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SESSÃO DE 28 DE JUNHO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do Sr. Gouvêa Durão, leu-se a carta da antecedente, que foi approvada.
O Sr. Secretário Felgueiras deu conta do expediente, mencionando os seguintes officios:
1.º Do Ministro dos negocios do reino, remettendo dois officios: um ds junta eleitoral da providencia do Grão Pará com o termo, e outorga de poderes dados aos Deputados, e Substitutos nomeados ás Cortes por aquella provincia, e juntamente as actas das eleições.
2.º Da junta eleitoral da paroquia da sobredita comarca, e da de Marajó, para o effeito de elegerem a junta provisoria do governo da mesma provincia, acompanhando das actas da sua eleição, que, por se Ter já dado conta de outros sobre o mesmo objecto, se mandou ficassem na secretaria.
3.º Do Ministro da guerra, remettendo um officio do governador das armas da provincia do Alemtejo, acompanhado do requerimento dos cirugiões móres, e seus ajudantes, empregados na guarnição da praça de Elvas, que pedem a publicação do projecto das medalhas, com que devem ser condecorados.
Passou á Commissão de Guerra.
4.º Do Ministro dos negocios estrangeiros, em que expõe a duvida, em que entou o administrador da alfandega desta cidade, sobre o dever permittir aos membros do corpo diplomatico a introducção, para seu uso, de vinhos, e licores espirituosos, vista a generalidade da lei, que prohibe não só a importação, mas a mesma entrada. Passou á Commissão diplomatica.
Ouviu-se com agrado uma felicitação ás Cortes pelo paroco de Nossa Senhora do Tourega, termo da cidade de Evora, Antonio Luciano maximo, pelo motivo de se haver descoberto a projectada conjuração.
Feita a chamada, achárão-se presentes 121 Deputados, faltando com licença os Srs. Quental da Camara, Moraes Pimentel, Ribeiro Costa, Pereira do Carmo, Sepulveda, Bispo de Beja, Rodrigues de Macedo, ledo, Borges de Barros, Aguiar Pires, Braamcamp, Queiroga, Pinto de Magalhães, Segurado, faria, Lino Coutinho, Sousa e Almeida, Ribeiro telles, Silva Corrêa: e sem causa motivada os Srs. Barata, Sequeira, Lemos Brandão, Isidoro José dos Santos, Zefyrino, marcos António.
Passando-se á ordem do dia, continuou a discussão do parecer da commissão de negocios politicos que ficará adiado na sessão antecedente. Sobre este assumpto disse
O Sr. Moniz Tavares:- Sr. Presidente: he triste e muito triste a situação de um representante da Nação em circunstancias taes quaes agora se apresentão, ao menos da minha parte. Dividido entre os sentimentos de rigorosa justiça, e nobre generosidade, receio dar qualquer passo, que não tenda ao grande fim da união, e progresso do systema que adoptámos: mas todavia, como pela lição da historia, e observação do coração humano, tenho conhecido que a somma dos bons resultados da primeira das virtudes, a generosidade, à e muito maior em comparação dos que resultão da justiça, produzindo esta tão sómente a descontinuação do mal, e tornando muitas vezes amigos sinceros em inimigos implacáveis, abalanço-me a seguir a generosidade em meu voto, rejeitando em parte o que a Commissão apresenta. Sobre tudo julgo que tenho maior razão de assim obrai, quando confesso que apezar do que hontem ouvi a alguns illustres Deputados, ainda usou persuadido, que nem das cartas do Principe Real, nem das representações da junta e clero de S. Paulo, Almas Geraes, etc. pode-se colligir um verdadeiro attentado contra a causa da liberdade, mas tão sómente erro, e incivilidade em expressões. Das cartas do Principe Real certamente não, antes pelo contrario nellas se divisa o maior enthusiasmo, que se póde considerar em favor da Constituição; todas ellas attestão os grandes cuidados que lhe merece a união do Brazil com Portugal. "A independência, diz elle em uma das suas cartas, tem querido achar apoio em mim, porem em vão: ella apparecerá, quando eu deixar de existir." Isto merece todo o pezo, e nem outra cousa se podia esperar do successor do throno portuguez. Em outra carta, apezar do seu azedume, assevera que he constitucional, e que ninguém mais do que elle. E com razão, pois que o Rio de Janeiro viu com espanto ser elle a causa motora de se alli proclamar a Constituição: os seus factos estão públicos, ninguém os ignora; e da minha parte declaro que não cessaria mesmo de prodigalizar-lhe mil elogios, se de mistura cem estas expressões, elle não intreduzisse outras em verdade reprehensiveis. Mas por serem reprehensiveis, seguir-se-ha que sejão suficientes para o caracterizarem verdadeiramente criminoso? Merecerá por ellas a nossa execração? Persuado-me que não he preciso, Sr. Presidente, he muito preciso dar desconto às paixões humanas, e relevar faltas que não provém de maldade de coração. O Príncipe Real julgou-se offendido em sua dignidade, reputando um mal o que as Cortes para seu bem, e bem da Nação inteira determina vão; isto he, a viagem pela Europa. No excesso da sua amargura passa a chamar facciosas áquellas mesmas Cortes que elle reconhece soberanas. Nisto ha erro, ha acrimonia determos, mas para os erros temos grandes remédios, que he a convicção por factos; e para termos taes, ha reprehensão; no que todavia a Commissão não concorda, antes quiz que fossemos generosos, que nos esquecesse-mos, certos de que o Príncipe Real cairia em si; nisto concordo, e concordarei sempre. Embora diga-se que o Principe Real desobedeceu às ordens do Congresso, que o mandava regressar: esta desobediência não se pode julgar criminosa, quando attentamente se reflecte nas circunstancias imperiosas, que o impellírão a obrar desta maneira. Instado por varias reclamações fortíssimas que evidentemente davão a conhecer a firme resolução, em que se acha-

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vão; persuadido do que se deixasse de annuir aos votos do povo, se ecrupulosamente obedecesse ao decreto, deixaria plantada a terrível anarquia , a fatal desunião, decidiu-se, e decidiu-se como? Ah! Eu tenho bem presente na minha memória as palavras terminantes, com que elle assegurou ao povo, e palavras taes nunca mo poderão esquecer: "como he para bem de todos eu fico."
Praza a Deus que seja sempre o bom o seu unico farol! Assombrou-me porém ouvir ontem a alguns honrados Membros declararem altamente que, apesar de tudo, o Príncipe deve regressar para Portugal; custe o que custar. Se eu não tivesse observado de perto o caracter desses illustres Deputados, eu diria sem hesitação, que elles quaes harpias famintas, querião nutrir-se no sangue humano, querião promover a desordem, precipitar o Brazil, perdelo inteiramente! Como he possivel crer que se execute pacificamente uma ordem de similhante natureza? Como se podo conceber, que povos entusiasmados pela posse de um bem
para cuja conservação tem já apresentado grandes esforços, deioxaem-no escapar tranquilamente? Ou mais claro, como poderá sair do Brazil o Príncipe Real sem que os brazileiros apresentem a resistência mais completa? E concorrer para este fim não he acarretar o maior de todos os flagellos, a guerra, sobre um povo irmão, e amigo? Apartemos de nós, senhores, similhantes idéas. Mas diz-se, o Príncipe Real tem usurpado o poder legislativo, segundo se vê do decreto, que manda convocar procuradores das províncias! Eu reprovo este procedimento, porem lembra-me que isto não foi invenção sua; sabemos, todos que a deputação da junta de S. Paulo, e Minas Geraes assim requererão, e elle convencido de que nisto fazia bem, como do mesmo decreto se collge, anninu: merece por tanto desculpa. Senhor Presidente, eu posso dizer com orgulho, respeitos humanos não me curvão, cidadão de um estado livre, representante da heroica Nação portugueza, conheço muitíssimo minha alta dignidade para a prostituir em baixas contemplações. O primeiro na ordem social não escaparia as minhas accusações se eu o considerasse verdadeiramente criminoso; por ora ainda estou de boa fé para com o Príncipe Real, e por isso opino desta maneira. Passemos a tratar das representações da junta , e clero de S Paulo, Minas Geraes etc.: nellas descubro a mesma conducta: vejo que ha um manifesto engano para com as rectas intenções do soberano Congresso, ha expressões indecentes, mas não ha crime contra a causa que adoptámos, e nem com verdade podem ser accusados de desejos da separarão da mài pátria. Sr. Presidente, as pessoas que conhecem o caracter dos brazileiros naturalmente desconfiados, e desconfiados com razão, melindrosos em seu proceder, não podem supportar a sangue frio o desprezo da sua dignidade. Elles adherindo voluntariamente á causa de Portugal, á causa da liberdade, esperavão sem hesitação um melhoramento aos multiplicados gravames, que padecerão; vendo porem baldados as suas esperanças; vendo-se reduzidos á dura necessidade do mendigarem na distancia de duas mil léguas as causas mais insignificantes; vendo sem nenhuma estabilidade do governo das suas provincias, pela divisão dos poderes, que a longa distancia condemnava, clamarão contra isto, e o clamor foi geral. A provincia de S. Paulo foi a primeira que deu o nobre exemplo, e o Rio de Janeiro, e todas as demais provincias do Sul generosamente a imitarão; Pernambuco, e Paraiba congratularão-se, mostrarão por officios, que nos forão presentes, a sua resolução; e a Bahia ja deu a entender que não estava disposta a seguir o que erradamente tinha feito o Governo anterior. A Commissão julgou já da justiça com que aquelles povos reclamavão, e foi tambem com bastante pasmo que eu observei o primeiro

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onde não podessem chegar-lhe as faiscas electricas. Além disso, escudo bastantemente poderoso, julgo que he o amor dos nossos; mas não he isso o que eu temo; se o temesse, tenho assás patriotismo para sacrificar affeicões particulares, ao amor da minha patria. O patriotismo tem sido sempre o principio regulador da minha vida publica; eu chamo em testemunho os tristes effeitos das lutas, em que tenho figurado; chamo em testemunho os meus trabalhos, prizões, e perigo de vida. Seguramente se eu podesse arredar o Brazil do precipício, arredalo-hia. Se a vontade bastasse, salvo seria o Brazil:

Defendi possent, etiam hdc defensa fuissent.

Mas não he essa a minha sorte; falta-me o poder, quando me sobeja a vontade; vejo incendios que se aproximão; vejo os sepulchros abertos, porque meus males me tem feito profeta; mas mereço tanto credito, como a fatidica Troiana. Farei porém o que posso, porque ninguem he obrigado a mais que isto: verei se posso conciliar as opiniões, seguindo, livre de extremos, o caminho medio que be sempre o mais seguro, conforme o conselho que deu ao inexperto filho o Pai das luzes:

Inter utrumque tene, medio tutissimus ibis.

Não responderei a personalidades; não será o homem quem aqui fale, será o legislador: o legislador não tem irmãos, nem parentes, por isso não me farei cargo de responder a improperios que a seu bel prazer derramou um dos illustres Preopinantes: deixo que a similhantes accusações respondão os interessados como lhes parecer, em frases analogas, que ainda mal lhe retribuirão com igual medida, ou ainda mais acogulada. Seguirei pois a materia: tratarei em primeiro lugar do credo politico do nobre Preopinante; depois procurarei mostrar que o parecer da Commissão, pelo que respeita á junta de S. Paulo, he parcial, intempestivo, impolitico, e inteiramente injusto. Pelo que diz respeito ao Principe Regente, mostrarei que em direito he tão responsavel como os outros; mas concordarei com a Commissão que, pelas razões politicas, deve fazer-se differença. Em quanto á responsabilidade dos ministros, tambem direi o que entendo; e ao mesmo tempo terei cuidado de responder a alguns argumentos, e mórmente a certos principios políticos que eu disse noutra occasião, que erão para mim novos; apezar de sua novidade que sempre attrahe, não me agradão, nem julgo que agradem a ninguem. Do mais, nada tenho que dizer. Em quanto pois á profissão de fé do illustre Deputado, o Sr. Moura, acceito o que diz sobre a creação de um centro do Poder executivo, e em verdade não podia ser do outro modo a meu ver, porque he o que a necessidade demanda, e o que um Congresso que não seja cego ha de conceder. Estou, como elle, persuadido, que a força de nada serve; poderia haver algum triunfo efemero, e momentaneo; mas a final, que tristes resultados, que vinganças, que odios arreigados, os quaes nenhuns benefícios poderão destruir! Vejo porém por desgraça, que esses principios do Sr. Moura, são sómente theoricos, porque na applicação tenho visto arredar-se delles alguma cousa; não digo absolutamente, porque não diz que se obrigue absolutamente o Brazil a adherir, mas que se alguem resistir às ordens mandadas, será julgado. Convenho que he principio social, mas he precisa uma modificação que aqui não vem, e he: quando a residencia não for permittida por direito. Este he um principio que está consignada na constituição inglesa; todo o indivíduo tem direito de resistir ás ordens de um governo, quando este passa além das suas attribuições, porque toda a fonte de autoridade veio da nação, e foi dada para um só fim; quem ultrapassa o fim, perdeu o direito Se este exercicio he perigoso, he por isso que se limita, e está na prudencia do governo não pôr em actividade, senão oS meios convenientes. Disse o nobre Preopinante, que concede a uma província, o que nega a um indivíduo; mas eu, com mais razão, se o concedo a um indivíduo, como o negarei a uma provincia? Diz que não duvida, que quando uma província inteira se queira separar, o possa fazer, e d'ahi tirou uma deducção, que não approvo, mas que acceito, e he que nesse caso a província o deve fazer saber por seus Deputados, e estes separarem-se do Congresso. Por minha parte, eu desde logo acceito a minha demissão; em se me concedendo, promptamente deixarei de representar interesses que não sei se serão aqui bem representados, porém a esta parte do credo oppoz-se o Sr. Castello Branco com razões a meu ver de nenhum pezo, às quaes respondeu um nobre Preopinante de maneira, que não me atrevo a accrescentar cousa alguma. Entrarei em materia sobre o parecer da Commissão, e passarei a mostrar, como ha muito parcial.
Não sei porque desgraça, o excesso de zelo em política, assim como em religião, nos torna intolerantes; e em regra, aborrecendo a causa, he facil aborrecermos o que a seguem. Não sei se se salvou desta regra a Commissão. Os raios todos despedirão-se contra a junta de S. Paulo, sobre ella os fez cair todos a Commissão. Já mostrárão alguns illustres Deputados, que isto não devia ser, e expozerão factos, para fazer conhecer que a junta de S. Paulo não podia ser a que motivasse as representações da camara do Rio de Janeiro; e para isto não ha mais do que consultar as datas. Eu creio que todos os nobres Preopinantes sabem que a distancia he de oitenta e tantas leguas, e sabem que mesmo os correios levão oito dias a vir ao Rio; por conseguinte como podia uma carta assignada em 24 de Dezembro produzir uma representação já assignada em 29 do mesmo mez? Disse um nobre Preopinante, que sem embargo disto vimos que o Rio de Janeiro ameaçava tem a cooperação das duas províncias, e dizia que faria representações conjunctamente com a província de S. Paulo e Minas, o que provava intelligencias e coadjuvação: e porque não serviu isto para chamar pelo menos a responsabilidade ao presidente de Minas? A Commissão a meu ver, não foi muito imparcial, quando exceptuou da responsabilidade ao menos ao presidente de Minas.
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Mas um illustre Preopinante illudiu a difficuldade, dizendo: "Não chamámos a contas a junta de Minas, porque não apparece documento que prove a participação da dita junta nas medidas adoptadas por S. Paulo." Porém o vice-presidente mandado por essa província, he pessoa publica, e sabemos que veio com ordem della; porque, pelo menos, não se pediu contas a este vice-presidente! Vejamos porém se as expressões de Minas, não são tão dignas de responsabilidade, como as da junta de S. Paulo; e veiamos se ha razão para fazer carregar sobre a junta de S. Paulo todo o anathema. Permitta-se-me ler a carta de Minas (leu). Eis-aqui classificados nós de desorganizadores: outro tanto nos disserão os Paulistas; até aqui aprendeu bem a lição o vice-presidente de Minas. Continua elle a lição (leu). Somos seus escravizadores! He a linguajem de S. Paulo; mas não mereceu ser attendida, nem tão pouco se fez caso das ameaças que faz ao Congresso (leu). E isto tudo julgou a illustre Commissão que não passava de direito de petição! Em verdade, se se póde insultar sem sair dos limites do direito de petição, não sei que haja insultos nem ameaças, quando cobertos com este direito. Accrescentemos porém outra cousa, e vamos um pouco mais adiante na mesma carta, que ahi veremos uma desobediencia formal (tornou a ler): e com tudo isto não passa esta carta dos limites do direito de petição! He verdade que não entrárão na primeira combinação, mas requererão do mesmo modo; ha pois toda a parcialidade na Commissão, em ter julgado criminosa a junta de S. Paulo exclusivamente. Talvez julgasse a illustre Commissão, que era bom amesquinhar o numero de culpados, para que mais facilmente caisse o rigor da justiça. A política de dividir o numero de oppositores as nossas medidas, he de facto politica geral, e arteira, mas não sei se he prova de coragem. Do mesmo modo, porque não comtemplou a Commissão a carta n.° 1.° da junta de Pernambuco? Diz um Preopinante, porque esta junta, não figurou em nada nesta ordem de cousas. E por isso não injuria? Vejamos se esta junta he tão moderada. Permitta-me V. Exca. ler (leu). Eis-aqui a junta, que usa de uma frase do Sr. Borges Carneiro: o Sr. Borges Carneiro acha aulicos em todas as partes, a junta acha aulicos aqui tambem (tornou a ler): isto não injuria (tornou a ler) = para enfraquecermos, diz, era necessario dividir-nos: e com tudo não merece a censura da illustre Commissão. Continua ainda mais, e diz (tornou a ler): linguagem de S. Paulo; machiavelicas nós tambem. São actos de divisão, passados pelo Congresso, são actos machiavelicos, e subversivos; com tudo isto assentou a illustre Commissão, que esta linguagem não se devia ter em conta, talvez pelo mesmo principio, de que o braço da justiça não podia chegar a todos, ainda que comprido. Tratarei de expor mais provas de parcialidade, desculpe a Commissão, pois he cousa notoria, sem que por isso eu julgue que foi de proposito.
Expondo a Commissão a conducta de S. Paulo, expoz motivos avessos aos verdadeiros; a junta não se queixou da eleição das juntas, populares, se ella mesma o era, como podia queixar-se disso? E como podia atacar defrente a opinião do Brazil, que não admitiu outros governos? A junta queixou-se da falta do centro commum, em que absolutamente ficavão cada uma das províncias, estas forão as razões da junta, a Sr. Guerreiro ontem cançou-se muito em dar os motivos que o Congresso teve para isto, mas não he para aqui. Eu não duvido que o Congresso tivesse muito justas razões em seu favor mas a experiencia mostrou que não acertámos; he mal das sociedades poeticas, he mal dos homens que muitas vezes errão. Continua mais a illustre Commissão, e até como que rediculiza por ter-se queixado a junta de S. Paulo da extincção dos tribunaes: para isto o illustre Preopinante citou uma parte da carta e não sei, tendo tão grandes luzes de hermeneutica, como não sabe que periodos desatados não se entendem bem sem os anteriores. Na mesma carta diz (leu-a): até aqui leu o Preopinante, porque lhe fazia conta para sua defeza, dahi para baixo não quiz ler (tornou a ler) ora bem, aqui está; este he o motivo das queixas, he a falta de recursos, he o serem obrigados para conseguirem a mais ridicula graça, a atravessar tantas leguas de Occeano, a vir a ser aqui, como foi ao sempre Brazileiros, chacota dos empregados, e escarneo do mundo inteiro, o que jámais tornárão a suportar. Isto não leu o Preopinante, contentando-se com o que fazia conta para a sua defeza. Mas ainda mesmo eu sou generoso, vou atacalo no seu terreno: e julga o Preopinante que não era má a extincção dos tribunaes? Era sem duvida, pois abusivos que fossem davão recurso. A injustiça não he o limiar mal, talvez às vezes o seja maior a justiça tardia; he melhor soffrer desde logo, que soffrer depois de annos, e annos; e abusos por abusos, são preferíveis abusos que ficão ao pé, aos que ficão a duas mil leguas. Eis-aqui as verdadeiras causas por que tem podido parecer má a extincção dos tribunaes. Continua manifestando-se a parcialidade da Commissão no seu parecer, quando diz (leu). Attribue a Commissão ajunta de S. Paulo motivos especiosos, e todos elles falsos. Primeiro motivo, porque a junta temesse talvez não ter reeleita: he indigno de uma Commissão expôr similhante motivo, mórmente quando não tem factos em que se funde. A Commissão não tem conhecimento algum dos membros que estão na junta de S. Paulo: nós os Deputados daquella província conhecemos melhor isso. Os membros da junta de S. Paulo havião de ser, e serão reeleitos todas as vezes que quizerem, visto que os rodeia a confiança publica; alguns delles figurão por seus bens, por sua classe na sociedade, por sua probidade intacta, que ninguem até agora lhes tem disputado; por conseguinte mal podia ser esse o motivo: e porque a Commissão havia de attribuir-lhe um motivo tão baixo, quando havia outro mais certo, e maior? Quando havia a justa indignação que se apodera de todo o individuo livre, quando julga ver atacados ou seus direitos, ou tem justiça, ou sem ella! Diz mais a Commissão (leu). Um nobre Preopinante que falou na mesma direcção que tenho seguido, mostrou claramente que a junta de S. Paulo não tinha interesse algum na conservação dos tribunaes, que em S. Pau-

