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ou particulares. O que V. Exca. levara ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus grande a V. Exc. Paço das Cortes em 28 de Junho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Candido José Xavier

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmitidas as informações necessarias sobre os fundamentos, e exemplos, que Pedro José de Macedo Tavares de Brito, primeiro guarda fiscal das quarentenas do lazareto de Lisboa, allega no requerimento incluso para se prover a sua existencia pelo mesmo modo que se tem praticado com os outros empregados daquella repartição. O que V. Exca. Levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V Exca. Paço das Cortes em 28 de Junho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DO 1.º DE JULHO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do Sr. Gouvêa Durão, leu-se a acta da sessão antecedente, e foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente, mencionado os seguintes officios:
1.º Do Ministro dos negocios do reino, com varios documentos relativos á recusação, que o governo chinez fez, de admittir a renovação do trafico da companhia ingleza em Cantão, pelo motivo do assassinio de um chino, perpetrado pela tripulação da fragata britannica Topazio, os quaes documentos forão de Macão mandados pelo ouvidor Miguel de Arriaga Brum da Silveira, e servem de continuação aos mais que o mesmo Ministro dos negocios do reino em data de 22 do passado enviou ao soberano Congresso, sobre os negocios da Asia. Mandou-se á Commissão de Ultramar.
2.º Do mesmo Ministro, com um requerimento de Heliodoro Jacinto de Araujo Carneiro, e consulta a elle annexa da junta da fazenda da universidade de Coimbra, ácerca do pagamento de uma pensão de 800$000 réis. Mandou-se á Commissão de fazenda.
3.º Do Ministro da fazenda em additamento a outro de data de 19 do passado, como parte da execução da ordem das Cortes de 8 do mesmo mez, com uma relação dos bens nacionaes, vendidos em conformidade do decreto de 25 de Abril do anno proximos passado. Mandou-se á Commissão de fazenda.
4.º Do Ministro da guerra, remettendo os mappas da força dos corpos da exercito, referido ao 1.º dia do mez passado. Mandou-se á Commissão de guerra.
Fez-se menção honrosa de um felicitação da camara de Barcellos, pelo descobrimento da conspiração tramada contra a ordem publica e systema adoptado pela Nação: de outra por igual motivo da camara da villa de Viana do Minho; de outra da camara da cidade de Pinhel: de outra dos magistrados, camara e povo da villa de Santarem; de outra da camara de Setubal; de outra do governador e officiaes do estado maior da praça de Abrantes.
Ouvirão-se com agrado as felicitaçõwes do juiz de fóra e cidadãos da villa de Alfubeira; do coronel governador da praça de Lagos; do vigario da igreja de Paião, termo da villa da Figueira, em seu nome e do povo da sua freguezia; e a repetição de felicitação que ao soberano Congresso fez José Antonio de Madureira, reitor de Moreiras no arcebispado de Braga, acompanhando-a com a copia de uma homilia politica e moral sobre o novo regimento constitucional, a qual por muitas vezes tem recitado aos povos.
Passou á Commissão de guerra uma memoria de Manoel Bruno Pister de Andrade, vigario de Paião, sobre a marcha dos recrutamentos para uma e outra linha do exercito: e á Commissão de petições um requerimento dos povos dos concelhos da Terra Velha e Terra nova, na freguesia de Paião, termo da Figueira.
Concederão-se ao Sr. deputado Leite Lobo vinte dias de licença para fazer uso dos banhos das Caldas.
Renovou-se ao Sr. deputado Faria a licença de um mez para tratar da sua saude.
Feita a chamada, achárão presentes 125 Deputados, faltando com licença os Srs. Moraes Pimentel, Ribeiro da Costa, Pereira do Carmo, Sepulveda, Rodrigues de Macedo, Ledo, Borges de Barros, Aguiar Pires, Lyra, Leite Lobo, Braamcamp, Queiroga, Pinto de magalhães, Rosa, Faria, Sousa e Almeida, Ribeiro Telles, Silva Corrêa: e sem causa reconecida os Srs. Arcebispo da Bahia, lemos Brandão, Zefyrino dos Santos.
Passando-se á ordem do dia, continuou a discussão o parecer da Comissão especial, ácerca dos negocios politicos do Brazil. A este respeito disse
O Sr. Serpa Machado: - Sr. Presidente, quando se trata dos negocios politicos do Brazil são tantos os objectos que distraem a nossa attenção, que he bem difficultoso o regular de tal maneira a discussão, que tratemos em primeiro lugar dos pontos que são mais ou menos importantes. Eu farei por contrair a questão que se tem tratado nos dias antecedentes a tres pontos: 1.º o conhecimento da existencia dos males politicos do Brazil: 2.º os remedios que se lhes devem applicar: e 3.º os autores desses males. Se nos transtornando a ordem porque devem ser tratados estes pontos, começarmos a falar do remedio sem nos certificarmos da existencia do mal, e bem o conhecimento; ou tratarmos dos seus autores, em vez de applicar primeiro o remedio, seguir-se-há que o mal se aggravará, e que o remedio, por tardio, será innutil; e por isso he muito importante o guardar a ordem na discussão destes pontos, como se acha estabelecida. Em quanto á importancia do mal elle he assás conhecimento, e se póde dizer que no Brazil não há leis, nem gover-

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no; leis, porque não se põem em execução; governo, porque o ministerio está em opposição mais ou menos directa com as leis estabelecidas, e decretos das Cortes; a tropa que ali estava foi mandada para Portugal intempestivamente; os decretos das Cortes não forão cumpridos; e o Principe, que fora mandado vir para Portugal, ainda ali se conserva. Por tanto á vista das noticias que tem vindo do rio de janeiro, e de outras informações, de que ninguem duvida, que tem dado os passageiros, não podemos tambem duvidar que o Brazil se acha em um estado convulsivo. Se pois a existencia dos males nos he assás conhecida, não nos são igualmente conhecidos os seus autores, e os remedios que a esses males se devem applicar. Ouvi dizer a alguns senhores, na sessão passada, que os autores destes males era a junta de S. Paulo; a outros que erão dois mil funccionarios publicos do Rio de janeiro, que ficavão sem emprego; e a outros finalmente, que era o Principe Real. Por conseguinte he bastante difficultoso o mostrar quaes são os verdadeiros autores deste mal; o gráo de culpa ou dolo, que cabe a cada um; o verdadeiro gráo de imputação; e o modo porque devem ser julgados; e se nós entrassemos em academia destas questões deixariamos de tratar o ponto mais essencial, que he remediar os males de toda a ordem, que ali tem occorrido desde o principio deste anno. Senhores, eu considero o Brazil como uma casa já meia incendiada, á qual se não se trata de acudir a apagalo, o fogo a devorará inteiramente; primeiro que averiguemos, e castiguemos os autores do incendio, cuidemos em apagalo pelos meios convenientes. Para que estes meios e remedios produzão vantagens devem Ter tres qualidades, 1.ª a de prontos; 2.ª a de efficazes; 3.ª a de praticaveis; porque na falta de qualquer destas qualidades o remedio he inutil. Estes remedios podem dimanar de tres fontes differentes: 1.º da vingança nacional (seja-me permittido dizelo assim); 2.º do pundonor tambem nacional; e 3.º da prudencia. Veja-se pois qual destas tres classes de remedios he mais conveniente aos nossos fins, e preenche as indicações que acima requeremos. Quando eu digo que há meios de remediar os males do Brazil suggeridos pela vingança, nem quero lembralos para que elles se empreguem, nem applaudir um sentimento criminosos em qualquer cidadão, e muito mais em os representantes de uma Nação; porém só os lembro para fugirmos delles.
Consistirão estes meios em nos esquecermos inteiramente desta parte gangrenada do imperio lusitano, abandonado á sua desgraça, negar-lhes a nossa protecção, e dexalos perecer no meio da anarquia, da confusão, da sua propria fraqueza, e da falta de meios de poderem subsistir separados; talvez que em breve os veriamos arrependidos mendigar nosso amparo; porém que resultaria desta medida violenta? O serem castigados promiscuamente tanto os culpados, que são poucos, como os innocentes que são muitos. A justiça pois não permitte, nem a humanidade, que lancemos mão de meios aliás efficazes porém injustos e crueis. A outra classe de meios he suggerida pelo pundonor nacional; aquelle pedia que os decretos das Cortes fossem cumpridos tão pronta como exactamente; que o Principe Real voltasse a Portugal; que as juntas se instalassem instantaneamente; porém ainda que estas disposições forão muito justas no tempo em que forão determinadas, com tudo no estado de fermentação em que se acha o Brazil no momento actual, a sua pronta e rigorosa execução poderia aggravar o mal, e poderia considerar-se como novo combustivel que ateasse o incendio assas adiantado. He por isso que o bem do Brazil imperiosamente reclama que nós relaxemos um pouco ou diffiramos por algum tempo a rigorosa execução daquelles decretos, dando lugar a que se acalmem os animos, tranquilizem os espiritos, se desvaneção as prevenções, e que os povos melhor conheção as pessoas que os tem desencaminhado; devemos pois rejeitar esta Segunda classe de remedio por isso que o pundonor nacional deve ceder á verdadeira felicidade e interesses dos povos, e he este sacrificio que mantém a verdadeira dignidade nacional. Restão os meios que suggere a prudencia; e quaes são elles? São grande parte daquelles que a Commissão inculca no seu parecer. Eu concordo com a maior parte das providencias que se propõem no projecto, e sómente farei uma observação a respeito da amnistia ali concedida ao Principe Real, e aos mais que não são membros da junta de S. Paulo ou o bispo daquella diocese; a amnistia costuma conceder-se por dous motivos, ou por uma generosidade daquelle que a concede, ou por uma grande necessidade; se o motivo porque se concede a amnistia he effeito de generosidade, deve ser a mais geral possivel, muito mais quando he feita pela Nação e seus representantes; porém supponhamos que não he este o unico fundamento porque se concede a amnistia, supponhamos que he concedida tambem pela necessidade, e circunstancias em que se achão os povos do Brazil para os socegar e tranquilizar, então mais necessario he o generalisala. Por conseguinte a amnistia assim restricta como propõe a Commissão, bem longe de preencher o fim a que nos dirigimos, ao contrario ella excitará mais a fermentação; e aquelles que ficão excluidos della, recciosos de entrarem em processo, e de se exporem a um juizo criminal sobre objectos tão melindrosos, e he que toverão habilidade para alucinar os povos contra as primeiras e justas decisões das Cortes, muito mais agora o poderão fazer manejando toda a sua influencia em defeza da sua propria vida e honra; e póde mesmo a sua malignidade chegar a ponto de taxar-nos de parciaes em quanto nos mostramos tão flexiveis em favor do principe Real, e do resto das pessoas mais ou menos delinquentes, fazendo recair só sobre elles a espada da justiça. Nisto pois só me afasto do parecer da Commissão, e vem a ser que ou se não deve conceder amnistia a nenhum dos implicados nas perturbações do Brazil, ou a conceder-se que esta amnistia seja geral, e se imponha em pertetuo silencio sobre os factos mais ou menos culpaveis ali praticados. Com isto concluo o meu discurso para não enfadar a assemblea, e na conformidade destes principios dirigirei a minha votação.
O Sr. Vergueiro: - Tenho a responder, Sr. Pre-

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sidente, ás observações, e admirações que o honrado membro o Sr. Girão fez, sobre o relatorio do meu voto separado. Pelo que pertence ao seu exordio tenho a satisfação de congratular-me com elle por Ter nascido transmontano, e agradeço-lhe os motivos de amizade que me tributa por este particular motivo. Sobre o sentimento do mesmo preambulo declaro muito francamente que sinto pelo lugar do meu nascimento as inclinações que produzem os habitos da infancia; porém quando se trata dos interesses da Nação, a minha patria não tem outros limites mais acanhados do que a Nação toda, e o meu voto mais ardente he a conservação da integridade e gloria do seu todo, que se compõe da gloria e felicidade das suas partes. Eu tenho uma razão mais para pugnar pela integridade deste todo; eu não quero ser estrangeiro ao lugar do meu nascimento, nem ao dos meus filhos; e que motivos teria eu para o contrario? Seria a esperança de empregos? A historia da minha vida mostra claramente que os desprezo, ou por escolha ou por ocio. Por tanto, he só o amor da integridade nacional, he só o amor da felicidade da Nação que dirige minhas observações. Se o honrado membro reflectisse bem nas minhas expressões, talvez dissesse como disse um dos honrados membros da Commissão: oxalá que ali se não encontrassem verdades. O mesmo digo eu agora, oxalá que não fosse verdade o que eu digo, mas porque he verdade, he que eu o digo, e sentiria remorsos eternos se o não dissesse. Sobre factos verdadeiros he que a sabedoria do legislador deve trabalhar para fazer a felicidade da nação, e não sobre hypotheses talhadas a desejo. Guiado por estes principios he que eu fiz a minha exposição, e hoje illustrarei o honrado membro sobre as injustas arguições que me fez, e admirações com que tanto se exaltou. A primeira admiração que fez foi sobre as palavras seguintes: "A mudança da séde da monarquia causou algum estremecimento nas provincias do sul." O illustre membros admirou-se muito disto, e de que um Representante da Nação o dissesse. Ora, se isto he uma verdade, parece que não deve causar admiração nenhuma o dizer-se; o honrado membro deve lembrar-se, que eu não fui que gerei este estremecimento, mas que elle existiu não ha duvida. O argumento que o honrado membro produziu em prova de sua admiração, foi allegar que Lisboa tinha um direito inauferivel a ser séde desta monarquia. Não entrarei agora na discussão sobre este direito, porque não sei se decidiria a favor de Guimarães, ou de alguma outra cidade do Reino, a julgar pela posse, ou prioridade: direi só que não há cidade alguma que tenha este direito inauferivel, e que o centro da nação só deve ser determinado pela utilidade geral. Mas supponhamos que Lisboa tinha este direito inauferivel. Seguia-se daqui, que não podesse haver no Rio de Janeiro algum estremecimento com a saída de El Rei para Portugal? O honrado membro deveria lembrar-se das tres representações da camara do rio de Janeiro, dos acontecimentos do dia 21, e 22 de Abril, e então veria que eu tinha razão em dizer que houve estremecimento. Eu não o approvo; ou desejaria que o povo do Rio de janeiro olhasse estoicamente a mudança de El Rei para Portugal; mas eu refiro, não aquillo que queria existisse, mas o que de facto existiu e houve. Continuo no meu parecer dizendo, abusou-se cá da liberdade da imprensa para deprimir o Brazil. Eis outra admiração do honrado membro: oxalá se não abusasse. Eu não quis dizer que os abusos commettidos fossem capazes de abalar os homens sensatos do Brazil, mas forão muito sufficientes para fazer impressão sobre a populaça, tanto assim que se produzírão muitas respostas, que circulavão no rio de Janeiro quando eu por lá passei, e que chegárão até Lisboa, e não houve sómente isto, mas tambem algumas expressões menos pensadas de alguns honrados membros, ainda que proferidas com boas tenções, e eis a razão porque disse, abusou-se cá da liberdade da imprensa, o que me parece que não póde causar admiração nenhuma.
Digo eu que em Pernambuco não se estabeleceu a possivel tranquilidade publica em quanto não saíu a tropa. Aqui exclamou o honrado membro grandemente, e disse que isto parecia escripto n'outro tempo, e não agora. Mas eu não digo aqui que se restabeleceu em Pernambuco uma completa tranquilidade publica, digo sim a possivel tranquilidade em quanto se não sanccionar a Constituição, e em quanto não for adoptada por todos os povos; isto he que he preciso para a tranquilidade publica. Sem isto não a ha de haver em Pernambuco, nem nas outras provincias do brazil. Quanto mais que eu digo, que em quanto não saiu a tropa de Pernambuco, não se restabeleceu a possivel tranquilidade, e isto ninguem duvida. Da primeira vez que a tropa alli esteve houve batalhas, mortes de 200, 300 homens, desordens, etc. Saiu a primeira tropa e nesse intervallo até que foi a Segunda não houve mortandades; foi a Segunda logo houve conflictos, desordens, e se não se retirasse haveria a guerra civil; retirou-se a tropa, não digo que se restabelecesse uma completa tranquilidade, mas não tem havido grandes movimentos; dizer o contrario he accreditar as noticias do piloto do porto, que diz que os Pernambucanos estavão tão assustados que vinhão dormir a bordo. Ora póde acontecer que algum ainda o faça, mas não por causa geral, porque o povo não escolhe dia, nem noute nem hora para fazer insultos; por isso se os Pernambucanos estão pacificamente de dia, tambem de noute o hão de estar. O inimigo occulto he que procura a noute, o povo obra a hora e occasião. O mesmo (dizia eu) há de acontecer á desgraçada Bahia. As noticias da Bahia provão isto mesmo. Desejava eu muito que isto não acontecesse; mas se eu ouço as noticias que vem de lá, que hei de eu dizer? Não se lerão as noticias da Cachoeira? Que diz o capitão mór da Cachoeira? Que tem dado todas as medidas as mais energicas, mas que não conta conseguir o seu fim. As cartas particulares dizem o mesmo. Logo de que se admira o honrado membro? Digo eu mais, a voz da união principiou a afrouxar, porque os Brazileiros recordando com horror o antigo despotismo europeo temião cair outra vez debaixo delle. Que tem o antigo despotismo europeo, dizia o honrado membro, se elles querem fazer um despotismo bru-

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zileiro? Parece que o honrado membro está pouco ao facto das opiniões do Brazil. O Brazil não quer fazer despotismo brazileiro. A planta do despotismo não vegetará jamais no Brazil, em quanto por longos seculos não fôr cultivado aquelle terreno com a liberdade, depois de uma longa revolução de successos, não duvido que possa acontecer, mas será difficil. Eu não quero dizer que não haja algumas pessoas, que lembrem de estabelecer o despotismo no Brazil. Isto he possivel, mas eu o ignoro. Se ha esses monstros que pretendem estabelecer despotismo no Brazil que eu não conheço, eu me declaro por seu inimigo, eu os perseguirei constantemente, e lhes farei dura guerra em quanto tiver forças. O grande morgado da liberdade civil que se tem promettido a meus filhos jamais lhes será tirado em quanto eu tiver forças. Por tanto torno a dizer, se há esses monstros do despotismo no Brazil, eu não os conheço, e estou persuadido que he impraticavel que levem á vante seus pessimos intentos. Uma vantagem tem o Brazil, e vem a ser, que umas provincias são a garantia da liberdade das outras. Se a corte do Rio de Janeiro tem esses intentos pessimos de despotismos, elles serão victimas do enthusiasmo das outras provincias. Eu desconfiarei sempre da corte do rio de janeiro; só porque he corte, porque a historia de todas mostra que nellas tem difficil entrada o patriotismo, ao mesmo tempo que o egoismo, e a ambição costuma fazer alli sua morada. Não digo outro tanto da cidade do rio de Janeiro: seus habitantes são liberaes.
Digo eu mais: nesta crise terrivel, os verdadeiros e mais denodados amigos da grande patria temendo mais que tudo o seu espedaçamento procurarão empregar os unicos meios que podião dar conveniente direcção á opinião publica, e felizmente obtiverão sobreestar-se na execução dos decretos que tinhão espalhado por toda a parte o terror e a indignação. Aqui exclamou muito o honrado Membro: espantou-se que houvesse um representante da nação, que repetisse estas palavras neste recinto. Se isto não fosse verdade teria o nobre Membro razão de se admirar disto, mas se he verdade para que se admira? Em todos os escriptos que apparecem das provincias do sul, os que são escriptos com mais desenfreado rancor, os mais desconmmedidos, e mais indignos de apparecerem, em todos elles não apparece uma voz de separação, todos declarão a união. Eu não sei onde o honrado Membro descobre que aquelles que dirigirão os movimentos do Rio de Janeiro querião separar-nos e não unir-nos, eu o não sei: queira que o honrado Membro me explicasse; só se existem provas e documentos, de que não tenho noticia; mas o conhecimento que tenho daquelles povos me faz muito duvidar disto. Os Brazileiros mais sensatos conhecem o interesse que lhes resulta da união, e he por esta razão que a desejão, além de serem convidados a ella por força de antigos habitos, e muitas analogias. Elles a desejão e querem, mas não obstante isto não se póde duvidar, que sobre as disposições anteriores que deduzo no meu relatorio, os decretos de 29 de Setembro fizerão uma impressão tão forte, que os Brazileiros desconfiarão da reforma; e apezar de desejarem muito a união, houve uma porção delles, que teve a lembrança de se lançar nos braços da independencia. He nesta crise fatal, que apparecem os amigos da união, e que procuram um meio termo. Elles vendo que a execução dos decretos das Cortes produzia a separação, por isso que o povo estava deliberado a obstar-lhes seguem os meios que não deveriam exceder, e que na verdade excederão com expressões escandalosas, e que eu não approvo de modo algum. Mas que tinham a fazer os bons brazileiros, que querião a união? Nenhuma outra cousa a não ser representar ao Principe Real que se demorasse, confiando que as Cortes havião resolver com justiça sobre aquelle negocio. O seu crime não he outro, senão insistirem forte e energicamente que não se executem estes decretos, que levarão os povos á indignação, e que fizerão nascer um desejo grande de se lançarem na independencia. Eis-aqui porque eu lhes chamo verdadeiros amigos da grande patria. Parece que profanei este termo, como o illustre Preopinante me argue; se eu houvesse de retorquir ao honrado Membro, mostraria que elle duas vezes profanara este nome na mesma discussão, muito mais do que eu. Chamei áquelles homens amigos da união, porque estou presuadido que o são, e os seus factos o mostrão. Admirou-se mais o honrado Membro de eu dizer, que elles felizmente obtiverão sobre estar-se na execussão dos decretos, que tinham espalhado por toda a parte o terror e a indignação; ainda hoje o digo, que foi uma felicidade, porque se não se obtivesse, a independencia era certa, a guerra civil estava declarada; o impulso dos povos não poderia suspender-se, era necessario sobreestar-se na execução dos decretos; conseguiu-se isto, chamo-lhe uma verdadeira felicidade; e por isso parece-me que o honrado Membro não tem de que se admirar. Digo eu mais que no Rio de Janeiro as representações da camara, e de outras corporações, a multidão de periodicos e impressos avulsos, etc. provão a universalidade das opiniões; ainda hoje o digo. He geral sem duvida naquellas provincias o sentimento, e concluo como conclui no fim daquella relação, que a opinião do Brazil he essencialmente a mesma no que respeita ao receio da dominação de Portugal, e á firme resolução de obstar-lhe e resistir-lhe por todos os meios possiveis.
O honrado Membro negou esta generalidade, não sei como á vista de tantos documentos se póde dizer como pertende o honrado Membro, que uma facção de poucos homens dirige tudo isto no Brazil contra a opinião do povo. Ainda que não tivessemos presentes tantos documentos que mostrão esta generalidade de opiniões, ella se comprehenderia bem pelas disposições anteriores do povo. Sabe-se que a rivalidade entre os Brazileiros, e Europeos se despertou muito altamente, isto não se pode negar; oxalá que assim não fosse. Supposta esta rivalidade que está na razão inversa da educação, porque o homem bem educado não distingue o que nasceu neste ou naquelle paiz, e sendo as classes menos educadas muito mais numerosas, segue-se que os que seguirem opiniões que joguem com aquella rivalidade, terão sempre em seu apoio uma grande massa de povo. Repara mais o honrado Mem-

