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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 47.

Lisboa, 2 de abril de 1821.

SESSÃO no DIA 31 DE MARÇO.

LEO-SE e approvou-se a Acta da Sessão antecedente, com a declaração - de que a Ordem para suspensão do Beneplacito ás Bullas infavorem não tem effeito retroactivo, e por isso não com prebende aquellas a que precedeo consentimento Régio.

O senhor Secretario Felgueiras leo:

Hum Officio do Ministro Secretario de Estado dos Negocios da Guerra, incluindo huma Ordem do dia do Exercito, a que pedia approvação do Congresso, e foi remettida, com urgencia, á Commissão Militar.

Outro do Ministro Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda, remettendo huma Consulta sobre o terreno inculto reduzido a Marinhas, por Simão da Sylva Laboreiro da Fonseca, para as quaes pede isempção de direitos, e foi remettida ás Commissões de Agricultura e Legislação.

Outro do Intendente Geral da Policia, enviando o Requerimento em que João Luis Herpin pede protecção para hum estabelecimento de Fabricas de reduzir arame, pregarias, e outros similhantes objectos. Foi remettido á Commissão de Manufacturas e Artes.

As seguintes Cartas de felicitação, e prestação de homenagem ás Cortes:

CARTAS.

PRIMEIRA.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Exulta de prazer esta Camera, ou para melhor dizer, todo o Povo desta Villa, e seu Termo, quando vê reunidas as pessoas de VV. Exas., escolhidas por toda a Nação para tratarem da nossa Regeneração Politica: nós conhecemos o zelo, o patriotismo, o desinteresse, e a sabedoria de VV. Exas., e estamos certos que empenharão todas as suas forças, e todos os seus trabalhos, não só para arrancar a nossa querida Patria dos abysmos, em que huma injusta oppressão a tinha submergido, mas tambem para a conduzir ao cúmulo da sua felicidade. Esta confiança assas bem fundada, até já por muitos factos interessantes á Nação, obriga esta Camera a reconhecer a VV. Exas. por Libertadores da Patria, e atributar a VV. Exas. os puros votos da mais cordial amizade, profundo respeito, e sincera submissão.

Deos guarde a VV. Exas. muitos annos, Monte Mór o Novo, em Camera de 29 de Março de 1821. - O Juiz de Fora, Cypriano Justino da Costa - O Vereador, Valerio Maximo de Brito Carvalho Abreu Pereira - O Vereador, Antonio de Brito Vereador, Manoel da Sylva Lobos - O Procurador, Joaquim José Hypolito Mesejana - O Escrivão da Camera João Joaquim de Mello.

SEGUNDA.

Exmo. Senhor. = Queira V. Exa. fazer-nos a graça de por na Respeitavel Presença do Augusto Congresso Nacional a inclusa demonstração dos patrioticos sentimentos de todos os habitantes desta Villa, que com o Parocho no dia 4 de Fevereiro proximo preterito se reunirão voluntariamente no Templo a entoar oHymno - Te Deum laudamus = depois de lhe ser pelo mesmo explicados os bens que se esperavão; o que já em outras vezes tivera feito sobre o mesmo objecto, e illuminarão as suas casas na mesma noite do referido dia.

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Deos guarde a V. Exa. muitos annos, Villa do Bispo 25 de Março de 1821. - Exmo. Senhor João Baptista Felgueiras. - Joaquim José Francisco e Costa, Juiz Ordinario - Filippe de Cintra de Almeida, Juiz Ordinario - Francisco Dias Leal, Vereador - Theodosio Brabo, Vereador - Fernandes Annes Corrêa - José Lucio - Joaquim Rosado, Escrivão da Camera.

TERCEIRA.

Senhor. = A Camera da Villa de Porto de Mos tem a honra de saudar a V. M. pela feliz inauguração das Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação Portugueza, prestando-se com respeitosa obediencia, e maximo prazer ás moções que possão ser deliberadas por hum tão sabio, e imparcial Congresso como as que já hão emmanado, e nem cessai á de agradecer ao Todo-Poderoso tão acertada escolha, practicando tudo que possa concorrer para a consolidação da nova Regeneração da nossa Patria, como fiel Executora do Soberano Congresso a quem Deos guarde por mil annos. Porto de Mos em Camera de 39 de Março de 1821. - O Juiz de Fora, Francisco de Mendonça Granado Castro e Lemos - O Veriador primeiro, Houorato da Cunha Pinto do Rego - O Veriador secundo, Aniceto Manoel Lopes Salgueiro - O Veriador, Francisco Joaquim Chaves de Sousa Amado - O Procurador do Concelho, Manoel Ramos Semaria - O Escrivão da Camera, Januario Duarte.

QUARTA.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cameras de Castro Marim, Villa Real, e Tavira, me encarregarão de transmitir a V. Exa. para serem prementes ao Congresso Nacional, ns Cartas de felicitação em que por si, e em nome dos Povos, que representão, julgarão dever exprimir os seus agradecimentos, por tão heroicos, e bem sorteados esforços, como aquelles, e com que a sabedoria do mesmo Augusto Congresso organizou, e cimentou as Bases de nossa Regeneração Politica.

Ao passo que satisfaço tão lisongeira, e honrosa incumbencia tomo a liberdade de misturar nella, como perfeitamente iguaes os meus sentimentos de admiração, e reconhecimento ante os Dignos Depositarios da Magestade, e Soberania Nacional, accrescentando os votos da mais pura obediencia, profundo respeito, e inalteravel dedicação.

Deos guarde a V. Exa. Faro 20 de Março de 1821. - Illmo. e Exmo. Senhor Manoel Fernandes Thomaz, Deputado e Presidente do Congresso Nacional. - O Provedor do Algarve, João Anastacio de Carvalhosa Henriques.

QUINTA.

Illustrissimos e Excellentissimos Senhores Presidente e mais Deputados do Congresso Nacional. = A identidade de principios liberaes, e regeneradores, que illustrão com a vossa a nossa fé, nos impõe hoje o sagrado dever de congratular-nos no testimunho de nossa conformidade, e cooperação.

O Deos Clemente, e Soffredor levantado do somno de sua paciencia, corre ao nosso encontro na invencivel fortaleza de seu braço, para nos trazer ao caminho da prosperidade, donde nos havião extraviado as paixões desordenadas, e parciaes, escolho universal de todos os Imperios.

Aos silenciosos gemidos da oppressão, succederão os prazeres, e jubilos, que inundão nossos corações: a revolução de noventa e dous, tão calamitosa aos Povos do nosso Planeta em seus mais proximos acontecimentos, vai-nos retribuindo com resultados mui differentes.

Foi preciso que em consequencia da mesma sahissem os dous Chefes da Peninsula, para que esta com liberdade promulgasse Constituições, que a salvassem: a injuriosa orfandade, e desamparo em que nos viamos, o labyrintho de nossos extravios politicos, arbitrados pelos Duplessius, Richeleus, Mazarinos, Colbertes, Pitis, e Pombaes dos ultimos Reinados, produzio o efficaz estimulo da emancipação legal, que occupa os Verdadeiros Filhos da Patria: no Imperio moral, como no fysico a reacção he consequencia da acção; esta tem premido sobre nós com força desorganizadora, e por muitos Seculos: a população, base do solido poder, era rasada nos Bosques do Brazil, Costas de Asia, e Africa: a incauta pregarão dos Alares do Sul, as proscripções dos Judeos, Mouros, e indigenas; a oppressão tyrannica da Inquisição, os desterros, os carceres perpetuos, os segredos, as forças, e garrotes com a universal emigração, era huma não pequena parte da Sciencia do Governo!!

Os homens Scientificos, sustentados pela Nação no dispendioso exercicio de seus estudos, cahião em obscuridade, e abandono, sem terem no decurso de sua vida liberdade, nem estimulo, que os conduzisse ao manifesto de seus principios, genios, observação, e experiencia, a que a Patria carecedora tinha justificados direitos, muitos destes se visão na precisão de emigrar, para embellecer Academias Estrangeiras com o fructo de seus trabalhos, digo talentos, em quanto os que ficarão para servir a sua Patria, encontravão no proprio merito obstaculo inseparavel para a elevação aos primeiros Cargos, pela maior parte conferidos a individuos, que por falta de educação, e luzes erão forçados a sacrificar o caracter, e dignidade de seus empregos.

O Exercito organizado dos Filhos da Patria arranjado dos Patrios lares, era repartido sem ser pago, pelo Brazil, para onde se enviarão pezadas contribuições mensaes; na guerra de caprichos, e falsos interesses, tão aturados como devoradores, achavão

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o martyrio lento, e sepulchros de escravos: a Marinha de Guerra, a Artilheria, e o numerario voarão com a nossa industria, os productos das minas dos antigos Reys, os Diamantes, e Ouro em pó e barra desapparecêrão com a prata, topasios, e raridades, que a prodiga Natureza, e vantajoso Commercio havia depositado em nossas mãos, sem que de tudo isto tirassemos vantagens, em quanto a Inglaterra nas suas minas de carvão encontrava os solidos fundamentos da sua prosperidade. O total abandono da Agricultura, e fabricação nos constituía em absoluta dependencia, e carecedores dos generos e manufacturas Estrangeiras. E finalmente hum vasto hospital sem recursos, hum cemiterio pela maior parte deserto, ta he o Paiz reduzido de preposito a pouco mais de Zero pela rançosa politica de Caderneta exercida com devoção para conter os Povos na oppressão, e victimas da da systematica venalidade, observando com mágoa Empregados, e Funccionarios publicos sem contas, nem responsabilidade.

Vós, illutres Senhores quando projectais, e delegais Commissões, dais claro testemunho das medidas energicas, que se devem observar em hum Paiz saqueado, e perdido, e sabeis melhor que nós, que o liberalismo methodico nascido na Grecia, creado em Roma, desenvolvido no Norte vai erigir-se sobre as Ruinas de Machiavel, adorado nas Hespanhas: Portugal trabalhando com efficacia commetteo ao vosso distinctissimo merito, e virtuoso heroismo essa importante obra da Constituição, Codigo Civil, e Militar claro, e systematico com todos os regulamentos, e reformas que devem constituir o edificio da salvação politica de que huma Nação hoje submergida, e abandonada tanto necessita, e de vossa bem conhecida firmeza, e esforços espera a ultimação da sua prosperidade.

O Congresso de Leybach em contradicção comsigo meamo nega a soberania essencial das Nações para a conceder aos Reys, que só a gozão derivada; temem Constituições Nacionaes sem temerem sacrificar-se a si, e as Nações no infame altar dos Favoritos, nem os accidentes da Historia Ignoramos pois aonde vão beber seu direito; aos Filhos de Adão, de Noé certamente não, por que essas Soberanas Dynastias do genero humano forão confundidas no cáhos dos seculos: elles são tão modernos, que não saberão dizer qual fosse a sua linhagem no oitavo seculo: se pertendem o Direito transferido de Deos, e dos Patriarchas primitivos, confundem as Dignidades com os Dignitarios; aquellas são instituidas por Deos, e estes nomeados pelos homens, isto que a Historia comprova quando nos apresenta todos elles elevados aos Thronos por eleição, conquista, herança, ou doação naquelles tenebrosos tempos, em que o Direito positivo, atropelando os direitos inprescritiveis do homem, e Nações, habilita os Reys para dispôr dos Reynos e Povos, como de herdades, ou manadas. A Nação religiosa, e civilizada, que derribou o Imperio Turco pela descoberta do Cabo, e Mares do Sul: Esta Nação que descobrio, e frequentou primeira novos portos, dobrou Cabos em nome, calculou desconhecidas; correntes, descobrio, e povoou Ilhas, e Regiões,
familiarizando Nações barbaras como os Europeos foi a primeira auctora da superioridade, que elles tem gozado nas tres partes do Mundo conhecido: Esta Nação que, em quanto os Continentaes se entre tinhão em guerras intestinas, tratava de propagar com o Evangelho a civilização ás Nações Idolatras; que pela sua intrepidez, politica, e doçura obrigava os maiores Imperadores, e Reys, a sollicitar allianças, e a offerecer tributos, esta grande Nação triunfou sempre desses grandes poderes, sacudindo o jugo dos Filippes, e de Napoleão, e não succumbir á victima do jugo, e oppressão. Portugal he, e será versado era emprezas de liberdade testemunhadas modernamente com espantoso, e universal entusiasmo na Graça Nova, e Douro onde retumbárão os ecos de seus direitos, sem que todavia hum tal enthusiasmo excedesse os limites da moderação, e boa ordem, manifestando toda a Nação o maior prazer, e firme adhesão á Causa Commum.

Completai illustres Senhores a obra, que tão dignamente emprehendesteis, e que tendes desempenhado com bem sorteados esforços reconhecidos, e louvados por toda a Nação.

Ao mais leve aceno vosso promptas estão nossas vidas, e possibilidades, contai com ellas, com os corações, e gratas memorias da posteridade, sem duvida agradecida aos trabalhos de seus Regeneradores.

Taes são os verdadeiros, e puros sentimentos, que patenteão o Juiz de Fora, e mais Camaristas desta Villa por si, e forno orgão do Povo que representa.

Monchique do Algarve aos 17,de Março de 1821. - O Juiz do Fora, Luiz de Abreu Gomes - Primeiro Veriador, Antonio Duarte Sylva - Segundo Veriador, José Ignacio Furtado - Terceiro Veriador, José dos Roys Marruros - Procurador, Francisco Callapos - O Escrivão da Camera, Ildefonso José Coxedo.

SEXTA.

Illmos. e Exmos. Senhores. - A Camera, Nobreza, e Povo de Monte Longo bem persuadidos da feliz epocha, em que vivem, e do direito que tem a pedirem o melhoramento da sua sorte: tem a honra de porem na presença de ião illustre como sabia Assemblea a urgente necessidade que ha ou de providencias dadas ácerca do consumo das suas vitellas, ou de num final termo aos incalculaveis gados que da Galliza entrão neste Reyno: sim Illmos. e Exmos. Senhores, compõe-se este concelho e suas visinhanças de apeitadas fazendas, e pobres lavradores, que não podem apascentar mais do que 3, 4, e o muito 6 vacas: supponhamos que destas nascem, ao misero lavrador outras tantas vitellas; não as póde este vender para os açougues pela observação em que está, e deve estar a prohibição ha pouco tempo publicada, tambem as não póde criar sem que lhe falte os meios de subsistencia ao gado do trabalho, ou ao mesmo la-

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vrador, deixando de fabricar aquellas terras de que percisa para asna, e da família: Não póde finalmente vendellas a criadores porque os ião ha, pois só o lavrador he quem tem meios para similitantes criações e os destas tetras, e quasi toda a Provincia pelas rasões já dadas o não poderá fazer: Logo avista de tudo isto seguem-se aos lavradores, desta ordem gravissimos damnos, e até falta de meios para poderem viver, pois que ninguem ignora que das criações satisfaz o lavrador a maior parte das suas necessidades. Seja-nos pois licito combinar a observação da Ley com os interesses da Patria, e do particular: He huma verdade de simples inspecção (com magoa o digo á Nação inteira) que o gado Gallego, que nesta Provincia entra equivale ao nosso; logo se este absolutamente se prohibir com as mais serias providencias, temos as nossas criações a supprir as vezes deste, e os Gallegos privá-los de avultadas sommas de nossos cabedaes, acarretados por alguns contrabandistas ao Reyno: Não seria finalmente difficultoso calcular com exactidão os milhões que só desta Provincia entrão na Galliza, fazendo numa fiel enumeração das muitas feiras que ha, e do gado estrangeiro que a enche, senão recusassemos o ser fastidiosas, e tomar o precioso tempo, diremos tão sómente que nesta feira de Fafe, que se faz duas vexes cada mez, entrão em cada huma del-as cento e tantos pares de bois Gallegos, que não podem custar cada hum menos de 10 a 11 moedas.

Dignem-se VV. EE. ouvir os gritos da Nação, gemendo de fome a observar os Estrangeiros folgados de fartos, e continuar-nos a felicidade que já principiemos a gozar em nome do nosso amado Soberano. - O Juiz Ordinario do Concelho de Monte Longo, José Antonio de Freitas - O Vereador mais velho - O Vereador, Francisco da Cunha e Costa - O Procurador do Conselho, Francisco José de Castro Teixeira.

Nobreza. - José Antonio Filippe da Sylva - Francisco José Soares - Luiz Antonio de Bastos Guimarães - Francisco José de Castro Paiva - Custodio José de Oliveira Guimarães - João José de Bastos e Freitas - Fr. Francisco dos Anjos Chaves - João José Mendes do Valle - Antonio José de Castro - José Antonio Baptista e Costa - O Abbade, José de Azevedo Sá Santo Maior e Abreu - O Capitão, João Ferreira de Sousa Villas Boas - Luiz de Borras Abreu Sousa Alvim de Sá Souto Maior - José Lopes Vieira - José Joaquim Novaes - Antonio José Pinto - José Joaquim de Araujo, Abbade de Revelhe - Joaquim da Costa Lima, Abbade de S. Thomé de Esturão - Manoel Lobo de Sonsa, Vigario de S. Bento de Pedraido - O Padre, Jeronimo da Costa Lima - Fr. Domingos Teixeira.

SEPTIMA.

Senhor. - Quando pelo estabelecimento da Civil Liberdade, ou do direito de cada hum obedecer, unicamente á Ley, se multiplica muito a grandeza da e ganha huma nova existencia cada Cidadão; não póde huma Classe, que he do immediato Padroado do de V. Magestade, deixar de conceber não só o prazer ordinano a cada homem, senão ainda o proporcionado áquella situação, em que se acha este Cabido de Portalegre todo privado por V. Magestade. Nos Fastos, que derão aos Portugueses o nome de Nação de Heroes, brilha como o maior o dia da instalação das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portuguesa: Este Cabbido he sensivel á gloria, que lhe cabe como parte de huma Nação verdadeiramente digna da sorte, que a espera merecedora de ser representada por tão destincto e sabio Congresso: ele exprimo com franqueza a boa fé, que o caracteriza, o jubilo e reconhecimento; e congratula a V. Magestade pela solida grandeza a que se acha exaltado, fazendo-se respeitavel aos Estranhos, e o mais amavel aos Cidadãos Portugueses, assegurando estes sobre bases tão solidas para os fins da prosperidade; desenvolvendo as virtudes politicas e christãs. Deseja este Cabbido que V. Magestade, e sua Dynastia reyne por longas idades; veja dentro em pouco tempo a quanta gloria chega o seu Reynado, e nome Portuguez; e conheça quão sinceros são os nossos votos, e protestos de eterna obediencia, e respeito que dirigimos, e dirigiremos sempre, anhelando ás prosperidades de V. Magestade. - Portalegre. Cabbido Ordinario 23 de Março de 1821. - João de Andrade Campo, Deão - José da Costa Andrade, Chantre - Ignacio Xavier Barriga, Mestre Escola.

