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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 42.

Lisboa, 26 de Março de 1821.

SESSÃO DO DIA 24 DE MARÇO.

Leo-se e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

LEO-SE hum Officio do Ministro Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda, que foi remettido á Commissão de Instrucção Publica, e vai trasladado a final.

Leo-se e foi ouvida com agrado a seguinte Carta de felicitação e prestação de homenagem ás Cortes:

CARTA.

Illmos. e Exmos. Senhores. Permittão-me V. Exas. Dignos Representantes da Nação Portugueza, que eu tenha a honra de felicitallos para conclusão das Bases da nossa Constituição, que affiançando novas venturas, assegurão a independencia Nacional.

Cada vez se me tornão mais agradaveis, pelos seus resultados, os serviços que tenho feito á minha Patria, e ambicionando occasiões de prestallos maiores, gostoso lhe voto a Fazenda, e Vida. Digne-se pois o Soberano Congresso, em Nome da Nação que representa, acceitar os votos de obediencia, e respeito, que lhe tributa.

Vizeu, 18 de Março de 1821. - O Marechal de Campo, Antonio de Lacerda Pinto da Silveira.

Apresentárão-se as seguintes Memorias:

1.ª Sobre Expostos, e offerecida pelo Bacharel José Teixeira Bogas. Foi remettida á Commissão de Saude Publica.

2.ª Sobre Devassas geraes, e offerecida pelo mesmo Bacharel. A' de Legislação.

3.ª Com hum Projecto de Systema de Estabelecimentos e Empregados de Saude Publica, offerecida pelo primeiro Medico do Exercito José Maria Soares. A' de Saude Publica.

4.ª Projecto sobre liquidação e compensação de dividas, offerecido por João Henriques de Castro. A' de Legislação.

5.ª Considerações a respeito da Companhia dos Vinhos do Alto Douro, de Manoel Joaquim Moreira. A' de Agricultura.

6.ª Sobre o direito de pastos commnns, por Fernando da Costa Cardoso. A' de Agricultura.

O senhor Luiz Monteiro declarou estar auctorizado por José Nunes da Sylveira (Membro que foi da Junta Preparatoria das Cortes) para participar ao Soberano Congresso, que desistia e renunciava, a favor das necessidades publicas, o ordenado que naquella qualidade lhe pertencia. Mandou-se fazer na Acta honrosa menção.

O senhor Trigoso por parte da Commissão de Instrucção Publica, leo o Relatorio sobre o Requerimento de Ignacio Pereira dos Santos, sendo a Commissão de parecer que se remettesse á Regencia.

O mesmo senhor Deputado leo tambem os seguintes:

PARECERES.

Jacyntho Felix da Sylva pertende abrir huma Cadeira de Lingua Franceza dentro do Hospital de S. José, para utilidade dos que alli frequentão o Curso de Chirurgia, sem exigir ordenado algum, e recebendo apenas a pensão que seus Biscipulos voluntariamente lhe quizerem dar. Este Requerimento vem assignado não só pelo supplicante, mas por muitos dos seus futuros alumnos.

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Parece á Commissão de Instrucção Publica que não ha inconveniente algum no estabelecimento desta Cadeira, antes que esta póde ser muito util: deve porem o supplicante habilitar-se primeiro para o ensino publico pelo expediente da Junta da Directoria Geral dos Estudos, e requerer a licença necessaria ao Enfermeiro mor do Hospital, a quem ha de ficar subjeito no que pertence ao exercicio da sua Aula.

Salla das Cortes, em 23 de Março de 1821. - Francisco Manoel Trigoso d'Aragão Morato - Joaquim Pereira Annes de Carvalho - João Vicente Pimentel Maldonado - Manoel Antonio de Carvalho - Francisco Xavier Monteiro - Manoel Martins de Couto.

A Commissão de Instrucção publica examinou o projecto de Decreto para introduzir no Reyno os bons estudos de Economia Politica, que offereceo ao Congresso o Senhor João Rodrigues de Brito.

Reduz-se este Projecto ao estabelecimento de tres Cadeiras daquella Sciencia nas tres Cidades de Lisboa, Porto, e Coimbra, com o ordenado e prerogativas das Cadeiras de Philosophia, nas quaes se explique o Cathecismo e Tractado de João Baptista Say: promettem-se premios aos que estabelecerem outras similhantes Cadeiras sem ordenados: mandão-se preferir para o provimento dos cargos publicos, ou para adiantamento dos já empregados, os Cidadãos que tiverem aquelles conhecimentos: e determina-se que, passados dons annos da publicação do Decreto, nenhum Estudante seja admittido á Matricula da Universidade, e nenhum Bacharel possa obter Carta de Formatura sem que facão Exame de Economia Politica.

Pouco tempo depois de apresentado este projecto, remetteo o Corregedor de Portalegre Antonio Joaquim de Gouvêa Pinto, outro projecto de ensino publico nas Cadeiras de Economia Politica, que para esse fim lhe apresentara Manoel de Almeida, Prior da Freguezia da Magdalena daquella Cidade.

O Auctor deste novo projecto pertende a creação de numa Cadeira desta Sciencia na Cidade de Portalegre, e a sua nomeação em Professor della por huma Portaria do Governo; mostra os inconvenientes, que se podem seguir de se adoptar para compendio a obra de Say: e expõe o plano que tem formado para este ensino, e o indiculo das materias que nos seus quadernos ha de explicar aos discipulos.

Ultimamente João Rodrigues Fafes Giraldes, morador nesta Capital, offerece-se para abrir huma Cadeira de Economia Politica, na qual ensinará o Cathecismo e Tractado de Say, huma vez que este Congresso lhe conceda licença, e huma ajuda de custo.

A Commissão, depois de ter examinado estes diversos projectos, e louvado a boa intenção dos seus Auctores, julga que deve reduzir o seu parecer aos artigos seguintes:

1.° A creação de Cadeiras para o ensino da Economia Politica não póde deixar de ser muito util para Portugal, assim como o tem sido em outras Nações civilizadas da Europa.

