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Relação dos summarios e devassa que se remedem ao Governo com ordem da data desta.

Um summario de testemunhas sobre os partidos que tem havido na ilha de S. Thomé com as pessoas que devem governar, e prisão do capitão mór governador da mesma ilha.
Um summario sobre a representação do procurador da camara daquella ilha, que serve de juiz do povo, ácerca do descaminho da conducta de José Manoel Ferreira.
Um summario a que mandou proceder o provedor interino da fazenda da mesma ilha sobre o descaminho das cartas do correio maritimo, que ião de Lisboa na sumaca Perola.
Um sumario a que por occasião de extravio de direitos mandou proceder o dito procurador.
Uma devassa a que mandou proceder o juiz nomeado pelo governo provisorio, Manoel dos Santos, sobre os procedimentos do capitão mor Duarte José da Silva.
Secretaria das Cortes, em 26 de Junho de 1822. - Joaquim Guilherme da Costa Posser.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excelentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza concedem a João Daniel Ebingre a licença que requereu ao soberano Congresso para fazer citar o illustre Deputado em Cortes Alvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Povoas, sobre certa questão judicial, relativa á renda da casa da sua habitação. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exc.ª Paço das Cortes em 26 de Junho de 1822. - João Baptista Felgueiras.
Redactor - Velho.

SESSÃO DE 27 DE JUNHO.

ABERTA a sessão pelo Sr. Gouvêa Durão, Presidente, á hora determinada, leu o Sr. Secretario Peixoto a acta da sessão antecedente e foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta da correspondencia, e expediente na fórma que se segue.
De um officio do Ministro dos negocios do reino em data de 26 deste mez, transmittindo a informação do governador da relação e casa do Porto em data de 21 deste mesmo mez, ácerca do cumprimento que tem tido as ordens das Cortes de 14 de Maio, e de 17 de Julho de 1821, para ficar franca a navegação do Douro, extinctas as matriculas dos arraes, para cuja informação o governador dirigiu cartas do officio á junta da administração da companhia do Alto Douro, e aos corregedores das comarcas de Villa Real, e Lamego, e envia as respostas, que lhe forão remettidas: determinou-se, que tudo passasse á Commissão de agricultura.
De um officio do Ministro da guerra em data de 22 do corrente mez, informando as Cortes de se haverem passado as ordens competentes, a fim de se realizarem os offerecimentos feitos a bem da divida publica, e da fazenda, pelo provedor da comarca de Thomar Francisco Fernando de Almeida Madeira, pelo escrivão da camara da villa de Ourem José Manoel Pereira da Costa, e pelo escrivão da villa de Monçarás Luiz Ignacio Rasquinho Couceiro.
De outro officio do mesmo Ministro em data de 26 deste mesmo mez, dando parte de se terem expedido iguaes ordens, afim de se verificar o offerecimento feito em beneficio da divida publica por Leandro Antonio Cordeiro, juiz ordinario de villa Boim, comarca de villa Viçosa: as Cortes ficárão inteiradas das participações destes dois officios.
De uma felicitação do corregedor da comarca de Tavira João Nepomuceno Benevides, do provedor é doutor José Mourão, e do presidente, e officiaes da camara daquella cidade, por se haver descoberto a conjuração destinada contra o systema constitucional, e a sagrada pessoa do Senhor D. João VI, e renovão seus votos de adherencia, confiança, e obediencia á Constituição: mandou-se fazer menção honrosa.
De outra felicitação do juiz de fóra presidente, e officiaes da camara de Monforte do Alemtejo pelo mesmo motivo, da qual tambem se determinou se fizesse mensão honrosa.
De uma memoria apresentada pelo juiz de fóra presidente, e officiaes da camara da villa de Alemquer, em gratidão dos incalculaveis beneficios, que vai derramar a providentissima lei de 3 do corrente mez, de que ficárão as Cortes inteiradas.
De outra memoria, pela qual o juiz do povo, e membros da casa dos vinte e quatro da villa de Santarem, protestão conservar a mesma adherencia, e firmeza ao systema politico, que nos rege, e expressão os seus sentimentos de reconhecimento pelos beneficios derivados da lei, que destruiu os direitos bannaes: fez-se mensão honrosa.
Foi ouvida com agrado a felicitação apresentada por José Pessoa de Carvalho de Eça, tenente coronel de milicias da Figueira, por motivo do descobrimento da conjuração, com que homens perversos tentavão contra a soberania nacional, e o paternal governo do Senhor D. João VI.
O juiz de fóra das villas de S. Tiago de Cacem, e Sines, Pedro Joaquim Pereira Derramado, tomando posse daquelle lugar, faz os seus protestos de adherencia ao systema constitucional, e, por não ter outra cousa para offerecer a bom das urgencias do Estado, roga, se lhe aceite as gratificações, que lhe pertencerem pelo serviço de se aprontarem os transportes, em quanto durar o seu emprego naquelle lugar: foi ouvido com agrado, e se determinou, que o Governo fizesse realizar o oferecimento na forma costumada.
Tambem se ouviu com agrado a protestação, que apresentou o juiz do fóra de Thomar Tiago da Silva Albuquerque do Amaral, dos seus sentimentos de obediencia, e voluntaria adherencia ao systema, que nos rege felizmente: e se determinou, que o Governo

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mandasse realizar o offerecimento, que este Ministro faz, pela cessão das suas gratificações pelo serviço de aprontar transportes, tanto o que lhe coubesse no tempo, em que serviu o lugar de juiz de fóra de Mezamfrio, como até se concluir o tempo do lugar de juiz de fóra de Thomar, do qual acaba de tomar posse.
Deu mais conta o Sr. Secretario do seguinte

OFFICIO.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tenho a honra de remetter a V. Excellencia, para ser presente ao soberano Congresso, o officio incluso, e copias que o accompanhão, de Miguel de Arriaga Brum da Silveira, em data de 6 de Janeiro do presente anno, em que dá conta do modo por que fôra festejado em Macáo o feliz regresso de Sua Magestade a este Reino, e juramento que o mesmo Senhor prestára às bases da Constituição. - Deus guarde a V. Exc.ª Palacio de Queluz em 26 de Junho de 1822. - Illustrissimo e Excellenlissimo Senhor João Baptista Felgueiras. - Candido José Xavier.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. -- Tendo hontem de manhã entrado neste porto o brigne Temerario dessa praça, que dahi saíu a 24 de Julho, recebi por elle os Diarios do Governo, e nelles venpo enunciada a fausta noticia de estar Sua Magestade restituido á sua antiga Corte, e ter prestado na sua plausivel entrada da maneira mais solemne e espantosa, o devido juramento às Bases da Constituição com que a sabedoria nacional em competente Congresso ha preparado os vinculos mais solidos da felicidade da Nação, e do Estado, não me demorei um momento em a participar ao governador desta cidade, o brigadeiro José Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, o qual immediatamente fez o annuncio por uma salva de vinte e um tiros na fortaleza do Monte, em quanto convocado o leal Senado para sessão extraordinaria, e á hora possivel reunido, se tomarão interinamente, e até que cheguem as ordens da capital as medidas inscritas nos papeis adjuntos, (letras A, B) unicamente por antecipar a estes habitantes tão interessante successo a que todos teremos que dever no futuro a mais solida prosperidade.
E não occultarei a V. Exc.ª a singular circunstancia de que se fez tão rapida a divulgação da noticia, que já quando saí das casas da camara, tive que ver uma geral illuminação tanto mais espantosa, quanto além de não coordenada se tinha difficultado pela entrada da noite, e demora do ajuntamento dos vogaes o affixar-se o mencionado edital com luz do dia, pondo de acordo os mandarins do estilo pela maneira que mais própria pareceu, attento o melindroso systema desta zelosa nação que comnosco continua na mais perfeita harmonia. O que entendi levar com anticipação ao conhecimento de V. Exc.ª, para o fazer presente a Sua Magestade, aproveitando a participação desta fragata Imperial para Trieste com escala por Gibraltar, de que falei nos meus officios remettidos pelo Golfinho (do mesmo proprietario do Temerario) que daqui havia regressado a 3 do corrente, sem que então, por não haverem ainda chagado nem o Vasco da Gama, nem o Viagante do Rio de Janeiro, me fosse conhecido o exercicio de V. Exc.ª, que equivocadamente os papeis de Calcutá, davão no Brazil, e ahi o Excellentissimo antecessor de V. Exc.ª, que ahi ficou. Permitia porem V. Exc.ª, que desta occasião lance mão para pedir a V. Exc.ª se sirva felicitar por mim a Sua Magestade, e ao soberano Congreso, quando possivel, com a segurança da minha adhesão á causa nacional, como aquella que tanto he digna do disvello dos publicas empregados, seja qual fôr a distancia do lugar em que tem a honra de servir, como eu neste canto do mundo desde vinte annos, não sem decisivas provas da real consideração por mim, que por tudo só me resta desejar a opportunidade de me tornar tanto mais util ao Estado, quanto talvez o possa ser, se quanto tenho expendido a bem da causa publica, escudado pela experiencia de tão longo espaço de tempo, poder um dia ser acolhido por tão sabio ministerio.
A' Illustrissima e Excellentissima pessoa de V. Exc.ª guarde Deus muitos annos. Macáo 6 de Janeiro de 1822. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Joaquim José Monteiro Torres; Miguel de Arriaga Brum da Silveira.

Senão de 5 de Janeiro de 1822. - Letra A.

Disse o Illustrissimo Conselheiro, Miguel d'Arriaga Brum da Silveira: que havendo chegado no dia de hoje obrigue Temerario, da praça de Lisboa, largando dali no dia 24 de Julho do anno passado, recebera por elle diversos impressos, entre os quaes se incluía o Diario do Governo, e nelle a feliz noticia da chegada de Sua Magestade, e sua real Familia ao dito porto, no dia 3 do mesmo mez; sendo recebido como era de esperar da fidelidade propria da Nação portugueza com o regozijo adquado á satisfação de ver outra vez em seu seio tão adorado Soberano; e para que tão grata noticia, que por todos os titulos deve ser recebida com geral applauso, não fosse occulta aos fieis moradores desta cidade, pela certeza da sua adhesão á real coroa, e felicidade nacional, logo pelo Illustrissimo Governador, e capitão geral se fez o correspondente annuncio por uma salva dada na fortaleza do Monte, em quanto por este leal Senado, cuja convocação foi immediatamente resolvida, não se tomassem as precisas medidas, não só para tornar mais publico tão plausivel successo, como para dar graças ao Ente Supremo, por haver assim felicitado a nação inteira. "O que tenho a satisfação de participar a este leal Senado, para deliberar o que tivesse por conforme, accrescentando, que posto não fossem recebidas noticias officiaes, ou ordens atinentes a tal respeito, como cumpre para accessorias declarações relativas á nova ordem das cousas, dictadas pela sabedoria nacional em competente Congresso, a que Sua Magestade houve prestar a sua inteira approvação: com tudo a importancia de uma similhante noticia, e a posse em que se acha este leal Senado de anticipar as suas demonstrações de leal vassalagem, entendia elle referente ser para isso

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mas que sufficiente, o que tem dito sobre a maneira, por que a noticia deve acreditar-se, deixando o de mais para occasião opportuna, como dependente de superiores, e positivas determinações, de esperar á chegada do navio, de vias da capital de Goa, para onde nesta qualidade terão sido expedidas. Resolvido.
- Que haja um triduo de luminarias nas estações publicas, com um Te Deum no fim delle, encarregado o procurador das disposições do estilo, e de ir tratar com Sua Exc.ª Reverendissima o preciso arranjo, e sua acceitação de officiar nesse acto, dizendo-se publica esta noticia por edital afixado na porta deste leal Senado, a pezar de que, como já se contem 5 horas da tarde, não caberá no tempo, o começo em generalidade no dia de hoje; e mas se assentou escrever-se as cartas do estillo em similhantes actos. - Arriaga, Vasconcellos, Pereira, Silveira, Gularte, Lemos, Coimbra. - Eu Carlos José Pereira, cavalleiro professo na ordem de Christo, alferes mór, e escrivão da camara, e fazenda, que o fiz escrever, e subscreví. - Carlos José Pereira.

Edital. - Letra B.

Juizes, vereadores, e procurador do leal Senado da Camara desta cidade, do nome de Deus de Macao na China, por Sua Magestade Fidelissima, que Deus guarde, etc. - Constando a este leal Senado, pelo bergantim hoje chegado de Lisboa, que Sua Magestade havia alí entrado com a sua Real Familia no dia 3 de Julho do anno passado; dando á sua chegada todas as esperadas provas da sua voluntaria, e espontanea approvação ao que a sabedoria nacional havia preparado em competente Congresso, para fazer a felicidade da Nação, e do Estado: logo se convocou em sessão extraordinaria, e nella deliberarão, que em quanto se não davão novas, e competentes demonstrações por tão grata noticia, houvesse já um triduo de luminarias nas estações publicas, começando neste dia, a pezar de estar mui proxima a noute; fazendo-se ao terceiro dia uma acção de graças na igreja cathedral desta cidade às quatro horas da tarde, para cujo acto espera este mesmo leal Senado, que alí se dirijão todos os moradores, a quem fica sendo voluntaria a illuminação, accordada unicamente pela obrigação em que se deve considerar todas as repartições publicas, de provarem a sua devida gratidão. E para que chegue á noticia de todos, se afixou este na porta deste Senado. Macao em sessão de 5 de Janeiro de 1822. - Eu Carlos José Pereira, cavalleiro professo na ordem de Christo, alferes mór, escrivão da camara e fazenda, que o fiz escrever, e subscreví.
- Antonio José de Vasconcellos, Antonio José Gonçalves Pereira, Francisco Antonio Pereira da Silveira, Antonio Gularte da Silveira, Bernardo Gomes de Lemos, Felix Vicente Coimbra. - Eu Carlos José Pereira, cavalleiro professo na ordem de Christo, alferes mór, escrivão da camara e fazenda, que o fiz escrever, e sobscreví. - Carlos José Pereira.
Determinou-se que esta participação fosse ouvida com agrido, que se imprimisse no Diario, e se restituisse ao Governo a carta de officio do ouvidor de Macáo.
Distribuírão-se pelos Senhores Deputados 150 exemplares da conta da receita e despeza do cofre da casa pia da cidade do Porto, remettidos pela Commissão fiscal em carta do officio dirigida ao Sr. Secretario Felgueiras em data de 22 do corrente mez: determinando-se, que fosse á Commissão de fazenda um exemplar, a fim d'ella dar a este respeito o seu parecer.
Concedeu-se a licença de oito dias ao S. Deputado Segurado em deferimento á representação , que fez ácerca de não se achar de todo restabelecido.
O Sr. Deputado Andrada entregou na meza a procuração do Deputado o doutor Francisco de Sousa Moreira, mandado ás Cortes pela provinda do Gram Pará: e foi remettido para a Commissão de poderes.
O Sr. Secretario Soares de Azevedo verificou o numero dos Srs. Deputados presentes, e se achou serem 127; faltando com licença os Srs. Quental, Moraes Pimentel, Ribeiro da Costa, Pereira do Carmo, Sepulveda, Bispo de Beja, Ledo, Borges de Barros, Aguiar Pires, Queiroga, Pinto de Magalhães, Segurado, Faria, Lino Coutinho, Sousa e Almeida, Ribeiro Telles, Silva Corrêa: sem causa reconhecida 2: e são os Srs. Lemos Brandão, Salema.
Tratou-se de ordem do dia: e depois de lido pelo Sr. Secretario Soares de Azevedo o artigo 1.º a respeito do procedimento da junta do governo da provincia de S. Paulo, conforme o parecer da Commissão especial de negocios politicos do Brazil (Vide pag. 400) disse
O Sr. Borges Carneiro: - Sobre duas cousas principalmente foi encarregada de dar o seu parecer a Commissão dos negocios politicos do Brazil, a censura das cartas e procedimentos politicos do Principe Real, e da Junta da S. Paulo, e o regresso do mesmo Principe para Portugal. Quanto á primeira, eu disse na Commissão, que achava diminuto o seu parecer, levei o meu por escrito , li-o, e guardeio para o ler tambem hoje nesta Assembléa, e o propor como um additamento, e he o seguinte: "Que a censura do procedimento do Principe Real se fizesse em uma conclusão, ou artigo do parecer da Commissão, sem bastar fazela no relatorio, e que ao que alí está dito se accrescentasse, que as Cortes estranhão severamente ao Principe o seu comportamento politico; esperão que conhecerá a enormidade das expressões, com que tanto offendeu a Nação portugueza representada nas Cortes, e o precipicio em que máos conselheiros o querem despenhar, aproveitando-se de seus poucos annos; e que só nesta esperança he que lanção o veo sobre tão grave offensa, certas de que S. A. R. cairá em si, e conhecerá que não póde ter nada sem a Nação, e que o seu maior interesse he trabalhar por herdar com a coroa as virtudes de seu augusto Pai." Contem pois o meu additamento duas cousas: primeira que seja a autoridade das Cortes quem note no Principe, e mesmo lhe lance em rosto a enormidade de suas expressões, e geralmente o desacerto de seu comportamento politico, fazendo-lhe
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ver o precipicio em que o despenhão os máos conselheiros de que se deixou rodeiar; segunda, declarar que o esquecimento daquelles erros sómente se lhe promette na esperança do seu arrependimento, e emenda: he um esquecimento condicional; pois estou muito longe de reconhecer no Principe uma inviolabilidade absoluta.
Em verdade (dizia eu na Commissão) seremos nós em tempos constitucionaes mais condescendentes com as desenvolturas de um Principe, do que o erão nossos maiores em tempos não constitucionaes? Então por simplices omissões e desleixos dizião os do seu conselho a um Principe fogoso, e bravo: " Emendai a ontem que levais, e lembraivos que nos sois dado Rei para cuidardes do bom governo do Reino, e dos negocios de vossa obrigação, e não para andardes em caçadas, como agora fizestes .... Levai outro caminho, e senão ..... Senão, disse o Principe," Sim, senão: senão buscaremos Rei que nos governe em justiça, e não deixe de governar seus povos para andar após bestas feras. " Pois es meus me hão de dizer a mim: senão?, a mim senão !!! A vós todalas vezes que fizerdes o que não deveis
" ElRei saiu do conselho, comprimiu por largo tempo a colera, curvou a cabeça ao jugo da razão, e teve em fim aquelles conselheiros por bons servidores.
Aproveitei a occasião de recordar hoje este facto da nossa historia, para que veja o povo portuguez, que a monarquia portugueza he nu sua instituição constitucional, isto he, constituida sobre principio, que sujeitão á censura da razão os monarchas, e que se alguns, destes se tornarão déspotas e absolutos, foi só em tempos modernos, depois que se deixarão rodear de homens máos (como os que agora tem a seu lado o desgraçado Principe Real) os quaes lhes ensinarão a atropellar as leis, e costumes fundamentaes da monarquia, para lhes substituir o absoluto capricho de suas vontades, inculcando da parte dos povos uma cega obrigação, honra, e fidelidade em obedecer aos Reis, e da parte dos Reis nenhuma obrigação, honra, nem fidelidade em governar os povos por aquellas boas leis, e costumes.
Voltando pois ao assumpto, eu chamo a attenção desta soberana assembléa para considerar, que se os conselheiros de D. Afonso IV assim procedi ao com firmeza e vigor por simples ommissões, e desleixamento do Principe em attentar pelos negocios publicos, que farião elles com um Príncipe, que devendo ser o primeiro executor das leis, que havia jurado guardar, e dos protestos de obediencia ao Rei, e lealdade á Nação, que vimos com os nossos proprios olhos escritos na carta de 4 de Outubro do anno passado com o seu proprio sangue, passou desgraçadamente a figurar como chefe de uma facção sediciosa; a contrariar as vontades da Nação, e do Rei; a menoscabar a honra e valor da divisão auxiliadora, que tanto havia cooperado a segurar-lhe o direito á sucoessão da coroa; e por dizer tudo de uma vez, a insultar as Cortes soberanas da Nação, inculcando-as como facciosas, imputando-lhe tenções occultas e criminosas, e fechando a sua carta de 14 de Março passado com esta escolhida chave: " sempre direi nesta o seguinte, porque conto que o original será apresentado ao soberano Congresso: Que honrem as Cortes ao Rei, se quizerem ser honradas e estimadas pela Nação? " Pois que? Ha algum objecto em que as Cortes e a Nação portugueza tenhão sempre estado, e estejão mais empenhadas do que em honrar, amar, e adorar o seu Rei verdadeiramente constitucional, e amavel o Sr. D. João VI? Em nenhuma expressão tanto a meu entender nos offendeu o desaconselhado Principe, como na supposição que aqui fez de nós. Ajuise disso Portugal e a Europa.
Grande he por certo a mancha que em si tem lançado este desgraçado Principe! A expedição que o fóra conduzir á Europa em virtude da sua mesma representação recebida hostilmente por entre morrões acesos, e guarnições a postos; a divisão auxiliadora inculcada como inimigos, não disse tudo, como bandidos e salteadores, que só fazem o bem por medo, e não por honra; guerrilhas brazileiras levantadas contra seus proprios irmãos; impedida, ao menos indirectamente, a vinda para este Congresso dos Deputados que a elle enviava Minas Geraes, Africa, e Asia, talvez impedida a eleição de novos Deputados em Minis, e comprimidos os esforços do partido constitucional; as leis deste soberano Congresso detidas na chancellaria mór do Rio de Janeiro, e sujeitas á approvação ou desapprovação do Principe; emissarios seductores enviados a diversas provincias brazilienses.. . ah! Srs., apartemos avista de tão horroroso quadro!! E querem-se cohonestar tantos horrores com a mascara da vontade dos povos? Qual foi ella desde o principio nessas tres provincias sobre que o Principe pretende estender uma autoridade usurpada. S. Paulo, Minas Geraes, Rio de Janeiro? Vejamos o que ellas jurárão no acto de installarem seus governos provisorios, ou de adherirem ao novo systema (Leu). Esta he que foi a expontanea vontade dos povos, em quanto homens facciosos e aristocratas os não alucinárão, e comprimírão. Desde então adquiriu este soberano Congresso mais a obrigação que o direito de legislar para aqueles povos, quero dizer, de prover pelo seu bem e felicidade; e os povos contrairão e jurarão a obrigação de lhe obedecer. Não ficou já dependendo dos Deputados seus representantes contrariar aquella vontade, e juramento: o artigo 2l das bases permittia aquelles povos aceitar as condições do novo pacto; porém depois que uma vez as aceitárão e jurárão, nem elles, e menos os seus representantes, podião levantar-se contra a sua vontade e juramento.
São em verdade mui enormes as ultimas cartas e procedimentos politicos do Principe desde Janeiro do presente anno a esta parte, e dignos de grande severidade. Quando porém consideramos o seu anterior comportamento franco e leal, o empenho com que trabalhou no famoso dia 26 de Fevereiro para se installar no Rio de Janeiro o systema, constitucional, e os sentimentos verdadeiramente constitucionaes que exprimiu, eleve em seu coração (e nenhum homem bem informado duvída de que erão cordiaes) desde Junho do anno passado até o dia 2 de Janeiro do presente anno, dia em que remetteu ás Cortes a infame carta da sediciosa junta de S. Paulo; quando consideramos,

