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tado Procurador do leal Senado em Calcutá para fazer entrega do dito despacho, e solicitar a precisa resposta e o mais que fosse necessario a favor das relações commerciais entre Macáo, e Portos Britanicos.
Letra - R - Carta do Governador ao dito Barão, Avizando-se desta Commisão.
Letra - S - Tabella indicativa dos preços do Anfião de Bengalla, e do Norte, e seus resultados.
Letra - V - Requerimento dos negociantes ou moradores de Macáo, que deu logar á presente correspondencia, para se obterem providencias ácerca do commercio do Anfião.
Letra - Z - Manifesto de remessas, e dos navios para a Costa do Malabar.
Letra - Y - Opinião do chefe da real companhia dos Fillipinos na China, comparativa da influencia dos portos Portuguezes na India, sobre o trafico do Anfião.
Letra - K - Considerações amontoadas ás reflexões, que vão notadas nos documentos (letra a - e - t).
Tres copias; uma em numero 5, de officios dirigidos a J. B. Vrmrton, datadop de Macáo de 23 de Novembro de 1819, por José Ozorio de Castro de Albuquerque; outra, em numero 8, de 19 de Dezembro do mesmo anno, ao mesmo J. B. Vrmrton, pelo referido Ozorio; outra, em numero 9, de 3 de Janeiro de 1820, ao Governador de Bengalla sobre a materia referida.
Secretaria das Cortes em 27 de Setembro de 1822. - Joaquim Guilherme da Costa Posser.

Para Ignacio da Costa Quintella.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação prtugueza mandão restituir ao Governo a Carta transmittida ás Cortes em data de hoje, pela Secretaria de Estado dos negocios da marinha, do official que se acha commandado a charrua Gentil Amerecana, depois do fallecimento do commandante.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 27 de Setembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

SESSÃO DE 28 DE SETEMBRO.

Aberta a sessão á hora costumada, sob a presidencia do Sr. Trigoso, o Sr. Secretario Sousa Pinto leu a acta da antecedente, que foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os papeis seguintes.
Um officio do Ministro da marinha, remettendo as partes do registo do Porto tomadas no dia de hontem ao bergantim portuguez Piedade, vindo do Rio de Janeiro, e bergantim inglez, Alice, vindo das Alagoas, e brigae escuna portugueza, Santo Antonio Triumfo, vinda de S. Miguel, de que as Cortes ficarão inteiradas.
Outro do Ministro dos negocios estrangeiros, remettendo a informação pedida por ordem das Cortes, de 23 do corrente, sobre o requerimento de Manoel Ignacio de Brito, que foi mandado remetter á Commissão competente.
Duas felicitações das novas camaras da Arruda, e da Povos, e Meadas, de que se fez menção honrosa.
Mais duas felicitações do juiz de fóra de Lume José de Almeida Pedroso, e do professor de gramatica latina na villa de Arronches, Antonio José Fereira da Rocha, que forão recebidas com agrado.
Uma carta do Sr. Deputado Luiz Paulino Pinto da França, datado em Lessa a 22 do corrente em que accuzava a recepção daquelle dia da ordem das Cortes, que o chamava para a assignatura da Constituição, e expunha-se as causas por que lhe era fisicamente impossivel apresentar-se no dia determinado, de que as Cortes ficarão inteiradas.
Outra do Sr. Deputado Pedro Rodrigues Bandeira, pedindo mais alguns dias de licença para tratar da sua saude; e forão concedidos quinze dias, para depois de jurada a Constituição.
Outra do Sr. Deputado Henrique Xavier Baeta, pedindo pelo mesmo motivo alguns dias de licença; e forão concedidos igualmente quinze dias, para depois do dito juramento á Constituição.
Outra do Sr. Deputado Barão de Mollelos. Em que participa não Ter podido assistir á sessão antecedente por falta de saude, e que pelo mesmo motivo não podia assistir á de hoje, de que as Cortes ficarão inteiradas.
Outra do Sr. Deputado José Homem Corrêa Telles, pedindo trinta dias de licença para fazer uso de remedios, e cedendo a beneficio das urgencias do Estado, do ordenado de carregador do civel da cidade, desde Maio de 1821, em que tomou posse, até ao fim da presente legislatura; concedida a licença para depois de jurada a Constituição, e recebendo o offerecimento com agrado, e que se remettesse ao Governo para o fazer verificar.
Duas representações, uma da camara da villa das Alagôas, e outra com muitasassignaturas, em nome dos Européos emigrados de Pernambuco, que forão mandados remetter á Commissão de petições.