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bro nestas expressões: se algumas noticias vindas do Brazil podem pôr em duvida a conclusão que acabo de tirar, reflectir-se, e reflicta-se com seriedade, que são emittidas pelo partido europeo, que sendo hoje quasi nullo na maior parte das provincias, há de mais tarde, ou mais cedo acabar em todas. Aqui exclamou muito o honrado Membro, e attribuiu-me que eu queria prescrever os Europeos do Brazil. Ora, he necessario sonhar para me imputar um delicto de tão alta monta. Seria eu acaso tão inepto que lavrasse a sentença contra mim mesmo? Eu falei do partido europeo que há de acabar um dia por sua mesma natureza; mas acaso poderá dizer-se, que eu quero que se degolem os Europeos? Longe de mim tal pensamento. Eu não disse o modo porque este partido europeo há de acabar. Poucas observações são necessarias para comprehendelo. He sem duvida que a população do Brazil progresivamente está augmentando, e todo este augmento fórma o partido brazileiro; o partido europeo além de não comprehender todos os europeos, não recebe augmento no Brazil, he reforçado só por pessoas que vão de fóra, porque seus proprios filhos já se separão deste partido; por isso se elle não tem forças para manter-se, e o outro tem, e se augmenta prodigiosamente, segue-se que um dia ha de acabar, ou identificando-se com os Brazileiros, como estou persuadido, ou evacuando. Quando o honrado Membro me attribuiu tão gratuita, e injustamente a proscripção de todos os Europeos, tambem não advertiu, que no meu modo de entender não se comprehendem todos no partido europeo; mas os empregados, seus adherentes, e os negociantes sem animo de residencia perpetua, isto he, aquelles que podem Ter interesses contrarios aos do paiz em que vivem. Por tanto parece que o honrado Membro não teve razão em admirar tanto, como tambem não a teve em me attribuir tão más intenções, e intenções homicidas. Disse eu mais, se empregamos a força a guerra civil está declarada. Os triumfos das tropas europeas podem subjugar algumas cidades maritimas, mas serão monumentos de odio, e da execração, e produzirão tarde ou cedo funesta reação de vingança. Aqui exclamou tambem o honrado Membro, e admirou-se que um Representante da Nação assim falasse. E quaes serão as provas que elle produziu para me a'asar? Ponderou o que tinha acontecido no Rio de Janeiro, e disse, que se seu amigo Francisco Maximiano não fosse não sei o que, podia muito bem sujeitar o Rio de janeiro. Eu digo ainda o mesmo, se empregarmos a força, a guerra civil está declarada. o illustre Preopinante concordou comigo, se Francisco Maximiano empregasse a força, de certo a guerra civil estava declarada. Disse o honrado Membro que havia de vencer as forças do rio de janeiro que são muito poucas. Eu disse que isto mesmo podia acontecer. Onde está pois a sua admiração, se nós concordamos? No resto deve o honrado Membro tambem concordar comigo, porque o apanhar pancadas produz sempre má vontade contra quem as dá, e excita o desejo de recompensa igual.
Disse eu mais: o Brazil conhece, e altivamente contempla os elementos da sua grandeza. Aqui exclamou tambem o honrado membro, mas parece que sem razão alhuma. Eu não disse, que o Brazil devia contemplar altivamente os elementos da sua grandeza, o que disse foi que contempla; isto he um facto. Não há Brazileiro que não exalte os grandes recursos de que tem a lançar mão; não há Brazileiro que não conceba certo orgulho de ver a grande capacidade que o Brazil tem para ser uma das primeiras nações do Universo. O relatorio do meu parecer diz: o Brazil conta uma população livre, e igual á de Portugal. Esta expressão não está inteiramente conforme com o meu pensamento, julgo que houve algum engano, ou da imprensa, ou da minha pena. Eu quis dizer, o Brazil conta uma população livre talvez igual á de Portugal, porque não póde haver expressão exacta por falta de dados certos de uma e outra parte. Tenho ouvido dizer a muitas pessoas e pessoas illustradas, que a população de Portugal depois do periodo fatal das suas desgraças, e da sua gloria diminuiu consideravelmente. Dizem uns que tem hoje menos de tres milhões, dizem outros pouco mais de dois milhões e meio; he esta a população que eu supponho no Brazil. Se seguisse o calculo do Abbade Correa, daria ao Brazil um numero maior que a Portugal, mas não digo tanto. Se olho o numero dos representantes do Brazil, acho 72, e por tanto dois milhões cento e sessenta mil almas. He muito notorio que os censos do Brazil são inexactos, e tem muitas e muitas faltas. Algumas provincias regularão-se por listas antigas, e como a população cresce de um anno para outro segue-se, que o censo por onde se regulão he muito inferior ao numero da população actual; algumas provincias se regularão por um censo moderno, mas este mesmo conheço ser muito inexacto pela comparação que tenho feito da lista civil com a ecclesiastica. Por esta inexactidão he que eu adopto o parecer do Abbade Corrêa nesta parte, acrescentando ao numero do censo mais uma quarta parte, e por tanto vem a ser a população do Brazil de dois milhões e sete centos mil almas. Houve outra expressão em que tambem se admirou o honrado membro, que vem a ser, se mandamos proceder judicialmente contra os que se oppozerão á execução dos decretos ou que excederão o direito de petição, que resultado devemos esperar? Consentirão as provincias na entrega de seus defensores? Admirou-se o honrado membro destas expressões, e que fossem repetidas por um representante da nação. Ora, poderei enganar-me nos meus raciocinios, mas não admira que eu me engane, outros muitos se tem enganado. O meu voto he que não se procedeu judicialmente contra estes individuos pelas difficuldades que isto vem a Ter. quanto á exclamação de eu chamar defensores, nenhuma attenção merece, porque um corpo de homens que tem á sua testa algum, ou seja para bons ou máos fins considera o seu defensor; isto não póde entrar em mquestão, nem devia causar admiração alguma ao honrado membro. Sobre o geral não admira a sua opinião, mas direi os fundamentos que me guiarão a isto. Entendo que os procedimentos contra as pessoas que tem figurado nestes acontecimentos podem ir fazer ali verdadeiros rebeldes, e então

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obrigar um emprego de forças muito maiores e a haver um rompimento. He por isso que eu dizia, que não parecia prudente mandar proceder contra elles. He certo que o decoro nacional está injuriado, porém eu já disse em outra occasião fitando sempre os olhos na integridade da monarquia; não me faz grande peso escurecer a vista sobre cousas menos importantes. He certo que apparecerão expressões injuriosas eu o repito, no entanto eu referirei um exemplo tirado da nação ingleza que não deixa de reconhecer a sua dignidade. Quando os Bostoneses, indignados contra o acto do papel sellado o arrastarão pelas ruas com a inscripção - loucura da Inglaterra e desgraça da America - dobrando os sinos, e queimando-o a final, quis o rei castigalos e o Parlamento não consentiu. Ora se uma nação tão orgulhosa da sua dignidade não fez caso de passar por injurias feitas a um governo já constituido e consolidado na duração dos tempos, como seremos nós tão caprichosos, que quando nos estamos a constituir, quando o nosso pacto social ainda não está feito, já queremos castigar quaesquer injurias alienando assim mais os animos? Os resultados que obteve o governo inglez com o despreso daquelles acontecimentos foi o conservar as colonias por mais tempo. Passados annos suscitou-se a questão do chá, e o que resultou do governo ingles preceder contra Boston? A Virginia logo se uniu dirigindo supplicas ao Ceo para que desse a todos os Inglezes americanos um igual coração para resistirem á tirania de Inglaterra, que a final perdeu as colonias, e dispendeu na luta cento e vinte milhões de libras sterlinas, e quarenta mil homens. He por isso que eu acho que não he prudente tentar já este processo. Parecia-me melhor que apparecesse quanto antes o acto addicional, porque se elle for tal que os Brazileiros o ... espontaneamente não há de haver a mais pequena duvida, tudo irá bem; e se os Brazileiros o não aceitarem decidiremos então, ou abandona-los, ou empregar força; porém neste estado de incerteza não me parece prudente empregar os meios que tenho rejeitado; por isso o honrado membro nada tem de se admirar sobre a exposição do meu voto. Tambem não me parecem tão agravantes as culpas de que se faz cargo aos membros da junta de S. Paulo, e não me pareceu tão agravantes por uma razão que já declarei. Eu já fiz ver, que os decretos das Cortes de 29 de Setembro tinham sido feitos pela minoridade da nação; e decretos feitos pela minoridade de uma nação não pódem obrigar o todo della. Eu tenho ouvido dizer muita couza a este respeito, mas nada me convence que a parte menor possa commandar o todo; e me admira que não se chame a isto arbitrariedade, mas sim systema representativo. Confesso que este meio de discorrer he tão sublime e tão alto que a minha razão não chega a comprehendelo.
Tem-se argumentado com o juramento da Constituição, e com o juramento das bases. Quanto ao primeiro, quando esse juramento fosse geral, he claro que teve por objecto a Constituição legitimamente feita, isto he, feita por todos os representantes da nação, e não por parte delles, mas o facto he que esse juramento foi parcialissimo: prestou-se no Rio de Janeiro, não por todo o povo, mas por uma muito pequena parte delle, e em poucas provincias mais. Na provincia de S- Paulo só se jurou na comarca de Ytu, porque achando-me eu como eleitor na cabeça desta comarca, e tendo observado que as opiniões politicas ião divergindo, convidei os meus companheiros para se prestar este juramento, com o fim de concentrar as opiniões no seu verdadeiro objecto, e obtivemos por surpreza que se prestasse este juramento não por todo o povo, mas pelos que se achárão na sala, e que não chegavão a cem pessoas. Talvez os illustres Opinantes se illudão com um decreto de 17 de Março, em que o Rei diz Ter dado as ordens para se jurar a Constituição em todo o reino do Brazil; mas estas ordens ficárão na secretaria, ou em outra parte, e não sairão a publico. Donde se conclue que ainda quando tal juramento tivesse a latitude quer lhe querem dar, não obrigava os povos de Brazil, porém foi prestado por muito poucas pessoas, que não podem obrigar o todo. No relatorio do parecer affirma-se que os governos provisorios não tinham legitimamente para serem feitos só pelo povo das capitaes: e como se quer dar legitimidade ao juramento de tão poucos das capitaes para obrigar as provincias? E como em systema representativo se póde dizer que o juramento do futuro contracto social prestado por muito menos da milissima parte do povo, obriga o povo todo? Se uma parte tão pequena póde obrigar o todo então mudemos de linguagem, e não digamos que todos os cidadãos tem iguaes fireitos, e que todos devem concorrer para a formação do contracto social, e das leis.
Outro argumento he o juramento das Bases: este tem os mesmos defeitos: ainda que fosse prestado em todas as provincias excepto mato grosso, como se diz, não o foi pelos representantes dos povos, nem pela sua maioridade, sim por algumas pessoas das capitaes, e das villas, que seguramente não chegarão á centessima parte. Em S. Paulo jugárão-se as Bases na occasião de se installar o governo provisorio; eu estava nesse tempo muito longe da capital; e sendo chamado para membro do governo tive necessidade de assignar aquelle juramento (o que fiz de muito boa vontade); fiquei espantado de ver o pequeno numero de pessoas, que o tinham assignado. O auto de vereança foi remettido para cá, nelle se póde ver a certeza do que digo.
Além disto, quando eu jurei as Bases, jurei tambem o art. 21 dellas, em que se conhece aos povos do Brazil approvar a Constituição; no que se subintende o poder de desapprovar. E estou muito persuadido que sem este artigo as Bases não serião juradas por todos os que as jurarão.
No que tenho dito parece Ter respondido ás admirações do Sr. Girão, e Ter mostrado a illegalidade dos decretos em questão por serem feitos pela minoridade da nação, e que não podião obrigar a povos ainda não representados; não podendo induzir-se argumento do juramento da futura Constituição, nem do juramento das Bases.
O Sr. Freire: - Tinha pedido a palavra, S. Presidente, porque tendo a questão duas partes

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essencialmente distinctas entre si, eu tinha visto que muitos dos nobres membros que havião feito brilhantes e solidos discursos, já para sustentar, já para combater a primeira parte, não se tinham encarregado, a não serem dois, de explanar, apoiar, ou combater a Segunda parte deste parecer, a qual diz respeito ao Principe Real. A maior parte dos honrados membros que tem tocado esta materia, deixão quasi todos á prudencia e sabedoria do soberano Congresso o decidir o que for mais conveniente. Ninguem mais do eu está convencido que o Congresso tem o mais alto gráo de prudencia e sabedoria para dar as suas decisões, mas não posso conceber como se não diz o mesmo a respeito dos outros objectos em questão, em que parece dever ser o Congresso igualemnte prudente e sabio. He pois sobre esta parte essencial do parecer que eu me levanto a falar, visto que ella quasi está excluida da discussão, e considerarei a questão debaixo do verdadeiro ponto de vista em que se deve olhar. Eu conheço bem os motivos porque talvez se tenha tocado nesta materia. Elles são ponderosos, a materia he ardua, he difficil, mas nem por isso devemos deixar de tratar della. Fomos aqui mandados só para advogar a causa, e o bem da nação, pois então cumpre falar claro sobre o que importa a bem da mesma Nação. Fundado nestes principios eu tratarei do parecer da Commissão, seguindo a ordem que tem adoptado alguns dos nobres membros que tem falado, a qual não he a ordem dos artigo do projecto, mas he aquella que eu conheço nos conduz ao resultado de decidir todas as grandes difficuldades, as quaes se involvem nestas duas questões, 1.º qual he a opinião que deve seguir-se a respeito da junta de S. Paulo, do bispo, e outros: 2.º qual aquella que deve seguir-se a respeito do Principe. Julgo que todas as outras partes do projecto são corolarios desta decisão. A respeito da primeira parte approvo muito, e approvo em todo o parecer da Commissão. A respeito da junta eu o approvo por isso que a minha opinião sobre este objecto há tres mezes foi a mesma que hoje he. Há tres mezes disse eu que tendo apparecido em a junta de S. paulo um germen de desordem, e rebellião, era necessario apagalo, e suffocalo; hoje o repito com toda a energia. Não insistirei muito em cada um destes artigos para os sustentar, porque são claros; todavia não poderei deixar de combater dois argumentos que não podem passar em silencio: primeiro he se acaso a junta de S. Paulo está ou não debaixo da immediata autoridade do Congresso, e de ElRei, como mandando publicar e executar as leis do mesmo Congresso. Segundo, se estando debaixo da autoridade do congresso he legal toda a medida que tomarmos. Parece mais que provado, apezar do que acaba de dizer o nobre membro, que as provincias do Brazil adherirão á causa de Portugal, e por isso se devem sujeitar a tudo que determinar o Congresso, salvando o único caso das modificações que devem fazer-se na Constituição, ainda que assim queira entender-se o artigo 21 das bases, porque este Congresso, não disputo agora esta autoridade, mas o que disputo he que o Congresso não seja autoridade legitima para todas as outras cousas. Diz-se que os povos do Brazil não jurarão adherir ao systema de Portugal, e que alguns até não jurarão as bases. Este argumento não tem força alguma. Todas as autoridades municipaes que representão os povos mandarão a este Congresso os seus protestos de adhesão á causa nacional, e os seus Deputados a este Congresso, pelo que reconhecerão nelle autoridade legitima. E se assim não he; qual he a autoridade que esteve governando os povos da America por todo este tempo? Foi o Congresso, ou a autoridade de El Rei, visto que elles reconhecerão o Rei constitucional, ou o que já os governava dantes. Quanto mais quando houvesse alguma duvida a este respeito, tinhamos o juramento das bases. Trouxe-se o argumento de que no juramento houve coacção, de que em algumas partes a tropa não deixou de ter influencia consideravel. He para aqui que eu chamo a attenção do Congresso.
Não queria por este argumento denegrir a brilhante obra da nossa regeneração politica, que he um milagre na ordem das regenerações, mas que existiu. Se a tropa foi a primeira que deu o juramento ás bases, ella não obrigou de maneira alguma os individuos que estavão no districto ou proximos; tão sómente o que fez foi apoiar as boas disposições dos individuos, segurar aos povos a sua liberdade, e declarar que não era apoio do despotismo como se receava; isto he tanto assim que em a maior parte das terras de Portugal, e do Brazil não houve tropa quando se prestou o juramento ás bases, e á Constituição. Entre tanto ellas forão juradas; em uma parte a tropa foi a primeira que as jurou, não obrigando já mais os povos, mas dando o primeiro signal de que adheria ao suystema estabelecido; em outras partes jurarão os povos mesmos sem o exemplo de tropa. Senão diga-se-me, como era possivel que uns poucos de homens, e que pouca tropa fosse seguida pelo aplauso geral da Nação, se este systema não estivesse gravado no coração de todos os Portuguezes. Longe de nós a idéa de que na nossa regeneração politica houvesse a mais pequena coacção. Não houve coacção alguma, tudo foi obra da vontade geral de todos os Portuguezes, e todos os Portuguezes por tanto que pertendem agora contrariar esta vontade geral, devem ser punidos como infractores das leis, e perturbadores do socego publico. Em consequencia disto, como he que os de S. Paulo se querem ou podem evadir ao rigor das leis? Diz um nobre Preopinante que o juramento (admittindo já que elle existiu) não póde ser considerado como vinculo de iniquidade, e que sempre há o direito de resistir a oppressão. Convenho que esse direito he commum a todos os homens, mas o nobre Preopinante tambem há de convir comigo, que o exercicio deste direito he perigoso e arriscado; daqui vem, que se há uma insurreição em qualquer parte; se esta insurreição he geralmente apoiada, e se torna a vontade da nação não há nada a criminar, e pelo contrario he gloriosa: os seus autores são benemeritos da patria pela salvarem dos males em que ía a submergir-se e por escolherem para isso o momento favoravel. Pelo contrario se a insurreição he seguida de poucos, se vem apenas a constituir uma

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fracção da nação, ninguem dirá que isto não seja um motim e rebeldia, que não seja attentado, e que os seus sutores longe de terem sido benemeritos da Patria, devem ser punidos, por terem commettido um tão grande crime. Estes são os principios em todos os governos mais livres, e os fundamentos de todas as sociedades, porque a lei geral da sua conservação exige que o interesse de muitos não deva ser perturbado, nem ceder ao de poucos: daqui vem, que o Congresso obra sempre dentro dos limites da sua autoridade, que o Congresso obra sempre legalmente quando manda punir os membros da junta de S. Paulo, e por isso nesta parte adopto o parecer da Commissão. São de algum peso os argumentos que produzirão os honrados Membros de que não he justo que tendo-se adoptado uma amnistia para uns, se não adoptou para outros. Mas os honrados membros tambem sabem que he da ordem das taes cousas, todas as vezes que grande porção de individuos concorrem a commetter um crime, o punirem-se necessariamente as suas cabeças. A Commissão reconheceu que os autores dos crimes em questão erão os membros da junta de S. Paulo, o bispo e os outros que nomeou. A Commissão conduziu-se nisto o melhor possivel, quando se dirigiu por documentos; eu confiando muito nas luzes e boa fé dos Membros da Commissão, subscrevo nesta parte ao seu parecer. Convenho que não possa executar-se este projecto sem haver recurso ás Cortes, porque julgo que tudo isto nesta parte he muito necessario. Admira-me muito outro argumento que acabei de ouvir, pelo qual se disse, que concedendo-se mesmo que houvesse crime nestes individuos de que fala o parecer, e mormente a respeito dos Membros da junta de S. Paulo; entretanto era de advertir que isto pertencia ao poder judiciario; o nobre Preopinante que avançou esta idéa devia attender que pertencendo a todos os corpos legislativos o decretar a accusação e mandar formar causa, com tudo porque se decreta, daqui não se segue que se imponha pena aos individuos, e se julgue do gráo de criminalidade que compete a cada um; quanto mais que o nobre Membro se mostrou contradictorio no fim do seu discurso, porque dizendo que se deixará ao poder executivo o conhecimento deste negocio, accrescentou que no caso de haver pertinencia, ou reincidencia, então o Congresso mandasse formar causa; se o Congresso não tem essa autoridade no primeiro caso, como a terá no segundo? Disse eu mais que não approvava de maneira alguma a Segunda parte do parecer da Commissão. De certo o não approvo, e sinto muito que nesta parte não possa conformar-me com o parecer da Commissão. Diz esta que o Principe Real não póde ser responsavel pelos actos da sua administração, dizendo antes disso que as intenções de S. A.A R. erão puras, e que só enganando-se he que tem feito mal, quando os seus sentimentos todos se dirigirão a fazer a felicidade da nação. Não posso eu ser desta opinião, sem que faça offensa aos conhecimentos do Principe, conhecimentos que deve possuir, attendendo á idade de 23 annos em que se acha. Quem se deixa illudir nas acções que deve praticar, não póde ser encarregado de uma administração publica, por isso se a Commissão tirasse daqui as verdadeiras consequencias que de taes principios se deduzem, eu conviria por um pouco que havia exactidão nestes principios, mas em abona da verdade, nem os principios são exactos nem as consequencias são verdadeiras. Funda-se a Commissão em principios tambem inexactos para dizer que o Principe não he responsavel, porque, diz a Commissão: o decreto que deixou o Principe para administrar o Brazil, declara que os ministros serião responsaveis. Se a Commissão achasse no decreto o adverbio só, teria força esta parte do argumento; mas nem o decreto diz, nem podia dizer uma cousa similhante. E pelo contrario nada he mais frequente, e constitucional do que n'uma regencia serem responsaveis os regentes, e os secretarios. He debaixo deste ponto de vista que há de ser olhada a questão, em consequencia mesmo da letra do decreto não se deduz de maneira alguma que o Principe Real seja inviolavel; muito menos se deduz do seu espirito; pois que quando ElRei fez este decreto, tinha jurado seguir a Constituição que fizessem as Cortes de Portugal; em consequencia, elle se achava ligado a tudo quanto se decretasse por estas mesmas Cortes, e de facto estava nullo tudo quanto contraviesse a nossas deliberações. Em segundo lugar o Principe jurou as bases da Constituição, continuou a administrar o Brazil debaixo da obediencia que ellas, e o decreto lhe impunhão; ainda que este lhe desse inviolabilidade que não dá, com tudo pela razão de ter jurado as bases da Constituição, esta inviolabilidade era nenhuma, e por isso o Principe não póde jamais deixar de ser responsavel. Passemos por tanto a tratar a materia.
He penoso, eu o confesso, e sinto, falar do comportamento deslizado de um Principe cuja carreira Constitucional ao principio foi tão brilhante; de um Principe filho de um Rei a quem devemos a firmeza, e a consolidação do systema que felizmente nos rege; de um Principe sucessor presumptivo da coroa; mas o meu lugar me impõe essa obrigação. Vamos a ver se com effeito o Principe Real há comettido alguns factos criminosos, e qual o gráo de criminalidade de cada um. Analizando eu as cartas do Principe observo que houve um periodo em que elle mostrou um ardor decidido pelo systema constitucional; segue-se um periodo em que este enthusiasmo esfria um pouco; outro em que elle se desvanece completamente: no primeiro mostra S. A um enthusiasmo incrivel em sustentar o juramento das bases, e dizia o Principe, que a facção da independencia do Brazil havia de acabar, que elle com uns poucos de bravos faria ver quão adherente era á causa constitucional que protesta defender, e escreve o juramento com o proprio sangue. Não há seguramente sentimentos mais nobres do que estes nascidos então sem duvida do coração do Principe; mas depois que recebeu a representação da junta de S. Paulo, a sua linguagem muda um pouco, e não se precisa grande perspicacia para ver qual era já o seu animo. Quando um homem tem feito protestações desta natureza, e depois esfria, está muito perto de baquear, e á borda do precipicio. He