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digo, a subita mudança de sentimentos que desde então occupárão o animo do Principe, facil cousa he conhecer, que os motivos de uma tão inesperada e inconsiderada mudança estão todos nos perfidos conselhos de novos homens que o dominão; nas suggestões daquella junta rebelde, que se apressou a lançar no Brazil meridional o pomo da discordia, e nas do seu façanhoso Vice-Presidente, agora ministro do desaconselhado Principe, os quaes tem sabido aproveitar-se da inexperiencia que traz comsigo a pouca idade, para fazerem delle um instrumento adequado a seus fins ambiciosos e aristocraticos. Por estes motivos, e por outros que he ocioso referir aqui, entre os quaes tem distincto lugar o ser o Principe filho de um Rei tão amavel como o Sr. D. João VI, sabiamente opinou a Commissão que recaia a severidade da lei sómente sobre aquelles facciosos e máos conselheiros, e quanto ao Principe justamente espera que elle, vista a franqueza e lealdade de animo manifestada no seu anterior comportamento, conhecerá quanto o bem da nação exige, que o successor do trono esteja sempre unido em sentimentos com os representantes da mesma nação, e com o chefe do poder executivo: ao que a mim me parece dever accresentar-se, como disse, que o seu procedimento lhe seja gravemente estranhado pelas Cortes, e se lhe faça entender que sómente na esperança de que bem conheça seus erros he, que se lança sobre elles o veo do esquecimento; pois não podemos falar-lhe hoje com menos severidade do que a um de seus antecessores o fazião os do seu conselho, quando ainda em Portugal não havia degenerado a primeira Constituição da Monarquia.
2.º ponto. Venho agora ao segundo ponto, isto he examinar, se o referido comportamento do Principe, ou outras causas que haja, são bastantes para se dever decretar o regresso delle á Europa. Que se deva manda-lo regressar, ninguem ha ao menos entre os Srs. Deputados europeos, que o duvide: se porém deva ser já, os depois que se tenha publicado no Brazil a Constituirão e o seu acto addicional, cujo projecto entrou já em discussão; eis-aqui toda a questão: de sorte que não se trata de sanccionar a estada do Principe no Brazil; mas de a tolerar por mais alguns mezes como quem de entre dois males se vê obrigado a escolher o menor.
Em fixar o seu parecer sobre esta difficil questão esteve a Commissão por muito, dias perplexa e agitada, achando grande força nos pro e nos contra. - Diversas considerações (diz ella) de justiça e de politica talvez exigirem a prompta retirada do Principe: porém outras da mesma natureza podem persuadir o partido contrario. - Com effeito no presente estado dos negocios do Brazil ninguem póde estar seguro de que um parecer qualquer seja o melhor, e de que este ou aquelle caminho nos leve seguros ao fim que desejamos. Suspeitas posto que infundadas (reflectia a Commissão) terá invadido os animos de muitos brazileiros: homens facciosos não se tem descuidado de as espalhar entre o povo sincero: e os decretos de 29 de Setembro lhes offerecêrão uma occasião opportuna do que capciosamente lançárão mão para dizerem ao mesmo povo: - vede como as Cortes vos querem avassalar: ficaes por estes decretos dependendo da Europa até para o expediente dos negocios ordinarios: de que vos servem as debeis juntas provisorias que elegeis, se ellas não tem autoridade alguma sobre a fazenda publica, nem sobre a força militar? Os governadores das armas, mudarem só o nome, e renovarão sempre que quizerem os seus castigos arbitrarios e o seu poder tiranico. Taes effeitos manifestarão logo que tiver regressado o Principe á Europa.
O povo credulo não sabe fazer differença entre medidas fundamentaes e provisorias: recorda com horror os dias da sua escravidão passada: receia perder uma liberdade apenas nascente; e teme que se queira fazer-lhes acceitar condições mui desiguaes e oppressivas no systema da união do Brazil com Portugal. He por isso que vimos tranquillo o Rio de Janeiro até á chegada daquelles decretos, e que depois tudo subitamente sé põe em fermentação e pertubação. Sabemos que esta perturbação he obra de facciosos, aristocratas, e empregados publicos que vírão se lhes ia secar a fonte onde saciavão a sua ociosa ambição, e ha qual, para me servir da frase de um celebre escritor, bebião o sangue dos pobres por taças de ouro. Porém tambem sabemos que aquelles facciosos tem com effeito podico agitar os animos; propagar a desconfiança por algumas provincias; e feito crer a muita gente que a permanencia do Principe Brazil he a salva guarda das suas liberdades.
Para que nos apressaremos pois (concluia a Commissão) a roubar-lhes de improviso aquella por elles considerada salva guarda? Esperemos que se publique a Constituição e o seu acto addicional. Então este palladium das liberdades politicas de Portugal e Brazil falará por si mesmo; desapparecerão todas as desconfianças; cessarão todas as suspeitas de colonisação e vassallagem; manifestar-se-ha toda a calumnia e impostura dos aristocratas; a Bahia, chave da união do Brazil, já mais segura, fará com que caião por si mesmo os insensatos projectos de S. Paulo e do Rio; e vendo aquelles povos que se lhes concede terem em seu seio um ou dous centros de delegação do poder executivo, que possa prover a todas as suas necessidades, nenhuma resistencia farão para conservar por mais tempo um Principe, cuja conducta pueril, e imprudente os terá já desfacinado do falso clarão que agora os deslumbra.
Porém (dizia-se por outra parte na Commissão) Seremos nós tão incoherentes, que tratemos de fazer decretar a permanencia do Principe no mesmo momento em que desapprovamos o seu governo? Nós não tratamos (respondia alguem) de fazer decretar a permanencia do Principe, mas sómente de a fazer tolerar por mais algum tempo como o menor d'entre dois males. Quantas vezes razões de prudencia politica fizerão com que se praticasse o mesmo com Vice Reis, capitães generaes, e outras grandes autoridades? Se a fortaleza he uma das quatro virtudes cardeaes, não o he menos a prudencia. No vasto campo da natureza moral, bem como no da natureza fysica, apparecem muitas vezes reacções de interesses e de forças oppostas, de que resultão effeitos inconsiliaveis. Por
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outra parte esse máo comportamento que se desapprova, he no mesmo tempo corrigido pelo parecer da Commissão; em quanto, considerando os facciosos que dirigem o inexperto Principi como causa efficiente de sets desacertos, intervem as Cortes com ElRei, para que nesse mesmo pouco tempo, que o Principe tem de demorar-se ainda no Brazil, faça remover de seu lado aquelles facciosos, e lhes sustitua conselheiros probos e virtuosos.
Em consequencia destes repetidos debates pro e contra, resolveu em fim a Commissão opinar pela permanencia temporaria do Principe com as condições contidas no artigo 7, isto he 1.º, que a estada do Principe no Brazil seja só até se publicar a Constituição, e o seu acto addicional: 2.º, que entretanto fique governando as provincias que actualmente lhe obedecem, com sujeição ás Cortes e ao Rei: 3.º, que os seus ministros sejão nomeados pelo Rei: 4.º, que todos os actos do seu governo, e a correspondencia official com as Cortes ou o Rei sejão referendados pelo respectivo secretario de Estado: e na hypothese de se discutir logo o projecto n.º 232 que he o parecer da mesma Commissão sobre o arranjamento da forma do governo do Brazil.
Julgo que ninguem terá pensado que a Commissão opinou assim por comprazer com a vontade do Principe; mas sim com a vontade manifestada em algumas provincias, posto que esteja persuadido, que o primeiro impulso desta vontade nasceu de pricipio vicioso, isto he, da reducção e instigação de facções. Ninguem, torno a dizer, póde no presente estado de cousas prodizer seguramente qual seja a medida que produzirá que se tem havido do Brazil depois do dia 10 do corrente mez de Junho, em que a Commissão deu seu parecer, nos induzem a crer que as desconfianças dos povos tem arrefecido um pouco; que a conducta do Principe tem alienado os animos de muitos, e que por consequencia o mandalo regressar já, não pruduzirá a resistencia e guerra intestina, que se queria evitar. O que he certo he que cuumpre tomar-se uma resolução, e não sermos simples expectadores dos acontecimentos do Brazil, quando os partidos obrão alli com tanta actividade, e declarar quanto antes aos brazileiros quão liberal seja o governo que se lhes intenta dar. A sabedoria das Cortes decidirá o melhor.
O Sr. Andrada: - Sr. Presidente requeiro que V. Exca. mantenha a ordem. Este projecto tem artigos, he necessario que se discuta um por um, e que fale cada um em separado.
Alguns Srs. Deputados se oppozerão dizendo, que se devia falar em geral.
O Congresso por acclamação decidido que sim.
O Sr. Bueno: - Sr. Presidente, como Deputado pela provincia de S. Paulo vejo-me na necessidade de dizer a minha opinião sobre o objecto em questão. Procurarei pois fazer algumas reflexões sobre os artigos do parecer da Commissão, que me parecem mais principiaes, e o farei o mais brevemente que me for possivel. A Commissão começa pelo que diz respeito á junta de S. Paulo, e diz no seu relatorio, que á vista dos documentos que teve presentes, não póde deixar de olhar a junta de S. Paulo como primeira autora doas acontecimentos do rio de Janeiro. A simples confrontação das datas da representação da junta de S. Paulo a S.A.R. e a que dirigiu o povo do Rio á camara, e a de S.A.R. a ElRei, será bastante para destruir esta asserção. A representação da junta de S. Paulo e em data de 24 de Dezembro recebida no 1.º de Janeiro, e a do povo do Rio á camara em 29 de Dezembro, a de S.A.R. a ElRei em que elle diz, que sabia que a camara tinha de lhe fazer representações, he de 2 de janeiro, como he possivel, que a carta de S. Paulo désse origem as commoções no Rio, onde era ignorado, que a junta de S. Paulo tivesse officiado a S.A. até o dia ........ em que se fez publica pela imprensa. Dir-se-ha, que poderia haver comminicações secretas. Communicaçõs secretas entre o governo de uma provincia e o povo de outra! Ainda admittida esta possibilidade não existem documentos, que provem, e a Commissão não póde pronunciar um juizo fundado em meras conecturas, nem em calculos de probabilidade mas sim em documentos. A Commissão depois de transcrever a representação fda junta de S. Paulo diz - a simples leitura desta representação bastaria para ajuizar das criminosas intenções, meios, e fins de seus autores, etc., = diz mais = de tres cousas se queixa a junta, do decreto ácerca da organização dos governos provinciaes do Brazil, etc. da extincção dos tribunaes, e regresso de S.A." da simples leitura da representação não posso ei colligir relativamente a intenções, senão duas cousas, que o conhecimento dos decretos fez uma impressão vivissima no espirito dos membros do Governo, que antevêrão na sua execução graves inconvenientes: em quanto aos meios, se usassem de outras expressões, nada mais eu veria, que o direito que tem as autoridades constituintes de representar sobre um decreto, que se julga prejudicial suspendendo sua execussão, o que era permittido ainda no tempo do imperio do despotismo. Em quanto aos fins, não posso absolutamente concordar com a Commissão. Diz ella, que os membros da junta receavão, vendo o seu poder ameaçado não ser reeleitos: sobre isto não posso deixar de fazer algumas breves reflexões. Não consta á Commissão que a mais leve queixa de particulares, ou de autoridades constituidas, ou de corporação alguma fosse dirigida a este soberano Congresso, nem ao Poder executivo contra o Governo, o que se não he uma prova, he ao menos um indicio, que o povo da provincia está contente com os actuaes governadores, e estes não devião pois recear, não ser reeleitos; e vistas de interesse pessoal fossem o seu movel, então com a bem fundada experiencia de que sobre elles recahisse a reeleição se apresentarião a dar execução a um decreto, do qual tiravão a conservação do poder, de que a Commissão os julga ambiciosos, e de mais tiravão a utilidade dos ordenados, quando todosagora servem gratuitamente e alguns com prejuizo notavel de sua fazenda. Pouco importaria a junta de S. Paulo se ella tivesse só em vista seu interesse pessoal a extincção dos tribunaes do Rio de Janeiro: mas ella viu na falta destes tribunaes um grande inconveniente para o expediente dos negocios.