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lo não ha esses tribunaes; mas disse outro illustre Preopinante que era uma defesa habil, que era preciso fazer amigos, tomar a causa de dois mil empregados que ficavão sem collocação, e que a junta de S. Paulo teve esse fim: eu não sei por onde se prova isto, nem sei que classe de empregados são estes de que se trata, a maior parte delles são officiaes minimos, que não rodão na esfera da junta de S. Paulo. Ultimamente a Commissão não teve em vista as instrucções de 23 de Abril, se as tivesse considerado, não teria imputado aos membros da junta de S. Paulo vistas pessoaes de interesse ou ambição. Estas instrucções não deixão a S. A. R. dar graças, nem commendas: só póde dar habitos de Christo, e não ha na junta de S. Paulo quem não tenha essa graça vulgar no Brazil; por conseguinte nada tinhão que esperar póde-se dizer, querem a independencia, querem novos governos; mas isto não basta dizer, he necessario provalo. Diz um Preopinante que o conselheiro José Bonifacio era interessado, e de facto já ganhou a nomeação para o ministerio: o nobre Preopinante conhece pouco o dito conselheiro, o que o chamou no alto emprego que exerce, foi a necessidade, foi o seu merecimento, que ninguem lhe póde disputar. (houve algum sussurro nas galerias: o orador continuou) Eu hei de dizer tudo quanto entendo, quem não o quizer ouvir saia. Sr. Presidente, reclamo o regulamento: se me arredar da ordem, a V. Exca. só compete fazer com que torne a entrar nella; qualquer outro energumeno não tem tal poder, e deve ser chamado á ordem. Dizia que o seu merecimento notorio a toda a Europa chamou ao conselheiro José Bonifacio ao alto emprego que exerce; falo de suas luzes, de seu merecimento particular; não falo de suas opiniões políticas, que por agora não discuto, mas aquelle merecimento era conhecido, e ali não havia muitos destes entes donde escolher: e que muito se tambem foi escolhido só por tua reputação outro seu irmão Martim Francisco para membro da junta provisoria do Rio, que deixara Sua Magestade para aconselhar seu filho, e por voto geral do povo inteiro para Secretario de Estado dos negocios do Reino do Brazil, apezar de se achar o dito ausente em S. Paulo? não forão pois similhantes idéas de elevação as que o estimulárão, idéas mesmo que quem conhece o indivíduo, sabe que está muito longe de acolher. Muito mais podaria dizer a este respeito, mas eu não o defendo, defenda-se elle; eu estou simplesmente atacando raciocínios. Não sei tambem para que são as expressões do parecer da Commissão, que vejo aqui a respeito de um decreto que em verdade não posso approvar; mas lá iremos depois. Com tudo não posso deixar de parar nessas expressões (leu parte do parecer da Commissão): eu não vejo isso, até agora que eu saiba, ninguem tal conta propoz, e de todos os documentos que a Commissão teve em vista, não ha nenhum em que viesse um só voto de separação, nem sei como se possa arguir separação, entre tanto que se reconhece o chefe do poder executivo: o que vejo em verdade he que se querem condições juntas, mas não vejo de modo algum separação. Diz mais o parecer da Commissão (leu): em que está aqui a vergonha? Julga-se por ventura que elles são representantes? Não, Senhor; nunca me veio á cabeça crer tal cousa; são puros conselheiros, e que se pede para conselheiros! Voto consultivo. Eis-aqui porque achei exotico o decreto, achei-o exotico porque devolve ao povo a eleição de um conselho, que sempre foi nas monarquias prerogativa real. Que os procuradores das províncias nada mais são do que conselheiros, o mesmo decreto, ainda que he na verdade algum tanto equivoco, assim o mostra, porque reconheço um poder legislativo no Congresso. Vi outra cousa tambem, que a mesma illustre Commissão deixou-se deslumbrar do erro conhecido para tornar mais odiosa a criação deste conselho; não tomou o trabalho de ler o decreto, no que diz (leu): até aqui só leu a illustre Commissão, e isto só referiu o illustre Preopinante o Sr. Guerreiro, e não viu mais para baixo aonde diz (leu). Eis-aqui como esses conselheiros não são tão limitados, como quiz fazelos, nem são tão ridículos.
Admirou-se muito o nobre Preopinante, que os ministros de Estado tivessem assento no conselho: em verdade se fosse Congresso nacional braziliense, a admiração era justa, porque era um desproposito, segundo o nosso systema, ainda que na França, e na Inglaterra os ministros tem assento nas camaras, mas eu não os posso considerar, senão como conselheiros, e que admiração he que os ministros, primeiros conselheiros do Monarca tenhão assento n'um conselho? Porque? Porque entre nós não tem assento no conselho de Estado? Eu respeito as decisões do Congresso, mas isso não he razão. Talvez podesse demorar-me mais em algumas outras cousas, aonde eu creio que o excesso de zelo arrastou a Commissão, mas deixo-o por em quanto, e passarei a continuar no meu discurso. Provei a meu ver a parcialidade da Commissão, senão de proposito, como creio, ao menos sem intenção existente. Vamos a outra cousa. Fala-se muito em dignidade nacional, mas ficará a dignidade nacional menos lesada, e menos violada, ficará o decoro nacional menos offendido, se tomarmos deliberações, que se não possão executar, do que se se emendarem as que assim se tiverem resolvido? Podemos crer, que no estado de fermentação era que se acha o Brazil, as províncias entreguem de bom grado os primeiros athletas, que defenderão seus direitos, que julgavão atacados? Ah! Sr. Presidente, quão pouco conhecemos os homens, se assim julgamos. Decretos de fulminação não são para agora; espacemos o tempo, calcemos a estrada para as futuras providencias; e se então os povos não se emendarem, e se ainda julgarmos que he da honra, e decoro da Nação, que a espada da lei não perdoe, muito embora, eu não o recuso: castigue-se, mas não vamos por entanto fazer que o castigo exaspere. Sr. Presidente, todas as mais juntas, todas as pessoas que tiverão parte directa, ou indirecta em similhantes casos, verão na sorte decretada á junta de S. Paulo, aquella que lhes está reservada isto he muito natural que exaspere os povos, e queremos nós envolvelos em similhante desordem? Abandonarão elles os instrumentos de sua vontade, que julgão muito legal, e consti-
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tucional? Não produzirá iisto uma guerra civil? E unicamente por um capricho iremos assojar o Brazil? Que ganharemos com isto? A triste gloria de ter derramado o sangue fraternal. Tenho a meu ver demonstrado, que isto he intempestivo. He impolitico, porque até agora, Sr. Presidente, o Brazil não admittiu nota de separação; porque o Brazil não he mais que um irmão desconfiado do irmão mais velho, um irmão que se queixa: e será o modo do abafar suas queixas irritalo? Eu acho mais coherente, quando se está em estado de irritação, não usar de remedios heroicos; hão he o cauterio que cura chagas velhas; são applicações balsamicas, e estas requeiro eu. Vamos a ver se he injusto o parecer de Commissão, a respeito da junta de S. Paulo. He injusto quanto a fórma porque o Congresso ingere-se em funcções puramente judiciaes. Um julgador tem que tratar de duas cousas, de direito, e de facto, de qualificar o crime, e verificar o facto: nós aqui não tratamos de facto, mas de qualificar o crime; reputamos que taes acções são crimes, o que he exactamente funcção de juiz. De mais, legem habemus, an corpo judiciario he a quem compete essa qualificação de crimes, e não a nós. He verdade que nós nos temos ingerido em todos os poderes, como Cortes Constituintes, mas isto he redondamente tyrannía, e eu não duvido dizer, como o sabio Rabaut de Saint Etienne - estou bem cançado da parte da tyrannia, que me tem cabido em partilha. Sobre as opiniões da junta, parece-me que não lhe poderiamos fazer um crime: diz um celebre publicista, que as opiniões não são crimes, ninguem sabe a entrada porque ellas entrárão nas nossas cabeças. Como calcular as impressões da infancia, lições recebidas, doutrinas escutadas com respeito, e tradições gravadas no coração, e na memoria! tudo isto obra independente do raciocínio, e depois o modifica; em maneira, que quasi se não he livre de pensar, e obrar de outro modo. E se isto he em regra a respeito das opiniões em geral, muito mais he a respeito das políticas, porque a raia entre o erro e a verdade em similhante materia, se confunde tanto, que he muito possivel alguem estar já no recinto de um, cuidando achar-se ainda dentro das barreiras que defendem o dominio da outra; daqui vem, que uns julgão criminosos aos que outros crêem, talvez de boa fé, cidadãos benemeritos, e heróes. Mas disse-se: a junta nó foi criminosa em opiniões, senão em factos. Disse-se: a junta desobedeceu a Sua Magestade, não cumprindo os decretos, que lhe forão emittidos. Sr. Presidente, eu posso enganar-me, mas he doutrina minha, e que não he só minha, senão de grandes escriptores de direito publico, e he que toda a autoridade humana tem poderes além dos quaes não lhe he permittido passar, e que quando os transmonta, o direito de resistencia he permittido a qualquer cidadão. Neste respeito far-me-bei cargo de um pequeno discurso do Sr. Guerreiro, que queria que toda a obediencia fosse passiva. A obediência céga, e passiva, a meu ver he a mesma cousa; a céga he propria dos governos despoticos, mas o despotismo, quando examinado, cáe por terra, o exame suppõe ausencia de susto, e de terror; e sem terror não póde durar o despotismo; mas he da essencia dos governos livres o exame do subdito, que tem de obedecer, não só a respeito do que se manda, senão de quem manda. Todas as vezes que um poder não he legitimo não tem direito de mandar-me, nem eu de obedecer-lhe: todas as vezes que esse poder viola os direitos sagrados, que não forão incluidos na formação da sociedade, nem tem direito de mandar, nem eu obrigação de obedecer-lhe. Agora á vista destes principios geraes, digo que não desobedeceu junta de S. Paulo, na fórma que se reputa desobediencia crimino a a ElRei. Não desobedeceu, porque? Porque nem ElRei, nem o Congresso tinhão direito a mandar o que mandárão: e o provo, porque nenhum povo, nenhum homem póde ceder a participação que lhe corresponde nos negocios políticos; porque se cedesse, deixaria de ser homem: não pertenceria mais a humanidade, abater-se-hia á bruta animalidade: he da essencia dos governos livres, que todos os cidadãos tenhão parte na factura das leis, mas o Brazil não tinha parte factura desses decretos; logo não tinha obrigação de obedecer-lhes. Eu disse neste Congresso n'outra occasião, que nem mesmo a resistencia era rebellião, aliás seria confundir crimes mui differentes; a rebellião he um ataque que se destina a derribar o Governo; não havendo este ataque, não ha rebelião. Isto foi o que eu disse, o fazer-me dizer outra cousa, não he justo. Permitta-me o Sr. Moura o notar, que nos combates scientificos, como nos de campo serrado, he preciso sempre lealdade, e parece-me que não obrou cem ella: minhas expressões forão alteradas, e he pouco digno imputar aos outros o que elles não disserão; eis-aqui o que eu disse (leu parte de um Diario das Cortes); taes forão as minhas expressões. Diz o Preopinante tambem, que eu tinha dito, que a junta de S. Paulo não era inferior no Congresso: isto não disse eu, eu disse (tornou a ler); segue se que se ella não tinha reconhecido o principio, se bem que inferior, não reconheceu superioridade, não lhe póde competir o nome de rebelde: mas continuei eu dizendo (leu); e mais adiante (tornou a ler). Eis outro principio, por que eu fiz ver que não era rebelde.
Mas entretanto, diz o nobre Preopinante o Sr. Guerreiro, como podia praticar isso a junta, quando jurou obediencia às Cortes, e a ElRei constitucional? Tenho que falar do modo porque forão feitos estes juramentos, ou por melhor dizer, não seria necessario falar nisso, porque a historia o dirá: o Brazil não foi quem de facto adheriu á causa de Portugal, as tropas forão as que obrigárão o Brazil a adherir á causa de Portugal no momento A (sussurro nas galerias), depois a bondade da causa consolidou a sua adhesão; mas eu quero que o Brazil adherisse espontaneamente, quero que jurasse obediencia às Cortes, pergunto ao Preopinante: póde elle conceber que este juramento dispensasse aquellas províncias da participação que devião ter na legislação portugueza? Se elle o quer, digo-o de uma vez, deite-se por terra o systema legislativo, fação-se duas secções, uma de povo que obedece, e outra de povo que manda. O juramento não he laço de iniquidade, se aquillo o que se ajunta he iníquo, não produz obrigação alguma;

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pelo menos não consentirei que a meus patricios ligue desse modo, em quanto eu tiver vida. O povo do Brazil quando jurou as bases, jurou pela bondade de sua doutrina, jurou o Congresso composto dos Deputados europeus e brazileiros; não podia jurar de outro modo, e se tão estupido foi, que o fez de outra sorte, então o juramento não he valido: não he contraio bilateral, que não se possa desfazer sem consentimento de ambos! o contrato social he um contrato que se destroe, sempre que a utilidade geral o exige: eis-aqui no que não estou conforme com o Sr. Guerreiro, e daqui concluo, que não houve desobediencia, pois em verdade ninguem póde negar que aquelles decretos forão feitos quando não estava no Congresso quasi nenhum Deputado do Brazil; são decretos feitos por 79 votos apenas, e isto n'um Congresso que deve contar perto de 200 Deputados: forão por conseguinte feitos por uma minoridade absoluta. E com tudo havia titulo de forçar o Brazil a obedecer-lhes, apezar de quantas consequencias funestas podião trazer? Não entendo, não o creio. Tendo pois eu demonstrado, que a junta de S. Paulo não faltou á obediencia ao Rei, porque não lha devia, he claro que não faltou á obediência do Congresso, porque tambem lha não devia. Resta-me ainda dizer, que a junta não se póde chamar calumniadora; foi a junta ousada em demasia, foi descommedida, eu não o nego, mas não foi calumniadora. Calumnia suppõe conhecimento da falsidade da accusação, que fazemos a outrem, e isto não se prova da junta de S. Paulo. Mas senão foi calumniadora, replicará a Commissão, foi ao menos a junta temeraria em imputar ao Congresso intenções desmentidas pela sua marcha para com o Brazil, sempre justa e benevola. Porém se a junta desconheceu as nossas intenções, castigaremos severamente a ignorancia mesmo involuntaria? A ignorancia, tornará a dizer a Commissão, era bem vencível, e parece voluntaria. Quero conceder que assim seja: que se segue dahi? He melhor punir sempre, do que disfarçar? E não será mais proprio de um Congresso desprezar, do que pôr em actividade uma força que não podendo ter effeito, nunca augmenta o seu decoro? Parece-me que o nobre desprezo de similhantes abusos, era o que mais competia ao decoro nacional. Ultimamente a materia he bastantemente embrulhada, e tem bastante que ver, esperemos do tempo que nos alumie. Em quanto ao que aqui diz a Commissão, de fins occultos, he simples lembrança sua, pois eu mostrei que taes fins occultos não existem, antes são bem claros. Em quanto á provocação, não a vejo, acho sómente direito de petição, vestido com atavios indecentes. Passemos agora á segunda parte, que pertence ao Príncipe Regente. A minha opinião será favoravel neste respeito a Commissão. Se algumas circunstancias imperiosas obrigassem a dar ao herdeiro do throno um encargo qualquer, eu o despiria de uma responsabilidade, que não se poderia verificar; a mesma razão que ha para dar a inviolabilidade a ElRei, ha para dala ao príncipe herdeiro, quando se ache revestido do Poder executivo. Pela Constituição sem duvida não he inviolavel, pois não ha inviolavel senão o Rei, e por conseguinte segundo a Constituição, deveria o Príncipe Regente responder. Embora procedesse de engano, ou de erro, se fez o que não podia fazer, o que não o permittia o systemaz representativo, a responsabilidade he sua consequencia; o erro e engano não salvão a S. A. R. Isto seria sem embargo, falando como jurisconsulto que explicasse leis, mas como político, he differente a minha decisão; o mesmo motivo que existe para salvar o Rei de toda a responsabilidade, he o que existe tambem para salvar o herdeiro do throno, em qualquer occasião que toma estes encargos de administração, e por tanto apoio o parecer da Commissão nesta parte. Mas no que eu não acho razão á Commissão, nem a alguns dos membros que falárão a este respeito, he admirarem-se da conducta do Príncipe Real. Disse-se que o Principe Real que outrora se mostrou tão obediente á Constituicão, e respeitador do Congresso, como agora mudou? Como tudo muda neste mundo. Porque? porque talvez nós por alguns descuidos lhe dessemos pretextos para mudar; porque talvez tenha havido imprudencia e falta de decoro á pessoa do herdeiro do throno, que deve ser sempre respeitada, ainda que fosse possível pesar sobre elle a vindicta da lei, o que não admitto: a lei pune, não abate, não injuria. Tambem pasmo, que se admire a Commissão que o Príncipe Real outrora louvasse os tropas portuguesas, e agora deprima o seu comportamento: eu não acho novidade nisto, as tropas mudárão no seu conceito, mudou tambem elle na sua attenção para com ella. Disse-se porém: isto he obra dos aduladores que o rodeião; eu não sei quem estes sejão, porque em verdade seu ministerio não he maculado com o ferrete de aduladores, se um dia lhe doirão a pílula, outro dia lhe lançarão em rosto as faltas que julgarem descobrir-lhe. Em fim escusavel, ou não escusavel o Príncipe Real, sempre seria de prudencia política não comprehende-lo no anathema geral. Passemos agora á responsabilidade dos ministros, pelo decreto de 16 de Fevereiro. Não duvidaria nada em concordar com a Commissão, se me não parecesse acertado um acto geral de esquecimento; he de justiça exigir-se a responsabididade dos ministros, pois elles são responsaveis, e a nós compete exigir a responsabilidade, mas a política das circunstancias aconselha o contrario. Todavia tocarei alguma cousa no tal decreto de 16 de Fevereiro. Eu não posso de certo approvalo; vejo que a fonte he illegal; vejo que S. A. R. não tinha direito de fazer leis á vista da Constituição, embora se possa chamar lei regulamentar, exempli gratia para a execução do governo que lhe era commettido, e quizesse chamar auxiliadores em roda de si, todavia he creação de um corpo estavel, e creação que parece não tinha direitos de fazer; os ministros que o aconselhárão devem responder. Eu disse que este decreto era exotico, porque confunde, ou ao menos embaraça attribuições legislativas e executivas, e defere ao povo o que he prerogativa especialmente Real; mas eu não creio que elle seja outra cousa do que um mero conselho, e nunca representação braziliense. Quanto á amnistia, conformo-me com ella, he medida legal, mas não na fórma que vai expressa, porque assim he odiosa: quando se concedem amnistias com exclusão, costuma-se fa-