2.° Mas a mesma novidade desta Sciencia entre nós, e a falta de meios que ha para se conhecer a habilidade das pessoas que se houverem de destinar a este ensino, fazem com que o Congresso deva ser muito circunspecto na licença para o estabelecimento destas Cadeiras; pois que tal haverá que limite os seus conhecimentos nesta Sciencia de Economia Politica á lição da obra de Say, que por varias causas he pouco propria para o ensino della; e tal que, entregue a van theorias, e a principios demasiadamente geraes, os queira applicar indistinctamente ao nosso paiz, sem dar a attenção conveniente á situação em que nos achamos.

3.° Pela mesma ratão não parece proprio este estudo das primeiras idades, mas sim de pessoas já adiantadas em vigor de juizo, ou applicadas aos diversos destinos, que tanto dependem da boa applicação dos principios daquella Sciencia; donde se conclue que a Cadeira de Economia Politica, não deve servir de preparatorio para os estudos maiores da Universidade, mas deve ser estabelecida na mesma Universidade, para utilidade dos Estudantes mais adiantados das diversas Faculdades.

4.° Em táes circunstancias, não podendo a Commissão ainda saber o que se possa esperar dos que se propõe a errar estas Cadeiras, representa ao Congresso, que será muito util annunciar ao Publico o grande desejo que tem de animar o estudo de Economia Politica; e que por isso convida a todos os que se julgarem habeis para este Magisterio, a que escrevão na Lingua Portugueza hum Compendio, que sirva para uso das suas Aulas, ou este seja composição original delles, ou traducção, ou resumo de outros Compendios escriptos nas Linguas Estrangeiras, com as illustrações e appllicações convenientes ao estado publico da nossa Nação. Taes Compendios devem ser offerecidos por seus Auctores a esta Commissão, e logo que sejão approvados por ella, poderão elles abrir as suas Cadeiras, depois de habilitados com os documentos que se exigem dos outros Professores, recebendo dos seus discipulos o honorario que convencionarem; e os que mais se distinguirem neste ensino particular, deverão depois ser preferidos para reger as Cadeiras, que se houverem de estabelecer na Universidade de Coimbra, e em algumas Cidades mais notaveis do Reyno.

Salla das Cortes 23 de Março de 1821. - Francisco Manoel Trigoso d'Aragão Morato - Joaquim Pereira Annes de Carvalho - João Vicente Pimentel Maldonado - Manoel Antonio de Carvalho - Francisco Xavier Monteiro - Manoel Martins do Couto.

E em todos se resolveo conforme ao Parecer da Commissão.

O senhor Bettencourt, por parte da Commissão de Agricultura, leo o seguinte:

PARECER.

O Corregedor da Comarca de Avis, Manoel Fer-

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reira Tavares Salvador, faz huma exposição, que já remettêra ao antigo Governo, em 20 de Agosto de 1818, sobre a Agricultura de Coruche, e Benavente, que são as duas serras de maior lavoura daquella Comarca. Ella foi mandada ao Superintendente da Agricultura, o qual incumbio que respondesse o Juiz de Fora da Villa de Benavente, ouvida a Comera, e os Lavradores mais intelligentes. Destas multiplicadas informações resulta o seguinte relatorio.

Os campos de Coruche e Benavente são os mais fecundos deste Reyno na producção de trigo, e outros cereaes; as inundações do Tejo, e mais ainda da Ribeira que os atravessa, os fazem excessivamente productores; porém tal he a ordem da natureza, que o mal tem a sua origem naquillo mesmo que faz o bem.

Se as inundações beneficião estes campos, e cada hynverno vão supprir-lhe as perdas, que lhes causa a continua vegetação das sementeiras, as mesmas inundações reduzidas acorrentes arrebatão grande parte das terras productivas, convertem em alborções huuma porção do terreno cultivavel, e ordinariamente affogão as sementes, e sementeiras, e a um dos campos de mais prodigiosa producção, vem a causar a fome, e a desolação do Cultivador. São tão consideraveis estes damnos, que se póde affoutamente prognosticar, que antes de meio seculo deixará de existir Benavente, se alguma providencia de primeira ordem não sustentar a sua conservação; e visto que os seus habitantes vivem exclusivamente da Agricultura, e que para a manutenção desta não ha outro meio senão a obra, que se propõe; he demonstrada a sua utilidade, ou antes necessidade, e quanto he digno este objecto da prompta, e paternal consideração do Soberano Congresso, para não ser inutil o remedio pela demora da applicação. Na verdade estes males, ainda que produzidos pela ordem irresistivel da natureza, são remediaveis pela maior parte; as mãos dos homens bem applicadas, terá derigido, e até obrigado grandes forças physicas dos entes. Os Elementos, que hum momento podem mudar a face da terra, vem muitas vezes quebrar a sua furia diante das obras dos homens, dirigidas peio sublime pensamento; de maneira que se bem considerarmos o Globo, que habitamos, podemos sem temeridade affirmar, que dos trabalhos dos homens he que elle tem recebido grande parte das alterações que a sua superficie nos apresenta.

Se pois se applicar alguma força a melhorar aquelles campos, ha de conseguir-se o fim que se pertende. O projecto consiste em abrir huma Valla, ou Rio novo unicamente da extensão de legoa e mea Portugueza, que dá com pouca differença em 2250 varas de Vallador. Parece sufficiente tanto para a navegação, como para o despejo das inundações, que se pertendem evitar huma Valla de 40 palmos de bocca, e 15 de fundo; porque este crescendo na sua ametade com a terra, que se tira, e que faz dos lados dous fortissimos vallados, vem a ser consideravel, e em muitos sitios já cavados pelas agoas este trabalho está meio feito. He alem disso preciso construir huma ponte no sitio chamado do Pego da Pontinha, a qual basta que tenha tres arcos, e só hum maior para facilitar o transito das Embarcações; póde aproveitar-se hum que existe no sitio indicado, assim como a pedra de huma boa parte da ponte chamada Nova que já he inutil, e muito mais o fica, mudada a corrente do rio; de modo que a construcção da ponte he obra de pouca despesa.

