principe Real deve recolher-se a Portugal no praso de quatro mezes, na Constituição diz-se que logo que ella seja publicada cessa a sua delegação; por isso neste lugar vem a dar-se mais amplitude do que já estava disposto, por isso não quereria, que se dissese senão o praso necessario, logo que se verificasse a publicação da Constituição. Depois acho alguns defeitos da redacção. No artigo 4.º diz-se (leu), isto não me parece exacto. A primeira cousa necessaria he a formação da Regencia, e depois he que cessa a delegação do Principe. No decreto porém artigo 4.º, parece dar-se a attender que cessando a delegação se estabeleceria a Regencia, o que he absurdo, pois que daqui se seguiria que os povos ficarião por algum tempo sem governo, e em anarquia. Igualmente acho neste projecto expressões um pouco equivocas, e pare-

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rece que elle quer legislar de preterito, quando não quer legislar senão de futuro. Diz, que as autoridades que continuarem a obedecer ao Governo do Brasil ficão rebeldes. Mas he necessario falar desta obediencia depois da publicação do decreto, porque a falar de preterito seria necessario fazer differença, ou de cousas contrarias á disposição das Cortes, ou que o não erão, e a respeito dessas cousas são necessarias considerações que a todos saltão aos olhos. Por tanto he necessario que a redacção vá exacta, e por consequencia approvando eu a sua doutrina, peço aos illustres redactores a queirão pôr de acordo com o determinado na Constituição, e a aclarem do maneira tal, que não reste duvida alguma sobre os seus principios.
O Sr. Andrade: - O estado actual da minha saude, que me tem tornado incapaz de applicação, ainda que muito precise para um negocio de tanta monta, talvez me escusasse de apresentar-me na presente sessão. Mas duas razões principaes me trouxerão a ella. A importancia da materia: primeira. Em verdade este parecer antolha-se-me ser a boceta de Pandóra chovendo sobre a familia portugueza males e desgraças que talvez não possamos remediar, e ainda mais, que ao menos nessa mythologica boceta restava no fundo esperança, e a nós restará só o arrependimento, mas serodio e amargoso. A outra razão que me trouxe foi para mais convencer a muita gente, que quando se trata do meu deter, quando se trata de apresentar-me do posto a que me chama a honra, nunca falho apesar de ameaças. Ameaçado por immensidade de cartas particulares de perder a vida se apregoar a honra do Brazil, hei de sempre deffendela, estimo que me oução. Fiel á minha consciencia, ao meu dever, nem temo carrancas de tirannos, nem gritos destemperados de multidão ignorante, ainda maior tyranno. Depois deste pequeno prefacio entrarei na questão. Antes porém della sempre quero fazer uma animadversão sobre duas opiniões que assás me espantarão. Uma foi de um nobre Preopinante, que a meu ver retraçou na minha memoria os calamitosos tempos da revoloção franceza, e grosseiros ataques dos Marats, Heberts...
Em verdade já os Principes em geral, ou os Monarcas na Monarquia são comparados a Leões no meio de rebanhos porque se lembrou disso um tragico Italiano! Esta doutrina não quero que passe. Os Principes nas Monarquias são personagens mui veneradas, devem ser rodeados de respeito, ainda que muito vigiados. Não posso tambem passar em silencio uma inconsequencia de outro illustre Deputado, que a meu ver se condemnou a andar de tras para diante, e de diante para tras nas suas opiniões sobre o Brazil. Umas vezes o Brazil quer a independencia, outras vezes quer ter lá a sede da monarquia e estar unido a Portugal. O nobre Deputado não repara ás vezes o que pronuncia, he necessario emittir a sua opinião com mais vagar, e que se diga realmente o que o Brazil quer. O que se vê que o Brazil quer, Senhor Presidente, he uma especie de união. Esta palavra união he vaga. Uns restrigem a mais, outros a menos. Em uns he quasi o mesmo que federação,
n'outros denota, unidade absoluta dos dois poderes sociaes. Entre estas duas opiniões he que o Brazil tem vacillado. Um espectador imparcial, e que olha para a marcha dos negocios do Brazil, vê que ao principio tendeu a uma união mais restricta, e que agora tende a uma casta de união mais frouxa. Mas nunca até agora nenhuma autoridade, nenhuma provincia falou em independencia. Para que pois o nobre Membro attribue ao Brazil aquillo que elle não diz? Não he de boa fé em verdade. Entrarei agora em a questão, e se eu pensasse na maneira que o illustre Deputado que offerece o presente parecer, se eu pensasse que elle he fundado em diretto, he util, e muito proveitoso para a conservarão da dignidade nacional, assim mesmo abraçaria a opinião do Sr. Trigoso, e diria que era intempestivo, e importuno. Tudo quanto ouvi em contrario, não vejo que destruisse as razões que elle apresentou. Em verdade no tempo em que a Constituição fôr apresentada aos povos do Brazil, só neste tempo há lugar e occasião propria para estabelecer, o que aqui vai estabelecer-se. Antes disso ate he uma illegalidade. Sr. Presidente, grandes Publicistas são de parecer, que ainda mesmo depois de sanccionadas as Constituições ou pactos sociaes pelos Representantes de uma Nação, nem por isso são obrigatorias em quanto elles não jurão, e podem não adoptar. Lembra-me por ocaso um Páges, e outros escriptores desta nota, e que só póde haver uma obrigação depois da perfeita adopção, e juramento desta Constituição pela nação inteira, porque então he que existe um contracto syanallagmatico, do qual ninguem póde resilir sem consentimento de outra parte. Sendo assim, não sei como hoje antes de ter a parte da familia portugueza, que reside no Brazil, adherido a este pacto, se querem fazer valiosas as condições delle. Nova maneira de pensar em direito. Sendo isto assim, pergunto que se faz de novo aqui com este decreto? Nada, absolutamente nada, senão aquillo mesmo que a Constituição faz. A Constituição marca quaes os deveres de S. A. R. como Principe Regente, marca quaes os deveres da delegação, e por consequencia não resta escuza, nem ao menos ha desculpa de ignorancia, porque não póde ignorar-se o que he tão claro na Constituição. Apresentada ella, cada um sabe o norte por que se ha de guiar, não he preciso a cada momento decretos, a cada instante leis novas. O que está feito no grande pacto, para que he repeti-lo aqui?
Além disto parece-me, que se acaso passasse o decreto, não conseguiriamos, senão aquilo que havemos de conseguir por meio da Constituição e seu juramento no Brazil, e pelo contrario perdiamos muito, porque eu tenho a desgraça, a pesar de ter ouvido tanto em favor deste parecer, de estar ainda convencido, que primeiro elle he muito impolitico, he mesmo contrario ao fim ostensivo que se apresenta, porque em vez de promover a união destróe essa união e destróe-a de uma vez: segundo, que he muito nocivo á dignidade nacional; terceiro, que he fundado em hypotheses absolutamente falsas. Sr. Presidente, o zelo político he infelizmente irmão gemeo do zelo religioso, he aquelle monstro de quem o poeta falou na Eneida.