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zer a excluisão por classes, mas não por pessoal. Resumindo pois, digo, que seguindo o caminho medio seria eu de parecer que se dissesse a Sua Majestade, o Sr. Rei D. João VI, que o Congresso não póde deixar de ser sensível às expressões pouco decorosas de que se serviu seu augusto Filho, dirigindo-se ao mesmo Congresso: que igualmente são dignas da maior reprehensão e censura os frases descomedidas da junta de S. Paulo, do vice-presidente de Minas Geraes, e da junta de Pernambuco: que deixa porém á discrição e sabedoria de Sua Majestade o fazer-lhe conhecer quanto tem errado da verdadeira estrada constitucional, e movelo a entrar no caminho de seus deveres, visto que o Congresso por agora lança um véo sobre o passado. Se porém qualquer autoridade que seja, continuar na mesma estrada do erro, então Sua Magestade, em virtude do poder que lhe compete, mandará formar o devido processo.
O Sr. Ferreira Borges: - Sr. Presidente, buscar dizer por outras palavras o que foi já dito antes de mim, e melhor do que eu soubera dizelo, seria uma perda de tempo bem insensata. Taes as expressões do sabio Henrique Slorck na prefação do seu excellente curso de economia política. Fiel a esta maxima, que tenho guardado desde que tenho a honra de me assentar neste augusto recinto, sómente della me desviarei, quando para responder a alguns argumentos, que a minha memoria tenha podido conservar, me for mister oppor-lhe em resposta, o que por outrem fôra dito em opposição. Vamos já á questão.
Apresentadas ante o soberano Congresso a correspondencia do Sr. D. Pedro de Alcantara, a representação da junta de S. Paulo, e a do bispo daquella diocese, e todos os mais papeis, de que a Commissão dos negocios políticos do Brazil fez esta miuda, e mui exacta resenha, e analyse; conhece-se de taes documentos, sem poder admittir-se replica, uma contravenção formal ao Governo estabelecido e jurado por todas as províncias que compõem o que chamamos Reino Unido de Portugal, Brazil, e Algarves: he pois a questão, que procedimento devem as Cortes ter com os autores de similhantes papeis; não pelos papeis, mas pelos factos que esses mesmos papeis denuncião; pelos factos que se reduzem á dilaceração da Monarquia portugueza, e á amotinação de provincias, contra o Governo, em que ellas mesmas tem parte.
Sobre a questão, he a opinião da Commissão, que o decretado quanto á installação das juntas se cumpra: que se mande formar culpa aos membros da junta de S. Paulo, ao Bispo, e aos quatro que assignárão o discurso de 26 de Janeiro; amnistia sobre todos os mais: que se faça effectiva a responsabilidade dos secretarios do Sr. D. Pedro pelo decreto de 16 de Fevereiro, e mais actos da sua administração: e na segunda parte que o Sr. D. Pedro continue a ficar no Brazil até á publicação do acto addicional no Brasil , etc.
Pelo que respeita á primeira parte do parecer, eu o abraço de mui boa vontade. Se ella não fôra atacada, eu me esquivára á demonstração da sua exactidão, porque este impresso a desinvolve, e os nobres Deputados que ontem falárão quasi nada deixárão a desejar. Porém a repetição de seus ataques provocão a sua defeza.
Será licito a qualquer subdito conhecer da justiça ou injustiça de uma lei? Respondo: no estado despotico não. Erão e são expressas nestas mesmas palavras algumas leis promulgadas antes de 24 de Agosto: repugnava isto com a vontade de um só que então era a expressão da lei. Hoje a lei he a expressão da vontade geral: hoje cada um póde representar e pedir contra ella, mostrando o seu gravame; guardado o justo limite do direito de petição. Mas entendamo-nos; póde representar, mas não póde deixar de cumprir, não póde desobedecer por seu proprio alvedrio. Se ao corpo que obedece fosse dado o direito de não obedecer, empatada estaria a maquina governadora, terminada a ordem social; e a não ser na seita dos Manicheos não conheço outra, em que caibãoo dois poderes iguaes em attributos, que se não destruão. He logo necessario da parte do governado a obediencia; e esta obediencia importa a existencia da sociedade, assim como a resistencia importa a sua destruição. Logo a resistencia á lei, he a resistencia á sociedade inteira, e a provocação á anarquia ou ao estado de nenhum governo, no o primeiro dos males de uma sociedade qualquer.
Eis-ahi o crime desses, a quem a Commissão mandou formar culpa. Escusalos he participar de seus meamos delictos. Note-se bem: não he uma província a culpada; não he uma povoação a delinquente; não confundamos cousas entre si distinctissimas. He uma junta, um Bispo, e uma deputação de quatro membros: reduzamos mais estes documentos: o vice-presidente da junta he o mesmo que enderessou ao Sr. D. Pedro o discurso da deputação; nenhum papel se escreve por muitos: um escreve, e muitos podem assignar; e isto he fazerem seu o escripto. Em ultima analyse, todos estes documentos sairão, no meu pensar, de um mesmo tinteiro: os mesmos princípios, a mesma fraze o assoalhão; e se bem attentarmos na correspondencia do Sr. D. Pedro veremos uma notavel crise na chegada desse mesmo vice-presidente aos muros do Rio de Janeiro. Povo irmão e amigo! he talvez esta só cabeça vertiginosa que vomitou vossas desgraças: he talvez, este homem a unica origem de vossa alheação: he talvez este homem unico, o que cortando com mão sacrilega o arbusto nascente da vossa liberdade, alça valente alicerce a um despotismo mais tremendo do que aquelle que acabastes de debellar!
Nem nos admiremos, senhores, eu não sou sobejo avaliador das theorias de Lavater, de Planne, e de Gall: não sei se he bem prominente o orgão do despotismo: o conhecimento do espirito humano, como disserão os dois illustres Preopinantes, todavia mostra que quem nasceu despota morre despota; e talvez daqui venha o rifão português, que a quem o demo tomou uma vez, sempre lhe ficou um geito. Vamos ao nosso heroe: falo do doutor José Bonifacio de Andrada. Este homem foi major do corpo academico quando era lente em Coimbra, tinha graduação de desembargador do Porto, e foi na divisão, que em

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1809 expulsou Soult daquella cidade. Lord Wellington caminhou sobre os francezes, e deixou no Porto o coronel Trant, com alguma guarnição, e nesta o corpo academico. Trant alevantou algumas autoridades interinas, e como José Bonifacio era graduado desembargador, incumbiu-lhe a policia da cidade. O que resultou pois, foi chamar-se logo intendente, e fez-se juiz de inconfidencia! Basta dizer em summa, que no sou efemero juizo fez taes cousa, que merecêrão a seguinte portaria e "Constando que José Bonifacio de Andrada na qualidade de intendente da policia interino, passou a julgar innocentes do crime de inconfidencia, alguns ministros que acceitárão empregos no tempo do intruso governo francez; e como o conhecimento destes, e outros delictos de inconfidencia se tem commetido a uma alçada, que para isso se vai a enviar a essa cidade do Porto, e às províncias do Norte, ordena S. A. R. que o dito ministro se abstenha de pronunciar sobre similhantes delictos, deixando tambem V. S.ª de o autorizar para isso. Deus guarde a V. S.ª Palacio do Governo em 17 do Junho de 1809. - D. Miguel Pereira Forjaz; Sr. coronel Trant."
Olhem, senhores, que tal he o despotismo deste homem, que nem o governo dos Forjazes o tolerou! Eis-ahi, briosos Brazileiros, o liberal conselheiro, e constitucional ministro, o homem de estado amigo do povo, e do Rei! E que outros escriptos, que outros procedimentos erão de esperar? E havemos nós, vigias dos direitos dos povos, ver impunemente a destruição destes direitos, o enxovalho da liberdade? Não por cento. Forme-se-lhe culpa, e a lei dê o nome, e a pena a seu crime, se aina tem com que expialo. Punião-se os perversos, que delle forão orgão, mas caia um véo de etrna espessura sobre todos os mais que tambem blasfemárão, porque a nova ordem de cousas os arremeçou das repartições, onde chupavão impunes o sangue dos povos.
Vamos á Segunda parte, isto he, á estada do Sr. D. Pedro no Rio de Janeiro até á publicação do acto addicional da Constituição.
Eu não sou, Sr. Presidente, desta opinião. Pelos mesmos principios porque a Commissão concluiu opinando que se fizesse cumprir o decreto da inatalação das juntas administrativas, pelo menos concluo que o cumprimento do decreto das Cortes deve fazer-se integrante. He necessario que o que uma vez se decretou se cumpra infallivelmente. Uma quebra no comprimento importa a destruição do poder legislativo. Fazer leis, involve poder de fazer executadas. Legislar he correlativo de obedecer. He necessario cumprir o legislado. O Sr. D. Pedro, segundo o que tem escrito encontradamente, segundo tem sido instrumento de malvados lisongeiros, e de despotas de sua pessoa, e a segura esperança de um dia subir ao trono. He obrigação nossa não deixar que elle se perca, e ainda póde salvar-se. a minha opinião he que se entregue este negocio a seu augusto pai, elle attraia seu filho como pai, abstraindo da qualidade de Monarca: e venha elle limitando seu pai na religião da observancia dos deveres de um Rei verdadeiramente constitucional apagar as manchas que tem deslustrado o seu andamento incauto, e aparelhar-se a coadjuvar a causa da liberdade de um povo, que ha de adoralo se for bom, e punilo se for máo.
Resta dar resposta aos demais argumentos, que não ficão prevenidos na minha exposição; eu não posso fazelo melhor do que com a seguinte leitura de uma exposição da Commissão, escrita, assignada, e apresentada pelo illustre Membro, o Sr. Antonio Carlos Ribeiro de Andrada. Eu não devo tirar-lhe a força, nem serei arguido de desfiguralo. Ei-lo aqui: "A Commissão deplora o engano em que laborão os Brazileiros, e não concebe como se possão attribuir ao Congresso vistas contrarias aos sentimentos liberaes , que lhe derão nascimento, e que certo to o animão. A Constituição fala per si mesma, e convence a impostura dos que a abocanhão: aos povos do Brazil nada se negou do que se concedeu aos de Portugal. Igualdade de direitos, de commodos e vantagens, tanto quanto o permittia a situação de ambos os paizes, está sanccionada em quanto se tem decretado. As mesmas leis devem reger a ambos os hemisferios, quando a prudencia, não aponte modificações saudaveis e necessarias. Os empregos de proveito e confiança são dados ao merecimento, ou d'aquem ou d'alem do Atlantico; o lugar natalício não influe sobre a escolha. O Congresso levou mesmo a delicadeza a especificar a partilha na deputação permanente, e no conselho d'Estado. Todavia nem assim socegão os receios; a nobre declaração do Congresso, contida no artigo 21 das bases, em vez de ganhar-lhe os corações dos Brazileiros, pelo respeito mostrado aos seus direitos, he hoje o thema dos seus gravames. O Congresso não legislou para o Brazil, senão porque elle adheriu sem condições ao que se decretava nas Cortes; nem se póde dizer que não estando presente a maior parte dos representantes do Brazil no Congresso, se faltava ao promettido, estendendo-se áquelle paiz leis que não linha approvado; por quanto se lhes resguardavão para o tempo do comparecimento dos seus Deputados as modificações que exigisse a peculiaridade das nas circunstancias. E de mais, seria absurdo que uma assembléa deliberante ficasse em inacção só porque algumas partes do reino se descuidavão do mais sagrado dos seus deveres, isto he, de auxiliar-nos e collaborar na regeneração geral da Nação. Isto seria o mesmo que premiar a falta que merecia antes reprehensão, e punir a actividade retardando-lhe uma organização de que pendia a sua salvação. Onde está a culpa! certamente da parte dos povos do Brazil, que a pezar dos rogos, e admoestações, ainda não tem mandado os seus representantes, e que nem ao menos instrucções algumas derão aos Deputados eleitos por elles, que residentes ha muito tempo fora das respectivas províncias, ignorão as suas necessidades. Se não tem peso as queixas geraes contra a desigualdade, que não existe, menos contemplação merecem os gravames especiosos que se allegão; e bom acrioladas, reoutalos-j«hão beneficios os Brazileiros, quando abrindo os olhos que

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"lhes cerra a desconfiança, virem as cousas como ellas são.
"Rio de Janeiro, por effeito do desgoverno, e dilapidações de um ministerio corrompido, está á borda de uma banca rota quasi infallivel; a estada alli de S. A. Real, exigindo a mantença de uma corte, impossibilita as economias precisas, e accelera a queda fatal daquella parte do imperio portuguez. De mais, he mister que o herdeiro do trono resida em um paiz que faz parte do systema europeu, cujas negociações tanto podem, principalmente nas circunstancias actuaes, influir na sorte do Reino-Unido. Estas considerações necessitárão o seu chamamento, e nada tem de commum com a sua vinda a privação temida de um centro geral de governo no reino do Brazil, que a Constituição lhe não nega, e que o Congresso não terá jámais a barbaridade de disputar á vontade reconhecida do Brazil. He porém pasmoso sobre maneira que se queira a conservação de tribunaes que tanto pezo fazem á Nação, e que estão em perfeita contradicção com o systema representativo, por elle admittido. Elles erão precisos numa monarquia absoluta para que a vontade de um só que he a lei em taes estados, reflectisse ao menos as luzes emprestadas pela sabedoria de muitos; mas que prostimo podião ter no actual systema? Uma representação formada da flor da Nação, e animada do espirito da mesma Nação, não ha mister escorar-se nas formulas decrepitas de corporações permanentes, para quem o dia de hoje, he como o de ontem. Similhantes estabelementos são o luxo da ordem social, que a política se reforma todas as vezes que na organização de um povo se olha para a utilidade, e não para o vão apparato.
He verdade que a abolição não sendo simultanea em ambos os Reinos podia gerar suspeita; mas ninguem que fosse sensato duvidaria um só instante que os tribunaes houvessem de ter aqui a final igual sorte aos do Brazil. E que perdia o Reino do Brazil com a sua extincção? No mesmo decreto que os extinguia estava provido de remedio tudo o que expedião os dois tribunaes da meza da consciencia, e desembargo do Paço; no contencioso já na Constituição está declarado que as revistas terão concedidas mesmo no Brazil; e quanto ao expediente de certas graças, bem que por em quanto podesse soffrer algum embaraço, não podia prever o Congresso que um incommodo temporario, e que certo seria remediado, quando se ultimasse o regimen final do Brazil, produzisse tanto desasocego, e desconfiança."
Parece que o illustre Preopinante previamente respondeu a si mesmo. Eu não lhe posso responder melhor. Este he filho seu; e parecia preparada resposta aos argumentos que acabou de fazer. Alli tem pois a resposta, e eu nem tenho, nem posso accrescentar-lhe mais cousa alguma melhor, nem mais exacta.
O Sr. Trigoso: - Seria talvez inutil, dar eu hoje a minha opinião, á cerca do parecer da Commissão: todos sebem qual ella he, visto que eu sou o primeiro Deputado, que estou assignado neste parecer. Além disso, os meus illustres collegas da Commissão, o tem defendido de tal sorte, decorrendo sobre cada um dos artigos, que seguramente me tem tirado todo o trabalho. Com tudo, como membro da Commissão como Deputado do Congresso, vejo-me obrigado a dar hoje um testemunho á verdade, e tendo alguns Deputados accrescentado novos argumentos contra o parecer da Commissão, parece-me que sou obrigado a refutalos, ou a combatelos como possa. Um illustre Deputado arguiu o parecer da Commissão, com as notas de parcial, de impolitico, e de injusto: eu discorrerei quanto a minha memoria me permitia, sobre os diversos fundamentos, com que elle pertendeu provar esta sua asserção, e darei a elles as respostas convenientes. He parcial o parecer da Commissão, porque não foi a junta de S. Paulo a primeira que se oppoz ás deliberações do Congresso, mas o foco desta insubordinação da junta, está no Rio de Janeiro. Respondo que foi presente á Commissão o desgosto que alguns decretos das Cortes causárão no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que foi presente á Commissão a carta da junta de S. Paulo, de maneira que quando em Lisboa não se sabia que os desgostos do Rio de Janeiro rompessem em factos de insubordinarão, já se sabia que tinha causado uma tal sensação na província de S. Paulo, que a junta tinha dirigido aquella carta ao Príncipe Real. Esta noticia que a Commissão tinha, e que, tem duvida nenhuma, lhe dava todo o direito para julgar que o principio da rotura contra a autoridade das Cortes, tinha procedido, não do Rio, se não da junta de S. Paulo, veio a confirmar-se com as noticias que teve a Commissão, de que sendo verdade, que no Rio de Janeiro causárão estranheza os decretos das Cortes, não produzirão com tudo effeito algum; e só depois he que veio a conhecer-se que se preparava uma representação da camara do Rio de Janeiro, pertendendo obstar a esses decretos; mas quando se sabia que se pertendia fazer essa representação, já estava no Rio de Janeiro a carta de S. Paulo: logo foi esta a primeira, e não a camara do Rio de Janeiro.
Minas, e o vice-presidente. Minas escreveu cartas, e o vice-presidente fez falas; nem a Commissão approva umas, nem outras; mas ao mesmo tempo que a Commissão não approva isto, não julga conveniente que se castigue do mesmo modo o que fizerão essas autoridades, como julga se deve castigar o commettido pelas outras; e a razão he porque a junta de S. Paulo ao mesmo tempo que usa de frases descomedidas, se subtrahe á autoridade de Congresso; ao contrario a província de Minas, e o vice-presidente, ao mesmo tempo que usão expressões pouco menos indecentes, nem por isso se subtrahem á autoridade das Cortes: tanto que fazendo aquella província posteriormente á eleição de seus Deputados (posteriormente digo á eleição feita na junta de S. Paulo, e já quando as mudanças políticas do sul do Brazil começárão a romper), assim mesmo a junta de Minas mandou seus Deputados a este Congresso; não esteve da parte della o não partirem; a mesma junta estranhou não terem partido. Em consequencia pelos factos não temos duvida nenhuma que a junta de Minas he mui-