A Commissão de Agricultura vê com prazer inexplicavel, que o santo amor da Patria lavra em todos os corações Portuguezes; que os homens illustrados vem derramar as suas luzes no meio deste Soberano Congresso, onde esperão que sejão acolhidas, e reforçadas como hum foco, para tornarem a diffundir-se mais brilhantes em todo o Reyno. Ella não pedia deixar de estimar, e receber hum Projecto, que tende tão visivelmente a melhorar a sorte de huma Comarca inteira, e do Publico, porque produz tres vantagens importantíssimas. 1.ª Desecar as agoas putridas de alguns paúes, cujos miasmas pesliferos derramão (assim como de todos os outros) as doenças, e a morte por todas as Povoações visinhas; só por esse lado da saude Publica se deverião emprehender similhantes obras. Na resposta dada pelo Juiz de Fora de Benavente, se acha a triste relação seguinte: no anno de 1818 nascerão naquella Villa 99 Pessoas, e morrerão 152 - em 1819 nascerão 92, e morrerão 166 - em Abril de 1820 (data da resposta) já a proporção dos mortos era maior que nos annos antecedentes; de maneira que, a não ser renovada constantemenre a população da Villa por homens que vem annualmente das Provincias do Norte, ella ou teria acabado, ou estaria proxima á sua total ruína. Igual, e fatal sorte tinha Salvaterra antes da abertura, e fabrico do Paul de Magos, e extincção da lagoa da Donzella, e que agora por similhante beneficio se augmenta em população, e producção de cereaes, nascendo em 1819, 108 - e morrendo 47 - sendo Salvaterra mea povoação de Benevante.

2.ª Augmentar consideravelmente a quantidade dos grãos cereaes; estes campos são muito pingues, e extensos, e a sua producção excellente, porque são de continuo beneficiados pelos agentes mais poderosos da vegetação. Compare-se huma Lavoura das boas terras productivas dos altos, como os de Aviz, ou de Fronteira, com outra das Varzeas de Coruche, de Benavente, ou da Ribeira do Lado, e vêr-se-ha que estas produzem cem moyos de trigo em huma extensão de terra 50 vezes mais pequena que a dos altos. Que será nas terras de inferior qualidade, como são a maior parte?

3.ª A terceira vantagem he tornar navegavel num canal pelo interior do Paiz, até duradouro; o que não só he de summo proveito para os moradores, e para os donos dos predios, mas para os Habitantes da Capital, porque mais facilmente ahi se levarão genero da primeira necessidade, especialmente grãos, carrão, e lenha; de maneira que esta importante obra, vem a interessar igualmente a saude dos Povos, a Agricultura, e o Commercio interior do Reyno.

Ambos os Auctores concordão, em que a obra he pouco difficil, porque não ha pedra alguma que cor-

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tar; todo o trabalho ha de ser exercitado em terras macias, não ha precisão de outros materiaes, alem de estaca, e de multo, e deste se aproveitaria muito na limpeza dos terrenos; não ha necessidade de preparar ferramentas, nem machinas, porque os Valladores, e Cavadores as costumão trazer para o serviço. Em quanto á despesa, o Auctor da primeira exposição julga que cinco contos de reis annuaes bastão para sustentar 40 trabalhadores por dia em todo o decurso de hum anno, e que estes sendo bem dirigidos, acabarião a outra em poucos annos, e que esta conta he justamente em quanto importaria huma decima extraordinaria imposta naquellas Villas. Mas o Juiz de Fora, na sua resposta, julga com toda a rasão, que aquelle arbitrio era desigual, insufficiente, e que não theoria a produzir os 5 contos annuaes; lembra em consequencia outros meios, e particularmente hum grande recurso suggerido pela Camera, e Lavradores, e he o seguinte:

Ha hum Soberal denominado a Matta da Agarrocheira, situado nos districtos de Salvaterra, e de Benavente, e na parte em que existe nos limites desta Villa, horda as terras da varzea. O terreno desta parte faz hoje hum todo com parte das cabeceiras de cada huma das courellas da mesma varzea. O uso dos pastos destas cabeceiras causava continuas rixas entre os Proprietarios, ou Rendeiros das Courellas, entre si, ou ainda com os de Salvalerra; e para as evitarem, de cada huma destas pequenas partes formarão os Lavradores hum todo aggregado, que ficasse servindo de pastos communs, fazendo garante desta transacção a Camera de Benavente, encarregada por isso de vigiar sobre a conservação do Soberal, e execução deste contracto, cujo titulo existe no Cartorio da Camera.

Hum desbaste nesta matta, ainda moderado, e que sómente sirva de limpeza, dará muito bem a somma de 12 a 15 contos de reis, os quaes juntos ao Capital, formado pelos outros pequenos arbitrios, farão hum total sufficiente para toda a obra, que deste modo vem a concluir-se com grande utilidade, e sem grave incommodo dos concorrentes.

A Commissão approva plenamente a obra, e o recurso ultimamente apontado, mas he de voto, que esta empreza, assim como todas as que pertencerem a districtos particulares, devem ser fiscalizadas pelas Cameras; porque sendo as vantagens, e as despesas por conta dos Povos, que ellas representão, pertence-lhes examinar se são executadas como convem. Alem disso comecemos a dar-lhes aquella liberdade, e o gráo de consideração que a Constituição ha de affiançar-lhes em hum Povo livre.

Em consequencia a Commissão he de parecer que se remettão á Regencia as Memorias inclusas, e este Relatorio, para que mandando examinar a obra, e ouvidas as Cameras interessadas, de as providencias que julgar mais conducentes para este fim; entre as quaes seria a principal mandar dar algum dinheiro do Cofre do Terreiro Publico. O que com tudo a Commissão não propõe senão como hum arbitrio, porque toda a execução se deixa inteiramente á prudencia, e sabedoria da Regencia. Lisboa 23 de Março de 1812. - Francisco Soares Franco - Antonio Lobo de Barbosa Teixeira Gyrão - Francisco Antonio d'Almeida Moraes Peçanha - Bento Pereira do Carmo - José Carlos Coelho Carneiro Pacheco - Pedro José Lopes d'Almeida - Francisco de Lemos Bettencourt.

Foi approvado, declarando-se juntamente que a Regencia de os devidos louvores ao Corregedor Manoel Ferreira Tavares Salvador, e ao Juiz de Fora de Benavente.