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por isso que eu digo, que sem me fazer profeta vi então a necessidade de tomar medidas energicas contra a junta. Talvez que eu prevendo o que agora acontece quizesse que se tomassem medidas congruentes, entretanto tomou um caminho opposto, e no entanto apparece uma representação da camara do Rio de Janeiro, a qual diz a S. A que elle alí deve ficar. O Principe sem condição nem reserva, determina o não regressar a Portugal; este o acto da sua administração que mais me admirou. Em abono da verdade devemos dizer, que commettendo o Principe por este modo um acto de desobediencia manifesta ás ordens de ElRei, e deste Congresso, nem ao menos se lembra de lhe dar motivos de haver assim obrado. Eu em verdade attribuo uma grande parte destes acontecimentos ao conselho do Principe Real; embora alguns de lá, e mesmo de cá concebão uma opinião contraria, porque conservão a boa fé nos membros do tal conselho; entretanto, sem que eu desculpe o Principe, vejo que elles são muito criminosos; pois que no primeiro edital que appareceu no rio de Janeiro se diz, que tendo a camara feito representações ao Principe Rela para que ficasse no Rio de Janeiro, S. A disse, que ficaria para bem, e utilidade dos povos, até o Congresso e ElRei decidirem sobre este objecto, mas a facção dominante o impelle e precipita nos sucessos que lhe convém, e elle commette um acto de desobediencia, não regressando a Portugal, a passando outro decreto onde diz: fico para bem dos povos. Ora eu desejaria procurar ao Principe o que he bem dos povos; se acaso o bem dos povos he obra de meia duzia de homens que lhe fazem uma representação, ou se os povos são os habitantes de uma monarquia inteira. Se S. A R. fixasse as ideias do que he bem dos povos, elle veria que antes, ou só poderia chamar-se povo á representação nacional, e não uma junta; elle veria que mais se poderia chamar bem dos povos obedecer a um decreto das Cortes da nação, do que á representação que lhe fazia uma mera facção do Rio de janeiro. Em consequencia o Principe Real aqui apartou-se de todos os principios que erão impostos pelo seu decoro, e pela Commissão augusta de que estava encarregado; elle era Principe Regente do Brazil; e uma facção do Brazil não era o povo que estava encarregado ao seu governo; atrevo-me a dizer, uma facção do Brazil, porque toda a gente convém, os viajantes, e muitas cartas dizem que o systema actual não era admittido por todos os habitantes do Sul do Brazil, nem mesmo da provincia e cidade do Rio de janeiro, mas por uma facção. E por ventura a idade de 23 annos não he bastante para fazer conhecer que aquelle que não obedece a uma autoridade soberana, deve ser punido? Sem duvida. Este passo conduziu o Principe Real a todos os outros que vierão depois, porque he dalí que eu dato a rebellião manifesta da parte do governo, e de alguns habitantes do Rio de janeiro, e a pessima subsequente administração do Principe. Que se seguiu daqui? O Principe de acordo com este decreto, começou a portar-se de uma maneira bem alheia da sua dignidade. A tropa auxiliadora, que não tendo pela maior parte excedido o direito de petição, reclamava que fosse conservada em um lugar seguro, he posta longe da communicação de outros individuos, declarão-se hostilidades contra esta tropa, quaes são as de negar-lhes os viveres, e agua, e reduzilos á dura necessidade de derramar o sangue de seus irmãos, ou de embarcarem a bordo de navios, apezar das suas reclamações. O Principe diz que tinha por principal motivo de fazer sair a divisão antes que podesse chegar a outra expedição que fora para ali enviada, o evitar que o espirito publico não podesse tomar alguma elasticidade contra ella. Entre tanto não posso persuadir-me que o espirito publico fosse tanto a favor destas hostilidades, porque a tropa a pezar de todas estas cousas foi fornecida de agua, e viveres, e mais objectos de subsistencia, ainda que ás escondidas; e foi fornecida por um longo espaço; entre tanto soffreu calumnias, e invectivas, e a outra que chegou depois, soffreu perseguição. Donde resulta conhecer-se com toda a evidencia, e até dizer-se, que a inimizade não era propriamente contra esta, ou outra tropa, mas sim contra aquella que obedece ás Cortes, e a ElRei; he por isso que o Principe nesta expedição se aproveitou de poucos soldados, e não de officiaes, dizendo que não queria pessoas que obedecessem ás Cortes e ao Governo, as quaes querião estabelecer a desordem no Brazil. Mas, Sr. Presidente, o que he que querem as Cortes, e o Governo? As Cortes, e o Governo querem leis, e formulas constitucionaes; querem que todos gozem os mesmos privilegios, e as mesmas utilidades: e então se isto he assim, em que pódem contrariar as Cortes, e o Governo a vontade do Principe, se elle adhere ao systema constitucional? Em cousa alguma. Mas que elle não adhere, he o que eu passo a mostrar.
A sua ultima carta de 14 de Fevereiro fala desta maneira: "Os Brazileiros e eu somos constitucionaes, mas constitucionaes que sabemos respeitar o Rei e a Nação; por tanto a raiva he só a essas facciosas Cortes." Eis-aqui pois, Srs., exarada com toda a clareza uma declaração de guerra e a inimizade decidida ao systema de Cortes constituintes! Eis-aqui neste pequeno paragrafo lançada por terra a soberania do povo, e o systema porque fomos chamados para representantes de uma nação livre! Eis-aqui deitado por terra o systema constitucional, porque o Principe no Brazil não quer que se faça, e sejão as Cortes deliberativas! E então um Principe que tem adoptado este systema, que o tem arreigado no coração, que não póde ser por ignorancia, que existe cercado de homens que lho tem dictado, póde acaso ou deve ser conservado no Rio de Janeiro? O conselho que elle chama para o pé de si, as ordens que manda á chancellaria, para que se não executem os decretos das Cortes, não prova tudo evidentemente que no Brazil não se segue outra marcha, senão lançar por terra o systema constitucional? E por ventura um misterio que quer deitar por terra o systema constitucional, e que no seu delirio se persuade poder effectuar similhante empreza, deverá continuar a permanecer no Brazil? Não posso conceber como a Commissão instruida nestes principios, que necessariamente viu, e que deu a entender era, possa exarar o de-

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creto para que o Principe Real continue a ficar no Rio de Janeiro, e que se lhe dê o tempo necessario para continuar mais a sua grado o que tem emprehendido! A Commissão sem duvida, ponderando bem todas estas razões, deverá convir comigo que o Principe não deve ser conservado naquelle hemisferio, mas sim deve immediatamente voltar a Portugal, justificar-se dos seus sentimentos, e fazer uma abjuração manifesta delles perante a Nação? Resumindo pois o meu parecer, approvo o parecer da Commissão em quanto á primeira parte; e em quanto á Segunda, voto que se passe um decreto em que se determine que a delegação do poder executivo no Rio de Janeiro tem cessado; e que todas as autoridades que lhe obedecerem sejão julgadas como criminosas. Em segundo lugar, sou de opinião que o Principe Real pelos seus factos passados seja obrigado a voltar quanto antes para Portugal, a dar uma explicação da sua conducta, fazendo ver que não teve em vistas destruir o systema constitucional que a nação tem adoptado; para assim merecer a confiança dos povos, sobre os quaes deve reinar um dia. Acho que estes remedios terão utilidade, e que só assim se poderá salvar a dignidade nacional, que he o que mais que tudo tenho em vista.
O Sr. Andrada: - Sr. Presidente, na sessão passada expuz francamente a minha maneira de pensar sobre o parecer da Commissão; e agora seria desnecessario cansar mais a assembléa, se se não pretendesse abalar a força dos meus raciocinios. passarei pois em resenha o que disse contra, e creio que farei de pouca dura a victoria cantada antes de tempo. Um nobre Preopinante, o Sr. Ferreira Borges, usou de razões contra a doutrina, de argumentos ad hominem, e de ataques contra terceiros, cuja probidade eu apregoára. O seu unico argumento doutrinal reduz-se a negação do direito de resistir, visto o perigo da sua admissão; já demonstrei que a resistencia he da essencia dos governos representativos, como o recurso ultimo do povo lesado: a obediencia, para ser obrigatoria, revela que provenha de fonte legitima, que não passe os limites do poder legitimo, e não se abalance a determinar objectos, que se regem por direitos de superior origem. Embora seja perigosa a resistencia; embora possa abalar o edificio social; mais perigosa ainda he a doutrina da submissão céga, e inconstitucional, a determinações exorbitantes da esfera da autoridade que a dicta: a resistencia abala o corpo politico; mas submissão céga o apodrece, e mata. He certo que a prudencia manda ao cidadão não usar deste remedio extremo, senão nos casos extremos; se imprudentemente o faz, he por sua conta, e risco. Se he mal sucedido, he punida a sua temeridade, mas não se lhe nega o direito em tempo opportuno. He por isso que o mesmo que levou ao cadafalso os Russels, e os Algernon Sidneys, coroou de gloria os campeões da regeneração ingleza de 1668, em tempo mais apropositado; as tentativas desgraçadas, que custarão a vida aos martires do campo de Santa Anna, são as mesmas, por que obtiverão o nome de pais da patria os autores dos dias 24 de Agosto, e 15 de Setembro. Esta doutrina da resistencia he reconhecida na Inglaterra, como o ultimo paladio da liberdade do cidadão. A prizão illegal de Sir... Ferrers, foi obstada ainda com morte do executor, só pela falta de uma qualidade designativa de regeneração; a de Anna Dekins, por ser executada fóra do precinto jurisdicional. E não se diga que estes casos são de resistencia contra a execução não ordenada pela lei; resistencia contra a execução, e resitencia contra a lei, que não obriga, pela falta do poder de legislar, he uma, e a mesma cousa. Considerarei depois o argumento ad hominem do citado Preopinante. Elle afirmou, que para refutar-me bastava usar das mesmas razões exprimidas em um anterior parecer da Commissão dos negocios politicos, por mim assignado. Em verdade o nobre Preopinante vê muito mais do que eu, se vê contradicções no parecer e na minha ultima fala. Correndo os olhos pelo parecer, nada acho nelle que possa dizer-se que se oppõe ao que expuz; salvo o que diz respeito ao legislar-se antes de virem os Deputados brazileiros. Ahi diz-se que não há culpa no Congresso em legislar antes da vinda dos Deputados do Brazil, porque se lhes reguardavão para o seu comparecimento as modificações que exigisse a peculiaridade das suas circunstancias; mas esta escusa não póde Ter lugar nos decretos de que se queixão os Brazileiros; estes não podião ser revistos, porque não erão leis constitucionaes; forão feitos, e logo executados, com differença da Constituição, que ainda nem promulgada está; forão pois injustos, como disse, porque faltou a assistencia dos Deputados do Brazil, falta que se não podia mais remediar, como no caso das leis constitucionaes só feitas, mas ainda não executadas. Mas enuncia o parecer, que seria absurdo, que uma assembléa deliberante ficasse em inacção, só porque algumas partes do Reino se descuidavão do mais sagrado dos seus deveres; e daqui conclue o nobre Preopinante que há contradicção em pretender eu que os decretos de Setembro são nullos pela falta de assistencia dos Deputados do Brazil. Dizer-se a falta da Deputação de alguma provincia não devia sustar a marcha do Congresso, não he o mesmo que dizer-se, que a falta de totalidade, ou ao menos de uma immensa maioria das Deputações do reino do Brazil, não deva sustar as deliberações do Congresso; a primeira proposição he verdadeira, quando contida nos seus limites, pois de outro modo se renovaria o veto perigoso dos nuncios polacos; a Segunda he de toda a falsidade pela sua amplitude que ataca o direito de participação que deve ter o povo na confecção das leis. O nobre Preopinante não ignora que se tem força os argumentos a maiori ad minus, he muito pelo contrario nos argumentos feitos a minori ad maius. Dou porém de barato, que haja contradição entre o, parecer e a minha primeira fala: que resulta dahi? Provou o nobre Preopinante, que as opiniões do parecer são abraçadas por mim? Creio que não: o ser por mim feita a redacção nada prova; o redactor de uma Commissão redige, não a sua opinião particular, mas a opinião da Commissão, isto he da sua maioridade; o seu officio he exprimila tal qual foi consentida pela Commissão, e de sua parte o que tem de proprio he o traje em que a veste. Mas a assignatura? Tambem

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nada prova; se elle basta para fazer nossa alguma parte do papel que assignamos, não prova para o todo. Eu podia concordar nas disposições do parecer, e variar nos principios com que se escusava o Congresso; e neste caso o bem da paz, e a prudencia me aconselhavão não disputar, pelo que não era essencial. O nobre Preopinante sabe certamente como na Inglaterra, que se governa por condições, se formão os partido; individuos, que aliás confferem em muitos artigos politicos, uma vez que concordão em pontos essenciaes, sem fazerem-se cargo de discordias particulares, obrigão-se a apoiar medidas em commum.
Porém quero que haja contradicção entre o parecer e a minha fala, e que o parecer contenha as minhas idéas naquelle tempo; porque me não será dado variar de opinião, quando conheça a falsidade da que seguia? Quererá negar-me o nobre Preopinante a perfectibilidade conhecida de especie humana? O que cumpria ao nobre Preopinante era mostrar que as idéas contidas no referido parecer, quando contradissessem as emittidas por mim novamente, erão as preferiveis no tribunal da razão: isto he o que não fez, nem creio que se ache com forças para o fazer. Atacou em terceiro lugar o nobre Preopinante o careacter do conselheiro José Bonifacio de Andrada, cuja moralidade e merito eu testemunhara. Esta materia he bem estranha á questão, mas como he ataque de ausente, a generosidade de que faço garbo, torna-se campeão do atacado. Em verdade louvo muito a erudição do nobre Preopinante; mas não posso deixar de dizer-lhe que he bem deslocada, e tem seu ressaibo a vaidade que alguem chamaria pedantesca; eu sei tão pouco como o nobre Preopinante, se o orgão do despotismo he prominente ou excavado, apezar de ter lido no original a obra do autor Gall, e não na succinta exposição feira por Villers em cara a Vandermond; não sei mesmo se elle he conjunto ou separado do orgão da temeridade e da ligeireza pouco escrupulosa que assassina por brinco caracteres respeitaveis; e até mesmo não sei que tenha de commum e connexo a doutrina fysionomica de Lavaler, com o systema do doutor Gall, sobre o conhecimento das disposições e qualidades moraes do individuo pela simples inspecção do craneo e sua contextura; o que sei porém he, que pelo documento que aponta o nobre Preopinante, o despota José Bonifacio he um despota de nova edição. Vamos á historia desse despota. Casado da oppressão o brioso povo portuguez, quebra as cadêas; sacode o jugo francez; o grito da opposição chega a Coimbra, e o conselheiro José Bonifacio he dos primeiros que o repete e pega em armas para defender a independencia nacional; acompanha ao Porto o general Trant, e por elle lhe he commettida a policia daquella cidade agitada por todos os males das revoluções intestinas; e no exercicio da dita commissão solta alguns magistrados, que o odio e vinganças particulares tinham denunciado. He este procedimento desagradavel á regencia de Lisboa, e se lhe ordena que não solte mais algum réo, visto estar nomeada a alçada para julgalos. Aqui assentão os clamores do nobre Preopinante. Tomar e nome de intendente he despotismo na opinião do nobre Preopinante; e na verdade he despotismo digno do cargo, cujas funções exercita! Risum teneatis? Mas não ficou nisto o grande despota José Bonifacio, arvorou-se juiz da inconfidencia, soltando pessoas denunciadas de terem occupado lugares na administração franceza. Ora eu cuidava que era uma cousa julgar se as denuncias procedem, e depois de decidido que ellas procedem, remettelas ao juiz reiminal; e outra, julgar os pronunciados: cuidava que a primeira cousa pertencia á policia, e a Segunda ao juizo criminal; mas vejo que me enganei, segundo o nobre Preopinante. Quanto mais se vive mais se aprende. No meu sentir o despota José Bonifacio tinha obrado legalmente, mas descobriu-me o nobre Preopinante que obrou despoticamente. E ainda mais culpado foi porque soltou, se degradasse ou enforcasse, então talvez o nobre Preopinante o approvasse. Justo Deus, em que tempo estou! He despotismo escutar a humanidade! He despotismo salvar as victimas das injustas prevenções de uma plebe brutal e furiosa! Bem fazeja providencia, que vigias sobre os destinos da Nação portugueza: tu que, espero, e creio, conservarás a integridade deste imperio apezar dos encontrados empuxões da inexperiencia, da ignorancia presumpçõsa, e da mesquinha rivalidade: permitte que se entre o clangor das armas, no silencio das leis, no meio das convulções da anarquia, houver de insinuar-se alguma arbitrariedade e poder discrecionario, seja este sempre disposto, como foi o grande despota José Bonifacio, a desopprimir afflictos, a arredar da garganta da desgraça a espada do ressentimento, a arrancar em fim ás fauces ensanguentadas da vingança as victimas que ella já saboreava! Basta de digressões, passarei agora a considerar o que contra mim objectou um illustre Preopinante, e o que respondeu ás minhas objecções.
Eu ataquei o parecer da Commissão, de parcial, injusto, impolitico, e intempestivo; votei que era parcial pela desigualdade de justiça para com outras autoridades que erão igualmente criminosas como a junta de S. Paulo, se ella o era. Foi parcial a Commissão em attribuir á junta de S. Paulo a origem dos clamores contra os decretos das Cortes; quando anteriormente já tinha a camara do Rio principiado a combater: diz porém o illustre Preopinante, o Sr. Trigoso, que sendo as queixas simultaneas, e tendo chegado primeiro ao Congresso os ataques da junra de S. Paulo, não houve parcialidade em a considerar como fonte do mal. He novo na verdade que um acto, ainda que posterior em existencia, se repute origem do que o precedeu, só porque foi primeiro sabido! A prioridade de sciencia não póde importar prioridade de existencia, sem o mais manifesto abuso de dialectica. Foi parcial, disse eu, o parecer da Commissão, porque não reputou criminosa a fala do vice-presidente de Minas, nem a junta de Pernambuco, ainda que se tivessem servido das mesmas ou quasi identicas expressões da junta de S. Paulo: respondeu o nobre Preopinante que não houve parcialidade, porque não constava que a junta de Minas atacasse os decretos das Cortes, mas sómente o seu vice-presiden-

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te, e de mais sempre a junta de S. Paulo era mais culpada, porque não só impugnava os decretos, mas até se subtrahia á jurisdicção do Congresso: e que a junta de Pernambuco era mais escusavel; 1.º porque era disciplina da de S. Paulo: 2.º porque a não imitou na adopção do decreto de 16 de Fevereiro, que mandou convocar procuradores: 3.º porque continua a estar separada do Rio de janeiro. Custa-me a crer, que a conhecida subtileza do nobre Preopinante o abandonasse tanto. Ser menos culpado, he não ser culpado? Ninguem o dirá, á excepção da Commissão, que com a maior inconsequencia affirma do vice-presidente de Minas, que não passou além do direito de petição, e sepultou no mais profundo silencio a conducta da junta de Pernambuco. Comprehende-se no direito de petição o alcunhar-se o Congresso de desorganizador, e o declarar uma resistencia e desobediencia inabalavel ás suas ordens? Então como se culpa a junta de S. Paulo? O facto he, que quando menos culpados fossem o vice-presidente de Minas e a junta de Pernambuco, sempre foi parcialidade na Commissão lavar de culpa a um contra a verdade notoria dos documentos que lhe forão presentes, e preterir geitosamente o comportamento da outra, sem a censurar, por lhe não convir. Quanto o nobre Preopinante disputou sobre a organização das juntas, quando não se possa contestar, não ataca a imprudencia do decreto, que causou tanto alvorado; mas não posso passar em silencio a futilidade de uma razão, que o Preopinante allega, como motivo da separação das autoridades nas provincias. Elle diz que se não estivessem separados o governo das armas, e a repetição da fazenda, ficaria o governo privado de poder; ora he visivel, que tal risco não havia, sendo as juntas, como são, agentes do governo e a elle responsaveis. Para salvar a ligeireza, e pouca delicadeza, com que a Commissão attribue á junta de S. Paulo motivos interesseiros e torpes na sua linguagem, e de onde eu deduzi tambem provas da parcialidade da Commissão, defende-a o nobre Preopinante, marcando o pouco melindre da junta de S. Paulo em não cumprir um decreto, quando o não cumprimento podia imputar-se ao desejo de continuar no comando, até contra a vontade do povo. E na verdade, nos casos ordinarios, um homem desinteressado obraria o contrario do que a junta obrou; mas tratava-se do bem da provincia, que soffria com a execução de um decreto precipitado; e era preciso ser vazio de todo o sentimento patriotico para enxertar, por um exaltado capricho, a discordia na provincia: para correr os olhos ao futuro de horror que chamava sobre a patria similhante determinação, só a fim de grangear a fama de melindroso e delicado. A junta porém tinha melhores idéas de dever; ella sabia que primeiro está a patria que o individuo; sabia que era virtude sacrificar-se ás calumnias e maldições, com tanto que a patria se salvasse; e esperar da posteridade a justiça que, bem que tardia, sempre se faz ao patriotismo. Á vista do expendio fica em pé a accusação de parcialidade que intentei á Commissão, sem embargo dos esforços do nobre Preopinante; e o mesmo passo a mostrar quanto á sua impolitica.
Disse eu que o parecer da Commissão vai atear o fogo da discordia no Brazil, e originar uma desunião nociva aos interesses de ambos os reinos: replicou o nobre Preopinante, que antes elle he um projecto defensivo, e que tem por fim estorvar que o incendio lavre, obstar que Minas se una, e alliciar o Rio e Pernambuco, uma das quaes provincias vacilla, e a outra resiste ás tentativas do ministerio do Rio. Oh cegueira! Minas não está unida,. E todas as camaras fazem felicitações a S. A R. pela sua generosa resolução de ficar no Brazil apezar dos decretos das Cortes! Vacilla o Rio, e tudo ali respira adorações ao Principe, e elogios aos conselheiros que lembrarão a sua desobediencia! Resiste pernambucano, e agradece fervorosamente a desobediencia ao decreto; estigmatiza com energia e severidade a medida das Cortes! Não, Sr. Presidente, as provincias estão unidas, e quando o não estivessem, o perigo commum as reunirá, o parecer as despertará do somno da confiança: ellas cerão na condemnação impolitica da junta de S. Paulo a sorte que se lhes destina, se Portugal levar ávante a primeira vingança. Ellas capacitar-se-hão que os condemnados são os principios, e não os que se guiarão por elles em S. Paulo; que a mesma sentença os espera nas outras provincias, quando o bom sucesso coroe a primeira empreza. Continua o nobre Preopinante: nada se perde na perda de uma união, que já não existe ávista da remessa da tropa, e não acceitação da que de novo ia, e da prohibição da vinda de S. A R.; o que tudo indica insubordinação e independencia. Não sei como se traduzem em passos comprobatorios de desunião simples medidas necessitadas pela urgencia das circunstancias, e que podem sim afrouxar, mas não cortar de todo os laços da união. Fazer embarcar uma tropa insubordinada e desagradavel ao povo da provincia, he um acto muito compativel com maior respeito á autoridade; as distancias impedirão qualquer outra conduta. Não receber a nova tropa, quando os animos estavão desconfiados, quando os temores erão geraes, e a raiva exaltada contra a soldadesca, foi golpe de prudencia louvavel e necessario. Impedir em fim o regresso de S. A R. vendo-se que a sua retirada deixaria plantadas no Brazil as sementes da independencia, foi a meu ver virtuosa desobediencia. nada porém disto prova a desunião, pede o brazil e quer ser unido a Portugal, sem guardas pretorianas que enxovalhem familias, que insultem as honras, e assustem a liberdade; pode e quer ser unido pelo intermedio de uma delegação respeitavel, qual he o sucessor do trono. Esta escolha prova antes o desejo de uma união solida; pois só elle a póde conservar, por ser conforme aos seus verdadeiros interesses.
He pois impolitico o parecer da Commissão; e he tambem injusto, sem que o contrario mostrasse o nobre Preopinante. He injusto por ser uma usurpação do poder judicial, que constitucionalmente não compete ao Congresso; he attribuição judicial não só declarar que um facto foi feito por uma pessoa ou pessoas, mas tambem que o dito facto he criminoso; isto he exactamente o que faz a Commissão, não só declara que as expressões e actos praticado pela jun-

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ta de S. Paulo são criminosos, mas até que foi ella quem os praticou, e não excusa esta usurpação a lembrança do nobre Preopinante que qualifica similhante declaração, de interpretação que cabe ao Congresso. Aqui não há interpretação, ninguem duvida da intelligencia da lei, ninguem roga explicação; a declaração da Commissão não rola sobre lei alguma em abstracto, antes não he outra cousa que uma perfeita applicação da lei ao facto das expressões, e mais actos da junta de S. Paulo; e por isso completo abarcamento das attribuições do poder judicial. Nem embarga que ao Congresso compita decretar de accusação aos ministros; aqui não se trata de ministros, mas de agentes do Poder executivo de inferior cathegoria; e se a utilidade e necessidade persuadem esta anomalia no caso dos ministros, não se dá o mesmo motivo no da junta de S. Paulo. A Constituição erige o Congresso em grande jury para cohibir os ministros, mas não estende a providencia além, e onde alei calla, o homem não deve falar; ora isto he o que não observou a Commissão, que substituiu a sua vontade á lei. Se formalmente he injusto o parecer, tambem o he materialmente, pois classifica em crime o que de facto não he. Para ser criminosa a junta desobedecendo ao Congresso, cumpria que a obediencia fosse devida aos decretos a que desobedeceu. He isto o que não existe, pois que os decretos não podião obrigar ao Brazil, faltando-lhes o assentimento dos seus Deputados, que só os podia legitimar na forma do artigo 21 das bases. Não he admissivel a cerebrina distinção que faz o nobre Preopinante, entre as leis constitucionaes, e as ordinarias, reconhecendo a necessidade da assistencia e assentimento dos Deputados do Brazil para validade das primeiras, mas negando-a quanto ás segundas. Em verdade a distinção he nova e engenhosa, tão nova, que nunca lembrou a escritor algum, que admitta a participação do povo na confecção das leis, nem aos que reconhecem a soberania do povo, nem mesmo aos que, como Massabieau, a negão, mas admittem o povo como conselheiro; he tão engenhosa, que tendo escapado aos embotados publicistas ficou reservada á subtileza do nobre Preopinante, a quem se não póde disputar a honra da invenção, assim não fosse ella tão insustentavel. A lei para ser tal he mister que seja a expressão da vontade geral, ou institua, ou regule; se lhe falta este requisito, não he mais lei, he expressão da vontade de algumas corporações ou fracções, e não da vontade de todo o povo, e por abuso sómente receberá a alcunha de lei. A distinção he absolutamente inconstitucional, destróe radicalmente a soberania do povo, ergue em soberana, em alguns casos, não a vontade collectiva da Nação, mas a vontade de fracções da Nação; sujeita parte do povo á outra parte; e se se nos offerece uma Constituição livre com taes bases, he liberdade á maneira da Polonia antiga; he soberania para os Portuguezes euripeos que formão, como na Polonia, o corpo da nobreza, o corpo soberano; e para os Brazileiros he escravidão insupportavel, pois os degrada ao infimo estado de servos que tem de receber da mão dos senhores, leis em que não consentirão, e a que com tudo tem de obedecer. Mas enganão-se: os Brazileiros não acceitão similhante presente. Para comprovar o nobre Preopinante tão absurdas noções, escorou-as em factos, como o de governos provisorios, que não sendo representantes dos povos, todavia legislão, e são obedecidos; e até recorreu ás instrucções para a convocação e eleição dos Representantes que sempre devem preceder á representação, e que são obra da vontade parcial, isto he, do governo. Se os governos provisorios legislão e são obedecidos, he porque a necessidade de governo faz fechar os olhos sobre a illegalidade das ordens; he mister providencias, o povo o sente, e não he escrupuloso em similhantes crises, a respeito da origem da autoridade; sente a precisão, e tanto basta para acceitar o remedio do mal. De mais, os novos governos erigidos nestas crises, são substituidos a outros que legislavão, e não fazem mais do que continuar o que fazia o governo, a que succederão. Todavia cumpre advertir, que em regra, os governos provisorios regem-se pelas leis antigas, a que o povo já estava acostumado. Quanto ás instrucções, ellas são propriamente decretos que regulão a execução da lei, e não sáem da esfera dos poderes do governo. Teima ainda o nobre Preopinante, que he criminosa a junta por desobediente, ao menos a El Rei, a quem obedecia antes da proclamação da Constituição, e a quem continuou a obedecer pelo seu juramento; mas não reparou que a junta não prometteu obedecer senão ao Rei constitucional, e que o Rei sanccionando decretos feitos em opposição ás bases não era constitucional, e não podia exigir obediencia. Quanto ao direito antigo de obediencia, caducará pela proclamação da Constituição; quanto ao que se lhe devia em virtude della e do juramento, invalidou-se pela sua violação. Mas diz o nobre Preopinante que o Congresso não abusou, por legislar estando presentes alguns Deputados do Brazil, como os do Rio e Pernambuco. A resposta he obvia, a maioria dos Deputados do Brazil, e não alguns, era mister para legitimar os actos do Congresso relativos ao Brazil, e fazer obrigatoria a obediencia. O que mais he, até houve minoridade absoluta, e forão até por isso nullos os ditos decretos. Oppõe a isto o nobre Preopinante, que os dois terços que exige a Constituição para serem válidos aos actos do Congresso, não são os de toda a representação, mas os da que está presente; e que de outro modo cairiamos no absurdo de declarar nullo quanto se tem feito, absurdo que basta para provar a falsidade do principio. He porém facil de vêr o sifisma do nobre Preopinante; não há absurdo que venha de principio, mas sim da violação de principio. Se o Congresso não seguiu a Constituição, e legislou em contravenção ás fórmas instituidas, legislou nullamente, não por ter seguido o principio, mas pelo ter abandonado. Mas ainda concedido algum absurdo, elle segue-se da opinião do nobre Preopinante, e não da minha. Se valer a sua opinião, podendo estar presentes a metade, exemplo causa, da representação legal, e bastando os dois terços destes presentes para legislar, cairiamos no absurdo de admittir leis feitas por dois sextos da representação legal, obrigando os quatro sextos, e a Nação inteira;