OITAVA.

Illmo. Senhor. - Possuido dos sentimentos da maior fidelidade, e de verdadeiro Portuguez, eu me encarrego de rogar a V. Sa. queira submetter ao conhecimento do Augusto Congresso Nacional os protestos da minha adhesão á santa Causa da Regeneração da Patria, e dos individuos do Regimento que tenho a honra de commandar, que lhe tributamos é maior respeito, e obediencia, felicitando-o com as expressões mais respeitosas, e puras pela sua instauração, a fim de fazerem aventura desta grande Nação, e offerecendo-nos em tudo que se nos ordenar, para a cooperação dos felizes resultados em que tão dignamente nos achamos empenhados. - Deos guarde a V. Sa. Quartel de Setubal 29 de Março de 1821. - Illmo. Senhor Agostinho José Freire - Jorge de Cabedo de Vasconcellos Sardinha de Couto, Coronel do Regimento de Milícias de Setubal.

NONA.

Senhor. - Pela Commissão Militar que tenho a meu cargo como Commandante de Artilheria do Peninsula ao Sul do Te o, não me he permittido hir no solemne dia de hoje reunir-me com os mais Commandantes dos Corpos estacionados na Capital para conjuntamente com elles jurar as Bases da nossa Rege-

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neradora Constituição, e manifestar o meu respeito, e obediencia á Ley fundamental, sobre que começa felizmente a edificar-se o magestoso Edificio da nossa Regeneração. Na impossibilidade de poder Cumprir com o mais agradavel, e sagrado dever de Soldado, e Cidadão, tomo o expediente de expressar ao menos desta mancha a V. Magestade os meus sentimentos de adhesão, e invariavel obediência aos principios Constitucionaes, com que a sabedoria deste Soberano Congresso Nacional firmou, e consolidou com justa admiração do Mundo inteiro as Bases da nossa Regeneradora Constituição, Em qualidade de Commandante Geral da Artilheria das Fortalezas Maritimas entre o Sul do Tejo; e de Commandante das Brigadas de Artilheria ligeira do Exercito, cujas opiniões, e sentimentos Constitucionaes se patentearão tão franca, e liberalmente no memoravel dia 15 de Septembro do anno preterito, protesto perante o Augusto Congresso Nacional representado em Cortes, a minha obediencia, e submissão ás suas soberanas deliberações, e ás Bases da Constituição Portugueza que vão firmar a independencia, e liberdade Nacional.

Digne-se pois V. Magestade, representada neste Augusto Congresso, acceitar benignamente os sentimentos de respeito, obediencia, e submissão que consagro a V. Magestade, aos da constante determinação em que sempre estarei de obedecer, e fazer obedecer, respeitar, e seguir a Ley fundamental da nossa Regeneração. - Quartel da Quinta do Guedes em Morfacem 29 de Março de 1821. - José Mario de Moura, Brigadeiro Commandante das Brigadas de Artilheria ligeira.

DECIMA.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Rogo a V. Exa. fazer constar a esse Augusto Congresso a minha chegada a esta Praça, onde de novo protesto a mais perfeita obediencia, e decidida adhesão á Santa Causa que defendemos, da qual esperamos que nos resulte a maior ventura, e perenne gloria aos Pays da Patria que promovem a nossa felicidade. Queira V. Exa. persuadir-se da veneração com que sou = De V. Exa o mais attento e fiel servidor = Illmo. e Exmo. Senhor Agostinho José Freire = Manoel Bernardo de Chaby, Coronel Governador da Praça de Lagos.

A ultima foi ouvida com agrado, e das outras mandou-se fazer honrosa menção.

O mesmo senhor Secretario apresentou:

Huma Memoria de Antonio Pires Preto, sobre trabalhos de Minas - Duas anonymas sobre Agricultura - Outra tambem anonyma, e intitulada = Espia Constitucional - contra aCompannia dos Vinhos do Alto Douro. A 1.ª foi remettida á Commissão de Manufacturas e Artes, a 2.ª e 3.ª á de Agricultura.

Hum Requerimento dos Moradores de Poiares - e ouro dos de Corellinhas do Termo de Villa Real, que forão remettidos á Commisaão de Agricultura.

Hum Officio do senhor Madeira Torres, protestando ao Congresso a sua obediencia e gratidão pela escusa que se he concedeo.

E huma Memoria de Ignacio José de Moraes e Brito, Desembargador Conservador do Pescado fresco, que foi remettida á Commissão de Pescarias.

O senhor Miranda, por parte da Commissão de Manufacturas e Artes, leo o seguinte:

PARECER.

A Commissão de Manufacturas, e Artes, examinando a Consulta da Real Junta do Commercio, sobre as Fabricas Reaes da Covilhã, Fundão, e Portalegre: as informações que a este respeito dava o Superintendente dos Laneficios. Como igualmente varias representações de diversos Empregados nas mesmas Fabricas: vê que todas as diligencias feitas pela mesma Junta para conseguir que a Sociedade que então administrava, e se achava a acabar o seu contracto no fim de Junho proximo passado, quizesse continuar por mais tempo, como as condições lhe franqueavão, o não póde obter, apezar da vantagem decidida da Sociedade fornecer por preço convencionado todos os pannos, e serafinas para o fardamento do Exercito, dos Archeiros, e Criados da Casa Real etc., o que immediatamente offerecia hum consummo prompto a grande parte dos productos manufacturados nas mesmas Fabricas conhecendo pelas informações do Superintendente que a Sociedade não se atrevia a continuar pela enorme concorrencia, que lhe fazia o contrabando, fazendo entrar destas fazendas, e mesmo Decidas em crú, em prejuizo dos direitos, e em total aniquilação da nossa industria.

Vio igualmente a Commissão que as diligencias a que procedeo o Tribunal mandando pôr Editaes nesta Cidade, na do Porto, e nas terras, onde estão collocados estes Estabelecimentos, não tinhão produzido hum melhor effeito; e que até da convocarão de alguns Commerciantes da Cidade do Porto para entrarem neste objecto, só tinha obtido huma formal escusa, fundada nas mesmas causas, que acima ficão ponderadas.

Finalmente compareceo Antonio Pessoa de Amorim, que tem na Covilhã hum estabelecimento desta natureza, que se afoutou, debaixo das condições que apresentou no Tribunal, a fazer trabalhar em grande as Fabricas da Covilhã, e Fundão, levando-as a maior perfeição na sua manufactura pelo uso das novas maquinas, de que já usa no seu particular estabelecimento com mui felizes resultados.

As condições são quasi as mesmas da antiga Sociedade, e só differem em exigir huma antecipação de vinte e quatro contos do reis, que principiaria logo a pagar por hnma consignação de quatrocentos mil réis mensaes, que encontraria nos pagamentos, que lhe fizessem pela Repartição dos Arsenaes das partidas de pannos, e serafinas, com que mensalmente entrasse para o uso do Exercito; e que em attenção a este adiantamento se compromettia a dar o panno

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mas a Tropa por menos cincoenta réis em cocado, e senão da mesma qualidade do padrão costumado; não se podendo encarregar da Fabrica de Portalegre por seu muito distante da Covilhã, aonde elle contractante e assiste.

Assim se achava este negocio affecto ao ex-Governo quando, por felicidade dos Portuguezes, principiou e ralar no nosso orisonte politico a luz da nossa regeneração.

A Junta Provisoria do Supremo Governo do Reino, julgando que os novos acontecimentos devião incluir sobre estes importantes estabelecimentos, reservou o conhecimento destes objectos ás providencias deste Augusto Cvongresso, visto que já naquelle tempo se achavão fechadas as mencionadas Fabricas, e a da Covilhão ha mais de hum anno.

A Commissão julga que estes estabelecimentos depois de chegados a certo ponto de perfeição á custa da Fazenda Nacional não devem por mais tempo ser entretidos por conta publica, sem que isso seja por huma urgente necessidade: devendo-se procurar quem os tome a si de propriedade logo que as circumstancias o permittão; sendo vendidos a prazos largos, e consignações annuaes, que não obriguem os compradores a desviarem os seus capitaes do util destino de entretem o maior numero de braços nas suas manufacturas, o que não poderião fazer por hum semelhante emprego de fundos em capital fixo.

A Commissão debaixo destas economicas considerações convocou o mencionado Antonio Pessoa d'Amorim commettendo-lhe hum novo contracto, que se reduz a elle se comprometter a fazer trabalhar em grande as Fabricas da Covilhãa, e do Fundão, usando das novas machinas, que tem levado á maior perfeição os lanificios, e que pagaria na fórma do costume a 2, e 4 annos todos os utensilios, machinas, teares, tintas etc. etc. existentes nas mencionadas Fabricas, recebendo tudo por imentario, e avaliação na mesma fórma que se tinha practicado com as outras Sociedades, que as tinhão administrado antecedentemente. Que pelo espaço dos primeiros cinco annos se não trataria de avaliar os edificios em attenção ao estado deploravel da nossa actual situação: e que passados elles se procederia então ás avaliações dos edificios, por meio de Louvados por ambas as partes contractantes, e se estabelecerião huma consignação por meio da qual elle ficara proprietario delles; cuja consignação se receberia em effeitos manufacturados nas mesmas Fabricas, proprias para o consumo do Exercito e naquella cota parte, que se ajuntasse em rasão do valor em que fossem avaliados, na certeza que a consignação não excederia por anno a hum vigessimo do valor dos mesmos edeficios; sendo obrigado a fazer por sua conta todos os reparos, e concertos necessarios para a conservação dos dictos, gosando de todos os auxilios concedidos, e que até aqui erão permittidos aos que antecedentemente os tinhão administrado.

O dicto Antonio Pessoa d'Amorim estregou a sua resposta assignada, em que se convenciona em termos regulares, e que apresentamos á approvação deste Augusto Congresso, para ser depois remettida á Regencia, e esta mandar pôr em execução pela Real Junta do Commercio.

Pelo que respeita á Fabrica de Portalegre parece á Commissão, que se deve immediatamente passar ordem no Governo Executivo para que mande á Real Junta de Commercio ponha meramente editaes, para ver se actualmente se acha alguma sociedade, que a queira tomar a si com condições similhantes, ou na falta de comprador, ser administrada por conta da Fazenda Nacional, até que as circunstancias permittão da mesma maneira, sendo a Junta do Commercio encarregada com urgencia de fazer todas as diligencias para ultimar estes objectos, que da sua natureza exigem a maior brevidade possivel.

Este he o parecer da Commissão, que merecendo a approvação desta Augusta Asssemblea, deve logo seguir ao destino indicado. Sallão das Cortes em 28 de Março de 1821. - Manoel Gonçalves de Miranda - João Pereira da Sylva - Thomé Rodrigues Sobral - Francisco de Paula Travassos - Francisco Vanzeller - Francisco Antonio dos Santos.

Foi approvado com declaração, de que á Regencia se recommendasse o cuidado de alcançar as condições mais vantajosas á Fazenda Publica, para pôr em actividade todas as referidas Fabricas.

O senhor Alves do Rio apresentou hum requerimento dos Professores Regios da Lingua Portugueza em Lisboa, pedindo augmento de Ordenado. Foi remettido á Commissão de Instrucção Publica.

O senhor Luiz Monteiro propoz que se examinasse o artigo 26 do Tractado de Commercio com a Inglaterra, por ver se na sua inteligencia havia abuso e fazerem-se as decidas reclamações.

O senhor Castello Branco opinou que devião examinar-se todos os artigos, não para os infringir, mas para se cumprirem á letra. Assim se resolveo, e que as Commissões reunidas de Commercio e Legislação dessem neste assumpto o seu parecer.

O senhor Sousa e Miranda, por parte da Commissão Militar, leo, e forão approvados os seguintes:

PARECERES.

Domingos Francisco do Rosario, Furriel, que foi da Guarda Real da Ploicia, e agora Soldado dos Voluntarios Reaes de Milicias de Lisboa Oriental, offerece a este Congresso hum Projecto de economia para o fardamento do Exercito, que expende na copia de hum Reuqerimento, o qual tencionava hir apresentar a ElRey. Diz que tendo trabalhado por seis annos e fazendo grandes despezas, a final conseguira fazer os dous mappas, que acompanharão o sobredicto Projecto, a fim de provar, que sendo adoptado se pouparão annualmente mais de 40:000$000 réis; alega os serviços que tem feito, e pede recompensa.

Reduz-se pois o mencionado Projecto de economia: 1.º a descontar ao soldado, no tempo do vencimento do fardamento, todo o que elle estiver doente nos Hospitaes, ou ausente com licença: 2.º Todo o

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tempo que elle estiver ausente do Regimento a cumprir Sentença, desde o tempo em que foi preso para em Conselho de Guerra. Apresenta a relação de Nominal de huma Companhia de 118 praças, com as alterações, que teve durante hum anno, e mostra que, pelo methodo actualmente seguido, se gasta com o fardamento dessa Companhia 790$200 reis, e seguindo-se o por elle suggerido, se gastarão sómente 689$809 réis, havendo de interesse a favor do Thesouro 100$390 réis; e por tanto em 50$000 praças em igual circunstancia se pouparão 42.538$347.

Este methodo, alem de se practicar em muitas Nações civilizadas, já se acha adoptado entro nós, o mandado executar pelo Regulamento de 1816, artigo 17 § 2.°, e posto em practica pelo que respeita aos Desertores.

A' Commissão de Guerra parece que este objecto deverá ser hum dos que se hão de regular na nova Ordenança. Em quanto á recompensa que o Supplicante pede, deve requerer á Regencia, não podendo a Commissão deixar de julgar que he digno de alguma contemplação por se ter occupado em objecto de publico interesse.

Salla das Cortes 28 de Março de 1821. - Francisco Xavier Calheiros - José Antonio da Rosa - Francisco de Magalhães de Araujo Pimentel - Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello - José Maria de Sousa e Almeida - Bernardo Correia de Castro e Sepulveda - José de Mello e Casto de Abreu.

A Commissão de Guerra vio o Requerimento, em que Manoel Luiz Ferreira de Sampayo, Tenente Coronel de Micilias reformado, pede o Soldo de Tenente Coronel de Linha, a restituição do mesmo Soldo, e ser aggregado ao Castello de Vianna do Minho.

A Commissão achou pelo mesmo Documento, que o Supplicante juntou, que supposto teve 35 annos de Serviço não passou de Cabo de Esquadra na 1.ª Linha, e foi promovido aos Postos de Ajudante, Major de Milicias, e que foi reformado com o mesmo Soldo de 13$000 réis, que tinha. E na Patente de Tenente Coronel, do que não tem rasão de queixar-se, e por isso inderida a pertenção do Soldo, sendo a Commissão igualmente de parecer, que o Supplicante requeira á Regencia para lhe deferir como for de jussiço á de ser aggregado ao Castello de Vianna.

Sallão das Cortes 23 do Março de 1821. = José Antonio da Rosa = Francisco Xavier Calheiros = Francisco ao Magalhães de Araujo Pimentel = José Maria de Sousa e Almeida = Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello = Bernardo Corroa do Castro Sepulveda = Barão de Molellos = José de Mello e Castro de Abreu.

Silvestre José de Borba, Furriel da 6.ª Companhia do Regimento de Artilheria da Bahia, e Commandante do destacamento do Bergandim Gloria, expõe a este Augusto Congresso, que se acha preso na Cadêa da Corte por se ter demorado em terra, quando viera receber o pagamento para o destacamento, pertencente ao mez de Fevereiro ultimo, que teve a infelicidade de lhe roubarem.

Allega ter feito serviços em Pernambuco, e Bahia, de que junta attestações, pede por isso perdão.

A Commissão de Guerra não póde formar opinião segura das circunstancias em que se acha o Supplicante, por quanto alem da confusão do requerimento, nem conhece á ordem de quem está preso, entretanto he de parecer, que á Regencia he que compete tomar conhecimento da sua pertenção.

Sallão das Cortes 26 de Março de 1821. - José Antonio da Rosa - Alvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Povoas - José de Mello e Castro de Abreu - Antonio Maria Ozorio - Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello - Francisco Xavier Calheiros - Francisco de Magalhães de Araujo Pimentel - José Maria de Sousa e Almeida.

Francisco Pinto da Sylva Rego Tenente Coronel do Regimento de Barcellos que tendo alentado Praça na 1.ª Linha em 1796 servira, na mesma até 1814 não só sem nota, das com distincção, offerecendo-se em algumas occasiões para os Postos, avançados como feroz em Montealegre, e que em Selamonde, sendo atacado por hum numero muito superior de forças pela boa retirada, que fizera perdeo só hum Soldado; que na defesa da Ponte d1Amarantc se distinguira, desempenhando Commissões arriscadas debaixo do fogo do Inimigo. Para prova apresenta attestações dos differentes Chefes debaixo de cujas ordens servio, e hum instrumento justificativo de testemunhas. Queixa-se que tendo passado para Tenente Coronel do Milicias, sendo Capitão do Regimento de Infanteria N.° 9, se lhe não não conservára soldo, e pode ser despachado Coronel Aggregado com soldo, que lhe competia se fosse reformado, quando da 1.ª Linha passou para Milicias, graça a que julga ser direito pelos muitos annos, que tem de serviço.

A' Commissão de Guerra parece que não tendo o Supplicante senão 17 annos e 3 mezes de serviço na 1.ª Linha pelo Alvará do 16 de Dezembro de 1790, que regula as reformas, não tinha direito a ella, salvo se estava comprehendido na excepção do mesmo Alvará, pelo que á Regencia pertence a decisão da sua pertenção, tem como a da graduação que requer, porque á mesma Regencia pertence conhecer se o Supplicante tem os requisitos necessarios para ser Coronel de Milicias. Sallão das Cortes em 26 de Março de 1821. - José Antonioda Rosa - Alvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Povoas - José de Mello e Castro de Abreu - Antonio Maria Osorio Cabral - Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello - Francisco Xavier Calheiros - Franco de Magalhães de Araujo Pimentel - Barão de Mollelos - Bernardo Corrêa de Castro e Sepulveda - José Maria de Sousa e Almeida.