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que são de sua competencia, e se estes tivessem sido substituidas por autoridades, que fizessem as funcções dos tribunaes extinctos, mas conforme, a nosso systema actual, a junta, não vendo o prejuizo aos povos do Brazil nada teria a estranhar. Diz a Commissão "com o regresso de S. A. acabava-se a corte do Rio, e com ella a esperança de graças, e mercês, etc." nunca pude, nem me consta, que até agora algum podesse descobrir o segredo de ler o fundo do coração humano; portanto nada posso avançar sobre as esperanças de utilidade pessoal, que tinhão no seu coração cada um dos membros da junta; mas se me he permittido avançar conjecturas, direi que talvez fossem impedidos por um excesso, póde ser mal entendido, de patriotismo, que se exprimo em termos descometidos, e indecorosos, que eu sou o primeiro a recreminar, o qual he sempre, na ordem dos excessos mais desculpavel, do que o da apatica indifferença.
O verdadeiro motivo das queixas da junta de S. Paulo ouso affirmado, he o mesmo que das outras provincias do Brazil. Não foi a creação de novas juntas governativas, isto he muito conforme á vontade dos povos, mas sim o modo pelo qual forão organizadas. Os povos do Brazil não querem ser governados senão por juntas populares compostas de homens de sua eleição, e confiança, e nunca sujeitos ao alvedrio de um só: queixão-se que se estabelecesse um governador de armas independente só responsavel a ElRei, e as Cortes, o qual senhor da força armada muito a salvo poderia sair fóra dos lemites de suas attribuições, sem que as juntas governativas reduzidasa um mero fantasma lhes possa fazer opposição, nem acudir aos povos no caso de serem maltratados, e opprimidos por este commandante militar. Queixão-se que as juntas da fazenda sejão independentes da autoridade da provincia que deva inspectar, e fiscalizar sua conducta. Que abusos, que desleixos, que extravios não podem haver na administração, e arrecadação da fazenda publica, e tudo isto para se tomar conhecimento disto em uma tão grande distancia com prejuizo notavel do thesouro nacional.
Queixão-se, que o corpo da magistratura seja ali sem quasi nenhuma responsabilidade, etc. Os abusos commettidos aqui mesmo em Portugal onde existem as autoridades supremas, onde existe um Congresso que está sempre vigilante, um chefe do Poder executivo podem dar bem a conhecer, que não terião a soffrer os povos do Brazil distantes a 2 mil leguas dos recursos necessarios, com um corpo de magistratura, que póde prevaricar quasi impunemente, sendo aquella classe de empregados encarregada da distribuição da justiça, a cousa a mais interessante á sociedade, e a que mais importa que seja fiscalizada no exercicio de sua jurisdicção.
Diz a Commissão que uma vez que o Brazil adheriu á causa de Portugal, e que declarou que esta em sua vontade estava sujeito a todos as determinações do Congresso. Quando Portugal usando do direito que tem todos os povos de mudar, ou modificar a fórma de seu governo, proclamou o systema representativo, conheceu que não podia forçar o Brazil a adherir á sua causa, proclamou ao Brazil, e este adheriu, conheceu tambem, que pela simples declaração de que adheria, não estava o Brazil sujeito á lei fundamental, a nova Constituição do corpo social, uma vez que elle não tivesse parte na sua formação, e esta verdade politica, foi tão conhecida pelo Congresso de portugal, que nas bases de sua constituição, no artigo 21 deixou expressamente os direitos do Brazil. Este artigo 21, esta declaração de seus direitos foi a causa e motivo porque estas bases forão ali juradas, e porque estas bases forão ali juradas, e porque o Brazil se apressou a mandar para esta augusta Assembléa, seus representantes. Mas a que obriga este juramento? A Constituição, e quanto se fizesse em portugal, e por quem? pelos representantes de toda a Nação. Demais o artigo 21 diz mui claramente que esta lei fundamental só se tornará commum ao Brazil, quando fôr approvada pelos seus representantes, vindo desta fórma a estar mui claro, que o Brazil póde recusar a Constituição, uma vez que seus Deputados a recusem. Esta he a opinião, que dominava e uniu, que ainda domino, ainda no Brazil pela interpretação que se dá ao artigo 21 das bases, a junta de S. Paulo, porque a provincia ainda não tenha aqui seus representantes no acto de sua instalação não declarou obediencia ás Cortes. He esta opinião pois a origem da opposição que se tem feito a alguns decretos provisorios das Cortes. Porque se a Constituição (argumentão elles) só se nos tornará commum quando for assignada, e approvada pelos nossos representantes, medidas interinas devem ler a mesma força que a Constituição? Se a Constituição não obriga sem aquella clausula como poderão obrigar decretos provisorios. Eu não entrarei no exame destes argumentos, mas os exponho á consideração desta augusta Assembléa. Diz a Commissão que ajunta de S. Paulo pecca em quanto á fórma, e em quanto á materia. Quanto á fórma não ha duvida, as expressões são descommedidas e indecarosas. Quanto á materia, ella nasce deste principio que acabo de apresentar, da persuação em que estão os povos do Brazil, de que o Congresso devia, só dar a cada uma das provincias, as providencias que lhe fossem pedidas, pelos seus representantes, e que o Congresso uma vez que prometteu, não legislar para o Brazil sem estarem reunidos os seus representantes, devia ter cumprido a sua promessa.
Não posso convir com a Commissão em um ponto muito importante, qual he no parecer, que dá sobre os documentos que lhe forão presentes de Minas Geraes, e Rio de Janeiro; aqui se faz ella julgadoura, erige-se em um tribunal judiciario, julga com uma parcialidade assombrosa. Diz a Commissão, que não acha, que o discurso do Vice-Presidente de Minas que exceda o direito de petição. Não exceda o direito de petição? Leia-se o discurso, elle está impresso, e nas mãos de todos os membros desta Assembléa, ver-se-ha os mesmos sentimentos, e as mesmas frases. Sobre o Rio diz a Commissão o mesmo que a respei-

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to de Minas na analyse de cada um dos documentos, que lhe forão presentes, eu vejo todos se exprimirem no mesmo sentido quasi na mesma linguagem, e com o mesmo fim, que he para que se não ponha em execução alguns decretos das Cortes. Não sei qual he a razão, porque a Commissão guarda um silencio tão digno de estranhar-se sobre a carta que dirigiu o governo de Pernambuco a S. A. R., e que mandou copiara este soberano Congresso. Não he ella concebida nos mesmos termos? Não vem alli as mesmas accusações feitos com expressões bem descomedidas? A mesma provocação ao Principe para que não cumpra o decreto que o manda regressar para a Europa? A' vista destes documentos, só em S. Paulo he que a Commissão acha culpados a condemnar? Mesmo em S. Paulo, se a Commissão considera culpados a junta, os dois enviados della, o enviado da camara, como exclue a mesma camara e todos os que assignárão na representação que esta fez a S. A. Com que fundamento de justiça póde a Commissão excluir o governo de Minas, e o seu vice-presidente. Devem ser qualificados, culpados, e algumas camaras daquella provincia, que officiárão a S. A. R. representando-lhe, que não devia obedecer ás Cortes que a mandavão recolher a Portugal, são igualmente culpados os Pernambucanos, e o coronel de S. Pedro do Sul, que falarão, sem que para isto fossem autorisados em nome de suas provincias. E ainda que a Commissão, guarda o silencio a respeito do governo de Pernambuco, eu vendo as mesmas expressões, e os mesmos fins julgo-o igualmente culpado como os de S. Paulo, porém não posso conceber como os mesmos actos praticados por um, possa ser um delicto, e em outros exercicio de direitos. De todos estes documentos o que eu vejo he, que não he obra da facção da junta de S. Paulo, mas sim o resultado da extranheza daquelles povos, porque o Congresso se adiantou a legislar para aquelle Reino. He o resultado da opinião que se espalhou, que Portugal tem vistas de dominação sobre o Brazil, que já o não considera como um Reino irmão igual em direitos; mas sim como um subdito, que deve obedecer, e que a nova organização das juntas, e a retirada do Principe Real, he um meio de que Portugal se serve destacando nas provincias as autoridades, e estas umas das outras, separa para enfraquecer, e enfraquece para dominar.
Outras são ainda, segundo meu modo de entender, os verdadeiros motivos, e os mais ponderosos pelos quaes nós vemos uma identidade de desejos, e de meios em todos os corpos constituidos das provincias do Brazil. Todos se dirigem ao Principe, e lhe rogão que se deixe ficar no Brazil, todos vão ante o Principe, e lhe dizem: existe entre nós um partido de independencia, um partido democratico contrario á fórma de governo que o Brazil quer, e estabeleceu, que he preciso vedar que appareça, queremos um centro de poder, uma pessoa, que seja o nó que ligue todas as partes integrantes do corpo social do Brazil, e o antemoral, em que se quebrem todas as pertenções dos demagogos, e ambiciosos. Não posso pois conceber que a junta de S. Paulo tenha vistas anarquicas e ambiciosas, quando quer uma suprema autoridade no Brazil ás quaes todas as outras obedeção, e se por isto he a junta criminosa, então digo quasi todo o Brazil he cumplice com S. Paulo, se o he sómente pelas expressões, então eu vejo complicados no mesmo crime o governo, e camara de Minas o governo de Pernambuco, camara e povo do Rio de Janeiro, etc.
Diz um illustre Deputado que se extranhe ao Principe a sua conducta. Eu sobre isto não me atrevo a pronunciar o meu juizo. Mas he necessario que reflexionemos um pouco sobre isto. O Principe viu as differentes representações que se lhe dirigírão, e aonde se ameaçava a independencia, senão se deixasse ali ficar. E deveria então S. Alteza abandonar as provincias que lhe estavão confiadas, conhecendo o estado em que se achavão? Sr. Presidente se a minha opinião he livre eu digo, que S. Alteza não devia abandonar os povos do Brazil. São portuguezes: não devia pois deixar portuguezes entregues aos horrores da anarquia. Eu não approvo as expressões de S. Alteza Real. Não me atrevo a dar o meu juizo sobre se S. Alteza Real deve ser ali conservado. Um nobre Preopinante parece ter algumas noticias sobre o estado actual do Brazil. Eu não as tenho. Não tenho outras noticias se não as que constão dos ultimos impressos do Rio de Janeiro, de algumas cartas, e segundo estas parece, que os povos não mudárão ainda de sentimentos, e opinião. O mesmo illustre Preopinante diz, que tem affrouxado este espirito de effervescencia, e inquietação no Rio de Janeiro, e mais provincias; ainda quando seja assim, nós não podemos decidir, a agitação póde voltar, se poróm o não está (como julgo) se ainda olha o Principe como um nó que os liga e sustenta, serei de opinião se conserve S. A. no Brazil, e que depois de feita a Constituição, firmado o pacto social, e estabelecidas as leis geraes, se observado o andamento da maquina se tome uma resolução difinitiva a este respeito. Resta-me mais uma reflexão. Se as provincias do sul do Brazil se unem, segundo os officios que vierão a este Congresso, a pedir a S. A. a sua conservação, parece que ellas estão de acordo a obstar á sua saida, e se obstão, mandando-se retirar S. A., teremos uma luta que será terrivel á Nação, que termine pela separação daquelle Reino. Eis as razões em que me fundo para não convir com o parecer, e que me fazem pensar, que a Commissão deve dar um parecer adequado às circunstancias, e ao tempo em que se legisla.
O Sr. Moura: - O nobre Deputado de S. Paulo, que acabou de falar, confundiu o direito de Petição com o direito de Resistencia, eu distinguirei exactamente estas duas cousas no exame dos dous objectos, que fazem hoje o ordem do dia. Ha na America duas autoridades superiores, que resistem, e se oppõe abertamente, que frustão, e que protestão contra a nação do Poder legislativo, e do Poder executivo, que as Bases da Constituição, juradas naquelle paiz conferem às Cortes, e ao Rei. Estas autoridades são o Principe Regente, D. Pedro de Alcantara, Delegado de seu Augusto Pai na America, e a junta de S. Paulo. Ainda bem que esta questão não

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he de facto, he de direito; pois os documentos que comprovão o facto, estão sobre a meza. O nosso destino hoje he fixar em que relação politica devem ficar as Cortes, e o Governo para com autoridades refractarias, que resistem no poder das Cortes, que lho usurpão, e que declarão de um modo tão claro, como insolente, que o Poder legislativo, que elles mesmos jurárão, não deve ser obedecido. Esta he a questão precisa do dia de hoje. Ella he realmente importante, ou se considere na sua propria natureza, ou se considere na importancia das pessoas, que nella figurão. Eu mostrei na sessão de hontem um zelo talvez obstinado, para que esta questão se resolvesse quanto antes, não foi por impulso de paixões particulares; por que ví nella interessada a união do Brazil, interessada a honra deste Congresso, interessada a dignidade nacional, interessada a justiça, e os bons, e sãos principios, de que dimanão as nossas politicas instituições, e quando se achão tão grandes objectos em luta, he necessario correr á luta sem a temer. Toda a Nação, e o mundo inteiro he nosso espectador; todos hão de julgar de nós, ou no presente, ou no futuro. Todavia, Senhores, a reacção criminosa destas autoridades tem posto grandes paixões em movimento; e tendo de esperar nesta collisão, que a razão, e que a prudencia percão seu regular effeito, e larguem o campo ao influente predominio das paixões, cumpre que ao menos neste recinto appareção os principios, e se renuncie ás personalidades, aos dicterios, e ás diatribes. Calem-se por tanto as paixões, e appareça a verdade nua e crua. Pessoas da mais elevada situação, são interessadas neste negocio; he impossivel não as tocar, mas farei por falar mais das cousas, que das pessoas, e este será o systema do meu discurso.
Em primeiro lugar he necessario recorrer a principios fixos, e estabelecer declarações preliminares, para não divagar, nem declamar; porque as divagações confundem, e as declamações irritão, hoje he isto muito mais necessario, muito mais a mim proprio, para que se não entenda, que as minhas opiniões sobre os dois objectos, que fazem hoje a materia desta discussão, derogão a certas regras geraes, a certas maximas de policia governativa, de que eu tenho formado meu politico systema sobre os negocios da America.
Depois de convir com meus antagonistas sobre a politica evidente destes principios, não resta outra questão comigo senão a de comparar com elles as minhas opiniões, para se ver se ha nellas boa deducção; e para ver se uma cousa se acorda com a outra.
Sempre que se trata de negocios da America, tenho por verdades incontestaveis:
1.ª Que seja qual for o methodo de governo adoptado para firmar a união politica do Brazil com Portugal, sempre este methodo deve suppor, como I.ª base, a creação de uma autoridade delegada do Poder Real com toda a amplitude, que habilite os Brasileiros a não dependerem mais de Portugal, nem pelo que toca aos recursos da justiça, nem pelo que respeita á sollicitação das graças.
2.ª Que já mais se devão emproar meios de força contra a vontade geral do Brazil clara, e legalmente declarada, seja ella qual fôr. A vontade geral dos povos he o primeiro, he o unico fundamento solido dos governos; ninguem póde, ninguem deve contrastar o universal assento do governados.
3.ª Que por em quanto o Brazil se conserve unido a Portugal, reconhecendo o Poder legislativo das Cortes, e o executivo do Rei, todo o individuo, e por maioridade de razão todo o funccionario, toda a autoridade publica, ou seja individual, ou collectiva, que regista às leis, e ás ordens do Governo, deve ser punida com todo o rigor, e com toda a severidade das leis penaes.
4.ª Que se uma provincia inteira do Brazil, quebrando o vinculo politico da nossa união, declarasse que não queria obedecer ás leis das Cortes (como v. gr. se agora a provincia de S. Paulo toda ella declarasse que adoptava as opiniões da sua Junta) não devão as Cortes empregar meios de força contra ella; nem a politica, nem a utilidade publica consentiria o emprego de taes meios; a provincia devia ser então abandonada á sua sorte, e privada desde logo do direito de representação neste Congresso. Dizia o grande Burke, que não havia tribunal humano com força sufficiente para fazer o processo criminal a uma cidade inteira, quanto mais a uma Provincia.
5.ª Que tudo quanto se disser do Principe Real no exercicio da autoridade delegada no Brazil, que seu Augusto Pai lhe confiou, ainda que deva ser dito no sentido de quem pede contas a um funccionario publico, o qual não póde escapar á severa lei da responsabilidade; todavia considerando que he do herdeiro presumptivo da coroa de quem se trata, e considerando quanto he importante o dogma da inviolabilidade nas monarquias temperadas, não podemos deixar de ver quão grave jactura poderia soffrer a Dignidade Real, se sujeitassemos neste caso o herdeiro successor da coroa a uma responsabilidade rigorosa. E sobre este principio seja-me licito demorar as minhas reflexões um pouco mais. Não devemos por tanto nem sujeitar o Principe a uma responsabilidade rigorosa, nem desdourar a sua pessoa no exame de seu comportamento politico, devemos sim censurar regidamente os seus desacertos, e devemos tiralo da occasião de tornar a commetter desattinos do tão grande transcendencia, dizendo a ElRei seu Pai, que nomée outro delegado na America, e que faça recolher o Principe para o pé de si. A questão he daquellas a que se costuma dar o nome de questões más; porque nunca se podem tratar em publico sem alguns inconvenientes; pois de que modo censurar a administração de um funccionario, que occupa um dos lugares mais elevados da grandeza humana, sem que, ou uma, ou outra palavra, a pezar de sermos muito economicos nellas, traga comsigo quebra, e abatimento da alta dignidade, que o censurado occupa? Mas por isto não sejamos acanhados, nem diminutos no desempenho do nosso officio: Eia: somos descendentes daquelles honrados Portugueses, que nos primeiros seculos da Monarquia, seculos de gloria, e de prosperidade publica, ou fosse nas assembléas publi-