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Tristis haud illo monstrum, nec sœvior ulla
Pestis, el ira Deum, etygiis se se extulit undis.

Em verdade faz claudicar o engenho, céga o entendimento e perverte-se a vontade. He o mesmo que o célebre didatico latino exprimio em verso. Claudicat ingenium, delirat lingua que mensque. He deste desgraçado zelo politico mal entendido que são parte este e outros pareceres, que quanto mais se multiplicão e mais se aumentão mais perigosa tornão a chaga que queremos curar. For ventura he possivel que nos persuadamos, que o Sr. D. Pedro um jovem Principe denodado a quem coube em partilha a atrox anima Catonis, um Principe atrevido e generoso viesse só porque as Cortes mandão, sem mais receio, sem correr-se da fraqueza, que commettia, sujeitar-se a voltar para Portugal para ser alvo de improperios como tem sido? He não conhecer o coração humano, he não conhecer este Principe nobre e ousado. Sr. Presidente, leões tambem se domesticão, porém não desta maneira. Animaes nobres precisão serem amançados com geito. Se pois elle não vem, que he o que se segue? Separação perfeita: entrar-mos n'uma guerra horrivel. Quero, que sejão os portuguezes da Europa felizes, que colheita de louros, que coroas manchadas de sangue fraternal hão de conseguir! E seremos de sangue frio nos legisladores os que incetemos esta carreira? Não sou deste parecer. Se pois não se consegue se não desunião, não sei o que vai lá fazer o decreto. Dir-se-ha, mas a dignidade nacional acha-se offendida, esse Principe tem faltado ao respeito á nação. He verdade, mas desgraçadamente nós lhe damos o exemplo. Nos o autorisamos, descuidos, chamão descuidos; e pergunto eu: mandando nós o decreto poderemos executa-lo? Póde tanto Porlugal? Póde ser, talvez que Portugal crêa ser o Jupiter de Homero, talvez julgue que possa com a cadêa que elle pintou lançada do Ceo á terra erguer até si os Ceos, os mares, a terra, e a creação inteira. Sr. Presidente, já Luciano escarneceu disto; a jactancia não honra a ninguem; somos nação respeitavel, mas somos nação dividida. Os Governos não são estes mythologicos, são entes muito reaes. Toda a sua força he moral, e a força moral funda-se na individual. Quando um Governo, como o imperio portuguez, está dividido em partes quasi iguaes, quando ha partidos que quasi se equilibrão, não sei se possa com tanta segurança dizer, que uma parte terá vantagem sobre outra, e se não será temeridade muito para temer tentar cousas, de que ao depois poderemos arrepender-nos de as ter começado. Accresce, Sr. Presidente, que tanto menos forte he um Governo, quanto he mais novo. O correr dos tempos he quem dá o verniz ás instituições sociaes, he quem lhe dá a força. He só a experiencia o contraste, que lhe marca os quilates. Temos pouca experiencia, obremos pois com moderação; abracemos irmãos se he possivel abraçalos, não cravemos o punhal que nos póde fazer mal igualmente, evitemos o mal que se nos antolha na execução do que pertendemos: de mais, pergunto, ficaremos mais nobres, se apresentarmos decretos vãos, inexequiveis, decretos, que como os anathemas da Corte Romana tem perdido já o susto que cansavão, decretos, a quem poderiamos chamar assim como o célebre satyrico Luciano, enferrujados e frios, e que de facto devem esfriar bastante na passagem do Oceano? Será bom apresentar isto a nossos irmãos do Brazil? Seja, eu não o creio. Está pois demonstrado, que nem ganha a dignidade nacional, nem he util nem proveitoso semelhante decreto para a suspirada união da monarquia. Mas diz-se, he preciso ver se fundamentos legaes o autorizão. Irei a elles. He nullo o decreto de 3 de Junho proximo passado (diz a Commissão) por quatro razoes : 1.ª porque excede a autoridade de quem o promulgou. O nobre Deputado disse, S. A. R. o Sr. D. Pedro de Alcantara he delegado d'EIRei o Sr. D. João VI seu Pai. O Sr. D. João VI seu Pai não lhe mandou convocar Cortes, logo S. A. passou as suas atribuições; e por isso he nullo e tal decreto. Mas pergunto eu, com que delegação convocou a Regencia de Portugal Cortes em Portugal. O Sr. D. João VI deu-lhe alguma delegação? Não; as necessidades, as circunstancias a forçarão, assim póde dizer o Principe Regente do Brazil, as necessidades me forçarão, e a opinião do povo me chamou. Porém talvez alguem diga, não he possivel que um simples delegado do Poder executivo tenha esse direito, que parece quasi de legislador. Distingo; em regra o Poder executivo póde faze-lo, por isso o seu delegado póde faze-lo com delegação sua, e nos casos extraordinarios com mais razão.
Em Inglaterra o Rei he quem faz a convocação do parlamento, na Irlanda o Lord Tenente seu delegado convocava a sua assembléa. Mas dir-se-ha, he
differente o citado da questão, porque em Portugal as Cortes ordinarias tem certo tempo de juntar-se, não precisão de convocação, e as extraordinarias são
convocadas pela Deputação permanente, e não pelo Chefe do poder executivo. Muito bem. Mas pergunto eu, esta Constituição está jurada? Já faz lei para
os Portuguezes? De certo não faz, por isso não se argumente daqui para se mostrar que o Principe não teve taes poderes. Entro agora infelizmente em outra questão. Quero, que o delegado do poder executivo o Sr. D. Pedro de Alcantara não podesse convocar as Cortes. Dir-se-ha tambem, que o não possa fazer na qualidade de Chefe do povo do Brazil, na qualidade de deffensor perpetuo? Dir-se-ha talvez, o povo do Brazil faz parte do imperio Portuguez, e não póde separar-se delle. Eu infelizmente sou de opinião contraria. Em todas as Nações do Mundo, estou persuadido, que uma parte da Nação póde separar-se de outra; e faço distincção; em todos os casos em quanto não ha pacto social jurado; e em alguns casos raros, ainda havendo pacto social jurado.
Não he doutrina nova, tenho muitas vezes exposto aqui a minha maneira de pensar, e não mudo facilmente. Disse um nobre Preopinante, o Brazil não formou Nação á parte, e esteve sempre junto com Portugal, e trouxe para isto a maneira porque foi povoado o Brazil. De facto, são Portugueses os Brazileiros, quem o disputa? Forão Portuguezes os que o cultivarão, colonisarão, povoarão, e enriquecerão,
e por isso he parte de Portugal. Mas quem são ago-