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A Commissão Militar examinou o Requerimento dos Officiaes da Armada Real, que servil ao na Esquadrilha do Guadiana no tempo da Campanha; Elles concorrerão muito efficazmente para o exito da Campanha por terem mantido aberta a communicação entre o Exercito Alliado e o Governo de Cadiz, por terem protegico differentes vezes com o fogo das Embarcações a retirada dos Exercitos Hespanhoes do Commando da Genaraes Coupons, Ballasteiros, Blake Cruz, Pusterlá, e o ingresso destes mesmos Exercitos do Reyno do Algarve para o Condado de Nicbla, assim como os do Cominando dos Generaes Morilho, Conde de Penne, Villanucva, Zoias, Lardezabal, e sobre tudo por haver em defendido da invasão do Inimigo o Reyno do Algarve e parte do Alem-Tejo desce a Foz do Guadiana até Mertola.

Allegão tambem os Supplicantes que baterão por milheis occasiões o Inimigo, obrigando-os duas vezes a abandonar a Cidade de Ayamonte, em os habitantes devêrão a Salvação dos seus bens ás operações da Esquadrilha, a qual protegeo com hum assiduo fogo á retirada dos Exercitos Hespanhoes, cuja perda sería inevitavel se não fosse ella, que obrigarão o inimigo a retirar-se da margem esquerda do Guadiana, destruindo-lhe dous Fortes, e finalmente que cortárão a introducção de viveres para os Exercitos Francezes do Condado de Niebla, Andaluzia, e sitio de Cadiz, Serviços que merecêrão o reconhecimento do Governo Hespanhol, o qual condecorou o Commandante da Esquadrilha com a distincta Ordem de Carlos terceiro.

Em attenção a estes Serviços pedem os Supplicantes que se mande declarar o Serviço da Esquadrilha do Guadiana, durante a Campanha, digno de attenção para haverem os que servirão nella, a condecoração da honra respectiva, e concedida no Decreto de 28 de Junho de 1816 aos Officiaes do Exercito.

A' vista dos Documentos que os Supplicantes ajuntão parece á Commissão que os Officiaes da Esquadrilha do Guadiana merecem as condecorações das Cruzes de Campanha, habilitando-se na fórma do que determina o Decreto. Salão das Cortes 30 de Março de 1821. Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello - Francisco de Magalhães de Araujo Pimentel - Francisco Xavier Caldeiros - Alvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Povoas -- Antonio Maria Osorio Cabral -- José de Mello e Castro - Barão de Molellos - José Maria do Sousa e Almeida.

O senhor Castello Branco apresentou e leo hum Projecto para reducção do Exercito.

O senhor Ferrão apresentou tres Memoris - 1.ª sobre o augmento e repartição dos Tribunaes de Appellação em todo o Reyno - 2.ª sobre o damno dos contractos Emphiteuticos - 3.ª sobre a representação das Cameras do Douro. Forão remettidas ás Commissões de Agricultura, e Constituição.

O senhor Freire leo o Decreto para abolição da Inquisição. Discutio-se ácerca do preambulo, e disse:

O senhor Pimentel Maldonado. - Não foi por tal motivo que o Congresso decretou unanimemente a abolição da Inquisição. Foi a injustiça abominavel de similhante instituição, que nos obrigou a isto. Bem claramente se discutio, e ponderando-se o assumpto por mui diversos modos, bem que todos concordes na extincção deste Tribunal, não houve hum só Deputado que se lembrasse de tal fundamento. Que vem a dizer multiplicidade de Tribunaes, á vista de tamanhas rasões quaes forão as que se expendêrão neste lugar? A Commissão Ecclesiastica devia cingir, se a ellas. Voto pois, que torne o Decreto a organizar-se, e que se fundamento no verdadeiro motivo da nossa decisão. Foi, o torno a dizer, a injustiça abominavel da instituição, e não a multiplicidade de Tribunaes.

O senhor Fernandes Thomaz. - Não se declare antes rasão nenhuma: essa he offensiva ao decoro, e luzes do Seculo e sentimentos desta Assemblea. Seria ridiculo que no Mundo se dissesse, que se tinha extinguido a Inquisição porque não se podia sustentar, extingue-se porque não deve existir n'hum Paiz em que ha homens livres.

O senhor Vaz Velho. - Senhor Presidente, creio que, apesar de alguns dos Membros deste Augusto Congresso terem clamado, que ninguem deve mais fallar sobre a materia subjeita, com tudo, como este clamor não he o voto da Assemblea, eu tenho a faculdade de poder expor a minha, opinião. Este Decreto, senhores, de que estamos tratando, sobre a extincção da Inquisição he hum Diploma, que sendo posterior ás Bases da Constituição, elle não póde desviar-se dos principios nellas adoptados. Nós estabelecemos nas Bases da Constituição principios de liberdade que são incompativeis em o dicto Tribunal, logo que cousa mais natural, do que dizer-se no Preambulo do Decreto, que se extingue aquelle Tribunal e Inquisições, por ser contrarias aos principies liberaes adoptados e estabelecidos nas Bases da Constituição? Isto he mais proprio, e menos vago, do que dizer-se, que he contrario ao systema constitucional. Este he o meu voto.

O senhor Borges Carneiro. - Votou que no preambulo se dessem estas rasões - Por ser contraria á rasão Natural, á Doutrina do Evangelho, e ao systema Constitucional.

O senhor Maldonado apoyou o senhor Borges Carneiro.

Hum dos senhores Deputados disso que se devia omittir o ser contraria á Doutrina do Evangelho.

O senhor Borges Carneiro Mostrou que com effeito o era, que a Igreja não tinha approvado similhante estabelecimento; que elle da obra do Despotismo dos Papas combinados com os Jesuitas, e com os Aulicos.

O senhor Arcebispo da Bahia. - Conciliou estas differentes opiniões, julgando que bastaria dizer-se no preambulo, que se extinguia a inquisição, por não ser compativel com o estado Constitucional.

Proseguio a discussão, e ultimamente ficou approvado o Decreto com declaração de que no preambulo sómente se dissesse -- que a sua Existencia era contraria ao systema Constitucional, e que assim se expedisse.

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Fez-se chamada nominal, e achou-se faltarem os senhores - Sepulveda - Brotero - Resende - Araujo Pimentel - Guerreiro - Ferreira Borges - Rebello -- Gomes de Brito - e estarem presentes 83 dos senhores Deputados.

O senhor Secretario Freire leo o 3.° artigo do Decreto sobre o tempo de serviço dos soldados: depois de alguma, discussão, concordou-se em omittir as palavras = sem nota de deserção = e que o artigo 4.º se reduzisse por esta maneira = Nos annos successivos se continuarão a dar baixas, na conformidade dos artigos antecedentes = e que tornasse o Decreto á Commissão para o redigir, e expedir-se na forma determinada.

Discutio-se o artigo 3.° do Decreto sobre Bens Nacionaes, e amortização da Divida Publica, e resolveo-se - Que a 1.ª parte fosse substituida pelo artigo 1.º do Projecto do senhor Alves do Rio, accrescentando-lhe a 2.ª parte do Decreto que se discute = ficando sómente exceptuados os Palacios, etc.

Sobre o artigo 3.° houve breve discussão á cerca do melhoramento das Commendas de Malta, e disse.

O senhor Vasconcellos, que os Cavalleiros de Malta tinhão feito despias de que deverião ser indemnizados.

O senhor Peixoto apoyou o senhor Vasconcellos, dizendo: que os Cavalleiros tinhão despendido em boa fé, porque as leys existentes lhes promettião bom premio de suas antecipações ; e, huma vez que o Congresso muda agora essas leys, parece justo que os indemnize pelos rendimentos da Ordem.

Resolveo-se que este 3.° artigo fosse substituido pelo 2.º emendado, do referido Projecto do senhor Alvos do Rio.

O senhor Secretario Freire leo o artigo 4.º no qual se determina que para amortização da divida se applique o rendimento dos Beneficios, Officios, e Dignidades da Igreja Patriarchal.

Começou-se o debate, e disse logo:

O senhor Bordes Carneiro. - Para bem se conhecer a justiça da doutrina deste artigo 4.°, e mesmo a emenda que elle deve sofrer, cumpre fazer huma breve exposição sobre a instituição da Patriarchal, e a natureza dos seus rendimentos. Na Hespanha, França, Allemanha, Russia, etc. não ha Patriarchal porque não cabe lá, e hum estabelecimento que só poderia caber nos immensos Estados do Thibot ou Grão Mogol, poude com tudo caber no pequeno Reyno de Portugal. Assignalou-se-lhe, conforme o orçamento que nos foi presente, o rendimento annual de 230 contos de réis consistente nos terços dos dizimos de todos os Bispados, e em muitos foros, e rendas que das Provincias forão puxados a esta Capital. Desde então subo hum golpe de sangue á cabeça de Portugal; cahio este Reyno em Apoplexia, e os membros do seu corpo, exhausto o sangue, ficarão paralyticos. Fallarei sem figura: desde então campeou Lisboa com hum luxo ecclesiastico, em cuja presença ficarião corridos os Apostolos os Bartholomeus, e os Brandões, e os moradores das Provincias do Reyno, forão reduzidos a pedir esmola. Assim succede quando, em lugar de Cortes formadas de Procuradores de todos as Cidades, e Villas, está o Governo todo em poder de alguns Aulicos, seculares e ecclesiasticos, residentes na Capital.

Ao Reyno cumpre em todo elle
Ter a quem o seu mal doa:
Não passar tudo a Lisboa,
Que he muito peso com elle
Mette o barco n'agua a prôa:

disse já hum dos nossos mais antigos e illustres Poetas. - Esta boa obra, sem a qual Portugal pagara mui bem por mais de 600 annos, fundou em fim o Papa por aucioridade Apostolica; porém se os Bispos não houverão sido subjugados pelo despotismo papal e real, e pelas machinações dos Jesuitas, e Cortezãos, facil cousa lhes seria sustentar com huma auctoridade igualmente Apostolica; que os dizimos erão pela sua primitiva natureza, e applicação destinados para serem gastos dentro das mesmas Dioceses onde os fructos se lavrão, e que não podião ser arrebatadas para se fundar na Capital hum estabelecimento vaidoso em que sobre as ruinas dos exhaur dos Provincianos nutrissem alguns ecclesiasticos o fausto, e pompa mundana a que havião renunciado no baptismo, e ordenação; sem estabelecimento inutil que dizião fundar-se para honra, e gloria de Deos quando realmente se fundava para honra, e gloria de alguns; para se accommodarem os filhos segundos dos Fidalgos, que não querião dar-se ao trabalho de servir a Patria ou nas armas ou nas letras; para ostentar em Reyno pequeno huma nova Corte ecclesiastica qual a que se faz em Roma a hum Soberano essencialmente ecclesiastico; huma Corte cujo Chefe enfatuado no seio de tantas riquezas honras, e privilegios (só o seu chapéo com os outros 3 chapéos Cardinalicios vindos de Roma desde o anno de 1755 custão annualmente a Portugal 3 contos de reis, ao todo até o presente anno 123 contos e 600 mil rés; eu não dava por estes 4 chapéos 123 reis! Com quanta rasão os Romanos sobre nos chuparem este, e outros muitos dinheiros nos chamarão ainda tolos! Quantos Lavradores e Arestas, e quanta parte do anno trabalharão duramente para se assentar o custo de hum destes chapéos! Expliquemos isto dizendo com Boileau que do Perú até o Japão he o homem o mais tolo, e incoherente de todos os animaes!): das deixando já a digressão de tão ridiculos chapéos, hum Chefe, dizia eu, que enfatuato em tantas vaidades se affincasse a pertender transtornar os limites do Sacerdocio, e Imperio como se fosse ainda possivel resuscitar as absurdas doutrinas dos Seculos 15, e 16; supprimir primeiro, e depois inutilizar a execução de hum Breve que tendia a aliviar a falta de azeite, e peixe, e a prevenir a sahida do pouco dinheiro que ainda resta neste Reyno; contrariar constantemente as operações do actual Governo; manter com elle argumentos enphaticos, e ironicos; desobedecer-lhe; procurar irritar o Povo a dissidencia; e (não o direi sem horro) commetter era fim a louca, e criminosa ousadia de esperar a occasião mais festiva, e solemne que ainda vio Portugal para notar de irreligiosas, e recusar reconhecer as Ba-

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ses da nossa Constituição, a obra dos Illustres Representantes da Nação Portugueza, sanccionada pelo voto geral della, quando mesmo acabavão de ser proclamadas á face dos Santos Altares entre os mais energicos transportes de todas as classes dos Cidadãos desta Capital como se fosse aquelle homem mais religioso que huma Nação sempre religiosissima, mais illustrado que tantos, e tão illustrados Prelados Seculares, e Regulares que ou havião cooperado na formação das mesmas Bases, ou se apressavão alegremente a jurallas, e reconhece-las naquelle acto solemnissimo.

Quando pois consideramos (por atar já o fio do discurso) a inutilidade do tal Estabelecimento, a impossibilidade de o manter nas precedentes urgencias do Estado, a contradicção em que está com a nossa ditosa regenerarão, he a natureza de seus rendimentos verdadeiramente Nacionaes, não sómente devemos, Senhores, fazer pagar por elles aos credores da Nação que pela maior parte residem nas Provincias donde os mesmos rendimentos forão arrebatados; mas devemos (e esta he a emenda que eu proponho ao artigo que se está discutindo) revogar o Beneplacito Regio que o illudido, e desaconselhado Rey Senhor D. João V., deo á famosa Bulla da Fundação da Patriarchal, e extinguir esta grão fanfarronada da politica, e da vaidade humana, pondo-se tudo no mesmo pé em que estava pelas Bullas antecedentes, e daixando-se aos actuaes Empregados em quanto vivos forem huma renda conforme as suas respectivas Dignidades, e á generosidade dos Portuguezes.

O senhor Sarmento. - Eu creio que não haverá pessoa alguma em Portugal, que não ache repugnante ao interesse da Nação hum estabelecimento tão extraordinario como a Patharchal: he bem sabida a decadencia e a ruina da Nação Portugueza; e todas as pessoas que tistimunhão as miserias dos Povos, e o resultado das chamadas dos dizimos das Provincias para Lisboa, não poderão deixar de contemplar similhante estabelecimento como digno de reforma. Sou de opinião não só inclue na nossa desgraça, mas grande parte da decadencia do espirito publico de Portugal provem de similhante estabelecimento. Muitas familias de graduação, das quaes sahirão Vice-Reys do Oriente, e Governadores d'África, coutentão-se agora com o apparato Patriarchal. Este estabelecimento influe tambem na decadencia dos nossos costumes: até ao tempo d'ElRey D. João V. ainda aparecerão Fidalgos, que a toda a parte levarão o estrondo das armas Portuguezas; porem dahi por diante fomos obrigados, a chamar Estrangeiros para commandar as nossas Tropas, e eu não attribuo isto senão a hum tal estabelecimento. Estou pois persuadido que o Congresso não poderá andar com aquella moderação tem regulado todas as outras reformas; porem deve cuidar-se de fazer huma reforma que renua ambas as Igrejas de Lisboa, que faça hum Cabido com a decencia e gravidade que he necessaria para o Culto externo, e não com as extravagancias com que se acha na epocha presente: e feita a raforma resultarão grandes interesses á Fazenda Publica.

O senhor Moura. - Acho hum objecto que merece preferencia a todos, e por isso antes de contrahir as minhas observações tanto á diminuição das dotações das dignidades Ecclesiasticas como á extincção da Patriarchal, ouso chamar a attenção da Assembea a hum ponto de maior importancia. Ha huma vontade na Nação Portugueza que resiste a tres milhões de vontades; ha hum homem, ha hum Portuguez, que declara que não jura observancia ao que a Nação tem declarado como Ley fundamental. Isto he crime, ou não? se he crime, he preciso que este crime se analyse, he preciso que se castigue este crime Sei que o Governo Executivo tomou providencias a este respeito, mas foi só para obviar as consequencias que de similhante declaração pudessem seguir-se. Acho que estas medidas são medidas provisorias, medulas que não poderão satisfazer. Alem disto, eu odeio muito os actos arbitrarios e occultos; quero huma decisão tomada á face da Nação, quero que o exame das arções dos Cidadãos se fação em publico, para que todos conheção a justiça, ou injustiça dellas. Por ora chamo a attenção da Assemblea a este exame. Ha hum Cidadão que diz "A Nação declarou huma Ley, mas eu julgo que não devo observancia a esta Ley" He preciso pois examinar a natureza do facto que pratocou este Cidadão, he preciso que vejamos se elle he criminoso; sendo-o, he necessario hum Tribunal que o julgue, e he necessario hum Tribunal que o julgue, e he necessario tambem que todos declarem a sua opinião a este respeito; porque a Assemblea e a Nação não podem ver similhantes ftactos com indifferença. A natureza, e a verdade exigem que nos expliquemos todos a este respeito, e que analisemos qual he a sancção das Leys fundamentaes do Estado.

O senhor Presidente chamou a attenção do Congresso ao artigo do Projecto que estava em discussão, dizendo: que a moção do senhor Moura era fóra da ordem. (Foi interrompido e proseguio.) Não ha duvida que o Congresso ha de tomar conhecimento deste caso, mas parece que se deve mandar á Regencia, para que ella participe o que ordenou a este respeito.

O senhor Moura. - O facto he demasiadamente notorio. A Regencia não póde senão dar conta das providencias que tomou sobre este facto. Não quero analysar o precedimento da Regencia, quero examinar o facto: e por isso he que chamei a attenção da Assemblea. He preciso que se decida se se deve suspender o objecto de que se está tractando; porque não posso ver que hum Membro tocasse no facto para que chamo a attenção da Assemblea como po transição, e que a Assemblea não determine que se deva tratar delle desde já.

O senhor Castello Branco. - He hum facto de maior transcendencia, e póde inverter a tranquillidade publica. Jamais se devem inculcar em taes circunstancias medidas de temor da auctoridade. Isto he muito para merecer a discussão da Assemblea, e eu apoyo a moção do senhor Preopinante, ainda que diversificação em idéas.