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cas da Nação, ou fosse nos conselhos privados do Rei, lhe dizião verdades acres, e os admoestavão, e ameaçavão até com a perda da coroa, pela leve falta de se demorarem mais alguns dias em uma caçada, como já disse um nobre Membro, que tenho á minha direita. Com tão illustres exemplos não seremos nunca demasiados na nossa censura; elles devem inspirar-nos confiança, para depositarmos com franqueza neste recinto as inspirações da nossa consciencia.
Eu vou pois censurar a administração do Principe Real, como Delegado de seu Augusto Pai, o que farei com respeito, e com liberdade. Tenho só em vista n'uma similhante censura admoestar o Principe a que não se afaste da vereda constitucional, em que principiou tão espontaneamente, e com tão generosa alacridade. Tenho em vista inculcar a S. Alteza Real duas cousas, que eu desejaria nunca se riscassem da sua memoria; a primeira he: Que se o povo portuguez tem um tão decidido amor, e uma tão firme adhesão á real Familia de Bragança, o mesmo povo espera que o Principe successor da coroa haja de imitar seu Augusto Pai, e seus inclitos Avós no muito que nos tem merecido este amor, e esta adhesão; A segunda he: Que considere bem o Principe Real na origem de seu direito, e de seu futuro poder, e que attenda a que, assim como a espontanea vontade da Nação foi quem elevou um Duque de Bragança, ao fastigio da real dignidade, a mesma Nação póde privar o Principe herdeiro do direito de succeder, quando elle se fizer incapaz de governar.
Agora entrarei na materia no que respeita ao procedimento, que se deve ter com a junta de S. Paulo, com os quatro da Deputação enviada a Sua Alteza Real, e com o Bispo D. Matheus, autor da Politica Homilia, que está sobre a meza. E depois passarei a analysar as idéas politicas do Principe, a usurpação do Poder de legislar commettida no decreto de 16 de Fevereiro, e mais que tudo a causa, a que toda a prudencia humana deve attribuir a vacilação e inconstancia das idéas, e do systema politico do Principe Real, desde que seu Pai lhe entregou o leme do governo da barca do Estado naquelle hemisferio. O Principe desde Junho até Janeiro he um homem totalmente differente daquelle, que nos apresentão as suas cartas desde Janeiro até Março. As servís, baixas, e repetidas lisonjas dos satrapas de S. Paulo, se apoderárão de seu juvenil, incauto, e inexperiente espirito, cata he a causa da sua mudança.
Entremos no preciso ponto da questão.
Na representação da junta de S. Paulo, no discurso dos Deputados daquella provincia dirigido ao Principe Real, e na Politica Homilia do Bispo D. Matheus, ha sem duvida alguma o crime de rebellião. Todos são funccionarios publicos, que não só resistem hipotheticamente á execução de um, ou outro acto do poder legislativo que reconhecêrão, e aquém se achão submettidos, mas protestão não os executar jámais, seduzem, e alienão o dever de seus concidadãos para que tambem os não executem, e a meação com a guerra civil se alguem pretender executalos. Não ha, nem póde haver rebellião mais qualificada; não ha, nem póde haver resistencia mais formal aos actos do poder legislativo em menos cabo da dua reconhecida supremacia. Vamos á representação da junta; porque o discurso he um desenvolvimento dos principios que se contém naquella representação, e a Homilia de D. Matheus (deste novo Bossuet da America) he a repetição do uma, e de outra cousa. Vamos ver se ha só naquella infame representação o exercicio constitucional do direito de peticionar e de reclamar, como quis dizer o Sr. Bueno, ou se pelo contrario não se acha ali estampado o sofisma da mais refractaria opposição ao exercicio da legitima autoridade das Cortes, que a junta de S. Paulo (ou para melhor dizer, que o politico energumeno seu Vice-Presidente, que agora occupa o lugar de Ministro ao pé do Principe Real) lhe quer negar depois de as ter reconhecido, e depois de ter jurado as Bases da Constituição.
Eu não pretendo analysar todos os principios, e todas as conclusões daquelle fatuo documento; direi só em geral que elle não he mais do que uma confusa rapsodia de tudo quanto póde chamar-se não sertão em politica constitucional, e de tudo quanto podo haver do mais negro, mais perfido, e mais vil em calumnias, e em infamias. O crime, o delicto da resistencia formal, e sisthematica á acção da lei, e ás ordens de um governo reconhecido, he o objecto da minha analyse; por isso de bom grado deixarei sem commentario as cerebrinas expressões que taxão de meios da anarquia, e da escravidão, o decreto das Cortes sobre a creação dos governos provisionaes! - que tentem um verdadeiro horror pelo outro decreto das Cortes que manda regressar o Principe para a Europa, e que o manda viajar! Que qualificão de roubo politico o tirarem as Cortes ao Principe a Lugar-Tenencia, que seu augusto Pai lhe deixára! - que denominão despotismo inaudito, e horroroso prejurio politico o legislarem as Cortes para o Brazil! Ah! Senhores, inaudito despotismo, e horroroso perjurio politico chamão estes loucos ao exercicio do poder legislativo, que elles mesmos reconhecêrão nas Cortes quando jurárão as Bases da Constituição, e a cujas Cortes subsequentemente se submettem no meio da mais grosseira contradicção ! ! Estas expressões são immediatamente procedidas de erros intellectuaes, que não merecem confutação séria, pois refutados ficão elles, logo que são expostos. O que eu procuro he o crime, e acho este com todos os seus caracteres estampado nas rebeldes, e audazes expressões. - V. A. R. deve ficar no Brazil, sejão quaes forem os projectos das Cortes constituintes. E se V. A. estiver pelo deslumbrado (não sei o que quer dizer esta palavra) e indecoroso decreto de 29 de Setembro, terá que responder pelos rios de sangue, que vão correr pelo Brasil, porque os seus Paulistas, quaes tigres amadornados, se levantarão do lethargo, e não acharão termo a carnagens, e a vinganças. - Aqui está o crime da mais decidida rebellião, acompanhada de ameaças, que nem da bocca de uma das Eumenides se podião esperar. Eis-aqui o modo perfido, audaz, e horroroso com que aquelles perversos poderão seduzir, e alienar o espirito de um joven inex-

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perto, a quem constituírão responsavel da guerra civil, proclamando-a, e convidando para ella. Ah! Proscritos sejão para sempre de sobre a terra homens tão malvados, e tão preversos, que para cumulo da nossa desgraça, e para perpetuo transtorno da nossa união com o Brazil ainda alí existem, exercendo uma oppressora, e despotica influencia! Aqui está o crime; e eis o motivo do seu zelo de hontem em procurar, que esta questão se ratasse quanto antes. Aqui está o crime da junta; vamos agora a ver o que se inventa para o desculpar.
Um nobre Deputado de S. Paulo disse em uma das sessões passadas (trago-a comigo para que ninguem ouse contestar a minha asserção) que a junta de S. Paulo não era rebelde; porque a rebeldia era a opposição do inferior ao superior, e que a junta de S. Paulo não se suppunha sujeita ás Cortes, e por isso não era rebelde quando se oppunha aos seus decretos. Isto he assombroso, Senhores! A junta de S. Paulo tem uma autoridade, ou igual, ou superior á do Congresso! E jurou as Bases! E reconheceu o poder legislativo nas Cortes, e o executivo no Rei! Que a mesma junta de freneticos o dissesse muito fôra: porem que o diga um nobre Deputado sentado nos bancos deste Congresso, he o que excede todo o pasmo, e póde assombrar os presentes, e os vindouros. Então entendama-nos. Onde está a soberania da provincia de S. Paulo? Em uma delles partes ha de estar. Está ainda no povo da provincia? Ainda não a delegou este povo por ventura? Está na sua junta governativa, e administrativa? Ou está nas Cortes por expressa delegação? Responda o illustre Deputado a que me refiro. Senão está nas Cortes, que fazem aqui os Representantes daquella provincia? Para que estão aqui, e para que tem tido Collegisladores comnosco? E se está a soberania na junta da vossa provincia, para que nos enganais, para que estais sendo o orgão, e os procuradores da mesma soberania neste Congresso? Saiba todo o mundo esta nova politica da provincia de S. Paulo. Que digo eu da provincia! Nada he menos verdadeiro; de um punhado de Republicos ambiciosos:, que alí estão fomentando a desorganização. Saiba todo o mundo que a soberania daquella provincia não está aqui representada, não obstante o acharem-se aqui os seus Representantes; pelo que vejo, estes Senhores que aqui se dão como Representantes daquella provincia, não o são effectivamente; são apenas Commissarios que vierão ajustar um tratado comnosco; mas a ser assim, para que tem elles legislado comnosco, e legislado sobre tantos objectos relativos a Portugal? Notavel contradicção! Estranha politica! Tudo isto, Senhores, procede, segundo eu penso, de uma torcida interpretação do paragrafo 21 das Bases da Constituição. He preciso fixar o verdadeiro sentido deste paragrafo, que tem servido de pretexto, e de guarida, onde se colhe a rebellião e a inobediencia dos desorganisadores de S. Paulo. Vamos desalojalos deste fraco reduto.
Neste paragrafo, Senhores, se estabelecem tres hypotheses politicas: 1.ª Que á Nação pertence tão sómente fazer a lei fundamental por mão de seus Representantes: 2.° Que esta lei obriga por ora só aos Portuguezes da Europa, que se achão representados; 3.ª Que aos Portuguezes residentes nas outras tres partes do mundo esta lei se lhe tornará comum, quando elles por seus legitimos Representantes declararem ser esta a sua vontade. Esta lei que os povos da America jurárão, suppõe claramente que a lei fundamental está já feita sem a cooperação dos Representantes daquelles povos, pois diz: = Esta lei se lhe fará commum. == Effectivamente assim era; a lei de que se tratava era a Carta Politica das Bases. Nesta lei se acha estabelecida a fórma do governo; estão divididos os poderes, e está decretada a inviolabilidade do Rei, a responsabilidade dos ministros, e a liberdade da imprensa; tudo o mais que faz a Constituição, ou he o desenvolvimento destes pontos fundamentaes, ou são disposições regulamentares para reduzir á pratica estes principios essenciaes. Todos os povos da America, da Africa, e da Asia acceitárão o convite: nós não os forçamos, a sua declaração foi espontanea. Eisserão elles por ventura que não querião esta lei das Bases? Disserão que não querião que ella só lhe tornasse commum? Não, Senhores, disserão o contrario; todos a uma voz disserão daquella banda: = Bem vindas sejais Bases da Constituição Portugueza, lei fundamental da Monarquia, que nos vindes arrancar da escravidão em que jaziamos, e que nos vindes repor em nossos direitos até agora violados, nós vos adoptamos, e juramos obediencia ás autoridades que vós constituis, e fixais, - e que maior e mais solemne acceitação quereis vós, ó Satrapas de S. Paulo? São os povos representados que acceitão a offerta que lhe fazem as Cortes de Lisboa, e que adoptão e festejão esta offerta com a maior alegria, e com os maiores applausos. E que dizem todos estes povos aos seus representantes quando os envião ás Cortes? Dizem-lhe por ventura que não acceitão? Ou dizem-lhe por ventura que acceitem só com certas, e certas condições? Não: elles não puzerão condição alguma ao seu indistincto juramento, á sua indistincta adopção. Venhão, Senhores, as vossas procurações, venhão as actas das juntas provinciaes, venhão os autos de vereação das camaras; que dizem seus documentos? Ainda bem que temos tantos testemunhos publicos, e solemnes em nosso favor. Todos elles dizem: = União com Portugal, Constituição, Religião, Rei, Cortes. = Dizei illustres Representantes, algum de vós traz sua de sua respectiva provincia poder para não acceitar alguma clausula da lei fundamental? Dizei qual he? Traz algum de vós na sua procuração o poder limitado para ser só Constituição aquillo em que vós convierdes quando estiverdes reunidos? Dizei se assim he? Ah! Não: os povos são menos retalhados; elles falárão com singeleza; os ambiciosos he que agora querem chicanar, involver; e transtornar. Eia pois ... Como he que á vista do paragrafo 21 das bases tirão os de S. Paulo a illação da sua inobediencia, e como he que eu fundo neste mesmo paragrafo a obrigação, que elles tem de obedecer? Quem poderá tolerar que os de S. Paulo em seus politicos desvarios tirem daquella tão clara disposição duas conclusões tão absurdas como são: 1.º Que a Constituição se não deva fazer, sem elles todos Representantes da America
TOMO VI.
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estarem presentes: 2.ª Que as Cortes não tem o poder de legislar para o Brazil? Que cerebrino absurdo! Que inepcia!
Creio que tenho acabado a primeira parte do meu discurso, que he o que diz respeito aos tres documentos, que estão em cima da meza a respeito da junta de S. Paulo, e do Bispo daquella cidade, que adoptou os mesmos principios, como chefe do clero, a quem elle seduziu e enganou para os subscrever.
Vamos, que já he tempo, falar do que diz respeito ao Principe Real; pois no ponto de rebellião da junta de S. Paulo, he materia averiguada, que passou á região da evidencia.
O Principe Real, Senhores, na correspondencia com o seu Augusto Pai mandada apresentar a este Congresso, mostra uma singular vacillação nas suas idéas politicas, donde se collige que elle escuta lisongeiros seductores, que o prever tem do caminho constitucional, e que o levárão finalmente ao precipicio de o fazerem publicar o decreto de 16 de Fevereiro, este perpetuo monumento da mais rematada loucura, como da mais exaltada ambição da parte daquelle que o inspirou, que o dictou talvez ao Principe Real. Procedamos com alguma miudeza neste delicado assumpto.
Examinando as cartas de S. A. R., vendo nas primeiras retratado um verdadeiro patriotismo, um exaltado amor pelas liberdades publicas, uma intima adhesão ao systema que elle proprio proclamou no Rio de Janeiro, um illimitado respeito ás Cortes, e a seu Augusto Pai; quando vejo tudo isto, digo, nas cartas, que decorrem desde Junho de 1821 até Janeiro de 1822, não posso deixar de ser indulgente, pelo menos de dissimular as expressões pouco decentes, que n'um momento de allucinação caírão da pena do Principe Real nas cartas de Fevereiro, e Março; de bom grado me esquecerei de taes expressões, que o Principe entre um dia pela foz do Téjo, que venha directamente a este Congresso, que proteste sua adhesão ao systema, e que ali debaixo dos degráos do thorono de seu Pai fiquem perpetuamente sepultadas aquellas expressões; tanto me bastava. O que porém não póde passar sem um mais particular commentario da minha parte he o exemplo desta intoleravel reacção da parte de uma fracção do poder excutivo; he a inconstancia das idéas politicas do Principe; he a usurpação do poder legislativo, he esta identificação da politica do Principe com a politica dos de S. Paulo. Senhores, o perigo mais serio das monarquias temperadas he a perpetua intrusão, que o poder executivo, senhor da força, está apto para fazer de continuo sobre o poder legislativo; para isto he que são as garantias individuaes, e politicas. E então como tollerar se póde um Principe, que sendo um mero delegado de seu Augusto Pai, não só resiste ao poder da lei, mas ostenta a inobediencia, e por fim deprime, e insulta o primeiro poder do Estado? Sensivel exemplo, que faz esperar o transtorno de todo o systema, se uma vez chega o Principe a obter a dignidade Real, quando as Cortes não possão ensinar um joven seduzido, e allucinado, e quando o não possão conter nos limites, que lhe traçou a vontade nacional.
Além disto, o que particularmente deve merecer a nossa attenção, quando se trata de examinar o comportamento politico do Principe, he ver a diametral variação de suas idéas desde Junho do anno passado até o meio de Março deste anno, tanto seja sober o seu regresso para a Europa, como sobre os meios de conservar o Brasil unido a Portugal, como sobre a Independencia daquelle paiz. Se lemos as cartas de S. A. desde Junho até 2 de Janeiro, ninguem desejava mais reverter para a Europa do que elle. Dizia a seu Pai, pedia, e reclamava que o tirasse do Rio de Janeiro; que a sua figura naquella cidade era apenas a de um capitão general; que alí não havia meios de sustentar uma Corte, que as provincias lhe não queirão obedecer, e as que obedecião não mandavão dinheiro algum, como acontecia com a de S. Paulo; (hoje sua filha querida) que por isso a sua honra se achava compromettida, a Dignidade Regia arriscada, e que empenhava todas as considerações, e todos os respeitos politicos, e moraes para saír de tão apertada crise, sendo-lhe permittido vir bejar a mão de seu Pai. Chegou a noticia do seu regesso, e o Principe ficou num extasi de satisfação; e não só se propoz desde logo executar o decreto das Cortes no tempo aprazado, mas dava testemunhos publicos da sua alegria, indo frequentes vezes á fragata, que o devia conduzir, e acelerando todos os meios da sua desejada volta á Europa, chegado ao ponto de dar tão publicos, e tão decisivos testemunhos do seu regosijo, que provocou da parte de seus conselheiros (que ainda então não erão os Paulistas) uma advertencia para moderar um pouco seu contentamento, em ordem a não desgostar o publico do Rio de Janeiro; assim o ouvimos da boca de dois destes conselheiros, que outro dia forão escutados com muito interesse na Commissão dos negocios politicos do Brazil. - Mas sobre este mesmo objecto, com que assombro ouvimos dizer ao mesmo Principe na sua carta de 2 de Fevereiro que esta precipitada deliberação das Cortes de o fazer voltar para Lisboa ia acabando com a monarquia! Medida, Senhores, que seis mezes antes era o constante objecto de seus votos, de sua fervorosa sollicitude, e de sua decisiva politica!! Então quem he a causa desta diametral contradicção de idéas, e de planos? Logo o direi.
Desde Junho do anno passado até Janeiro deste anno, o Principe repetiu varias vezes nas suas cartas a idéa de que sem tropa não póde conservar-se o Brazil; que senão fosse a tropa já teria prevalecido o partido da independencia; que esta tropa se tinha coberto de gloria, e de honra; que toda a retribuição era pouca, que elle mesmo a reclamava como de justiça. Mas de Janeiro deste anno por diante esta mesma tropa, estes mesmos soldados já não tem brio, nem valor; mil opprobrios; mil invectivas; morto; castigos, apellidou-se o publico para lhe atirar como a bestas selvagens. E donde nasce esta contradirão? Logo o direi.
Desde Junho do anno passado até os fins de Janeiro deste anno, se acaso se tratava do partido de independencia, sempre o Principe dizia, que este partido não havia de levantar a cabeça; não só porque