O Sr. Margiochi apresentou um officio que lhe fôra dirigido por Antonio Thomaz da Silva Leitão, com que remettia duzentos exemplares do mappa demonstrativo do resultado das primeiras eleições, para serem distribuidos pelos Srs. Depuatdos, o que se verificou.
O Sr. secretario Barroso leu as duas declarações de voto seguintes, que se mandarão lançar na acta: uma assignada pelos Srs. Borges Carneiro, Manoel Antonio Martins, Marcos Antonio, e Alexandre Gomes Ferrão, que diz - Em 27 de Setembro de 1822 votei contra o parecer da Commissão, que denegava a revista aos negociantes da Bahia, ou seus consignatorios na causa do embargo do tabaco. - outra assignada pelo Sr. Castro e Silva, que dizia - Declaro que na sessão de hontem votei contra o pa-

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recer da Commissão sobre a revista pedida pelos proprietarios da Bahia na causa que moveu aos contratadores do tabaco.
O Sr. Presidente annunciou, se achava a porta da sala o Ministro secretario dos negocios do Reino, que dizia, vinha encarregado por Sua Magestade de fazer uma participação ao Congresso: e sendo introduzido na sala, disse, que Sua Magestade o encargára do participar ao Congresso, que elle desejava no 1.° de Outubro acceitar, e jurar a Constituição da monarquia portugueza, que lhe havia sido apresentada, e que para esse fim tinha destinado sair do seu palacio pelas nove horas da manha, e provavelmente chagaria ao Congresso pelas onze. Disse o Sr. Presidente, que S. Exca. participasse a Sua Magestade, que as Cortes não podem deixar de ouvir com a maior satisfação a participação que lhes manda fazer, de que está resolvido a acceitar, e jurar a Constituição da monarquia portugueza: que ellas ficavão inteiradas, o que no 1.° de Outubro se acharião reunidas antes das onze horas, para esperarem, e receberem a acceitação, e solemne juramento de Sua Magestade: e se retirou o Ministro com a mesma etiqueta, com que tinha entrado.
Fez-se a chamada, e verificarão-se presentes 118 Srs. Deputados, faltando com causa motivada os Srs. Canavarro, Ribeiro da Costa, Barão de Mollelos, Bernardo de Figueiredo, Sepulveda, Bispo de Casttello Branco, Lédo, Borges de Barrot, Feijó, Lyra , Leite Lobo, Baeta, Ferreira da Silva, Fortunato Ramos, Gouvêa Osorio, Corrèa Telles, Faria, Lino Coutinho, Sousa Almeida, Martins Basto, Luiz Monteiro, Pinto da França, Manoel Antonio de Carvalho, Sande e Castro, Vergueiro, Bandeira: e sem causa os Srs. Rebeiro de Andrade, Bueno, Antonio José Moreira, Barata, Agostinho Gomes, Moniz Tavares, Villela Barbosa, Alencar, Rebello da Silva, Zefyrino dos Santos, Costa Aguiar, e Cirne.
Ordem do dia. Continuou a discussão sobre o artigo 1.° do projecto n.° 299 da organização das relações:
O Sr. Santos Pinheiro: - Senhor Presidente, ha muito tempo estou persuadido, que neste Congresso tenho voto não só decisivo, mas consultivo, e que deste em consciencia devo usar, quando eu julgar póde ser conveniente; ou por se não ter ainda lembrado, ou porque lembrado se não expõem as razões que o possão sustentar; tambem sempre estive, e ainda estou capacitado de que he da minha obrigação não falar, quando, o que houver de dizer, se tenha já manifestado por alguns illustres Srs. Deputados, de que esta augusta Assembléa se compõe; pois repetir o que melhor e com mais clareza tiver sido exposto, além de se fazer fastidioso, virá a causar em lugar de bem um mal para a Nação, no prejuizo que indispensavelmente ella receberia, deixando de se tratar negocios uns já resolvidos, outros que ainda se devem tratar, e para o que o tempo se deverá, segundo o meu pensar, não esperdiçar-se: he por estas razões que muito poucas vezes tenho falado, tendo com tudo a satisfação de que jamais se tem apresentado á minha imaginação projectos ou razões para sustentar ou combater materias postas á discussão neste soberano Congresso, que eu as não tenha ouvido proferir pelos seus illustres Membros, e isso com toda a erudição.