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to menos criminosa que a de S. Paulo, ainda quando suas expressões se aproximem ás desta; logo não se póde chamar parcial a Commissão, quando carregou com mais força sobre a junta de S. Paulo, do que sobre o Rio de Janeiro, Minas Geraes, e Pernambuco.
He verdade que á Commissão foi presente a carta que a junta de Pernambuco escreveu ao Principe Real; he verdade que ella usa das mesmas expressões que a junta de S. Paulo, e tanto que parece, que esta tenha sido sua mestra de estilo, e de eloquencia; mas por isso mesmo que a junta de S. Paulo foi sua mestra, e a outra não fez mais que imilala, por isso mesmo não fui parcial a Commissão em fazer recair o maior crime na junta de S. Paulo: tanto mais que a junta de Pernambuco não approva o seu procedimento numa parte; e he de notar que naquillo mesmo em que o approva, não a segue, porque ao mesmo tempo que declara, que era justa a estada do Príncipe Real no Brazil, e necessario um centro de união, de facto, não se quer ligar a esse centro, e continua a observar immediata subordinação ao Congresso, e a ElRei: logo não foi parcial a Commissão em dar mais culpa a junta de S. Paulo, que ao Rio de Janeiro, Minas, e Pernambuco. Mas vamos aos outros argumentos do mesmo Preopinante.
Queixava-se a junta de S. Paulo (diz elle) de falta de centro commum: não se queixava, nem se podia queixar de decreto que criava as juntas, porque ella mesma era uma junta, e continua, que se queixava da organização dellas. Mas em quanto á organização das juntas, suppondo mesmo que ellas não fossem organizadas com todos os requisitos que desejavão oa membros da junta de S. Paulo, segue-se daqui que fosse necessario que essa junta usasse das expressões que usou, para representar isso ao Congresso? Por ventura não era para isso bastante o direito de petição? Talvez se enganasse o Congresso: mas teve motivos muito fortes para aquelle engano: o Congresso tinha que fazer juntas no Brazil, e juntas novas que havião de substitui outras, criadas pelos povos, ainda que não legitimamente. Para o Congresso fazer esta creação das juntas, era necessario que quanto lhe fosse possível contemporizasse com os Brazileiros, e as pozesse na maior harmonia com as juntas, que já tinhão creado: o Congresso sabia muito bem, que a autoridade administrativa das províncias do reino, nunca pode ser independente do poder executivo (estariamos muito mal, se o poder executivo que tem obrigação de fazer executar as leis, e fiscalizar sua execução, não tivesse parte alguma na nomeação das autoridades que as hão de fazer executar); mas o Congresso conheceu que substituindo as juntas de outro modo organizadas que as que estavão, isto poderia causar desgostos: eis aqui a razão porque o Congresso conveio, que os juntas do Brazil fossem populares, isto he, que o seu presidente, os seus membros, e seus secretarios, fossem da escolha do povo. E depois de tudo isto, ainda a fazenda nacional das províncias devia ficar pertencido ás juntos administrativas? Ainda o governo militar que deve cuidar da defeza interna e externa, deveria ficar ás mesmas juntas? Então que influencia poderia ter o poder executivo nas províncias do Brazil? Nenhum absolutamente em consequencia era necessario [...] entaticamente essa especie de organização que não deve existir para o futuro, porque as juntas se devem organizar de outro modo, mas não o podião ser de outra maneira quando se organizárão, pelas razões expendidas.
Sinistras intenções da junta de S. Paulo, apontadas pela Commissão especial: nem eu, nem a Commissão pertendemos affirmar que os membros da junta de S. Paulo tiverem sinistras intenções; isto he, que tivessem intenções de conservar-se por muito tempo no seu lugar, e que não quizessem executar os decretos do Congresso, temendo ser suplantados por outros: a Commissão não tem pertendido atacar a moralidade dos membros da junta, mas só os seus crimes políticos; porém seja dito sem offender o honrado Membro, Deputado de S. Paulo, que se algum decreto do Congresso havia, que devesse ser executado prontamente por aquella junta, sem duvida devera ter aquella que mandava substituir novas juntas. Era da honra dos membros das juntas do Brazil, o fazelo logo cumprir, e dar occasião a que o povo fizesse suas eleições populares, tomando outra vez seus assentos, uma vez que fossem eleitos pela pluralidade de votos. Toda a vez pois, que os membros das juntas do Brazil não quizerão estar por isso, toda a vez que quizerão conservar seus lugares, e que em vez de executar taes decretos se contentarão de os notar de mal combinados, segue-se que com razão podia a Commissão suspeitar, ainda que não affirmar, que suas intenções não fossem inteiramente boas. O Congresso teve além das razões ditas, uma razão especial para determinar que as juntas novas substituíssem as outras: o Congresso, melhor que os habitantes do Brazil, sabe a historia do que aconteceu em Portugal no tempo da restauração: todos sabem, que em quasi todas as províncias se creárão juntas administrativas, que tinhão forma popular, e que estas juntas causárão males gravissimos á administração publica: e o Congresso receando iguaes abusos das juntas do Brazil, em prejuizo daquelles povos, juntas distantes do poder legislativo e do executivo, julgou, e com razão, que devia substituilas por outras que tivessem uma forma de eleição mais regular.
Diz o honrado Membro, que o decreto que chama os procuradores, foi taxado com muita parcialidade pela Commissão; seria inutil dizer-se muito sobre isto: qual he a pessoa que não conheça que este decreto he mal combinado, e que não he constitucional? Os mesmos Brazileiros das províncias que ficavão sujeitos á influencia desse decreto, esses mesmos temêrão, esses mesmos virão que talvez delle nascesse o restabelecimento do despotismo; e os Brazileiros das outras províncias, que não estavão então sujeitas a essa influencia, reprovárão semelhante medida; vindo talvez por este modo o decreto a fazer, em vez de mal, um bem; isto he, que aquellas províncias que ainda não estavão unidas a esse systema, não se unão por causa deste decreto. Tenho respondido, segundo me parece, aos argumentos que expoz o Preopinante. Não podia haver motivo algum, se não o da verda-
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de que fizesse a Commissão olhar o procedimento da junta de S. Paulo, com mais aspereza, que o dos outros: não quer dizer com isso a Commissão, que as outras sejão livres de defeitos; não quer dizer que não tenhão commettido crimes; mas faz differença entre elles. Quando um homem está constituido em autoridade, ainda commetta crimes no exercicio della, merece castigo, mas não merece que se levante contra elle a fôrça da opinião; pelo contrario, quando seu principal crime he obstar a autoridade superior castigar a subalterna, e fazela entrar nos seus deveres (apoiado, apoiado); eis-aqui porque a Commissão se viu obrigada a ser parcial (mas com justiça) com a junta de S. Paulo.
Passemos á Segunda parte. He impolitico o parecer da Commissão, porque vai excitar as provincias, e porque a junta de S. Paulo não mostrou que queria a separação de Portugal. A Commissão tem procedido neste particular com toda a prudencia: ella deu um parecer muito paternal, que apresentou ao Congresso, e que foi enviado ás provincias do Brazil; nelle se respondia a todos os argumentos que produziu a junta de S. Paulo, ainda sem se fazer menção do terrivel escrito que já estava em seu poder. Esse parecer foi apresentado no Congresso a 18 de Março, a um illustre Deputado, que me precedeu a falar, acaba de ler alguns paragrafos delle: e toda a pessoa imparcial, verá imparcial, verá por elle, qual era o animo da Commissão: ella dava com o seu parecer, todo o tempo, para que os Brazileiros entrassem em si, e para que ella não podesse ser accusada pela posteridade. Outro parecer deu a Commissão poucos dias depois, no qual pedia ser autorizada a demorar por algum tempo a qualificação da carta da junta de S. Paulo; e isso lhe foi concedido pelo Congresso. Tão pouca foi a acceleração com que procedeu a Commissão! Mas em fim chega um termo em que he preciso que a autoridade recobre seus direitos (apoiado, apoiado), e que distinguindo o bem e o mal, dê a cada cousa o seu verdadeiro nome. Uma razão especial, para que o Congresso obre agora desta maneira, he o evitar que, por uma perigosa condescencia, se vá aumentando o fogo da discordia nas privincias do Brazil. Se nós soubessemos que todas as provincias do sul do Brazil erão conformes nos principios da junta de S. Paulo; se nós soubessemos que todas as outras que não são do sul, erão constantes em os não admittir, pouco importava que o Congresso demorasse por algum tempo sua decisão; mas isto não o sabemos, e pelo contrario sabemos que Minas Geraes, se recusa inteiramente a entrar nesta nova confederação (e porque se julgou necessario que entrasse nella, he que o Principe Real para lá partiu); logo não está conforme em sentimentos, e se deferisse ainda mais uma decisão, promptamente as intrigas farião com que S. Pedro do Sul, e Minas se unissem ao Rio de Janeiro e S. Paulo: então as providencias serião inuteis (apoiado); além de que, consta que a mesma provincia do Rio de Janeiro, que parece estar tão unido em sentimentos com a provincia de S. Paulo, essa mesma não está verdadeiramente unida: sabe-se que ha lá muitos e desvairados partidos, entre diversas classes de pessoas, tanto europeas como brazileiras. Ora se todos se desenganarem, de que o Congresso, e o Governo não querem dar attenção a este objecto, a necessidade os obrigaria a sujeitarem-se ao jugo, que sem ella talvez não quizessem admittir. (Apoiados, apoiados.) He pois conveniente que o Congresso manifeste a sua opinião, para animar aquelles que não estão por aquella nova ordem de cousas; porque uma vez que não se queira agora fazer, será depois mais difficil: o mesmo digo das outras provincias; a de Pernambuco mostra estar em obediencia a ElRei, e ás Cortes, mas infelizmente ha um grande germen de discordia; quem sabe o que fará depois? Quem sabe se observando ella que o Congresso não dá attenção alguma, e que não reprime as intrigas do governo do sul do Brazil, adherirá á causa do Rio de Janeiro? E por consequencia me parece, que nem os Brazileiros se podem disto queixar, porque he de necessidade obstar desde já ao mal. A Commissão foi a primeira que desejou espaçar seu parecer: desejou tomar as informações necessarias; e a mesma Commissão he de parecer que desde já se dêm providencias, porque se não se derem já, deixamos passar o tempo em que sejão uteis e exequiveis. (Apoiado.)
Vamos agora a outro argumento da injustiça, com que procedeu a Commissão: e he que não consta que a junta de S. Paulo se queira separar. Mas que mostra ella na sua carta e nos seus escritos, senão que estimula o Principe Real a que não cumpra as decretos das Cortes? E não só que os não cumpra, se não houve que opponha expressamente a elles, e de tal maneira, que apezar das resoluções do Congresso, assim mesmo não os queira cumprir? E como póde dizer-se que as representações da junta de S. Paulo, e os factos commetidos por ella, não fossem dirigidos a outro fim mais que a demorar a execução dos decretos de Cortes, em quanto senão recorresse a estas, se todas as disposições do Rio de Janeiro, tendião a negar absolutamente a obediencia esses decretos? Se a tropa que estava a ser rendida por outra, apezar disso não se deixou permanecer? Se a expedição mandada para o regresso do Principi Real, voltou a Portugal? Não mostra isto, não uma uma suspensão das ordens das Cortes, que eu não me atreverei a chamar crimonosa, se não uma disposição absoluta de não as executar nunca? De que serve pois que os membros da junta de S. Paulo digão com a boca que querem a união, se elles com o seu procedimento mostrão quererem o contrario.
He injusto (continua o illustre Deputado) o parecer da Commissão, porque mostra uma ingerencia no poder judicial, e entre tanto conclue o honrado Membro, que este negocio seja remmettido ao Governo para proceder como for conveniente, se depois de concedida uma ammistia geral, ainda apezar disso houver autoridades criminosas. Pois então a quem pertence? Ao poder judicial, ou ao poder executivo? Se pertende ao poder judicial, nem a ElRei compete mandar-lhe fazer o processo, porque o poder judicial he independente; e se pretende ao poder de ElRei então tambem de certo modo pertence ás Cortes, não

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pelo principio que algumas vezes se tem seguido, de que estas Cortes são constituintes, se não porque isto pertence, na parte que diz respeito a interpretação ou revogação da lei, ao poder legislativo. Quando pois a Commissão propõe que se diga ao Governo que mande pôr em processo os membros da junta, abstem-se de classificar os seus crimes, e não pretende de maneira alguma influir no animo dos juizes. Só uma extrema ignorancia, ou vileza de sentimentos poderião forçar os nossos magistrados a atraiçoarem a sua consciencia para absolverem ou condemnarem por respeitos humanos: eu não os julgo capazes disso; e espero que elles não deduzão do parecer da Commissão outra cousa, se não que ella achou que os documentos que foi obrigala a qualificar merecem por sua materia e forma que seus autores sejão por elles criminalmente perseguidos: e isto quem o não vê? Além disto a Constituição, em certos lugares, dá às Cortes ordinarias o direito de mandar formar causa; ha Constituição se determina que o supremo tribunal de justiça, julgue a certas pessoas; o que não poderá fazer, sem ter determinado o Congresso a formação de culpa. Por conseguinte póde muito bem o Congresso formar culpa áquelles ministros, pois não he o mesmo foi mar culpo, que fazer o processo.
He tambem injusto o parecer, porque as opiniões não são crimes, e os factos da junta não mostrão rebeldia, porque os decretos dimanárão de uma illegitima autoridade: o Congresso não podia legislar, sem que estivessem juntos os Deputados do Brazil; logo não se póde dizer que a junta he rebelde, porque não devia executar as leis. Duas cousas devemos ter em vista, pelo que respeita ás leis; o que são leis constitucionaes, e o que são leis regulamentares. O Congresso sempre reconheceu que não podia fazer as leis constitucionaes sem que estivessem presentes os representantes do Brazil, mas aquellas de que se trata não são leis constitucionaes, mas regulamentares, e estas absolutamente falando, não são dependentes da assistencia dos Deputados. Provarei que as leis regulamentares absolutamente falando, são independentes da assistencia dos Deputados: nunca seria possível, que se organizasse a um pacto social, e nunca seria possivel haver um governo constitucional, se não se admittisse este principio, que ha leis que obrigão, sem serem feitas por todos os representantes da Nação; porquanto no entanto que se fizer o pacto social, ha de haver um governo provisorio, o qual se funda na vontade tacita dos que se sujeitarem a elle, ou dos que vão já formar o pacto social: he o que aconteceu entre nós. Desde o dia 24 de Agosto até que se instalarão as Cortes, pergunto eu, havia de estar o Reino de Portugal em uma inteira anarquia? Se assim fosse nunca seria possível que se ajuntasse o Congresso para fazer o pacto social. Como podia deixar de haver um Governo? Era necessario que se fizessem eleições, e se prescrevessem formal para ellas; quem tinha essa autoridade? Ninguem, porque o pacto social não estava formado. He preciso pois suppôr uma autoridade de convenção, á qual hão de estar sujeitos todos aquelles que querem formar depois o pacto social. He verdade que á factura dos primeiros decretos do Congresso não estavão aqui os representantes do Brazil, mas he tambem verdade, que era necessaria uma autoridade que tratasse os negocios do Brazil em quanto aqui não se viessem sentar os seus Deputados: esta não podia ser outra que a das Cortes, e a d'ElRei. Tanto mais podião ser essas autoridades legitimas, que erão aquellas que elles mesmos (ao menos uma dellas) sempre tinhão reconhecido: desde o principio elles tinhão prestado sempre uma obediencia absoluta a ElRei, elles continuárão depois da regeneração a prestar-lhe uma obediencia, não absoluta, mas limitada, pois que reconhecerão a autoridade das Cortes: e sendo assim, não sei como poderião querer subtrair-se a esta obediencia, e não se sujeitarem às leis interinas, em quanto não chegassem seus Deputados! E por ventura cometteu o Congresso algum abuso em fazer estas providencias interinas? Certamente não: o Congresso não fez mais que seguir a marcha, porque se mostrava decidido a caminhar o espirito publico do Brazil; e legislou ao principio, para sanccionar as juntas creadas pelos povos; passados tempos observárão-se duvidas sobre a constituição destas juntas; viu-se que os povos estaavão descontentes em algumas partes, que os antigos capitães generaes querião ter ingerencia nestas administrações; o Congresso legislou de novo, e esta legislação foi feita consultando-se o espirito publico do Brazil: determinou que as juntas governassem só, em tudo o que fosse administrativo, com tanto que fossem eleitas regularmente pelo povo. No entanto quando o Congresso fez isto, effectivamente já estavão aqui Deputados do Brazil; os Srs. da Pernambuco já tinhão assento no Congresso: lembra-me que quando se disse que o palacio dos capitães generaes ficasse pertencendo às juntas administrativas, elles mesmos derão informações a este respeito: em consequencia não se póde dizer que fosse feita esta legislação inteiramente sem Deputados do Brazil. Eu mesmo no lugar que V. Exca. boje dignamente occupa, quando se tratou do outro decreto sobre a extincção dos tribunaes, encarreguei aos Srs. Deputados do Rio de Janeiro, que meditassem muito sobre este assumpto: elles forão chamados á Commissão, e parece-me que tambem já então aqui estavão os da Bahia. O decreto em muitos artigos saiu feito a contento de todos. Ora he cousa notavel: antigamente não querião de modo algum os do Rio de Janeiro que houvesse esse centro de poder executivo; não querião os das outras províncias ficar sujeitos ao Rio de Janeiro, nem este queria ficar superior às outras províncias. Talvez que este demaziado melindre fosse a causa da subita extincção dos tribunaes; mas foi tal o susto de desagradar às outras províncias do Brazil, foi tal a vontade de unilas todas, sem excitar rivalidade alguma, que fomos obrigados a fazer esse decreto; e os Brasileiros em vez de agradecer-nos as boas intenções com que o fizemos, ao contrario fazem cair o que nelle ha de odioso sobre nós.
Pelo que pertence ao juramento, diz o mesmo honrado membro, que não foi espontaneo; mas qual he o modo porque nós podemos conhecer, se um juramento he ou não coacto, senão pelos actos subsequentes a elle? Como se póde julgar que foi mais
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coacto alli, que nas outras provincias do Brazil? Entre tanto acontece, que as outras provincias do Brazil, continuão a prestar esta sujeição tal ou qual, ás Cortes e a ElRei, e que só S. Paulo, e o Rio de Janeiro a não prestão. Digo tal ou qual, porque eu já disse, e torno a repetir, estão mui longe de me agradar todos os actos administrativos que fizerão essas outras juntas, mas com a differença que estas não quizeram ainda expressamente subtrair-se ás autoridades legitimas superiores.
As determinações que aqui se fizerão neste Congresso, diz-se que forão feitas por uma grande minoridade; assim he, mas esta minoridade he relativa á totalidade dos representantes da Nação, e não á totalidade dos formavão então o Congresso nacional. Nós não podemos, diz o regulamento interino das Cortes, fazer cousa alguma, sem que existão duas terças partes dos Deputados; mas de que Deputados? Dos que tem assento np Congresso: dos outros Deputados, não exige isso o regulamento; e se com effeito fosse necessario que as duas terças partes fossem da totalidade dos representantes, como segundo o nosso systema, os Deputados do Brazil tem voto, não só em tudo o pertence ao Brazil, senão tambem no pertencente a Portugal, segue-se que tudo quanto tivessemos feito até agora era nullo, e como isto seria um absurdo, necessariamente são falsos aquelles principios. (Apoiados). Disse-se que não he calumnioso, ou injurioso o papel da junta de S. Paulo. Convenho que a calumnia não he o mesmo que o erro; mas quando não se está persuadido, nem se póde estar, de que as imputações que se fazem são verdadeiras, e com tudo se apergoão como taes, quem tal faz não póde deixar de ter a nota de calumniador. Ha um paragrafo da fala da junta de S. Paulo (que não pretendo declarar) o qual além de ser falso e injurioso ao Congresso, como a junta de S. Paulo não póde de maneira alguma saber, nem provar o que alli affirma, não se póde deixar de dizer que he calumnia. Em quanto finalmente ao procedimento do Rio de janeiro, e do Principe Real, como Deputado que sou de uma Nação livre, não posso deixar de dizer abertamente que reprovo o procedimento do Principe Real, que reprovo seus actos administrativos posteriores, e as expressões que dirigiu ás Cortes e a seu Augusto pai; e estas porque nem são conformes á dignidade das pessoas a quem se dirigem, nem á dignidade da pessoa que as escreve; e aquelles porque estão em manifesta contradicção com a autoridade do Congresso, e com a autoridade delegada Real, que mandou executar as ordens do Congresso. (Apoiado, apoiados). Em consequencia, não posso ter a mais pequena em declarar altamente que estes factos e expressões, são os mais dignos de reprovação. (Apoiados, apoiado). Em quanto aos actos de administração (porque a respeito das expressões das cartas, oxalá que ellas não nos tornem á mememoria, e só sirvão para fazer cair em si, a quem com tanta precipitação as escreveu), em quanto, digo, aos actos da administração, ainda que o Principe não he inviolavel, convenho com a Commissão que se lhe exija responsabilidade. Digo mais, que a inviolabilidade Real, funda-se n'uma supposiçãp quimerica (Apoiado): muitas vezes se sabe que os Reis são a primeira causa d'um erro de administração, que querem seguir com pertinacia; e he então bem difficil que haja ministros fortes que se attrevão a resistir á força do prestigio real; mas ainda que isto assim seja os Reis não são sujeitos á responsabilidade, e o são os ministros posto que não tenhão outra culpa que a sua propria fraqueza; mas essa ficção de direito não existe no caso do Principe Real; não ha motivos que fação attribuir a origem daquelles excessos ao Principe, e todos os motivos persuadem que elle fôra induzido pelos Ministros. (Apoiado). As cartas anteriores do Principe assás mostrão quanto adherira ao governo constitucional; mas, diz-se, a opinião muda-se. Assim he, mas muda-se quando não ha experiencia, fructo da idade, e quando á falta della se ajunta habilmente a representação de um mal proximo que torna necessaria aquella mudança. Eis-aqui as causas que distrairão o Principe Real da marcha que levava: e até por este principio he de justiça exigir a responsabilidade dos ministros, e não do Principe, por isso que essa presumpção que faz a inviolabilidade dos Reis constitucionaes, não se verifica a respeito do Principe Real. Em quanto á retirada do Principe Real, o parecer da Commissão mostra bastantemente a duvida que houve a este respeito: quando a Commissão propoz que o Principe ficasse por algum tempo no Brazil, não quis de maneira alguma lisonjear com isto ao Principe; quis tão sómente mostrar a possivel contemplação com os povos do Brazil, para que se não dissesse que então mesmo quando estavão proximos a discutir o acto addicional, onde sem duvida se estabelecerá delegação do Poder executivo, se creava interinamente uma no va regencia, a qual talvez devesse ser brevemente tirada: em consequencia propoz a Commissão que se deixasse por algum tempo o Principe Real no Brazil. Eu tive tambem outra cousa em vista quando dei esse voto na Commissão, que foi facilitar por este modo as operações do Governo em, quanto á execução do resto do parecer, e á pacificação daquella parte do Brazil. Eu não direi agora quaes entendo que devão ser essas opperações, para não prevenir o Governo, a quem exclusivamente pertencem: só direi e com isto acabo o meu longo discurso, que tudo se póde esperar não só das medidas efficazes que houver de tomar o Poder executivo, mas particularmente da grande influencia que deva Ter no animo do Principe Real a autoridade paternal de Sua Magestade. Este he o meu voto. (Apoiados, apoiado).
O Sr. Girão: - Sr. Presidente, não quis hontem falar por me ter precedido um tão grande orador, como o Sr; Moura, o qual esgotou perfeitamente a materia da questão; hoje me acontece o mesmo, pois acabamos de ouvir o Sr. Ferreira Borges, e o Sr. Trigoso: mas felizmente me recordo que ainda me cabe grande partilha no voto separado do Sr. Vergueiro, a quem ninguem respondeu ainda, e tambem me recordo de alguma parte do seu discurso da sessão passada: o sr. Vergueiro he meu patricio, qualidade esta que junta a todas as mais que possue, faz