TOMO VII. Rrr

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ra os Portuguezes do Brazil, somos nós os descendentes destes; he parte de Portugal, mas pertencente aos Portugueses que lá se estabelecerão. Eu conheço que ha grande differença entre as Colonias antigas, e as modernas. Entre as antigas, a nenhuma Nação veio á cabeça mandar povos fora de sí para outros paizes, e querer governallos por leis proprias, logo se desmamavão, governando-se elles por si. Os modernos aliciados por espirito de cubiça, querendo dominallas assentarão, unillas com grilhões á Metropoli. Consiguirão-no em quanta as Colonias forão pequenas, mas quando crescerão, e sentirão o seu vigor, foi impossivel conservallas nas mantilhas, foi mister, que ou se separassem, ou fizessem novos pactos. Tal he o estado em que se sentiu o Brazil. O Brazil sentia-se com ferros ha muito tempo, bem se viu que os procurava sacudir; e como em tempos antigos lhe não poderia vir á lembrança o melhoramento da Monarquia Portugueza, o Brazil procurava o seu bem por meio de aristocracia electiva, ou como lhe chamão erradamente democracia. Assim o fizerão differentes provincias. O Maranhão o fez guiado pelo infeliz Manoel Beckman, foi mal succedido. Gomes Freire de Andrada deu cabo á sua revolução, mal começada. Em 1710 Leonardo Bezerra Cavalcante em Pernambuco teve outras vistas; foi tambem mal succedido. Em 1817, houve ahi outro projecto, forão desgraçados os emprehendedores; mas tudo isto prova, que aquellas provincias se sentião com algemas pezadas; não sabião concertar planos, mas caminhavão a sua liberdade. Raiou o dia 24 de Agosto o Brazil o saudou alegre, viu nelle talvez completos seus desejos antigos, esperou delle a libertação, que anhelava. Sem soccorros de Portugal simplesmente por si, por energia propria as differentes provincias declararão, que querião regenerar-se, e declararão com a maior boa fé do mundo, e louvavel sinceridade que adherião á nova ordem de cousas estabelecidas em Portugal, porque julgavão, que a nova ordem de cousas seria a que mais lhe conviesse. Desgraçadamente pasarão tempos, e tem corrido dias, e desde esses dias a esta parte o Brazil variou de ideas; não sei se com razão, ou sem ella, creio o contrario, parece mesmo que entra alguma cousa de amor pueril de innovação, e o oscilão perigosa. Muitos outros julgão o contrario, e crem que a conducta do Congreso justifica a mudança do Brazil: mas em regra o facto he, que o Brazil variou inteiramente de ideas, e não duvida dizer; se nós podemos adherir em outro tempo, tambem agora podemos não adherir. Se nós eramos obrigados a uma adhesão, entaão era desnecessario buscar nossa vontade mas quando se busca, concede-se a possibilidade de reluctar. Nós recusamos essa vontade dada condiccionalmente, nós sabemos que nos obrigamos, mas em verdade nunca tivemos por fim obrigar-nos de maneira, que não podessemos recusar uma vez que nos convenha. Na provincia de S. Paulo alguns dos meus collegas farão elleitores e sabem, que a idea geral de toda a provincia era, que elles vinhão fazer uma Constituição que havia de ser applicada ás commodidades daquelle paiz. Nunca foi, que os Deputados do Brazil cressem ser sugeitos á pluralidade dos de Portugal, porque essa regra he só valiosa numa Constituição feita, o mais he petição de principio.
A Constituição he que estabelece a regra da pluralidade. Ora invocasa antes de feita, he cousa bem pueril. Depois que se jura a Constituição, e nella se jura a regra da pluralidade, então não ha remedio senão sujeitar-se a ella. Antes disso minoridade e maioria tem igual valor. Nestas circunstancias entra uma questão. Podia o Brazil, uma parte igual a Portugal, fazer la a sua Constituição? Digo que sim, do mesmo modo que Portugal o fez. Portugal em 24 de Agosto separou-se para assim dizer do Brazil, porque estabeleceu uma nova forma de Governo, se o Brazil não quizesse adoptala, sempre Portugal a conservava. Por isso o mesmo direito de Portugal he o que tem o Brazil. Á vista disto entra outra questão, se o Governo que o povo elege se póde chamar Governo de facto ou não. Sei que a questão he delicada, não quero entrar nella, e acho assisado que o Congresso faça o mesmo, porque não tratamos presentemente de separar, tratamos do unir. Em consequencia vê-se, que o primeiro fundamento da Commissão he nullo. O segundo he de falsidade notoria, apezar dos escarceos do Sr. Moura. He sem duvida que a opinião do Brazil he inimiga da actual ordem de cousas desde o Rio da Prata até ao Cabo do Norte. Ha opposição decidida ao systema actual, já se disse, e disse-se bem, o Principe Regente não obrou por si só, obrou pela vontade presumpta, em parte das provincias do Brazil, e obrou por vontade explicada por orgão dessas mesmas provincias, e orgãos que erão legaes em certa maneira, porque o Congresso lhe tinha dado o exemplo, visto que tinha dado aos eleitores de paroquia attribuições differentes das que elles tinhão, e isto não só em Portugal, mas mesmo quando mandou eleger os Governos provinciaes do Brazil, mandou que fossem eleitos pelos eleitores de paroquia. Se pois o povo do Brazil he conteste e conforme em querer modificações na Constituição portugueza, então não sei que o Principe obrasse contra a vontade do povo do Brazil. Diz mais o parecer da Commissão que o decreto de 3 de Junho tende a dissolver a suspirada união do Brazil com Portugal. Não concebo: eu concebo muito bem como he possivel conservar a união ainda com dois corpos legislativos separados. Foi despresado o meu projecto, mas não me convencêrão, porque por mais que leia o que se me disse, não vejo senão palavras. Eu concebo muito bem como hajão dois corpos legislativos peculiares em duas partes da monarquia dependendo de um corpo geral. Neste modo nem ha federação, porque he differente cousa. A federação faz os povos em tudo soberanos, e só admitte para os negocios estrangeiros um corpo sobernno, a que estão sugeitos os Governos peculiares; mas no projecto proposto até no interior dependião as Cortes particulares das Cortes geraes. Não póde ser federação, mas sim união, embora seja a maquina mais complicada. Se pois he possivel conservar a união, não vejo que o chamamento destas Cortes seja a dissolução da união quando he possivel havela. E porque avançamos tão de repente? Porque não vemos o que fazem essas Cortes? Não se póde mesmo