Em observancia do systema exposto he-me forçoso hoje falar em duas cousas de que trata o artigo 1 do cap. 1 do projecto em discussão; uma por ser eu de opinião, se bem me lembro, ainda não declarada; outra porque a tal respeito nada se tem proferido. Passemos pois no artigo, que não leio, na consideração de que delle estarão bem scientes os illustres Srs. Deputados que estão presentes: nelle se trata do numero das relações que deverá haver em Portugal e Algarves; o districto designado para cada uma dellas; e as terras em que as mesmas devem estar.
Em quanto ao numero, se nos propõe no artigo, que devem ser cinco, a este respeito ja se tem manifestado opiniões, umas para que sejão seis, outras sete, não deixando de haver quem diga, que só deverão haver dois, ou muito tres: eu porém, recordando-me do que nesta augusta Assembléa tenho ouvido, não sigo alguma dellas, mas sim sou de parecer, que quatro são bastantes, e indispensaveis; combinando assim a commodidade dos povos o que muito se deve attender, com a economia da fazenda, que tambem merece comtemplação; e uma e outra cousa sem duvida se verificará, quando na formação dos districtos se não tenha em vista as provincias comtempladas pelos limittes, com que ellas entre si se distinguem, mas sim a commodidade dos povos, os quaes só he que se deve attender, fiquem ou não as relações nas provincias delles; pois na verdade será cousa bem digna de censura, que os moradores de Almada e de Setubal, porque estão na provincia do Além-Téjo, devão ir a Evora, ou Beja, e não a Lisboa, só porque Lisboa pertence á Estremadura; igualmente será muito de estranhar, que os povos de Villa Nova de Gaia, porque se achão na provincia da Beira, sejão obrigados a ir a Coimbra, ou aonde nessa provincia se estabelecer a relação, e não vão a que ficar no Minho, seja no Porto, ou em outra qualquer parte, que sempre lhe será mais commodo. (O mesmo Deputado fazendo em recapitulação menção do que no dia antecedente alguns Srs. Deputados tinhão dito a respeito dos districtos para as relações e de que não devia em Villa Real ficar alguma, mas sim em outras partes, expoz sua opinião, e continuou dizendo:) Seja o que for, a este respeito nada direi pois assás, e muito já se tem falado, o que assim não tem acontecido, pelo que pertence a ficar no Porto a relação, e não tem havido quem sobre isso falasse; eu exporei meus sentimentos declarando a minha opinião, e as razões em que ella se estabelece.
A provincia do Minho pela sua grande população não póde deixar de ter em si uma relação, que deve ser posta em Braga, como terra mais central, e não no Porto, que fica na extremidade da provincia, por se achar proxima e immediata ao rio Douro, que divide o Minho da Beira: que a cidade de Braga seja a terra mais central da provincia, ou se attenda a seu terreno, ou a sua população, he opi-

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nião que não pode admittir controversia, mas a pezar disso eu direi o que se me offerece.
Falarei primeiro em quanto ao territorio, e antes disso convido a todos os illustres Srs., que formão esta augusta Assembléa, para que vejão todos os mappas, e acharão que aquelles mesmos, que por imperfeitos não fazem ver Braga na sua competente posição, assim mesmo a fazem apparecer entre as cidades e villas a mais central da provincia, sem que outra alguma possa nesta parte com ella competir: de Braga ao Porto fazem oito leguas, e para a parte opposta, indo para Chaves, temos, senão me engana, seis, ou sete: para Amarante conta-se de Braga oito leguas; e de Braga a Valença, na raia de Galliza, vão dez leguas; aqui tenho pois mostrado em como Braga se acha central em razão do terreno da provincia, ainda mesmo que esta se estenda ate Chaves, para onde fazem quinze leguas, e que parece deve ser pertença do Minho, e não de Tras-os-Montes, por algumas razões, que ommitto como intempestivas ao que estamos a tratar. Que a cidade de Braga deva preferir ao Porto, para ter relação como mais central, ainda com relação á população, eu o faço ver com evidencia, servindo-me para isso do numero dos Deputados, que a provincia do Minho, e cada um dos seus circulos está dando; pois que esse numero esta sendo na razão da população, que lhe compete: Todos sabemos que o Porto dá cinco Deputados, e Barcellos, Arcos, Braga, Guimarens, e Penafiel quatro por cada uma destas terras: principiemos por Barcellos, esta villa fica distante do Porto seis, ou sete leguas, e de Braga tres, e todos as terras do circulo de Barcellos ficão mais proximas a Braga do que ao Porto, exceptuando