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que eu o estime muito, e o respeite ainda mais, porém somos tão contrarios em opiniões, como he a ursa do norte, das constellações incobertas do sul, e o nenith do nadir. Pelo que respeita ao discurso que ontem fez, notei que o dividiu em tres partes; na primeira pretendeu defender a infame junta de S. Paulo: na secunda exforçou-se por mostrar que pertencia ao poder judiciario, e não a nós, o tomar conhecimento de seus crimes; e no terceiro opinou que era mais conveniente empregar os meios de brandura. Pelo que toca á junta de S. Paulo respondo que os argumentos dos illustres oradores que já referi, lançarão por terra, e fizerão perder o brilho a todas as douraduras, e vernizes, que o Sr. Andrada lhe tinha posto com mão habil; apparecêrão de novo todas as negruras dos nefandos crimes daquella junta, que desafião a execração de todos os Portuguezes, e por minha parte só desejava que os raios voassem com minhas vozes, para que fosse pronto o seu castigo. A segunda parte do discurso do Sr. Vergueiro foi tão contrariada, que me não resta nada a dizer, e pelo que pertence á terceira, logo responderei. Vou-me occupar agora do voto separado, e devo observar que este voto contém a mesma materia da questão, e além disto foi licito a todos os Srs. que tem falado, divagarem alguma cousa: seja-me pois tambem permittido usar da mesma latitude, e não me restringir sómente ás estreitas linhas do artigo 1.º do projecto. Não cabe na brevidade de um discurso analysar miudamente todas as expressões do voto separado, eu só farei áquellas que mais me ferirão.
He com bastante admiração minha que eu leio a paginas 14 as seguintes palavras: a mudança da sede da monarquia causou algum estremecimento, principalmente nas provincias do Sul. Abusou-se cá da liberdade da imprensa para deprimir o Brazil. Sr. Presidente, he para bem admirar que as províncias do Sul quizessem disputar á cidade de Ulysses, e a patria dos conquistadores de Malabar, e costas da África a posse de tantos seculos, e a honra de terem no seu seio o primeiro Rei verdadeiramente constitucional!!! Portugal invadido por um poderoso exercito inimigo viu com magoa ausentar-se para o Brazil a Família reinante; mas despertou logo do lethargo em que jazia, tomou as armas, immolou aos manes de seus maiores uma grande parte de seus aggressores, e levou o resto diante das baionetas até além dos Pirineos. Do fogo das batalhas renasceu a Nação á maneira de Fenix, e outra vez apparecêrão os verdadeiros Portuguezes, verdadeiros descendentes dos vencedores de Ourique, de Aljubarrota, de Montijo, e de Montes Claros. Durante porém toda esta gloriosa luta, nenhum soccorro nos derão nossos irmãos brazileiros, guardárão seu ouro, seus diamantes, e só nos mandárão um tão mesquinho presente, que nem merece o recordar-me delle. Acabou-se porém a guerra, e ume grande porção de nosso victorioso exercito foi defender essas mesmas provincias, que hoje se rebellão, foi occupar militarmente o territorio de Monte Video, e deve-se notar que ainda lá existe pago sempre pelo nosso thesouro publico. A' vista disto, Sr. Presidente, nãa tenho sobejos motivos de me admirar, que se estejão a procuror pretextos contra quem não tem a mais leve culpa? Diz mais o Sr. Vergueiro: que se abusou da liberdade da imprensa para deprimir o Brazil. Até parece um milagre politico a modestia de todos os nossos escritores: nem uma só palavra contra Brazileiros li eu nos jornaes antes de sermos provocados pelo Despertador, Malagueta, Cegarrega, e outros taes perversos, e incendiarios escritos: a liberdade da imprensa degenerou sim, mas no meio de libellos, e sarcasmos, de que muitos de nós fomos victimas, o Brazil era uma divindade respeitada; e agora o illustre Deputado ou se escrever, que foi deprimido. Passemos adiante; algum Europeos (diz mais o Sr. Vergueiro) menos ligados ao paiz, contradisserão as opiniões dos Brazileiros; despertárão-se por isto as rivalidades antigas que crescêrão ao maior gráo onde a tropa europea apoiava um dos partidos.... Aqui temos nós convertidas em crimes as opiniões, e o intolerantismo advogado por um Deputado, que se presa de ser liberal! Ai de mim que sigo opiniões contrarias ás suas e não encaparei a seus anathemas!! Mas eu opino em contrario, e apezar disto guardo-lhe respeito, e professo-lhe amizade. Prosigamos: he por isto (diz o texto que analyso) que em Pernambuco se não estabeleceu a possivel tranquillidade publica em quanto não saiu a tropa. De que servirá, Sr. Presidente, o ter vindo a verdade bater tantas vezes á porta deste augusto recinto, se he calcada aos pés desta maneira. Pois em Pernambuco batem-se os regimentos uns aos outros, commetten-se assassinatos todos os dias, nenhuma autoridade he respeitada; estamos a ver os Europeos que vem fugindo da quella inhospita província; sabemos que immensas quadrilhas de ladrões infestão os Sertões; faltárão-nos de todo as correspondencias do governador das armas, o qual ou está morto, ou rodeado de punhaes, e agora o illustre Deputado assevera-nos que está restabelecida a tranquilidade!! Ou o Sr. Vergueiro não tem ouvido ler as partes do registo do Porto, ou tinha escrito isto ha muito tempo.
A voz de união (leio ainda neste abundante paragrafo) principiou a afrouxar, porque os Brazileiros, recordando com horror o antigo despotismo europeo, temião cair outra vez debaixo delle. Oh Ceos! temem os Brazileiros o despotismo europeu, Scilicet a Constituição a mais liberal do mundo que já gozão, e não temem o despotismo brazileiro, assentado já no trono, que lhe erguêrão as mãos rebeldes, e rodeado de satrapas, e guerrilheiros, que bem valem os Janizaros, e os Cosacos!!! O certo he que ninguem vê o argueiro no seu olho.
Passarei ao novo paragrafo: Nesta crise terrivel, (leio eu agora com bastante admiração) os verdadeiros, e mais denodados amigos da grande patria, temendo mais que tudo o seu espedaçamento, procurárão empregar os unicos meios, que podião dar direcção á opinião publica, e felizmente obtiverão sobre estar-se na execução dos decretos, que tinhão espalhado por toda a parte o terror, e a indignação. Terror e indignação!!! Mas estes mesmos decretos forão mandados a rogos, e a instancias do Sr. Ferreira da

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Silva, que he Brazileiro, estes decretos erão os desejos e os votos do Brazil, antes do apparecerem os denodados amigos, a cuja frente veio esse magico de S. Paulo, o qual tem habilidade de transtornar todas as idéas recebidas, e de tornar escuro aquillo que ha mais claro que o dia! Em verdade, Sr. Presidente, ou eu perdi o siso, ou nunca o nome de amigo foi tão profanado: o illuslre autor deste voto separado acha amigos naquelles, em que eu não vejo senão assassinos da grande familia portugueza, naquelles que animão em seu peito as furias das discordias, e que tornando o facho, e o ferro, querem alargar de sangue, e mettem em fogo a patria em que nascêrão!!! Notou com admiravel viveza o Sr. José Ferreira Borges, que os papeis da junta de S. Paulo, da cantara do Rio, e outros similhantes, todos parecião ter saído do mesmo tinteiro, eu porém noto que estas expressões analysadas, sairão da penna de um illustre Deputado, e por isso me admiro sobre maneira!!!
Passando agora á pagina 15, encontro este paragrafo: Se algumas noticias vindas do Brazil podem pôr em duvida a conclusão, que acabo de tirar, reflicta se, e reflicta-se com seriedade, que são emittidas pelo partido europeo, que tendo hoje quasi nullo na maior parte das provincias, ha de mais tarde, eu mau cedo acabar em todas. As paixões, Sr. Presidente, são como as tormentas; não se segue que por estarem em calma, deixem de ser temiveis, eu temo as minhas proprias paixões, por ora acalmadas; mas o coração me baquea, quando contemplo os ameaços profeticos, que acabei de ler.... infelizes Europeos, recebei o premio que vos dão vossos irmãos Brazileiros; em paga de lhes terdes levado a povoação, a civilisação, e a industria, estais votados ao extermínio?.... abri os olhos, pezai estas fataes palavras de um Deputado amigo da união dos dois Reinos! O partido europeu ha de acabar em todas as provincias! Oh! praza a Deus que a fama se apresse, que os Europeus me oução, e voltem á patria, que os espera com os braços abertos.
Mas eu contemplo com gosto, que a emigração já principia: os navios que dali voltão nunca trouxerão tão preciosos thesouros, vem cheios de Portuguezes.
Honra e louvor tenhão entre estes o Conde de Belmonte, e o Marquez de Angeja, que desmentirão o rifão que diz, que todos gostão de adorar o sol nascente: não são assim os portuguezes honrados, elles virão o illudido Príncipe fóra da trilha de seus deveres, elles o abandonárão, e cedo voltará outro illustre cidadão com seus grandes capitaes; venhão, que a paz os espera, e um clima abrigado de Ceo tão puro, como he o coração de seus compatriotas.
Crise terrível, guerra civil, e seus horrores!!! são os mimos, que eu vejo escritos no paragrafo que se segue, e delgada linha os divide apenas das vantagens da união (no conceito do illustre autor deste veio separado). Ora eu, Sr. Presidente, não faço planos de campanha, e filantropico, talvez com fanatismo, só desejava que os homens por uma vez largassem as espadas, se abraçassem, e não se desgolasem, mas unicamente por curiosidade, peço licença para ler um mappa das forças, que as facções do Rio tem presentemente.

[Ver Tabela na Imagem]

Infanteria de linha Baionetas

Primeiro batalhão ....
Segundo dito ....
Terceiro dito ....
Granadeiros ....
Artilheiros que guarnecem os fortes ....
Cavallaria, homens ....
Brigadas de artilharia montada .....
Sommão ....

As milícias da cidade teverão a honra de serem desarmadas, e por ter o Príncipe tão poucas tropas, he que pediu soccorro a S. Paulo, e Minas, he que estabeleceu essas bravas guerrilhas!!! Das milícias, que vierão para guarnição, ha regimento que só tem 70 homens, ha companhia que conta 7 soldados, e 30 officiaes. Tantas, e taes são as forças do Rio, compostas de soldados, que nunca virão a guerra, e os commandantes, que lhe davão tal, ou qual forma de tropa, estão em Portugal. A' vista disto, pense agora cada qual o que quizer.
Desejava que me esquecessem os 400 homens que tom commandante servil e ignorante lá deixou, bem digno por certo do rigor das leis... (A' ordem, á ordem, que he prevenir os juizes! disserão alguns Deputados). Já está julgado no conselho de guerra (respondeu o Orador), isto foi effusão do meu sentimento e pezar, augmentado por ver que um homem de quem fui amigo se portou tão mal; mas eu sacrificaria sempre á patria os amigos, e meu proprio pai se o tivera, e não fosse leal á mesma.
Ora agora concluirei o meu discurso, dizendo, que approvo o parecer da Commissão no que respeita á junta de S. Paulo; pelo que pertence ao Príncipe, não: pois devemos portar-nos neste negocio importante como se portou o senado romano com Lucio Junio Bruto) entregando-lhe os filhos para que elle mesmo os julgasse. Façamos o mesmo, pois o nosso Rei constitucional tem toda a prudencia precisa; se o quizer castigar será similhante ao severo senador, e se lhe quizer perdoar tambem se assimilhará na piedade a Marco Aurélio, e a Tito; eu por minha parte com tudo fico satisfeito: pois se o Principe agora está desvairado e perdido, póde ser, pois he Porluguez e tenra planta, que volte ao caminho da honra, do seu dever; aliás nós faremos o nosso, he pois este o meu voto.
Sendo chegada a hora da prolongação, e não se achando sufficientemente discutida a materia, decidiu-se que ficasse adiado.
O Sr. Ferreira da Silva offereceu a seguinte

INDICAÇÃO.

Como se tenhão sanccionado os artigos 37, e 41 do decreto provisorio para a eleição dos Deputados

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das Cortes ordinarias do presente anno, em que se determina, que os Deputados de umas Cortes possão ser reeleitos para as seguintes, e que ao reeleito será livre servir, ou acceitar: Proponho que se declaro no mesmo decreto como artigos addicionaes, 1.º que as juntas de cada província do Brazil fação remetter para Lisboa no caso de reeleição, a deputação respectiva, completa pelos supplentes, como se não houvesse reeleição de algum Deputado. 2.º Que ainda no caso de não haver reeleitos, se remetta além da inteira deputação proprietaria um supplente, para nos casos de morte, ou impedimento absoluto, poder substituir a falta do impedido, salvo se existir no Reino de Portugal ou Algarve algum dos supplentes eleitos. 3.º Que se determine ao Governo que immediatamente faça expedir o presente decreto para na províncias do Reino do Brazil.
Sala das Cortes 28 de Junho de 1822. - Ferreira da Silva.
Fazendo-se logo 2.ª leitura desta indicação, mandou-se remetter á Commissão de Constituição para dar sobre ella o seu parecer com urgencia.
O Sr. Rosa offereceu a seguinte

INDICAÇÃO.

Proponho que o artigo 3.º do projecto N.º 246 entre os officiaes regressados do Brazil seja enunciado da maneira seguinte: Os officiaes que forão destacados para o Brazil, ou que por outro qualquer motivo, S. Magestade os mandou servir naquella parte do Reino-Unido, e que tendo dahi regressado, ou para o futuro regressarem, sendo despachados em maiores postos do que aquelles em que daqui forão, entrarão, como aggregados, no exercito de Portugal, nos mesmos postos em que se achão, com o vencimento dos seus soldos por inteiro, não podendo para o futuro entrar em effectivos, em quanto não lhes pertencer pelas suas antiguidades, com relação às patentes que tinhão quando daqui forão, e ao estado em que ficou o exercito, depois das promoções de 22 de Julho, e 12 de Outubro de 1815; as quaes servirão daqui em diante, para regular as antiguidades de todos do officiaes do exercito de Portugal. - O Deputado Rosa.
Ficou para segunda leitura.
O Sr. Pinheiro de Azevedo por parte da Commissão de instrucção publica leu os seguintes

PARECERES.

Primeiro. D. Maria Emilia de Souza Calheiros filha legitima de José Calheiros de Magalhães e Andrada, que foi lente do segundo anno mathematico na academia da marinha, e commercio da citado do Porto: pede em attenção aos serviços de seu pai a graça de se lhe contribuir annualmente com metade do ordenado que elle percebia, pago pelo cofre da mesma academia
Parece á Commissão do instrucção publica, que o requerimento da supplicante não póde ser attendido; pois que os fundos da academia do Porto são muito escassos para as despezas annuaes da mesma academia: o que tem já sido presente ao Congresso pela junta inspectora, e foi causa de se mandar proceder a um plano de reforma naquelle estabelecimento.
Sala das Cortes 27 de Agosto de 1821. - Francisco Manoel Trigoso de Aragão Morato; João Vicente Pimentel Maldonado; Joaquim Pereira Annes de Carvalho; Ignacio da Costa Brandão; Francisco Moniz Tavares.
Foi approvado.
Segundo. O Padre Manoel Nunes Vicente, professor de língua latina na villa de Alpedrinha, pretende que lhe seja pago o augmento de ordenado de quarenta mil réis, desde a publicação do alvará de 13 de Novembro de 1801, que o concedeu, até o dia 17 de Fevereiro de 1819.
Allega ter sido professor com carta de propriedade em Odivellas, por espaço de seis annos, e que extincta aquella cadeira, sendo mudado para a de Alpedrinha, com provisão de substituto, devia ser considerado como proprietario, e maiormente porque naquelle tempo se não davão cartas de propriedade. Ajunta o seu bom serviço de 42 annos, adiantada idade, e o ter-se-lhe concedido esse accrescentamento em 1819, sem nenhuma habilitação.
A Commisão de instrucção publica reconhece as boas razões do supplicante, mas attendendo á interpelação, que se deu ao alvará de 1801, participada officialmente a S. A. R. o Príncipe Regente, e a pratica constante de dezanove annos, segundo as quaes este augmento se concedia nos proprietarios sómente, e aos substitutos quando erão promovidos precedendo exame, a que nunca se quiz sujeitar o supplicante; e considerando a estreiteza, e diminuição das rendas nacionaes applicadas ao pagamento dos professores, he de parecer que este requerimento deve ser indeferido.
Sala das Cortes 30 de Março de 1822. - Antonio Pinheiro de Azevedo e Silva; João Vicente Pimentel Maldonado; Francisco Manoel Trigoso; Joaquim Pereira Annes de Carvalho; Ignacio da Costa Brandão; Francisco Moniz Tavares.
Foi approvado.
Terceiro. Manoel Luiz da Veiga pede que a escola mercantil, e o novo methodo de partidas dobradas, que elle compoz, e fez imprimir em mil oitocentos e tres, sejão admittidos com preferencia nas aulas publicas de commercio, achando-os este Congresso dignos dessa graça. A Commissão de instrucção publica he de parecer que o requerimento do supplicante seja remettido ao Governo, para que mande á junta do commercio, que informe sobre o seu conteúdo; pedindo aos mestres das aulas do commercio o seu parecer por escripto, com o qual deve vir á Commissão, o informe da junta.
Paço das Cortes em 15 de Dezembro de 1821.- Ignacio da Costa Brandão; João Vicente Pimentel Maldonado; Joaquim Pereira Annes de Carvalho; Francisco Manoel Trigoso; Antonio Pinheiro de Azevedo; Francisco Moniz Tavares.
Foi igualmente approvado.