Fez-se chamada nominal, e achou-se faltarem os senhores Povoas - Ferreira de Sousa = Antonio Pereira = Brotero = Vanzeller = Baeta = Brandão - Guerreiro = Correa Seabra = Rebello = Madeira Torres = Manoel Paes = Fernandes Thomaz = e estarem presentes 81 dos senhores Deputados.

O senhor Alves do Rio, por parte das Commissões reunidas de Commercio e de Fazenda, apresentou o Projecto de Decreto, que hade substituir o artigo 2.° do de Fazenda, e Encontros das Dividas do Thesouro, conforme lhe fora encarregado. Seguio-se discussão, e disse:

O senhor Moura. - Peço que o Senhor Secretario lea segunda vez o artigo deste Projecto emendado pelas duas Commissões reunidas de Commercio e de Fazenda. - (Leo o Senhor Secretario) Collijo por tanto, que contra o decidido neste Congresso n'huma das Sessões passadas, decidirão, ou julgarão as duas Commissões, que os titulos de Credito não fossem recebidos nestas arrematações pelo seu valor nominal, e representativo, mas por outro Valor, que nem mesmo he o seu valor real, e corrente. - Será ousadia em mim combater a opinião das duas Commissões, e maior será a de faltar n'huma materia já tão profundamente tratada, e quasi exhaurida; mas parece-me que ainda resta hum lado por onde ella póde ser considerada. Peço indulgente attenção. - Concluida a execução fiscal pela adjudicação dos bens á Fazenda, na falta de Comprador, indica o §. 2.º deste projecto, que se proceda em huma segunda operação, que consiste era se arrematarem de novo estes bens, recebendo-se em preço desta arremação os Creditos, em que o Estado he Devedor. He pois o Estado quem faz nesta arrematarão as vezes de Vendedor, e alem disto se propõe pagar a quem deve; pois encontra no preço da venda, que faz, aquillo que deve ao Comprador. Bem está. - Cumpre attender a que esta segunda operação de nenhuma sorte se encaminha a utilizar a Receita do Erario, mas sim a inspirar confiança ao Credor do Estado, e a consolidar o Credito Publico. O Estado Vendedor, e Devedor propõe este encontro ao seu Credor, o Comprador, e nesta proposta lhe diz: "Eu não só estou vendendo aquillo que he meu, mas estou pagando aquillo que devo. Reconheci a divida publica nas Bases da Constituição, e este he o primeiro passo que me proponho dar no empenho de amortizar esta divida." O mais importante objecto desta segunda operação he por tanto pagar huma divida. Se o Estado vendesse tão somente, e não pagasse, lá se

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poderia tachar de pouco acerto, que em preço de venda recebesse papeis de Crédito, sem attender ao teu valor vendavel, e corrente; pois seria o mesmo que dizer "recebo por vinte o que só me vale dez." - Mas o Estado quando faz esta venda não faz sómente a figura de Vendedor, faz a figura de Devedor, que está n'hum Tribunal publico convidando seus Credores para lhe pagar. Onde está pois a boa fé de hum Devedor, que quer adquirir Credito pagando, e que diz ao seu Credor? Eu quero pagar a minha divida, e aqui te chamo para isso; mas heide lucrar o agio, que resulta do descredito em que tem incomido os titulos da minha divida. He certamente hum bello modo de adquirir Credito, erigiu o descredito em systema, e ratificallo em publico! - Lembro-me que em Agosto passado se tratou esta mesma questão nas Cortes de Hespanha, se bem que para ninguem foi questão que os titulos de Credito devessem ser recebidos pelo seu valor nominal, e representativo; apenas houve hum Deputado, que o perguntou ao Conde de Toreno, que era da Commissão da Fazenda, e o Illustre Conde lhe respondeo: "He claro que os Vales Reaes nestas arrematações devem ser recebidos pelo seu valor nominal e representativo; porque o contrario seria declarar huma banca-rota. E o Ministro da Fazenda, que estava presente disse. "He isso tão claro, que o mesmo Carlos 4.º quando n'huma Cedula declarou o desconto dos Vales Reaes a 6 por cento, exceptuou o caso de se pagar com elles os bens Nacionaes; porque então se receberão pelo seu valor representativo sem desconto." Qual será por tanto a rasão, por que não havemos nós de fazer o mesmo? Os bens adjudicados, que vendemos não são bens Nacionaes? o Titulo, que recebemos em preço delles não he divida nossa garantida, e declarada inviolavel? Quando propomos este encontro não propomos hum pagamento? E se queremos pagar para adquirir Credito, o primeiro passo que damos he não pagar por inteiro! Que contradicção! Alem de que; se no preço desta arrematarão admittimos os titulos de Credito Publico só no seu valor vendavel, e corrente na praça, ou com o desconto que tiverem nesse dia, qual he a vantagem que o Estado, no seu empenho de adquirir Credito, offerece ao seu Credor? He por ventura receber o titulo da sua divida no mesmo valor que elle tem na praça do desconto? Esse mesmo valor póde elle hir receber, quando quizer, em especies metallicas. Não ha por tanto pagamento da divida, e como hade haver Credito? - Vejo que as duas Commissões agora não dão aos Titulos, nem todo o seu valor nominal, nem todo o real; e nisto considero huma operação habil, mas não justa. Esforção-se os respeitaveis Membros das duas Commissões por accordar os interesses do Erario com os deveres que impõe a justiça; mas se conseguem mais ou menos o primeiro defino, affastão-se ainda do segundo, quando este he o principio que nestas occurrencias devem ter em vista. Concluo pois, que se deve dar aos Titulos de Credito nestas arrematações todo o valor nominal, e representativo, que esta Decisão longe de causar descredito ao Congresso, como ouvi outro dia dizer a hum respeitavel Deputado, antes honra, e acredita a justiça de seus principios.