villa do Conde, que para o Porto sempre he menos, se bem aos povos será talvez melhor ir a Braga, principalmente no inverno, por ser a estrada do Porto pantanosa, mas ainda que isso não fosse, nenhuma attenção para o caso proposto villa do Conde merece, pois se compãe só de tres mil e tantas pessoas: no districto dos Arcos, que dá quatro Deputados, a terra mais aproximada ao Porto he a villa de Viana, que fica na distancia de dez leguas, quando para Braga só são seis, e todas as mais villas deste districto a parte direita de Viana pela costa do mar, e raia de Galliza, bem como todas as mais no interior do circulo vão ficando mais remotas do Porta a proporção, que se alongão de Viana, e tanto assim, que os moradores de muitas villas, como Monção, Valadares, Melgaço, Arcos, etc., viajando ao Porto passão pela cidade de Braga: no circulo desta cidade os povos não se ficão a ella mais proximos, mas até passão por ella, quando tem de ir ao Porto: que direi do circulo de Guimarães? Esta villa muito povoada fica na distancia do Porto oito leguas, e de Braga só tres, e pequenas, devendo-se notar, que o seu circulo está formado de forma, que a sua maior população não he entre a villa e o Porto, mas sim para as partes de Basto, donde os povos para irem ao Porto transitão, ou por Guimarães, ou mesmo por Braga, do que se pode colligir, quanto he mais commodo aos povos deste districto, que a relação fique em Braga: todos os quatro circulos, de que tenho feito menção, a saber: Arcos, Barcellos, Braga, e Guimarães, nomeão dezasseis Deputados, numero muito maior do que os do Porto, que só são cinco, e não deve a população deste circulo correspondente a cinco, prevalecer a que corresponde a dezaseis, como tenho mostrado: resta-nos na provincia ainda o circulo de Penafiel, que tem população na razão de quatro Deputados, que não contemplo na consideração de que a uns Braga lhes ficará mais porto, se hem que a outros (que julgo muito menos) o Porto; e por tanto compensando-se uns com outros poderemos, para o caso presente, suppor os moradores deste circulo, falando no todo, ser-lhes indifferente, que a relação fique em Braga, ou no Porto.
Não devo deixar do lembrar nesta augusta Assembléa que se faz digno do toda a reflexão, que Chaves, seja qual for a divisão dos districtos, deverá pertencer á Relação do Minho; porque com esta provincia, e não com a de Tras-os-Montes, conserva suas relações commerciaes; pois em toda e qualquer parte em que se puzer a relação, a não ser a do Minho, jamais com os moradores desta terra, em que ficar a Relação, Chaves estabelecerá relações commerciaes, em razão de que as producções de uma, e outra terra são as mesmas, o que não acontece a respeito do Minho, para onde os de Chaves transportão os fructos do seu paiz, recebendo ao mesmo tempo do Minho tudo de que precisa, e entra pelo mar; em razão do que acabo de lembrar temos, que ha mais este motivo, que exige o ficar a relação em Braga, por quanto o caminho do Chaves para o Porto he por Braga, devendo accrescentar que ordinariamente os de Chaves limitão suas especulações commerciaes sem irem ao Porto, levando de Braga o arroz, assucar, bacalháo, ferragens, etc., etc.; e aqui temos augmentando o numero dos que interessão mais em que a relação fique em Braga, o não no Porto; o mesmo que lembrei em quanto a Chaves se deverá em tudo, e por tudo entender com os povos de Monte-alegre de Ruibaes, e outros, que todos ficão mais proximos a Braga, que Chaves, o contem grande população. O illustre Deputado o Sr. Peixoto disse, que se bem Braga estava mais central do que o Porto; o por isso para os povos da provincia mais incommoda a relação no Porto, com tudo que este incommodo lhes ficava compensado pelo bem que lhes provinha, de que tratando dos negocios commerciaes, tratuvão ao mesmo tempo das suas demandas; em parte affirmou uma pura verdade; mas equivocou-se quando suppoz, que os povos dos quatro circulos, que tenho mencionado, ião commerciar ao Porto, quando assim não acontece; por que deve estar na certeza o illustre Deputado, que os negocios commerciaes do Porto convencionados com Braga, Barcellos, fazem-se ordinariamente só por cartas, ou pelos negociantes, e seus caixeiros, não no Porto, mas sim em Braga, Barcellos, quando a estas terras vão receber os pagamentos, e he por este mesmo motivo, que se bem se reflexionar, ficaremos convencidos, que a relação estando em Braga, o Porto com a população na razão de cinco, pouco, ou nada perde, quando a ficar ella no