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não era a vontade geral do Brazil, mas porque em quanto elle se achasse rodeado daquella tropa leal e brava, seria mais facil serem todos feitos em postas; e de uma vez, Srs., assim o protestou, assim o jurou a seu pai com tão ardente fervor, que chegou seu fanatismo a rasgar uma de suas veras, e aparando seu proprio sangue selar com elle este protesto, e este juramento; he a carta de 4 de Outubro, onde eu vi o sangue Real do Principe D Pedro d'Alcantara, selando o seu juramento. A carta ha de estar no archivo das Cortes, Pois Srs., este mesmo Principe escreve a seu pai a 14 de Março, e diz estas notaveis palavras sobre a independencia: se a tropa (fala da expedição ultima, que de lá nos reverteu) desembarcasse, a desunião era corta, e então a independencia me faria apparecer, bem contra a minha vontade, mas contente ... Que mais desejamos saber? Ahi está o Principe protestando que se porá á testa dos independentes, logo que se declare a independencia. Então a que se devem attribuir estas contradicções? Eu o digo, Srs. Quanto a mente humana póde friamente, calcular, estas mudanças não podem ter outra causa, senão a destreza servi dos Paulistas, o systema de baixas e vis adulações, com que desde Dezembro principiarão a bloquear o incauto animo do pobre Principe, fazendo-lhe acreditar que elle era o objecto do amor dos Brazileiros, e principalmente dos seus Paulistas; que elle era predestinado a reger os destinos daquelle nascente Imperio; que elle era o non plus ultra do engenho, do talento, e da capacidade innatas para governar os povos. Emissarios, cartas, representações, tudo se fez canal destas perfidas, insinuantes, e adulatorias baixezas, que fizerão cair no laço um coração leal, mas inculta, uma capacidade penetrante, mas inculta, e inexperiente. A lisonja destes Cortesanistas calou no coração do Principe. Desde 2 de Janeiro começou elle a dizer a seu augusto pai. Ahi estão as firmes tenções dos Paulistas, e por elles se póde conhecer quaes são as geraes do Brazil: estes povos me amão, e eu devo ser agradecido; em fim o Principe tinha escutado a Serêa, estava encantado, e absorto. Viz aduladores, que vos apossasteis, e que seduzisteis um joven inexperto, ausente pela primeira vez do poder de seu pai; viz; porque beijando os seus pés, e idolatrando, he que podesteis allucinar seu animo, um dia virá (esperai) em que a illusão ceda á verdade, e então aguardai pelo castigo que merece vossa infame conducta.
Vamos ao decreto de 16 de Fevereiro. Mandou este decreto crear no Rio de Janeiro um concelho dos procuradores geraes das provincias do Brazil; isto diz S. A. que fizera annuindo às representações do Brazil, quando este politico dilirio só se vê estampado no dilirante discurso dos Deputados de S. Paulo, e no do vice presidente da deputação de Minas. Este decreto, Srs., he uma usurpação manifesta da autoridade de legislar, não só considerando a simples creação do concelho, mas muito mais reflectindo nas suas attribuições. Elle he referendado pela Secretario de Estado José Bonifacio de Andrada, e um illustre Deputado de S. Paulo, apezar das intimas conexões que tem com aquelle ministro, teve n'uma das sessões passadas a franqueza de chamar-lhe exotico; porém eu não me limito a chamar-lhe só exotico, chamo-lhe tambem criminoso, e criminoso não só pelo que respeita a usurpar autoridade incompetente, mas muito mais pelo que descobre na sua intenção e tendencia.
Primeiramente, Srs., este concelho denomina-se Representação interina do Brazil! Que loucura, Srs., uma representação do povo do Brazil transformada num concelho aulico! Este concelho examina os planos, as medidas, e as reformas, que o Principe lhe propozer; e propõe elle mesmo ao Principe as reformas, as medidas, e os planos, que achar que são uteis. Tem o concelho, e Principe mutua iniciativa; suppondo que o autor desta peça mestra de politica he constitucional, deve-se concluir, que he esta a mais bem acabada prova da falta de bom senso politico do conselheiro, que ditou, ou que inspirou um tão extravagante agregado. Que attribuições tão constitucionaes! Um concelho aulico feito de representantes do povo! Só de uma cabeça fervente podia resultar tão quimerica combinação! He um arremedo da famosa Cour Pleniere do cardeal de Brienne, e de outras farças inventadas pelo decadente despotismo para sustentar, ou reganhar o seu imperio, simulando as fórmas da liberdade, e da representação nacional. Porém, Srs., mais profunda e complicada urordura me descortina a minha imaginação, e não me engana. Vê-se pelas attribuições deste concelho, que o seu destino he só o de auxiliar o Poder legislativo. Em nome de Deus, que eu não me engano ... O Satrapa do Conselheiro, quer fazer recuar o Brazil para a monarquia de concelhos, que auxilião o Poder legislativo, quando este se acha nas mãos de um só. Não quer certamente o Heróe de S. Paulo a monarquia representativa, quer um conselho do Rei, que lhe proponha as reformas, (falamos claro, as leis ...) e que discuta as que o Rei lhe propozer. A este fim he que elle destina o governo politico da America, quer fazer tornar as cousas para o ponto onde se achavão. Povos da America não vos illudais; accordai; vede como astuto aristocrata vos quer fazer recuar no caminho da liberdade; não propõe assembléas publicas propõe conselhos privados para auxiliarem a um só chefe; vós sois os insultados, e offendidos nesta indecorosa simulação; ahi está o ministro, que vos quer fascinar com um simulacro de representação para voa tornar a submetter ao poder arbitrario, não querendo que sejais governados pela sabia Constituição portugueza, e provisoriamente pelas Bases que vós tão solemmmente jurasteis; a fortuna destes conselhos he reservada para vós pela conspiração da aristocracia de S. Paulo; alerta Portugueses da America, para isto he que vos querem desligar de nós.
Concluo, Srs., que a rebelde junta de S. Paulo, que o bispo D. Matheus, que a deputação enviada a S. A. R., tudo deve ser posto em processo. E que S. A. volte logo para Portugal, pois cumpre tirar-lhe das mãos um instrumento, de que seus perfidos conselheiros tanto tem abusado. E que neste Congresso se deve decretar quanto antes o estabelecimento da delegação do poder executivo naquelle paiz, que ElRei confiará a quem merecer a sua confiança; vá
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o Sr. infante D. Miguel com um concelho de homens sabios, e prudente, vá quem aprouver a Sua Magestade; mas não fique o Principe dentro do palacio de S. Christovão escutando as frias lisonjas, e os desacisados conselhos de quatro Paulistas, que despenhão o Principe, e fazem com que elle prostitua a dignidade de que se acha investido. Venha o Principe para Lisboa; porque dentro das quatro paredes do palacio de Queluz aprenderá a ser um verdadeiro constitucional, já ouvindo diarimente os ditames de seu augusto Pai, já lendo nas discussões das Cortes a verdadeira doutrina dos governos representativos, o das monarquias limitadas; só em Lisboa he que o Principe aprenderá a odiar o poder arbitrario, e illimitado. Este he o meu voto, que ainda, pediria maiores desenvolvimentos, e eu o faria se podesse, mas agora já não posso falar mais.
O Sr. Castello Branco: - O solido e magnifico discurso do honrado Membro que acabou de falar, he concebido de maneira tal, que não deixou a desejar. Elle na realidade esgotou a materia; todavia eu farei algumas ainda que poucas reflexões. Seguirei completamente os honrados Membros, que me tem precedido sobre o objecto que está em questão, fazendo reflexões geraes sobre o objecto do parecer, porque de outra maneira não me era possivel, ao menos, por ora, limitar-me a discutir cada um dos seus artigos. Estes artigos são propriamente um corolario de principios. Estes principios devem ligar-se em um systema, he preciso estabelecer qual deve ter este systema para depois tirar conclusões; se a Commissão se unio a este verdadeiro systema, se tirou os corolarios que dahi se devem deduzir. Por tanto cumpre estabelecer este systema, tirando delle os principios que delle se deduzem. O parecer da Commissão versa sobre factos, factos constantes de documentos que forão remettidos ao seu exame. Estes documentos que he preciso simplificar reduzem-se a tres classes: 1.ª expressões calumniosas e injuriosas á soberania da Nação apresentadas neste Congresso; expressões por consequencia provocativas da anarquia, e tendentes tambem a estabelecer o despotismo: 2.ª classe, desobediencia manifesta aos decretos dessa mesma soberania: 3.ª classe actos positivos de usurpação de poder contrarios essencialmente ao systema constituticional. Tal he a materia sobre que a Commissão proproz o seu parecer, e sobre que nós por consequencia temos a discutir. Quando soou no recinto deste Congresso a narração extraordinaria de tão escandalosos factos, quasi que a prudencia, que tem sempre presidido a todas as nossas deliberações não foi bastante para conter as expressões: de justiça, e indignação de que cada um de nós se achou então possuido, e foi na verdade necessario que viesse em nosso soccorro a idéa de sujeição á lei da ordem, que nos havemos imposto a nós mesmos, e de que devemos exemplo aos povos de que somos representantes. Agora porém que aos he dado falar sobre esta materia, agora que a Nação exige de nos uma declaração franca, e livre, que lhe sirva de regra, e que sirva tambem de norma ao Governo, quaes são os principios de que deveremos partir? Quaes as bases sobre que devemos fundamentar os nossos discursos? He isto sobre que eu passo a falar com a moderação que me for possivel, pois que ainda que a Nação jaz ainda enlutada com a affronta que se lhe fez, o tempo que tudo diminue tem na verdade offrouxado as paixões particulares, e nos tem reduzido ao estado de falar a sangue frio sobre uma maioria que mais devia exaltar as nossas patrioticas paixões. Hu sobre factos, todos elles manifestamente criminosos que nós temos a julgar. Eis-aqui por tanto o Congresso como elevando-se fora da esphera da Assembléa legislativa, entrando nas attribuições do poder judiciario. Esta marcha sem duvida seria irregular, e por isso inadmissivel, se acaso o pacto social estivesse já completo e verdadeiramente consolidado em todas as suas differentes partes. Senão fossem estas mesmas Cortes em razão de constituintes, aquellas que tem a seu cargo estabelecer este mesmo pacto social. Em taes circunstancias he fóra de toda a duvida que indo aquillo que póde concorrer immediatamente para auxiliar, ou mesmo pelo contrario para impecer a marcha do systema geralmente adoptado, he sem duvida das attribuições deste soberano Congresso. Examinemos agora qual a influencia immediata de factos que hoje qualifiquemos sobre o estabelecimento do systema que temos adoptado, segundo a qualificação que se faz destes factos. Desgraçadamente se nos apresentão palavras injuriosas ao soberano Congresso, que tendem por consequencia a desacreditalo no juizo dos povos, para em resultado necessario de derribar o grande edificio da liberdade politica; em segundo lugar a desobediencia aos decretos deste mesmo soberano Congresso. Não tendem ellas geralmente, não só a desacreditar-nos, mas para assim dizer, tornar inutil, e fazer a união um fantasma perante os povos? Por outra parte que se nos apresenta na terceira classe? Usurpação positiva de poder, não póde duvidar-se do poder legislativo que he o acto da Nação inteira, acto, que ella não póde exercitar por si mesmo, que delegou naquelles que escolheu para a representarem. Mas como da legalidade desses actos legislativos só póde provir da unidade dos seus representantes, assim como a Nação inteira apesar de que nella resido essencialmente a soberania, nada poderia fazer-lhe legitimo uma vez que não achassem ........ na sua totalidade ou sua maior parte. Estes mesmos principios tem todo o lugar naquelles que a representão, por tanto he um absurdo em politica, absurdo com razão extraordinario o dizer, que s representação nacional para o fim dos actos legislativos se póde dividir. Por consequencia sendo esta influencia de factos que temos debaixo dos olhos sobre o nosso systema constitucional, que os portuguezes tem geralmente adoptado, longe de se poder autorizar em duvida a competencia deste soberano Congresso, elle pelo contrario nâo póde esquivar-se a tomar uma resolução definitiva sobre este mesmo objecto depois de o ter maduramente considerado e examinado. Daqui se vê, que nossas funcções hoje são mais de juizos, que os legisladores, todavia com muita differença daquelles, que são particularmente encarregados do exercicio do poder judiciario. O juizo unicamente tal considera os factos destacadamente, só com a relação que elles tem

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com a lei; e por consequencia se são ou não criminosos, se acaso a sua desisão segundo a lei tem uma influencia no bem geral, se a politica pede como muitas vezes acontece que se retarde, ou que se modifique a sua execução, não he isto da competencia dos juizes unicamente taes. Outra autoridade existe a quem compete decidir sobre esta materia; nem portanto não fazemos de juizes, não reunimos todas as suas funcções, e por consequencia nossas funcções hoje são muito mais vastas que a dos juizes. Nos não temos só a considerar a lei, nós temos a examinar a influencia de factos, nós temos a considerar a influencia da publicação destes mesmos factos, que olhão sobre a felicidade da Nação, que estamos rigorosamente encarregados de promover. He isto difficil, mas por outra parte não nos pódemos dispensar da publicação dos principios em regra. A execução da decisão sobre a publicação destes factos póde modificar-se, póde retardar-se, póde mesmo vir a ser de nenhum effeito quando ella se oppõe a interesses de mais alta monta; mas jamais nos he dado, e jámais he dado a algumas potencia sobre a terra alterar os principios imutaveis da justiça sobre que são fundadas todas as leis. Por consequencia nós não podemos dizer, que he innocente aquelle que uma vez foi criminoso. A justiça abrange todas as classes, a justiça exercita o seu imperio tanto nos campos, como nas cidades, tanto nos que habitão as pobres choupanas, coma nos que se regalão nos soberbos palacios; a justiça deve ser igual e igual a sua execução, muito mais no systema constitucional. Se nós não obrassemos desta maneira, se nós fossemos fazendo excepções nas classes da sociedade, nós não seriamos representantes da Nação, nós não seriamos dignos portuguezes, nós não seriamos liberaes, mas hypocritas do liberalismo. Quando assim fálo, já se entende de quem falo, por ora tenho falado de facto, mas quando for a julgar hei de designar quem são os autores desse facto: a junta governativa de S. Paulo, os conselheiros do Principe Real no Rio de Janeiro, o mesmo Principe Real; por consequencia quando trato da publicação dada, quando trato de declarar criminosos os autores de taes factos, não me he permittido fazer excepções. Os autores dos factos são conhecidos, os réos criminosos são igualmente conhecidos. Eu me illudiria a mim mesmo, e á Nação, que em mim tem confiado, se acaso fossem outras as idéas que se me apresentassem, mas assim mesmo voltando o objecto para outra parte, por mais disfarce que se queira dar ás acções perpetradas contra nós, não atacão ellas directamente o systema constitucional? Não jurámos nós manter neste recinto nossos lugares para estabelecer o mesmo systema constitucional, para deffender a liberdade publica dos portuguezes? Se assim he, não devemos nós mal dizer todo aquelle, que pertender transtornar esta grande obra que temos entre mãos, e que uma nação inteira reclama? Certamente. Nós seriamos perjuros se acaso nos desviassemos um momento destes principios; por consequencia quando se trata de declarar criminosos, eu não posso deixar de incluir nesta declaração todos aquelles que manifestamente se vê terem perpetrado estes facto. Entretanto a execução desta deliberação, o modo de executar as modificações de que ella he susceptivel, mesmo a tardança, e em ultimo resultado o esquecimento destes factos, he da nossa competencia, digo que he da nossa competencia, porque motivos poloticos podem haver que assim o exija; não uma politica lisonjeira, não uma politica como de ordinario os aulicos tomão esta palavra, mas da politica, que vem a ser, a sciencia de conhecer em que consiste o bem geral dos povos e da nação. He desta politica que eu falo; a felicidade publica poderá talvez ser compromettida, porque desgraçadamente tal he a ligação das sociedades modernas da Europa; que ellas livres em sua casa não se podem sempre dizer absolutamente livres a respeito das outras que sejão mais poderosas. Por consequencia he preciso modificar nos principios que nos irião comprometter com outras nações, que aliàs hoje livres muito malquerem apresenta-se livres diante de seus subditos, quando ellas são verdadeiramente escravas. Despotas que não podem ver a luz, que não podem olhar, que uma nação pequena respire a sua liberdade perante uma grande nação de escravos. Tanta he a preeminencia de força moral, sobre a força fysica; nós executando á risca a lei talvez nos comprometteriamos, e comprometteriamos a felicidade da nação. He por estas razões, que sem alterar os principios da justiça, sem dar a entender em um decreto a differença entre individuos, e autores de factos, eu quereria que na sua execução fosse differente a marcha, e portanto sobre isto, inteiramente conforme com a opinião do Sr. Moura, que tambem desenvolve esta materia. Mas deverei eu seguir em tudo o que propõe a Commissão encarregada de examinar este negocio? Em todos os mais artigos eu convenho, no ultimo não posso absolutamente convir; Que o Principe fique no Rio de Janeiro, permittão-me os illustres Membros da Commissão, cujo patriotismo e luzes eu muito respeito, que o Principe fique no Rio de Janeiro seria para mim um absurdo mais extraordinario, que com perfeito conhecimento de circunstancias se poderia conceber. Se nós vemos que o Princepe Real está em perfeita opposição comnosco, se nós vemos que elle tem apontado o machado á frondosa arvore da liberdade, que tambem se tem naturalizado neste feliz paiz de Portugal, se nós vemos que elle com os seus conselheiros pertendem talvez fazer.... Um principio em politica de um filosofo muito celebre, principio que tem sido olhado como falso, e; mesmo absurdo, mas que entretanto se eu vejo o despotismo realizado no Brazil, então convirei com Montesquieu, que não são os povos dos paizes ardentes aquelles que são proprios para a liberdade, mas que esse paiz he proprio do despotismo. Se nós vimos pois que o Principe segue esta marcha opposta aos nossos principios e juramento, como he que nós por uma extraornaria contradicção poderemos querer que fique no Brazil, e que fique manejando as redeas do Governo? Disse o Sr. Moura, que elle estava persuadido de que o que se havia feito nas provincias do Brazil era obra de uma facção. Eu estou igualmente persuadido desta verdade, se assim he que devemos nós fazer? Dar forças a essa facção? Não a deveremos destruir? Não deveremos desenganar os povos,