O senhor Vaz Velho. - Peço a palavra para dizer os meus sentimentos; e posto que bem persuadido de que não poderei desvanecei as especulações commerciaes para que se tem fugido, com tudo he do meu dever o manifestar a minha opinião. A minha justiça, Senhores, (chamo minha a justiça, porque julgo não ser a de muitos dos senhores Preopinantes) e a que tenho aprendido ensina-me: que o devedor deve pagar ao credor tanto, quanto lhe deve, e que o contrario he faltar a justiça. Para sanctificarmos este principo de eterna verdade, o sancrionamos nas Bases de Constituição, a qual reconhece a divida publica, para fazer o seu devido pagamento. Supposto este artigo Constitucional, todos os credores do Erario, que tinhão na sua mão titulas de credito, de qualquer qualidade que elles sejão, se julgarão desde logo com tanto credito, quanto elles representarão no seu valor nominal. Dizer-se porem agora aos credores, que se lhes hão de receber os titulos com desconto; he o mesmo do que annunciar-se que se lhes ha de pagar menos do que se lhes deve, e por consequencia que se lhes não fará huma inteira justiça.

Tenho ouvido dizer: que esta especulação (sempre pouco digna do Thesouro publico) de se receberem os outros titulos pelo valor do papel moeda, com o rebate do dia de arrematação, he para maior facilidade, e para se evitar a concorrencia dos titulos de infima especie; mas eu confesso que não percebo como estes motivos possão desfazer o fundamento da injustiça, pois que na maior facilidade, ou menos concorrencia não se augmenta o preço e valor dos titulos para se indemnizar o rebate, com que se recebem.

Diz-se tambem que não he injustiça, porque não se obriga a ninguem, e só he para quem livremente quizer encontrar os seus titulos. Respondo que ella mesma razão dão os usurarios; mas com tudo ainda irriguem levou em conta similhante rasão para se justificarem as usuras. Assim tambem a liberdade dos credores não he bastante para justificar a pouca justiça do Thesouro publico, pois que elle constitue os devedores, que tem titulos daquella natureza na triste necessidade de os encontrarem da forma que elle quer, porque do contrario ou tarde, ou difficultosamente se verão embolsados do seu valor.

Digo logo, em consequencia a: que os titulos de qualquer especie devem ser recebidos pelo valor que representão, de contrario nem se administra a justiça, que desejamos, nem o Thesouro publico restabelece o credito que tem perdido.

Devo explicar o que tenho dicto, eu não chamei usurario ao Erario, trouxe sim a comparação da usura, e appliquei-a a injustiça, porque em ambas se dá identidade de rasão. - Desfazendo agora a objecção, com que o Illustre Preopinante pertende atacar a minha, opinião, e digo que se dá huma grande rasão de differença entre a graduação de credores, pala que huns depois de outros cobrem a sua divida; e da quasi ou inteira necessidade, em que se vem os credores de encontrarem os seus titulos com o rebate

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correspondente ao de papel moeda. Porque nesta segunda hypothese se inculca ser aquelle o modo possivel, porque os credores que tem certos títulos de credito, possão haver os seus creditos.

O senhor Serpa Machado. - Admittido o artigo na forma da relação feita pelas duas Commissões estamos exactamente reduzidos a encontrar nas segundas arrematações os differentes creditos pelo seu valor real, e não pelo nominal como se tinha concordado. E então a segunda arrematação vem a ser inutil e escusada; a primeira era bastante recebendo o Thesouro em preço estes differentes creditos pelo que valem, e não pelo que representão. Porém se o desconto dos differentes creditos vem a equiparar-se facticiamente ao do papel moeda, desconto muito inferior ao que tem os creditos da intima especie, sempre estes vem a preferir por ficarem valendo mais do que custarão, de aquillo porque correm. O Lançador que offerece 120 mil réis em papel moeda, sendo o desconto de vinte por cento offerece tanto como o outro Lançador que lançou cera em moeda metalica; por tanto a operação que ha de fazer-se na segunda arrematação melhor he fazer-se na primeira; e não se multiplicarem por outra maneira entidades desnecessarias.

O senhor Peixoto. - Quando esta questão, depois de decidida, se discutio de novo; fui de voto, que o artigo passasse tal qual o apresentou o Illustre Membro Senhor Brito: e não tendo nós ora mudado de opinião, darei algumas rasões da minha convicção.

1.ª A Fazenda Publica não tem prejuízo em receber os títulos de divida pelo valor nominal; porque se elles hão de concorrer pelo seu valor corrente nas arrematações, de que o Artigo trata, e tem, hum desconto sabido; os licitantes não deixavão de examina-lo, para regularem por elle os seus lanços na Praça; de maneira, que os bens arrematadas subirão ao maior preço; sem que o Presidente do leilão fazendo o improprio papel de Rebatedor, se exponha á suspeita de arbitrariedade; e exponha o Thesouro Publico á indecencia de descontar, e pagar por menos, do que representão os titulos de que se constituio devedor; confessando assim o seu proprio descredito.

2.ª Propondo-se o Thesouro na segunda arrematação a remir a maior quantia possivel, e a restabelecer o seu credito; deverá acceitar sem distincção todos os titulos da sua divida, preferindo sómente o maior lanço; por ser esse o que lhe dá maior quantia, e maior credito; em quanto reanima os credores dos titulos, que ao tempo da arrematação se achão em decadencia.

3.ª A não se admittirem os titulos sem mais distincção, do que a dá maior representação nominal; seria inutil a segunda arrematação; porque reputando-se feita a dinheiro; não haveria inconveniente em proseguir na originaria, acceitando-se o maior lanço, ainda abaixo da louvação dos bens com o abatimento da 3.ª parte; e depois de arrematados pela forma ordinaria; abonar-se ao Executado o preço da Adjudicação: e o Presidente do Thesouro, recebendo a quantia, que elles dessem, a empregaria em remir os titulos, que julgasse de ver preferir sem haverem lugar as fraudes, que o methodo proposto offerece na practica.