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Porto, Braga, e a população correspondente a mais de dezeseis recebera maiores incommodos e despesas, o que parecerá paradoxo, o por-se da parte, o que acabo de dizer, e só unicamente se attender, a que sendo a estrada entre Braga, e Porto a mesma e reciproca, a viagem dos povos, e sua assistencia canzará esses mesmos encommodos e despesas a uns, e outros: o que certamente assim não acontece: era isto he pelo que resulta das relações commerciaes de Braga, Barcellos, e Guimarães com o Porto; pois em quanto as mais terras da provincia, bem como a de Tras-os-Montes, Monte-alegre, Ruibaens, e etc. já, tenho dito, e he verdade, que muito raras vezes vão ao Porto, a não ser positivamente tratar de demandas (no que consisse a actual questão) e para o que Braga lhe fica no caminho. Que a relação em Braga ficará mais central do que no Porto, ou seja em razão ao terreno, que deva formar o seu competente districto, ou em razão da população dos moradores nesse mesmo districto, que nisso interessão, e que se achão na proporção do não menos de dezeseis contra cinco, he verdade que não soffre a minima duvida, e he por esta razão mais que sufficiente o dever-se estabelecer em Braga a relação; porque estas não se formão para ornamento de cidades ou villas, eu por motivo de privilegios ou honras, mas sim, e tão sómente para bem, e utilidade dos povos em geral, e este bem em geral dos povos do Minho, como está mostrado, exige, que deve ser em Braga, e accrescentarei ao que tenho exposto, que isto será mais util, por ser cidade mais solitaria, e por tanto mais propria, a fim de que os juizes não tenhão muitos motivos de distracção, e possão por isso cumprir com os seus deveres, dando expedição ás partes; he tambem mais conveniente, por ser Braga mais saudavel, não em, razão de differença de clima, que a haver, não he consideravel, mas sim do local em que se acha formada; sendo arejada de todos os ventos, não acontecendo assim ao Porto, que quasi em todos os dias se ve coberto de espessa nevoa formada no Rio Douro, ao que muitos facultativos attribuem muitas e continuas mortes repentinas, e grande damno ás molestias de peito nos seus moradores: será além disto tudo mais politico, tanto para se estabelecerem relações de reciproca dependeacia, como para se espalharem os capitaes, e riquezas; aqui ouvi dizer a um illustre Deputado o Sr. Miranda, com toda a razão, que as riquezas não devião refluir-se só para Beira mar, ao que accrescento, que para nenhuma terra, devendo-se procurar que ellas se espalhem por todas, quanto for possivel, guardadas aquellas proporções nisso aliás indispensaveis, e he por tal motivo, que em quizera, pois julgo ser de toda a utilidade, e de justiça, que os estabelecimentos se repartissem, e espalhassem em diversas cidades, e villas do Reino, e não em uma, ou duas, como desgraçadamente, e com injustiça eslamos observando, e em que os povos nesta parte não são olhados com igualdade: desejava, torno a dizer, que para cada um dos estabelecimentos se procurassem diversas cidades, ou villas a ellas accommodadas por exemplo, em Vianna, Guimarães, Braga, Guarda, Pinhel, etc., etc., devendo-se sempre reflectir, que o Porto só pelo seu commercio ja he grande, risco, e se faz independente de todas as mais terras do Minho, que devem ser coadjuvadas com estabelecimentos; pois assim como os cidadãos são entre si iguaes, e não deve entre elles haver distincção, tambem nenhuma cidade tem direito para ter preferencia a outra, a fim de que nella se estabeleça Relação.
Senhor Presidente, seja qual for a contemplação que se deva dar no Porto, não pode haver um só motivo convincente que se possa allegar, para que a esta cidade se deva dar preferencia a Braga para estabelecimento de relação; por todas estas razões que tenho manifestado neste augusto recinto, devendo além disto dizer, que em Braga ha edificios que possão servir para a relação, sem que para isso se precise fazerem-se grandes despezas.
De quanto tenho exposto, e em recordação do que aqui tenho ouvido, concluo: 1.° que o numero das relações para Portugal e Algarves deverá ser de quatro: 2.° que este artigo deverá voltar á illustre Commissão, para ella propor os districtos que deverão ficar para cada uma das relações: 3.° finalmente que a respeito das terras em que ellas devão ficar, só se designe Lisboa, porque nesta cidade todos convirão que deve ter relação, tanto em razão da sua população, como da sua posição, e pelo que respeita aos lugares das outras relações a mesma illustre Commissão de tambem seu parecer, proponho aquelles que a justiça e razão pedir.