O senhor Fernandes Thomáz. - Eu estou hum pouco informado do que a Regencia tem feito a este respeito, porque vi as Ordens que ella expedio. Obrou sem duvida muito circunspecta: e para informar o Congresso, e para que elle conheça se he necessario

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ou não deliberar sobre este ponto, em direi o que sei. A Regencia mandou que o Eminentissimo Patriarcha vá para o Bussaco acompanhado por huma Escolta de Cavaderia, a qual oponha onde elle quiser, porque tanto, diz a Regencia, he necessario para segurança de sua pessoa, e decoro della. Isto parece bem, mas não não basta, O Cardeal Patriarcha, pelo acto que practicou, dá a entender que mais alguma cousa existe do que aquillo que elle fez. A rasão o deve descobrir, isto deve-se saber, a Nação deve olhar pela sua conservação: em hum Governo que está a ponto de a consolidar, todas as medidas são legitimas, todos os meios são justos, quaesqner que elles sejão, para a sua consolidação, para a sua condenação, e existencia. Não ha Negocio nenhum mais importante do que este, e eu requeiro ao Congresso que delle se trate com limita particularidade. Hum Juiz Eclesiastico, que ousa resistir a hum assento do Desembargo do Paço, a primeira cousa que se lhe faz he proceder ás temporalidades contra elle. O Cardeal Patriarcha resistio á resolução da Nação inteira, e he mandado com decoro, com segurança, e como elle quizer para o Bussaco. Elle commeteo hum delicto, he necessario que seja julgado como hum deliquente, e que seja julgado competentemente: a Nação precisa de tomar medidas muito vigorosas. Pelos mesmos motivos eu requeiro que o Congresso mande sem demora remetter para o Rio de Janeiro as Bases da Constituição, pois que ellas estão Juradas, e Decretadas. S. Magestade deve saber o que se tem feito em Portugal. Os Portugueses devem saber se o Rey quer, ou não adoptar essa nova ordem de cousas. O Rey he bom, quer o bem da Nação, e dos Portuguezes; mas elle está cercado de quem tem sentimentos contrarios, e isto não faz conta: nós devemos saber qual deve ser o nosso destino para o futuro, se podemos contar com elle, como elle póde contar comnosco; porque daqui depende a nova felicidade. Os procedimentos do Patriarcha nascem da incerteza em que as cousas estão; nasce de deixar-se faltar impunemente todo o Homem que ataca o Congresso: não ha paiz, por mais civilizado que seja, onde só não considere como Ley fundamental do Estado o castigar todos os que atacão a existencia do mesmo Estado, e sua segurança. O Cardeal Patriarcha não quer jurar senão com as restricções que lhe lembrarão: e porque rasão? Se elle julgou que entende alguma cousa com a sua consciencia, para que foi tão omisso Pastor, para que mandou ao seu Clero, e a todos que obedecessem? Qual he a rasão porque disse aos seis subditos que jurassem? Manda aos outros que jurem, e não quer jurar! Assento que quer ser chefe de partido, e enganar os Povos; mas elles já só não degolão por questões de Theologia. Devem suffocar-se as dissenções: a nossa Revolução tem sido unica, e unica ha de ser. Ninguem ha de padecer senão elle, e todos que com elle se oppuzerem a este Congresso. Este Congresso tem sentimentos justos, religiosos: nelle existem os Prelados mais conspicuos da Nação Portugueza, existem homens sabios, homens cujos conhecimentos se estendem ás materias que podião, e podem fazer objecto das duvidas do Cardeal Patriarcha. Nestas circunstancias não senão que a vontade do Cardeal Patriarcha talvez seja o fazer-se celebre: não penso que queira mais celebridade do que consegue em hir o seu nome á Folhinha como Cardeal, e como Patriarcha: se quer outra celebridade será para nos custar mais caro do que nos tem custado hum desatino que a elle tambem custará, e a todos com elle. Nestas circunstancias requeiro que o Congresso decida quaes são as medidas que necessita o caso, que certamente he grande, e de muita importancia. He do nosso dever o tornallas: a Regencia deve informar o Congresso de quaes são as providencias que tem dado a este respeito, para o Congresso resolver quaes são as que deve tomar para depois.

O senhor Moura. - Eu fui o Auctor da moção. Eu podia que se tratasse disto, não só nesta Sessão, mas em huma Sessão permanente, e que nos não retirássemos sem analysar este facto. Não precisavamos de informações nenhumas daRegencia a este respeito; mas se ellas são precisas convenho que se mande chamar o Ministro desta Repartição, para vermos o que a Regencia tem feito, e então direi a minha opinião.

Declarou-se a Sessão permanente: decidio-se que este assumpto passasse a ser a Ordem do dia, e que fosse chamado o Ministro dos Negocios do Reyno, para se apresentar ante o Soberano Congresso, trazendo os papeis, ordens, e informações relativas ao negocio do Cardial Patriarcha. Officiou-se immediatamente á Regencia, e proseguio a discussão.

O senhor...... (Não vinha o nome) Eu acho que a resistencia ao Juramento das Bases se reduz a não querer observar as mesmas Bases. O Cardeal Patriarcha não quer observar as Bases, porque elle não disse só que não queria jurar, mas disse que não queria observar, e isto he claro; porque o Juramento que se exigia era para observar as Bases: o Cardeal Patriarcha disse que não queria jurar, logo disse tambem que não queria observar. O crime maior que póde commetter todo o Cidadão Portuguez, depois de delegar, e concorrer para a delegação da Soberania do Congresso, he declarar que não está bom a decisão do Congresso: este he o maior crime, porque he retructar tudo que ratificou quando doo os poderes ao Congresso. Logo não póde deixar de classificar-se esta resistencia que o Patriarcha fez á observancia destes dous artigos senão como huma rebeldia á Soberania Nacional. Declarou pois o Cardeal que o Congresso ou decisão do Congresso póde ser retractada por qualquer Cidadão Portuguez. Ora se isto he hum crime, he muito maior quando vistos os artigos que elle não quer jurar, pela connexão que tem com a Religião, póde fazer entender aos Povos que ha nelles assumptos que interessão suas consciencias; e fazer entender isto aos Povos, he provocar os Povos á rebellião. Aqui temos pois dous delictos: primeiro resistir a vontade da Nação: segundo provocar os Povos á rebellião, isto são dous delictos de huma natureza muito importante. Ora vamos a ver que pretextos poderia ter este Cidadão quando não quer observar esses dous pontos, estas duas Bases. Não poderia haver impli-

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cancia nenhuma com a consciencia do Cardeal Patriarca em observar hum artigo em que, tratando-se da Religião Nacional, se diz que a Catholica Apostolica Romana: nada ha mais claro, isto não involve principio nenhum que possa complicar-se com a consciencia. Dizia-se ao Cardeal Patriarcha que jurasse, que a Religião da Nação Portugueza era a Catholica Apostolica: dizer que não quer jurar este artigo, he dizer que não quer observar que a Religião Portuguesa he a Catholica. Eu não creio que isto he manobra - mas o tempo decidirá. Eu penso que o Congresso, sem tomar conhecimento dos particulares que acompanhão este negocio, está em termos de declarar que elle de obra da ignorancia a mais crassa, e scississima. Poderá ser effeito de manobra, eu não sei: poderá ser que elle queira fazer-se chefe de huma nova ordem de cousas: o Congresso não está habilitado para decidir o que he, mas está habilitado para decidir, que a deliberação do Cardeal Patriarcha he filha da mais grosseira e mais supina ignorancia. Declaro pois que a minha opinião he, que o procedimento do Cardial Patriarcha he effeito de huma ignorancia crassa, ou de huma manobra; mas que a materia deve decidir-se n'hum Tribunal especial, erigido nas Cortes ou fora dellas; e que o Cardeal Patriarcha deve ser ouvido sobre este negocio, e ouvir a sentença que o condemne, ou absolva.

O senhor Castello Branco. - Apoyo em parte a moção dos Illustres Preopinantes: conheço perfeitamente a força de suas rasões, a importancia do negocio, e as idéas que se podem formar contra elle; entre tanto as minhas idéas diversificão em parte das dos Illustres Preopinantes, e são outros os principies que me dirigem. Em casos de igual natureza temos a encarar duas epochas: aquella em que se recusa jurar, outra em que se he perjuro. Quando os individuos que compõe a Sociedade Portugueza actual nascerão, foi debaixo de outra condição, foi debaixo de outras leys. A respeito dessas he que se deve entender o juramento tacto que todo o Cidadão presta, para gozar do beneficio de Cidadão. Quando se estabelece huma nova ordem de cousas, quando o Pacto Social vem inteiramente mudar de principios (ainda que sejão para melhor, e ainda que mais liberaes, como felizmente nos acontece agora), não se póde julgar criminoso aquelle que recusa abraçar essa nova ordem de cousas. Cidadãos forçados não devem existir antes de abraçar a nova Ley: por isso não posso convir em que o Patriarcha seja julgado como Reo. Huma vez que o facto he notorio, que não precisa de prova alguma externa, devemos applicar-lhe a Ley da justiça, a unica que eu acho que tem lugar nas circunstancias actuaes. Aquelle que não quer abraçar a nova ordem de cousas, que não quer conformar-se com a vontade geral da Nação, deixa de ser Cidadão, perde todos os seus direitos, perde todos os seus empregos, perde todos os beneficios que lhe provêm da sociedade, e novo Pacto Social; e por consequencia, como individuo perigoso, como individuo estranho a esta Sociedade, deve immediatamente ser expulso della, não como Reo, porque, já digo, não o considerar como tal. O Reo he hum infractor da Ley, não e posso considerar como infractor de huma Ley que não abraça, e huma Ley nova; mas por esse facto deixou de ser Cidadão. Por isso o procedimento que acho que deve ter-se com o Cardeal Patriarcha he, mandallo para fora da Sociedade com a segurança precisa; porque deve ser mandado com a segurança que a tranquillidade publica exige; deve marcar-se lugar onde deva ser posto, e depois fique na sua liberdade, e fique onde quizer. Se pela beneficencia da Nação se lhe devem prestar os soccorros dispensaveis para-a sua unica subsistencia, são cousas que devem tratar-se ulteriormente, entretanto os principios porque deve ser julgado penso que são estes que acabo de declarar.

O senhor Fernandes Thomaz. - Senhor Presidente, eu creio que os que preopinárão antes do Illustre Preopinante são concordes com a sua opinião. Elles dizem que o Cardeal Patriarcha deve ser julgado como delinquente: o illustre Preopinante du que não dislinquio, mas que deve ser expulso, e perder todos os seus direitos, e prerogativas. A pena não se impõe senão a hum delicto, e não se impõe senão a hum Reo que he julgado. O Cardeal Patriarcha não quiz jurar: portanto quer viver nssta sociedade, mas quer viver á sua vontade, e não á nossa. Achou não ser isto hum delicto......Pois o que he? Se elle dissesse francamente. A doutrina destas Bases não he conforme ao meu modo de entender, peço licença para hir para fora do Reyno nada mais justo: mas conservar-se em Portugal? querer ser Cardeal, e Patriarcha, querer gozar da auctoridade, usufruir as rendas, e executar como Pastor as Leys que quizer, e não fazer caso das que quizer, nada mais injusto. De mais o illustre Preopinante concorda em que póde ser expulso de Reyno, e proceder-se ás temporalidades contra elle; se elle assenta que fica melhor era não ser julgado, ser expulso, e perder toda a consideração eu assento que se lhe faz maior favor em crear hum Juiso, e declarar o modo porque o Patriarcha deve ser julgado, por que lealmente elle vem a soffrer huma pena, e não pequena, que he o ser desnaturalizado, e isto assentava eu que era pena, e só se impunha a hum delicto.

O senhor Moura. - Parte do que eu tinha a dizer foi prevenido pelo illustre Preopinante. - Eu não posso ser da opinião do senhor Castello Branco, porque elle seguindo o Patriarcha hum destino que esta Assemblea ha de dar, considera-o como pena de hum facto, e não quer considerallo como Cidadão. Se elle não he Cidadão por que não quiz acceitar o Pacto Social que ternos erigido nos seus primeiros fundamentos, então he preciso que haja Tribunal que decida qual he a pena ou o destino, que devem ter os que não querem ser Cidadãos. Todo o individuo, que está aggregado a huma sociedade reclama que, tratando-se de lhe impor huma pena, seja pelos princípios que dicta a justiça universal, isto he, que se lhe forme hum processo bem organizado, em que elle seja ouvido. Se fosse decidida a opinião do senhor Castello Branco, teriamos decidido que tinhamos julgado hum homem, mas sem o ouvir. Quando nós tratamos de qualifi-

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tar as acções que hum Cidadão practicou, he preciso que primeiro se veja se são crimes: he por isso necessario hum Tribunal que conheça, e julgue; em que este Congresso decida, que este facto não he criminoso.

O senhor Castello Branco. - Eu lembrei estes principios, porque forão tambem os que adoptou a Assemblea de França. Todos os Bispos que recusarão prestar o Juramento Civico, não se procedeo contra elles, perderão os Bispados, e forão banidos; não se, podendo considerar Delinquentes no rigor da palavra. Acho o facto verdadeiro, e concordo eu mesmo que esta he a maior pena que se lhe póde dar, porque, convindo no effeito, eu convenho no mais.

O senhor Moura. - O Cardeal Patriarcha já jurou estar pela. Constituição, já he hum Cidadão, e subjeito ás modificações que o Pacto Socia, soffreo pela nova Ordem de cousas. Agora porém declara-se refractario. He isto crime? Se o he, seja julgado, e primeiro ouvido. Se o não he, que destino devem ter na Sociedade aquelles Individuos, que senão querem ligar ás mesmas Leys, a que os outros Socios se ligão? Este he que he o ponto da questão.

O senhor Pimentel Maldonado. - Com que pureza de conscienciencia o Cardeal Patriarcha mandou jurar sem ristricções aos seus Desembargadores, e a todos os Parochos do Patriarchado, e elle só com restricções quer a jurar ? Eis hum attentado, que se reveste das circunstancias mais singulares. Por hum lado apparece toda a fealdade de hum grande crime, e por outro o summo desvarío de hum espirito inconsequente. Querer jurar, o artigo em que se declara a Soberania da Nação em seus Representantes, confessar deste modo que deve obedecer, e protestar ao mesmo tempo que não obedece, he hum a singularidade, que não se podia prever. E com effeito acontece. He universal o espanto, e indignação que tal procedimento tem motivado. Affaste-se o motor de huma desordem tão nova, quanto escandalosa. A Regencia decidio como devia, e decidio promptamente: e com justissima causa este Congresso a quer acompanhar no exame de tão estranho acontecimento.

O senhor. Borges Carneiro. - Nada he tão natural como que os Membros de huma Sociedade sejão expulsos della, quando se fazem indignos de partecipar dos seus bens. Neste sentido a Igreja practicou a sua pena de excommunhão aos fieis refractarios contra as Leys da Igreja: elles erão excluidos da Communhão da Igreja a excommunhão não produzia effeitos civis, e temporaes, mas privava aos fieis todas as graças dos Sacramentos, das Orações, etc. Esta a natureza de todas as sociedades. Logo pois que o Cardeal Patriarcha se não subjeita a alguns dos artigos das Bases da Constituição, á sociedade civil declara que não quer estar no gremio dessa sociedade e não quer gozar das honras, graças, e privilegios que delia provem. Alem disto está incurso noutro já no lado principio, de que tendo jurado estar pela Constituição, quebra esse juramento. Por antigo costume de que se faz menção no tempo de D. João IV., relativo aos Ecclesiasticos que se communicárão com a Hespanha pela Acclamação de ElRey D. João IV., e pelo direito publico e mesmo Leys do Senhor D. José I. se estabelecem principies que estão superabundantemente tratados por Vanespen; e são estes principios, que o foro Ecclesiastico não compete aos Bispos nos casos de Alta traição, porque se julgou que elles por este facto perdião o seu Foro, e são então julgados por inconfidencia. Em casos de muito menor gravidade temos estabelecido huma boa disposição: quando os Prelados e Bispos não cumprem as Cartas Rogatorias do Juiso da Corôa, e se passa a tomar assento no Desembargo do Paço, principião por perder as, temporalidades até ao ponto de serem desnaturalizados, toda a Vez que não cumprem a disposição do Desembargo do Paço. A' vista disto se vê que o Patriarcha deve ser desnaturalizado. Quanto ao modo de o julgar, a mim me parecia que devia ser julgado com Audiencia sua; e como este Juiso que o julgar deve ser escolhido o mais proprio, a não o querer em cabeçar nos crimes de alta traição, o Juiso deve ser o da Corôa, ficando auctorizado não para impor penas capitaes, mas para impôr a occupação das temporalidades, e desnaturalização do Reyno.

O senhor Moura. - Tenho que reflectir sobre esta materia, ainda que tenha filiado muitas vezes. O Juiso da Coroa he hum Juiso do Rey, e he o Juiso do Rey em quanto nelle residia a soberania; nisso diversifica hoje porque a Soberania passou para esse Congresso, jogo não devem tratar-se no Juiso da Corôa estas materias. Assento que não implica nada com os principios da Justiça, que se erra hum Tribunal especial, para se julgar este facto practicado pelo, Cardeal Patriarcha. A ordem Judiciaria está subjeita ás decisões, e Leys do Congresso: ella vai padecer huma mudança total; he hum dos artigos que ha de ter entrada na Constituição; logo se está habilitado o Congresso para reformar toda a ordem Judiciaria e dar-lhe huma nova forma, creio que ninguem póde contestar a auctoridade que elle tem para examinar e julgar este delicto, ou esta casta de delictos, de crear hum Tribunal que julgue não só a estas mas a alguns mais, porque póde haver alguns que queirão transtornar deste modo esta ordem, de cousas. Todos os Portuguezes (todos) querem estas mudanças; todos sé submettem á auctoridade deste Congresso, e hum homem só ha de emprehender hum louco projecto, com o sacrilego fim de transtornar esta ordem? Isto merece a comtemplação das Cortes, e está nas attribuições da Soberania. Para que havemos pois commetter ao Juiso da Coroa o conhecimento de similhante negocio? O Juiso da Corôa dirá que na forma do seu Regimento não tem auctoridade para julgar similhante crime, deve pois escolher-se hum Tribunal que se componha de homens sábios e de mais confiança, seja qualquer que for a sua graduação Ecclesiastica ou Secular. Sejão Ecclesiasticos, Pares do Patriarcha, e seja esta a primeira vez que façamos prova da excellente Instituição dos Jurados, ou Juises de facto, de que tanto se gabão as Nações cultas da Europa.