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estabelecer outra maneira de união, como propoz a Inglaterra ás suas antigas colonial, ora Estados Unidos da America? Mandem as duas Cortes procuradores de uma parte a outra, que tenhão o veto, assim como tinhão os Nuncios na Dietina de Polonia; eis aqui outro modo de poder verificar-se esta união. Por tanto o terceiro principio he de nenhum momento. Diz mais o parecer, que o decreto de 3 de Junho desfaz o pacto estabelecido por uma vontade geral solemnemente declarada. Isto he que he fazer apparecer uma lucta nas differentes provincias do Brazil, isto he que vai semear as intrigas em cada canto do Brazil, e se me fossem desconhecidas as intenções da Commissão, talvez que eu crê-se, que este era o fim occulto. Mas desfaz o pacto. Não concebo como. Já mostrei que póde conservar-se, não pode conservar-se da maneira que está feito, mas esta he a questão, se nós temos direito a fazer que metade da Nação esteja pelo que fizer outra metade. Creio que não. Á vista disto não posso deixar de reprovar soberanamente o parecer da Commissão, e parece que a conducta nobre deste Congresso devia ter uma marcha muito differente. Eu quereria, que se fizesse sentir de uma vez claramente ao Sr. D. Pedro de Alcantara, que elle passando a convocar Cortes em o Brazil punha em desconfiança a Nação Portugueza, de que elle faz parte, e por consequencia poria a Nação na dura necessidade de não o reconhecer; que se faça sentir igualmente aos povos do Brazil as verdadeiras intenções de Portugal; que se lhe dê a entender que embora tenha havido alguns descuidos, porque de facto os tem havido, mas que seguramente não he intenção de Portugal escravizar o Brazil, e muito menos reduzi-lo a miséria. Que sejamos liberaes com esse paiz, que se lhe mandem emissarios fornecidos de poderes ad hoc, a fim de se procurar a união; que sejamos nobres e generosos. Se se poder conseguir a unidade absoluta, bem, não me opponho. E se se não puder conseguir, que não sejamos tão mesquinhos que percamos tudo. Acceitemos a união talvez unica que a natureza comporta; em quanto não estivermos nisto, nada faremos; e a não se adoptar, então he necessario usar de força, declarar guerra a povos irmãos, mas a declarar-se, he nobre, he generoso despedir os Representantes desse paiz, porque em verdade os que tiverem brio e dignidade hão de seguir a causa delle. Eu por mim o digo, falo muito claro. Qualquer que for a determinação do Brazil julgo dever religioso segui-la. Terei summo pezar de que dois irmãos lutem entre si, cortar-se-me-hão as entranhas ao ver despedaçar irmãos Brazileiros e Européos. A luta será desigual, mas se nos obrigarem, o Deus dos exercitos que nos vigia, e que vê como somos impellidos á violencia, elle que conhece a nossa justiça, bafejará, eu o espero, a nossa causa.
O Sr. Guerreiro: - Tem sido combatido este projecto, proposto pela Commissão, como injusto, como fundado em principios falsos, como impolitico, como inexiquivel, e como iniquo, e contendo uma declaração de guerra civil ao Brazil. Custa-me muito a entender, que connexão immediata tem a materia deste artigo com a anarquia, e guerra civil no Brazil, como se suppõe aqui declaração de guerra, ou como se pretende identificar a causa do Governo do Rio de Janeiro com a causa de todo o Brazil. He sem duvida alguma, que o poder, que o Principe Real tinha de governar o Brazil, foi delegado por ElRei seu Pai, e que elle nunca podia por si mesmo estender este poder além dos limites da delegação, assim como nunca podia subtrair-se á sugeição daquelle, que com esta clausula lhe tinha delegado. O poder d'ElRei tinha já naquelle tempo modificações pelos principios das Bases da Constituição, por elle acceitas, e juradas, em que se declarava, que o Poder legislativo residia nas Cortes, o exercicio do Poder executivo era regulado por differentes leis, que successivamente se forão promulgando, e conforme uns, e outros limites, he que o Principe Real poderia, e deveria restringir o exercicio da delegação, que lhe tinha sido confiada. Quando este Congresso declarou legaes os Governos creados pelos povos nas provincias do Brazil, que se tinhão subtraído á obediencia immediata da corte do Rio de Janeiro, por esta declaração ficou restricto o poder do Principe a tres provincias, onde esses Governos se não tinhão creado; por conseguinte todas as vezes que o Principe Real pertendeo subtrair-se a obediencia que devia a ElRei, que lhe tinha delegado esses poderes, e todas as vezes, que o Principe excedeu os limites do Poder executivo, he sem duvida alguma, que obrou nullamente, e este he o 1. artigo que a Commissão de Constituição apresenta no seu projecto. Pretendem os illustres Preopinantes ir buscar a origem do poder do Principe á vontade dos povos do Brazil, querem ir buscar por conseguinte na mesma Nação duas origens de poder, querem que haja já duas soberanias, suppondo que de facto à Nacção portugueza esta divida, e forma duas nações. Porém esta ultima hypothese de certo se não verifica ainda poderá vir tempo em que se verifique. Por agora a Nação portugueza he uma, ao menos tem Cortes com representantes de quasi todas as suas partes, e estes são os que representão a Soberania de toda a Nação. Se o Brazil já se tivesse separado absolutamente do resto da Nação portugueza, ainda assim mesmo não podia dizer-se, que o Principe exercia um poder que lhe tinha sido delegado pelo Brazil, porque faltava ainda o acto da delegação desse poder, que os povos do Brazil tivessem feito. Eu não nego com os illustres Deputados, que os povos do Brazil tivessem igualdade de circunstancias, iguaes direitos de se constituirem, mas a questão he diversa, primeiramente o povo do Brazil usou já do direito que tinha de se constituir, e quiz constituir-se conjunctamente com seus irmãos de Portugal, foi para isto que mandou para Portugal os seus representantes. He necessario que de uma vez fixemos as nossas ideas sobre o verdadeiro poder que tem um representante da Nação, dão-se-lhe differentes nomes, e daqui nasce uma confusão de ideas, que he necessario evitar. Os representantes de uma Nação nos systemas representativos, não são meros procuradores, são uns arbitros, ou compromissarios, os povos só o que tem he, o direito de formar o pacto social.
He impossivel porém que os povos se reunão para