Quanto á declaração, que no acto da arrematação deveria fazer-se; da especie de moeda, ou de titulo, em que a solução se effectuaria não acho, que envolvesse contradicção alguma com o plano, que se adoptara; antes julgo indispensavel esta declaração. Advirto; que eu não a exigiria ao lançar, e só ao lavrar o auto de arrematação; por ser da essencia desse contracto o concurso do consentimento, cousa determinada, e preço certo; e em especies fluctuantes, e que todos os dias podem variar, só póde conseguir-se esta reunião, designando-se a especie em que ha de fazer-se o pagamento, quando não se effeitue no proprio acto. Desta sorte não podem o licitante, que arrematou (por exemplo) em cedulas do Commissariado, pagar em papel moeda, como em seu proveito talvez faria; se este depois da arrematação decahisse, e aquellas subissem: ao mesmo passo, que ao Thesouro ficará desde logo constando não só a quantia, mas tambem a especie de que se desonerou.

Por tanto não approvo a reforma do Artigo, e ratifico o voto, que expremi desde as piimeiras discuções.

Se o Thesouro na segunda arrematação recebe os titulos descontentados, segundo o seu valor corrente, he claro; que em substancia recebe o equivalente numerario; e em tal caso os possuidores desses titulos, podendo verificallos na loja do Rebatedor, nada approveitão em leva-los ao leilão dos bens confiscados.

Depois de se declarar bastante discutido,

O senhor Vice-Presidente perguntou se o artigo devia passar tal como foi apresentado? Por 58 contra 26 votos se dicidio que sim, e ficou approvado.

Discutio-se, segundo a ordem do dia, o Projecto de Decreto para abolir o Tribunal da Inquisição:

O senhor Secretario Freire leo o Projecto, e logo disse:

O senhor Margiochi. - Senhor Presidente, como eu fui Auctor do Projecto sobre a abolição da Inquisição, sou justo, e a mim proprio me sentenceio: devo eu ser o primeiro que arda nos fogos deste Tribunal. He realmente hum tormento, e gravismo, o referir tantos horrores; e bem que os sabios Deputados deste Augusto Congresso conjeção quaes são os motivos porque deve ser abolido este Tribunal, com tudo he preciso que a Nação veja me os carceres da Inquisição, que veja seus processos, que sinta suas torturas, e que ardão diante de os seus cadafalsos. Darei pois à uma noticia sufficiente deste terrivel Tribunal, extrahida das grandes paginas de sua medonha historia, he esta Relação que nos deve fazer estremecer, e não os preceitos do Divino Legislador da Religião Christan. Horrorizemo-nos pois, mas seja pela ultima vez. Em tudo o que vou a dizer, não me referirei ás Nações Estrangeiras, referir-me-hei só á historia Patuá; e ainda que he verdade, neste caso poderá parecer exagerada. Nenhum. Escriptor, nenhum pensador póde imaginar cruezas que os Inquisidores não imaginassem, e não perpetrassem. Antes do meio do Seculo XVI. o Papa Pau-

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lo III. instituto nestes Reynos por huma Bulla, o Tribunal da Inquisição, e foi este o presente mais funesto que podia fazer aos portuguezes a cholera Celeste. Esta Bulla foi recebida, com agrado pelo Rey D. João III., sem saber que recebia com ella a infamia e desgraça deste Reyno; sem saber que com ella hia destruir a gloria do seu Reynado; sem saber que no futuro se dirá, que este Rey tinha mais piedade nas preocupações do seu entendimento, que no seu coração. O primeiro que teve a desgraça de ser Inquisidor geral, foi hum irmão do Rey, foi o Cardeal Henrique, que tambem foi depois Rey. Approvou este os primeiros estatutos do Tribunal, estatutos que não forão feitos por homens, porque nada tem de humanos. No tempo dos Filippes, o Inquisidor geral D. Francisco de Carvalho reformou os estatutos da Inquisição; quero dizer accrescentou ás barbaridades dos Inquisidores de Hespanha, as Barbaridades dos Inquisidores de Portugal. Nesse tempo realizava-se a fé em idéas atrozes, do mesmo modo que hoje as duas Nações rivalizão sobre ideas liberaes. Nessa mesma dominação dos Filippes, o Inquisidor geral D. Francisco de Castro tambem ainda ampliou a severidade dos estatutos da Inquisição, e desta maneira deslustrou a gloria da sua casa, a gloria adquirida pelos tres Castros. Ultimamente no Reynado do Rey D. José o Cardeal Dom, ainda reformou os estatutos da Inquisição. Estes forão precedidos de hum preambulo, que parece ser feito per hum Philosopho, mas o corpo ainda he de hum Inquisidor. Vejamos agora quaes forão as determinações destes estatutos, e quaes as funções do Tribunal da Inquisição. Era licito a toda pessoa, por mais perversa que fosse, ser denunciante, ou accusador. Toda a pessoa por mais virtuosa que fosse, era subjeita a estas accusações: nem o sexo eximia, nem a idade. As accusações erão recebidas apezar da incoherencia das testemunhas: nada importava que huma testemunha allegasse hum facto acontecido em Coimbra, e outra o mesmo facto acontecido em Lisboa, não se achava incoherencia. Nada importava que se asseverasse que o facto tinha passado hum anno, ou dez annos depois. Parece que se não queria senão ter victimas para atormentar. Admittida a accusação, procedia-se logo á prisão desculpadas, ou dos reos. Hia-se a sua casa; todas as Justiças, toda a força armada era obrigada a executar as ordens da Inquisição: era o preso transportado para as prisões da Inquisição, toda a sua familia era posta fora da casa, a casa ficava trancada, e a familia abandonada á sua sorte. Transportado o preso ás prisões da Inquisição, entrada em huma habitação muito pequena inteiramente escurecida, em hum espaço muitas vezes menor do que aquelle em que se põe os mortos. Alli passava mezes, e annos sem ser perguntado, sem chegar ás mesas dos inquisidores. Quando era perguntado não da para se oppôr á sua accusação, era para addivinhar quem tinhão sido os seus accusadores. Se depois de denunciar por accusadores seus filhos, ou seus pays, seus collegas, seus parentes, todos os seus amigos, seus conhecidos, todas as pessoas do mundo de quem sabia os nomes, assim mesmo não acertava com seus accusadores, em submettido aos tormentos. Estes tormentos erão polés, cavalletes, fenos em braza, e outras cousas que a Arte descreve, e sabe imaginar. Assistião a estes tormentos os Deputados da Inquisição, assistião Facultativos para ver se os desmayos que os atormentados mostravão, erão verdadeiros, ou fingidos: quando lhes parecião verdadeiros davão-lhes confortos para torna-los ávida, por medo de que escapassem as victimas. Quando de pois destes tormentos elles não acertavão senão com parte de seus accusadores, erão classificados de diminutos. Quando acertavão com todos seus accusadores, erão simplesmente condemnados (simplesmente) a gales, e a degredos para presídios. Quando acertavão com parte só, já disse, que erão olhados como diminutos, e sómente erão condemnados a garrote, e depois a serem queimados, e depois a serem suas cinzas deitadas ao Tejo, ou aos males. Ora quando absolutamente não addivinha vão seus accusadores, erão julgados impenitentes, e erão queimados vivos, e suas cinzas espalhadas como disse. Depois destas Sentenças proferidas, entregavão os seus processos ás Relações, aos Tribunaes Civis, e estes, sem exame nenhum, as manda vão executar. A' execução disto chamavão ao Auto da Fé. Para estes Autos da Fé, erão convidados todos os Ministros Estrangeiros para presenciar a infamia, a vergonha, e a desgraça dos Portugueses. Representemo-nos agora a differença que havia desses tempos horrorosos do terror que inspirava a vista, o gesto, e a voz de hum Inquisidor, com as emoções sublimes que nos inspira hoje a vista de hum Amigo da Patria. Representemos esses dias horrorosos dos Autos da Fé, e comparemo-los com os dias 15 de Septembro, e 1.º de Outubro de 1820, em que os Portuguezes se chamavão á liberdade, e á felicidade. A' vista pois do que tenho exposto, parece que o Tribunal da Inquisição juntou em si todas as ferocidades, e as crueldades dos maiores Tyrannos. Vê-se a ferocidade fria de Tiberio, na demora dos carceres: vê-se a ferocidade ardente de Caligula nos fogos, e nos ferros em braza: vê-se a ferocidade imbecil de Claudio no processo da Inquisição; vê-se a ferocidade sem freio, como sem vergonha de Nero, no tormento do potro; vê-se a ferocidade hypocrita de Domiciano, na relaxação que fazião dos seus criminosos ás Justiças Seculares. Mil e quatro centos homens forão assim queimados: mais de 30$000 pessoas forão exterminadas, e desgraçadas; e se juntarmos a isso as familias que ficarão desamparadas, os terrores que devião nascer deste Tribunal, e as molestias, e as mortes consequencia delle, não faremos muito em asseverar que a Inquisição se póde igualar ás maiores calamidades que tem affligido a especie humana; ás maiores catastrophes, incendios, terramotos, devastações, epidemias, guerras, e fomes. Servio pois este Tribunal para seccar os louros de nossa gloria; servio este Tribunal para extinguir o entendimento dos Portuguezes; servio este Tribunal para nos cobrir de vergonha. Os Navegadores que passavão á vista das Costas de Portugal, olhavão para este Paiz como inhospede, como habitado por selvagens ferozes, como para hum paiz que estava fora da civilização Europea: olhavão-no como habitado por homens