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[616]

O Sr. Fernandes Thomaz, tendo pedido a palavra, disse: - Sr. Presidente, rogo a V. Exa. queira perguntar aos Srs. da Commissão ecclesiastica de reforma, se o parecer sobre as congruas dos bispos está pronto ou não. He preciso que isto appareça um dia porque he já tempo, aliás não tornarei a falar em tal cousa.
O Sr. Caldeira: - A Commissão teria já aprontado este projecto, mas elle depende do trabalhos estadisticos. A Commissão propoz já o regulamento sobre paroquias. Agora nada seria mais facil do que determinar estas congruas, mas he preciso e indispensavel que ellas sejão estabelecidas sobre certas divisões estadisticas. Nenhum homem póde governar bem a sua casa, sem saber o que ella comprehende; nenhuma outra administração poderá marchar em ordem senão debaixo deste principio. Se fosse só saber quanto deve ter um bispo de congrua, e quanto um arcebispo, isto seria facilimo.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Tudo isto he muito sensato, he muito bom, mas he contra o que o Congresso já determinou. O que o Congresso determinou foi que a Commissão apresentasse o seu parecer; e que estas mesmas reflexões viessem nelle. Acha a Commissão embaraços! Proponha isto mesmo: o mais he fazer-se a Commissão juiz do negocio, e quem he juiz delle he o Congresso. Todavia, falando sobre a materia, não ha embaraço nenhum. Para dizer que um bispo ha de ter tantos mil cruzados, he acaso preciso saber o trabalho que elle ha de ter? Tal arrazoado he contra producentem. Para o futuro, os bispados hão de ficar o mais iguaes uns aos outros que for possivel. Além de que, supponhamos que fazem alguma differença, o Congresso que então for, he quem a ha de determinar. Isto he provisorio: e quanto mais se demora, mais os padres vão comendo; e elles não devem comer o que pertence á Nação. Reguladas as congruas, está sabido que o accrescimo vem para o thesouro nacional. Ainda ha outra injustiça mais: ha bispos no Ultramar que tem congruas muito pequenas. Aos que vivem pobres, dê-se-lhes mais alguma cousa; e aos que tem demasiado, tire-se-lhe. Isto he o que a justiça pede, mas isto nunca se ha de fazer, pelo que vou vendo.
O Sr. Gouvêa Osorio: - Eu apoio tudo o que diz o Sr. Fernandes Thomaz... Então que tem que ver os bispos com os numeros de paroquias; não tem nada. Estão alguns bispos para tomar posse, e deve a Commissão dar o seu parecer quanto antes...... (Não ouviu o resto o taquigrafo Costa.)
O Sr. Rebello: - O Sr. Fernandes Thomaz diz que não ha nada mais simples do que dizer que um bispo lenha dez ou doze mil cruzados, não ha nada mais simples na verdade, mas porque não apresentou o Sr. Fernades Thomaz, um projecto, uma vez que a cousa he tão simples? Este negocio não tem apparecido porque depende de um artigo que se achava em discussão, sobre o modo da admnistração geral a este respeito: não he só dizer que um bispo tenha tanto; he preciso fazer muitas outras combinações; he preciso que o beneficiado tenha o seu beneficio, e que tudo o mais seja para o Estado... Quando aqui se falou sobre a administração geral do reino, o meu parecer foi que cada uma das divisões territoriaes devia estar sobre si; ter um bispo, e outras autoridades, e com um systema administrativo bem regulado, sem esta confusão em que estão unidas das nossas cousas. Para se julgar deste plano basta ver o que se pertende fazer a respeito de circulos eleitoraes... A' medida que forem vagando os bispados, uma vez determinadas as congruas para os successores, sabemos que daqui provirá bem ao thesouro nacional; todos estamos conformes: mas se o illustre Preopinante tem tanto desejo de que a Nação não esteja privada dos subsídios eclesiasticos, porque não tem pedido a discussão sobre a patriarcal? Este he um projecto que merece mais a pena, do que o das congruas dos bispos, de que por ora não póde vir utilidade nem aos mesmos bispos, nem á Nação. O que o Preopinante devia apressar, era que o Governo tratasse de impetrar as bullas para a extincção da patriarcal. Porque razão não tem pressa neste e n'outros negocios, se por ventura o insta o zelo da fazenda publica? Não desataremos as mãos ao Governo para obter as bullas para a extincção da patriarcal? Por outra parte porque não trataremos do projecto que diz respeito ás corporações regulares, ou adoptando o que propõe a Commissão, ou outro qualquer que preencha as vistas do soberano Congresso, para acudir às despezas publicas? Todavia se o soberano Congresso quer que a Commissão declare quanto deva ser a congrua de um bispo, e qual a de um arcebispo, não haverá duvida nenhuma em se apresentar este parecer segunda feira.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Não falarei sobre a materia. Digo só que o que eu fiz foi lembrar uma cousa que estava a cargo da Commissão, e que ella era obrigada a fazer, porque assim se lhe mandou na ultima das cinco vezes que eu aqui falei sobre este objecto. Eu daquillo não entendo nada, mas parece-me que em se dizendo cada bispo terá tanto de congrua, e os bens serão administrados pela Nação, tem-se dito tudo, tiradas as despezas do culto, as pensões, e as congruas aos bispos e arcebispos; isto he em que ha de vir a parar a cousa ainda mesmo com aquellas estadisticas. Se isto não he possivel, então requeiro outra cousa, e vem a ser, que se não prova bispado algum, e que as rendas entrem no thesouro. A pressa que tenho, he que os rendimentos venhão para o thesouro.
O Sr. Guerreiro: - Peço a palavra para perguntar se os bispos hão de ter congruas, ou se a questão primaria ainda está em pé?
O Sr. Presidente respondeu que ainda não estava decidido.
O Sr. Guerreiro: - Nesse caso parece-me que o que deve fazer o illustre autor da indicação, he propôr um projecto para essas mesmas congruas.
O Sr. Rebello: - Eu declaro desde já que a minha opinião he que os bispos tenhão congruas.
O Sr Miranda: - Eu desejava saber sobre que versa a discussão? Tudo até aqui tem sido para que a Commissão do o seu parecer com urgencia: reserve-se a discussão para quando o der, porque o mais he perder tempo.

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O Sr. Borges Carneiro: - Já se lhe mandou dar, e até agora não satisfez por duvidas, que parece haver; porém devo propor o parecer e as duvidas, e as Cortes tudo decidirão.
O Sr. Andrada: - Eu estava persuadido que já te tinha decidido que os bispos hão de ter congruas. Declaro que sempre votarei por ellas.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Requeiro a V. Exca. que faça vir da Commissão os papeis que lá eslão sobre isto.
O Sr. Borges Carneiro: - O Congresso mais de uma vez mandou que a Commissão desse o seu parecer sobre este objecto. A Commissão continua a dizer que ha embaraços: deve satisfazer ao que se mandou, ponderando esses mesmos embaraços no seu parecer.
O Sr. Rebello: - Os papeis que existem na Commissão a estes respeito são seis linhas: ora sobre estas seis linhas he que a Commissão tem de dar o seu parecer...
O Sr. Borges Carneiro: - Proponha V. Exca. á votação, se a Commissão deve ou não dar o seu parecer: por isso mesmo que a indicação não consta de mais de seis linhas, muito mais he de admirar que o não tenha dado.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu não sou asiatico no meu estilo, mas em fim fiz aquillo. A Commissão deve dizer, 1.° se deve haver estas congruas; 2.° de quanto devem ser. A não se fazer isto, requeiro que se me remetta a minha indicação, e não tornarei a falar em tal cousa.
O Sr. Presidente convidou a Commissão para que na primeira sessão apresentasse o seu parecer a este respeito.
O Sr. Martins Basto, por parte da Commissão de justiça civil, leu o seguinte

PARECER.

A este soberano Congresso expõe Manoel José Fernandes Dias negociante na cidade de Braga, que sendo senhor, e possuidor de uma asenha de tres redes no Rio Cavado por baixo da ponte do Porto, e querendo Manoel Antonio Soares, e outros, que a dita asenha, e seu assude, fossem demolidos lhe propozerão causa de espolio, e depois denunciação de obra nova, e como em uma, e outra ficassem vencidos recorrêrão extraordinariamente ao antigo governo, o qual mandara consultar o desembargo do preço, que conformando-se com informação dada pelo provedor de Coimbra, sem audiencia dos interessados, consultára com effeito a demolição pedida, e assim se resolvera até com desprezo dos embargos ponderosos, que o supplicante oppoz á provisão, que se expediu; pelo que supplica um remedio capaz de obstar a tantas injustiças nomeando-se ministro imparcial, que ouvidos os interessados vá ao sitio da contenda, e proceda ás averiguações necessarias para descobrimento, e cabal conhecimento da verdade.
A Commissão de justiça civil, parecendo-lhe este caso digno de attenção, e não podendo formar sobre elle opinião segura por ter-se o supplicante dispensado de provar cousa alguma do que disse, avocou do Desembargo do Paço os respectivos papeis, e examinando-os, a hou que tendo o direito do antecessor do supplicante seu fundamento em uma provisão de aforamento do areal, em que foi feita aquella obra, se especificará na dita provisão clausula de não ser tal obra prejudicial ao publico: achou mais, que o provedor de Coimbra procedêra a duas informações, não a uma como o supplicante parece persuadir, e que na segunda havia posto em pratica todos os meios aptos para descobrir a verdade, que se procurava, e achou finalmente, que tendo ouvido uma das partes, e não querendo a outra responder; e que tendo procedido a vestoria com peritos de Braga, ou de suas vizinhanças, resultára de tudo uma certeza indubitavel de que a obra de que se tratava era não sómente oposta, e offensiva a direito já adquirido por terceiros, mas tambem prejudicial ao publico, circunstancias, que constituindo a condição com que havia sido concedida a licença pela subdita provisão, tornava esta sem effeito, e a obra em indispensavel necessidade de ser demolida sem embargo das sentenças sobre força, e nunciação, que não podião empecer o meio extraordinario.
Nestes termos parece á Commissão, que nem o ministro informante, nem o desembargador do paço, nem o governo antigo fizerão ao supplicante as injustiças de que elle se queixa, e que faltando estas não póde ter lugar a intervenção deste Congresso, pelo que o supplicante deve ser indeferido, ficando-lhe salva a faculdade de recorrer ao Governo por onde o caso foi tratado, se acaso assentar, que para obter melhoramento tem algum direito. - Sala das Cortes 9 de Abril de 1822. - Luiz Martins Basto; Joaquim Antonio Vieira Belford; Antonio Carlos Ribeiro de Andrada: Manoel de Serpa Machado; Pedro José Lopes de Almeida.
Terminada a leitura deste parecer, disse
O Sr. Borges Carneiro: - Fala o parecer em direito salvo.... Eu me conformo com o parecer da Commissão, uma vez que não fique essa clausula do directo salvo, ou porta aberta para requerer ao Governo. Falando em rigor, houve nisto irregularidade, porque em vez de ser este caso julgado pelo poder judiciario, foi-o por uma resolução regia de uma consulta. Como porém chegou a esse estado; conformo- me com o parecer da Commissão, com tanto que não se deixe a porta aberta para se ir inda tentar fortuna com o Governo; ou, se queremos ir por caminho direito, diga-se que não pertence às Cortes.
O Sr. Martins Basto: - Então está conforme com a Commissão; porque não se lhe pode colher que requeira ao Governo.
Poz o Sr. Presidente a votos o parecer, e foi approvado, supprimindo-se a clausula de ficar salva a faculdade de recorrer ao Governo.
Leu mais o Sr. Martins Basto, por parte da mesma Commissão, o seguinte

PARECER.

A Commissão de justiça civil, apresenta o seu parecer sobre a representação dos Deputados da junta
TOMO VI. Iiii

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de liquidação dos fundos da extincta companhia do Grão Pará, e Maranhão, e hoje igualmente doa fundos da companhia de Pernambuco, e Paraíba.
Nella expõem os mesmos Deputados a violencia que dizem lhe faz o Governo, tanto pelo actual como pelo antecedente ministro da fazenda, nas duas portarias de 8 de Agosto, e na de 24 de Outubro proximo passado, esbulhando-os sem antes serem ouvidos, nem convencidos, da propriedade, e uso de um edifício, e armazens, que lhe pertencem, e sempre possuirão no sitio da Boa Vista junto á casa da Moeda.
Como tanto na representação, como nas portarias de que se queixão, se fazia referencia às consultas, que tinhão precedido da mesma junta do Pará, do conselho da fazenda, e do senado da camara; a Commissão julgou necessario ter á vista as mesmas consultas, e documentos a ella juntos. E tendo-os obtido extrahiu a historia chrenologica da propriedade em questão, a qual julga preciso expor para que esle augusto Congresso possa formar um seguro juízo, em um negocio de consideravel importancia, em attenção às consequencias que vão resultar da definitiva resolução, que se tomar a seu respeito.
O domínio, e posse de toda a marinha de Lisboa, e seu termo, por successivas e muito antigas merces regias, foi dado ao senado da camara desta cidade.
Foi como senhor directo, que elle aforou a antiga junta do commercio por escritura de 14 de Dezembro de 1671, um chão no districto de S. Paulo da banda do mar junto á praia, indo da dita igreja para a Boa vista, pelo foro fateosim perpetuo de 65$000 réis.
Desde 1707 até 1719, foi o mesmo foro pago por ordem do conselho da fazenda pelo thesoureiro de um por cento. Não consta o motivo.
Em 1720 até 1727 foi pago por ordem do mesmo conselho da fazenda, parte pelo thesoureiro da casa da moeda, e parte pelo thesoureiro dos armazens da coroa, conforme o rateio, que se fez no foro, de 45$000 réis para a casa da moeda, e 20$000 réis para os armazens da coroa.
Em 1756 foi criada a companhia geral do Grão Pará e Maranhão, e pela condição 9.ª se lhe concedeu no sitio da Boa vista, e praia a ella adjacente o lugar, e área, que fosse competente para estaleiros, armazens, e mais officinas: o qual terreno, ou área foi depois designado pela resolução de 10 de Setembro do mesmo anno, declarando-se que serião cincoenta braças principiadas a medir da parte occidental dos armazens, que havião sido da junta do commercio, e do norte desde o muro que separa a rua até ao mar.
Em 9 de Julho 1767, obteve o senado um alvará declarando, que com notoria ob-e-subrepção, o mesmo senado havia sido privado do domínio, e poste dos terrenos de toda a marinha de Lisboa, e seu termo, e ordenou que elle fosse restituído, e entregue não só do chão em que estava situada a vedoria incendiada, mas juntamente do domínio, posse, e administração de todos os terrenos, e solos comprehendidos nos diversos lugares da marinha, na fórma das suas antigas doações.
Em consequencia deste alvará passou o senado a tomar posse de todas as chaves, e propriedades, que assim lhe erão restituídas; e pela que tomou do chão no sitio da Boa Vista por elle primordialmente emprazado á junta do Commercio, se verificou, que parte se achava possuído pela causa da moeda, parte pela junta da companhia do Pará, e parte pela junta de Pernambuco, e Paraíba, pagando a casa da moeda 45$ réis de pensão, e cada uma daquellas juntas 10$ réis, que prehenchem o foro primordial de 65$ réis.
Em 1098 recebeu a junta de Pernambuco aviso para entregar por emprestimo ao provedor da casa da moeria, uma pequena casa em que recolhia a bomba, e outros aprestos.
Em 1806 recebeu a mesma junta outro aviso para alugar aos contratadores do tabaco o armazém por baixo da casa da junta dos juros, no caso de se poder dispensar sem prejuizo dos interessados nos fundos da mesma companhia, e esfectivamente lho arrendárão pelo preço de 2:000$ réis annuaes.
Por aviso de 12 de Outubro de 1797, e de 26 do Janeiro de 1798, teve ordem a junta do Pará quer despejar os armazens que occupava, por serem precisos para se aquartellarem os artilheiros marinheiros, e para serviço do arsenal Real da marinha; ficando-lhe sómente a casa da direcção.
Já anteriormente a junta dos juros tinha occupado parte do edifício, sem ordem, ou titulo algum, e por simples acordo entre o Ministerio, e alguns dos principaes deputados da companhia do Pará, que igualmente o erão da junta dos juros.
A regencia dispoz tambem de uma casa para a accommodação do azeite, e mais trafico da illuminação da cidade.
E agora finalmente a mesma junta dos juros, em nome de ElRei he a que lhe determina o despejo total do pequeno alojamento, aonde tem o seu arquivo e cofre, ultimo resto, que inda conservava; e o Governo em resolução de uma consulta do concelho da fazenda decide, que tudo quanto a mesma companhia do Pará, como a de Pernambuco, possuião no sitio da Boa Vista pertencia á fazenda, e que ellas nem mesmo tinhão direito a bemfeitorias, que importão em muitos contos de réis.
Parece por tanto á Commissão, que he de justiça o fazer-se sustar o effeito daquella resolução, mandando-se remetter todos os papeis, e consultas ao Poder judiciario, para ahi se decidir competentemente, e com audiencia dos interessados, se os bens de que se trata são, ou não publicos e nacionaes, ou sim particulares: observando-se assim o que já anteriormente se havia resolvido em consulta do mesmo conselho da fazenda de 30 de Julho deste anno - que o procurador da fazenda promovêsse as acções competentes para revindicar, e fazer incorporar nos proprios o dominio do vasto terreno da praia ao longo do Téjo, em cuja posse o senado se achava intruzo.
Paço das Cortes 10 de Dezembro de 1821. - Francisco Barroso Pereira; Luiz Martins Bastos; Manoel de Serpa Machado; Carlos Honorio de Gouvêa Durão; João de Sousa Pinto de Magalhães; Joaquim Antonio Vieira Belford.
Foi approvado.

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Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia a continuação da discussão sobre o parecer da Commissão dos negocios políticos; e na hora da prolongação o parecer sobredito da Commissão ecclesiastica de reforma, o parecer da Commissão de estatística sobre os divisões eleitoraes, e o da Commissão de marinha sobre a promoção dos lentes da academia de marinha.
Levantou-se a sessão á uma hora da tarde. - Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario.

DECRETO.

As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação portugueza, tomando em consideração o regulamento interior proposto pelo tribunal especial de protecção da liberdade de imprensa, em conformidade do decreto de 4 de Julho de 1821, tit. 15, art. 61; decretão o seguinte:
1 Para o exercício do tribunal especial de protecção da liberdade de imprensa será destinado um edifício, no qual haja sala para as sessões, quartos para secretaria e cartorio, e casa para o livro da porta. Cada uma destas repartições terá os moveis necessarios.
2 Os membros do tribunal se assentarão em cadeiras d'espaldar aos lados do presidente, pela ordem da sua eleição, segundo a qual succederá cada um na presidencia quando for necessario. O secretario tomará assento em frente do presidente. Estarão em cima da meza a Constituição, a lei da liberdade de imprensa, e o regulamento do tribunal.
3 O presidente e membros do tribunal especial de protecção da liberdade de imprensa prestarão juramento perante o chanceller-mór do Reino pela formula seguinte. Eu N... juro aos Santos Evangelhos manter a Constituição política da Monarquia portuguesa, observar as leis, e cumprir religiosamente as obrigações do meu cargo. O presidente do tribunal deferirá igual juramento ao secretario, e aos mais empregados.
4 As sessões do tribunal são ordinarias ou extraordinarias: as primeiras serão todas as quintas feiras, e começarão pelas nove horas da manhã, desde Abril até Setembro, e às dez horas desde o 1.º de Outubro ale ao ultimo de Março: as extraordinarias serão convocadas pelo presidente todas as vezes que julgar necessario, e se abrirão á hora por elle designada. Humas e outras durarão tanto tempo quanto convier ao pronto expediente dos negocios.
5 São applicaveis a este tribunal as disposições dos artigos primeiro, terceiro, e quarto do decreto de de 4 de Setembro de 1821, ácerca de feriados, incluindo-se neste numero todos os mais dias, que depois daquella data se decretarão de festevidade nacional.
6 As sessões se abrirão estando presentes tres membros á hora designada: começarão pela leitura da acta da sessão antecedente, que será assignada por todos os membros que a ella assistirão: seguir-sr-ha o despacho dos requerimentos, e toda a correspondência que se houver recebido, e logo o presidente fará a distribuição dos processos, principiando pelo primeiro membro depois delle, e o secretario a lançará em livro para esse fim destinado.
7 Cada um dos membros do tribunal será relator dos processos que lhe forem distribuídos, e os poderá levar para casa, quando assim o julgar necessario.
8 Todos os negocios se decidirão por pluralidade relativa de votos: começará a votação pelo mais moderno; e no caso de empate decide o presidente.
9 O relator escreverá a decisão, que assignará, assim como os mais vogaes, com seu appellido, e quando algum for de voto contrario poderá fazer essa declaração, na fórma do decreto de 18 de Dezembro de 1821.
10 Terminará as sessões do tribunal com a correspondencia que houver a expedir. As suas provindes serão passadas em nome de ElRei, segundo a formula adoptada para os tribunaes, e serão assignadas por dois membros. Poderá consultar as Cortes todas as vezes que julgar conveniente.
11 Os livros necessarios para os negocios e expediente do tribunal serão numerados e rubricados por um de seus membros, declarando o objecto para que são destinados, e lavrando termos de abertura, e encerramento.
12 A secretaria do tribunal se abrirá sempre uma hora antes da abertura das sessões. As principaes obrigações do secretario são: estar presente em todas as sessões; minutar as actas; lançalas no livro competente; apresentalas na sessão subsequente para serem approvadas e assignadas; receber, apresentar, e expedir toda a correspondencia; lançar a distribuição no livro competente; escrever as consultas que o tribunal fizer às Cortes; subscrever e assignar os papeis escritos pelo escriturário; ter finalmente em bom recado, e em dia todos os negocios pertencentes á secretaria do tribunal.
13 O escriturário lançará os despachos no livro da porta; escreverá, e fará quanto pelo secretario lhe for ordenado no serviço do tribunal.
14 O porteiro estará na casa destinada para o livro da porta em todos os dias de sessão, comparecendo uma hora antes da sua abertura; levará á secretaria os requerimentos; entregará às partes que os procurarem: guardará as chaves da casa do tribunal: cuidará do seu asseio e boa ordem; aprontará, e tara quanto lhe fôr ordenado pelo secretario para serviço do tribunal.
15 Terão de ordenado annual, o secretario quatro centos mil réis; o escriturario duzentos e quarenta mil réis; o porteiro duzentos mil réis. Todos os ordenados assim dos membros como dos mais empregados do tribunal serão pagos a quarteis á vista de folhas processadas pelo secretario, examinadas, e assignadas pelo presidente, nas quaes entrarão as despezas meudas que forem necessarias. Nem uns, nem outros perceberão emolumentos ou gratificações de qualidade alguma.
Paço das Cortes em 21 de Junho de 1822. - Carlos Honorio de Gouvêa Durão, Presidente; Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento, Deputado Secretario; João Baptista Felgueiras, Deputado Secretario.
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Relatorio da Commissão de Ultramar sobre a provincia de Cabo Perde.