O senhor Peçanha. - He necessario que se estabeleça, não só para este caso mas para muitos outros, porque ha Empregados publicos que desacreditão esta

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nova ordem de cousas, tratando de denigrir o comportamento do Congresso.

O senhor Sarmento. - Creio que não ha Juiso mais proprio do que o Juiso dos Jurados.

O senhor Moura. - Peço que se declare esta opinião, pois que julgo existir huma crise destinada ao transtorno desta ordem de cousas. He preciso que todos digão a sua opinião nominalmente, e que a digão com franqueza.

O senhor Trigoso. - Tem-se discutido com o maior calor possivel esta questão do Cardeal Patriarcha, e tem-se supposto que depois delle ha de haver immensos outros que sigão a mesma opinião, e que em consequencia he preciso erigir hum Tribunal, e tomar medidas para que este erro não lavre. A fallar a verdade, secundo o que entendo, o exemplo do Cardeal Patriarcha não será seguido por ninguem, nem posso perceber em que poderá ser seguido: poderá haver pessoas que não queirão jurar a Constituirão, e que se juntem para fazer huma Revolução e trantornar esta nova ordem de cousas, mas não he esse o caso de que se trata: trata-se do facto de hum homem que, mandando huma Procuração para prestar o juramento ás Bases da Constituição, põe restricções em dous Artigos, hum delles diz: que a Religião da Nação he a Apostolica Romana: que duvida póde ter o Cardeal Patricarcha em jurar este Artigo? Logo a sua duvida não he mais que huma allucinação; mas a Religião Catholica póde não ser a unica que se determine na Constituição: e quem certificou isso ao Cardeal Patriarcha? quando lhe mandassem jurar a Constituição, então he que tinha lugar essa duvida, se lá achasse determinado que a Religião Catholica não era a unica, e não agora. Vamos ao segundo Artigo, não quer jurar que haja liberdade de Imprensa nas Obras que traão de Religião, mas a observancia desse Artigo depende do Cardeal Patriarcha? certamente não: os Bispos não receberão de Christo o poder de prohihir a impressão e publicação de livros, isso pertence ao poder Civil. Que duvida póde por tanto ter o Cardeal Patriarcha de jurar a observancia de hum Artigo que não depende absolutamente delle? Outra allucinação. Em fim eu vejo em tudo isto hum escrupulo tão subtil que eu mesmo não o posso entender, e de certo assento que isto não póde ser imitado por pessoa alguma: nem elle se póde considerar como Chefe de huma Revolução, pois que elle mesmo reconhece os outros artigos tão importantes, como a Soberania da Nação, as restricções do poder do Rey, a creação do Conselho de Estado, etc.: o caso he que o Cardeal Patriarcha foi illudido por algum Conselheiro que lhe não deixou perceber o verdadeiro estado do negocio; elle he o culpado em certo modo desta allucinação; retirou-se de Lisboa no tempo em que aqui devia estar, e em lugar de ouvir o seu Collegio, com quem de direito se devia aconselhar nos casos mais arduos do governo da sua Igreja, ou de ouvir os Ministros da sua Relação, e outras pessoas que o poderião illustrar e passo, desterrou-se a si mesmo para o Tojal, e tomou huma resolução precipitada, obrando inteiramente de facto, e na contradição com os seus Ministros e Cabido. Em consequencia creio que a disposição do Governo foi muito justa: creio que o Congresso deve cuidar era que se faça Processo; nomear huma Commiisão especial está determinado nas Bases que se não nomee, basta que seja remettido para o seu Juizo natural. Não devemos dar huma importancia excessiva a este caso, porque a não merece.

O senhor Moura. - Bellamente analysou o senhor Trigoso o facto do Cardeal Patriarcha, mas ha hum motivo, ou circunstancia, que provoca toda a Sociedade deste Congresso, de que elle não fez monção; este he o exemplo que diz o Cardeal Patriarca a toda a Nação com a resistencia que faz de jurar estes dois Artigos das Bases da Constituição, combinada esta resistencia com a connexão que elles tem com os negocies da Religião. Isto he que merece muito seria attenção. O Cardeal Patriarcha não fez observação nenhuma sobre os outros Artigos, e fez só observação sobre os dous unicos Artigos, que tem connexão com os negocios Religiosos! Este lado da questão he que não foi examinado pelo senhor Trigoso, e para elle he que eu chamo a attenção do Congresso, não para examinar a acção em si, porque bem se vê que ella não he só hum crime, mas he hum absurdo grosseiro. Em primeiro lugar, estes Artigos forão feitos á face de tantos Prelados Illustres, á face da Nação toda. Porque passão todos os mais Artigos, e estes, que são os unicos que tem connexão com os negocios espirituaes, que interessão a consciencia dos Cidadãos não passão pela Chancellaria espiritual do Patriarcha? Estes artigos he que o Patriarcha diz que não quer parar; nisto acho todo o pezo, toda a transcendencia, e toda a sociedade; porque assento que isto póde ter gravissimas e perniciosissimas consequencias: não para os Cidadãos Portuguezes que existem em Lisboa; porque elles conhecem o individuo; dar para tres milhões de individuos que não o conhecem. A importancia moral com que deve considerar-se o dicto de hum homem tão importante como hum Prelado primeiro da Religião, fez presumir que dirão alguns: "Este negocio interessa certamente as nossas consciencias; o primeiro Prelado da Nação disse isto mesmo". E em consequencia eis aqui o lado por onde o negocio merece grande importancia, e este foi o lado da questão que o Illustre Preopinante não analysou.

O senhor Trigos. - Eu respondo a esta objecção. Ouvi dizer que o Patriarcha tinha mandado ao Collegio que jurasse as Bases da Constituição, ouvi dizer que elle mandara aos Parochos que prestassem o juramento, e então será inconcebivel como o Patriarcha quizesse fazer huma Revolução pelo principio que aponta o Preopinante. Supponhamos que he erro jurar estes dous Artigos: o Patriarca quererá que toda a Igreja de Lisboa seja heretica? o Cardeal manda que o Cabido com quem elle forma hum Corpo jure, manda que os Parochos seus Coadjutores no Ministerio jurem todas as Bases, e só elle não quer jurar: quer por amor disto que se facão Hereges, ou Scismaticos os seus Diocesanos, e só o Cardeal quer ser Orthodoxo? Só elle forma a Igreja de Lisboa?

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Outra vez digo: não vejo aqui senão huma pura allucinação do Cardeal Patriarcha, não vejo que com isto elle quizesse persuadir ao Povo que era contra a consciencia jurar os dous artigos das Bases.

O senhor Ferrão. - Sendo eu Parodio de huma das Freguezias de Lisboa, posso informar de officio o Soberano Congresso sobre esta materia - O Cardeal Patriarcha fez expedir pelo seu Secretario Ordem ao Vigario Geral com a copia do Aviso que recebeo da Regencia, determinando-lhe, que convocasse todas as Auctoridades Ecclesiasticas da Capital para prestarem o mencionado juramento nas mãos delle Vigario Geral na Camera Patriarchal, e que depois de o ter recebido das referidas Auctoridades, elle o hiria prestar nas mãos de Sua Eminencia ao Tojal aonde se datou a ordem - O Vigario Geral em consequencia mandou que todas as Auctoridades Ecclesiasticas que não fossem chamadas por outra li e partição, comparecessem na Camera Patriarchal pelas nove horas da manhã do dia aprazado, aonde effectivamente concorrerão, e prestarão sem restricção alguma o juramento ordenado pela Regencia.

O senhor Borges Carneiro. - Considerar como effeito de allucinação o procedimento do Cardeal Patriarcha, não o posso perceber. Eu vejo que o Cardeal Patriarcha desde o principio da Regeneração sempre obstou, e contrariou as vistas do Governo. A Bulia relativa a comer-se carne para se evitar o sahir dinheiro para Inglaterra, e tão interessante ao nosso Estado publico, o Governo, recommendou a execução della; e o Cardeal Patriarcha, não devendo reputar-se mais religioso do que os outros Prelados do Reyno, obstou á publicação desta Bulla; o que tem sido occasião de discordias entre, as familias, e discordias de que elle he o culpado. Elle se servio de argumentos cheios de ironias com o Governo, o qual da sua parte o quiz contemporizar dando-lhe respostas serias ao seu estylo emphatico, e capcioso. Elle tendia pois por meio destes factos a introduzir no Publico hum systema de discordia. Vamos aos dous artigos das Bases em que elle embirra: 1.° que a verdadeira Religião he a Catholica Apostolica Romana; é que dá a entender não querendo jurar este artigo he, que as Cortes querem que a Religião dominante não seja a Catolica; ao menos querendo que se accrescente a palavra = unica = dá a entender que o Congresso não quer que ella seja unica, quando pelo contrario o Congresso decretou que ella havia de ser a unica, e só não poz esta palavra em rasão das modificações que se hão de fazer relativamente aos Estrangeiros. O 2.° artigo que o Cardeal Patriarcha não quer jurar tambem he de natureza tal que tem relação com os pontos da Religião; delle não se póde seguir o perigo de se offender em alguma cousa o Dogma, e a Moral, o que pelo contrario o Cardeal Patriarcha pertende ensinuar. Por isso não julgo que tudo isto seja effeito de mera allucinação. Convenho, como disse, que elle não seja julgado como Reo de crime de alta traição, mas sim julgado de modo que soffra a desnaturalização, e que a Sentença se de segundo o que tenho dicto.

O senhor Ferrão. - Sou dos mesmos sentimentos do Illustre Preopinante o senhor Trigoso. - Eu não sou obrigado pessoalmente ao Cardeal Patriarcha; entre tanto, em obsequio da verdade, devo dizer que em nada disto he culpado. Sei com toda a certeza que elle faz sómente o que querem que taça as pessoas que o cercão, como tem acontecido a iodos os Patriarchas, ao menos aos do meu conhecimento - O Palacio Patriarchal foi sempre em pequeno o que era em grande o Palacio Real. Hum Illustre Deputado (o senhor Borges Carneiro) tem aqui dicto muitas vezes que os Grandes Aulicos erão culpados de todas as desordens que ha no Ministerio: outro tanto posso eu dizer dos Patriarchas. Os seus pequenos Aulicos com adulações, intrigas, e lisonjas fazem d'elles quanto querem. Os Patriarchas nunca fizerão a sua vontade. Agora aconteceo o mesmo. Os pequenos Aulicos do Patriarcha, logo que principiou esta ordem de cousas, arrancarão Sua Eminencia da Junqueira, aonde podia, como diz o senhor Trigoso ouvir o seu Collegio, e outras pessoas que sem duvida o aconselharião bem; forão sepultallo na Quinta do Tojal, aonde sopeado pelas adulações, intrigas, e lisonjas o conduzirão a tão grande desacerto - Apoyo por tanto a opinião do senhor Trigoso: o Patriarcha não he o culpado.

O senhor Soares Franco. - Ternos a examinar sobre este objecto: 1.° qual he o motivo porque procedeo o Cardeal Patriarcha: 2.° qual he o facto que elle commetteo. He Verdade que pelo que elle diz he facil conhecer que se allucinou, e as suas faculdades intellectuaes são muito pequenas. He tambem claro que ha pessoas que illudem, e creio que não serão tão faltas de entendimento como elle. O fim era introduzir dissidencia na Nação, era mostrar que as Cortes não em Religião alguma, quando elle devia saber o systema das Cortes. He preciso pois estabelecer hum Tribunal para o julgar a elle, e a outras pessoas que tambem quizerem practicar similhantes factos. Elle resistio á vontade geral da Nação, quebrantou huma Ley, Ley a que todos devem obedecer. Elle diz que não quer jurar dous artigos das Bases, e quando diz isto quer dizer, que não quer viver nesta Sociedade; e assim parece que deve ser desnaturalizado; pois quem não quer receber a ley, não deve receber os proveitos, e utilidades desta Sociedade. Devemos pois concluir que se deve formar hum Tribunal para examinar a sua conducta, ver se ha alguma Legislação sobre isto, porque o facto he indigno, e o meu parecer he que seja affastado da Sociedade.

O senhor Fernandes Thomaz. - Tem-se pertendido diminuir os procedimentos do Cardeal Patriarcha, mostrar que era huma extravagancia, e deduzir dahi que se devem olhar as suas acções como d'hum homem extravagante, que consequencia nenhuma podem ter sobre a Sociedade. Todavia deverei fazer algumas reflexões sobre isto. São differentes os modos são diversos os caminhos porque se marcha para a rebellião, e seducção. As circunstancias de cada hum as suas producções, os seus talentos, os seus caracteres fazem diversificar esta marcha. O homem ricco serve-se dos meios que he estão mais á mão, o Ecclesiastico serve-se sempre dos pretextos da Religião.

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Revolvamos a Historia, veremos que esta tem sido a marcha constante em todas as rebelliões, em todas as Revoluções em que tem entrado Ecclesiasticos; por consequencia eu vejo que o Cardeal não se tem desviado da marcha daquelles que estavão no mesmo pé. O homem foi sempre o mesmo, e o mesmo ha de ser sempre. As paixões são sempre as mesmas, e por consequencia a marcha do homem ha de ser constante em todos os Seculos, huma vez que se proporcionem as circunstancias. Conduzir huma sedicção, huma rebellião por hum modo extravagante, ou conduzilla com prudencia, e reflexão, isto depende dos talentos de cada hum; e por consequencia a respeito do Cardeal nada mais tenho a dizer; a decencia pede que eu me cale, mas que me cale sobre huma materia notoria a todos, e que por consequencia não era de suppor d'elle senão taes extravagancias. Mas pergunto: O Patriarcha commetteo hum acto de rebellião, he mal dirigida porque elle se não sabe conduzir melhor, e diminuindo a imputação desta acção a hum homem criminoso, qual será a segurança da Sociedade, qual a tranquillidade Publica? Se se admitti-se este principio, elle era o homem mais feliz que se podia imaginar. Eu acho que o Cardeal Patriarcha, verificados os factos, deve ser julgado com todo o rigor da Ley, sem que ha a alguma das circunstancias apontadas que deva diminuir a imputação a que deva estar subjeito.

O senhor Carvalho. - Julgo que não devemos de modo algum reputar esta acção do Cardeal Patriarcha como huma cousa de pouca essencia: pequena que ella fora, em materias taes tornava-se grande: o fogo inda pequeno, he necessario apagallo, e apagallo de modo que não fique vestigio ou signal algum, quando não temos incendio: e assim conto decretamos benemeritos da Patria os homens que se affamárão, assim devemos tambem declarar inimigos da Patria aquelles que se quizerem revoltar, ou tentarem alguma cousa contra ella; deve a par de hum estar o rol dos outros: o exemplo de o mais efficaz de todos os remedios, e quando elle vai exercitar-se sobre os homens que mais devião attender ao que se tem estabelecido, tanto mais deve fazer impressão nos pequenos: por isso assento que se deve tomar em toda a consideração este caso dar-lhe toda a preponderancia, e em consequencia fazer que elle seja reprimido, até ao ponto de não apparecerem outros que queirão de modo algum oppor-se á sagrada Ley da liberdade que a muitos paizes tem custado tanto, e por huma felicidade até agora nunca vista nada tem custado aos Portuguezes. Eu julgo que todos estão obrigados a seguir as Leys que se estabelecem, e não posso hir com a opinião dos Preopinantes que assentão, que o homem pelas novas mudanças que se fazem no Estado, tem a liberdade de sahir delle: ha de ser punido como as Leys o determinão aquelle que for refractario ha de subjeitar-se ás Leys já estabelecidas ou que se estabelecerem para o futuro, porque aliás será facil a todos os Cidadãos deixarem o Reyno quando não quizerem subjeitar-se ás Leys estabelecidas. Porém não tratando agora esta questão politica trato ao modo porque deve tratar-se o objecto presente.

Todo o Cidadão he obrigado a conformar-se com as Leys estabelecidas na Nação: se não as quer seguir, ainda que seja muito pequeno, deve soffrer a mesma pena que deveria soffrer o maior, se não fosse talvez ainda mais capaz de se lhe impor huma pena maior aquelle que tem maiores motivos para não transgredir a Ley. O Chefe da Religião que está apoyando sentimentos oppostos á Ley, que contradicta pelas suas acções tudo quanto tem sido determinado pela Ley, he rebelde he refractario, deve ser castigado com todo o rigor, e fazer-se hum exemplo; exemplo unico se for possivel, para tocar a todos, e tirar este despejo com que se fala e procede; e a sua lenitude e vagar talvez tenha sido a causa de se estarem ouvindo improperios contra os que não tem outro fim senão marchar para a felicidade da Nação pelos meios que a Nação escolheo: por consequencia he boa para os homens que tem coração disposto para as Leys, mas aquelles que tem aprendido as idéas que não se combinão com as que novamente se apresentão, estes homens custa-lhes muito a desaprender, e por consequencia em casos grandes não vem senão com principios pequenos, e em casos grandes he necessario principios grandes e mão de mestre, para se emendar. Por isso sou de voto que esta Assemblea não se separe hum ponto destas ideas, se quer levar com firmeza a bella acção que temos a emprehender. Duas listas temos: benemeritos da Patria, e inimigos da Patria: n'huma veja-a Nação os que ha de admirar, n'outra os que ha de aborrecer, para que com effeito tenhão igual galardão os que servem, e os que desservem.

O senhor Xavier Monteiro. - A Assemblea assenta que não poderá decidir sem ver os documentos, á vista dos quaes teremos bases melhores para poderem assentarmos nossos juisos. No caso de se crear hum Tribunal, o que eu não approvo, peço que se faça huma Ley pela qual este Tribunal se haja de regular nos casos que posteriormente occorrerem.

O senhor Moura. - Quero que a questão se reduza a estes termos - Que credito deve merecer á Assemblea todo o acto de qualquer Cidadão que não quer jurar obediencia ás decisões da Soberania? se he delicto o dizer hum Cidadão só por auctoridade propria, que não ha de obedecer ás decisões do Congresso, e que pena merece este delicto?