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deliberarem sobre as clausulas deste pacto. Que fazem pois os povos? Compromettem-se nos seus representantes, para estes deliberarem. Este compromisso dos povos contem a mesma forma de um compromisso particular, isto he, um contrato não entre os povos, e seus representantes, mas dos povos uns com os outros, pelo qual elless se obrigão mutuamente a estarem pelo que for decidido pelos seus Representantes. Desde o instante em que o Brazil accedeu á causa de Portugal, e nomeou os seus Representantes, os povos Brazileiros, e Européos, comprometterão-se uns com outros a estarem pelo pacto social, que fosse feito pelos Representantes communs. He verdade que tenho observado que os Senhores Deputados do Brazil pretendem persuadir-nos, que elles vierão não como Deputados, mas como Embaixadores para verem, se convinha ou não o estabelecermos este pacto, principio, que ainda hoje ouvi expender. Mas era necessario que estes Deputados nunca tivessem tornado assento neste Congresso, e que elles se tivessem conservado debaixo dos limites de negociadores deste Congresso. (Apoiado, apoiado). Mas o contrario he que aconteceu. Os Illustres Deputados tomarão assento neste Congresso, o depois que tomárão assento, começárão a discutir não somente os decretos para Portugal, mas os artigos Constitucionaes. Alguns delles forão vencidos contra o seu voto; em outros o seu voto foi o que arrastou o dos outros para ser aquelle o vencedor. Querem os illustres Deputados do Brazil fazer que o seu voto vença sempre em todas as decisões; e em algumas, porque o seu voto não proponderou, dizem elles que os povos do Brazil não sujeitárão o seu compremettimento a elles? He cousa pasmosa. Seria possivel que os povos do Brazil quando declarárão adherir á causa de Portugal, não quererião unir-se comnosco, mas ganhar tempo para seguir outro rumo? Dirião que as suas procurações continhão uma clausula mental? Não he crivel. Há muito tempo que as restricções mentaes acabarão, e mesmo ellas até erão reprovadas por muitos Jesuitas. Por isso se os povos do Brazil já usárão do direito de se constituirem, se nomeárão aquelles em quem se constituirão, e se estes vierão formar comnosco o pacto social, está claro, que a elles nada mais cumpre do que sujeitarem-se a esse pacto. Eu conheço que as Nações, que os povos nunca se obrigão irrevogalmente, que as suas procurações tem sempre uma clausula tacita, e vem a ser: em quanto as instituições desse pacto não forem incompativeis com a sua felicidade. Ora está bem longe de pensar-se, que as novas instituições sejão incompativeis com a felicidade do Brazil. E qual será o facto positivo por onde conste, que os Brazileiros revistírão o Principe Real do poder soberano para elle o exercer. A nomeação de procuradores de que tanto se allega, foi requerida pelos povos, ou ordenada pelo Principe? E esses mesmos procuradores em que numero são? Apenas tres. Não entro no direito, que tinham os eleitores de comarca para fazerem essas eleições, porque todos sabem, que os eleitores de comarca não forão representantes dos povos serão para o acto de elegerem os Deputados, e findo este acto, cessou o seu direito. Se elles forão antorisados pelo Congresso para nomearem as juntas provinciaes, fizerão essa nomeação em virtude da autorização do poder legislativo, e não em virtude da nomeação dos povos. A mesma convocação de procuradores não foi requerida pelos povos ao Principe, foi ordenado pelo Principe aos povos, e por isso deste facto não póde presumir-se, que os povos Brazileiros tivessem revestido o Principe do poder. O decreto da convocação das Cortes está em contradicção perfeita com a vontade dos povos manifestada o anno passado, está em contradicção com o poder do Principe delegado do poder executivo de seu Pai. Este decreto está nullo, tambem não foi requerido pelo povo, dimanou do Principe por uma ordem para os povos. He verdade que apparecem requerimentos de procuradores, mas já mostrei, que elles não erão autorizado popular; e além disto erão tres sómente influidos por um ministerio miseravel instrumento de uma vontade alheia. Examinem-se miudamente os procedimentos do ministerio do Rio de Janeiro, acharemos que elles não tem em vista senão fazer-se chefe do espirito da opinião publica para a dirigir á sua vontade. Quer fazer ali o centro do poder e governo da Nação portugueza, quer ser só elle quem a dirija, e oxalá que não pretenda dar ao Brazil uma Constituição que tenha em vista restabelecer o antigo despotismo.
Temos portanto, que não havendo acto algum expresso dos povos do Brazil, que revista o Principe do poder, não havendo mesmo facto algum manifesto de que tal causa se possa presumir, pois que todos os actos tem dimanado do Governo para o povo, he claro, que não somente o Principe obra contra os limites do poder delegado, mas que nem ha outra origem alguma donde esse poder lhe podesse vir, e que por consequencia todos esses actos são nullos, e que com toda a razão a Commissão propõe que se declarem como taes. Com isto está respondido aos argumentos que se propõe ao principio que estabelece a Constituição, de que o decreto de contrario a vontade geral dos povos do Brazil. Que o povo do Brazil está representado he sem duvida alguma, e elle ha de ser representado até que conste da revogação dos poderes dos actuaes Deputados. Agora, qual he a vontade do povo do Brazil he que resta examinar. Eu não me atreverei a dizer, se a vontade actual dos povos do Brazil he contraria, ou conforme ao decreto da convocação das Cortes, porque grandes distancias, e grandes difficuldades que ha para conhecer qual he a vontade geral mo védão, mas creio que nenhum dos Srs. Deputados do Brazil póde affirmar com segurança, que o decreto da convocação das Cortes no Brazil, seja conforme com a vontade geral daquelles povos. Senão diga-se-me quaes são os meios legaes por onde nos consta dessa vontade geral? Será por uma representação de 1500 assignaturas? Não por certo. 1500 assignaturas não formão a reunião da maioria dos habitantes do Brazil. Será pelos papeis publicos? Não. Os papeis publicos não podem servir de regra para a conhecer. Nós sabemos que no Rio de Janeiro não ha liberdade de imprensa, se não para os que escrevem n'um sentido, e os que escrevem em sentido contrario os fizerão calar por força.