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nhecer a humanidade da Nação Portugueza. Torno a dizer que demos hum exemplo de desapprovar o que fizerão os nossos maiores; mas que ao mesmo tempo não criminemos a Nação Portuguesa.

O senhor Peçanha. - N'hum dos Jornaes Portuguezes publicados em Londres fallando-se na eleição dos Deputados para estas Cortes Extraordinárias, entre os quaes se notava hum Inquisidor, dizia o Jornalista que para haver de tudo nas Cortes Portuguezas havia tambem hum Inquisidor para advogar a causa da Inquisição: persuadir-se-hia talvez alguem que neste Augusto Congresso haveria huma unica pessoa que advogasse similhante causa: ora pois saiba a Europa, saiba o Mundo que era tal o espirito da Nação Portugueza que do seio mesmo do Tribunal, que vai hoje ser prescripto, veio para o Congresso hum Deputado que he hum dos mais ardentes defensores dos direitos do homem, e hum dos primeiros que votou pela abolição da inquisição.

O senhor Moura. - A cousa he tão clara, se consideramos as luzes do seculo, e mesmo a rasão natural, que não deve gastar mais tempo a sua discussão: porém como he materia de consideração, peço que se faça annotação nominal. O meu voto he - Detesto a Inquisição desses barbaros tempos do seu estabelecimento, louvo a moderação do Tribunal nestes tempos modernos, e voto pela abolição da Inquisição como inutil. (Apoyado.)

O senhor Soares franco. - Eu voto pela extincção da Inquisição, e que a Commissão da Constituição se encarregue de lavrar o Decreto. (Apoyado.)

O senhor Ferreira Borges. - Eu voto igualmente pela abolição da Inquisição, mas pediria tambem que o 1.° e 2.° Tit. do L.º 5.° da Ord. que falla dos Feitiços, fosse com ella.

O senhor Serpa Machado. - Não me opponho á abolição da Inquisição, porque considerada pelo que foi até o meio do século passado, he hum Instituto barbaro, e considerada pelo que foi depois, e he hoje, he hum instituto inutil: approvo pois todos os artigos deste projecto, e só accrescento que se deve recommendar á Regencia que empregue os Membros deste Tribunal extincto naquelles lugares ou empregos para que forem mais aptos , em consideração ao seu merecimento que não he pequeno, porque tendo sido depositarios de hum poder exorbitante não tem feito delle mão uso. Lembro mais a este Congresso que já que a Inquisição entrou em Portugal com o pretexto da Religião, e da fé; que jamais se consinta outro igual instituto, por mais plausivel que seja o pretexto que o encubra: isto he, que senão substitua a inquisição Religiosa por Inquisição Politica.

Declarou-se o Projecto bastante discutido, e unanimemente se decidio que fosse abolido o Tribunal da Inquisição.