O senhor Borges Carneiro. - Desejo que em negocio similhante se estabeleça pôr base a moderação que tem tido por destinctivo este Congresso. Quanto a fazerem-se listas, eu julgo que deixemos fallar quem falla, quem quizer, e como quizer: huma vez que o Congresso faça boas Leys, e continue como até agora fazendo o Imperio da Justiça, sem contemplações de pessoas, e que estabeleça com firme; da os nossos principios; huma vez que isto se faça, é se fação muitos Decretos taes como o que abolio as Caminheiros, e como o que abolio as Coutadas; huma vez que se cuide em que tudo seja bem Decretado, temos hum poderoso escudo, huma columna firmissima da Constituição. Eu fui o que propuz aqui que se encommendasse aos Prelados do Reyno que pregassem a favor da Constituição: depois do Decreto da abolição dos Caminheiros, eu diria que

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se deixasse prégar os Prelados como quizessem, e do modo que quizessem; e por consequencia quanto ao Tribunal que se pertende crear, quizera eu que a base delle fosse; o principio da moderação. As acções do Cardeal Patriarcha merecem que elle seja desnaturalizado do Reyno, como homem que em acto tão solemne declarou que não era Cidadão: hum Chefe da Igreja Lisbonense, de infinitas Freguesas de todo o Patriarchiarco, que ao meio dos Ritos Sagrados, de testimunhas de todas as Classes as mais Illustres de Lisboa, quando tantos e tão esclarecidos Prelados jurão, manda hum Titulo escripto em que protestava não cumprir duas das Bases da Constituição, não pode deixar de merecer o ser desnaturalizado: assento ser isto da natureza do negocio, certo que não poderá continuar a ter esses privilegios, esse Chapeo Cardinalicio, que tanto dinheiro nos custa.

O senhor Sarmento: - Estou em muitas cousas com o illustre Preopinante, menos em prevenir a sentença que os Juises hão de dar. Estou persuadido que a maior parte dos individuos que se oppõe ás nossas idéas he pelo receio de perderem o ganho que muitos vêem que lhes vai fugindo. Estou persuadido que o tempo ha de ser o melhor corroborativo dessas diferenças de opiniões politicas. Depois de Inglaterra ler adoptado a Linha de Hannover para a sua Dynastia, durarão os partidos da Casa de Stward, e ainda durão. Na Hespanha, depois do Governo dos Bourbons existião familias que se fosse possivel ainda desejarião passar para a Casa de Austria. O maior partido, e o que decide he a opinião publica: favorecer a execução das leys, e boas leys ha de ser a mais segura garantia.

O senhor Bacta. - Peço que se tome em consideração o que disse o senhor Xavier Monteiro, para se formar a Ley que elle pertende.

O senhor Fernandes Thomaz. - Ley temos nós pela Ordenação: o que ataca a ordem existente das Cortes, o que resiste á Auctoridade he Réo de lesa Majestade de primeira ou segunda cabeça. Não sei que seja necessario Ley particular: existe esta Ley fundamental de todas as Nações, de todos os Estados, que determinão, que he Reo de lesa Nação o que a ataca por escriptos, ou por palavras, o que ataca a ordem publica, e o socego publico da sociedade. Não sei que seja necessario lazer huma Ley nova a este respeito, porque esta Ley existe ha muito tempo em Portugal, e em todas as Nações: o direito publico universal, em todos os Estados he, que todo o homem que ataca o Estado he Réo de crime de lesa Nação: o classificallo com mais ou menos gravidade isso pertence aos Juises.
O Tribunal deve crear-se: he certo que eu estou convencido de que não há homem algum em Portugal que crea de boa fé que isto volte atraz; mas os interessados todos, a quem amarga o perder o seu estabelecimento ou modo de lucrar descançados, porque vivião á custa dos outros; estes homens não lhes agrada que estas cousas vão tão bem como graças á Providencia. vão caminhando; estes homens não tem cara nem valor, nem tão pouco tem idéas para resistir a esta nova ordem de cousas: vão semeando zizania, espalhando estas idéas desvantajosas, vão atacando o Congresso; e posto que entre estes factos ha muitos que merecem desprezo, ainda que todos o merecem, todavia este pela influencia que póde ser no socego publico, devem estabelecer-se meios de evitar algum mal; não que o Congresso recebe que isto vote atrás, mas para que não se veja obrigado a castigar mais asperamente os insensatos. Talvez já em Lisboa ha tres ou quatro dias dizião certos subjeitos a hum Bacharel que queria ser despachado. Viu-se quer ser despachado por estes homens? Isto até tal dia, acaba: não crêa nisto. A verdade he que es as cousas não provão nada na essencia, mas provão o descaramento dos que as proferem, e podem hir minando a opinião publica, porque ella não he senão o resultado do conhecimento do bom pé em que se acha esta nova ordem de cousas, hum dia hão de conseguir desviar do caminho hum, outro dia outro, que este he o meio directo de que elles se servem: a final julgo que ha necessidade de crear hum Tribunal. No meu entender não ha necessidade de fazer huma Ley nova, porque existe a Ley geral de todos os Estados, a Ley particular que não faz differença senão em dizer crime de Lesa Magestade, ou de Lesa Nação. O modo de ser creado este Tribunal, ser como o Juiso da Coroa, ou não, pouco importa; importa que seja de Ministros graves, amanhes da Justiça: talvez que custe a fazer, mas entre tanto busquem-se até se acharem, e depois disto vigie-se com particularidade na paz, e tranquillidade publica, porque ella não está tão segura como se imagina. Os Padres fazem quanto podem, elles pregão, confessão, é ensinão; agora he que dá curiosidade, é talvez aquelles que nunca tivessem vontade de pregar, e confessar agora a tenhão, e a cumprão, e para que para persuadir que isto deve hir adiante não: já houve Frades que Prégarão, que a Religião estava como machado pala raiz e assim hirão minando por todos os modos: deve-se convir que não ha outro modo para os que não podem atacar frente a frente senão aquelle, por isso voto pela moção do senhor Moura, pela creação de hum Tribunal; não só para julgar esse caso do Patriarcha dêsse-lhe a importancia que se quizer; que se he filho da loucura ou do que procede, os Juises lá decidirão, mas o Tribunal deve continuar a existir para julgar os crimes desta natureza: elle não he opposto ao que temos Decretado nas Bases; e digo que não me parece opposto, porque he hum dos regulamentos que inda se hão de fazer: por ora inda existem em Portugal as mesmas Commissões, e Juises de Commissões que existião: he hum Tribunal especial que se pertende crear, assim he, e porque não há ainda estabelecida a fórma dos Juises, e aquelles Juisos que pela Constituição se hão de regular, e cujas attribuições se hão de terminar: e eis o motivo porque não acho opposto o crear hum Tribunal para julgar de similhantes crimes.

O senhor Xavier Monteiro. - He necessario tomar em attenção o que eu propuz. Existe huma Ley muito geral, he verdade: se ella se pode applicar a este caso particular, se ella he sufficiente he o que eu duvido. A Ley que não applica senão huma uni-

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ca pena para crimes de natureza tão variada, he iniqua. Seja qualquer que for o gráo de culpa em que se acha o criminoso de Lesa Magestade, a Ley sempre lhe applica a pena de morte. Daqui procede que, todas as vezes que os Juizes em leito applicação de similhante Ley, tem-se constantemente desacreditado: consequencia necessaria de não se acharem estabelecidas na Ley differentes penas proporcionaes aos difierentes gráos do delicto.

O senhor Moura. - A observação do senhor Monteiro não he digna de se desprezar. Na Ord. L.° 5.° T. 6 não acho nas palavras da mesma Ordenação, em que se tracta do crime de lesa Magestade, nem este delicto classificado, nem por consequencia a pena que se deve impor; as circunstancias varião tanto, e o tacto tem connexão tão proxima com essas circunstancias que não sei se lhe deve ser applicavel. Em consequencia peço que o negocio se trate com seriedade e madureza. Eu não vejo no facto do Patriarcha senão o ter jurado de submetter-se á Constituição que as Cortes fizerem, e agora faltar a esse Juramento: ora na Ordenação L.° 5.° não vejo senão erigidos em delicto todos os factos que atacão a pessoa do Monarca, depositario da Soberania, e não vejo classificada esta especie de delicto, porque esta he propria e particular das circuntancias politicas imprevistas naquella Ley, e naquelle Codigo. Em consequencia acho que este negocio merece ser analysado com seriedade por taes principies, e até mesmo porque os Juizes se hão de achar em perplexidade sobre este objecto, posto que ainda não ha muito tempo que eu vi applicada esta Ordenação a factos identicos.

O senhor Fernandes Thomaz. - Quando eu disse que existia huma Ley, não era para applicar a pena della: nem esta nem outra. Eu não me metto nessa questão, digo que se deve crear hum Tribunal, para que se saiba, que os que atacarem a paz publica pelas suas opiniões são Reos e devem ser julgados com mais ou menos castigos. Se existir algum, que deva ser involvido não serei de opinião que se deva fazer huma Ley differente, porque o Reo em huma Conjuração he Reo de morte no meu entender. Parece pois que se deve crear hum Tribunal para regular todos os delictos, desça.

O senhor Brito. - Apoyo a opinião do senhor Fernandes Thomaz, só tenho a accrescentar, que a creação do Tribunal não tem nada contra as Bases, porque ellas o que prohibírão foi os privilegios pessoaes, e Commissões concedidas a pessoas particulares de cousas privativas, mas não prohibírão os privilegios da natureza das causas; esta causa he de huma natureza particular, e todos os crimes que atacarem a segurança publica constituem huma classe de causas, para as quaes se deve hum Tribunal.

O senhor Borges Carneiro. - Parece que crear hum Tribunal sem mais nada he cousa perigosa, e perigoso he que estes Juizes fiquem na alternativa classificar o facto como crime ou não: se não he crime, fica livre o que se julgava criminoso, e se não se classifica, então morra de morte natural: por tanto não basta ser hum Tribunal, com similhante Ley, he cousa impracticavel. Por isso este facto do Patriarcha deve ser julgado por outras Leys e principios, que estão connexos com o Juizo da Coroa. Os Prelados que não querem subjeitar-se ás determinações do Juizo da Coroa, e do Desembargo do Paço, são desnaturalizadas: assim tambem deve ser aquelle que não quer cumprir com as determinações deste Congresso.

O senhor Sarmento. - Eu vim bem pouco preparado para esta questão, ou nada. Desejava ver sei achava alguns factos historicos analogos ás presentes circunstancias, não vejo senão em D. João 2.° o caso do Duque de Bragança, e outro caso no tempo de D. João 4.°; em ambos os Reynados se creárão Commissões extraordinarias só para aquelle facto, e Commissões com todo o luxo, deixem-me desta phrase D. João 2.º missão extraordinaria para julgar o Duque de Bragança; no tempo deste, e pura este fim se introduzio o Juizo dos Jurados, ou Pares. No tempo que tinha outras virtudes que não tinha D. João 2.º, porque este foi o maior Rey que quando se tratou da questão do Duque de Caminha, e Marquez de Villa Real, mandou El Rey D. João 4.° buscar da Universidade dous Lentes, e são bem celebres os seus pareceres; porque hum foi a favor da innocencia do Duque de Caminha, outro contra. Não trago exemplos do Marquei de Pombal, porque delle data a perda total da nossa independencia, a perda total da nossa liberdade.

O senhor Gouvêa Ozorio. - (Disse muito pouco, e esse não entendi nem palavra - diz o Tachygrapho Machado.)

O senhor Castello Branco. - Em tempos muito proximos a nós temos o exemplo de hum Prelado, que foi n'hum caso muito menos aggravante julgado pelo Juiso da Inconfidencia, e este foi o Bispo de Coimbra D. Miguel, por se oppôr abertamente á Ordem do Rey.

O senhor Macedo. - Não me opponho á nomeação de hum Tribunal.

O senhor Margiochi. - Os factos da nossa Historia não nos devem servir de norma; são factos de tempos Baibaros, não nos devemos lembrar delles. No tempo de D. João I. o Bispo de Lisboa foi precipitado pelo Povo de Lisboa das Torres da Sé. No tempo de D. João II. o Arcebispo de Evora morre no fundo de huma cisterna. Estes fados não devem ser já imitados, assim como nem as Leys daquelles tempos. Os Governos Liberaes são tão seguros, e tão fortes que não precisão nem de Leys terriveis, nem de Tribunaes especiaes. O acontecimento de 10 de Março, essa catastrophe fatal de Cadiz foi hum crime verdadeiramente horrivel, e ainda não foi condemnado na Hespanha. Nada de Tribunaes especiaes, não temos precisão delles: temos Tribunaes sufficientes para condemnar não só o Patriarcha, mas toda a gente que o siga. No dia em que se passou o Decreto de

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abolição da Inquisição não se deve tratar de crear hum Tribunal especial, o que deve tratar-se he de destiuir o Tribunal da Inconfidencia em lugar de se crear hum de novo.

O senhor Sarmento. - Quando eu mencionei, aquelles factos da nossa Historia não tinha a mais remota idea de os apresentar como precedentes para imitação. Fiz menção delles para mostrar que os acontecimentos extraordinarios não forão considerados debaixo do menino modo de processo, e que em tempos de menos luzes se deo a liberdade civil a maior amplitude; já augmentando-se o numero de Juizes, já fazendo-se mudar as que não indicassem a mais leve oppressão aos que havião de ser jurados. Por este motivo não quiz chamar exemplos do tempo do Marquez de Pombal. Já que o Eminentissimo Cardeal Patriarcha fui o primeiro que teve a infelicidade de offender o nosso grande Instituto da Liberdade, seja elle tambem o primeiro em ter processado, e julgado conforme os principios de hum Governo livre, justo, e liberal.

O senhor Freire. - Julgo este objecto de todo a consideração: o caso he muito particular. O Cardeal Patriarcha tem de mais o ler jurado a Constituição, e depois de a ter jurado ler exercido Emprego por 4 mezes; por isso subjeitou-se taciatamente a todas as determinações, em virtude do seu juramento; assim o acto que elle agora practica he de perfeita rebellião.

Foi a discussão interrompida pela chegada do Ministro Secretario d'Estado dos Negocios do Reyno, e feitas as cerimonias do estylo, e acompanhado pelos senhores Secretarios Barroso e Mendonça Falcão, tomou o seu lugar.

O senhor Presidente, em nome do Congresso, lhe perguntou qual tinha sido o proceder do Cardeal Patriarcha no dia quinta feira 29, e quaes as providencias dadas a esse respeito? - ao que respondeo = Que o Principal Sylva se apresentára no dia quinta feira em S. Domingos com huma Procuração do Eminentissimo Cardeal Patriarcha para jurar as Bases da Constituição, excepto os artigos 10, e 11, aos quaes julgava do seu dever não se subjeitar, por versarem sobre materias de briosas; e que, não devendo elle Ministro admittir restricção alguma no juramento prescripto pelo Governo, se dirigira com o Principal ao Presidente, e de accordo convierão em guardar a Procuração, e despedir o Principal. Que finda a solemnidade em S. Domingos, a Regencia reunida no Palacio de suas Sessões, decidira que o Cardeal Patriarcha sahisse do Patriarchado, e se recolhesse ao Convento do Bussaco. Que estas erão as providencias que a Regencia tinha julgado proprias naquelle momento, e que não deixaria de dar outras, que ainda não estavão determinadas pela diversidade devotos dos seus Membros, os quaes estavão deliberando sobre este importante assumpto. Apresentou, e

O senhor Secretario Felgueiras leo os seguintes Documentos - O Alvará de Procuração dado ao Principal Sylva, para jurar em nome de sua Eminencia com as restricções indicadas - Huma Portaria da Regencia, determinando a sahida do Cardeal Patriarcha no dia 2.ª feira de Abril do seu Palacio do Tojal para o Convento do Bussaco, acompanhado pelo Desembargador Manoel de Macedo Forjaz, e por huma guarda de honra, composta de dous Subalternes e 20 Soldados de Cavallaria, para escoltarem S. Eminencia ao lugar do seu destino, ou até onde S. Emminencia determinasse - Hum Aviso ao Desembargador Manoel de Macedo, para cumprir a Portaria - Outro ao Cardeal Patriarcha, com a copia da mesma para o prevenir - Outro ao Prior ao Convento do Bussaco, para fazer a hospedagem de vida a tão alta Personagem - Outro ao Chanceller da Casa da Supplicação, que serve ao Regedor, para seu conhecimento do encargo do Desembargador Macedo - Outro ao Commandante de Cavalleria N.º 6, para apromptar a escolta - e huma participação deste, nomeando o Tenente José de Almeida, para cumprir a deligencia, sob a direcção do Desembargador Macedo.

O senhor Alves do Rio exigio que se mandasse proceder contra o Secretario.

O senhor Fernandes Thomaz que se pergintasse, se a Regencia havia tornado, afóra aquellas, mais algumas deliberações.

Pediu-se que se fosse outra vez lida a Procuração. Leo-se, e proseguio a discussão.