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Tenho visto muitas cartas em que se achão exemplos de despotismo praticados contra os que escrevião contra o ministerio. Por isso não he pelos papeis publicos, que se pode conhecer qual he a vontade dos povos do Brazil, mas sim qual he a opinião do Governo, que muitas vezes está em contradicção com a dos governados, logo por onde sabem os Deputados, que aquelle decreto he conforme à vontade dos povos do Brazil? Por nenhuma parte. Por isso quando dizem, que he falso o fundamento da Commissão, dizem uma cousa de que não podem apresentar prova alguma. Se se examinar a vontade dos povos do Brazil, talvez conheçamos que não ha vontade geral no Brazil. De uma parte temos o Governo do Rio de Janeiro com uma vontade, temos a vontade do Governo de S. Paulo que não está identificada com a vontade do Rio de Janeiro, temos a vontade do Governo da Bahia, que ainda se não declarou expressamente, temos a vontade do Governo das provincias do Norte, que he estarem unidas á causa de Portugal, e temos a vontade da provincia de Pernambuco, que segundo parece por uma proclamação, nem quer conformar-se com a vontade de Portugal, nem com a vontade do Rio de Janeiro, mas sim quer fazer uma vontade propria separada e independente. Entre os povos ha a mesma difficuldade de conhecer qual he a sua vontade, cada um segundo os interesses que tem he que da conta do estado do Brazil. Reina ali o espirito do terror, os capitães de navios nem ao menos já querem dizer o que lá se passa, e até um já renunciou o tornar aos portos do Brazil por causa das ameaças das autoridades. Neste estado de cousas pois não pode saber-se qual he a vontade do Brazil, mas sim só pode dizer-se, que ali não ha vontade geral. Opporem-se contra o parecer, que elle era inexequivel. Considero este parecer como cominatorio ao chefe do Governo do Rio de Janeiro, em si mesmo tem os meios da sua execução. Aqui não se diz, que vá uma força armada prender a pessoa do Principe Real e o Ministerio do Rio de Janeiro. Diz sómente, que se intime ao Principe Real que no espaço de 4 mezes regresse a Portugal, e que se não voltar, se procederá na fórma da Constituição.
He verdade, que a Constituição ainda não está publicada, e por isso se pertendessemos a sua execução, seria sem razão, se a pertendessemos em virtude della. Mas pertendemos a execução daquelle artigo em virtude do decreto. Do mais esta medida he só extensiva á pessoa do Principe Real: ao ministerio, e autoridades que tenhão concorrido com elle, não he extensiva a mesma medida. Se se poder exigir a mesma responsabilidade, exige-se, se não poder, não se exige. Aos réos muitas vezes se impõem penas, elles escapão a ellas, e nem por isso a justiça deixa de ficar satisfeita. Diz-se que he impolitico o decreto porque os povos não deixão sair de lá o Principe, não sei se me engano, mas parece-me que os povos do Brazil, os que influem mais no actual partido do Brazil, não tem interesse na conservação do Principe se não em quanto he necessario para conseguir os seus fins. Seja o que for. Todas as considerações da politica deverá desapparecer, quando se trata de atalhar mais exemplos de desobediencia ás leis, insoburdinação, e rebeldia. O Principe tem desobediencia a todos os decretos das Cortes, não obedece aos que lhe são transmitidos por seu Pai, e pelo seu Rei. Elle como cidadão devia ser o primeiro em dar exemplo, como successor da coroa muito mais. E hão de se tolerar ainda exemplos de desobediencia impunemente, ou hão de se castigar? Se não se castigam, qualquer cidadão por mais baixo que seja desobedecera tambem, tendo ali o exemplo. Por tanto he necessario, que o Congresso faça uma manifestação solemne de reprovação a todos os actos daquelle Governo, e que tome as medidas necessarias para acabar de uma vez com tantos exemplos de desobediencia. Quanto a dizer-se, que este decreto vai excitar a anarquia, não sei, o que sei he, que vai excitar a opposição de um partido diminuto, que vai animar aquelles que até agora estavão timidos e frios a respeito da causa commum, e então isto será excitar a anarquia? Um decreto que pretende sustentar a causa nacional, e observancia das leis, que procura o bem da patria terá em vista a anarquia? Ou serão aquelles que procurão sacudir a subordinação, e acabar com a obediencia? Se acontecesse derramar-se sangue no Brazil, eu derramaria lagrimas, porque he sangue portuguez. Porem quem era a causa deste sangue? Aquelles, que pertendêrão arrogar direitos, e fazer-se arbitros dos interesses dos povos, aqulles que sem missão e poder quizerão pôr-se á testa dos governos politicos, ou nós, que quizemos acabar com estes abusos? Se se derramar sangue, oxalá seja sobre os principaes autores de um similhante derramamento; por isso o parecer da Commissão he conforme com a justiça, he exequivel ao menos na sua principal parte, e por isso deve ser approvado.
O Sr. Xavier Monteiro: - Se he necessario, se he politico, se he justo o parecer da Commissão, tem sido até ao presente objecto da discussão. O primeiro Sr. Deputado que o impugnou em quanto á forma, e não em quanto á substancia, disse, que era justo o primeiro artigo, mas que o não achava necessario e porque esta materia estava incluida no decreto que anulla a eleição dos procuradores geraes, e que pela publicação da Constituição se vinha a pôr em execução o que se pretendia neste decreto. A opinião deste Sr. Deputado traz-me á memoria a celebre discussão de 23 de Março, onde a meu ver se lancárão os fundamentos deste decreto de 3 de Junho, que convoca no Brazil cortes constituintes, e que da origem ao presente debate. Em 23 de Março questionou-se largamente neste Congresso, se prontas e energicas medidas deverião ser tomadas contra o procedimento rebelde da junta de S. Paulo. Foi de opinião o mesmo Sr. Deputado, que se não desse pressa a similhante negocio, por quanto poderia qualquer procedimento accelerado do Congresso ir atear o fogo da discordia no Brasil, e produzir tristes resultados. A isto responderei, que não appareceria exemplo em nação alguma de se haverem rebellado provincias, as quaes por meio de brandura e contemporisações tornassem aos seus deveres: que eu como particular estimava, que se segui-se a opinião do illustre Deputado, qual