O Sr. Ferreira Borges: - Está em discussão o artigo 1.º do capitulo 1.° do projecto sobre as relações. Este artigo 1.º contém para mim duas partes, que involvem duas questões destinctas: 1.ª quantas relações provinciaes haverá em Portugal: 2.ª questão, onde serão. Pelo que acabo de ouvir vejo hoje emcaminhada a discussão aquella mesma divagação que teve hontem lugar, e por isso quasi prevejo, que nunca sairemos daqui. Para evitar este mal teremos a seguir outra vereda. Devemos determinar como bases, quantas relações deverá haver em Portugal; e em segundo lugar que a Commissão determine, vista a discussão, onde devem ser collocadas estas relações. Se nós não adoptamos isto não nos desenvolvemos daqui, e pelo que tou vendo cada um de nós quer lá uma relação para o seu sitio, ou bairro. Ate agora havião em Portugal duas relações, uma das quaes olhava todas as causas do norte de Portugal; outra não só olhava as causas das tres provincias do sul de Portugal, mas de mais a mais conhecia das causas, das tres provincias do norte, como uma consequencia de não caberem na alsada da relação do Porto, vindo para esta por aggravo ordinario; isto era inutiltissimo, e pezadissimo ás partes, e por isso nós acabamos com isto, e não se pode já falar em tal, porque não hade jámais conhecer-se por aggravo de outras relações. Supposto isto temos, que deixar a supplicação em quanto redação simples, em quanto conhecia dos aggravos e appellações das provincias do sul, etc. A face deste mappa que vem junto ao projecto vê-se bem, quanto o numero do causas que se julgavão nas provincias do norte, e quanto numero de causas se julgavão nas tres provincias do sul, e já neste se incluia o numero

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dos aggravos ordinários, e vê-se a face de tudo isso um triplo de causa nas tres provincias do norte mais que nas outras. Ora agora, o incommodo pela divisão actual he patente a todos, duas relações só não bastão, he preciso mais relações; vamos pois a vêr quantas serão mais precisas. Parecia-me que nós devendo attender não só ao numero de causas, mas tambem ao territorio onde ellas se podem intentar; e á vista de tudo sobejar, ainda que a minha opinião será que sejão cinco as relações de Portugal, por isso, que attendendo mais á situação topografica do paiz, quatro só, não bastão, porque seria necessario poderem-se dividir irmamente, o he impossivel. Isto pelo que respeita á primeira parte do artigo; em quanto á segunda não quero repetir o que se disse. A minha opinião he que volte á Commissão, e que a Commissão apresente o local que abranja a maior comodidade das parte, ao mesmo tempo conservando o mais possivel os habitos em que as partes estavão. Não me canço em dizer se as relações devem ser no Porto, se em Braga, no que se esmerou o illustre Preopinante, porque o que elle disse não merece attenção. Por tanto reduzindo o meu voto digo, que as relações devem ser cinco; e em quanto á 2.ª parte do artigo o meu voto he, que volte á Commissão.
O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Sr. Presidente, vou falar do numero e organização das relações. Como o Congresso fez grandes reformas, e alterações substanciais no processo civil e crime, e entre ellas a instituição de juizos de facto, a abolição de 3.ª instancia, etc., parece-me que a organização das relações, posto que provisoria, deve ser tal, que não só não encontre, nem diminua os bens que se esperão de taes reformas, mas que desde já as prepare e facilite até para serem graduaes como convém. E pois o Congresso na instituição dos jurados attendeu muito, e adoptou as leis das nações que a crearão, praticarão, e aperfeiçoarão, pede a boa razão e prudencia que faça o mesmo acerca das relações, como partes essencialmente unidas ao mesmo todo. Ora todos sabem que na Inglaterra há uma relação na camara suprema de doze grandes juizos, que se devide, reformando pequenos tribunaes, para discorrer por todo o reino duas vezes no anno pelo Natal e Pentecostes, e julgar em cada um dos districtos todas as causas: os quaes depois de reunidos julgão as apellações dos outros tribunaes, e tratão dos mais negocios que lhes pertencem.