O senhor Moura. - Está visto, e bem observado que a Procuração do Cardeal Patriarcha he hum aggregado de malignidades, e de estulticias. No Tribunal competente se deve examinar se elle teve ou não teve intenção de provocar por maneira indirecta, os Povos á rebellião, por se opporem os dous artigos das Bases, no seu pensar, á nossa Santa Religião. Está provado pela dicta Procuração que o procedimento do Cardeal Patriarcha he acompanhado de huma estupidez absoluta. Nisto he que não ha duvida, sobre a intenção póde havella: conseguintemente não temos senão a deliberar porque Ley deve julgar-se, porque o procedimento de mandar só removello da sua Diocese, he hum procedimento de precaução, mas não he bastante para satisfazer a Opinião Publica, e para satisfazer a Justiça. Pelo que toca á Ley com que deve conformar-se este procedimento, eu me acho perplexo, porque se considero só a Ley Civil no Codigo da Legislação actual, receio que as suas palavras comprehendão este delicto, e que por consequencia os Juizes se achem perplexos na sua applicação. Se combino, e convenho em que se deva fazer huma nova Ley, receio que elle diga que não póde ser julgado por huma Ley que foi feita depois do delicto commettido. Nesta crise singular em que me acho, inclino-me a dizer que ha huma Ley que não está em nenhum Codigo escripto, e he aquella Social, e Politica, adoptada por todas as Sociedades da Europa, a qual determina "que todo o Cidadão que não quer estar pela Ley fundamental, e Constitucional de hum Estado, não deve ter julgado Membro deste Estado" E applicando as reflexões do senhor Borges Carneiro, de que nos casos particulares em que hum Ecclesiastico não obedece a huma determinação do Poder Judiciario, he desnaturalizado pelas Leys do Reyno; servindo-me do argumento de maior para menor, digo: que o Cardeal Patriarcha não só desobedece ao

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Poder Judiciario, mas a huma determinação do Poder Civil, e Soberano. O Poder Civil, o Soberano determinou as Bases da Constituição para sei em juradas, e á decisão deste Poder Civil, e Soberano he que o Cardeal Patriarcha desobedece: logo se hum Ecclesiastico, não obedecendo ás determinações do Poder Judiciario deve ser desnaturalizado, parece que não obedecendo o Cardeal Patriarcha a hum Ley da Soberania, com mais rigor deve ser julgado, e com mais rasão soffrer a pena de desnaturalização. Sobre o Tribunal, que assim o deve decidir, logo fallarei.

O senhor Castello-Branco. - Apoyo o parecer do Preopinante, e por tanto torno a insistir nos principios que ha pouco publiquei neste Congresso. O fazer-se huma Ley, e tambem a falta do Ley, foi huma das rasões que me movêrão mas a publicar este mesmo voto. A falta de Ley que inclua expressamente o caso de que se trata he huma difficuldade que muito nos deve embaraçar. Fazer Ley para hum caso anterior seria cahir no Acto do Despotismo mais barbaro que se póde imaginar. Todas as vezes que o Poder Legislativo se une com o Executivo, temos necessariamente o Despotismo, e temos o Despotismo porque vimos a ser ao mesmo tempo Executores, e Legisladores. Por consequencia não temos outro meio de lhe impor a pena que os principios geraes de justiça dictão n'uma nova ordem de cousas, tal como aquella em que nos achamos; e que em similhante caso as Nações cultas, e a Assemblea Constituinte de França adoptou, a respeito dos Bispos e Prelados que recusárão prestar o juramento devido. He certo que a este respeito
ha circunstancias que não havia nos Pregados Francezes; e vem a ser o juramento que anteriormente todos derão; e o Cardeal Patriarcha deo de estar pela Constituição que as Cortes houvessem de fazer. Mas em fim considerações politicas mesmo nos devem fazer affrouxar os Actos rigorosos da justiça; e por tanto a Nação fica desaggravada huma vez que elle seja privado de todos os Direitos da Sociedade, e por consequencia da sua Dignidade, e que seja banido: isto he huma pena não pequena. Por tanto parece que o 1.° Artigo que se ha de propor á votação do Congresso he se o Patriarcha deve, ou não ser julgado. Eu requeira que seja por voto Nominal. Decidido isto, então se tratará de quem, e qual será o Tribunal que o ha de julgar.

O senhor Fernandes Thomaz. - Nós não podemos tratar da pena que se ha de impor ao Cardeal Patriarcha, nem sabemos qual he aquella em que se acha incurso. O rneu voto he que seja julgado, pois que supponho, e snpponho muito bem á vista do Corpo de delicto que está presente, que elle commetteo hum crime, pelo qual he necessario que o seja. Conseguintemente o meu parecer he que não pertence ao Congresso entrar na consideração nem da pena em que o Patriarcha tem incorrido, nem da Ley a que desobedeceo; isto he, da Ley particular do Estado; quero dizer, se com effeito elle he, ou não criminoso de lesa Soberania, ou lesa Nação: digo em geral, que elle he delinquente, e deve ser julgado.

Aos Juizes compete declarar qual he a culpa que elle commetteo; deve mandar-se que os Juizes interponhão o seu parecer antes de julgar. Se acharem embaraço nas Leys actuaes, que o proponhão ao Congresso: porque então compete a este o declarar, ou dizer qual he a Ley em que não da applicação; mas se os Juizes não duvidarem, o Congresso não póde entrar nestas duvidas. O Cardeal Patriarcha commetteo muitos delictos, mais do que eu suppunha: primeiramente nega a obrigação de obedecer ao Congresso, em tudo que não sejão materias Politicas; já se vê que excluo as materias meramente Ecclesiaslicas, e disciplinares, em que o Congresso, como todo, e qualquer Soberano tem Poder, e Direito de Legislar. O Cardeal Patriarcha nega mais que o Congresso tivesse o Poder de Legislar, e Decretar que a Religião dominante do Paiz he a Religião Catholica Apostolica Romana; e suppõe que isto he hum negocio só da sua competencia, e que nesta parte elle não he subdito do Congresso, nem tem obrigação de obedecer. O Patriarcha julga mais que o Congresso nos dous Decretos que foz deixou em perigo a Religião, não se explicando com toda a clareza que era conveniente, e erigio-se elle mesmo em Legislador nestas materias, fazendo declarações que esclareção o Congresso. O Patriarcha, se assentou que o Congresso de proposito as omittio, e elle resiste a esta deliberação do Congresso, então o seu crime he maior. O Cardeal Patriarcha disse mais que não jurava obedecer ao Decreto das Cortes quando elle estabeleceo a Liberdade, da Imprensa, sem Censura previa Ecclesiastica. He hum absurdo, e he hum erro o julgar-se que pelas Leys do Paiz que nos governarão até 24 de Agosto, e que hoje nos governão, os Ecclesiasticos tivessem Censura previa dos Livros que se imprimião, Aos Bispos nunca compete senão a Censura dos Livros impressos ou não impressos, que se compõe de quaesquer opiniões que ataquem a Religião. Este Direito foi salvo aos Bispos, e o Patriarcha quer defender o contrario, quer usurpar o Poder Soberano que compete ao Congresso. Por isso o meu parecer he, que se crie huma Commissão ou Tribunal para julgar o Cardeal Patriarcha, porque nisto não se atacão as Bases; e que se escolhão os Ministros mais conspicuos para julgar extraordinariamente este caso, que he extraordinario. Digo isto, não para tirar de methodo algum os meios que as Leys prescrevem, segundos os quaes o Patriarcha deve ser ouvido, e defender-se; os Juizes devem proceder com circunspecção, que se lhes deve recommendar, até a final consultarem o Congresso, quando assim seja necessario para a decisão deste negocio.

O senhor Borges Carneiro. - Duas cousas aggravão o procedimento do Cardeal Patriarcha: 1.ª que, recebendo no dia 22 a ordem para jurar, conservasse a forma do juramento por 8 dias em silencio, sem propor as duvidas a qualquer dos dous Corpos Legislativo, ou Executivo, para receber delles a illustração devida, e não guardar-se para hum acto tão solemne para intrometter-se a practicar huma acção tão desagradavel á vista de todos os Prelados Ecclesiasticos, e Seculares que jurarão as nossas Ba-

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ses. Outro ponto em que elle muito offende á rasão, e a justiça he em declarar que não reconhece outras Bases senão aquellas em que se diga que a Religião Catholica ha de ser conservada com os mesmos Direitos, Prerogativas, etc., dando a entender que confunde as Prerogativas. He hum dos principios puramente liberaes, e filhos da ignorancia do Direito Ecclesiastico inculcar aos Povos serem prejudiciaes á Religião os principios que nega jurar. O Patriarcha como que quer espalhar pelos Povos que, tirando-se-lhe o foro Ecclesiastico, tirando-se-lhe o Chapeo Cardinalicio, se offende a Religião; estas Doutrinas são destructivas. Não bastando estes dous pontos; ha huma circunstancia que he muito digna de attenção. O Cardeal Patriarcha jurou, e todos jurarão de guardar a Constituição que as Cortes fizessem; com tudo jurarão huma cousa de futuro; As Cortes fazem a Constituição, e apresentão na aos Cidadãos para a jurarem. O Cidadão que está em hum lugar alto; attende que Lura artigo lhe força a sua consciencia, e diz á Regencia "Eu não juro, porque jurei de futuro, não posso agora jurar, porque he hum conflicto com a minha consciencia." Pergunto agora, se hum Governo Constitucional deve fazer violencia a este homem para o obrigar a querer: ninguem o dirá. Dirá, e já o temos ouvido que elle ha commettido hum crime, e eu digo que he grandissimo, mas a pena nunca póde passar de desnaturalização. Hum Cidadão diz Hum artigo da Constituição está em opposição com a minha consciência, eu quero sahir, não ser mais Cidadão que sé ha de fazer neste caso se se vai crear hum Tribunal, e se deixa a este para julgar, e se lhe diz que julgue na fórma das Leys, ou elle ha de julgar que morra, ou ha de deixar-se impune. Pergunto eu, não he o Juiso da Coroa, e o Desembargo do Paço que desnaturaliza os Ecclesiasticos, huma vez que desobedecem aos seus assentos? sem duvida o he. Elle obra assim não por via de Jurisdicção criminal, mas sim por via de correcção; assim quero eu que seja a natureza, do Tribunal que se crie, que elle não provenha de Jurisdicção criminal, mas que por via de correcção haja de determinar a desnaturalização. Como eu vejo que o crime he tal que não necessita de prova, por ser practicado em huma Igreja Publica; o Congresso mesmo por si immediatamente podia decidir, e julgar este facto. Entre tanto eu não apoyo esta opinião, mas sempre resistirei a hum Tribunal especial que julgue na fórma das Leys, porque oporião na alternativa durissima, ou de condenmar á morte, ou de deixar o crime impune.

O senhor Moura. - Se sé trata de crear hum Tribunal especial em que o Patriarcha deve ser julgado, parece que toda a Assemblea convem nisto. Por isso direi só a minha opinião sobre o que ha pouco ouvi, e he, que o Cardeal Patriarcha de nenhum modo deve ser julgado peremptoriamante por esta Assemblea. Eu creio que por modo nenhum esta Assemblea póde exercer acto algum do poder Judiciario, como a Constituição, e Bases estabelecem; o contrario acho que he hum absurdo: nisso convenho, e convirei sempre, pois deve estrictamente guardar-se a independencia dos tres poderes. Direi porém a minha opinião sobre o erigir-se hum Tribunal especial para esse objecto. Alguns dos Preopinantes se tem, assustado por se erigir este Tribunal: eu não me assusto, e sem hir buscar exemplos aos Governeis dispoticos, mas áquelles em que nasceo a liberdade, e permaneceo muito tempo. Quando as considerações Politicas exigião providencias extraordinarios, sempre se erigirão Tribunaes especiaes. O que era a Dictadura em Roma! que era o Ostracismo em Athenas? Que he a suspensão do Habeas corpus em Inglaterra? Qual será o Povo que haja sustentado com maior força maior liberdade do que Roma, Athenas, e a Inglaterra? E porque era preciso nesses casos especiaes sahir fora das regras geraes da justiça? O caso já consideramos que era de muita entidade, logo o que as Bases estabelecêrão, de que por nenhum caso e circunstancias nenhumas se estabelecessem Commissões especiaes não deve servir de obstaculo. Ninguem póoe duvidar de que nós estamos em caso extraordinario, em que he necessario que haja quem julgue ou qualifique este facto. Ou o Congresso, ou hum Tribunal especial, ou os Ordinarios. Estes não podem, porque ainda não são Constitucionaes, nem. tem Leys que appliquem: Por conseguinte ou ha dê ser o Congresso, ou hum que especialmente se crear. Não quereamos ser mais escrupulosos do que o forão Romanos, e Athenienses.

O senhor Ferreira, de Sousa: - O meu voto he que se deixe isto tudo ao Poder Executivo; Se elle assentar que o exemplo póde ser de grande consequencia e perigo do Estado, tomará as medidas a respeito disto, e elle está ao alcance de saber o que he conveniente. Se assentar que he de pequena consequencia, lá se regulará. Por isso parece-me melhor que o Poder Executivo continue no seu procedimento, e este Congresso por ora não proceda nisto, mas só no caso de que o Governo Executivo proponha medidas que não sejão conformes.

O senhor Peçanha. - O Cardeal Patriarcha pôz-se fora da Ley. Eu não estaria longe de hum Preopinante, que disse que ao Congresso pertencia fazer esta declaração. Digo pois, que se deve crear hum Tribunal para declarar, que o Cardeal Patriarcha está fora da Ley, e não devo gozar de Prerogativas, etc.

O senhor Borges Carneiro. - Não me parece que se cometta á Regencia do Reyno hum caso que não póde decidir-se segundo as Leys actuaes; meio termo não o ha, he necessario huma medida extraordinaria.

O senhor Baeta. - He preciso examinar-se na Procuração do Patriarcha, se atacou a Soberania da Nação.

O senhor Presidente: - Deverá decidir-se se o Patriarcha deve ser julgado:

O senhor Xavier Monteiro. - Eu ainda não estou do estado de entender a Questão. Porque: se o Congresso decide que deve ser julgado, não sei qual he o Tribunal que o ha de julgar, nem a Ley em virtude da qual ha de ser julgado.

O senhor Fernandes Thomaz. - Eu á vista do

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Corpo de delicto he que sem duvida digo que isto deve determinar o Congresso a decidir que elle deve ser julgado. Eu sou seu Juiz unicamente para declarar que no seu entender elle he Rio, e que o crime he de tal natureza que elle deverá ser julgado.

O senhor Xavier Monteiro. - Se o Congresso decide que elle deve ser julgado, começa por declarallo criminoso; e neste caso eu penso que não haverá Juiz que se atlreva a obsolvello, ao mesmo tempo que não acho nas Leys pena em que possa condemnallo.

O senhor Borges Carneiro. - Servir-me-hei do que se usa na Hespanha. O Congressonão delibera senão sobre se ou não lugar á formação a culpa, ou causa; e então decidindo-se que não ha, vai para o Governo; e, no caso de decidir-se que ha lugar á formação da culpa, então manda que se forme segundo julgar conveniente.

O senhor Fernandes Thomaz. - O caso he extraordinario; por isso tambem poderei fallar extraordinariamente. O Congresso, no meu entender, deve determinar que o Patriarcha deve ser julgado. Porque he o Patriarcha mandado sahir para fora de Lisboa? não he como hnm desobediente? Interessa a honra do Patriarcha, e he de Direito Nacional que elle seja julgado. Huma vez que foi declarado culpado na opinião publica, não deveremos admittir huma defesa proporcionada aos meios? Até a meu ver não se deverá discutir tal cousa, se o Patriarcha deve ser ou não julgado.

O senhor Moura. - O senhor Monteiro diz que a sentença está prevenida pela Assemblea, que ella julga o facto como hum delicto, e que não cabe aos Juizes senão a imposição da pena. Eu digo que não. O Cardeal Patriarcha perle defender-se, para salvar-se da pena, e ainda não está condemnado, o que está he simplesmente indicado para se lhe formar a causa. O Congresso determina que se julgue, mas não condemna, determina só que seja julgado, mas não condemnou; não está pois prevenida a sentença.

O senhor Xavier Monteiro. - O Congresso decidindo que deve ser julgado, já diz que não he attribuição sua o julgallo, para salvar a dignidade dos Representantes da Nação; mas declara-o criminoso, porque acha o corpo de delicto muito claro. Se os Juizes achão tambem criminoso o Patriarcha, ou lhe hão de applicar a pena de morte que huma Ley barbara lhe comina, ou hão de proceder arbitrariamente desprezando a Ley, he por este motivo que eu sou de opinião que elle não seja julgado em Tribunal especial, nem com as formalidades da Ley. Demais: este caso não he novo no Mundo. O Bispo de Orense, jurando a Constituirão Hespanhola com restricções, e fazendo protestos, foi mandado pelas Cortes Extraordinarias subir do territorio Hespanhol; e o Bispo perdeo as temporalidades, e veio para Portugal. Isto fizerão os Legisladores de Cadis, e nós, procedendo de huma similhante forma, evitamos hum processo que não póde ter senão dons resultados, ambos elles injustos; pois que, ou ha de ser condemnado a huma pena gravissima, e excessiva, ou ha de ser absolvido.

O senhor Moura. - O exemplo das Cortes d'Hespanha he respeitavel, mas elle he hum acto arbitrario, e hum acto arbitrario remmettido contra o Bispo d'Orense. Pergunto se elle nos ha de auctorizar a outro? Eu desejaria que o Patriarcha offerecesse rasões pelas quaes fosse absolvido. Desejo no intimo da minha alma, e não desconfio que as não dê; e por isso acho mal o impor-se-lhe a pena sem o ouvir isto resiste ás idéas da justiça, só em Constantinopla, ou Marrocos he que o contrario podia ter lugar.

O senhor Borges Carneiro. - Quando no Juiso da Coroa se manda desnaturalizar qualquer Prelado, tem havido duas Cartas Rogatorias: por tanto convenho no principio de que não deve ser desnaturalizado sem ser ouvido: o mesmo Juizo da Coroa alli julga não por via da jurisdicção. Quando disse que não offenderia os meus principios se o Congresso deliberasse, depois de o ouvir, desnaturalizando-o, não quiz dizer que usurpasse o Direito Judiciario, dizia, sobre a mesma Ordenação que procedia não por viu de Jurisdicção, mas por huma medida de cuidar bem nos seus subditos. Por consequencia digo huma de duas cousas: ou o Augusto Congresso poderá, depois de o ouvir por escripto, mandallo desnaturalizar, ou mandar que se forme hum Juizo competente, dando-se instrucções a este mesmo Juizo; porque aliás o absolverá, ou o condemnará á morte.

O senhor Pinheiro de Azevedo disse, que se devia votar se o negocio se devia deixar á Regencia.

O senhor Borges Carneiro, que esse seria o modo de elidir todo o trabalho do Congresso.

O senhor Peixoto. - Desapprovo qualquer invectiva, que tenda a pôr em duvida a confiança que a Regencia justamente nos merece; e pela minha parte sou de voto, que o caso se deixe á sua disposição, já que começou a prover sobre elle.

O senhor Margiochi. - Caso similhante de hum Bispo anda agora nas Cortes de Hespanha. He má a muita precipitação, Ley nova não se póde fazer, e por consequencia o caso está muito em duvida. A Patria não cita em perigo, a opinião Publica está contra elle, a Regencia determinou, que elle sabia; por tanto elle, se quizer, que peça Juizes. Sobre tudo insisto em que o caso se não decida já.