(Foi lido em sessão de 2 de Abril proximo passado, e entrou em discussão em 4 de Junho).

A Commissão de Ultramar, desejando augmentar por todos os meios possíveis a prosperidade, e gloria da Nação portuguesa, pediu os documentos que houvesse na secretaria de Estado dos negócios do Ultramar, relativos às nossas possessões africanas, para examinar o seu estado actual, e propôr os melhoramentos, de que fossem susceptíveis. Quando os Portuguezes dobrarão o Cabo da Boa Esperança, e forão directamente negociar na Asia, fizerão no commercio, e nas riquezas do Mundo uma das mais importantes, e pasmosas revoluções. Fundárão estabelecimentos nas duas costas occidental e oriental de Africa, com o fim quasi unico de se refrescarem suas esquadras, e seus navios, para depois seguirem mais commodamente aquella longa derrota. Inda tempo virá, que nossos vindouros se admirem, de que sendo ha longos annos os Portugueses senhores de muitos pontos importantes em Africa, não tenhão sabido aproveitar seus fertilissmos terrenos, nem extrair suas grandes riquezas, dirigindo-se unicamente para os pontos mais remotos, e mais precarios da Asia. He chegada a época de cuidar eficazmente deste objecto: e a Commissão de Ultramar começa os seus trabalhos neste novo sentido, e confia, que o soberano Congresso, e o Governo não deixarão de dar a mais seria attenção a este tão rico, como desprezado patrimonio da Nação portugueza.
Os nossos estabelecimentos do Africa estão em grande decadência por muitas causas, que seria ocioso referir todas; limitamo-nos a apontar as principaes, e expor os seus remedios. He com tudo muito satisfatorio para nós, ver quanto he respeitado ainda o nome Portuguez naquelles remotos climas, e que temos conservado quasi todos os estabelecimentos que nossos maiores fundárão.
A primeira província que possuímos na cesta occidental de Africa he a de Cabo Verde, a qual comprehende as onze ilhas deste nome, das quaes oito são povoadas, e tem quasi 60$ habitantes, além dos presidios da costa fronteira de Guine, Bissau, e Cacheo. Quem reflectir na posição geográfica destas ilhas, situadas na carreira da Europa para America, Affrca, e Asia; na pasmosa fertilidade do seu terreno, que produz os findos de ambos os hemisferios; na abundantíssima quantidade de peixe, que se encontra junto a suas costas; e finalmente nas vantagens do vasto porto da ilha de S. Vicente, capaz de conter grandes esquadras, e o unico seguro em todas as estações do anno, que a Nação possue nas ilhas do Oceano Atlantico, conhecerá a alta importancia desta província. O que temos a dizer relativamente aos seus melhoramentos, póde reduzir-se a quatro capítulos, 1.º saude publica; 2.º agricultura ; 3.º commercio; 4.º administração publica. Muitas das cousas que enunciarmos a respeito deste governo, são applicaveis aos outros que temos em Africa, e de que falaremos successivamente.

CAPITULO I.

Da saude publica nas ilhas de Cabo Perde.

As causas mais ordinarias das molestias nestes climas ardentes não são incognitas, e formidaveis, ou proprias da atmosfera particular desta parte do inunde; mas antes são muito conhecidas, e remediaveis: em geral dependem do calor junto com a umidade, e particularmente dos effluvios pestíferos, que se elevão dos animaes, e vegetaes mortos, em lugares quentes, e humidos. As costas da Africa são em geral baixas, e pantanosas: e como nenhuma industria humana tem até ao presente tentado melhorar esta funesta influencia, ella he bastantemente prejudicial, e tanto mais, quanto ficarem os focos da prodridão mais proximos ás povoações. Por isso as ilhas do Fogo, Brava, S. Nicoláo, S. Autão, e S. Vicente, que não tem pantanos, são sadias; e pelo contrario muito doentia a ilha de S. Tiago, capital, e a maior de todas, porque (em um pantano de uma legua de extensão no meio da ilha, junto á costa do mar. Estes miasmas são mais perigosos no pôr do sol; porque cáem então para a terra com o orvalho da noite, a que chamão cacimba, e ao nascer do mesmo astro, era que tornão a elevar-se. Quem se acautela delles nestes dois períodos, e não estraga as suas forças pela libertinagem, ou embriaguez, escapa frequentemente, ou he acommettido com menos força pelas molestias febris endemicas, a que nestes paizes chamão carneiradas. Por tanto a primeira ordem, que incumbo ao Governo dar ao governador de Cabo Verde he fazer por todos os modos possíveis, que se enxugue o paul de São Tiago, e os mais que houver naquellas ilhas.
Em segundo lugar, em quanto não se torna sadia a ilha de S. Tiago, convem que o governador, e outros empregados publicos vão residir na ilha do Fogo, que tem todas as commodidades, e não he doentia. A primeira necessidade do homem he existir, e o primeiro dever dos governos he conservar a vida dos cidadãos. S. Filippe, capital da ilha do Fogo, foi a segunda povoação notavel de Cabo Verde; fica ao pé de mar; suas fortificações estão em estado soffrivel, e faceis de reparar; e he muito util, que todas as autoridades publicas residão juntas, para se auxiliarem, e não como agora, que vivem separadas: o governador em S. Tiago, o Bispo em S. Nicoláo, e o ouvidor quasi sempre anda em correição pelas outras ilhas, para escapar ás molestias de S. Tiago; mas residiu na ilha do Fogo.
A segunda cousa notavel de molestia nesta capital he a má edificação das casas: são em geral umas choupanas cobertas do colmo, lançadas nem ordem, e conforme a fantasia dos proprietarios, formando becos tortuosos, e estreitos, por onde não póde circular o ar. O colmo com as chuvas apodrece, e juntamente immensidade de insectos que ali habitão, de que resultão miasmas pestilenciaes. Estes prejuízos acautelão-se, determinando-se que as casas que se reedificarem, ou fizerem do novo, sejão em ruas direitas, que os governadores mandarão primeiro alinhar, e

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que se faça toda a diligencia para se rebocarem com cal e area, para resistirem á humidade, e aos ventos. Convem tambem muito, que se mande fazer uma fabrica de telha, de que se possão prover os habitantes, o que he muito fácil; porque em toda a parte, onde ha barro, e lenha, se podem construir fornos de telha, como já os ha em Angola. Entre os mesmos degradados ha de haver homens, que tenhão servido neste fabrico, e deverião ser empregados nisso. Em quanto o não ha, póde o Governo ordenar, que uma pequena parte dos fundos destinados para a compra da urzella seja remettida em telha, e nos outros materiaes necessarios para a construcção das casas, os quaes serão livres de direitos, de saída, e entrada, e dados pelo seu proprio custo áquelles pobres habitantes, como se fazia antigamente.
Também he conveniente, que se plantem arvoredos da banda donde vem os ventos mais doentios, e á roda, e até no interior das povoações; nada purifica tanto o ar como os arvoredos. Mas o que mais particularmente incumbe ao Governo mandar, he a construcção dos cemiterios precisos em cada ilha: se na Europa esta medida he necessaria, em Africa he absolutamente indispensavel.
Outra causa de molestias he a má qualidade das aguas: todas as diligencias que se fizerem para se alcançarem boas, são poucas, e bem empregadas todas as despezas; he uma das cousas mais necessarias, e mau preciosas para a vida humana.
Deve lembrar-se em ultimo lugar (visto que só podem dar-se aqui ideai geraes) o melhoramento da cultura das vinhas, e o fabrico dos vinhos. He uma verdade demonstrada desde os tempos do illustre naturalista Franklin, que as bebidas espirituosas, usadas com a devida moderação, são ainda mais necessarias aos habitantes dos paizes quentes, do que aos dos frios. O vinho porem em Cabo Verde he péssimo, sendo a uva tão boa como a das Canarias: logo para se fazer della uma bebida agradavel tanto para os habitante», como para o continente da Africa vizinho, basta sómente melhorar a sua cultura, e fabrico.
Em todos os casos he necessario, que a camara da villa da Praia faça um partido a um medico, e outro a um boticario, para ali residirem, e o medico curar os pobres de graça; ha naquella ilha um hospital rico, que não tem nenhum professor, e se torna portanto inútil. A camara da villa da Praia recebe contribuições de todas as lojas, e dos açougues, com e fim de fazer casa de camara, casa de residência do ouvidor, que está acabada, e cadeia; póde applicar parte dos seus fundos para estes dois partidos, ao menos para o do medico.

Agricultura.

A agricultura destas ilhas está inteiramente abandonada á natureza. Não ha ali quasi arados, nem carros alguns; não ha moinhos, nem azenhas para moer o grão; não ha poços, bombas, ou noras, paia dar agua aos gados, e regar as terras, sendo a unica causa da sua esterilidade (quando a ha) a faliu de chuva? Poucas vezes foi governar nossas provincias ultramarinas um homem de luzes, e amante da prosperidade da sua patria; quasi sempre se davão estes lugares a filhos segundos, que levavão unicamente a mira nas riquezas, e na satisfação de seus caprichos. Logo o primeiro, e o mais essencial meio de melhoramento, he mandar o ministro governadores capares para estas provincias, homens animados do bem publico, e que saibão a maneira de augmentar a riqueza, é a prosperidade dos Estados, e de bem os administrar; nem he preciso que seja militar: basta que o seja o commandante da força armada. A Commissão he tambem de parecer, que convem que o Governo mande um naturalista, e um engenheiro a Cabo Verde, para visitar esta provincia, e indicar ao governador, e ao ministerio todos os melhoramentos, de que ella for susceptivel; examinando tambem, se ha minas de ouro nesta provincia, como geralmente se affirma. Entretanto a Commissão, tendo examinado muitos documentas, principalmente os officios, e os memorias do ultimo governador Antonio Pussich., se acha com os conhecimentos precisos para propor algumas das providencias mais importantes.
1.º Promover-se efficazmente a povoação, e agricultura da ilha de S.º Vicente, que tem o melhor porto de todas os nossas ilhas do Atlântico, que he muito saudavel, e por estes dois motivos merecia até ser a Capital de Cabo Verde: porem tom estado quasi deserta pelo monopolio de alguns homens ricos da ilha da Boa Vista, que ali trazem a pastar seus gados livremente, os quaes destroem todas as plantações, e impedem o augmento, da povoação. Além disso a bondade do porto, e o ser a ilha quasi deserta, faz, que seja o principal deposito dos contrabandos da provincia. A Commissão he de parecer, que se destine um conto de reis annual para auxiliar os colonos, que ali cê forem estabelecer, e que a autoridade encarregada do governo da ilha faça todas as diligencias para obstar á destruição, que os gados fazem nas searas, das quaes a principal he taparem-ne as fazendas.
2.º O enviado pelas ilhas de S. Nicoláo, e Boa Vista, Aniceto Antonio Ferreira, representou a este soberano Congresso, que sendo importantissimo o commercio do sal, póde elle augmentar-se muito mais, já abrindo novos poços e marinhas; já transportando a teria das antigas, que embaraça a primeira colheta, e inunda as que se lhe seguem. Porém como o povo pela sua pobreza não póde comprar os instrumentos necessarios para este fim, requer que se lhes mandem dar; por ex., carretas de mão, marrões, pás, alavancas, etc., no que longe de perder a fazenda nacional, percebe nos direitos muito mais, do que o capital; porque a Nação tem o dizimo exacto da todo o sal que se exporta. A Commissão pensa que este objecto pertence ao Governo.
3.º Além disso deve favorecer-se muito a cultura do milho, feijão, café, algodão, anil, sene, lamariados, coloquintidas, etc.; não podendo dizer-se a este respeito, regras certas, mas deixando-se aos talentos do governador insinuar aos povos, e prepor ao Governo os meios de augmentar a sua agricultur, principalmente de café, e do anil; sendo um dos primei-

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ros mandar ir homens, que saibão tratar practicamente destes objectos.
4.º Na ilha do Fogo ha um montado chamado real, que se arrenda por cento e tantos mil reis: he muito conveniente, que se deixe livre á camara, para poderem nelle pastar os godos dos particulares, e ficarem desembaraçadas as mais terras da ilha para a plantação de algodoeiros.
5.º Ha nestas ilhas uma arvore chamada Porgueira, de cuja semente se extráe um bom azeite para luzes, e sabão; porém he tal a indolencia destes povos, que nem para o seu consumo o tirão, quando podia ser um genero de commercio; porque os estrangeiros o preferem ao de peixe. Cortando um ramo, e plantando-o na terra, pega immediatamente, e em seis mezes começa a dar fructo, e dura mais de cincoenta annos. Seria muito conveniente que as autoridades publicas mandassem bordar os caminhos com estas arvores, e ensinassem aos particulares a taparem com ellas as suas fazendas: duas grandisismas vantagens tiravão daqui, 1.ª taparem suas terras, e livrarem-nas dos contínuos prejuizos do gado: 2.ª colherem azeite puro seu uso, e para venderem.
6.º He muito util fazer gozar em Cabo Verde do beneficio concedido pela bulla de Sua Santidade acerca dos dias santos dispensados.
7.º Quem se persuadira, que sendo os Portuguezes senhores destas ilhas ha quasi 400 annos, não se cultivem ali hortaliças algumas, como cebolas, couve, mostarda, etc., que tão uteis são nos paizes quentes, e por falta de moinhos, ou azenhas não fação farinha, e comão o milho assado, ou pizado? Comem os alimentos quasi sem tempero, os fructos verdes, o leite azedo, etc.; e por isso nada admira, que as suas molestias sejão graves, e que não resistão a qualquer epidemia. Convem que os governadores, e as autoridades ecclesiasticas tomem a seu cargo dirigir, e ensinar estes povos sobre o melhor modo de se alimentarem. He tambem necessario, que se vão distribuindo as terras incultas com pequenos foros, e sem despeza alguma, por todos aquelles habitantes, que parecerem mais rapazes de as cultivar; os foros devem regular-se, pelos que antigamente se impozerão nas ilhas de S. Nicoláo e Brava.
Os capitães móres das ilhas não devem ser ao mesmo tempo feitores da fazenda, porque desta reunião de poderes resulta muita oppressão aos povos: tambem parece util que na ilha de S. Tiago fique unicamente um regimento de milicias de infantaria, em lugar de dois que ha; porque alem destes ha outro de milicias a cavallo; ficando ao Governo a incumbencia de assim o fazer se esta medida for compativel com a deleza da ilha, como parece.

Commercio.

O commercio mais importante destas ilhas he o da urzella: quando ella estava debaixo da inspecção da junta da fazenda das ilhas, vinha aquelle musgo de má qualidade, cujo de terra, e fazia muitas despesas a sua compra e remessa. Porém depois que está debaixo da administração de dois negociantes de Lisboa, correspondentes do banco do Brazil, que e vendem em Lisboa, e entregão o seu producto no thesouro, ficando-lhes dois por cento de premio para o banco, tem este ramo de commercio melhorado muito, e o seu rendimento desde 20 de Março de 1818 até 31 de Dezembro de 1821 fui liquido de despesas, 188 contos de réis. A Commissão julga que este contracto deveria ser arrematado por contracto triennal; porque são sempre em regra pouco convenientes as administrações por conta da fazenda publica. Além disto, este rendimento he necessario para o Estado se cobrir das despesas que faz, e tem feito com aquella província, que he muito pobre, e pouco civilisada actualmente, e não ha razão alguma para que um conto e duzentos mil réis, que com pouca differença se dá de premio pela sua administração, e venda, redunde em proveito do banco do Rio (para quem uma tal quantia he absolutamente nulla) e não dos proprios naturaes.
Uma grande vantagem terá ainda esta arrematação, e he estabelecer-se um commercio directo entre Lisboa, e as ilhas, e evitar-se o escandalo, que muitas vezes temos visto, de ser aquella genero de contrato nacional remettido em navios estrangeiros. No caso de não se poder arrematar, deve ser administrado pela provedoria da mesmas ilhas com os providencias para a sua compra e conducção, que modernamente forão lembradas pelo governador Antonio Pussich, e deste modo se pouparão muitas commissões, e se economisará nos fretes, sacaduras etc., devendo ficar responsavel a provedoria, e os compradores subalternos pela qualidade e limpeza da urzella. Estes compradores devem ser os mesmos feitores da fazenda nacional, vencendo a commissão de 5 por 100. Nos casos de arrematação o comprador da urzella nas ilhas não deve ser revestido de autoridade para não abusar; e sempre se deve pagar aos que a apanhão a dinheiro de contado, e não em fazendas, como já foi determinado pelo soberano Congresso. Esse commercio directo promoverá tambem a cultura do café, do algodão, do anil, do milho, etc.; porque a indolencia destes povos deve em grande parte attribuir-se á falta de venda dos seus generos. E por isso elles deverão ser admittidos em Lisboa com o mesmo 1 por 100 de direitos de saida que se projecta impor-se unicamente aos generos similhantes que vierem dos nossos portos do Brazil.
Um commercio que póde vir a ser muito importante, e que as Cortes, e o Governo devem promover efficazmente, he o da pesca. Ha nas costas destas ilhas, e na do continente visinho de Guiné grandissima abundancia de peixe proprio para seccar, e salgar: de maneira que a natureza povoou aquelles mares de immenso peixe, deu ás ilhas immediatas muito sal, e os Portuguezes não tem aproveitado a feliz reunião destes recursos. Deve a pescaria estender-se igualmente ás baleias, e outros cetaceos, que muito abundão nequellas paragens, e que desde Fevereiro até Junho entrão nas enteadas, e bahias, e póde dar-se-lhes caça só com canôas, sem necessidade de navios. O certo he que os Inglezes, e Anglo-Americanos vem frequentemente fazer esta pesca, e levão os

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seus navios carregados de producto do pescado das nossas costas.
A Commissão he de parecer que se institua uma companhia, que tenha o privilegio exclusivo desta pesca, assim como da do continente de Guiné dependente de Cabo Verde, ficando livre absolutamente de direitos todo o peixe escalado e salgado, que viesse de Cubo Verde, assim como o azeite de peixe; o Governo seja incumbido de contratar as condições para esta companhia, ou com os mesmos negociantes, que arrematarem a urzella, ou com outros.
Um commercio vantajoso que os estrangeiros fazem em Cabo Verde, he nas pelles dos animaes: o vendedor paga dellas 5 por cento, e o comprador fiada: regularmente se vende cada pelle de vacca por 750 réis, e as de carneiro, e cabras de 150 a 300 rs. sendo o preço ordinario das primeiras na America Ingleza de 3400 réis, e o das segundas de 600 réis. Pondo-se a imporão de 100 em cada pelle de vacca, e 30 reis em cada pelle de carneiro, ou cabra, que te vender para os estrangeiros, pagando os nacionaes unicamente um por 100, a fazenda nacional receberia algum augmento, e o commercio nada Afrouxaria. He necessario dar-se com effeito este augmento para supprir algumas diminuições de impostos, que temos proposto, e porque as rendas nacionaes nestas ilhas, não contando a urzella, andão anicamente em 23 a 30 contos de réis.
O ultimo genero de exportação de que temos a falar, he o milho: foi estabelecido por decreto de 7 de Maio de 1796 o imposto de 20 rs. por alqueire, que se exportasse das ilhas, mas por abuso tem-se actualmente estendido ao milho que váe de umas para outras ilhas para sustento dos habitantes. Este abuso deve evitar-se.
Os generos de importação pagão, sendo nacionaes, 5 por 100, inglezes 15 por cento, de outras nações 25 por 106. He necessario que a arrecadação, e a fiscalização destes direitos se faça em todas as ilhas com ordem, e regularidade, porque a fazenda nacional os unicos rendimentos que tem, são estes da importação, os poucos de exportação que ternos referido, os dizimos, e os foros, que em geral são de pouca consideração.
Nestes últimos tempos se tem introduzido algodão extrangeiro, quando as ilhas o tem em sufficiente quantidade para os seus tecidos, e podem ter muito mais, uma vez que se cohiba o estrago, que os gados fazem nos algodoeiros, promovendo quanto fôr possivel o tapume das fazendas, e encoimando os gados que andarem sem pastor.
He tambem absolutamente necessario que se estenda às ilhas de Cabo Verde o decreto que prohibiu em Portugal a introducção dos vinhos, e aguas-ardentes estrangeiras, e que facilitemos assim mais um mercado aos nossos vinhos, tanto nestas ilhas, como na continente de Guiné. Os povos destas regiões são ardentemente apaixonados de bebidas espirituosas.
Em fim não ha duvida que actualmente os Americanos inglezes fazem os nove decimos do commercio destas ilhas, ficando para elles todas as vantagem que os Portugueses podião tirar. Elles fazem a cabotagem entre as ilhas dos Açores, e estas de Cabo Verde, e a Madeira (o que nação alguma consente) pagando unicamente 10 por 100. Deve pôr-se em vigor as leis existentes prohibitivas de cabotagem feita por navios estrangeiros.
Em fim uma das cousas que deve concorrer muito para facilitar o commercio entre as diversas possessões do Imperio portuguez, he que seja o mesmo valor da moeda em Portugal, na Madeira, nos Açores, em Cabo Verde, e em todos os dominios potuguezes; convidando-se os Senhores da Commissão das artes a darem com brevidade é plano que já promettêrão a este respeito.