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o que não póde ser, e por isso será nullo quanto se há feito. Na minha opinião porém tudo quanto se legislou a respeito de Portugal, não nos sendo extensivo, senão quando for acceito pelos nossos Deputados, nada do que se há feito, quando só tem em vista Portugal, caduca; pois tudo foi obra ao menos de dois terços da deputação de Portugal, e só he invalido o que se refere ao Brazil, porque segundo as bases nada nos obriga sem audiencia dos nossos Deputados. Pretendeu mais o nobre Preopinante, que eu me contradizia dando ao poder executivo a ingerencia que recusava ao Congresso, pois que no final do meu parecer deixava a S. M. o pôr em causa a junta de S. Paulo, uma vez que não entrasse no senso dos seus deveres. Parece-me que há summa differença entre o que se permitte ao Governo, e o que se atribue ao Congresso. A junta he agente do Poder executivo, e a elle responsavel da sua administração; a elle só pertence pois mandala pôr em juizo, mas esta determinação não previne o juizo, não declara especificamente a criminalidade dos actos, e menos applica leis a factos, como no parecer se faz. Censurei mais o parecer da Commissão como injusto, attribuindo á junta o crime de calumnia contra as intenções do Congresso, o que não provou, nem podia provar a Commissão, pois era possivel que tudo procedesse de erro, e erro não he calumnia. Ora o que o nobre Preopinante disse em favor do parecer, allegando que certos factos que a junta apontava erão de tal natureza, que não podia desconhecer a sua falsidade, he repetição da mesma conjectura não fundada, e menos razoada, e por conjecturas se não accumulão culpas. Está pois demonstrada a injustiça do parecer da Commissão, apesar do herculeo trabalho do nobre Preopinante; a causa lhe não permittia bom sucesso.
He tambem intempestivo o parecer da Commissão, porque não póde ser executado; quem há de persuadir aos povos, e a S. A R. a que desamparem os campeões dos direitos do Brazil, ainda que precipitados, mas, ao que parece, de boa fé? Quem os há de persuadir a que os entreguem á colera do Congresso, ao mesmo tempo que o Brazil e Sa. R. estão na idéa, que obramos sem direito, e que he virtuosa a resistencia? Quem há de obrigar a S. A R. a largar um paiz que o adora, para vir para Portugal onde se julga vituperado por algumas indiscretas expressões de alguns Srs. Deputados? A autoridade d'ElRei, os seus conselhos paternaes, diz o nobre Preopinante. As ordens augustas do rei, os conselhos amorosos de pai obrão fortemente sobre um subdito, sobre um filho; mas he nos casos ordinarios, he quando a prevenção não nos fascina, he quando não vemos na obediencia a quebra da nossa dignidade; primeiro que tudo está o grito do coração humano. Ordenará pois o Congresso debalde; e só terá o triste prazer de aggravar a falta quasi infallivel do herdeiro do trono; no entanto que temporisando, esperando que se restabeleça o imperio da fria razão, não encontraria talvez resistencia. Basta-me por fim, Sr. Presidente, notar uma perigosa insinuação do Sr. Gyrão. Este illustre Deputado, pesando sobre a pequenez de forças, sobre a pouca disciplina das tropas do Rio de Janeiro, pareceu querer animar-nos a começar a guerra contra irmãos, assegurando-nos do sucesso. Que horror! Serão braços Portuguezes os que derramem o sangue Portuguez! Teremos novos Etheocles, e Polynices? Longe de mima terrivel idéa! E crê o nobre Preopinante tão segura a victoria? Não sabe que a desesperação suppre a impericia? Ah! Sr. Presidente, como se desprezão as lições da historia! Receie o nobre Preopinante novas Saratogas, em que indisciplinados Americanos desarmem hostes aguerridas; os Burgoynes de então valião ao menos os de hoje. A final não tenha Portugal e seus Deputados tanto cuidado na liberdade do Brazil; elle será livre, porque o quer ser: não brotará lá de novo o detestado despotismo; he mui difficil abafar tão cedo naquelle Reino a viçosa planta da liberdade. Se alguem, qualquer que for a sua jerarquia, quizer de novo lançar-nos aos pulsos as já quebradas algemas, sentirá que ainda não se extinguiu de todo a raça dos Brutos, e dos Cassios; e se algum conselheiro for tão perfido que o lembre, por estreitos que sejão os laços que a elle me prendão, cobrindo a cabeça irei punilo de sua perfidia; nem será Corintho só, que alardêe de ter produzido Timolcoes. Mas não, Sr. Presidente: seremos livres; assim no-lo assegura a nossa coragem, a impaciencia do juizo de um senhor, e o caracter franco, e indole generosa do augusto Principe delegado do nosso bom Rei, Rei verdadeiramente constitucional. He mui nobre o Principe para attentar contra as nossas liberdades, e mui nobres nós para mansamente acquiescermos á violação dos nossos fóros.
O Sr. Correa de Seabra: - Sr. Presidente, a discussão tem versado sobre duas questões: 1.ª se há lugar a formação de culpa á junta de S. Paulo; 2.ª se o Principe deve regressar a Portugal. Estes dois pontos são capitaes pela intima ligação que tem com a união de Portugal, e Brazil, ou para melhor dizer com a existencia politica da Nação. A união vem por assim dizer a ser a lei da conservação da Nação, e da mesma forma que por direito natural para o individuo no estado de collisão (não sendo a collisão de officios para com Deos ou de officio para com a patria), a lei da conservação he a mais forte, tambem por direito publico a lei da conservação e existencia politica da Nação he a mais forte e ponderosa. A importancia pois da materia sem embargo de estar já discutida me determina a falar. Principiando pela primeira questão, não posso ser de opinião que o Congresso declare que há lugar a formação de culpa á junta de S. Paulo. Eu prescindo da difficuldade da execução, porque já isto tem sido ponderado pelos illustres Preopinantes; não reflectirei mesmo sobre os resultados que podião ter esse desgosto, agitação, e convulsão a que derão occasião no Brazil os decretos das Cortes de Setembro: não posso todavia dispensar-me de observar que no Brazil não está terminada a revolução, e que por consequencia aquelles povos estão n'um estado verdadeiramente convulsivo, e ainda revolucionario, que nestas circunstancias mui facilmente as revoluções succedem umas ás outras, e que as segundas são desastrosas. Nos nossos

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dias vimos confirmada esta terrivel verdade; diga-o a França. Póde ser mesmo que para prevenir o incendio que um faccioso podia atear approveitando-se desse desgosto e agitação, fosse necessario para a conservação da ordem e tranquilidade, lançar mão das armas de que esse faccioso se podia servir, e que a junta de S. Paulo se determinasse por este motivo. Esta consideração por si só he bastante para que o Congresso precipitadamente não declare que há lugar á formação de culpa; mas outros motivos ainda mais fortes nos devem decidir, e vem a ser, 1.º o artigo 21 das bases: este artigo contrapõe os Portuguezes de Portugal, e Algarves aos residentes nas outras tres partes do mundo; e quanto a estes declara que lei fundamental lhes será commum logo que declarem ser essa a sua vontade pelos seus legitimos representantes. Ora legitimos representantes no sentido natural, obvio e juridico, são os Deputados, e por consequencia o juramento que os povos tem dado não os obriga ainda á lei fundamental; esse juramento vem a ser só uma declaração de que a abração e adherem ao pacto social, para ter effeito quando os seus Deputados no Congresso declararem que assim o querem seus constituintes. Ora os Deputados de S. Paulo não estavão ainda neste recinto quando aquella junta fez a representação. 2.ª Ainda mesmo suppondo que a lei fundamental já os obrigava, declarando a camara do rio de Janeiro, a junta de Pernambuco, a de Minas os mesmos sentimentos, só com a differença de expressões mais ou menos bem consideradas, dizendo mui positivamente os Srs. Deputados do Brazil, que a representação de S. Paulo he conforme com a opinião geral do Brazil; muitos impressos no Brazil que tenho lido, dizendo o mesmo; como póde reputar-se facciosa a junta de S. Paulo? E se o he, convém que contrariemos a vontade geral do Brazil? Concluo que não approvo as expressões de que se serve a junta, como indecorosas e offensivas da dignidade de quem as escreveu, e a quem se dirigem; e sou de opinião que se diga ao Governo que o estranho severamente á mesma junta: mas voto contra a declaração de que há lugar a formação de culpa. Quanto á 2.ª questão, o Principe não deve regressar, 1.º porque sendo sucessor da coroa he interessado na conservação da Monarquia e sua integridade: 2.º porque sendo mui desvairadas as idéas politicas dos Brazileiros sobre a forma do governo, conservan lo uns a tendencia para o governo republicano, tendencia mui natural nos povos que admittem a escravatura, tanto pelo contrato da mesma escravatura, que os faz mais ciosos de liberdade (ainda nos fins do seculo passado disse um no parlamento inglez que não podia haver perfeita liberdade sem escravatura), como porque costumados a mandar, são menos dispostos para obedecer.
Uns querem republica; outros (e estes formão a melhor parte da nação, mas duvido que seja a maior), convencidos já pelos acontecimentos da America hespanhola, de que a monarquia constitucional he o unico governo adaptado ás circunstancias do Brazil, desejão a união e integridade da Monarquia. Nesta divisão de opiniões o Brazil necessita de um governo que tenha interesse em os conciliar, em atalhar as guerras civis, ou ao menos diminuir-lhe os effeitos, e que á energia, e actividade, reuna consideração; o que tudo concorre no Principe Real. Por consequencia he de necessidade que se conserve o Principe Real, como delegado do poder executivo no Brazil; assim o pede a utilidade do mesmo paiz porque precisa de um governo que dê impulso, e anime as grandes emprezas, que são precisas para a prosperidade daquelle rico e vasto imperio, que se acha na infanciam, mas he destinado pela natureza para formar uma Nação que faça inveja ás primeiras do mundo. Concluo que o Principe se conserve no Brazil com a delegação do poder executivo, e que se deixe á discrição do Sr. D. João VI a advertencia sobre as expressões menos reflectidas do S. A o Principe Real.
O Sr. Xavier Monteiro: - Os procedimentos da junta de S. Paulo e do Principe Real, em consequencia dos decretos de 29 de Setembro de 1821, e o parecer a este respeito, da Commissão dos negocios politicos do Brazil, tem prestado, em tres sessões consecutivas, a vasta discussão vastissimo assumpto. Não pretenderei impugnar o parecer da Commissão na parteem que propõe o processo da junta; pois que esta foi em 22 e 23 de Março, quando se tratou pela primeira vez desta materia, q opinião que eu emitti, e deixei consignada nas actas, e diarios deste Congresso: e a qual só então a uma pequena minoridade pareceu idonea, e arrazoada. Agora porém que mui poucos votos tem contrariado nesta parte o parecer da Commissão, e que este se acha victoriosamente sustentado, não repetirei as razões recentemente produzidas, nem mesmo aquellas que em outro tempo desenvolvi na defeza desta doutrina; mas exporei sómente brevissimas observações sobre a natureza, propriedade, e força dos argumentos adversarios. Fundam-se geralmente estes, ou em aconselhar medidas moderadas, ou no direito de desobedecer que á junta se attribue. Eu seria talvez inclinado a adoptar os da primeira especie, se fossem em occasião opportuna apresentados: isto he, se a junta, depondo as armas e orgulho, e confessando o seu erro, submissa e arrependida se abandonasse á generosidade da Nação e do Congresso, que tem injustamente ultrajado; mas quando a passos agigantados avança na estrada da resistencia e obstinação, empregar medidas suaves, não he proprio, não he decoroso á autoridade legitima. Se a argumentos deduzidos da imaginação e elegancia dos poetas he dado replicar com outros da mesma origem, ao inter utrumque tene, e ao medio tutissimus ibis de Ovidio, allegados na sessão antecedente para perduadir moderação e brandura, responderei com outro elegantissimo poeta, o qual com a moderação combina a dignidade, e grandeza de um povo, quando diz:

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Tu regere imperio populus, Romane, memento;
Hoe tibi erunt artes; pacisque imponere morem;
Parcere subjectis, et debellare superbos.
Ninguem diré que actualmente nos he licito o parcere subjectis. A desmedida arrogancia da junta nos impõe como dever rigoroso o debellare superbos.
Não me demorarei a refutar os differentes raciocinios dos que affirmão serem identicas as opiniões da provincia e da junta de S. Paulo, e que a esta concedem o direito de desobedecer aos decretos das Cortes: accusarei porém a inexactidão de seus fundamentos, quando asseverão que não era licito a 79 Deputados o fazer obrigatorios aquelles decretos; visto que se tivessem com attenção, e olhos imparciaes lido as actas de 19, e 20 de Setembro verião que 89 Deputados assistirão a estas sessões, numero muito superior aos dois terços dos que então se achavão reunidos: e igualmente notarão a rara circunstancia da unanimidade de votos, que teve lugar na approvação dos principaes artigos destes decretos; apesar de já existirem no Congresso as deputações do Rio de Janeiro, e Pernambuco. Digo depois, que sendo o direito de não obedecer ás determinações da soberania, qualidade essencial de um povo estrangeiro, forçoso he comprehender nesta classe a provincia e junta de S. Paulo, se o privilegio da desobediencia lhes he outorgado. São por tanto os senhores Deputados de S. Paulo, admittida a sua hypotese, representantes neste Congresso de uma nação não só estranha, mas inimiga; pois que incitou á rebelião o Principe do Rio de Janeiro, e enviou tropas ao seu territorio, quando já esta provincia estava unida a Portugal, e representada em Cortes. Para salvar tão notorio absurdo em theoria de representação, necessario he separar a causa da provincia da causa da junta, e para admittir os representantes da primeira neste recinto, conhecer e confessar o inaudito, e revalioso procedimento da Segunda, e approvar em quanto a esta o parecer da Commissão.
Discorrendo agora sobre a Segunda parte do parecer, não posso concordar em que o principe continue commandando na America: e muito principalmente depois que os illustres membros da Commissão o tem em seus discursos reconhecido por infractor das leis, e usurpador do poder legislativo. Coherente com os meus principios, e firmemente disposto a não admittir jamais de facto o que julgo repugnante em direito, nem a transigir com individuo algum que se declare inimigo da ordem publica, e ameace a liberdade nacional, terei sempre ante os olhos, e só reputarei verdadeira gloria aquella do maior orador da antiguidade, que, proximo a terminar seus dias, publicamente proferia que nenhum inimigo contra a republica se tinha levantado depois de 20 annos, que se não declarasse ao mesmo tempo seu particular inimigo. Taes são as palavras com que o adversario dos Verres e dos Clodios, dos Catilinas e dos Antonio, rompe o exordio da Philippica Segunda, aquella Juvenal não duvidou appellidar divina: Quanam inco fato, Patres conscripts, fieri dicam, ut memo his annis vigint Reipublicae hostis fucrit, Qui non bellum codem tempore mihi quoque indixerit?
A despeito da proscrição, e do ferro dos assassinos, que tão elevado patriotismo atrahiu sobre a cabeça do immortal orador, eu professando, sem hesitar, iguaes sentimentos, expenderei o meu voto.
Se examinarmos attentamente o caracter, e procedimento do Principe, encontramos um mancebo vazio de experiencia, arrebatado pelo amor da novidade, e por um insaciavel desejo de figurar, vacillando em principios, incoherente em acções, contradictorio em papalvras: a quem a rebellião, e obdiencia, prevaricação, e inteireza, intelligencia, e impostura, Constituição e despotismo, pela facilidade com que alternadamente os approva, e rejeita, são cousas ou indifferentes, ou indistinctas ou desconhecidas. Assim, na sua primeira carta elle accusa de insubordinada a divisão auxiliadora; na Segunda a desculpa; na Quarta e na setima a elogia, por manter a provincia na obediencia; e nos seus ultimos escriptos de novo a crimina, a persegue, e trata hostilmente. Assim nós o vemos por alguns mezes executar religiosamente os decretos das Cortes que pelo artigo 23 das bases, que jurou, não estão sujeitos a veto algum; mas logo que a furiosa junta de S. Paulo alardêa, e aconselha o perjurio, a desobediencia, o insulto e a usurpação, elle, sem reparo ou repugnancia, perjura, desobedece, insulta e usurpa. Propõe a Commissão o esquecimentos destes actos, e não reflecte que se as Cortes se mostrarem indulgentes, ou remissas em materia tão grave, além de perder a dignidade, compromettem a liberdade da Nação, incitando a novas usurpações o animo inquieto, e emprehendedor deste mancebo. Se ousa, e consegue impunemente, sendo herdeiro da coroa, vilipendiar a nação, representada nas Cortes, e quebrar com offensa e desprezo das leis, os sagrados vinculos do juramento, qual deveremos esperar, empunhando o sceptro, que seja o seu procedimento com as Cortes ordinarias. Se vigorosamente o não embargarmos em uma carreira criminosamente encetada, eu descubro nestes desastrosos successos, e em nossa indesculpavel ommissão, a infausta aurora de um funesto, e tormentosos dia. Nada tão arriscado conheço para um governo legitimamente constituido como a frouxidão de qualquer especie que seja: pois tenho visto arruinar a indecisão as mais justas causas, quando a energia tem salvado e feito prosperar as mais iniquas. Não se limita a espinhosa e complicada sciencia da politica, a forjar melancolicas e estereis reflexões sobre o passado; mas alongando penetrante e providentes vistas ao futuro, os males arrendados, com remedios energicos atalha. Para que o edificio da liberdade portugueza, por nós tão egregiamente levantado, jamais estremeça, da ambição aos despoticos impulsos, devemos aos nossos sucessores transmittilo firmado em alicerces de rocha, e não de area. A indulgencia com os excessos do principe, além de inutil, porque o não cohibe, e além dos enormes perigos que, sendo injusta, em suas consequencias encerra, será necessariamente pelos presentes e vindoros avaliada como voto da fraqueza que o temo, reunido ao voto da ambição que lhe pretende agradar: e será grande e indelevel argumento da imperfeição de um corpo legislativo, que de facto autoriza, dis-

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farçando, a violação de principios que, de direito, inviolaveis reconhece. Deixemos pois aos que nos sucederem, não exemplos de tibia, contradictoria, e pusilanime prudencia, mas o heroico ligado de um acto de vigilancia, de inteireza e de coragem, que lhes sirva de norte em circunstancias difficeis, para que, esquecendo as vantagens e riscos pessoaes, só tenhão a dignidade de legisladores, e os interesses publicos em vista, quando forem illudidas e menoscabadas as leis, e quando a representação nacional for indecorosamente, como agora, com proterva imprudencia e patente calumnia accomettida. Só poderemos pois conservar illesa a soberania da briosa Nação que representamos, no obrar com justiça, e com acerto em desempenho dos nossos deveres, declarando nullos e illegaes todos os actos do governo do principe, praticados depois de 10 de Fevereiro; dia em que expirou a legitimidade do seu mando, e no qual segundo o decreto das Cortes, devia no Rio de Janeiro ser installada a junta de provincia; decretando igualmente que, se dentro em 6 mezes se não apresentar em Portugal para se justificar de tão monstruosas irregularidades, tem irremissivelmente perdido o direito de reinar. Tal he o meu voto; que, se for pelo Congresso presentemente desprezado, será todavia tomado em consideração no futuro, e pelos ulteriores procedimentos do Principe amplamente comprovado.
O Sr. Soares Franco: - O assumpto que faz o objecto das nossas deliberações he arduo e complicado; porém alguns dos pontos capitaes tem já sido profunda e sabiamente discutidos; outros inda precisão de desenvolução e esclarecimento; eu tocarei uns e outros, para não interromper o seu encadeamento e não deixar uma lacuna consideravel na ordem das idéas; mas os primeiros serão simplesmente indicados, os segundos desenvolvidos do modo que me for possivel. Como porém alguns illustres Preopinantes estabelecerão algumas proposições preliminares a que chamarão a sua profissão de fé, eu tambem farei, e restrinjo-me unicamente a duas: primeira se a um individuo he licito separar-se do pacto social, e expatriar-se; a fortioro deve competir este direito a uma provincia, a qual póde, quando quizer separar-se. Sou de opinião contraria. Uma provincia nunca póde separar-se de todo da sua Nação, sem que para isso seja legitimamente autorizada pela vontade geral; uma tal separação importaria em muitas circunstancias a perda total da patria; como quando a provincia fórma a entrada militar, ou occupa posições muito vantajosas, perdidas as quaes está perdido o reino. Por exemplo se a Beira se quizesse separar de Portugal, e unir-se á Hespanha, Portugal ficava cortado, e inteiramente aberto; e havia de consentir em tal separação? Não por certo. Não posso em consequencia seguir a opinião a que me refiro. Segundo: póde o governo mandar tropa ao Brazil? Houve quem dissesse, que se tal se fizesse era o sinal da guerra civil, que poderião as tropas europeas ganhar alguns triunfos efemeros, mas que a final, serão expellidos. Noto que os Srs. deputados do Brazil, sem dizerem que constituem um povo differente, nos seus resultados, parece que tirão consequencias como se o tivessem dito; nós formamos uma nação única; quando os portuguezes descobrirão aquella região alguns gentios errantes, e que não tinham habitação fixa he que povoavão seus desertos. O Sr. D. João III, mandou abandonar junto a nós os importantes territorios de Tetuão, Arzilla, Çafim, e outros; e muitos de seus moradores forão para o Brazil; as ilhas de S. Thomé e Principe, descobertas em 1449, chegárão a Ter no seculo dezoito trezentos engenhos de assucar; lá forão seus habitantes, e seus capitaes para o Brazil; muitos dos nossos guerreiros d'Africa, e da Asia cobertos de louros, e de riquezas, forão gastalas, e perder a sua vida na povoação e cultura do novo paiz; tanto póde um Brazileiro dizer, que he senhor daquelle terreno, como um europeo; assim como elle tem igual direito neste paiz; constituimos uma única nação, que se foi alargando á proporção do terreno que foi povoando. Então não póde o governo mandar tropas para terras da mesma nação? Nesse caso o governo cessa de existir, e o Sr. D. João VI não governaria já o Brazil; porque uma de duas; ou antes de se mandarem as leis há de perguntar-se aos povos, se a querem ou não querem, e então há anarquia, e não governo; ou mandando-se executar há de haver uma força capaz de obrigar os desobedientes. Quando se diz que a presença das tropas será o principio de guerra civil, eu digo o contrario; a ausencia das tropas será o sinal da rebellião, e da guerra civil.
Entremos agora na materia do parecer da Commissão. Já na sessão de 22 de Março eu disse quanto bastava para mostrar, que se deve mandar formar causa á junta de S. Paulo, hoje estou pelo mesmo. O primeiro principio que há a determinar he se o Congresso tinha ou não autoridade para legislar para o Brazil; já muitos illustres Preopinantes o provárão cabalmente; tenho só uma especie nova a acrescentar. Disse-me que na sessão de 29 de Setembro em que se fizerão aquelles decretos para o Brazil havia unicamente 79 Deputados, o que formava uma memoria relativa a perto de 200, de que deve constar a inteira representação nacional. Mas não attendeu a honrado membro, que poucas sessões antes tinham estado mais de 90 Deputados, que o numero total então era de 114, o que formava a maioria, pois estavão 35 com licença.
Em quanto ao segundo principio que qualquer provincia, ou autoridade tem o direito de resistencia: he este direito um direito natural? Direi, que de duas fórmas póde Ter lugar esse direito de resistencia. A resistencia tem lugar só a uma autoridade illegitima. Ora pergunto, a junta de S. Paulo, todas as autoridades do Brazil não tinham jurado abediencia ás Cortes, e a El Rei; não os tinham reconhecido como autoridade legitima, não estavão formando uma nação comnosco, e obedecendo juntamente? Sem duvida. Por tanto não lhe competia o direito de resistencia. O segundo modo porque elle póde Ter lugar he quando manifestamente se atropellão os direitos dos povos, e se offende a utilidade publica. Agora pergunto, aquelle decreto que mandava crear as novas.