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era a da moderação; pois só desta maneira se conheceria com evidencia o erro; mas como Representante da Nação, sempre votaria que se adoptassem medisas energicas, que erão as que neste caso a politica e a justiça aconselhavão. Pois a moderação produzindo um effeito differente daquelle que se pretendia, dava calor e animo aos rebeldes. Effectivamente seguiu-se o contrario da minha opinião; mas appareceu tambem verificado o que eu prognosticava. Exactamente a 20 de Maio, epocha em que ao Rio de Janeiro chegou a noticia da moderação do Congresso, foi quando os rebeldes ganhando força, e alardeando a fraqueza das Cortes de Portugal, requererão ao Principe Cortes constituintes. Então os chefes da rebellião de S. Paulo exultando disserão entre si, já as Cortes de Portugal reconhecem nossos direitos, e a sua injustiça, já caem em si, já sentem que ha poder no Brazil, e o resultado foi o decantado decreto de 3 de Junho convocando Cortes constituintes. Digo pois, que se seguirmos a mesma marcha, se continuarmos com procedimentos analogos, contemporizando com os que tem quebrado todos os vinculos, com que estavão unidos a Portugal, consolidaremos a rebellião, que tanto se tem adiantado por nossas demasiadas delicadezas e cautellas. A decisão de hoje sendo moderada, ou energica, vai completar, ou destruir os intentos dos rebeldes. Senão se approva o parecer da Commissão, sancciona-se tudo quanto se tem praticado no Brasil; se se approva, grandes barreiras se levantão para estorvar os progressos da independencia. A necessidade he urgentissima de tomar uma pronta e franca determinação a este respeito.
Um Sr. Deputado do Brazil impugnou o decreto dizendo, que elle era impolitico, e injusto; isto pode sustentar-se n'um sentido; a saber: no daquelle partido que promove a independencia do Brazil; porque vai estorvar o arranjarem-se lá com o socego, e do modo que pretendem: he por tanto injusto, e impolitico para os fautores da independencia, que tem interesses contraltos aos nossos, o oppor-se abertamente o Congresso aos seus designios; mas relativamente a Portugal o decreto nem he injusto, nem impolitico, porque declarando, que o Principe Real excedeu os seus poderes, promulgando o decreto de 3 de Junho, e que o decreto he nullo; diz a verdade, e por isso he justo: e desengana algumas provincias, illudidas com o governo do Rio de Janeiro; e por isso he politico. Donde veio ao Principe o poder de convocar Cortes, e de revogar as procurações dos actuaes Deputados? De ElRei, ninguem dirá que elle tinha este poder, e se o não tinha, como o poderá delegar ao Principe? Mas os povos poderião da-lho. E por ventura os povos podem durante a missão de que encarregarão os Deputados revogar as procurações que lhes derão? Certamente não: e tal doutrina reconhecida geralmente perigosa e anarchica, tem sido solemnemente desprezada, como opposta á consolidação do systema representativo. Diz-se mais que a Regencia de Portugal, ou para melhor dizer a Junta provisional tendo convocado Cortes, nada obstava, a que o governo do Rio de Janeiro usasse de um igual direito. Respondo, que essa Junta que convocou Cortes em Portugal, não era delegada de ElRei, mas sim dos povos, que reassumindo a soberania, e não se achando representados em parte alguma, tinhão direito a fazer-se representar. O que não aconteceria, se já se achassem representados, como estão, os povos do Brazil. Logo o facto que apresenta um delegado do poder executivo praticando aquillo que o poder executivo não pode fazer, porque elle mesmo não pode revogar as procurações dos Deputados, de maneira alguma tem parelello com o acto primittivo de uma regeneração, em que a soberania he reassumida pelos povos, e delegada legitimamente nos seus Representantes. Estes são os principios verdadeiros, e não aquelles que attribuem ao poder execução a faculdade de alterar a seu capricho a lei fundamental do Estado. Diz-se mais, o parecer da Commissão he vão, he inexequivel, he impolitico, he injusto. Se he vão, se he inexequivel, se são builas do Papa enviadas para a China, então não he impolitico, nem injusto como ao mesmo tempo se affirma, nem vale o trabalho de ser com tanto calor impugnado, pois nenhum damno pode causar ao Brazil uma decisão inexequivel. Se porém elle pode causar tantos males como asseverão esses mesmos que lhe chamão inutil, então he evidente que a opinião publica no Brazil não he geral como se nos inculca: mas que existem partidos, e que um delles receia que a decisão das Cortes os desmascare e deteriore. Finalmente os principios da Commissão são em rigor verdadeiros, mas he muito diminuto o primeiro artigo do projecto. Dizer que he nullo o decreto de tres de Junho, não me parece sufficiente. Pois poder-se-ha colligir que os outros actos do Governo do Rio de Janeiro são valiosos. Isto seria dar força a outros decretos que delle tem emanado, como por exemplo o decreto sobre a liberdade da imprensa, abolição de officios, etc. Por tanto o artigo 1.° deve ser concebido nos seguintes termos: Todos os actos do governo do Rio de Janeiro, que involvem medidas legislativas, são nullos, e o decreto de 3 de Junho he um acto de rebellião, ainda que poderia ser antes denominado de absurdo por excellencia, porque dizendo-se no principio que tem por objecto a mantença da integridade da monarquia, mais abaixo diz, que estabelece uma Assemblea Constituinte para fundar as bases da independencia do Brazil. Firma-se na integridade da Monarquia, para effetuar a separação de uma parte della! Isto mostra bem a contradicção de principios, que existe na cabeça dos que dirigem similhantes actos, e merece este o mais distincto lugar entre os extravagantes procedimentos daquelle governo.
O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Sr. Presidente, não vou falar no artigo que está em discussão, nem sobre o decreto: limito-me ao parecer da Commissão, que o precede, em quarto nelle se affirma que o Congresso se deve dar pressa em sanccionar, e mandar para o Brazil o presente decreto. Eu offereço ao exame do soberano Congresso uma só razão simples, e clara contra o parecer; isto he, que depressa com que se pretende mandar este decreto, não se devendo esperar bem algum nas actuaes circunstancias, se podem ao contrario recear muitos males, e um exito final, inteiramente opposto ao bem publico, e ás nossas

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mesmas intenções. Voto nesta materia como em outras, segundo uma maxima ensinada por todos os filosofos, e politicos antigos e modernos, e o que he mais, confirmada pela constante experiencia do todos os seculos, não só em negocios publicos, mas até nos particulares de cada cidadão: a saber, que em qualquer empreza, projecto, ou negocio grave, e arriscado, a primeira cousa que se deve maduramente examinar, e discutir, he o exito final; em tanta forma, que se o negocio offerece um bom exito provavel, cumpre que se comece, e continue com firmeza e constancia: ao contrario se elle apresenta um exito final provavelmente máo e prejudicial, então, por mais justo, e bem fundado que seja, deve-se espaçar e suspender com igual firmeza e constancia. Applicando esta maxima ao caso presente, julgo que o final resultado deste decreto, mandado com a deligencia, que se propõe, por mui justo, regular, e constitucional que se queira suppor, será com alguma probabilidade o do atear no Brazil a guerra civil; declarar formalmente a separação delle; cortar as communicações que felizmente ainda durão; e difficultar os meios de reconciliação, e de paz; e por tanto não posso approvar o parecer da Commissão. Conjecturo além disto, Sr. Presidente, attendendo ao caracter dos Brazileiros, á tendencia que alguns delles tem mostrado para fórmas republicanas, e federativas, (o que elles mesmo reconhecem) á rivalidade das provincias, das diversas castas, e até das familias; conjecturo, e digo, que o decreto expedido, como se propõe, produzira um effeito exactamente contrario, ao que os autores delle pretendem, e tiverão em vista: porque fará talvez que os Brazileiros se esqueção de odios, rivalidades, e de tudo, para mais fortemente se unirem ao Principe Regente; póde bem ser, Sr. Presidente, que eu me engane, mas como esta he a minha actual opinião, e como devo votar segundo a minha consciencia, sem nenbns respeitos, voto contra a pressa com que se pretende expedir o decreto. Este he o meu parecer.
Sendo findo o tempo da sessão, sem se juigar a materia sufficientemente discutida, ficou adiada.
O Sr. Villela apresentou a seguinte

INDICAÇÃO

Havendo o soberano Congresso approvado o parecer da Commissão de Constituição sobre uma indicação de alguns Srs. Deputados do Brazil, era que propunhão se lhes dessem por acabadas as suas funções, por se acharem dissidentes as provincias que representão, o qual parecer se fundava em que não havia toda a certeza da allegada dissidencia, e que por conseguinte se devião elles conservar no exercicio do seu cargo até que as ditas provincias nomeassem outros Deputados para as Cortes convocadas em o Rio de Janeiro, por ser esta a occasião de se conhecer a vontade daquelles povos: os Deputados abaixo assignados, fundados nos mesmos principios, propõe que não podendo agora assignar a Constituição, se lhes defira este acto para o mesmo tempo, que o soberano Congresso julgou ser aquelle de se conhecer a vontade dos mencionados povos. Lisboa 18 de Setembro de 1822. - Ignacio Pinto de Almeida e Castro, Pedro de Araujo Lima, João Ferreira da Silva,
Antonio Jose Moreira, Manoel Zefyrino dos Santos, Jose Martiniano de Alencar,
Francisco Xavier Monteiro da Franca, Manoel Felix Deveras, Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira, Francisco Moniz Tavares, Felix José Tavares Lyra, Francisco Villela Barbosa, Jose da Costa Cirne, Francisco de Assis Barbosa,
Lourenço Rodrigues de Andrade, Miguel Sousa Borges Leal.
Foi admittida á discussão, para ser discutida juntamente com as outras relativas ao mesmo objecto, e sobre que a Commissão de Constituição já deu o seu parecer.
Deu o Sr. Presidente para a ordem do dia a continuação do projecto n.º 301, e os pareceres da Commissão de Constituição impressos n.° 304 e 305, sobre aquellas indicações: e levantou a sessão depois da uma hora da tarde. - Bazilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES

DECRETO

As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação portugueza, para que a bibliotheca publica, em consequencia do decreto de 4 de Julho de 1821, não fique privada do beneficio concedido pelo alvará de 12 de Setembro de 1805, deccetão o seguinte.
1.° Será remettido para a biblioteca publica nacional, estabelecida em Lisboa, um exemplar de qualquer escripto, que se imprimir em alguma officina typografica, actualmente estabelecida, ou que de futuro se estabelecer no Reino de Portugal, e Algarve, seja qual for a materia, natureza, e volume desse impresso, e a corporação, sociedade, ou individuo a que elle pertença.
2.º A remessa prescripta no artigo antecedente será feita pelo dono, ou administrador da respectiva oficina, logo que o impresso se publicar; e o bibliothecario mor, ou quem seu cargo servir, passará cautela da entrega: os diarios, e periodicos basta que sejão remettidos de tres em tres mezes.
3.º Os donos, ou administradores das officinas, que faltarem as determinadas remessas, pagarão em beneficio da bibliotheca publica o valor de vinte exemplares de cada obra, que não tiverem remettido; e o guarda mor officiará ao juiz do territorio, em que a officina estiver assentada, a fim de que elle faça cobrar o dito valor, e o remetta á mesma bibliotheca.
4.° Fica revogada qualquer disposição na parte, em que se encontrar com a do presente decreto. Paço das Cortes em 19 de Setembro de 1822. - Agostinho José Freire, Presidente; Francisco Xavier Soares de Azevedo, João Baptista Felgueiras, Deputados Secretarios.

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Para João Vicente da Silva.

As Cortes geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação portugueza, sendo-lhes presente em data de hoje o requerimento de V. Sa. para prorogação de licença: resolvem, que esta não tem lugar por se dever cumprir a resolução de 13 do corrente mez pela qual todos os Deputados licenciados forão mandados reunir ás cortes para assignarem a Constituição. O que participo a V. Sa. para sua intelligencia.
Deus guarde a V. Sa. Paço das Cortes em 19 de Setembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Filippe ferreira de Araujo e Castro.

Illustrissomo e Excellentissimo Senhor: - as Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes seja transmittida a consulta da junta do commercio, em data de 11 de Novembro de 1814, que subiu em consequencia do aviso de 20 de Setembro do mesmo anno, com a relação, que o acompanhava, e mais papeis annexos á mesma consulta, tudo relativo aos direitos, e emolumentos, que pagão os navios por entrada, e saída neste porto. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 19 de Setembro de 1822. - João Batista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo senhor. - As Cortes Geraes e extraordinarias da nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidas as mais exactas informações assim sobre a actual existencia de generos cereaes no terreiro publico, e do tempo porque julga segura a subsistencia da capital, como áceraca da quantidade de meios que será necessario importar para supprir a falta dos generos nacionaes no presente anno. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 19 de Setembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Silvestre Pinheiro Ferreira.

Illustrissimo e excellentissimo Senhor. - As Cortes geraes e extraordinarias da nação portugueza ordenão que lhes seja transmittida uma copia autentica da portaria da regencia do reino em data de 6 de Junho de 1821, sobre as tresentas mil libras esterlinas relativas ás reclamações das presas d'escravatura. O que V. Exca. levará ao conhecimento de sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das cortes em 19 de Setembro de 1822. - joão Baptista feogueiras.

Redactor - Velho.

SESSÃO DE 20 DE SETEMBRO.

Aberta a sessão, sob a presidencia do Sr. Freire, leu-se e approvou-se a acta da antecedente.
O Sr. secretario Felgueiras deu conta do expediente mencionando
1.º Um officio do ministro dos negocios do reino, remettendo a planta, orçamento de despeza, e informação ácerca do rio, e ponte de Loires. Passou á Commissão de estatistica.
2.º Outro officio do Ministro dos negocios da fazenda, acompanhando uma representação dos irmãos Freires, proprietarios da fabrica de estamparia em Alcantara. Passou á Commissão de fazenda.
3.º Uma carta de felicitação do coronel do regimento de milicias da cidade de Ponta Delgada na ilha de S. Miguel, e dos officiaes do mesmo regimento, por occasião do aniversario da nossa regeneração politica no dia 24 de Agosto. Mandou-se dar a consideração do costume.
4.º Outra carta assignada pelo presidente, e secretarios da nova sociedade patriotica intitulada da constituição, participando a sua installação no memoravel dia 15 de Setembro, e pedindo a sua approvação. Passou á Commissão de Constituição.
5.º Outra carta de Manoel José Henriques, porteiro menor, que foi deste soberano Congresso, expressando o seu agradecimento pelo deferimento favoravel do seu requerimento em sessão de 17. Ficárão as Cortes inteiradas.
Mandou-se juntar ao outro requerimento, a que se refere, uma representação assignada por differentes pessoas naturaes da provincia da Bahia, e apresentada pelo Sr. Deputado Lino Coutinho. E se mandárão para a Commissão de petições o requerimento de Domingos Ramos Monteiro, apresentado pelo Sr. Deputado José Lourenço da Silva, e o requerimento dos sargentos livres da brigada n.º 6, e 18, apresentado pelo Sr. deputado Franzini.
Em vista da informação, que derão os Srs. deputados da Commissão especial da Constituição, de que os dois exemplares della se acharião prontos no dia 21, se decidiu fixar-se a sessão do dia 23 para a sua assignatura, participando-se isto ao Sr. deputado Sepulveda, para que compareça a assignar igualmente.
E propondo o Sr. Deputado Pereira do Carmo, que seria conveniente que os Srs. deputados jurassem a Constituição ao mesmo tempo que a fossem assignando, venceu-se que se não tomasse por ora resolução alguma a este respeito.
O Sr. secretario Soares de Azevedo fez a chamada, e se acharão presentes 118 Deputados, faltando com licença os Srs. moraes pimentel, canavarro, Ribeiro da Costa, Bernardo Antonio de Fugueiredo, sepulveda, Bispo de Beja, Bispo de Castello Branco, Lédo, Feijó, Moniz tavares, Leite lobo, Costa Brandão, ferreira da Silva, Fortunado

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