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não deixando que elles illudidos se lavem desgraçadamente por essa facção? Não deveremos fazelos entrar no livre exercicio de seus direitos? E desempenharemos nós este dever, deixando ali o Principe, deixando ali o fundamento de todos os partidos, ou apoio de todos os partidos? Deixando no Brazil livre exercicio das suas funcções. Supponhamos que as facções servindo-se do apoio do Principe Real, do respeito que os povos lhe consagrão pela dynastia a que elle pertence, que essas facções chegão a illudir de todo os povos, e que chegão a declarar a sua independencia? He neste lugar que eu sem receio de nota de liberal refutarei de passagem um lugar do discurso do Sr. Moura. O Sr. Moura querendo manifestar o seu credo politico a respeito do Brazil estabeleceu differentes principios, porém estabeleceu um pelo qual jamais eu me poderei declarar. Disse o illustre Membro, que se uma, ou duas, ou tres provincias do Brazil reclamassem que ellas querião a sua independencia, nós não tinhamos direito algum de nos oppormos a essas provincias, nós deviamos deixar seguir-lhe o partido que ellas quizessem, que nós o deviamos assim fazer por principios de interesse próprio. Muito bem, convenho, e essa será sempre a minha opinião. Mas que nós lhe deixemos tomar o rumo que ellas quizerem por falta de direito he, que eu não posso convir. Depois que os povos do Brazil adherirão ao systema constitucional, e se fizerão representar nas Cortes juntas em Portuga], elles não tem direito de se desunirem, e se acaso se desunirem a maior parte tem todo o direito a empregar força para os fazer entrar na sociedade geral. O Brazil por este acto contrahio com os portuguezes de Portugal, Africa, e Asia um pacto social; da nossa parte está o prehencher as condições, nós não faltamos nada a ellas, nós não demos ainda ao Brazil, nem á nação portugueza a Constituição. O Brazil não sabe ainda a Constituição que a respeito do seu paiz fecha de fazer. Em quanto pois o Brazil não póde provar que nós lhe faltamos ás condições do seu pacto, não he do seu direito poder desunir-se. Se acaso a maior parte da monarquia quizesse desunir-se, então eu conviria com a maioridade, porque em fim em todos os negocios politicos o direito está sempre da parte da maioria. A nação he livre quando declara que o quer ser, a nação põe as condições, se a maioria muda, a menoridade deve mudar tambem; mas a menoridade dar leis á maioria, he principio politico que não poderei admittir. Muito embora se diga, que nós por interesses particulares podemos abandonar, não digo taes e taes provincias do Brazil, avanço ainda mais o Brazil inteiro. As sociedades não se medem pelos terrenos que occupão, as sociedades politicas medem-se pelo numero de individuos que a compõem, e por mais que consideremos a grande familia portugueza espalhada em todas as quatro partes do mundo, a familia do Brazil, dos habitantes do Brazil, fazem por ventura a maioria relativamente a todos os outros? Não certamente. O numero dos habitantes do Brazil he muito menor. Eu convirei em que dêmos todas as provihencias liberaes a respeito do Brazil, eu considero os brazileiros como irmãos, eu me considero como procurador, e ardente defensor de todos elles, mas quando elles sairem dos seus deveres, quando qualquer parte dessa familia portugueza sair do seu dever, eu sou obrigado a pugnar pelos direitos da maior parte, e por consequencia sempre me ficará livre dizer neste soberano Congresso, abandone-se á sua sorte a provincia que he traidora, mas tambem quando for conveniente á felicidade da nação, eu direi, obrigue-se pela força a provincia que he traidora; nisto se faz bem aos povos, os povos são sempre neste caso illudidos, e por consequencia por meio de um mal que não se póde evitar, e que poderia ser temporario se evite depois um mal perpetuo. Este mal perpetuo he que eu quero que se evite a respeito das provincias do sul do Brazil. Eu estou persuadido, que tudo he obra de facções, que os povos são constitucionaes, e que ali voga mais a vontade do despotismo, do que a independencia. Ainda a independencia poderia ligar-se com a tendencia á liberdade constitucional, e portanto com certas modificações se poderião combinar os dois partidos, mas unir-se o despotismo com a liberdade, he impossivel; com o despotismo he que não póde jamais transigir-se. Eu vejo, que talvez os ataques que despotas da Europa não podem dirigir immediatamente contra nós se tenhão preparado no sul do Brazil para nos desunir d'entre elles, e assim expormos as suas forças, fazer cair por terra o edificio da liberdade; mas enganão-se, he um principio de eterna verdade, que toda a nação he livre uma vez que o queira ser. Os portuguezes querem ser livres, os portuguezes serão sempre livres, apezar dos esforços da junta de S. Paulo, dos governos anarquicos do Rio de Janeiro, e leis despoticas do Principe Real.
O Sr. Barreto Feio: - O Illustre Deputado o Sr. Moura falou com tanta eloquencia, e disse tanto sobre esta materia, que nada deixou a dizer áquelles que vem depois; mas eu tenho de votar sobre este assumpto, devo motivar o meu voto; direi por tanto a minha opinião, e serei breve. O despotismo desterrado de Portugal, forceja por estabelecer o seu assento no Rio de Janeiro: um mancebo ambicioso e allucinado á testa de um punhado de facciosos, ousa contravir os decretos das Cortes, ousa taxar de insubordinados, e cobardes os vencedores dos vencedores da Europa, aquelles, que em toda a parte tem sido, serão sempre fieis á sua pátria, e aos seus deveres, ousa finalmente insultar a soberania da Nação, e por tanto impor um jugo de ferro sobre á cerviz daquelles miseraveis povos. A honra nacional ultrajada pede desaggravo, a humanidade opprimida pede soccorro. Eu seria indifferente às injurias, olhando á indiscrição e leveza de quem as profere; mas eu não posso, nem devo ser insensivel às desgraças, de que vão ser victimas os nossos irmãos do novo mundo, se a tempo elles não abrem os olhos. Os seus dignos Representantes, cuja probidade, cujas idéas liberaes são bem conhecidas, e de cuja boa fé eu não duvido, dizem, que são aquelles os desejos, não dos aulicos do Rio de Janeiro, não da junta de S. Paulo, mas dos povos de muitas provincias. Elles não pertendem illudir-vos (eu o creio; mas elles estão illudidos. Os desejos dos povos da America, os desejos dos povos de Por-

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tugal, os desejos dos povos de toda a parte do mundo são de ser livres, e felizes; mas poderão os Americanos ser livres e felizes, estabelecendo uma forma de governo, pela qual um só seja tudo, e os outros nada? Poderão elles ser livres e felizes adoptando uma Constituição, que não tenha por bases essenciaes a soberania do povo, a divisão dos poderes, e a igualdade de direitos de todos os cidadãos? Não certamente. Logo não são aquelles os desejos dos povos da America, são os desejos dos seus inimigos. Senhores, a tactica de todos aquelles, que tem pertendido assumir a tyrania, tem sido sempre cobrir com a capa do interesse publico os seus projectos ambiciosos, e dizer que levão o povo á liberdade, em quanto o vão conduzindo à escravidão. Mas o dever dos amantes da liberdade, dos verdadeiros homens, he desmascarar os tyranos, mostrar aos povos os seus verdadeiros interesses, e, se elles podem, empregar a força para os livrar das garras de seus monstros; assim como he dever daquelle, que vê um seu similhante prompto a cair num precipicio, dar-lhe a mão, e mesmo servir-se da força para o salvar. Sobejas provas tem dado o soberano Congresso da sua moderação, e prudencia: agora he necessario que as de da sua energia e justiça. A prudencia quando excede de certos limites, deixa de ser prudencia, torna-se em cobardia, e vileza. A rectidão, e a firmeza de caracter são qualidades essencialmente precisas áquelles, que tem na mão as redeas do governo, e muito mais o são aos Representantes de um povo, que principia a ser livre. Roma deveu a queda do despotismo á morte de Lucrecia; mas a fundação e segurança da sua liberdade deveu-a áquella heroica virtude, com que Lucio Junio Bruto, subjugando os affectos da natureza, fez succumbir seus proprios filhos debaixo da espada da justiça. As Cortes sábiamente decretárão a extincção dos tribunaes do Rio de Janeiro, a instalação das juntas governativas, e o regresso do Principe a Portugal: as Cortes devem fazer sustentar os seus decretos. Áquelles, que se tem opposto á sua execução, são réos de lesa Nação, devem ser tratados como taes, e o Principe deve immediatamente voltar a Portugal a dar contas da sua conducta. Esta he, e será immutavelmente a minha opinião.
O Sr. Vergueiro: - Quando este negocio foi remettido á Commissão entendi, que era para ella propôr puramente medidas legislativas, e neste sentido como entendesse nenhumas havia mais proprias do que o acto addicional sobre que se estava tratando, propuz que se esperasse por elle, que depois se suppriria o que faltasse de particular: a minha proposição foi rejeitada; obrigado a dar um voto prematuro não pude apartar-me daquelle principio. A minha imaginação estava ainda muito carregada com os energicos esforços, com que neste soberano Congresso se sustentou em longos decursos que não deviamos exceder os limites do poder legislativo, concluindo-se deste principio, que não podiamos embaraçar o Governo a mandar ou deixar de mandar tropas para a Bahia, ainda que a deputação inteira desta provincia, e a quasi totalidade do Brazil requeresse contra a medida do Governo como oppressiva, injusta, e perniciosa á causa da união. Se por tão poderosos motivos o soberano Congresso não quiz exceder os limites de legislador; como poderia eu por menores motivos attrever me a propor-lhe medidas judiciarias? Não seria isto julgar desfavoravelmente da constancia de seus principios? He esta uma das razões, que me determinarão com a maior afouteza a não exceder as attribuições do poder legislativo. Além disso eu temia o perigo de procedimentos de facto no estado actual de desconfiança, em que o Brazil está, de que o soberano Congresso o quer colonizar, eu não me occuparei a averiguar se esta desconfiança he bera, ou mal fundada, considero a opinião no estado em que ella se acha; e não se diga que esta opinião não he geral, como se tem dito, e ha pouco repetiu um honrado membro: ainda que eu considero os illustres representantes de Portugal aptos para conhecer a opinião do Brazil; com tudo os do Brazil estão necessariamente mais ao facto não só por maiores relações, como pelo abundante conhecimento do estado anterior do Brazil. He por isso que eu receio, que os procedimentos judiciaes propostos pela Commissão vão fazer verdadeiros rebeldes, e uma reacção tal que não he impossivel acabar com o espedaçamento da Monarquia. A Commissão, talvez conhecendo este perigo, escolheu só 16 culpados, e propõe que se proceda contra elles e não contra outro algum. Esta arrogação do poder judiciario parece abalar pelo fundamento as Bases da Constituição, e he manifestamente injusta. Qualificar os delictos, e designar os culpados não póde caber nas attribuições do soberano Congresso; pertence ao poder judiciario depois de precederem as averiguações indispensaveis. A Commissão escolheu estes 16 culpados só na provincia de S. Paulo, achando-se implicada no mesmo negocio toda a provincia do Rio de Janeiro, a maior parte de Minas Geraes, Rio Grande, e tambem a de Pernambuco, sendo constante que a sua junta do Governo escreveu ao Principe Real, mandando a este soberano Congresso a copia da carta em que approva, e elogia a conducta de S. Paulo, e adopta as mesmas expressões, e discorre sobre as mesmas suspeitas; porém a Commissão para escolher os culpados só na provincia de S. Paulo, exagera a imputação que lhe faz, attribuindo-lhe o que se não prova; como passo amostrar. Diz a Commissão que não póde deixar de olhar a provincia, de S. Paulo, ou falando com mais exactidão a sua junta de Governo como a primeira autora dos acontecimentos do Rio de Janeiro. Este facto he contra a notoriedade publica: pois que todo o mundo sabe que os decretos em questão logo que chegarão ao Rio de Janeiro fizerão ali uma impressão terrivel, pondo todo aquelle povo em movimento, e que sendo dalli enviados a S. Paulo, produzirão lá a mesma impressão, e igualmente em Minas Geraes. Quem attribuirá pois a S. Paulo os primeiros acontecimentos do Rio do Janeiro. Não he mais natural o juizo inverso? A Commissão attribue á junta de S. Paulo motivos torpes de se oppôr aos decretas em questão, e diz: 1.° que o da organização dos Governos provinciaes ameaçava o poder da junta, cujos membros talvez não esperassem ser reeleitos. He muito arbitraria e destituida de fundamento esta asserção:

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não se póde conjectuar tal receio. E qual seria o resultado da nova eleição? Ou os membros da junta actual não erão reeleitos, e nada perdião, porque estão servindo de graça sem ordenado nem emolumento algum: ou erão reeleitos, e lucravão 1:000$00 de réis por anno. Não se póde pois presumir que a junta se oppuzesse por um tal motivo; sim pelos inconvenientes que considerava na organização dos novos Governos: 2.º que com a extincção dos tribunaes cessavão perto de dois mil empregados. Que importava á junta de S. Paulo com os dois mil empregados do Rio? Era melhor que a Commissão examinasse a mudança politica ameaçada por este decreto, e deduzir della os motivos da junta de S. Paulo. Diz o decreto: attendendo a terem cessado as causas, pelas quaes se estabelecerão no Rio de Janeiro diversos tribunaes ... ficão extinctos todos ... os negocios ... serão de ora em diante expedidos, como erão antes da sua creaçao. Este retorno dos negocios ao antigo expediente he o que no Brazil se chamou recolonização, e o motivo que fez obrar a junta de S. Paulo, sem lhe importar a fortuna ou desgraça dos 2$ empregados do Rio. A meza do desembargo do Paço que este decreto mandou crear na nova relação do Rio já tinha existido em outro tempo, e existia em todas as relações do Brazil por isso nenhuma melhora a acrescenta ao estado antigo; exceptuando-se de sua jurisdicção tudo o que são mercês, e graças; cartas de magistrados; patentes militares; provimentos de beneficiados; officiaes de justiça, e fazenda, que tinhão carta assignada pelo Rei. Seguindo-se daqui que um bacharel para ser juiz de fóra ficava na necessidade de vir a Lisboa: da mesma sorte um padre para conseguir um beneficio de cem ou duzentos mil réis. Foi isto o que produziu o excitamento da junta, e provincia de S. Paulo e não a sorte de 2$ empregados do Rio. 3.° Continua a Commissão: com o regresso de S. A. R. o P. R. acabava-se a Corte do Rio de Janeiro, e com ella as esperanças de grandeza, graças, e mercês. Aqui póde haver alguma verdade, porque qualquer póde aspirar a mercês até com muita justiça se para ellas tem merecimento e serviços; e melhor he ter este recurso perto, do que longe. Mas porque se dirá que a junta de S. Paulo só teve em vista esta especie de recurso, e não todos os outros necessarios para o bom governo do Brazil ? Argue a Commissão que a junta de S. Paulo nega ao Congresso o direito de legislar para o Brazil sem terem vindo os seus Deputados. A junta não nega ao Congresso nacional o legislar para o Brazil; nega que a menor parte dos representantes da Nação possão legislar para a Nação Inteira, e he isto o que acontece. Quando se installou o soberano Congresso reconheceu-se nelle que era necessaria a presença de dois terços dos representantes para poderem legislar, e como existião estes dois terços dos de Portugal principiarão os eus trabalhos relativamente a Portugal , não podendo suas leis obrigar a Nação inteira; porque não estavão juntos os dois terços dos representantes della, nem a metade. Sendo o total dos representantes da Nação perto de 200, pois que do Brazil ainda faltão 32, e faltão os da Asia, e Africa, e achando-se na sessão de 29 de Setembro só 79 quem dirá que os decretos nella sanccionados obrigão a Nação inteira? Se assim he, a parte menor póde legislar sobre o todo, e lá se vai embora a essencia do systema representativo. Mas eu creio que ninguem dirá que 79, isto he, muito menos dos dois terços, e muito menos de a metade póde legislar para o todo, e por consequencia nenhum direito ha de arguir a junta de S. Paulo porque negou essa autoridade não ao Congresso nacional, mas aos 79 representantes, a que chamão uma mera fracção de grande Nação Portugueza. Agora direi algo na cousa sobre cada um dos artigos do parecer: 1.º a installação das novas juntas parece-me um trabalho, que, podendo produzir inconvenientes, nenhum proveito póde dar; supponho que isto he uma lei por 15 dias; porque tendo já entrado em discussão os artigos addicionaes, brevemente se regulará a forma dos governos do Brazil por um methodo constante. Sobre o 2.º já disse o que o cumpria: o 3.º contem uma amnistia parcial, que por isso mesmo he injusta, e eu a reprovo. Como se póde conformar com os principios da justiça, escolherem-se 16 culpados entre uma grande multidão, sem precederem as necessarias averiguações; e dizer-se: sobre estes 16 carregue todo o rigor da lei; e ainda que entre os outros haja algum, ou alguns muito mais culpados que os 16, não sejão incommodados? Não he isto arbitrariedade e injustiça? 4.º Os motivos que tem demorado os Deputados de Minas Geraes são já bem conhecidos; sabe-se muito bem que são os mesmos que tem produzido os acontecimentos do Rio de Janeiro; por isso era melhor cuidar em removelos do que perder tempo em informações. 5.º Eu nunca me opporei a que se faça effetiva a responsabilidade dos ministros de Estado do Rio, nem de outro algum empregado; mas no que não posso convir he na desigualdade proposta: exigir a responsabilidade dos ministros e nãoexigila do Principe Real, a quem nenhuma lei faz inviolavel, repugna com a igualdade de lei. Voto por tanto que havendo culpa respondão todos; ainda que desapprovando eu muito o decreto de 16 de Fevereiro pela monstruosa mistura de ministros com procuradores dos povos, não me posso persuadir, que este conselho informe se dirija ao exercicio do poder legislativo, que se diz o Principe quer arrogar: eu supponho que elle será consultado, e proporá ao Principe planos e medidas de sua competencia; e dirigirá ao soberano Congresso seus trabalhos nos negocios, que exigirem medidas legislativas, não como iniciativas de leis; mas como informações, ou memorias, o que he permittido a qualquer cidadão.
7.° .Sobre a estada de S. A. R. no Brazil até a publicação do acto addicional, quizera que ás ultimas se substitui-se «em quanto convier» Póde ser que as circunstancias exijão, que se demore lá mais tempo; e para que havemos de dizer agora que não? He isto o que entendo em geral sobre o parecer da Commissão: e se com os olhos sempre fitos na integridade da Monarquia, passei por algum facto particular sem lhe dar a devida attenção, consigamos o fim, que tanto interessa á Nação, e nenhum pesar terei do meu esquecimento.