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juntas offendia por ventura a utilidade publica? Sem duvida que não. Em lugar de restringir, ampliava os direitos dos povos para fazerem a eleição. Por consequencia, a junta de S. Paulo não tinha o direito de resistencia. Vamos um passo mais a diante. A junta de S. Paulo não se limitou a si só; passou a aconselhar o Principe a que não obedecesse, isto he claro, o Principe promulgou ali um edital em que dizia que ficaria no Brazil em quanto as Cortes não determinassem o contrario, e no outro dia appareceu determinando que ficava, decidissem as Cortes o que decidissem. Por tanto desobedeceu o Principe e desobedeceu a junta, e o Congresso deve mandar formar causa a esta junta e remetter isto para o poder judicial. Disse-se aqui, que era bom desprezar tudo isto; e tratar com generosidade e politica aquelles individuos; creio que o perdão das injurias está aconselhado no Evangelho. Isto será muito bom, mas he para ganhar o reino do Ceo e não da terra. Quando Bonaparte invadiu a Prussia disse, o Rei de Prussia tem deixado de governar desde que deixou de castigar o Principe Luiz que não lhe obedeceu, e em consequencia disto perdeu o caracter e autoridade; e disse uma verdade em politica, por quanto toda a autoridade sobre a terra deve-se fazer obedecer. Em consequencia disto approvo a primeira parte do parecer da Commissão. Resta-me falar do ministerio do Rio de Janeiro: este tem excedido os seus poderes, primeiro não só não cumpriu os decretos das Cortes, mas realmente tem usurpado o poder legislativo, passando o decreto para formar um conselho, e mandando ordem ao chanceller mór para não cumprir os decretos das Cortes. Em fim o procedimento deste ministerio, mostra bem que elle não quer união senão em palavras. Supposto isto qual deve ser a primeira consequencia? Que este governo deve cessar de direito; devera-se declarar nullos todos os actos que elle praticar; devem-se declarar rebeldes e criminosos todos os empregados publicos que desobedecerem ás ordens d'El Rei, por isso que elle he o seu unico e verdadeiro Monarca: e todas as desobediencias que elles commetterem devem ser punidas. Os ministros devem ser responsaveis pelos actos da sua administração. Em quanto ao Principe Real, pelas leis geraes da Constituição elle he responsavel; no entanto, como nas instrucções que lhe deu seu augusto Pai não se impunha esta responsabilidade, e elle estava disso persuadido, como se mostra pela carta de 9 de Julho, em que afirma ser só responsavel a El Rei seu pai como filho, não devemos falar em tal; mas de uma satisfação a nação do seu procedimento, e regresse para Portugal. E que duvida pode haver nisto? Se seu governo deve cessar de direito, por illegal não deve existir. Mas elle póde não querer vir. Eu não disputo sob se os acontecimentos de facto, mas marco tempo para a sua volta; assento que deve dizer-se-lhe que o seu governo tem cessado, que se lhe deve substituir uma junta governativa, e que S. A. se excedeu não só nas suas expressões, mas nas suas acções. Nem he conveniente, que o herdeiro do trono esteja distante de seu Pai e da sede da monarquia; nem por mais tempo esteja infringindo os decretos das Cortes d'El Rei.
Ainda que eu ouça dizer que os povos do Brazil tem muito desejo e vontade de que elle ali permaneça, com tudo eu vejo que a junta de Minas declarou o contrario, e que o Principe foi para lá a fim de socegar aquella provincia; e duvido que esta vontade seja geral. E além disso não devemos tambem attender a vontade dos povos de Portugal, mais numerosos, e primeiros povoadores de ambos os paizes? Por tanto insisto no meu parecer, que o Principe volte para Portugal, porque só assim se evitarão as desordens naquelle continente.
Tendo decorrido o tempo destinado para esta discussão, e havendo muitos Deputados que ainda querião falar, propoz Sr. Presidentes se se prosseguiria com a mesma materia, ou se deveria passar-se a outra, segundo os termos da ordem do dia - e venceu-se que continuasse a discussão sem limite de tempo. Em consequencia pediu a palavra, e disse
O Sr. Alencar: - Cada um dos illustres membros que tem falado sobre esta materia, tem manifestado as suas opiniões, e cada um tem firmado o seu discurso no que lhe tem parecido mais essencial; pela mesma razão eu o vou fazer tambem, dividindo esta questão em dois pontos que me parecem os mais essenciaes: o 1.º he, se a junta de S. Paulo he criminosa na materia das suas requisições, ou se o he só na fórma dessas requisições: o 2.º se o governo do Rio de janeiro he criminoso pela sua conducta, e de quem se deve exigir a responsabilidade. Antes de entrar na questão, permitta-se-me fazer a minha protestação de fé, visto Ter-se aqui tantas vezes usado disto. Conheço a fraqueza das minhas expressões, e talvez no calor da discussão pareça afastar-me dos principios que formão a base do meu systema politico; e por isso digo 1.º, que os meus sentimentos são da mais perfeita harmonia entre o Brazil e Portugal: em 2.º lugar digo, que como membro deste soberano Congresso tomo por um ataque feito a mim, qualquer que se dirija a este; em 3.º lugar declaro que respeito muito os membros da illustre Commissão deste parecer, e estou mesmo convencido de que são incapazes de parcialidade. Rogo pois ao soberano Congresso, e a quem me ouve, que julgue sempre dos meus sentimentos por esta protestação que agora faço. Entrando na questão digo, que a materia que deu motivo á representação da junta de S. Paulo não he criminosa; fundo-me para o mostrar em dois principios, o 1.º he das bases da Constituição, que dizem: a lei he a vontade dos cidadãos, expressada pelos seus representantes juntos em Cortes. O que fez a junta de S. Paulo? Não fez outra mais do que não acceitar o decreto do soberano Congresso de 29 de Setembro, visto que nelle não estava expressada a vontade daquella provincia, pois que ainda não se achavão no Congresso os seus representantes: daqui se segue que a junta de S. Paulo não he criminosa por não obedecer a esta lei, que para a provincia de S. Paulo não era na realidade lei. Tem-se atacado este principio dizendo-se, que tambem está sancionado (o que he verdade) que quando estiverem duas terças partes dos Deputados se póde fazer lei: eu assim o julgo, e tambem assim o julgará a junta de S. pau-

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lo; porém este principio he mui certo depois que a Nação está constituida, isto he depois que todos os cidadãos, pelos seus representantes, aqui expressárão entrar no novo pacto social com essa condição, mas em quanto isto não succede, em quanto o povo de S. Paulo não tinha pelos seus representantes consentido nessa condição, parece-me que nenhuma lei feita por este Congresso podia obrigar aquelle povo a estar por ella. Nem se diga que o povo de S. Paulo tinha jurado
as bases da Constituição; porque por isso mesmo que ella tinha jurado as bases he que estava certo, que nenhuma lei seria feita para elle sem estarem aqui os seus Deputados. Um illustre Deputado disse: elles constituirão seus arbitros aos Deputados europeos. Sr. presidente, nem por um instante passe este principio. Os Brazileiros jurarão esse novo pacto social que fizessem os Senhores deputados de Portugal reunidos com os do Brazil; isto sim, porém jámais os Brazileiros quizerão que uma só lei fosse feita pelos Deputados de Portugal unicamente para ser cumprida no Brazil. Os Brazileiros não querem os Portuguezes por seus arbitros, querem-nos por seus irmãos; querem que todos os Deputados, tanto no Brazil como em Portugal, promiscuamente tratem de todos os negocios politicos de ambos os hemisferios. Parece-me ter mostrado por estes principios que a junta de S. Paulo não estava obrigada a obedecer áquella lei; por isso que lhe faltava a clausula de ser a vontade dos cidadãos expressa pelos seus representantes em Cortes. O outro principio que confirma a minha asserção he, que a vontade geral de um povo não se deve fazer violencia. Este principio he verdadeiro, e eu o sigo constantemente. Agora a questão he de facto: e resta saber, se he a vontade geral do povo do Brazil que se não cumprissem aquelles decretos, que derão occasião á desobediencia da junta de S. Paulo. Eu pergunto: como he que se póde provar a vontade geral de um paiz? Será expressando os seus sentimentos reunidos muitos cidadãos, e fazendo representações ás autoridades municipais? Isto he o que fez o povo do Rio de Janeiro e S. Paulo. Será expressando os seus sentimentos por meio das juntas do governo das suas provincias? Isto he o que fez S. Paulo, Minas Geraes, e Pernambuco. Será por meio da imprensa? Isto he o que attestão os periodicos do rio de Janeiro, Bahia, e Pernambuco. Eu creio pois que sendo, como se não póde duvidar, a opinião geral do povo do Brazil, ou ao menos da maior parte delle, que se não désse cumprimento a esses decretos, e sendo a junta de S. Paulo o orgão dessa vontade, segue-se que pelo que obrou não he criminosa. Resta ver o modo como a junta de S. Paulo exprimiu estes sentimentos do povo. Eu jámais apoiarei as expressões de que se serviu a junta de S. paulo; ellas são improprias, são reprehensiveis, e eu jámais as apoiarei, antes lamento que não fossem mais comedidos. Por tanto acho criminosa a fórma das representações da junta de S. Paulo, agora se esta fórma de representações se deve considerar um tão grande crime, que mereça tomar delle um severo castigo em uma crise tão ardua, eu direi logo.
Vamos a outro ponto do meu discurso, se a conducta do Governo do Rio de Janeiro he ou não criminosa? Parece-me que não devo procurar se o he; devo logo dizer que o he. O decreto de 16 de Fevereiro não he das attribuições do Poder executivo, único que compete a S. A. R.: este decreto he contrario aos desejos de todo o brazileiro honrado, mas eu pouco me temo delle, porque confio que meus patricios só respirão liberdade; jámais consentirão arbitrariedades. Hoje o espirito publico do Brazil só respira liberdade, só quer um systema de governo que tenha por base a representação nacional, e a soberania do povo. Passemos a ver de quem se deve exigir a responsabilidade desta conducta do governo do rio de janeiro, e igualmente de não cumprir os decretos das Cortes. Muitos dos illustres Preopinantes tem querido attribuir isto á junta de S. Paulo; dizem, foi ella quem promoveu a desobediencia. Eu vejo que o decreto das Cortes de 29 de Setembro causou um choque electrico no Brazil. O Principe mesmo diz em uma carta a seu augusto Pai, que os decretos das Cortes causarão grande choque no Brazil; e em outra carta diz: "os povos do Rio estão fazendo representações, e esperão que cheguem as da junta de S. Paulo e Minas." Querem alguns que se peça a responsabilidade aos ministros por aconselharem o decreto. Tambem não acho nisto razão: o Principe diz nas suas cartas, que os mesmos motivos que o obrigarão a ficar, são os mesmos que o obrigão a convocar um conselho de procuradores geraes. Daqui se vê que não forão os ministros os que o aconselharão, e por isto não se lhes deve pedir a responsabilidade. A mesma Commissão confessa, que a ficada do Principe Real he devida a circumstancias extraordinarias, e a ninguem se deve imputar. Eu tambem digo que o que obrigou o Principe Real a fazer aquelle decreto, forão circumstancias extraordinarias, forão representações dos povos, e por isso a ninguem he imputavel. Dada porém a hypothese de que seja culpado o governo do Rio, e a junta de S. Paulo, será licito nas circumstancias actuaes, ou mesmo será possivel castigalos? Será justo punir-se a S. A R., o heroe do dia 26 de Fevereiro de 1821 no Rio de janeiro, o filho do Sr. D. João VI, o herdeiro do throno portuguez, o mimoso do Brazil? Será possivel castigalo? Será possivel castigar a junta de S. Paulo? Consentirá o Brazil no castigo do seu Principe idolatrado e no castigo daquelles que espressarão a sua vontade, isto he, a vontade de um povo immenso? Creio que ninguem duvidará que nem he licito, nem he possivel tomarem-se similhantes castigos; muito principalmente quando para se elle effectuar, ou havemos de ser demasiadamente rigorosos, punindo um sem numero de gente, ou então cairemos na parcialidade, e na injustiça, punindo a uns, e deixando outros talvez ainda mais culpados, se he culpa tudo isso que se fez. Por tanto assento que o Congresso não tem outra cousa a fazer, senão lançar mão da medida proposta pelo Sr. Serpa Machado, isto he, a amnistia geral, e não parcial como propõe a Commissão; porque então (torno a dizer) cairemos na injustiça, julgando a uns criminosos, e a outros não. A Commissão propõe a amnistia para os mencionados no pare-

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cer; porém o Congresso não tem remedio senão adoptala geral para não cair na parcialidade. Já se tem defendido sufficientemente a junta de S. Paulo combinando-se as suas representações com as da junta de Minas, com as do coronel Fontoura, com a dos Pernambucanos no Rio de Janeiro, do povo mesmo do Rio, da junta do governo de Pernanbuco, etc.; e se tem feito ver que se a junta de S Paulo he criminosa, tambem o são todas estas pessoas mencionadas. Por tanto não falarei mais sobre a junta de S. Paulo, e sim sobre o bispo daquella diocese: qual he a razão porque a Commissão incluiu o bispo de S. Paulo no processo, o não incluiu tambem o clero? A Commissão diz que o bispo usára de uma expressão que tem fins sinistros, e he esta: mais vale ser primeiro na aldeia que segundo na corte. Esta expressão tambem he do clero, pois a representação vem por elle assignada. Eu ainda acho mais expressivas as expressões de que se servírão os Pernambucanos, e de que se servírão outros, como o coronel Fontouro, o vice-presidente de Minas, etc.; e apezar disso não são mandados processar. Eu não accuso a ninguem, porém quero lembrar estas cousas para mostrar a desigualdade que ha no parecer da Commissão, e a injustiça que se faz ao bispo, convencendo-me cada vez mais da nullidade da medida proposta. O bispo foi mesmo muito limitado na sua representação, pois só pediu a ficada de S. A. R., quando as outras representações pedem mil cousas, e até algumas que são só proprias do Poder Legislativo, e com tudo vai o bispo para o processo, e outros muitos não! Sr. Presidente, se o que se fez he crime, muita gente está culpada; he um povo immenso criminoso, e como não he possivel castigar-se, vamos a amnistia, que assim fica tudo remediado. Este he o meu voto.
O Sr. Batata: - Sr. Presidente, posto que eu esteja altamente persuadido que he esforço baldado advogar e defender os negocios do Reino do Brazil; porque o grande numero e a torrente dos votos dos illustres membros Deputados de Portugal e Algarves, frustra e arrebata os poucos dos Deputados Brazileiros; e posto que seja evidente (com grande dor e magoa do meu coração o declaro) que os Deputados pela Bahia, não podem hoje ter voto livre nesta soberana Assemblea ... (e orador foi chamado á ordem pelo Sr. Moura e outros Srs. Deputados, dizendo lhe que era falso não lerem os Deputados do Brazil voto livre). Senhores (proseguiu o Sr. Barata), eu estou na ordem, ouça-se o que eu digo; e depois julgue o Congresso... (continuou a haver algum sussurro, que o Sr. Presidente fez cessar requerendo que te prestas-se attenção ao orador). Quem não gostar (proseguiu
o Sr. Barata) saia para fóra; isto he para quem quer ouvir. Digo que não podem hoje ter voto livre nesta soberana Assemblea os Deputados da Bahia por que representão um paiz debellado, e governado militarmente pelo despotismo do brigadeiro Madeira, contra o systema livre constitucional; e ninguem deve duvidar que depois das expedições militares para a Bahia, os clamores da representação brazileira, são vozes que clamão no deserto. Com tudo, como o Brazil he um Reino indivisivel e o Deputado de qualquer de suas provincias tem interesse no todo, sempre me aventuro a dizer meu sentimento para me justificar perante aquelles que de mim confiarão o cuidado e defeza de suas liberdades, de suas vidas, e de sua segurança. Eu pondo de parte, Senhor Presidente, todo este relatorio longo e severo, que serve de basse ao parecer da Commissão, que aliàs muito respeito; e só vou tocar naquiilo que póde roborar minhas opiniões. Não repitirei a opinião de um illustre membro que na preterita sessão affirmou que o Brazil devia adherir ao systema de Portugal, fosse elle qual fosse, só pelo acto de haver jurado a Bahia obedecer e abraçar a Constituição, que fizessem as Cortes em Lisboa. Não devo gastar o tempo em provar, que os homens só podem jurar para seu bem, e nunca para seu mal; e que quando se jurou a Constituição na Bahia, foi debaixo de condição tacita de lhe ser justa e conveniente pela igualdade de direitos: ninguem póde validamente jurar contra si; e quando jure, o juramento não obriga; pois he loucura: he principio certo de direito natural: Nemo tenetur se ipsum prodere. Em consequencia disto, não merece attenção tudo quanto se tem avançado a este respeito. Tão pouco combaterei a opinião do outro illustre Deputado, que defendeu haver distincção entre leis provisorias, e leis constitucionaes. Eu não posso conceber, Senhor Presidente, esta differença ou variedade de lei; porque sendo a definição da lei, a expressão livre da vontade geral, exprimida pelo voto dos cidadãos ou dos seus representantes, não sei como se possa admittir similhante discussão. Eu não entendo como he que ha lei que seja menos lei, ou mais lei do que outra lei: este direito não se conforma com as minhas idéas; para mim tanto obriga, e tanto he lei a provisoria, como a constitucional, uma vez que he lei, he uma só cousa, e obriga do mesmo modo. Em fim eu ponho tudo de parte, e vou de um salto ao parecer da Commissão; mas antes de entrar na materia, quero dizer duas palavras sobre um objecto dos mais importantes na presente discussão. Não approvo as virulentas expressões do governo do S. Paulo, nem de seu bispo, nem da camara do Rio de Janeiro, ou de outra qualquer corporação ou pessoa; pelo contrario muito as vitupero, e julgo desacordadas e desattentas: mas eu avalio dospresiveis como filhas de raiva e pertubação que tiverão aquellas provincias quando suspeitárão que lhes fazião ataques á sua liberdade e representação, e ainda as julgo mais inattendiveis por isso que forão dirigidas o S. A. o Principe D. Pedro, e não ao Congresso; aquellas corporações e autoridades, escrevêrao ao Principe; este mandou as cartas a ElRei; e Sua Magestade enviou-as ao Congresso: e que culpa tem aquelles que lhes confiárão em Sua Alteza? Eis-aqui porque digo que o melhor dos remedios he lançar um véo sobre todas estas queixas, e buscar só os meios de promover a páz e a união. E entrando já no parecer da Commissão, e falando com todo respeito e reverencia, digo que elle he impolitico, intempestivo, cruel, e anti-constitucional. He impolitico porque vai augmentar os males da Nação na fatal crise em que se acha; impolitico porque vai excitar uma guerra civil quando menos se póde sustentar: que forças temos

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hoje para emprahender uma guerra? A agricultura está arruinada, as artes e o commercio aniquilados; não temos população, nem marinha, nem navios; a Nação está acabrunhada com immensa divida, com moeda papel, e outras muitas desgraças: em fim he impolitico porque ha de infalivelmente fazer a scisão do Brazil: este Reino não poderá encarar com tal parecer se não como um ataque á sua honra, um desafio em desprezo de sua representação politica. He intempestivo porque não convem nas circunstancias actuaes, em que os homens tem os olhos abertos, e estão atentos para repulsar qualquer ataque feito ao systema liberal representativo: o Brazil sente sua influencia e seu poder, e não soffrerá nem leis metidas á força, nem ataques a sua dignidade, como parte integrante a mais consideravel do imperio portuguez. He cruel porque inculca uma especie de massacre o de Tessalonia. Como he que se ha de criminar e sentenciar a tantos Portugueses illustres daquella provincia, onde elles são adorados? E porque crimes? Por defenderem a representação e os direitos das mesmas provincias? Como he que se ha de executar um tão grande numero de homens; que de certo segundo o costume das justiças, arrattarão para os pertendidos crimes vinte ou trinta mil pessoas, ou todos os habitantes das provincias? Por ventura pertende o soberano Congresso despovoar aquelles paizes para depois dizer estas terras
são minhas; eu as quero só para nutrir serpentes e onças? Sr. Presidente, he preciso olhar para taes actos como para impossiveis, e buscar o caminho natural dos negocios da nação: sepulte-se tudo no esquecimento, e prevaleça a união. He inconstitucional porque não se póde com justiça forçar o Reino do Brazil, a seguir com fé implicita as vontades europeas, sem respeito aos votos de seus representantes que não se tem achado presentes. A lei, Sr. Presidente, segundo as Bases, he igual para todos. A Constituição não he alcorão que se pregue a força d'armas; e nem peças d'artilheria mudão opiniões. He grande erro pertender que as Deputações de Portugal sejão reaes, e as do Brazil virtuaes: não se póde duvidar que o Reino do Brazil ainda não se acha perfeitamente representado; eis-aqui a origem das queixas e das desordens: todos os decretos até aqui exarados tem considerado aquella parte da nação como passiva; o que he diametralmente opposto á igualdade natural e associação politica dos dois hemisferios, que deve ser voluntaria para não ser tyrannica. Tomando o caracter distinctivo de um verdadeiro Deputado, que he dizer a verdade nua e crua, como bem advertiu o illustre membro Sr. Moura na preterita sessão, continuo a falar sobre cada um dos sete artigos do parecer da Commissão, expondo francamente minhas opiniões, e apontando as reformas que he preciso fazer nos ditos artigos.
Diz o 1.º artigo (leu). Este artigo, Sr. Presidente, manda fazer aquillo mesmo que já se conhece ser prejudicial; isto he, ordena ao Governo que infallivelmente faça estabelecer nas provincias socegadas, juntas administrativas pelo methodo do decreto do 1.º de Outubro passado, que desgraçadamente tem desordenado as outras provincias, e o mesmo acontece com
o decreto de Setembro, que manda retirar S. A. R. e extinguir os tribunaes. São estes dois decretos que tem escandalizado (além do mais) aquellas provincias, e introduzido nellas a geral desconfiança, e resistencia. Ora se isto he verdade de facto, como he que ainda se ordena arbitrariamente que se continue com tal pratica? Porque não ha de o soberano Congresso reformar estes decretos, que tantos males tem causado? Por ventura não se revogou o decreto das aguas ardentes do Porto em menos de um mez ou dois de pratica? Porque não se hão de annullar estes que por nove mezes tem feito tantos damnos? Sr. Presidente sapientis est mutare consilium: he opinião de grandes sabios. Os povos do Brazil escrevem, queixando-se daquelles decretos, como os que tem desorganizado as provincias: elles clamão, que tirar das juntas administrativas a autoridade sobre o governo das armas, e juntas da fazenda, he a origem primaria de todas as desordens. Porque não se ha de fazer a vontade ao Brazil? Conhecer o engano, e perseverar nelle, he loucura. Já os Brazileiros se queixão abertamente que isto tem sido feito de proposito para introduzir a desordem nas provincias, fazer a solução do nexo dos cidadãos, a fim de que facilmente sejão dominados; as cartas vindas do Brazil dizem isto mesmo, e estão cheias de queixas contra aquelles decretos, e de ameaças que annuncião desordens e males mui proximos. He pois necessario não attender ao l.º artigo do parecer da Commissão, e reformar o decreto do 1.º de Outubro, ordenando que tanto a junta da fazenda, como o governador das armas, fiquem sujeitos, e obedientes as juntas administrativas. O 2.º artigo do parecer da Commissão he tambem inadmissivel, porque he impraticavel: elle ordena ao poder executivo mande processar e julgar a junta de S. Paulo, o bispo, a camara do Rio, os quatro que assignárão o discurso dirigido ao Principe, etc. Eis-aqui sr. Presidente, o que eu não approvo: esta ordem de certo compromette o governo, que ha de ver-se embaraçado por todos os lados; e ainda suppondo que o governo quer mandar fazer isto, como he que o ha de fazer: não basta ter direito para fazer uma cousa he preciso ter força para sustentar esse direito. E por quem ha de elle mandar formar esse processo? E como o hão de ir lá arrancar? Estas difficuldades, Sr. presidente, me parecem invenciveis. Supponhamos que se faz aqui mesmo; que embaraços não apparecem em um negocio onde esta compliado S. A.? Onde ha mil obstaculos insuperaveis da parte do clero, e de provincias inteiras, que mostrão estar prontas a resistir? Mas demos que tudo se conclua. Qual serão effeito da sentença? Sr. Presidente, isto vale o mesmo que mandar o Santo Padre, em Roma, uma bulia ao Imperador da China para conformar-se com ella: taes ordens não podem ter bom exito, e só poderão provar a fraqueza do governo que as decreta. O verdadeiro he lançar um véo sobre tudo, e contentar os povos que pugnão pelos seus direitos, e fazer a união de que tanto precisamos. O 3.º, e 4.° artigos são indifferentes para mim; por isso não me cançarei com elles; parece-me que vão incluidos no 2.°: passo adiante.
Quanto ao 5.º artigo convenho nessa responsabi-