Se o Congresso quizasse bem attender a esta organização, abonada pela longa pratica de tão illustre nação acharia fortissimas razões para a adoptar, e entre outras as vantagens seguintes: facilitar a instituição dos jurados, fazendo desde já a que he indispensável daqui a dois annos; não se distrairem os cidadãos de seus empregos, officios, e lavoura; não perderem tempo e cabedaes no prosseguimento de suas causas: formarem-se de torpes negociações e da multidão de procuradores, e advogados, que os illudem; abreviar os processos; diminuir as demandas; e sobre tudo restituir aos povos um direito, que elle sobre todos muito apreciavão, e que sempre reclamavão em Cortes. Que nos bons tempos da nossa monarquia todas as causas erão julgadas dentro do conselho pelo juiz ordinario em relação, isto he, em camara, e as de maior importancia em plena relação, chamando-se os homens bons da governança, e até os ricos homens e fidalgos que moravão no mesmo conselho; e bem se póde affirmar que este fóra, e direito durou até á introducção do direito romano e canonico; pois que os primeiros sobre juizes, carregadores, e adelartados, até o tempo d'El Rei D. Jõas II erão maisgovernadores que juizes e magistrados. Accresce que esta organização tem de mais a vantagem de se achar entre nós em certo modo neutralizada, ainda que esquecida desde os Filippes, porque de tempos antiquissimos havia tribunaes votantes, com o nome de alçadas, que em fórma de relação discorrioão pelos povos, como em visita geral: os quaes erão tão frequentes, que El Rei D. Sebastião lhes deu regimento, como se fossem ordinarios, e permanentes. Se o Congresso adoptar esta idéa, poderá a illustre Commissão apresentar o regulamento, sem se cançar muito com o assento, e districto das relações para maior commodidade dos povos; aos quaes, restituindo seus antigos e primitivos foros, os desembargadores devem ir administrar nos seus conselhos, como pede a boa razão e a politica. Segundo este plano, uma só, ou duas relações, parecem sufficientes; porém eu em nenhum caso votarei por mais de tres, uma no Porto, para as provincias d'além Douro, outra em Coimbra para as duas Beiras e parte da Extremadura, e a terceira em Lisboa para o Alemtejo e Algarve e parte de Extremadura. Este o meu parecer.
O Sr. Barreto Frio: - Eu tambem não approvo o artigo. O que nós desejamos obter he uma boa administração de justiça; e em quanto a não obtivermos nada teremos feito; porque boas leis só, não bastarão para a felicidade de um povo, he necessario que a justiça seja pronta e imparcialmente administrada; porque onde não há justiça não há liberdade, não há segurança, não há propriedade. Por não haver no governo antigo boa administração de justiça, he que a nação proscreveu para sempre aquella forma de governo. A Commissão pensando talvez que a falta de justiça, provinha de falta de tribunaes, propõe agora o estabelecimento de 5 Relações, e alguns dos illustres Preopinantes achão ainda diminuto este numero. Eu tambem se estivesse persuadido, que quantos mais tribunaes tivessemo, mais justiça teriamos, ninguem proporia um numero mais avultado do que eu; mas como estou certo de que o mal não provem daquella causa, e de que não hão de ser as Relações o antidoto, que há de curar o nosso poder judiciario, mas sim o estabelecimento dos jurados; sou de parecer, que uma vez que este estabelecimento ficou reservado para depois dos codigos, deve agora tambem ficar adiada a decisão deste artigo para depois dos jurados; porque em quanto eu não vir a maquina trabalhar com esta molla rela, não posso dizer se será necessario accrescentar-lhe, ou diminuir-lhe uma roda; e entretanto vamo-nos remediando com as duas Relações que temos, que para tribunaes de appelação já me parece pouco.
O Sr. Gomes de Brito: - Senhor Presidente, trata-se da creação de ralações provinciaes, e isto com

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o fim da commodidade dos povos. Estabelecem-se quatro para as provincias do norte, e uma para o Algarve, e provincia do Alemtejo, a qual deverá crear-se em Beja.
Assás se tem falado, o mui sabiamente, sobre aquellas, e por isso eu me limittarei sómente a esta. Se o fim de tal creação he a commodidade dos povos, eu digo que os das comarcas que ficão proximas ao Tejo nenhuma encontrão, e por isso que a sua sorte não melhora, antes vai a ser peior do que dantes era. Beja fica situada no fim daquella provincia, e para os povos destas comarcas irem alí requerer sua justiça, e seguir seus letigios tem que a atravessar toda, e fazer uma viagem de vinte até trinta leguas, que de inverno he inpraticavel por causa dos muitos e caudelosos rebeiros que se encontrão, e que não tem pontes, e em toda perigosa e arriscada por causa dos ladrões salteadores, de que tanto abundão aquellas estradas. Accresce a isto, que para Beja não ha daquellas comarcas relações algumas commerciaes, e por isso os povos não podem ter quem alí lhes prontifique o dinheiro necessario para o seguimento do seus litigios.