Administração publica.

Neste ramo podem fazer-se desde já reformas importantissimas. Relativamente ao estado ecclesiastico representa o enviado pelas ilhas de Cabo Verde acima referido, que ha mais de meio século 01 bispos não assistem na capital, por ser doentia, e forão residir na ilha de S. Nicoláo; continuando o cabido a existir em S. Tiago, onde de nada serve, num para a religião, nem para utilidade, ou instrucção publica; e pelo contrario os parocos tem congruas pequenas: pede que o cabido se extinga, e que as suas rendas sejão applicadas para augmento das congruas dos parocos. A Commissão constou que o Bispo reside em S. Nicoláo; que o cabido consta de 5 dignidades, e de 3 unicos conegos (que erão primitivamente doze), os quaes recebem a somma de todos as congruas, como se os lugares estivessem cheios, e as distribuem pro rata entre si; e que ha em todas as ilhas 25 parocos: 11 em S. Tiago; 4 no Fogo; 1 em Brava; 1 em Maio; 2 na Boa Vista; 2 em S. Nicoláo; 3 em S. Antão; 1 em S. Vicente. Tem de 40 a 50$ réis de congrua, conforme as ilhas; e os seus coadjutores de 25 a 30$.
A Commissão he de parecer que se indique ao Governo, que não prova mais canonicato algum na Sé de Cabo-Verde; que se institua uma decente, mas pouco dispendiosa collegiada junto no bispo; e que se mande dar a cada conego só a sua congrua correspondente.
He tambem a Commissão de voto, que as congruas dos parocos se augmentem a 30$ réis, e as dos coadjutores a 40$; se porém tiverem a disposição necessaria para ensinar aos seus fregueses os primeiras letras, sejão uns, ou outros, vencerão 4O$ réis de gratificação. As pessoas mais instruídas nos negócios destas ilhas affirmão, que elles satisfarão com gosto estas obrigações, mediante aquellas gratificações. Nada he tão necessario a estes povos pouco civilizados, como a instrucção das primeiras leiras, e o listado será o primeiro a tirar vantagens desta instrucção.
Como não basta só o estudo das primeiras letras para civilizar um povo, he indispensavel, que o Governo mande vir dez, ou doze ai um nos pobres, em quem se divizem melhor aptidão, e talento, para aprenderem algumas sciencias, como a gramatica latina, rhetorica, filosofia racional e moral, cirurgia, e pharmacia, de cujas ultimas profissões ha naquellas ilhas absoluta falta, e grande necessidade. O Estado

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póde mandar ensinar estes alumnos sem despeza alguma, distribuindo-os por aquelles mosteiros, ou collegios onde costuma haver famulos, ou chamados moços fidalgos, tanto em Lisboa, como em Coimbra, que se applicão ordinariamente ás sciencias ecclesiasticas para se ordenarem. Outra importantissima vantagem tirará a Nação destes alumnos, e he, que sendo oriundos da Africa, e nella climatizados, podem ser empregados em todos os nossos estabelecimentos desta parte do mundo, sem o risco de vida que correm os Europeus em alguns delles.
Relativamente ao estado militar dá o governador, que acabou, Antonio Pusich, um plano que he maiseconomico, e parece reunir vantagens. Pertence ao Governo tomado em consideração, visto que com quatro companhias de artilheiros fuzileiros propõe fazer todo o serviço. Para mostrar a desordem, em que está esta repartição, basta dizer que as praças de Bissão, e Cacheo, tendo unicamente uns 150 homens de guarnição fazem com elles de despeza 11:690$800 réis: a tropa das ilhas de Cabo Verde, que consta de 240 praças, dispende 7:598$100

[Ver Formulário na Imagem]

Total ....
Pelo novo plano do governador a despeza total será de ....
Poupão-se em consequencia perto de ....
O governador tem 6$ cruzados, e o secretario 240$ réis, que depois se augmentárão a 400$. Em ilhas, que estão na infancia da sua civilização, e industria não convém augmentar estes ordenados.
A praça do Bissáo fez a seguinte despeza no anno de 1819:
Lista militar ....
Dita civil ....
Dita ecclesiastica ....
Dita extraordinaria ....
Total ....
Para exemplo da falta da fiscalização relataremos algumas destas parcellas.
Por varias salvas de artilheria, e mosquetaria em todo o anno ....
Por varios reparos do casas, e artilheria (que segundo os officiaes estão em completa ruina) ....
Quando a«»iro se estraga a fazenda publica, as nações caminhão necessariamente para a sua ruina.
Adoptado uma vez o plano militar, que mais convier, he preciso applicar a Cabo Verde a mesma legislação, que se fez para as ilhas dos Açores; isto he, extinguir ajunta da fazenda de Cabo Verde, e instaurar em lugar della a antiga provedoria, tal como era nas ilha» de Cabo Verde.
Outra condição necessaria, e que igualmente se legislou já para os Açores, he, que a provedoria não possa despender se não uma pequena quantia (que o Governo arbitrará) além das ordens geraes, e particulares, que lhe forem do thesouro de Lisboa. Porém nestes primeiros tempos he necessario fazer-se alguma despeza maior com o reparo das fortificações, da artilheria, e dos quarteis; porque tudo esta muito arrumado. He tambem necessario, que se estabeleça naquella provincia o direito do paço da madeira para os navios, que ali se comprarem, ou venderem; pois se tem praticado vendas fantasticas para se fazer a extrangeiros das vantagens da bandeira portugueza.
As nossas praças de Bissáo, e Cacheo, podião fazer um commercio lucrativo com o gentio vizinho, como o estão fazendo os Inglezea no rio Gambia. Os nossos mandão agora ali poucos generos, e esses muito caros, depois que cessou o commercio da escravatura ao norte do equador. Com tudo elle póde continuar por meio de outros generos, como será marfim, algodão, e algum ouro; e certamente os gentios de Guiné muito mais facilmente os venderião aos Portuguezes, a quem tem affeição, e conhecem mais, que as Inglezes, que além disso ficão a 200, e 300 legoas de distancia. Bissáo, com o presidio de Geba, tinha em 1819 fogos 250, pessoas 1:887. Cacheo tinhi incluindo os presidios de Farim, e Zeguichor, 2:552 habitantes, gente pouco civilizada, mas obediente, e apta para qualquer genero de agricultura. Muitas outras producções ha naquelle continente africano, que se poderião obter, ciando alguma pequena instrucção aos gentios, e sobre tudo subministrando-lhes por commodos preços o que elles precisão. Os couros, gomas, anil, tartaruga, almiscar, incenso, etc., são producções vulgares, e só pouco abundantes pelas razões ditas.
O sol he um ramo de commercio, que póde ser consideravel, e os Portugueses o podem fazer seu privativo, por ser muito abundante nas vizinhanças da Bissáo, e os gentios do interior dão por elle muita cera, algodão, e até ouro em pó. De nenhum modo podemos adiantar o commercio deste continente senão por meio de companhia, de que falámos acima.
A Commissão de Ultramar, não falando daquelles objectos, que são da privativa attribuição do Governo, tira da exposição que acaba de fazer, as conclusões seguintes, que no caso de serem approvadas pelo soberano Congresso, serão reduzidas a ordens, ou decretos, conforme a sua natureza.
1. Que se recommende ao Governo, que mande um naturalista, e um engenheiro visitar a provincia de Cabo Verde, recolher todas as informações uteis ácerca das suas producções, e fortificações, trasmittidas ao Governo, e communicar ao governador, as que lhe parecerem ser da sua competencia.
2. Que não se prôva mais beneficio algum no cabido de Cabo Verde; que aos conegos actuaes se dem sómente as congruas, que competem a cada um; que se estabeleça, em lugar, do cabido uma decente, mas pouco despendiosa collegiada, junto ao bispo, para o que o Governo empregará os meios convenientes.
3.º Que se augmentem as congruas dos parocos a 80$ réis, e as dos coadjuctores a 40$; e se tiverem a aptidão necessaria para ensinar as primeiras letras, e o quizerem fazer, terão de mais uma gratificação annual de 40$ réis, ou sejão ou os parocos, ou os coadjutores; e o bispo fará reduzir os direitos de estola exorbitantes e gravosos, aos termos justos, e que forem necessarios para a sustentação dos parocos.
Que o Governo empregue os meios necessarios

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para fazer gozar á província de Cabo Verde do beneficio da bulia de Sua Santidade, que dispensou o poder-se trabalhar nos dias santos, por isso chamados dispensados.
5. Que se dê á camara da ilha do fogo o domínio do montado, chamado real, para ali poderem pastar os gados do povo; ficando todas as terras livres para a cultura dos algodoeiros, e outras plantas.
6. Que o capitão mór de qualquer ilha não possa exercitar ao mesmo tempo o officio de feitor da fazenda.
7. Que se recommende ao Governo, que abula o 2.º regimento de milícias de infantaria, denominado da Villa da Praia, cercado ha poucos annos na ilha de S. Tiago, visto haver ali outro regimento de infantaria, um de cavallaria, além de tropa de linha, no caso de não ser necessario para a defeza da ilha.
8. Que a camara da Villa da Praia forme dos seus rendimentos um partido sufficiente para um medico, e outro para um boticario.
9. Que sendo excessivos os foros, que se tem imposto ás terras novamente roteadas, como succedeu na nova povoação da Cova da Figueira, sejão elles regulados pelos das ilhas de S. Nicoláo, e Brava, postos pelos nossos antepassados.
10. Que se mande arrematar o contracto da urzella.
11. Que o Governo promova as pescarias de Cabo Verde, inclusa a das baleias, por meio de uma companhia, a qual proponha as condições do contracto, que subirão ao soberano Congresso para a sua approvação.
12. Que todo o peixe salgado, ou escalado, e o azeite de peixe, que se importar de Cabo Verde, seja livre de direitos.
13. Que a telha, e os outros materias para a construcção das casas, sejão isemptos de direitos, tanto de saída como de entrada.
14. Que se prohiba nestas ilhas, e suas dependências , a introducção de vinhos, aguai ardentes, e outros liquidos espirituosos, assim como o algodão, e tabaco estrangeiros.
15. Que seja igualmente prohibida a cabotagem aos navios estrangeiros entre as ilhas de Cabo Verde, e os outros portos portuguezes.
16. Que se estabeleça ali o direito do paço da madeira sobre a venda dos navios, para se evitarem as fraudes que se tem commettido.
17. Que se abula a junta da fazenda da provincia de Cabo Verde, como te aboliu a da Ilha Terceira, ficando em seu lugar installada a antiga provedoria.
18. Que se applique á provincia de Cabo Verde o mesmo que se determinou para os Açores; isto he, que a provedoria só possa dispender as quantias, até que o Governo a autorizar, além das ordens geraes e particulares, que lhes forem transmittidas do thesouro de Lisboa.
19. Que se applique um conto de réis annual paia a povoação, e colonização da Ilha de S. Vicente.
20. Que o milho, que se tranportar de ilha para ilha, não pague 20 réis em alqueire.
21. Que em cada pelle de vacca, que os estrangeiros exportarem de Cabo Verde, paguem 100 réis de direitos, 30 réis por cada uma dita de cabra, ou carneiro, além dos 5 por 100, que actualmente paga o vendedor. Os nacionaes pagarão unicamente 1 por 100 de saída. - Sala das Cortes em 30 de Março de 1822. - Francisco Soares franco; José Lourcnço da Silva; Luiz Martins Basto; Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento; Mauricio José de Castello Branco Manoel.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Filippe Ferreira de Araújo e Castro.

Illustriisimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão, que consultada a junta do commercio, ouvidos por escrito os mestres das aulas do commercio com o seu parecer, sobre o requerimento incluso de Manoel Luiz da Veiga ácerca da escóla mercantil, e do novo methodo de partidas dobradas, composto e dado á luz pelo supplicante no anno de 1893, reverta o mofino requerimento com a dita consulta, e parecer ao soberano Congresso. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 28 de Junho de 1822 - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excelentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portuguesa tomando em consideração o requerimento incluso, mais documentos juntos, dos Deputados da junta da liquidação dos fundos da extincta companhia do Grão Pará, e Maranhão, e hoje igualmente dos fundos da companhia de Pernambuco, e Parahiba, expondo a violencia que dizem lhes fôra feita pelo ministerio da fazenda com a resolução de 4 de Agosto de 1821 tomada em consulta do conselho da fazenda de 30 de Julho do mesmo anno, e com aportaria de 24 de Outubro proximo passado, esbulhando-os tem convencimento nem previa audiencia, da propriedade e uso de um edificio, e armazens que lhes pertencem, e sempre possuírão no sitio da Boa Vista junto á casa da moeda: attentos os teus fundamentos, e as consultas do conselho da fazenda de 5 de Dezembro de 1821, e 16 de Fevereiro do corrente anno, e da junta da liquidação dos fundos sobreditos de 5 de Dezembro de 1821, ácerca do mencionado objecto, a primeira das quaes foi transmittida ás Cortes pela secretaria de Estado dos negocios do Reino em 6 de Dezembro de 1821, e as outras dual pela dos negocios da fazenda em 22 de Fevereiro do corrente anno: resolvem que fique sustado o effeito daquella resolução, e que todos os referidos papeis, e consultas sejão remettidos ao poder judicial para ahi se decidir competentemente, e com audiencia dos interessados, se os bens de que se trata são ou não publicos,

TOMO VI. Kkkk

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ou particulares. O que V. Exc.ª levara ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus grande a V. Exc. Paço das Cortes em 28 de Junho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Candido José Xavier

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmitidas as informações necessarias sobre os fundamentos, e exemplos, que Pedro José de Macedo Tavares de Brito, primeiro guarda fiscal das quarentenas do lazareto de Lisboa, allega no requerimento incluso para se prover a sua existencia pelo mesmo modo que se tem praticado com os outros empregados daquella repartição. O que V. Exc.ª Levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V Exc.ª Paço das Cortes em 28 de Junho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DO 1.º DE JULHO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do Sr. Gouvêa Durão, leu-se a acta da sessão antecedente, e foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente, mencionado os seguintes officios:
1.º Do Ministro dos negocios do reino, com varios documentos relativos á recusação, que o governo chinez fez, de admittir a renovação do trafico da companhia ingleza em Cantão, pelo motivo do assassinio de um chino, perpetrado pela tripulação da fragata britannica Topazio, os quaes documentos forão de Macão mandados pelo ouvidor Miguel de Arriaga Brum da Silveira, e servem de continuação aos mais que o mesmo Ministro dos negocios do reino em data de 22 do passado enviou ao soberano Congresso, sobre os negocios da Asia. Mandou-se á Commissão de Ultramar.
2.º Do mesmo Ministro, com um requerimento de Heliodoro Jacinto de Araujo Carneiro, e consulta a elle annexa da junta da fazenda da universidade de Coimbra, ácerca do pagamento de uma pensão de 800$000 réis. Mandou-se á Commissão de fazenda.
3.º Do Ministro da fazenda em additamento a outro de data de 19 do passado, como parte da execução da ordem das Cortes de 8 do mesmo mez, com uma relação dos bens nacionaes, vendidos em conformidade do decreto de 25 de Abril do anno proximos passado. Mandou-se á Commissão de fazenda.
4.º Do Ministro da guerra, remettendo os mappas da força dos corpos da exercito, referido ao 1.º dia do mez passado. Mandou-se á Commissão de guerra.
Fez-se menção honrosa de um felicitação da camara de Barcellos, pelo descobrimento da conspiração tramada contra a ordem publica e systema adoptado pela Nação: de outra por igual motivo da camara da villa de Viana do Minho; de outra da camara da cidade de Pinhel: de outra dos magistrados, camara e povo da villa de Santarem; de outra da camara de Setubal; de outra do governador e officiaes do estado maior da praça de Abrantes.
Ouvirão-se com agrado as felicitaçõwes do juiz de fóra e cidadãos da villa de Alfubeira; do coronel governador da praça de Lagos; do vigario da igreja de Paião, termo da villa da Figueira, em seu nome e do povo da sua freguezia; e a repetição de felicitação que ao soberano Congresso fez José Antonio de Madureira, reitor de Moreiras no arcebispado de Braga, acompanhando-a com a copia de uma homilia politica e moral sobre o novo regimento constitucional, a qual por muitas vezes tem recitado aos povos.
Passou á Commissão de guerra uma memoria de Manoel Bruno Pister de Andrade, vigario de Paião, sobre a marcha dos recrutamentos para uma e outra linha do exercito: e á Commissão de petições um requerimento dos povos dos concelhos da Terra Velha e Terra nova, na freguesia de Paião, termo da Figueira.
Concederão-se ao Sr. deputado Leite Lobo vinte dias de licença para fazer uso dos banhos das Caldas.
Renovou-se ao Sr. deputado Faria a licença de um mez para tratar da sua saude.
Feita a chamada, achárão presentes 125 Deputados, faltando com licença os Srs. Moraes Pimentel, Ribeiro da Costa, Pereira do Carmo, Sepulveda, Rodrigues de Macedo, Ledo, Borges de Barros, Aguiar Pires, Lyra, Leite Lobo, Braamcamp, Queiroga, Pinto de magalhães, Rosa, Faria, Sousa e Almeida, Ribeiro Telles, Silva Corrêa: e sem causa reconecida os Srs. Arcebispo da Bahia, lemos Brandão, Zefyrino dos Santos.
Passando-se á ordem do dia, continuou a discussão o parecer da Comissão especial, ácerca dos negocios politicos do Brazil. A este respeito disse
O Sr. Serpa Machado: - Sr. Presidente, quando se trata dos negocios politicos do Brazil são tantos os objectos que distraem a nossa attenção, que he bem difficultoso o regular de tal maneira a discussão, que tratemos em primeiro lugar dos pontos que são mais ou menos importantes. Eu farei por contrair a questão que se tem tratado nos dias antecedentes a tres pontos: 1.º o conhecimento da existencia dos males politicos do Brazil: 2.º os remedios que se lhes devem applicar: e 3.º os autores desses males. Se nos transtornando a ordem porque devem ser tratados estes pontos, começarmos a falar do remedio sem nos certificarmos da existencia do mal, e bem o conhecimento; ou tratarmos dos seus autores, em vez de applicar primeiro o remedio, seguir-se-há que o mal se aggravará, e que o remedio, por tardio, será innutil; e por isso he muito importante o guardar a ordem na discussão destes pontos, como se acha estabelecida. Em quanto á importancia do mal elle he assás conhecimento, e se póde dizer que no Brazil não há leis, nem gover-

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