Leo-se por segunda vez o Projecto de Additamento do senhor Ferrão, e depois de discutido, resolveo-se - Que todos os Processos, Livros, e mais papeis pertencentes, ao extincto Tribunal se recolhessem á Bibliotheca Publica, onde serião guardados com cautela. - Que os Processos pendentes serião remettidos ás competentes Auctoridades. - Que se hajão da Regencia as instrucções precisas relativamente aos Empregados naquelle Tribunal, seus ordenados, e tempo de serviço, não se attendendo de forma alguma aos que fossem providos do dia 24 de Agosto ultimo em diante. - Que tambem se haja da Regencia huma relação circunstanciada dos bens, e rendimentos, de qualquer qualidade que sejão, que pertencessem ao Santo Officio, declarando a sua situação, e origem. - E que se lhe recommende que desde já se ponhão em effectiva, e conveniente arrecadação os mesmos bens, e rendimentos pelo Thesouro Publico. - Resolvendo-se mais, que nesta conformidade volte o mesmo Projecto, e seu Additamento ás Commissões reunidas Ecclesiastica, e de Legislação, para com urgencia redigirem o respectivo Decreto.

O senhor Vice-Presidente hia a determinar a Ordem do dia, e disse:

O senhor Pereira do Carmo. - Esta augusta Assemblea tem tomado medidas, e sanccionado Decretos para alliviar alguns dos males que pesão sobre a Nação em geral, taes como o da extincção de Coutadas, de Candelárias, de Direitos Banaes, e serviços pesçoaes, etc. mas esta augusta Assemblea ainda não tomou em consideração o patriotismo, zelo, e firmeza de character dos Habitantes desta heroica Cidade. Por tanto peço que entre na Ordem do dia o Projecto que restitue aos Habitantes de Lisboa as liberdades, franquezas, e isempções do seu Foral, e que seja publicado o Decreto no dia em que se jurarem as Bases da Constituição. Foi apoyado, e adiou-se para a Sessão seguinte.

O senhor Vice-Presidente propoz, que se designasse Sessão para as novas Eleições, por estar findo o mez. Resolveo-se que não se carecia de Sessão extraordinaria, e que as Eleições se farião na mesma Sessão do dia 26, prolongando-a pelo tempo necessario.

Determinou-se para a Ordem do dia da Sessão seguinte a que já estava designada na Sessão antecedente.

Levantou o senhor Vice-Presidente a Sessão á hora do costume. - Francisco Barroso Pereira, no impedimento do Primeiro Secretario.

AVISOS.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Tendo sido presente às Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portuguesa a Petição junta de Ignacio dos Santos Pereira da Costa, em que pede dispensa de idade para ser admittido á matricula, e depois ao Acto do 1.º anno de Mathematica na Academia da Marinha, pois que lendo-o frequentado como Voluntario desde Outubro passado, e tendo requerido a mesma dispensa de idade á Junta Provisional do Governo Supremo, se lhe extraviou o Requerimento já depois de informado pelo respectivo Lente; Mandão as Cortes re-

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metter a mesma Petição á Regencia do Reyno, para que achando verdadeira a exposição do Supplicante lhe defira em conformidade do pedido. O que V. Exa. fará presente na Regencia do Reyno paia que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 24 de Março de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, tendo tomado em consideração o Requerimento incluso de Jacyntho Feliz da Sylva, o qual pertende abrir huma Caceira de Lingua Franceza dentro do Hospital de S. José para utilidade dos que alli frequentão o Curso de Cirurgia, não exigindo algum ordenado, e sómente recebendo a pensão que seus Discípulos voluntariamente lhe derem; Confirmando-se com o parecer da Commissão de Instrucção Publica, Approvão o referido estabelecimento com tanto, que preceda a competente habilitação do Supplicante para o ensino publico pelo expediente da Junta da Directoria Geral dos Estudos, e a Licença necessaria do Enfermeiro Mór do Hospital a quem ficará subjeito no que pertence ao exercicio da sua Aula. O que V. Exa. fará presente na Regencia do Reyno para sua inteligencia, e execução.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 24 de Março de 1821. = João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Determinão, que a Regencia do Reyno remetta a este Soberano Congresso huma relação dos Ministros, e Empregados que acabão de ser da extincta Inquisição, seus ordenados, e annos de serviço; assim como dos bens, e rendimentos que pertencião ao mesmo Tribunal, com declaração de sua situação, e origem: O que V. Exa. fará presente na Regencia, para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 24 de Março de 1821. = João Baptista Felgueiras.

OFFICIO.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Em conformidade do Aviso que V. Exa. hontem me dirigio para a remessa da Relação dos Empregados na Bibliotheca Publica, tenho a honra de remette-la hoje, para ser presente nas Cortes Geraes e Extraordinarias: e posto que não se me pedisse o orçamento da Despesa annual para Jornaes, Livros, e mais gastos da Bibliotheca, estabelecida pelo Decreto de 30 de Dezembro de 1801; tenho igualmente a honra de enviallo a V. Exa. para conhecimento das mesmas Cortes, o qual importa na quantia de reis 1:600$000 por anno.

Deos Guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 23 de Março de 1821. - Illmo. e Exmo. Senhor João Baptista Felgueiras - Francisco Duarte Coelho.

Errata.

No Decreto que vai lançado no Diario N.° 36, a paginas 283 onde se lê = José Antonio da Moita = deve ler-se - João Antonio da Moita.

No Diario N.° 41 , pag. 341 column. 1.ª lê-se o seguinte - Quando D. João 1.° disse a João das Regras" visto que o Reyno está dividido, dá á vontade, fazer grandes Doações" disse tambem" Depois ellas se rescindirão" D. João 2.° fez muitas Doações, muitas cellas forão revogadas, porque for ao dadas com muita liberalidade. = Este artigo está muito alterado, e deve ler-se da maneira seguinte. - Quando D. João 1.° foi eleito Rey nas Cortes de Coimbra, disse-lhe o Doutor João das Regras" Prometter, Senhor, e dai á vontade, porque o Reyno está em grande parte em poder do inimigo, e he preciso conquistallo: se formos felizes, depois se achará meio de rescindir estas Doações." Este meio foi a Ley Mental. - O Senhor D. João 2.° extinguio igualmente muitas Doações, que o Senhor D. Affonso 5.° tinha feito com demasiada liberalidade, talvez em rasão das grandes guerras em que se empenhou.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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