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lidade dos ministros: eu me temo dos ministros mais pequenos sem responsabilidade, quanto mais dos ministros de Estado. Desejo que essa gente seja apertada pelo bem ou mal que fizer; portanto não vou contra o artigo. Convenho tambem no 6.° artigo, e até me parece que era o parecer que primeiro se devia ter discutido: mas vamos adiante. Agora entramos no 7.º artigo: este tem uma espinha dura, e aguda, que he precito arrancar-lhe: a materia he intrincada, mas não ha remedio senão ir a ella, e falando com a franqueza propria de quem professa verdade pura, digo, Sr. Presidente, que este artigo precisa de tres emendas: a primeira deve ser feita, accrescentando a palavra conveniente antes da palavra acto; deve pois dizer-se: até á publicação do conveniente acto additional. E isto he para que não pareça aos Brazileiros que lhes querem metter um acto addicional, que lhes não convenha: o Brazil está desconfiado e ardente pela quebra de sua representação, e dignidade: elle examina tudo, e receia tudo; he por isso necessario que conheça pelas palavras a sinceridade das deliberações, alias a desconfiança trará a desohediencia: todas as cartas vindas do Brazil trazem mil queixas; os Brazileiros já estão persuadidos que o systema he mar de boas palavras, e promessas, em quanto de facto se introduzem tropas para os subjugarem: esta ideia he triste, he preciso desvanecela. A segunda emenda do artigo recahe sobre o ficar S. A. governando as provincias do Brazil com mais ou menos amplitude; aqui he precisa fazer a refórma que se segue - governando todas as provincial, isto he, o Reino do Brazil in solidum, com sujeição, etc. - isto me parece absolutamente necessario não só para que brilhe mais a grandesa do herdeiro do septro portuguez, e se promova a consistencia, união, paz, e fraternidade dos Brazileiros, mas até pare se extinguir a desconfiança que voga no Reino do Brazil, de que o querem dividir, e subdividir para se entregarem, e enfraquecerem as provincias, e os cidadãos, a fim de que, ficando tem nexo, possão ser facilmente dominados. A terceira emenda recahe sobre as palavras - nomeados por EIRei - deve dizer-se - nomeados por S. A., e approvados por ElRei. - Isto deve-se fazer para afastar o ciume de que nos querem mandar tudo de Portugal, segundo o antigo systema do velho despotismo. Os povos estão medindo os passos, e as acções do governo, e receião-se da tyrania. Tão pouco não posso admittir o parecer em separado do illustre membro o Sr. Moura. cujas luzes muito respeito. Diz o parecer que S. A. devo regressar já, e já; e que sua delegação deve cessar immediatamente; hoc opus, hic labor est. Minhas opiniões, Sr. Presidente, são mui differentes: estou persuadido que S. A. só voltará por sua vontade, e não ha meios para o forçar; supponhamos que o mandão vir, elle diz: não quero! Que se lhe ha de fazer? Eu não vejo remedio. Supponhamos que se põem as roupas em figura de rompimento. S. A. he moço ardente, fogoso, e pronto para tudo, e além disto ha de ter algum lisongeiro que o estimule, e que lhe sopre o veneno da lisonja, dizendo-lhe: Senhor, Vossa Alteza não deve ir; aqui póde ser muito grande, e nada lhe falta, e talvez que em Lisboa não lhe vão bem os negocios, etc., etc.: e S. A. teima, e não volta. Que fará o Congresso? Supponhamos que manda uma esquadra, a náo D. João VI, a fragata D. Pedro, e outras embarcações; neste caso S. A. mandará contra ellas a não Martinho de Freitas, a frugata União, e mais quatro. Eis-aqui uma guerra civil começada entre as duas partes da nação! A S. A., Sr. Presidente, nada falta, elle tem soldados, tem marujos inglezes, francezes, americanos, dinheiro, e soccorro de braço forte, e ainda tem outros meios, que eu de proposito não explico. Concluo pois que volte o parecer a Commissão, e que seja reformado, ordenando-se tres artigos, 1.º, novo arranjo das juntas administrativas no Brazil, ficando o governador das armas, e a junta da fazenda sujeitas as ditas juntas administrativas, ou governativas, como erão dantes e derrogando-se já o decreto provisorio do 1.° de Outubro passado: 2.° que se remettão ao silencio os procedimentos da junta do S. Paulo, bispo, camara do Rio etc., cobrindo-se prudentemente tudo com o véo do esquecimento: 3.º que se refórme o decreto de Setembro, conservando-se o Principe como centro do poder executivo, governando todo o Brazil como um Reino indivisivel, apagando-se desta arte as idéas de desconfiança, terror, e dominação, que tanto agitão aquelle Reino. O contrario disto, Sr. Presidente, he declarar guerra ao Brazil; he querer derramar o nosso sangue. Se o soberano Congresso não fizer as refórmas indicadas, se este parecer da Commissão for approvado, e chegar ao Brazil na fórma em que se acha, elle será o grito de alarma; será um tambor, tocando a rebate, e chamando as armas por toda a parte. Se tal succede, Sr. Presidente, estamos perdidos; e que faremos nos Brazileiros? Nada mais nos restará, senão chamarmos a Deus, e a Nação por testemunha; cobrirmo-nos de luto; pedirmos nossos passaportes, e irmos defender nossa patria.
O Sr. Pessanha: - O discurso do illustre Preopinante depõe plenamente contra a falta de liberdade, que o mesmo Sr. tem querido inculcar; assim passarei ao ponto em questão. Se as pessoas que a Commissão designou, como havendo lugar contra ellas a formação de causa, se tivessem limitado a pedir ao Principe Real a suspensão dos decretos de 29 de Setembro, e do l.° de Outubro, sem que tivessem excedido os limites da justa petição; e se o Principe annuisse até á definitiva decisão do Congresso, nada haveria de reprehensivel em similhante acto, porque esse arbitrio deveria ser admissivel em tal distancia; a ma fé porem da junta de S. Paulo se deprehende dos motivos que leve a ousadia de suppor no augusto Congresso, quando elle sanccionou esses decretos; quando os verdadeiros motivos erão bem notorios no Brazil, e os expoz em toda a sua luz o presidente da camara do Rio de Janeiro, na fala que fez ao Principe Real; e essa má fá da junta evidencea-se muito mais no modo insidioso por que ella a tratou, de interessar na sua causa o Principe Real, expondo-lhe perigos da sua pessoa, se cumprisse o decreto, que ordenava a sua volta para a Europa, onde lhe pintárão seu Augusto Pai como privado da liberda-

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de por um partido. São notaveis as palavras da junta, e sobre tudo as da população ao Principe Real. As palavras da junta são as seguintes: «Rogamos a Vossa Alteza Real haja de suspender a sua volta para a Europa, onde o querem fazer viajar como um pupilo rodeado de aios, e de espias. As da deputação são deste theor: A traição, e a perfidia roubárão-nos seu Angusto Pai. E mais abaixo: - Quando este paiz foi esbulhado do benefico fundador do Imperio brazilico, o Sr. D. João VI., os menos perspicazes em politica vírão no seu regresso para Portugal o complemento dos projectos, que alguns facciosos tinhão de antemão secretamente urdido para o conservarem debaixo do jugo, e melhor o escravisarem; desde então prevírão a prizão funesta que o aguardava. Hoje que V. Alteza Real he chamado com o frivolo pretexto de viajar para instruir-se, crê o governo, a camara, clero, e o povo de S. Paulo, que igual destino aguarda a Vossa Alteza Real, pois os conjurados, que abusárão da boa fé do soberano Congresso, nunca lhe podem tributar o menor amor, e respeito.» Ora eis-aqui a mais atroz calumnia, não só ao Congresso, mas a todos os Portuguezes da Europa, a qual só se póde lavar com sangue. Como ousa a deputação de S. Paulo attribuir a traição o regresso de Sua Magestade para Portugal? Podia um tal acto ter qualificado por traição? Não foi elle antes o desempenho da palavra real, tantas vezes compromettida, de que Sua Magestade havia de regressar para Lisboa? A traição existiu nos aulicos, que arrastrárão Sua Magestade para o Brasil em 1807, sem que se tivesse feito a menor tentativa pela independencia nacional: uma similhante retirada deu á Europa a mais triste idéa dos Portuguezes, porque delles o Governo pareceu nada confiar; então os manes de D. Affonso Henriques, e D. João I., corárão de vergonha, sendo precisos seis annos de sacrificios, e triunfos para restaurar Portugal á sua antiga fama. Similhante acto de cobardia não póde ser attribuido a EIRei, o qual pelo seu regresso a antiga séde de seus maiores, acto espontaneo de sua unica vontade, assás mostrou que elle tudo confiava de peitos portuguezes. Chamo por testemunhas Portugal, e o mundo inteiro, para que deponhão te houve já mais um Rei, que desfructasse mais liberdade, porque essa prizão honesta a que alludem os de S. Paulo, he na verdade o maior respeito, e amor, que em tempo algum subditos consagrárão ao seu legitimo Monarca, por isso mesmo que o céo nunca mostrou á terra um Monarca, que fosse tanto de accordo com os votos dos seus subditos. Os Srs. Deputados que defendem os de S. Paulo, conhecendo que os não podem lavar da nota de revoltosos, recorrem para justificados ao direito de resistencia, sem se lembrarem que a resistencia apenas póde ser admittida contra os actos do Poder executivo, quando este excede as attribuições que lhe estão marcadas pela lei; por exemplo, se um magistrado me ordena que vá á sua presença, para responder a um libello accusatorio, devo comparecer, porque a lei autorisa o magistrado para me chamar a esse acto; mas se o magistrado me mandar chamar para que lhe vá descalçar as botas, cousa a que a lei me não obriga, posso responder-lhe que não quero, e resistir ao official que me quizer levar por força: seria porém um absurdo admittir a resistencia contra os actos do Poder legislativo, por que competindo a esse poder regular os direitos, o deveres do cidadão, a admissão desse direito de resistencia contra esse poder, seria o mesmo que tornar o individuo superior ao poder, que deve regular as suas acções. Quanto ao Principe Real, direi que só as perfidas insinuações da junta, e deputação de S. Paulo, de que já falei, as quaes lhe expuzerão o risco de sua liberdade, podem diminuir a imputação, que deve resultar-lhe da sua rebeldia á legitima auctoridade das Cortes, e d'ElRei seu Pai; visto porém o máo uso que o Principe tem feito da sua autoridade, sou de opinião que esta autoridade lhe deve ser tirada, e elle mandado recolher a Portugal: embora se conceda aos povos do Brazil a delegação, ou delegações do Poder executivo, que elles parecem desejar, as quaes devem ser confiadas a outras mãos.
O Sr. Fernanda Thomaz: - Sr. Presidente, eu não fazia tenção de falar sobre esta materia, porque realmente até não podia falar; mas pelas opiniões que vi hoje emittir com mais clareza neste Congresso, assentei que era do meu dever dizer francamente o que entendo. Houve tempo em que no Congresso quasi que se commettia um crime em falar com tal ou qual franqueza a respeito dos negocios do Brazil; eu mesmo fui algumas vezes chamado á ordem por isto, outros o forão tambem; todavia esta epoca desgraçadamente passou porque as circunstancias levão os negocios publicos a ponto, em que não ha remedio se não tratar estas cousas com toda a clareza; e acabar por uma vez de te decidir isto; porque estas cousas não podem conservar-se na mesma incerteza em que até agora se tem vivido. Se em outro tempo fosse permittido falar com franqueza, talvez, talvez que o parecer da Commissão que mandou suspender o juizo do Congresso a respeito da junta de S. Paulo, não tiveste passado; talvez que então se fizesse o mesmo a que eu vejo inclinada a assembléa; talvez que os males do Brazil não tivessem chegado ao ponto em que se achão. A junta de S. Paulo então decretada de accusação, sujeita ao poder da lei, apresentaria ao Brazil o modo porque havião de ser tratadas todas as juntas e todas as pessoas individualmente, que a imitassem nos seus sentimentos. Não se fez isto, deixou-se engrossar o partido (falo com esta franqueza porque sei que me he permittido; a espada de Madeira não me atterra); desde aquella epoca para cá, he que as cousas do Brazil se tem adiantado. Se então eu falase a respeito do parecer da Commissão, e da justiça com que elle foi dado, poderia talvez ser digno de censura; mas eu falo hoje porque a experiencia ensinou, e as circunstancias e acontecimentos do Brazil mostrárão que o Congresso espaçando o seu juizo sobre a junta do S. Paulo, não andou bem. Entre tanto he preciso hoje tratar das cousas no estado em que ellas se achão. Não falarei da representação da junta de S. Paulo, nem de lhe fazer mais ou menos como tem pretendido alguns dos illustres Preo-

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pinantes. Todos tem falado a este respeito com tal força de raciocinio que não se pode duvidar que a junta de S. Paulo he criminosa. Certo nestes principios direi o meu parecer a respeito della, e falarei tambem já que a occasião o pede a respeito do regresso do Principe Real para Portugal ou da sua conservação no Brazil. Tratarei ao mesmo tempo dos objectos que me movêrão a falar hoje e vem a ser aquelles de que principiou a tratar o meu illustre visinho o Sr. Soares Franco.
Todos os Srs. Deputados do Brazil nos tem querido persuadir de que no Brazil se quer a união com Portugal: elles mesmos, todos os dias, nos dizem isto.
«Nós (dizem elles) ambicionamos a união com Portugal, conhecemos a necessidade e utilidade della, e por isso fazemos os votos mais ardentes por esta união.» Mas ao mesmo tempo que elles falão assim ha nelles outro modo de se exprimirem que he quasi o da junta de S. Paulo, e aquelles dos Srs. Brazileiros que assentão que o Brazil he seu indicão verdadeiramente um methodo contrario.» O Brazil he nosso (dizem elles), as leis feitas para Portugal não hão de aqui ter entrada; nós somos Brazileiros differentes dos Europeus.» Digo eu agora: eis-aqui destruida a união, desde que se parte deste principio. Um dos illustres Preopinantes disse. Eu hei de morrer pela minha patria.» Eu não sabia que dentro deste Congresso onde estão cento e tantos Deputados, tinha cada um diversa patria. Attentava que havia uma patria commum para todos; uma vez que os illustree Deputados do Brazil considerem o Brazil sua patria, como querem persuadir-nos que desejão a união? Estabelecido este principio, desde logo está estabelecido no seu coração o germen, e principio indestructivel da desunião. Os Srs. Deputados do Brazil partem de um principio falto absolutamente, e se não digão onde forão buscar esta propriedade do Brazil? Donde lhe vem o dizerem o Brazil he nosso? Porque nascêrão lá? Tambem lá nascêrão os Indios. Porque descendem de Portuguezes? Lá estão muitos Europeus que não nascèrão lá e que o habitão; será destes tambem o Brazil? Que direito tem os senhores Brazileiros nascidos no Brazil para dizer aos Europeus que se vão embora? O mesmo direito tem os que lá estão. De quem se, e de quem foi sempre o Brazil? Da Nação inteira. Depois que ElRei elevou o Brazil á categoria de Reino estabeleceu algum marco de separação entre o Brazil e Portugal? Donde vem o principio de divisão; onde se ha de ir buscar essa differença de direitos que os Deputados do Brazil tem pretendido estabelecer? As distancias fazem com que a legislação applicada ás diversas provincias de Portugal, não possa applicar-se a todas as provincias do Brazil; mas, dizem os Brazileiros, o Brazil he nosso, não podeis legislar para cá. Porque? Pois podemos legislar para a Beira, Minho, Trás-os-Montes, e não podemos legislar para o Brazil! Quando perdeu Portugal este direito? Ou nunca o teve, ou ainda o conserva hoje. Qual he o ponto fixo, donde nós os Europeus podemos, e devemos considerar que não temos poder de legislar para o Brazil? He preciso advertir que os Srs. Deputados do Brazil, e os Brazileiros que seguem os mesmos principios, transtornão o nosso systema constitucional porque admitem por base que o Brazil he uma Nação, uma patria separada. Legislem para ca, dizem elles mais, mandem para cá os seus decretos, são o mesmo que bullas do papa para a China. Nesse caso, respondo eu, veremos só são bullas do papa para a China. Entre tanto isto não ha de fazer com que percamos de vista o nosso dever, e que consideremos o Brazil como uma parte da Monarquia. Elle he, por assim dizer, uma continuação de Portugal: he tanto meu como de cada um dos Deputados daquelle paiz; he tanto meu como he a Beira, o Minho, etc. Até agora, o que tem mostrado a experiencia he que naquellas terras em que o espirito publico se póde desenvolver com mais liberdade, a maioria das opiniões he contraria aos sentimental que aqui tenho ouvido manifestar, e que se dizem são sentimentos do Brazil: vejão-se as representações que vierão de Pernambuco em quanto se conservou ali a liberdade politica e civil; vejão-se os officios da Bahia onde hoje não está comprimido o espirito publico; veja-se como ali a maioria das opiniões he a favor deste systema ... de outra parte he evidente que ha no Brazil pessoas publicas que atacão as Cortes e sustentão os principios da desunião: até já li nos papeis publicos que se chamão amaldiçoados os dias 24 de Agosto e 15 de Setembro; já li que o tratado de l810 foi o tratado mais vantajoso a Nação portugueza. Estas e outras idéas similhantes he que dão a entender que te quer voltar ao antigo despotismo. Não attribuo aos illustres Deputados este desejo; entre tanto elle manifesta-se mui claramente no Brazil. No Rio da Janeiro tem-se perseguido todos aquelles que querem falar a favor das Cortes, e da união com Portugal. Eis-aqui a razão porque te diz que a opinião do Brazil he geral a favor da conservação do Principe, a que todo o Brazil ha de fazer causa commum a favor da junta de S. Paulo; mas creio que os illustres Deputados que assim pensão te illudem, porque o que eu vejo he que os fundamentos das suas queixas forão os decretos de 29 de Setembro e l.º de Outubro, e estes, pela maior parte, forão observados em todas as terras onde não houve embaraço dos que se querião conservar no governo: todos fizerão as eleições pelo modo que as Cortes determinarão. Não tratarei agora da questão que aqui se tem agitado, se as Cortes tinhão ou não poder para fazer esses decretos, visto que ano estavão só todos os Deputados do Brazil. O que sei he que o Brazil desde que jurou as bases até á epoca em que apparecêrao os decretos, nunca disputou da autoridade das Cortes e da autoridade com que as Cortes legislarão: sempre se apontou até então que o Congresso Nacional estava aqui. Todas as terras mandárão os seus representantes e ninguem duvidou que o Congresso tivesse poder de legislar. Mostre-se-me um unico facto pelo qual o Brazil, uma só provincia do Brazil, ou S. Paulo mesmo duvidasse da autoridade e poder com que as Cortes legislavão. Só depois que se extinguírão os tribunaes, o que se mandou retirar S. A. R. he que apparece esta resistencia ...

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Os Brazileiros não querem lá força, porque querem dizer e fazer o que quizerem (apoiado, apoiado): mas como podem os illustres Deputados que se affirmão que he um mal ir força para o Brazil, conceber que exista soberania sem força. Soberania tem poder, soberania sem força não entendo. Se o homem fosse capaz de se guiar pela razão, e pela lei natural, esta seria bastante, e tudo iria bem; mas isto não se verifica na sociedade; quasi todos querem abusar do poder, quasi todos buscão o seu interesse ainda que seja com prejuizo do interesse dos outros. Portanto conceber sociedade sem soberania, soberania sem poder, e poder sem força, he um absurdo: os senhores Brazileiros assentão que podem governar-se sem força alguma: governem-se muito embora: eu não lhe envejo a sua sorte, porque declaro que não quero viver onde essa força não existir, pois não desejo fazer só a minha vontade, mas a da lei. Outro ponto que aqui tambem se tocou, he o do direito de resistencia. Esta questão foi tratada maravilhosamente pelo Sr. Pessanha: accrescentarei que os factos que se produzírão, da Inglaterra, são só a respeito do Poder executivo, porém a questão he a respeito do Poder legislativo, da soberania da nação que está representada. Portanto concerder-se a cada individuo o direito de rebelar-se contra a lei, he no meu entender, a cousa mais estranha que ha. Na Inglaterra permitte-se a qualquer homem resistir com a força ao official ou agente do Poder executivo, mas a doutrina contraria a respeito do Poder legislativo acha-se estabelecida no parlamento de 1689. A resistencia he legitima quando o todo da nação a emprega, e usa della em primeiro lugar; e em segundo lugar, quando a necessidade absoluta em que a nação se acha o exige; porém são vedados estes meios quando ha outros para fazer com que o Poder legislativo cumpra os seus deveres como o meio da representação, etc.: o permittir-se á resistencia ao Poder legislativo indistinctamente seria arruinar pelas suas bases o edificio social. Em Inglaterra nunca foi permittida tal cousa, nem he possivel que o seja. Póde argumentar-te com exemplos, póde dizer-se que a America ingleza resistiu ao Poder lagislativo de Inglaterra, e não quiz sujeitar-se; mas a America ingleza era uma colonia, não tinha representantes no Congresso. Os Srs. Deputados do Brazil representão aqui o Brazil e a nação toda, assim como eu represento o Brazil, e a mesma nação; por isso existindo aqui representantes de toda a nação nunca se póde admittir que seja licito resistir assim a uma determinação do Congresso nacional, feita pelos seus legitimos representantes. Quem dera aos americanos inglezes que se lhe concede-se representação ao Congresso; talvez se não levantassem. A razão da sua queixa era impôrem-se-lhe tributes, e mandarem-se leis sem elles serem representados. Por tanto o exemplo dos americanos inglezes nada prova.
Depois de ter falado sobre estes dois objectos, não ha remedio senão falar sobre o parecer, relativamente a junta de S. Paulo. Já disse que quem examinar
bem a representação da junta de S. Paulo, não póde deixar de dizer que ella he criminosa. Em consequencia he impossivel não admitiir que sendo crimmosa seja processada. Tem-se pertendido modificar este voto, dizendo ou pertendendo mostrar que o Congresso não tinha autoridade para decretar de accusação a junta de S. Paulo. Ora o Congresso tem decretado aqui de accusação muitas outras autoridades publicas, que exercitão poder; como não ha de decretar de accusução a junta? Além disto, supponho que não ha Congresso algum que não tenha este poder: em todos os Congressos he sempre permittido decretar de accusação uma autoridade que abusa do seu poder; e de certo o Congresso a quem se negasse esta autoridade, olharia muito pouco pelos interesses da Nação; porque quanto maior he a pessoa, junta, ou corporação que tem abusado do poder, mais necessidade ha que no Congresso resida autoridade de a decretar de accusação. As razoes que se derão para modificar a idéa de crime nas expressões e procedimentos da junta, são cousas muito boas para se allegarem perante os juizes, perante o poder judiciario, o qual lhe ha de dar a importancia verdadeira, e ha de attender ás desculpas da junta; mas dizer-se que a junta de S. Paulo não deve ser processada, isso não; são incalculaveis os inconvenientes que dahi rusultarião. O direito de petição com que pretendem autorizar as suas expressões, não póde estender-se ao ponto a que ella o levou, e desgraçados de nós se tal cousa fosse permittida. Em Inglaterra todos sabem o modo porque se requer ao parlamento: elle não deixaria passar, sem um severo castigo a representação de qualquer pessoa, ou pessoa, ou pessoas que excedessem os termos civis da moderação com que deve requerer-se á primeira autoridade que representa a Nação; por isso sou de parecer que se procede a junta de S. Paulo. Diz-se contra isto que todas as outras terras hão de tomar partido por ella. Não sei o que ellas farão; mas ou tomem ou não tomem, isto não altera nada os principios de justiça com que o Congresso deve proceder. A justiça punitiva satisfaz-se com a imposição da pena, ainda que esta não tenha lugar. A Nação fica satisfeita com o juizo que se formar a respeito da junta.
Quanto ao Principe Real, não pode dizer-se a respeito delle mais do que se tem dito. Eu desejava muito que ella não tivesse dado causa a tanto falar; desejava que não se tivesse esquecido tanto dos seus deveres que por mais que aqui se diga para o desculpar, não he possivel consideralo sem culpa. Ha um juiz superior ao Congresso, e juiz sem ser o Eterno - a historia do mundo. Por mais que fação e digão para desculpar o Principe, elle pertence todo a historia: ella o ha de julgar.... Partindo deste principio que he o que nos resta a fazer? - justiça; não ha conveniencia alguma a que esta deva ceder; deve-se fazer justiça. Quem a deve fazer? - o Congresso. Deve determinar-se que se cumprão os decretos das Cortes; que o Principe venha para a Europa; que obedeça, mostrando nisto que he constitucional. O mais são palavras. Dizer: eu sou constitucional, e desobedecer á primeira autoridade que está fazendo a constituição, isto he uma contradictor manisfesta. Demais, como he possivel que o Principe fique no Rio de Janeiro, e continue a governar as outras provincias. Primeiramente não sei se Minas quer ser governada