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O Sr. Guerreiro: - (*) Sr. Presidente, eu não poderei dizer cousa alguma, que não tenha já sido dita, muito mais porque tendo tido a honra de ter escolhido pelos meus illustres Collegas na Commissão para extractar suas opiniões, e redigir o relatorio, este trabalho serviu-me de lição, e he por isso que as minhas opiniões são as mesmas daquelles que me ensinarão. Todavia, para cumprir com o meu dever, direi quaes as minhas idéas a similhante respeito. Disse um illustre Preopinante, que os documentos que a Commissão tinha visto, não erão bastantes para delles inferir, que o procedimento da junta de S. Paulo fôra a causa e a origem do descontentamento geral que se observava no Brazil, e deste modo accusou a Commissão. De certo, a Commissão entrou nesse conhecimento, e por essa razão foi, que ella expoz este parecer, olhando ao mesmo tempo para as pessoas sobre quem devia recahir a responsabilidade. A Commissão fez isto não porque esteja certa, ou acreditasse mesmo, que da junta de S. Paulo tinha partido a primeira faisca electrica; pelo contrario, os papeis publicos dão a entender que no Rio de Janeiro foi aonde principiou esse descontentamento: com tudo, a junta de S. Paulo foi a primeira que desenvolveu e manifestou vistas muito mais extensas! Foi a primeira que levantou a voz para calumniar este soberano Congresso; foi aquella que se julgou desobrigada á obediencia que devia ter a este soberano Congresso; foi aquella que disse ao Principe Real que não cumprisse o que lhe era ordenado; e finalmente a primeira que se tornou rebelde!!! A combinação das mesmas datas, a que recorreu o illustre Deputado que ha pouco falou, convencerá disto mesmo: e em seu apoio trará, por exemplo, uma carta do Principe Real na qual elle mesmo diz: (leu). Desde o primeiro momento, os descontentes concordarão com os de S. Paulo; e isto poucos dias depois de terem lá chegado os decretos das Cortes.
Com effeito, a junta de S. Paulo, senão foi a primeira em manifestar o descontentamento, foi a que lançou mão delle, para fins que lhe convinha. A Commissão no seu parecer diz, que he sem razão alguma que a junta de S. Paulo nega às Cortes o poder legislar para o Brazil: no parecer estão expendidas todas as razões porque se mostra que o Congresso não se arrogou um poder que elle não tivesse já.
Senhores, nós estamos metidos em uma matéria da maior importancia, ella exige um exame mui serio, e por isso se deve tratar com toda a madureza. Já ha tempo um illustre Deputado do Brazil fez uma indicação na qual propunha, que as Cortes decretassem que os governos do Brasil governariam independentemente até á factura da Constituição: agora se estabelece isso mesmo em contrario negando ao Congresso o poder legislar para o Brazil: esta indicação de que falo, foi remettida á Commissão, na presuasão que brevemente seria discutida; porém como o não tem sido, e tem decorrido tanto tempo, eu não posso deixar de manifestar a minha oppinião. Não nego ao Brazil, assim como a todos os povos do Universo, que no momento em que se trata de fazer o pacto social, qualquer individuo se possa separar não lhe agradando, assim como de uma associação. Em virtude deste direito imprescretivel ás provincias do Brazil poderão fazer isto: seria na verdade a sua desgraça; porém se ellas assim o pensassem o podião fazer.
Todavia, as provincias do Brazil, só tiverão esta idéa por um instante. No mesmo momento em que ellas declararão a intenção de fazer novo pacto social, no mesmo momento ellas reconhec~erão a vontade de obedecerem às Cortes de Lisboa, no mesmo momento reconhecerão a ElRei o Sr. D. João VI, como chefe do Poder executivo, e daqui se mostra, que estes vinculos de amor e respeito, nunca se desunirão; (Apoiado, apoiado). Eu reconheço que era necessario que todos os Representantes da Nação se reunissem: mas para legislar, bastava que toda a Nação tivesse declarado os seus desejos, e a sua vontade. (Apoiado, apoiado).
Diz a Commissão no seu parecer = são verdades de facto, e só com factos he que se provão = o mesmo digo eu, e por esta occasião peço licença ao soberano Congresso para ler alguns extractos da correspondencia vinda do Brazil, e do que se mostra, e se convencerão todos os que me ouvem, que não foi só o Rio de Janeiro, S. Paulo, e Minas, quem declarou obediencia às Cortes, mas sim todo o Brazil.
Na Provincia do Espirito Santo, como diz o governador della escrevendo ao Sr. Secretario das Cortes, diz o seguinte: «Rogando mais a V. Exca. haja tambem de levar ao conhecimento do mencionado soberano Congresso, que no dia 14 de Julho do corrente anno (de 1821) foi prestado por mim, pelo clero, tropa, nobreza, e povo desta villa solemne juramento á Constituição e suas bases, simplesmente e sem restricção alguma: e da mesma fórma logo depois em todas as outras villas com o maior contentamento e regozijo, e sem que houveste o mau pequeno rumor em contrario.» Tal he a lingoagem com que se explica este governador.
A junta provisional do governo da provincia da da Bahia, per si, e em nome, e como representante do povo da mesma provincia, appressa-se a levar ao conhecimento do soberano Congresso nacional, junto em Cortes, a heroica resolução tomada nesta boa cidade em o dia 10 do corrente Fevereiro (1821) resolução pela qual esta provincia jurando a Constituição, que o soberano Congrego houver de proclamar, obediencia ao muito alto, e poderoso Rei o Sr. D. João VI, e á sua real dynastia, e a conservação da santa religião que professamos, se declara adherir ao supremo Governo de Portugal. Parece-me não póde haver expressões mais claras.
A junta do governo das Alagoas diz em um relatorio enviado ás Cortes. «No dia 26 de Abril (1821) se celebrou na villa das Alagoas com indisivel applauso e festival contentamento o juramento á Constituição

(*) Neste discurso Do Sr. Deputado Guerreiro faltão alguns periodos, e outros não estão exactos; porque a longa discussão impossibilitou o tachigrafo de prestar toda a attenção.

Nota do Redactor
TOMO VI. Ffff

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ção tal qual se está fazendo em Lisboa, e com sagrada obediencia á religião, ao Rei, e ás Cortes, segundo o mesmo juramento por todas as villas da provincia.»
Os testemunhos da provincia de Pernambuco são tão conhecidos, que não necessito referilos.
No Rio Grande do Norte em 24 de Maio de 1821, jurárão o governador, camara, ouvidor, officialidade da 1.ª e 2.ª linha, e ordenanças, clero, nobreza, e povo pela fórma seguinte. «Juro veneração, e respeito á nossa santa religião, obediencia a ElRei..., manter, guardar, e conservar a Constituição da Monarquia tal qual se fizer em Portugal pelas Cortes.»
Os membros do governo provisorio do Seará jurarão em nome de Deus e aos santos Evangelhos «desempenhar bem e fielmente as obrigações do seu cargo com subordinação às fortes Geraes Extraordinarias Portuguesas, segundo as leis estabelecidas, e as reformas que se houverem de fazer.»
A junta do governo provisorio do Piauhi escreveu ás Cortes. «A junta espera que Vossa Magestade tomando em consideração os motivos expendidos no auto, haja por bem approvar a installação do governo provisorio..., até que Vossa Magestade designe a forma geral do governo das capitanias do Brazil.» E mais abaixo diz. «A mesma junta aproveita esta occasião de felicitar a Vossa Magestade para protestar a sua obediencia, etc.
No Maranhão em 6 de Abril de 1831, todas as autoridades, officiaes militares, camara, clero, nobreza, e povo jurarão obediencia e fidelidade a ElRei o Sr. D. João VI, ás Cortes estabelecidas em Lisboa, á Constituição que ellas fizerem.»
O Governo provisorio do Pará escrevendo á junta provisional de Portugal diz «chamados pelo voto livre e espontaneo dos habitantes desta cidade ao governo provisional da capitania, temos a honra de participar a Vossas Exellencias, que no dia 1.º de Janeiro do corrente anno (1821), o povo, as tropas, e todas as autoridades constituidas desta capital acclamárão, e solemnemente jurarão obediencia a ElRei o Sr. D. João VI, ás Cortes nacionaes, e á Constituiçao que por ellas for estabelecida.
Quanto ás provincias do sul, no relatorio da Commissão se acha apontado quanto basta para o que me propuz provar.
Eis-aqui alguns textos que eu extrahi dos documentos que existem na secretaria das Cortes, e nas diversas Commissões, e dos quaes se vê, e claramente se mostra, que todos as provincias do Brazil, no mesmo momento que isto fizerão, declararão obediencia às Cortes que já estavão instaladas em Lisboa; desde esse mesmo momento ficarão as Cortes autorizadas para legislar como bem lhes pereça se para aquellas provincias do Brazil: e partindo deste principio verdadeiro, segue-se, que todos aquelles que são contra as decisões das Cortes, são tambem contra a vontade dos povos.
Disse um illustre Deputado do Brazil, que no dia em que se sanccionou pelo soberano Congresso, o decreto, contra o qual elles tem declarado guerra, apenas se achavão no Congresso 79 Deputados, e que por isso elle he illegal, e muito mais o he, por não estarem reunidos os Deputados do Brazil; com effeito, se isso he verdade, não havia duvida alguma que não se podia fazer tal, e só quando estivessem reunidos todos os seus representantes; porém como o motivo principal que obrigou a tomar uma tal medida foi o conhecimento da vontade dos povos, segue-se que não se tornava necessario estar completa tal reunião. (Approvado, approvado.) Um illustre Deputado autor da indicação em que eu já falei, perguntou, se por esta declaração que fizerão as provincias do Brazil ficavão sujeitas a uma obediencia cega; e passiva ás Cortes? Por obediencia céga entendo eu aquella, que obriga a obrar á força; e a esta nunca se está obrigado: mas obediencia passiva he commum a todos, e a esta obediencia está sujeito todo o Brazil. E porque está enjeito? Porque elle assim o quiz. Quanto ao argumento das Bases da Constituição, argumento produzido em todos os papeis do Rio de Janeiro: o illustre Membro que falou, já disse bastante a este respeito, e eu agora só tenho a dizer o seguinte: o que se requeria unicamente, era a declaração dos povos do Brazil, estes fizerão-na, e por conseguinte, como isto foi feito pelos representantes, segue-se que tem uma força muito maior. Além disto, Senhores, disse-se, que este acto não era legal em quanto não fosse sanccionado pelos Srs. Deputados do Brazil; porém o que eu vejo he, que desde que os illustres Deputados do Brazil entrárão neste Congresso, elles tem sido considerados como Membros delle, e elles tem tido voto em todos os negocios que aqui se tem tratado. Quanto a dizer-se (o que já por varias vezes se tem dito, e por isso agora he necessario desenvolver este negocio) que era necessario, que se fizesse a Constituição; mas que esta devia ser sanccionada pelo Brazil, e pelos seus representantes: isto he erroneo, e contem uma idéa falsa. Os illustres Deputados do Brazil, não vierão aqui para contratar com as Cortes de Lisboa, elles vierão aqui (o que bem expresso he nas suas procurações) para terem voto nas deliberações do Congresso. Por conseguinte, tudo o que se decidir á pluralidade de votos, como se devem decidir em qualquer assemblea os negocios que nella se tratão, não deixa de ser obrigatorio para com todas as provincias do Brazil: não ha cousa mais natural, do que dever estar o menor numero pela vontade do maior, porque he esta a que deve prevalescer.
Passando a falar da provincia de Minas Geraes, digo, que he esta uma daquellas que pareceu figurar nos acontecimentos do Rio de Janeiro, mas que não figurou, pelo menos não tem apparecido por ora documento que o justifique, á excepção do Vice-Presidente da junta; porém depois se tem comportado mui bem, até tomando algumas providencias, e pedindo a sancção deste Congresso: claro está que se elles fazem isto, he porque reconhecem neste Congresso o direito de legislar para o Brazil. A respeito porém do que disse o illustre Deputado que falou contra o parecer da Commissão, dizendo, que as juntas se queixão, não da criação das juntas provisorias em cada

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provincia, mas que se queixão da fórma como este soberano Congresso mandou proceder a este respeito. A junta calumnia as Cortes em tudo quanto ella tem determinado: suppõe que quanto as Cortas fizerão não foi com outro fim mais do que escravizar o Brazil: examinemos este ponto. A criação das juntas não he obra das Cortes como parece; para ellas tinha concorrido a vontade dos povos. Não vimos nós no Rio Grande do Norte criarem-se tres juntas por tres vezes já? Certamente: e por isso se torna evidente, que era necessario a estas juntas substituir-lhe outras que fossem escolhidas pela vontade dos povos: isto foi o que as Cortes determinárão no decreto. Diz-se, mas as Cortes não pretendião outra couza mais do que tirar a representação a esta junta. Esta accusação he sem duvida de todas a mais atroz, e a mais calumniosa: he impossivel que homens de bom senso não reparassem na situação em que as Cortes naquelle tempo se achavão: he impossivel que elles não reflictão, em que era necessario dar ao Governo alguma influencia sobre a administração das provincias. As Cortes imaginárão, que não havia outro meio senão o conservar a administração da fazenda, e os negocios militares nas mãos do governo. Quanto ao poder judiciario que o illustre Preopinante achou fóra de propósito estivesse excluido das attribuições das juntas, parece-me he injusto, e falso este principio, porque no meu entender he este um poder que não só deve ser independente das juntas, mas até do poder executivo, e legislativo. As juntas provinciaes por serem escolhidas pela vontade dos povos, não deixão de ter uma tendencia para estenderem os seus poderes, e talvez sejão estas as que disso tem mais desejos.
O illustre Deputado pertendeu justificar a junta de S. Paulo, enfraquecendo as suas attribuições, e disse, que os povos perdião com isto: com tudo, isto não he o que diz a junta de S. Paulo: eis-aqui o que ela diz (leu.) A este respeito a junta de Pernambuco fez justiça na resposta que deu ao Principe Real; ella mesma se admira de que isto fizesse uma perda intoleravel, e insoffrivel. Alguns illustres Preopinantes que tem falado contra o parecer da Commissão, achão impossivel que a Commissão preferisse um tal parecer. A Commissão examinou com a maior attenção os documentos que lhe foi ao apresentados: á vista destes assentou, que a camara de S. Paulo devia ser reprehendida com a censura, vista a maneira criminosa com que tinha precedido na sua representação. A de Minas julgou que não devia ser criminosa, porque ella não figorava em cousa alguma, pelo menos não apparece na Commissão papel algum que o justifique. Essa fala feita no Rio de Janeiro pelo seu presidente, foi effeito do seu sentir, e não de toda a junta. A Commissão achou que aquella representação está contida no direito de petição, e em mui poucas cousas o excede: estas forão as razões que a Commissão leve em vista para assim obrar.
Outro illustre Deputado accusou a Commissão por esta se ter intromettido nas attribuições do poder judiciario. De certo a Commissão nunca imaginou o querer intrometter-se nas attribuições do poder judiciario: seus Membros olhão com horror similhantes meios: todavia a Commissão não podia deixar de propor a este Congresso as razões pelas quaes achava haver crime, sem que igualmente propozesse o seu parecer; e fazendo isto, não usurpou faculdade alguma judicial, de mais, ella não aponta lei alguma a que aquelles factos sejão contrarios; ella não declara a pena que se lhe deve impor, e he ella mesma quem diz, que quando houver alguma pena condemnatoria, se não execute sem que primeiro suba ao conhecimento do Congresso: nisto mesmo mostra a Commissão, que não pertende metter-se nessas attribuições. A Commissão terá grande gloria, vendo que em Portugal ha juizes, que independentes do parecer da Commissão ter sido este, elles julguem só guiados pela sua consciencia.
Um illustre Deputado ataca o parecer da Commissão na parte em que diz - que não se procederá senão contra as pessoas designadas no artigo.- Admiro-me que o illustre Deputado depois de ter estalado na Com missão, e vendo a qualidade dos motivos que induzirão a Commissão a isto; se attreva a desaccreditala ainda! A junta de Pernambuco, não teve ingerencia, nem incorreu para a desobediencia dos decretos das Cortes, nem para os acontecimentos do Rio de Janeiro. Quando ao Principe Real foi presente a representação da junta de S. Paulo, a do Pernambuco que fez? Apoiou alguns artigos, e outros não. Aonde está aqui a rebelião? Se ella sómente manifestou a sua opinião, segue-se que não havia motivo algum para que a Commissão lhe pedisse responsabilidade. A Commissão não nega que haja mais culpados, porém a Commissão reconhece, que em acontecimentos politicos, pede a prudencia se ponha um termo á vingança. (Apoiado, apoiado.) He necessario cortar pela raiz as desgraças que lhe são imminentes: e por isso a Commissão tendo em vista estas razões he por isso que propõe, que só contra os mencionados se proceda; muito mais porque em taes successos, figura sempre um numero de pessoas, as quaes todas as outras seguem como illudidos. He necessario destinguirmos os culpados dos seduzidos (Apoiados apoiado.)
O mesmo illustre Deputado achou que a Commissão tinha obrado arbitrariamente quando disse, que o motivo de descontentamento da junta era em consequencia do decreto que mandava criar novas juntas: com effeito a Commissão quando disse isto, não foi porque tivesse provas certos disto, nem de que estes fossem os motivos que a junta tinha, porém a Commissão achou, que para as juntas se opporem a isto não podia haver motivo mais forte do que este, porque a delicadeza que elles devião ler os obrigarião a isto, visto que atacavão os seus interesses particulares. Disse o illustre Preopinante que os membros da junta de S. Paulo, nenhum interesse tem nisto, porque não percebem ordenado, assim he; mas não só segue que elles o não venhão a ter para o futuro; e além disto o illustre Deputado sabe mui bem, que he este o caminho por onde se sobe a outros maiores: temos o exemplo no Rio do Janeiro; quem he agora o secretario? Não he aquelle que foi vice-presidente da junta de S. Paulo? Certamente. Um illustre De-