O senhor Araujo. - Nós estamos em grandissimo embaracei, só se deixar ao Poder Executivo o comportamento do Patriarcha. Elle deve ser considerado debaixo de hum ponto de vista: não só he Bispo Portuguez, mas he hum Cardeal: o direito publico da Europa não estabeleceo ainda nada sobre este objecto.

O senhor Fernandes Thomaz. - Se o Congresso se acha embaraçado sobre as medidas tendo poder de legislar, que ha de fazer a Regencia? Não nos illudamos: tudo são palavras. Hoje declarou-se Sessão permanente para declarar este caso: seria huma cousa bem nova que, depois de se impor huma pena, senão admittisse a ser julgado! quem diz julgado, diz que se admitta a defesa: qual ha de ser o resultado disto não se sabe nem o Congresso he de decidir por ora. Por ora o que se pergunta he, se deve ser julgado: e para salvar a honra da Regencia, he que o Congresso deve decidir se deve ser julgado.

O senhor Peixoto. - A Pronuncia do culpado,

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para fezer-se o Processo, he huma parte do Juiso Criminal, por tanto approvo.

O senhor Annes de Carvalho. - Eu penso que antes de o Congresso proceder a determinar se ha de ou não julgar o Patriarcha, a primeira cousa que se deve examinar he se acaso a Regencia tem procedido bem ou mal. A Regencia tomou já medidas a este respeito, estas medidas devem ter efficacia, e só cessa a sua efficacia huma vez que por sua natureza são abusivas: para saber se são abusivas he preciso que o Congresso decida se a Regencia procedeo bem ou mal. Por consequencia em quanto se não resolver se a Regencia procedeo bem ou mal, não posso decidir se elle deve ser julgado.

O senhor Borges Carneiro. - A respeito da dignidade, eu reconheço altissima dignidade no Episcopado: em quanto ao Cardinalado he hum Titulo honorifico que tende a gastar só com o chapeo tantos contos de réis.

O senhor Castello Branco. - Constranger o Cardeal Patriarcha a hir para hum lugar de desterro, he hum dos actos mais fortes que o Poder Civil póde practicar: a Regencia teria obrado muito mal em practcar hum actoque certamente lhe não compete sem Sentença que depende do Poder Judiciario, he nós não estivessemos certos que havião motivos muito poderosos, que havia a necessidade de conservar a tranquillidade publica, e desaggravar a Nação offendida; motivos unicos que existirão certamente, e que legitimarão este proceder da Regencia. Se nós por consequencia não podemos culpar a Regencia pelo acto que practicou contra o Patriarcha, quem nos poderá criminar a nós, quem poderá calumniar este Congresso que vai legitimar esse procedimento da Regencia? Insistir pelo contrario julgo que he contradicção: dizer que não nos compete decidr, e que deverá ser o Poder Judiciario quem decida, vem logo a consequencia necessaria de que a Regencia obrou muito mal; nenhum de nós porem o dirá, por consequencia o negocio deve entrar na marcha em que a maior parte dos votos o tem posto.

O senhor Bispo de Beja. - (Não ouvi o que disse - diz o Tachygrapho, mas concordou em condemnar o procedimento do Cardeal Patrircha.)

O senhor Fernandes Thomz. - Eu continuo a fallar. Pelo Requerimento contra o Reytor da Universidade mandou-se á Regencia que suspendesse o Reytor, e nomeasse outro Reytor; os casos são identicos, e da mesma importancia. Nós não tiramos nada das attribuições da Regencia: neste caso faz-se hum acto de Justiça, e de necessidade absoluta; ao diante se tratará de dar a defesa a hum Homem que está tido como criminoso. Em que implica com as attribuições da Regencia, que se mande fazer o Processo, huma vez que o Congresso tem já por tantas vezes, e em casos de menor importancia, tomado deliberação sobre isto?

O senhor Annes de Carvalho. - O Congresso não mandou á Regencia que depuzesse o Bispo, o que disse foi, que tomasse as medidas necessarias, e relativas. Diz-se, que se quer lançar mão de medida para excitar escrupulos, mas o que se quer he respeitar a ordem das cousas. Atégora a Regencia servio-se destas medidas, he preciso examinar se as medidas forão prudentes ou não. Em quanto se não determinar esta questão, não sei que se possa tratar outra.

O Senhor Fernandes Thomaz. - Atéqui todos principiarão por dizer que a Regencia tinha procedido bem, mas que da necessario caminhar mais adiante, que o caso era de tal importancia que parece que - a este Congresso he que competia dar as providencias ulteriores a este respeito; porque talvez não coubesse nas attribuições da Regencia. Eis a intelligencia em que tenho fallado: eu fui o primeiro que disse, que a Regencia tinha feito bem que tudo era bom e bem justo, mas que era necessario fazer mais alguma cousa: foi nesta consideração que eu fallei e nesta consideração he que eu fallo. Não culpo a Regencia, antes a louvo; mas fallo por suppor que não he da sua attribuição preceder avante, e dar as providencias que o caso exige.

O senhor Annes de Carvalho. - O Excellentistissmo snhor Secretario de Estado, que está presente, acabou de dizer que a Regencia tinha tomado essas medidas provisorias, para ao depois proceder definitivamente. (Perguntou "Não he assim senhor Secretario?" Respondeo-se que sim e proseguio) Por consequencia não se póde dizer que a Regencia não tem tomado as medidas sufficientes para isto. A Regencia tomou medidas de precaução; estas são necdessarias, depois de tomadas essas medidas, ella assegura que tomará providencias difinitivas. Por ventura ha perigo do Estado para proceder a medidas extraordinarias? Falla-se-me na Dictadura em Roma, e no Ostracismo em Athenas; mas eu sei que a Dictadura dos Romanos foi despotica; mas eu sei que pelo Ostracismo foi condemnado o mais justo dos Gregos; sei que Milcrades foi condemnado, sei que Socrates foi tambem condemnado a beber cicuta, sei que as medidas extraordinarias fazem que o Ministro da França esteja em opprobio, e confusão: e a pezar destes exemplos querem-se medidas extraordinarias? Não entendo.

O senhor Trigoso. - Acabo de ouvir ao Ministro da Repartição, que a Regencia mandára para o Buraco o Cardeal Patriarcha: esta remoção não póde ainda ser huma pena, por isso mesmo que não está ainda feito o seu Processo; mas he huma medida de segurança, que tende a evitar a commoção que aquelle facto poderia causar; e tanto não he huma pena definitiva, que o Ministro confessa, que a Regencia se tem occupado no seu ulterior destino: com tudo a Regencia talvez tenha celebrado segunda Sessão, depois do acontecimento do dia de hontem, o ainda atégora se não tomou resolução definitiva, antes os seus Membros, tem consignado por escripto as suas opiniões, e opiniões que naturalmente deverão ser definitivas: isto prova o embaraço natural que tem este negocio. A Regencia composta de Pessoas habeis, e com o desejo de fazer bem, sendo o primeiro Corpo atacado com a repulsa do Patriarcha, a pesar disso não póde tomar resolução segura, e isto prova, torno a dizer, a difficuldade que ha neste ne-

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gocio. A discussão presente o mostra: aqui mesmo se tem seguido opiniões muito diversas, e desta diversidade concluo a difficuldade e perigo da materia, e ou confesso que não sei qual seja o verdadeiro modo porque deva ser decidido hum tal negocio. Se se quer processar o Cardeal Patriarcha em numa Commissão especial, oppõe-se as Bases, que prohibem crealla. Se se quer julgar pela Ordenação, he claro o embaraço. Se por huma Ley nova, temos outro perigo. Alem de que, o maior poder do Patriarcha he o Episcopal, que lhe pertence por Direito Divino: mas elle tem outro que lhe he accessorio, a saber, o de Cardeal; e nesta qualidade não sei agora quem o deverá julgar, porque não me lembra de outro Cardeal que entre rios estivesse em iguaes circunstancias. O Cardeal Alpedrinha creio que fugio para Roma, a fim de melhor evitar o Processo: devemos por tanto tomar nisto muito cuidado, para não nos compromettermos, não digo já tem a Sé Apostolica, mas com a Curia Romana. O Papa, alem de Chefe da Igreja, tambem he Principe Politico, e todas estas considerações devem entrar em couta quando vamos a fazer hum Processo a hum Cardeal, que não só em Roma, mas em Portugal, pelas nossas Leys, he pessoa de Jerarchia muito superior. E então que havemos de fazer? Creio que por ora he melhor não decidir nada, e reflectirmos nisto com mais socego. Tarto mais que nos não falta a justiça, porque o Patriarcha ainda não pedio que se lhe fizesse o seu Processo. Assim não ha motivo para nós appressarmos.

O senhor Castello Branco. - Tem-se fallado contra a adopção das medidas extraordinarias, quando se tem tomado já estas medidas extraordinarias. O Congresso, pelo que eu vejo, unio-se em legitimar ás medidas extraordinarias que, se não houvessem muito ponderosas circunstancias, que obrigarão a adoptallas, como já disse, devião ser necessariamente reprovadas: donde nasce pois a difficuldade que eu vejo aos Illustres Preopinantes para quererem reduzir este negocio ás rigorosas ordens da Justiça? Se elle está enunciado delicto, ou desobediencia á Auctoridade Publica, se elle não póde perder a connexão que tem perante a Nação, que difficuldade ha em reduzir isto ás rayas da Justiça, e defesa? Este he o principio que devemos adoptar em todos os negocios: por tanto aqui ha rasão occulta que não apparece. (A' Ordem.)

O senhor Moura. - Ainda não ha hum só voto na Assemblea, ainda nenhum dos Senhores que fallou antes de mim disse, que o Patriarcha de Lisboa não commetteo hum crime: entretanto ha quem diga que não deve ser julgado. Ainda ninguem disse que o Patriarcha não commetteo hum acto contrario á segurança da Nação, e do Estado; mas todos os pretextos se buscão para que elle não seja julgado. Não entendo o porque isto se busca. Eu digo que a Regencia no que practicou não excedeo os limites das suas attribuições, no que practicar de hoje em diante poderá; exceder. Não excedeo; porque julgou que a existencia do Patriarcha na sua Diocese perturbava a trauquillidade do Estado: e quem duvida que nas mãos do Poder Executivo existe o lançar mão de todos os meios que possão acautelar á ruina do Estado? Mas como quererão deixar-lhe a auctoridade de formar o Processo ulterior sobre este negocio, quando o Congresso está elle mesmo duvidando quaes são as Leys porque ha de ser julgado? He o mesmo que dizer que se diga ao Poder Executivo, que mande julgar hum individuo por Leys que não existem. Se nós achamos complicação nesta materia muito mais a hade achar o Poder Executivo. Por caso digo que a Regencia no que obrou, obrou bem; mas que daqui em diante no que obrar sahirá da esphera das suas attribuições.

O senhor Borges Carneiro. - Eu acho ha verdade bem difficultosa a questão de se mandar formar ou não causa. Não julgo que pertence ao Congresso o declarar se tem ou não causa; não pelas rasões que deo o illustre Preopinante de que elle não pede defesa; essa ideá he estranha, porque não depende nada do erro; nem pela contemplação da dignidade de Cardeal, ella he muito grande em Roma, lá são os Cortezãos Ecclesiasticos, em Portugal não he assim. Digo pois que tenho grande duvida em formar a causa. Parece que bem analysado o crime, elle se reduz á diversidade de opiniões politicas; mandou aos Parochos que jurassem, só elle não quer jurar! Todos os crimes tem dous caracteres: ou se fazer occultamense nas trévas, ou publicamente; mas neste não vê o nenhum destes caracteres: a clandestinidade não a vejo, porque mandou apresentar Procuração pelo Principal Sylva: machinação secreta tambem não, porque só se duvida de opiniões politicas; vejo que he hum homem que diz que não jurar este, e aquelle artigo, segue opiniões erradas, e dá a entender que para a essencia da Religião Catholica he necessario que existão prerogativas etc. Bem analysado isto, julgo que todo o caso do Cardeal Patriarcha consiste em desenvolver huma opinião politica: por isso queria que fosse julgado no Juizo da Coroa, como disse, não por modo de Jurisdicção, mas para que elle seja ouvido, e que a pena se redusa á desnaturalização. Este Tribunal deverá ser auctorizado para que goze das attribuições do Concelho de Justiça, que he o modificar as penas.

Ultimamente concordou-se no voto dos senhores Xavier Monteiro, e Margiochi, que o negocio era de grande ponderação para poder decidir-se nesta Sessão, não obstante o haver-se declarado permanente, e ficou adiado para a Sessão seguinte.

O senhor Presidente disse que esta seria a Ordem do Dia, com o Decreto de Fazenda.

Lembrou que seria conveniente destinai alguns dias na semana para discutir assumptos de Fazenda: determinou-se que fosse nas Terças e Sextas, e nos outros dias quando as circunstancias o permittissem a fim de tambem adiantar alguns dos muitos Projectos que estavão adiados;

O senhor Presidente levantou a Sessão ás quatro e hum quarto horas da tarde - Agostinho José Freire, Secretario.

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DECRETO.

As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação Portugueza, Considerando que a existencia do Tribunal da Inquisição he incompativel com os principios adoptados nas Bases da Constituição, Decretão o seguinte:

1.° O Concelho Geral ao Santo Officio, as Inquisições, os Juisos do Fisco, e todas as suas dependencias, ficão abolidos no Reyno de Portugal. O conhecimento dos Processos pendentes, e que de futuro se formarem sobre causas espirituaes, e meramente ecclesiasticas, he restituido á Juriadicção Episcopal. O de outras quaesquer causas de que conhecião o referido Tribunal, e Inquisições, fica pertencendo aos Ministros Seculares, como o de outros crimes ordinarios, para serem decididos na conformidade das Leys existentes.

2.° Todos os Regimentos, Leys, e Ordens relativas á existencia do referido Tribunal, e Inquisições, ficão revogadas, e de nenhum effeito.

3.° Os bens, e rendimentos, que pertencião aos dictos estabelecimentos, de qualquer natureza que sejão, e por qualquer titulo que fossem adquiridos, sejão provisoriamente administrados pelo Thesouro Nacional, assim como os outras rendimentos publicos.

4.º Todos os Livros, e tudo Manuscriptos, Processos findos e tudo o mais que existir nos Cartorios do mencionado Tribunal, e Inquisções, serão remettidos á Bibliotheca Publica de Lisboa, para serem conservados em cautela na Repartição dos Manuscriptos, e inventariados.

5.° Por outro Decreto, é depois de tomadas as necessarias informações, serão designados os ordenados que ficarão percebendo os Empregados que servirão no dicto Tribunal, e Inquisições.

A Regencia do Reyno assim o lenha entendido, e faça executar. Paço das Cortes 31 de Março de 1821. - Hermano José Braancamp do Sobral, Presidente - Agostinho José Freire, Deputado Secretario - João Baptista Felgueiras, Deputado Secretario.

AVISOS.

Para é Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Havendo tomado em consideração a Consulta inclusa da Junta do Commercio com as Informações, e mais Documentos relativos ás Fabricas Nacionaes da Covilhan, Fundão, e Portalegre; Approvando o Parecer da Commissão das Artes, e Manufacturas, cuja copia se inclue: Ordenão, que a Regencia do Reyno faça concluir a transacção offerecida por Antonio Pessoa de Amorim, sobre as Fabricas da Covilhan, e Fundão, nos termos da Proposta junta, e que procure realizar similhante Contrato, quanto á Fabrica de Portalegre, a qual em falta de comprador, será no em tanto administrada por conta da Fazenda Publica, fazendo-se proceder com urgente brevidade a todas as diligencias necessarias sobre este objecto; O que V. Exa. fará presente na Regencia, para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 31 de Março de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portuguesa, Tomando em Consideração o Requerimento incluso dos Officiaes da Armada Real, que servirão na Esquadrilha do Guadiana no tempo da Campanha, desde 1809, até 1814, para que, attentos ou seus Serviços, sejão declarados Comprehendidos na Mercê da Cruz de Campanha, concedida aos Officiaes do Exercito, pelo Decreto de 28 de Junho de 1816: Mandão remetter o mesmo Requerimento á Regencia do Reyno, com os respectivos Documentos, a fim de que, mediando as devidas habilitações, sejão os Supplicantes contemplados na referida condecoração: O que V. Exa. está presente na Regencia, para sua intelligencia, e execução:

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 31 de Março de 1821. = João Baptista Felgueiras

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinaiias da Nação Portugueza, Ordenão que o Ministro da Negocios do Reyno venha informar este Soberano Congresso do quanto se ha passado relativamente ao proceder do Cardeal Patriarcha á cerca do juramento das Bases da Constituição Politica da Monarchia; devendo para esse fim trazer todos os documentos, e paneis concernentes ao caso, e comparecer com a possivel brevidade, pois que o Augusto Congresso se ha declarado em Sessão permanente até que receba a mencionada informação, e delibere sobre este objecto. O que V. Exa. fará presente na Regencia do Reyno para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 31 de Março de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e

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Extraordinarias da Nação Portugueza, Ordenão que a Regencia do Reyno suspenda o Beneplacito a todas as Renuncias in favorem, sem que todavia se comprehendão nesta Ordem as Bullas, para as quaes precedeo consentimento Regio. O que V. Exa. fará presente na Regencia, para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 31 de Março de 1821. = João Baptista Felgueiras.

OFFICIO.

Illmo. e Exmo. Senhor. - A Regencia do Reyno, em Nome de ElRey o Senhor D. João VI., remette ás Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação Portugueza, a Consulta inclusa do Conselho da Fazenda de 23 do corrente, sobre o Requerimento de Simão da Sylva Laboreiro da Fonseca, em que pede isempção de Direitos do terreno Sapal inculto, que reduzio a Marinha no Lugar de Sarilhos, termo da Villa de Aldea Gallega, em conformidade do Alvará de 11 de Abril de 1815 , por ser a sua decisão dependente de huma Resolução legal. O que V. Exa. fará presente no Soberano Congresso.

Deos guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 30 de Março de 1821. = Illmo. e Exmo. Senhor Hermano José Braancamp do Sobral = Francisco Duarte Coelho.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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