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por elle, ou não; não sei se a maioria dos que habitão essas tres provincial que elle governa quer ser governada por elle, fazendo S. A. o que faz. En, se lá estivesse, não sei o que faria. Por isso não sei como o Congresso quer que elle continue a governar povos, que talvez não queirão ser governados por elle. Depois como ha de o Principe lá viver? Onde estão as rendas publicas para os seus tribunaes, aquelles seus tribunal tão queridos? Como ha de pagar áquelles empregados, se as outras provincias lhe não obedecem e lhe não mandão dinheiro? Se o Congresso está na resolução de o deixar lá ficar, seria uma injustiça negar-lhe os meios, e proporções para isto; deve mandar-lhe dinheiro, e determinar que as outras provincias lho dêm. Oh! dizem os senhores do Brazil, se o Principe sáe, eis a guerra civil! Pois então, digo eu, até aqui as outras provincias não querião nada com o Principe, não lhe davão real; e agora se vier para Portugal, ha de haver guerra civil? Nunca se pensou lá nesta guerra até que appareceu o decreto! Está-me a lembrar o que se passa na Bahia: os tropas são más, porque são commandadas por Madeira; não o erão em quanto as commandava Manoel Pedro. Antes do decreto, e em quanto se não mandou vir o Principe, as juntas erão boas, agora que elle foi mandado regressar, as juntas são más! Por tanto deve o Principe vir, e deve-se-lhe marcar tempo para que venha, porque se elle he herdeiro do trono portuguez, he preciso que dê provas de que quer subir um dia a este trono, e que se deixe lá de dizer: nós os Brazileiros. Venha para cá, para se lhe tirar a occasião de continuar a fazer o que tem feito. Marque-se-lhe o tempo razoavel para o seu regresso, venha para Portugal, e as Cortes resolverão o que mais convier. Eu tambem sou de parecer, que se acaso elle pela sua conducta mostrar os desejos que tem de emendar-se, e obrar com acerto, não terei duvida em que o recebamos com os braços abertos; se porém mostrar o contrario, não sei como será isto, porque em fim os nossos principios constitucionaes a respeito da Casa de Bragança não são estabelecidas hoje, datão de 1640; então se disse, e ficou demonstrado, que a Nação tinha direito de depor os Reis quando elles não se conformassem com os interesses da mesma Nação. Esta foi a base com que foi chamada ao trono a Casa de Bragança. E se estes forão os principios, que naquella época se seguírão, hoje que as idéas são mais claras, e que os povos são mais illustrados, não podemos seguir outros.
Voto pois que se decrete um prazo, dentro do qual o Principe torne para Portugal, mas que se lhe não ponha comminação, porque espero que volte, obedecendo ás ordens das Cortes, e usou por, de quem virá e aprender as bellas lições de um Rei amante de seus povos, e verdadeiramente constitucional. Este he o meu parecer: o Congresso decidirá o que for melhor.
O Sr. Pinto da França: - Sr. Presidente, o parecer da Commissão dos negocios politicos he que tem sido objecto desta discussão, e he sobre elle que V. Exa. ha de exigir a votação. Eu tive a honra de ser um dos Membros desta Commissão; e por isso assignei o parecer, e delle me apartei em um artigo. Por consequencia, em quanto eu não estiver persuadido que ha fortes razões para desvanecer as minhas, eu devo sustentar o meu parecer: quantas se tem produzido são sublissimas, mas não me tem feito miudar do opinião. O illustre e honrado Membro que acabou de falar, se serviu de uma expressão que me lembra tomar por thema: o Brazil he uma continuação de Portugal? Que cousa he falar de Brazil, e Portugal? Ponha-se um dia termo a estas differenças. O Brazil he verdadeiramente uma continuação de Portugal; miseraveis daquelles que tem tido outras idéas, miseraveis! Essas não nascêrão de portuguezes, que tem enchido de gloria o mundo inteiro.... Que sou eu? Sou uma continuação desses Portuguezes que passárão de Portugal ao Brazil; que sou eu quando me lembro dos Portuguezes? Lembro-me de povos esforçados, e industriosos, de que eu descendo, e que levárão a luz da religião, a polidez, e as sciencias ao fertil Brazil, onde eu vi pela primeira vez o luz do dia, ao Brazil minha odorada patria. Que sou eu quando contemplo os Portuguezes, como já contemplou um illustre Deputado, arrajando para muito além dos Pyricoos esses poderosos exercitos, que no momento, em que aterravão o mundo, vierão pela segunda vez tentar o dominio da cidade, fundação do sabio Ulisses? Que sou eu? Sou irmão desses mesmos Portuguezes da Europa, sou irmão disses Portuguezes do Brazil, desses bravos Parsenses, que nesta mesma época ao través de mil difficuldades com o maior denôdo forão tomar as terras daquellas que querião conquistar a sua mãi patria. Como pois poderia eu votar pelo parecer da Commissão, e como votarei eu agora, depois de estar possuido por este amor da patria? Passo a reflectir sobre o parecer da Commissão; o Sr. Serpa Machado principiou, analysando desta maneira: temos no parecer da Commissão a examinar: 1.º se existem crimes: 2.º quem são os criminosos para serem punidos: e 3.º saber-se o remedio que se ha de applicar a estes males.
Vamos ao 1.° ponto: se existem crimes. O quanto esta questão foi debatida, me dispensa de mais falar, e até me parece difficultoso o accressentar mais, ás que tão sabiamente se tem dito pois que nem sempre = facile est inventis addere. = Em resultado da analyse do 1.° ponto, achou-se que havia crime; porém, quem são os culpados? e he o 2.º ponto. Apparecem todos aquelles que representárão, e daqui se collige, que todos devem ser punidos. He bem sabido, que quando o crime envolve grande numero de pessoas, apenas se deve procurar saber quem são as pessoas para se lhe applicar a pena, e minorar quanto foi possivel o numero dos criminosos: esta foi a marcha, que a Commissão seguiu em todos os teus passos; o nenhum dos illustres Preopinantes que tem falado, deixará de concordar com isto: nesta fórma mesmo, e na sua essencia, a culpa não foi igual, e por isso para que a justiça fosse igual era preciso, que houvesse differença entre ella. He bem natural, Sr. Presidente, que eu estremecesse quando aqui ouvi falar de parcialidade, mas tenho essa segurança de mim mesmo, e do meu proprio caracter para dar a

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taes expressões o merecido valor: demais não conheço dos individuos em questão mais do que um dos membros da junta de S. Paulo; prodigalizou-me a sua amizade, paguei-lhe, como pude, com a minha; e he verdade que me foi penoso ser Membro desta Commissão. Com tudo eu dei mais uma prova de que sou digno de me sentar neste Congresso, quando assignei aquelle parecer. Eu e o Sr. Ledo meu illustre Collega diffirimos de opinião, nós nos contentavamos com dizer-se ao Governo, que procurasse saber na conformidade da lei, e com a prudencia, que as circunstancias exigissem quaes forão os cabeças ou cabeça, etc. Estas palavras, Sr. Presidente, eu as vou ligar com o ultimo ponto, isto he, com o remedio que se deve applicar, e que eu julgo ser o ponto principal: e qual remedio se poderá dar? Procedendo-se immediatamente contra todos aquelles homens? Decretando-se que devem ser punidos? Eu não disputo ao soberano Congresso este poder; mas esta medida que se toma para que só se trate dos cabeças (se os houver), vem com os principios que eu estabeleço.
Passarei a dizer alguma cousa a respeito do Principe Real: temos suas palavras, temos as suas acções: entremos na analise, se o Principe Real merece uma menor, ou maior imputação: nos devemos conhecer, que uma illusão propria ou estrangeira arrastou o Principe Real. Todos os procedimentos do Principe Real logo que o Brazil entrou nesta nova ordem de cousas forão tão honrosos, que eu os não posto assaz louvar. As suas expressões não forão só de grande pureza, mas juntárão o estas o entusiasmo. As expressões do Principe Real forão as de um verdadeiro constitucional; mas chega um tempo em que o Principe parece vacilar, e em que as suas palavras são totalmente contrarias áquellas: busquemos a causa desta mudança. Eu Sr. Presidente, não sou menos digno de falar aos Principes do que aquelle que falou corajosamente ao filho d'ElRei D. Diniz, como já neste augusto Congresso se tem referido. Eu estou tentado neste augusto recinto, e falarei como quem he capaz de occupar este assento. O Principe excedeu-se assaz, mas esta falta, vê-se que não nasceu unicamente delle, e se isto o não póde absolutamente desculpar, deve com tudo entrar muito na parte opposta da balança, quando nós pezarmos a sua culpa. Vamos pois vêr o como ha de ser julgado o Principe. Sentencear-se-ha o Principe? Não, Srs.: aquelle esquecimento que pareceu á Commissão dever lançar-se sobre as expressões do Principe, e a que eu vejo inclinada a grande parte da Assemblea, não seja agora alterado: mas isto não basta para remedio; (dir-se-me-hão) nos não julgaremos o Principe, mas he necessario removelo: o meu parecer he, que não convém remover o principe. A Commissão não teve em vista a mera justiça, o negocio he politico, e por isso seja a politica quem o dirija igualmente. A Commissão julgou dar simultaneamente todo aquelle remedio, que poderia acompanhar as suas deliberações, e disse - o Principe fique no Brazil - mas como fica este principe no Brazil? He necessario attender-se a isto: fica segundo diz o artigo 7 do parecer da Commissão, em quanto senão decide o acto addicional, no que não devera haver muita demora. Fica no Brazil acompanhado daquelles Ministros que ElRei lhe designar, e na fórma indicada: este parecer quando chegar ao Brazil sanccionado pelo soberano Congresso levara alli o devido esclarecimento; então nós lhe daremos armas contra aquelles que tenhão querido seduzir o Principe, nós o veremos caír em si mesmo: o Principe que he capaz de reger um dia a a monarquia Luso-Braziliense, vendo tal, se cobrirá de certo pejo que eu não posso dignamente exprimir: isto mesmo he o que a Commissão espera vêr: S. A. R. reconcentrando-se a sua propria cogitação dirá, como fiz eu isto? Como me arrastei as similhantes perigos? Aqui vejo eu quanto me achava illudido. Aqui esta a franqueza das Cortes, contra as quaes se soltárão algumas palavras calumniadoras. Que dirão aquelles que houvessem illudido o Principe? Elles se cobrirão de vergonha. Que dirão alguns anarquistas.... Ha anarquistas, desgraçadamente; mas como se attreverão a apparecer entre nos, á vista da nitidez das puras intenções, dos decretos das Cortes, e se lhes diga por todos os honestos cidadãos: - confundi-vos anarquistas!- Respeitai as deliberações do soberano Congresso; amai, amai a patria, e a união, e assim não fareis desgraçados, e sereis felizes! Eis-aqui Sr. Presidente, as razões que me determinárão neste parecer que vejo ser arguido já de nimia brandura, já de contemplação: sim eu não podia tratar de aumentar a irritação, ou o receio quando me lembrava de unir e tranquilizar; eu não podia deixar de contemplar a politica a par da justiça, quando queria propugnar por este meu thema. Oh Portugal! Oh men amado Portugal! (Eu aqui fui criado, mas no meu caro Brazil tive o nascimento). Oh Portuguezes de um e outro hemisferio! Persuadi-vos que o Brazil he a continuação de Portugal, e que por isso se devem estreitar quanto possivel fôr os vinculos de união: desappareção os receios; confundão-se os per versos; e triunfem pela justiça a verdade e a franqueza.
O Sr. Lino Coutinho: - Pouco restabelecido ainda da minha doença, venho hoje a este Congresso por ver que a materia em discussão interessava de perto ao meu paiz; e desejava que ella não passasse sem dar o meu contingente, o qual, ainda que pequeno vista a mingua de talentos que me assiste, servirá com tudo para desencargo meu. Entrando pois na materia , mostrarei os vicios sobre que se acha assentado o parecer da Commissão, e passando a examinar alguns dos artigos mostrarei a falsidade de seus principios, e a incoherencia de seus resultados. Mas antes de começar com ella locarei summariamente no grande episodio que fez o illustre Membro o Sr. Fernandes Thomas, falando do parecer; e procurarei quanto me for possivel, não ser prolixo, para não incommodar em demazia o soberano Congresso. Disse o honrado Membro que muitas vwzes querendo fallar sem rebuço á cerca dos negocios do Brazil fora injustamente em todas ellas chamado a silencio, e a ordem: mas se elle se queixa de um similhante vexame, que direi eu, e os meus illustres collegas Brazileiros, a quem nunca fui permittido expor com liber-

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dade as opiniões dos seus representados, e os acontecimentos daquelle vasto continente? Hoje porém, graças a Deus! podemos falar com mais algum desembarcado: porém quando? Quando as cousas se achão em um se bem diverso daquelle em que poderião estar se fossemos escutados, e se merecessemos fé; quando as verdades que agora se publicão não podem levar o benefico remedio que naquelle tempo levarião. Então não diga o illustre Membro que todo o mal nasceu da demora que teve a Commissão em dar o seu parecr ácerca do officio da junta de S. Paulo, e cartas do Principe, esperando ulteriores esclarecimentos, porque o dam no vem muito de traz, e a causa já se achava perdida ha muito tempo. Continua o mesmo senhor, dizendo, que não podia entender aos illustres Deputados Brazileiros (e nisto he unissono com o Sr. Soares Franco) os quaes protestando fraternal união, dizião por outra parte, que elles erão senhores natos do Brazil, e que por isso não querião lá os Europeos, affirmando ter ouvido isto mesmo da boca de muitos dos ditos Srs. Deputados; porém em quanto á minha pane, declaro perante este Congresso que já mais o honrado Membro, o Sr. Fernandes Thomas, ouviu de mim uma similhante cousa, pois que com elle muito poucas conversas tenho tido (o Sr. Ribeiro de Andrada, e mais alguns outros Srs. do Brazil, se levantárão, dizendo: tambem de nós não podia ter ouvido.) Era preciso (continuou o orador) ser muito idiota para avançar uma similhante proposição, e os Deputados Brazileiros merecem de certo outro conceito: eu creio que nenhum dos que aqui se achão se julga senhor nato do paiz em que nasceu, e se com tudo o honrado Membro se acha disso persuadido, eu desde já fazendo meu testamento lhe deixo em legado a parte que me toca. O outro ponto de escandalo para o Sr. Fernandes Thamas, he o julgarem os Brazileiros que a sua patria he differente de Portugal, porque segundo as suas idéas não ha senão uma só e unica para todos os Portuguezes quer europeos, quer americanos: mas pergunto eu ao honrado Membro onde está essa patria commum, e este ponto unico em que todos nascêrão! Pergunto eu se elle algum dia disse ou dirá para o diante que a sua patria he o Brazil? E quero he que tem dado motivo a esta rigorosa distincção de patria, donde te quer fazer vir todos os males presentes? Não tem tido os despotismos praticados pelas tropas europeas naquelle paiz? Não tem sido o espirito de dominio que mesmo neste Congresso se tem manifestado? Não tem sido os pertendidos direitos de conquista tão altamente proclamados pelos Portuguezes europeos, dizendo á bocca cheia: as nossas possessões ultramarinas? E que havemos nós feito ao contrario? Havemos recebido com os braços abertos a todos os europeus que pobres vão ali demandar fortuna, estabelecendo-se, e casando-se entre nós, que só combatemos a oppressão imminente, o despotismo militar, e as baionetas. Nós só ambicionamos os europeos pacificos que vão trabalhar comnosco, e que abração os nossos interesses, porém nunca soldados armadas de arcabuzes e espadas: além disto os infames papeis que contra o Brazil, e centra nós tem circulado por toda a Lisboa, e todo o Portugal, não terão ainda mais incendiado a rivalidade presente? Eu mesmo li em uma memoria que foi apresentada a este soberano Congresso, e que foi aceita com agrado, as seguintes expressões dignas de uma Mãi Patria: o Brazil deve reconhecer Portugal por seu legitimo senhor! Pois por ventura haverá uma terra senhora de outra terra, um portuguez senhor de outro portuguez? Eis os motivos, a meu ver, que tem feito crear esta differença de patria, e esta tão grande rivalidade, que continuando, acabara por fazer a nossa total separação. Não parou ainda aqui o honrado Membro: os Brazileiros, disse elle, não querem força armada: mas porque não a querem elles? he para se regularem como bem lhes parecer. Pois em quanto a mim, continuou o mesmo Deputado, não quererei já mais estar em parte onde não haja esta força que he o sustentaculo da lei. Ah! senhores, desgraçado he o paiz em que a lei dictada pela razão, precisa da força para se sustentar: a força não he necessaria para manutenção da lei, e da justiça, porque ellas existem por si mesmas, e tem os seus agentes nos regulares movimentos do coração humano.
Marchando no mesmo terreno, quero dizer, ainda no mesmo episodio, passa o Sr. Fernanda Thomas a confrontar os Estados unidos da America antes da sua emancipação, com o Brazil no estado presente, e diz: «A America ingleza se queixou amargamente de Inglaterra, e não quiz reconhecer seu parlamento porque não tinha lá representantes que esposando a sua causa a fizessem mais feliz; porém ao contrario o Brazil tendo aqui tendo Deputados se queixa sem razão.» Mas, Senhores, quantas vezes não tenho eu aqui, despido de parcialidades, punido pelos interesses do meu paiz; quantas não tenho mostrado as suas necessidades reaes? E que fructo hei eu tirado das minhas representações e queixas? Quanto não clamei, dentro deste recinto, contra a impolitica desigualdade do decreto que mandava extinguir os tribunaes do Rio; e contra a infausta nomeação do brigadeiro Madeira? Com que forças não demandei a existencia de uma delegação do Poder executivo, e a creação de um supremo tribunal de justiça no reino do Brazil? Da nada disto se fez caso, e tudo foi decidido como bem pareceu aos Srs. Deputados europeos; e o Brazil, apezar de ter aqui uma parte de seus representantes, se vê hoje despojado de algumas vantagens que tinha mesmo no tempo do antigo despotismo colonial. Muito mais tinha ainda a responder ao Sr. Fernandes Thomas porém o tempo voa, e he preciso que entremos na materia de que actualmente nos occupamos; e passando a ella mostrarei que o parecer da Commissão he impolitico porque nas actuaes circunstancias em que se acha o Brazil vai indispôr mais os animos, tornando-se além disto da sua parte irrisorio, e de nenhum elleito.
Os corpos moraes, bem como os corpos fysicos, tem quasi uma mesma lei, e o mesmo modo de se regerem. Ha doenças em que os remedios heroicos, fazendo peiorar, trazem comsigo a morte; quando os paliativos e brandos conduzem á saude e á vida. Os corpos sociaes estão nestas circunstancias, e o medico politico deve bem olhar para a sociedade enferma, a

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fim do lhe applicar convenientemente os remedios. E pergunto eu: no estado de fermentação em que presentemente se acha o Brazil, este parecer da Commissão em vez de minorar o mal não o aumentará mais? Não servirá de nova materia combustivel para avivar o incendio? Além disto, Senhores, he da prudencia, e sabedoria de todos os politicos, manajendo as redeas de um governo, não determinarem cousa que ao depois possa deixar de ser executada, porque daqui resulta grande desdouro e descredito, mostrando a fraqueza do ministerio. Foi por este lado que Madame de Stael defendendo a desgraçada Rainha de França, Maria Antoinete, pertendeu levar a convenção nacional, dizendo-lhe: «Vêde que a vossa sentença não possa ao depois deixar de ser cumprida, porque o povo, adorando esta mulher, se opporá de certo á sua injusta condenação, e dahi começará o vosso descredito, e a vossa total ruina.» No entretanto, desgraçadamente Maria Antoinete morreu pela força das baionetes, que fez calar os sentimentos do povo; mas tem Portugal essa necessaria força que atrevessando o Atlantico de milhares leguas, vá no Brazil fazer executar a doutrina exarada no parecer da Commissão? Debalde se diz que são unicamente duas provincias as que obedecem ao Principe, e debalde se nos quer disto persuadir, quando temos diante dos olhos os officios das juntas da Bahia e de Pernambuco, e quando sabemos das ultimas noticias do Maranhão trazidas aqui pelos seus recem-chegados Deputados. Tudo naquelle vasto continente, ou obedece ao Principe, como S. Paulo, Rio, e Minas, ou tem vivos desejos de lhe obedecer, reunindo-se ao centro da unidade braziliense: desde o Amazonas até ao Prata, tudo tende ao mesmo fim; e por isso a resistencia tambem será uniforme e geral. Depois de haver por tanto mostrado que o parecer da Commissão era em sua generalidade impolitico, mostrarei de mais a mais que he contrario aos pricipios de direito publico, e que ataca de frente a norma da justiça pelas suas excepeções e parcialmente.
Ninguem póde duvidar que o nosso pacto social não esteja ainda estabelecido de todo: o Brazil mandou os seus representantes para tratar neste Congresso com os outros Deputados europeus dos meios da sua existencia politica, e das condições com que os dois Reinos se conservarião unidos, porém isto não se acha ainda feito porque são os artigos addicionaes os que devem concluir esta grande obra, e por isso as provincias do Brazil em quanto a parte constitucional não podem, e nem devem obedecer sem serem ouvidos os seus competentes representantes, ficando-lhes o direito salvo de protestar e reclamar contra tudo que se houver feito á sua revelia. Debalde se traz o juramento que os povos derão as Bases da Constituição, porque he verdade que elles jurárão essas Bases, mas elles tambem jurárão o artigo 21 das mesmas, o qual diz que nada terá vigor para o Brazil sem ser approvado pelos seus respectivos Deputados, e nem milita o dizer-se que elles promettêrão estar pelo que fizessem as Cortes de Portugal independente da sua assistencia, porque então de que ser via enviar representantes a ellas, e mesmo o artigo 21 declarado nas ditas Bases? Ninguem passa uma procuração, e nem elege commissarios para em seu nome tratar com um terceiro de negocios de tanta monta, havencio já disto que estaria por tudo quanto este mesmo terceiro á revelia dos seus agentes, e a seu bel-prazer houvesse terminado. Ninguem assim o faz porque uma similhante cousa he redicula e vã. Desappareça pois de uma vez o frivolo pretexto baseado sobre o primeiro juramento no dia das instalações das juntas ou governos constitucionaes, porque os povos sempre entendêrão por Cortes da Portugal aquellas que havião de ser formadas de Deputados de ambos os Reinos, e de nenhuma sorte a parte dessas mesmas Cortes antes da assistencia dos seus representantes. E quem foi que assim jurou nesses primeiros dias? Foi a camara, a junta, os chefes das corporações civis e militares, pois que o povo se achou estranho em tudo, como bem confessa a mesma Commissão. Tenho por muitas vezes ouvido neste Congresso que as camaras por modo algum podem representar o povo, porém para o caso presente o juramento prestado por ellas obriga implicitamente a essa passiva multidão; mas supponhamos de barato que assim he; todo o juramento encerra tacitamente em si uma condição da bondade, porque ninguem quererá de certo passar de um estado máo para outro peior. Supponhamos que este Congresso fechando as suas portas tem feito para os Portuguezes uma Constituição peior do que o systema antigo que elles havião derrubado: supponhamos que convocado o povo elle lhe dissesse eis-aqui a obra que em nossa sabedoria havemos creado para vós, e que julgamos mais conveniente; vós deveis estar por ella por que assim o tendes jurado. E estarião os Portuguezes apesar do seu prematuro juramento por uma similhante cousa? Não de certo, porque elle não he obrigatorio quando he falta a tacita condição que encerra dentro em si.
Resta-me agora mostrar a injustiça, e parcialidade do mesmo parecer quando trata de avaliar a culpa, confrontando os diversos documentos que se achão em seu poder, e fazendo cahir tudo sobre a junta de S. Paulo, o Bispo, e os que forão em deputação ao Principe Real; porque quando opparecem diversos individuos e corporações tocados da mesmma doença, fazer excepções de uns com frivolas desculpas, e carregar a mão sobre outros, he de certo praticar uma arbitrariedade e injustiça. A junta de S. Paulo no que fez, eu pecou na materia ou na forma; se na primeira então todas as outras pecárão igualmente porque disserão as mesmas cousas; pecou a de Minas, a do Rio, e ultimamente a da Bahia, e Pernambuco, e até o Principe Real; e se ellas se achão em uma só e mesma circunstancia como cahir unicamente a espada de vingança contra a desgraçada junta do S. Paulo? Mas supponhamos que pecou na forma; e então será da gravidade e grandeza deste Congresso o embaraçar-se com palavras mais ou menos acres que mesmo não lhe forão positivamente dirigidas vindo por vias indirectas do Regente parar as nossas mãos? O nosso antigo proverbio de que ElRei tem costas foi certamente dictado pela grandeza do caracter dos nossos proprios Portuguezes indicando com isto que o S. Sabedoria não se devia escandalizar do que delle ás escondi-