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putado proferiu uma razão, que não me parece bem fundada, e com a qual me não posso conformar; porque os seus desejos erão que ha muito tempo se tivesse discutido esta materia, isto he, desde que aqui appareceu a representação da junta de S. Paulo.... Porém agora que nós vemos o clero separado, apresentando era massa, a representar sobre negocios civis; ao mesmo tempo que vemos no Rio de Janeiro desobedecendo aos decretos das Cortes; quando vemos o Principe Real procurando innimisar os povos do Brazil; quando vemos as expressões com que o mesmo Principe Real enche as suas cartas; quando os factos nos mostrão que ha um fim dirigido a estabelecer o antigo dispotismo no Brazil: será neste estado de cousas que nós devemos desprezar isto?
Senhores, antes de cuidarmos em constituir o Brazil, he necessario primeiro que tudo applicar-se-lhe o remedio que cure suas feridas, para depois cuidarmos na sua organisação. Nós sabemos da existencia de partidos que ha no Brazil: o mesmo Princepe Real foi quem deu parte delles a seu Pai, enunciando até quaes os meios de que se devia servir para os excluir. As intenções desse partido he o formar uma monarquia despotica, e uma anarquia; e neste estado será possivel que nós descansemos, seco se lhes applicarem providencias para atalhar esses malles? Seguramente não. Logo não tem razão alguma o illustre Preopinante para avançar similhante proposição. O mesmo illustre Preopinante acaba de dizer, falando do artigo 4.° que propõe a Commissão, que seria melhor se propozesse alguma providencia a respeito dos Deputados de Minas Geraes: Se constasse á Commissão o motivo por que elles erão retidos, então ella daria outras providencias: porém o que consta á Commissão he, que a junta de Minas Geraes parece desapprovar o procedimento dos seus Deputados: com tudo a Commissão não sabe quem são os culpados, se o são os Deputados, ou a junta; Se ella soubesse que erão os Deputados, ella seria de parecer, que elles fossem lidos como indianos da confiança publica; porém como o não sabe, he por isso que ella exige informações. Impugnou o mesmo illustre Deputado o fazer-se effectiva a responsabilidade dos secretarios de Estado do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que não se tomava a responsabilidade ao Principe Real: eu concordo com o illustre Preopinante que o Principe Real não he inviolavel; elle está, como outro qualquer cidadão obrigado a obedecer às leis; e por conseguinte, logo que não obedeça, incorre em crime, que deve ser tanto punido, como se fosse outro qualquer cidadão. Depois do Rei todos os empregados, subalternos do Governo estão sujeitos á punição de uma pena que lhe for decretada. Vou ver se me he possivel fazer concordar o illustre Preopinante com o parecer da Commissão. Eu não comprehendo as expressões das cartas do Principe Real, falo sómente sobre os actos governativos executados no Rio de Janeiro. Com que poderes ficou o Principe Real governando no Rio de Janeiro? Foi por um decreto dado por ElRei seu Pai em 20 de Abril de 1821 , em tempo em que o systema constitucional era amado no Rio de Janeiro; em tempo em que o ministerio do Rio de Janeiro andava às apalpadelas; em tempo em que ElRei julgou necessaria lá a presença do Principe; e foi então que se dignou delegar certos poderes em seu Filho, a quem deu instrucções: e o que se determinava nessas instrucções? Eu peço licença para ler (leu). As instrucções da creação e regencia do Brazil, impunhão a responsabilidade sómente aos ministros. Verdade he que isto era contrario aos verdadeiros principios em que se funda o systema constitucional; porém como estes principios ainda se não achavão arreigados no Rio de Janeiro, foi o motivo de tal se fazer. Porém como não havia decreto algum deste Congresso que revogasse as instrucções que o Principe Real tinha, segue-se, que pelos actos governativos até agora praticados não se póde exigir a responsabilidade senão dos ministros. Eis o que entendeu a Commissão. Isto, torno a repetir, hão he conforme com os principios actuaes; mas comparado com o estado das cousas, não póde deixar do assim se fazer. Parece pois, que a Commissão teve razões muito fortes para obrar de similhante maneira. Que o decreto de 16 de Janeiro do presente anno he uma usurpação da soberania nacional, ninguem o póde duvidar; assim como decidir; elle mostra demais a mais o desejo que ha de promover, e restabelecer o imperio despotico, vontade esta sem duvida alguma do Rio de Janeiro. Nós não podemos deixar de conhecer as razões com que a Commissão disse que na representação da junta de S. Paulo achava fins sinistros. Senão digão-me qual he o fim por que se mandão juntar os procuradores das provincias? Não he para representar às Cortes, como se quer inculcar; mas para outros fins..... Que qualidade de conselho será este que se pretende fazer? He um conselho, no qual os ministros tem voto, e no qual só a vontade dos ministros he que decide às deliberações! E que he isto senão o restabelecimento do poder despotico! Logo segue-se que aquelle decreto foi criminoso, e anti-constitucional, logo áquelles ministros que o aconselhárão: logo o Secretario de Estado José Bonifacio de Andrada, por quem elle se acha referendado, devem ser por isso responsaveis, e por todos os actos por elles praticados, devendo dar as razões por que assim procederão contra as ordens de ElRei, e do soberano Congresso.
Ainda que o illustre Deputado nada dissesse contra o artigo 6.º proposto pela Commissão, com tudo eu direi o motivo por que ella o propoz. Neste projecto propoz a Commissão aquellas modificações que lhe parecerão necessarias para se fazer a união das provincias. Como ella no 1.° artigo propõe que se faça effectiva a creação das juntas provinciaes, julgou por isso a Commissão que devião ir estas instrucções irestas razões por que assim obrou.
Resta-me unicamente falar sobre se deve, ou não deve, vir o Principe Real para Portugal. He bastante difficultoso o pronunciar uma opinião final a este respeito. O Principe Real deixou-se illudir; as pessoal de que está rodeado tem feito com que tenha desobedecido aos decretos das Cortes, e por isso he necessario fazer manter a autoridade do Congresso, e de ElRei. O Principe Real deve voltar para Portugal, ainda mesmo que depois da sua chegada, elle volte

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2 horas para o Brazil (approvado). Estas são as razões mais obvias que occorrem a todos. Qual a razão porque a Commissão não profere isto no seu parecer? Não foi por respeito ao Principe Real; mas porque viu que aquelles povos estavão persuadidos, segundo noticias que se tem espalhado, de que este soberano Congresso quer colonizar o Brazil: foi por isso que a Commissão julgou o Principe Real devia ficar ali; e julgou que se lhe devia nomear um ministerio. Disse num illustre Deputado que quereria antes, que em lugar do Principe Real, se mandasse um regente: eu seria tambem dessa opinião, se se achar algum meio que produza esse effeito, a estada do Principe Real no Rio de Janeiro, he absolutamente inutil: mas se se achar necessario que vá um regente (ainda que eu não sei o que vai lá fazer este regente; porque se vai pôr no mesmo estado em que está o Principe Real, isto he, sendo apenas um governamento de uma provincia) e eu não serei de opinião que vá o infante D. Miguel; mas se deve dizer a ElRei, que se deixa essa escolha, esperando a fará como melhor convier; deixando-se a ElRei a liberdade de lhe cessar os poderes, no caso que elle assim o julgue necessario.
Por conseguinte, em resumo de tudo o que tenho dito, concluo, que me parece que todas as observações que tem sido expostas contra os artigos da Commissão, não tem sido bem fundadas antes pelo contrario o juizo que a Commissão fez a respeito da junta de S. Paulo; da representação do bispo; e do acto do Rio de Janeiro, são conformes com os principios constitucionaes, com a razão, e dignos da attenção deste augusto Congresso. Pelo que respeito ao regresso do Principe Real, a Commissão nada teve em vista, nem outros motivos a guiárão, senão o bem daquelles povos.
Ficou adiada a discussão.
O Sr. Borges Carneiro mandou para a meza a seguinte

INDICAÇÃO.

Que a censura das cartas e procedimentos do Principe Real se fizesse em uma das conclusões, ou artigos do parecer, sem bastar mencionado no relatorio, e que ao que ali se refere, se accrescenasse "que as Cortes esperão que o Principe conhecendo a enormidade das expressões, com que tanto offerecia a nação portugueza, representada nas Cortes, e [...] aproveitando-se de seus poucos annos: e que se nesta esperança lança um véo sobre tão grave offença, certas ce que S. A. R. cairá em si, e reconhecerá que não póde ser nada sem a nação, e que o seu maior interesse he trabalhar por herdar com a coroa as virtudes de seu augusto Pai. - Borges Carneiro.
Ficou para 2.ª leitura.
Propoz o Sr. Presidente: se deveria continuar a sessão, sem embargo de estar a findar o tempo determinado? - Determinou-se, que se continuasse na leitura da redacção do decreto para as proximas eleições. Leu o Sr. Soares de Azevedo o preambulo, e artigos. Leu o Sr. Soares de Azevedo o preambulo com a enumeração de 32 (Vide Diario pag. 523): o se approvou juntamente o artigo 33 até o § 4 deste ultimo artigo.
O Sr. Deputado Corrêa de Seabra fez um reparo a respeito da frase, porque está enunciado o § 5: e depois de breves reflexões, se determinou, que se expressasse o § na forma indicada pela emenda offerecida pelo Sr. Deputado Moura, a qual he: os estrangeiros que obtiverem carta de naturalização.
Approvárão-se os artigos 33 - a, 33 - b, 33 - c, e os §§ deste ultimo artigo desde o 1.º até ao 4.°, e os dois primeiros períodos do § 5. O Sr. Deputado Macedo propoz, que se supprimisse a determinação que se contem no período deste §, em que se trata do supremo tribunal de justiça, por não existir ainda esse tribunal, e poder similhante expressão causar confusão nas proximas eleições: approvou-se esta emenda, e se supprimirão aquellas palavras.
Approvárão-se os artigos 36 e 37. O artigo 38 ficou adiado, por depender a sua approvação do projecto do Sr. Deputado Franzini a respeito das divisões eletioraes. Os artigos 38 - a, 38 - b, 38 - c, 38 - d, e 38 - e ficárão approvados. O artigo 38 - f, em razão de uma observação do Sr. Deputado Sarmento relativamente a estar a ilha de Fernando do Pó cedida á Hespanha pelo tratado de 1778, foi emendado pela seguinte fórma: As ilhas de S. Thomé, e Príncipe, e suas dependencias, formárão uma divisão, a qual dará um Deputado, sendo a ilha do Príncipe o ponto de reunião dos eleitores. A emenda da derradeira parte do artigo foi proposta pelo Sr. Deputado Miranda. Approvou-se o artigo 38 -- g, e 38 - h. O Sr. Deputado Arriaga propoz que se expessasse no artigo 38 - i a cidade do nome de Deus de Mação: e assim se determinou. Os artigos 39, e 40 forão approvados. No artigo 41 propoz o Sr. Deputado Freire, que o ultimo período do artigo se declarasse pela seguinte maneira, por escala, ou antiguidade, e desta fórma se approvou o artigo. O artigo 42 foi emendado, supprimindo-se a ultima parte, e substituindo a palavra esta, em vez de cada, ficando deste modo: Esta legislatura durará dois annos.
Forão approvados os artihos 43, 44, 45, 45 - a, 47, 47, 47 - a, 48, 49; advertindo-se neste artigo o erro typografico de privativamente, em vez de previamente, como devia estar. Os artigos 50, 51, e 52 tambem se approvárão. Approvou-se o artigo 53, supprimindo-se a palavra symbolico sómente. Tambem só approvárão os artigos 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 63 - a, 63, - b, 63 - c, 64, 65, 66, 67, 68, e 69; notando-se neste ultimo artigo o erro typografico da palavra repetidos, que deve ser remettidos. O Sr. Deputado Freire propoz, que se accrescentasse ao artigo 70 as palavras, depois da sua recepção, vindo o final do artigo a expressar-se desta maneira, devendo as mesmas juntas; ou camaras, expedir as ordens necessarias para esse fim, dentro do impreterivel prato de quinze dias, depois da sua recepção.
O artigo 71 foi approvado. Approvou-se o artigo 72; declarando-se, que os Deputados ordinarios, que sairem eleitos, partirão logo para Lisboa, e se apresentarão á deputação permanente, ou às Cortes.

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O Sr. Secretario Soares de Azevedo propoz, que á proporção, que viessem chegando os Deputados do Reino do Brazil, e das províncias do Ultramar, para as futuras Cortes, se decidisse pela sorte quaes dos Srs. Deputados actuaes deverião ser excluídos, para em seu lagar entrarem os das respectivas províncias: e assim se decidiu.
Propoz o Sr. Deputado Borges Carneiro, que a emenda proposta pelo Sr. Deputado Miranda ao artigo 28 - f se entendesse sómente como addição áquelle artigo, ficando nos outros lugares a redacção, como está, com a declaração de cabeça de decisão eleitoral, em vez de ponto de reunião, como havia proposto o mesmo Sr. Deputado Miranda: decidiu-se na fórma da proposição do Sr. Deputado Borges Carneiro.
Determinou-se, que o decreto para as eleições se não expedisse até se tratar do projecto das divisões eleitoraes.
Deu o Sr. Presidente para a ordem do dia a continuação da discussão do parecer da Commissão especial de negócios políticos do Brazil, principiada na presente sessão; para a hora da prolongação os pareceres das Commissões.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. Presidente. Parece que conviria muito depois de acabada a discussão sobre o parecer da Commissão, que hoje tem sido submettido ao exame do Congresso, que as Cortes proclamassem ao Brazil. Tem havido nisto algum descuido, por esta falta tem o Congresso sido injuriado, e marcado calumniosamente nas suas determinações de ter intenções sinistras a respeito do Brazil. Os brazileiros necessitão ouvir as nossas vozes. São más disposições, e não razões em que se fundão os descontentes. Elles aproveitão-se daquellas cousas que lhe fazem conta, interpetrão os decretos á sua vontade. Os periodistas aproveitão-se da fala de um Deputado, de uma expressão que lhe escapou no fogo da discussão mais ou menos forte, e querem attribuila ao Congresso; entretanto ouvem-se cousas que não desejaríamos ouvir. He por tanto justo, que aquelles povos oução a voz das Cortes, e estas lhe digão quaes os seus princípios a respeito do destino do Brazil, quaes sejão as suas opiniões, e disposições ácerca do mesmo Brazil; porque me persuado que o Congresso a respeito do Brazil não tem alterado as suas disposições, que são conceder e permittir a respeito do Brazil tudo quanto for necessario, primeiro para sustentar a união entre o Brazil e Portugal, e fazer a felicidade de ambos os Reinos. Por tanto proponho no Congresso que se encarregue de fazer uma proclamação, e proponho isto, para que aquelles Senhores que forem encarregados deste trabalho possão ir colhendo as razões principais que fundamentárão as decisões do Congresso, para que todos saibão que o Congresso de Lisboa sendo o Congresso da Nação tem as mesmas vistas, que são a felicidade de toda a Nação portugueza.
O Sr. Freire: - A Commissão da Constituição está encarregada de fazer esta proclamação.
O Sr. Borges Carneiro: - Se o está deve-se unir á Commissão dos negocios politicos, na qual estão os documentos relativos a este objecto.
O Sr. Presidente poz a votos a indicação do Sr. Fernandes Thomaz, concebida nestes termos: - Proponho a necessidade de fazer uma proclamação para o Brazil. - Manoel Fernandes Thomaz. - E foi approvada, e a Commissão especial dos negocios políticos do Brazil, encarregada de a apresentar com urgencia.
Levantou-se a sessão depois das duas horas da tarde. - Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Candido José Xavier.

Illustrissimo e Excelentíssimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Noção portugueza, mandão remetter ao Governo, a fim de ser competentamente verificado, o offerecimento incluso, que o juiz de fóra de Thomar, Thiago da Silva Albuquerque de Amaral, dirigiu ao soberano Congresso a bepeficio das urgencias da Nação, de todos os emolumentos que lhe pertencerem pela prontificarão de transportes naquelle lugar, e dos que venceu pelo mesmo titulo no tempo que serviu o lugar de juiz de fóra de Mezão-frio. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 27 de Junho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo, a fim de ser competentemente verificado, o offerecimento incluso, que o juiz de fóra de S. Thiago de Cassem, e Sines, Pedro Joaquim Pereira Derramado, dirigiu ao soberano Congresso para as urgencias do Estado, dos emolumentos que houverem de pertencer-lhe pela prontificação de transportes, durante o triennio de sua actual magistratura. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Majestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 27 de Junho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellenlissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portuguesa mandão voltar ao Governo o officio incluso, e copias que o acompanhárão, do Conselheiro Miguel de Arriaga Brum da Silveira, ouvidor de Macáo, datado em 6 de Janeirro do presente anno, e transmittido pela Secretaria do Estado dos negocios da marinha em 26 do corrente mez, dando parte do modo por que fôra ali recebida e festejada a noticia do regresso de Sua Magestade a Portugal, e do seu juramento às bases da Constituição, cuja participação foi pelas Cortes ouvida com agrado.
Deus guarde a V. Exc. Paço das Cortes em 21 de Junho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

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