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das dissessem os seus subditos. Além disso, Srs. ou nós temos forças sufficientes para castigar a todos ou não; se temos, todos sejão igualmente punidos; e se não, parece muito mal começarmos por uma, porque he darmos prova da nossa fraqueza quebrando as varas uma a uma, quando não podemos vergar o feixe inteiro. Que fação as outras juntas vendo castigar primeiro a junta de S. Paulo? Todos se porão em defeza, e todos se saírão para afastar de si a sorte que os aguarda.
Depois destas generalidades falta-me ainda para desempenhar minha promessa, tocar em alguns artigos do mesmo parecer; e o primeiro que se offerece há aquelle em que a Commissão diz que a junta de S. Paulo apresenta ao Principe um plano para uma nova fórma de governo. Isto, Sr. Presidente, he absolutamente falso, porque não se nota na dita representação da junta senão proposições ilhadas, e discordes umas das outras, isto he, que S.A.R. não deve abandonar o Brazil, que o decreto da extincção das juntas se não deve cumprir, e outras de similhante natureza; mas nunca um systema organizado e concludente, e neste caso eu estaria antes propenso a crismar com este nome aquelloutra representação de Minas, onde se nota uma maior ligação em suas propostas. Eis-aqui como neste artigo a Commissão olhou o negocio através de uma lente augmentativa; porém passemos a outro, em que ella diz que os decretos da extincção dos tribunaes do Rio, e do regresso do Principe não forão cumpridos por interesses particulares da mesma junta, dos aulicos, e dos empregados. Como se engana a Commissão discorrendo desta sorte! Os decretos não aterrárão certamente a junta por deixarem os seus membros de governar: elles aterravão o povo do Brazil que ficava em uma completa anarquia com a desmembração dos poderes das juntas provinciaes: os decretos não forão cumpridos porque os habitantes do Brazil gostassem do inutil fausto de terem dentro do Rio os tribunaes superiores, mas porque vião as tristes circunstancias em que ficavão havendo precisão de recursos para Lisboa nas suas causas e demandas; e se acaso similhante extincção era, como dizem, na conformidade do systema constitucional, porque então não se deitárão abaixo os desta corte, que de certo não são mais bem acreditados eu os do Rio? não foi tambem porque se descontentassem dois mil empregados (e a isto já bem respondem um nobre membro). E não foi finalmente pelo receio de perder as honras que o Principe ficando lá podesse distribuir ás mãos cheias, porque, como bem sabe a Commissão, Sua Magestade apenas deixou ao filho a faculdade de dar uma fita vermelha, que hoje entre nós se alcança, como em França as de côr de liz. A saída do Principe deixando o Reino do Brazil, era de funestos resultados não só para elle, mas para toda a Monarquia em geral, e foi por isso que os cidadãos honrados e justos se oppozerão a similhante decreto. Resta-me agora falar unicamente naquelle em que a Commissão se occupa toda do Principe, querendo-o desculpar, e diz que não póde conceber como elle em tão pouco tempo mudasse daquelles puros e sinceros sentimentos para com as cortes e seu Pai, manifestados nas suas primeiras cartas, e tanto mais quanto não admitte saltos mortaes no coração humano. A prova, Sr. Presidente, de que de facto se encontrão estes saltos mortaes no coração do homem, e que a Commissão não póde admittire, existe no mesmo Congresso, porque V. Exca. estará lembrado que com o recebimento das ultimas cartas do Rio de Janeiro se vomitárão aqui anathemas contra este mesmo Principe, chamando-se rebelde, rapazinho, e outros ensonços desvarios, até o ponto de se fazer uma indicação contra o governo que havia mandado festejar o nascimento de sua filha; porém o que ouvimos nós hoje? Elogios, e mais elogios á bondade de seu coração, e á pureza de seus sentimentis, cuja aberração he devida unicamente aos conselhos perfidos dos aulicos que soprárão aos ouvidos de um jovem ainda pouco experimentado em negocios publicos. Tal he o salto mortal que aqui mesmo havemos observado; e be, deve saber a Commissão que o homem he um ser incomprehensivel, atendendo a variedade da sua conducta, porque nmo mesmo instante em que elle restitue com seu socorro a vida ao seu proximo quasi a falecer, tira a do outro que se achava são e vigoroso. Porém não he a mudança do Principe Real fundada em razões bem conhecidas, e que nunca pódem ter este caracter de incomprehensivel que a Commissão lhe acha?
Depois de tudo que hei dito ácerca do parecer considerado já em globo, e já em alguns de seus artigos, concluo que nas actuaes circunstancias em que temos o Brazil, os meios brandos e suaves são os unicos de que devemos lançar mão, tratando-se desde já de revogar os dois decretos que tantos damnos e dissabores nos tem causado; e lançando-se ao mesmo tempo sobre estas representações e cartas mais ou menos azedas o véo de um esquecimento eterno, porque só desta maneira poderemos chamar á ordem homens que por um pouco de entusiasmo se tem desviado do verdadeiro trilho da prudencia: e outro sim, que com toda a brevidade se discutão as bases offerecidas pela Commissão encarregada dos artigos addicionaes relativos ao Brazil, a fim de que fiquemos sabendo as condições com que os dois Reinos se conservarão unidos, porque he deste estado de incerteza, e desconfiança que nascem todas as desordens presentes.
O Sr. Vigario da Victoria: - ...
O Sr. Miranda: - Se eu previsse que a discussão se alongaria tanto, eu não teria pedido a palavra, mas como he necessario que todos patenteiem a sua opinião, eu devo dar a minha relativamente á Segunda parte do parecer da Commissão, porque em quanto á primeira todos os artigos são da ultima evidencia. Todos os argumentos que se tem feito relativamente a esta parte, procedem de duas equivocações, a saber: que todo o Brazil está animado dos mesmos sentimentos que tem a junta de S. Paulo, que todo o Brazil adopta as opiniões dos illustres Preopinantes, e que em consequencia se está tratando de um negocio geral de todo o Brazil. Não se trata hoje de estabelecer esta união; trata-se só de accusar uma junta rebelde. A accusação da junta não tem nada com o povo, e todos os Preopinantes que tem confundido

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a causa do Brazil com a da junta, tem mostrado unais um desejo de a salvarem do que outra cousa (digo, tem mostrado, porque assim o pareceria a quem não estivesse certo das suas boas intenções, de que eu não quatro duvidar). Estou assas persuadido que o Congresso leia tomado sabias medidas, e de extrema moderação; eu agora não recommendaria senão energia, e vigor para as sustentar. Desejaria que o Congresso desenvolvesse todo o vigor que em outras occasiões tem mostrado, dando as providencias legislativas mais efficazes, e até mesmo extraordinárias, pois que as regulares e ordinárias só podem ter lugar depois de consolidado mais este systema, quereria que elle não tornasse atrás, que não se arredasse um só posso da sua actividade, convencendo-se da necessidade que ha de decretar de accusação a junta de S. Paulo, e o ministério do Rio de Janeiro, porque he fora de toda a evidencia que estes indivíduos são os autores de todas as desordens do Brazil. Elles tem feito com que S. A. desobedeça aos decretos das Cortes, tem attentado contra a representação nacional, lera falado em nome do povo, quando elles não tão mandatários do povo, visto que os mandatários que elle escolheu já tem assento neste Congresso. Mas isto está sobejamente demonstrado. Passarei a tratar do Príncipe. Eu como Cidadão livre, porque já o ora antes desta nova ordem de cousas, nunca soube lisongear Principes, e por isso francamente direi o meu parecer. He fora de toda a duvida que a conducta do Principe até ao tempo em que recebeu a representação da junta de S. Paulo, foi franca, livre, e generosa, porém dahi por diante, depois que certo indivíduo foi para o Rio de Janeiro, percebeu-se-lhe uma grande mudança. Quem duvida das causas que a produzirão E quem não as conhece? Todos sabem que a junta de S. Paulo allucinou o Príncipe, e que este partido tem agentes poderosos no Rio dê Janeiro; porem elle não pôde achar approvação, nem em Minas, nem em S. Pedro, e se o coronel unido á camará do Rio de Janeiro tomou a seu cargo e sem commissão, patentear os sentimentos daquella provincia, creio que a junta da mesma não approvou a conducta do dito coronel: por isso bem se sabe que as opiniões do Príncipe tiverão origem na junta de S. Paulo, que o começou a adular, insinuando-lhe sentimentos inteiramente oppostos ao bem da nação. O Príncipe, posto que tem alguma desculpa, com tudo be grandemente criminoso. Lembremo-nos que em uma das suas cartas esqueceu-se de que era cidadão portuguez, fazendo-se cidadão unicamente de uma parte da nação, que empunhou o murrão do primeiro canhão contra as tropas, ás quaes pouco antes tinha feito os maiores elogios. Manda-nos dizer que se as Cortes querem ser honradas, honrem o Rei, e outras muitas cousas desta mesma natureza. Por tudo isto tem uma grande satisfação que dar á nação, porque convém que aquelle que esta designado para herdeiro do trono, mereça a confiança da nação inteira. Daqui vem também que he necessário que elle voltejara Portugal; que venha abjurar todas as suas opiniões e mostrar-se digno de reinar um dia entre nós. Alguns Preopinantes dizem, que he necessário que elle fique lá sempre, e que lá deve ficar o successor da coroa; pelo contrario eu julgo que nem elle, nem Príncipe algum deve lá ficar. Todos os que tem lido a historia, sabem que muitos Príncipes se tem conspirado contra os Reis seus pais; nem poderá duvidar-se que o Principe, existindo no Brazil, preparará de longe a sua independência. Por tanto deve regressar para Portugal. Marque-se-lhe para isto um prazo, e faça-se organizar immediatamente as juntas provisórias, declarando-se aqui depois de installadas ellas, que aquelles que obedecerem ao Principe serão tratados como rebeldes. He preciso dar este remédio quanto antes para obstar aos progressos da gangrena que principiou a lavrar pelas outras províncias. Em S. Paulo ha um partido contra a junta, e o favor que acharão as tropas europeas além de outros factos bem sabidos, provão que ha um grande partido a favor da Constituição: e havemos de abandonar este partido, tratando com demasiada indulgência o partido dos malvados, que só tem em vista por motivos de ambição e cobiça, destruir a integridade da monarquia? Por tanto convém que o Congresso tenha muita energia; que o Príncipe venha quanto antes para Portugal; e que este, meditando todos os dias no artigo 13 das bases em que se declara que a soberania reside na nação y mereça um dia a confiança do povo portuguez de ambos os mundos, para que subindo um dia ao trono que tão gloriosamente occupa seu augusto Pai, seja tão feliz como elle, e faça ao mesmo tempo a felicidade dos povos, de quem assim virá a ser o primeiro Magistrado.
Declarada a matéria suficientemente discutida, requererão alguns Sn. Deputados que os votos se dessem nominalmente: e como os artigos fossem diversos nas espécies, e na importância, assentou-se que o Congresso iria determinando no progresso das votações quaes fossem aquelles cm que os votos devessem, verificar-se nominalmente.
Propoz o S. Presidente á votação o artigo 1.º, para que se diga ao Governo, que mande logo proceder á installação de novas juntas administrativas em todas as províncias do Brazil: - e foi approvado por 73 votos contra 35.
Antes de propor-se o artigo 2.º, disse o Sr. Peixoto que tinha apresentado uma emenda, que fazia a este artigo e ao 3.º, a fim de que para os processos, e amnistia nelles propostos, se tomassem regras geraes, sem se designarem os indivíduos; mas foi interrompido na leitura delia por alguns Srs. Deputados, com o fundamento de não haver sido offerecida durante a discussão.
Propoz o Sr. Presidente por partes o artigo 2.º na ordem seguinte:
1.º Que os membros da junta de S. Paulo, que assignarão a representação de 24 de Dezembro de 1821, sejão processados e julgados: approvou-se por 63 votos contra 47.
2.° Que igual procedimento se tenha com o Bispo daquella diocese, que assignou a representação do 1.º de Janeiro de 18Ï2: rejeitou-se por 56 votos contra 53.
3.° E com os quatro, que assignárão o discurso.

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dirigido ao Principe Real, cm 26 do mesmo mez; approvou-se por 59 votos contra 50.
4.° Não sendo porém exequível sentença alguma condemnatoria sem previa decimo das Cortes: approvou-o por 79 votos contra 30.
Propoz só a votos o artigo 3.°, para que se declare, que contra nenhuma outra pessoa se procederá pelos factos mencionados no antecedente artigo: e foi approvado por 84 votos contra 25 votos.
Poz-se a votos o artigo 4.°, para se ordenar ao Governo, que mande logo tirar informação summaria sobre os motivos, porque os Deputados de Minas Geraes não tem vindo tomar assento nas Cortes: e foi approvado, com pouca discrepância de votos.
Propoz-se o artigo 5.°, para que te faça efectiva a responsabilidade dos ministros de Estado do Rio de Janeiro pelo decreto de 16 de Fevereiro do corrente anno, e pelos mais actos da sua administração: foi approvado por 86 contra 83 votos.
Foi geralmente approvado o artigo 6.°, para que se discuta logo o projecto sobre as relações commerciaes, como foi indicado pelo Sr. Villela.
Havendo de propor-se à votação o artigo 7.°, houve duvida sobre o methodo com que sua doutrina deveria offerecer-se nos votos, se em geral ou por partes: e determinando-se o Sr Presidente a propor antes de outra cousa o artigo como estava, requererão alguns Senhores Deputados, que esta votação se fizesse nominalmente, e se decidiu o contrario por pluralidade de votos.
Alguns Srs. Deputados advertirão, que serião de voto, que o Principe Real se conservasse por ora no Brazil; mas não com as restricções mencionadas no
artigo: houve em consequência nova disputa sobre o modo de propor o artigo; e o Sr. Premente declarou que faria três proposições differentes: 1.ª Se o Principe Real havia de permanecer no Brazil pela forma declarada no artigo em geral? 2.ª Se havia de permanecer sem restricções? 3.º Se havia de voltar já?
Foi a primeira proposição rejeitada por 78 votos contra 32: foi rejeitada a 2.ª por 77 votos contra. 33: foi notada a 3.ª por 62 contra 48.
Levantou-se em consequência nova disputa sobre o resultado destas votações, pretendendo alguns Srs. Deputados que a 3.ª estivesse em contradicção com 1.ª, e 2.ª, e contrapondo outros, por conciliação, a reforma, ou a separação das restricções.
O Sr. Presidente, para resolver a questão, propoz se havia lugar a votar-te novamente sobre o artigo tomado por differente forma? E se decidiu, que sim.
Fez por tanto a seguinte proposição alternativa. Se o Principe Real ha de voltar já, ou ha de continuar a governar as provincias do Brazil que actualmente lhe obedecem até á publicação do acto addicional a Constituição?
Advertiu que ficavão salvas as restrições do artigo, as quaes depois se proporião por partes.
Decidiu-se que esta votação fosse nominal, dando voto de sim aquelles Senhores Deputados que approvassem a 1.ª parte da alternativa; e de não aquelles que reprovando a 1.ª, approvassem a Segunda parte. Tomados, e contados os votos, foi esto segunda parte approvada por 64 votos contra 47.
Votarão pela 2.ª parte os Srs. Mendonça Falcão, Pereira de Magalhães, Sarmento, Gomes Ferrão, Povoas, Andrade, Ferreira de Sousa, Moreiras Bueno, Ozorio Cabral, Antonio Pereira, Pinheiro de Azevedo, Barão de Molellos, Bispo de Béja, Bispo do Pará, Gouvéa Durão, Barata, Feio, Agostinho Gomes, Assis Barbosa, Araújo Pimentel, Martins Ramos, Trigoso, Moniz Tavares, Van Zeller, Villela Barbosa, Xavier Calheiros, Monteiro da França, Almeida e Castro, Ferreita da Silva, João de Figueiredo, Furtunato Ramos, Belford Annes de Carvalho, Segurado, Fernandes Pinheiro, Gouvéa Ozorio, Corréa Telles, Caldas, Rodrigues de Basto Lino Coutinho, Alencar, Moura Coutinho, Peixoto, Ribeiro Saraiva, Corrêa de Seabra, Isidoro dos Santos, Rodrigues de Andrade, Luiz Monteiro, Pinto da França, Filippe Gonsalves, Pamplona, Grangeiro, Couto, Castro e Silva, Sande e Castro, Serpa Machado Vasconcellos, Marcos de Sousa, Vergueiro, Araujo Lima, Lopes de Almeida, Rodrigues Bandeira Roberto de Mesquita.
Votarão parte 1.ª parte os Srs. Freire, Camello Fortes, Gyrão, Canavarro, Sousa Pinto, Ferreira Cabral, Pessanha, Barrozo, Bettencourt, Travassos, Margiochi, Soares Franco, Xavier Monteiro, Soares de Azevedo, Baeta, Jeronymo Carneiro, Caldeira, Innocencio de Miranda, Felgueiras, Mantua, Aragão, Castello Branco,
Pimentel Maldonado, Santos Pinheiro, Guerreiro, Ferrão de Mendonça, Ferreira Borges, Moura, Lourenço da Silva, Xavier de Araujo, Castro e Abreu, Kaz Velho, Peio, Rebello, Martins Bastos, Manoel sintonia de Carvalha, Gomes de Brito, Borges Carneiro, Fernandes Thomaz, Miranda, Arriaga, Franzini, Castello Branco Manoel, Salema, Rodrigo Ferreira. Sousa Machado, Rodrigues Sobral.
Propoz o Sr. Presidente por partes as seguintes restrições mencionadas no artigo:
1.ª Que continue a estada do Príncipe Real no Brasil ate á publicação do acto addicional e que entretanto fique S.A. governando, com situação as Cortes, e a ElRei, as provindas que actualmente governa, e lhe obedecem: foi approvado.
2.ª Sendo os seus ministros, ou secretarias de Estado, nomeados por ElRei: foi igualmente approvada.
3.ª E todas as resoluções tomadas em conselho dos mesmos; e assignadas, ou referendadas pelo secretario de Estado da repartição competente todas as decisões, e a correspondencia official, ainda a que vier para as Cortes, e para ElRei foi também approvada.
A requerimento do Sr. Borges Carneiro leu-se pela 2.ª vez uma sua indicação apresentada em sessão de 27 do mez passado, em que propunha uma advertência, que as Cortes deverião mandar fazer ao Príncipe Real sobre o comportamento, que o mesmo Príncipe com ellas ultimamente tivera.
Propondo o Sr. Presidente se havia lugar a votar sobre esta indicação,
decidiu-se que não.

TOMO VI. Oooo

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O Sr. Deputado Sousa Machado declarou, que estava pronto o parecer da Comissão ecclesiastica de reforma sobre as congruas dos bispos, como lhe fora ordenado.
Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia o projecto n.° 232, sobre as relações commerciaes; e para a hora da prolongação pareceres de Commissões.
Levantou-se a sessão pelas cinco horas da tarde. - José Peixoto Sarmento de Queiroz, Deputado Secretario.

RBSOLUÇOES E ORDENS DAS CORTES.

Para Filippe Ferreira d'Araujo e Castro.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidos os papeis concernentes a uma extincção de duas capellas, requerida por D. Marianna Margarida Thereza. Noronha Saldanha, e sua sobrinha D. Maior Peregrina de Vasconcellos, da cidade d'Elvas, os quaes se achão findos na meza do desembargo do paço. O que V. Exa.
Levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exa. Paço das Cortes em o 1.º de Julho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinárias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidas as informações necessarias sobre os factos allegados na representação inclusa do presidente e mais irmãos da confraria da caridade de Villa Franca de Xira, declarando-se a quem pertence a propriedade e administração das casas annexas á ermida do Senhor Jesus dos incuraveis, as quaes actualmente se achão convertidas em hospital, e bem assim a da mesma ermida; e manifestando ao mesmo tempo o Governo o conceito que forma desta instituição, e a protecção que o soberano Congresso lhe poderá prestar no deferimento da presente supplica. O que V. Exa. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exa. Paço das Cortes em o 1.° de Julho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Candido José Xavier.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidos esclarecimentos sobre o requerimento incluso de Pedro Celestino Soares, brigadeiro engenheiro, e governador interino da torre de S. Julião da Barra, acerca do indeferimento que tivera a sua pretenção de ser promovido ao posto immediato. O que V. Exa. levara ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exa. Paço das Cortes em o 1.° de Julho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidos esclarecimentos sobre o requerimento incluso do alferes do estado maior Francisco Gonçalves da Silveira, regressado do Brazil, pedindo se lhe abra assento na thesouraria, e conceda passagem para velteranos. O que V. Exa. levara ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exa. Paço das Cortes, em o 1.º de Julho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DE 2 De JULHO.

Abertura a sessão pelo sr. Gouveia Durão, Presidente, á hora determinada, leu o Sr. Secretario Peixoto a acta da sessão antecedente e foi approvada.
O sr. secretario Felgueiras deu conta da correspondencia e expediente, na fórma, que se segue.
De um officio do Ministro da guerra em data de 30 do mez passado, remettendo a parte do regime do porto, tornado as sete horas e meia da tarde de 30 do mez passado á galera portugueza Imperador Alexandre vinda de Pernambuco, do que ficárão as Cortes inteiradas.
De outro officio do mesmo Ministro em data da 28 do mez passado, transmittindo uma conta da camara da villa da Freira em data de 15 do mesmo mez, em que representa os obstaculos, que se oppõem a execução da diligencia do recrutamento naquelle termo. Mandou-se para a Commissão de guerra.
De uma felicitação d camara de Guimarães pelo descobrimento da conjuração, que se dirigia contra a soberania nacional, e ElRei o Senhor D. João VI, da qual se mandou fazer menção honrosa.
Tambem se mandou fazer menção honrosa de uma felicitação apresentada pelo brigadeiro graduado Dicleciano Leão Cabreira, em seu nome, e dos officiaes, e mais praças do regimento de artilheria n.º 2, de que he chefe, pelo motivo do descobrimento da referida conjuração.
Por igual motivo felicitarão as Cortes o juiz de fora das villas de Messejana, e as annexas de Aljustrel, e Casevel, Francisco de Oliveira Pinto, e o do Penamacor José Pereira de Carvalho; e forão as suas felicitações ouvidas com agrado.
As Cortes ficarão inteiradas dos agradecimentos, e reconhecimento, com que fora recebido em Montemor o Velho o decreto de 3 do mez passado, como levárão ao seu conhecimento o juiz de fóra presidente, e officiais da camara daquella villa, na sua conta de 26 do mez passado.
O juiz de fóra de Viana do Alentejo Francisco Rodrigues Malheiros Trancoso Soutomaior, acabando de tomar posse daquelle lugar, vem felicitar as

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