Até agora recorrião estes a Lisboa, onde encontravão todo o preciso, e não corrião aquelles perigos; e supposto eitejão em quasi igual distancia, com tudo para esta cidade a viagem faz-se em dois dias, e com muita commodidade, embarcando no Tejo; e para aquella são indispensaveis quatro ou cinco dias sempre por terra, e com os perigos já mencionados. Nestes termos, ou os ditos povos e comarcas devem ficar como dantes pertencendo a relação de Lisboa, o que lhes he mais commodo, ou aliàs se deve crear outra relação em Portalegre, á qual podem ficar pertencendo as comarcas de Portalegre, Crato, Elvas, Villa Viçosa, Aviz, Castello Branco, e a parte da comarca de Thomar que o Zezere divide. Deste modo os povos ficarião utilizados, pois que Portalegre, além de lhe ficar muito central, pela sua bondade e commercio offerece todos os recursos. Este he o meu voto.
O Sr. Correa de Seabra: - Sr. Presidente, na discussão de ontem ponderárão-se todas as difficuldades, que offerece a creação, e distribiução das relações, na fórma deste projecto; hoje farei algumas abservações para mostrar a nenhuma necessidade de tal creação. As relações são tribunaes unicamente para tomar conhecimento das appellações; o seu numero não deve estar só em relação com a povoação, mas principalmente com o numero das appellações, que se podem interpor, para que não haja falta na administração da justiça, nem empregados, que pezem sobre os povo. Ora pelo mappa das appellações dos ultimos cinco annos, junto ao projecto, havendo boa escolha de empregados, para tomar conhecimento de todas as appellações, mesmo no caso do numero ordinario dellas ser o maximo dos ultimos cinco annos, se vê que não há necessidade nenhuma da creação de mais relações, e que as duas são sufficientes; para o futuro não temos aggravos ordinarios, as appellações hão de tambem de diminuir pela instituição dos jurados, que está admittida nas causas civis, e crimes, pelo modo que os codigos regularem; e em razão da mesma instituição p processo das appellações he de ser mais simples; os aggravos, que não são de sentença definitiva, a respeito dos quaes e legislação actual he viciosa, e muito complicada, pelos codigos (segundo o que ma parece) em regra geral com poucas excessões, hão de ser interpostas no auto do processo; reduzidos muito os recursos, e simplificados para que se hão de crer novas relações, quando uma só seria astante talvez para o expediente? A minha opinião he, que a respeito de relações não se fação mais alterações, que as necessarias para pôr as duas em harmonia com a Constituição; e he que se declarem da mesma graduação, e que se revogue o recurso que há da do Porto para a de Lisboa, e que unicamente se fação algumas reformas das que propõe o projecto respectivo ao regimento das mesmas relações: estou certo que a minha opinião não há de agradar; porque vejo o Congresso inclinado para a creação de novas relações. A este respeito ainda digo duas palavras, posto que não seja dessa opinião. As relações, da mesma fórma que quaesquer estabelecimentos, sejão civis, sejão militares, sejão de qualquer qualidade que forem, devem estar directamente em proporção com os seu fins, e destinos, e indirectamente com a massa total da povoação. Os tribunaes de appellação nas nações mais bem governadas estão na razão de um para milhão de habitantes, e muito desmoralisada será a Nação, e a magistratura territorial estará na maior corrupção, se um tribunal não he bastante para conhecer dos recursos que se podem interpor das demandas, que houverem em um districto habitado por um milhão de habitantes: no Reino de Porugal e Algarves tres relações já ficão fóra deste proporção, por consequencia não deve ser para as provincias do norte; do mesmo mappa junto se vê, que nas provincias do norte há mais demandas que nas do sul: nas provincias do norte está mais dividida pelo povo a propriedade que nas do sul, aonde a divisão da propriedade he a mesma com pouca differnça do que a da Inglaterra; e por isto há mais complicação, e choque de interesses: se se crear uma relação para o Além-Tejo e Algarve, há de acontecer o mesmo que tenho ouvido a muitos juizes de fóra, que tem servido no Além-Tejo, que em todo o triennio não tiverão occasião de sentenciar uma demanda. Além disto o Além-Tejo, e Algarve tem mais communicação com Lisboa em razão das relações commerciaes, do que com Béja, ou qualquer outro dos locaes que tem lembrado para assento dessa relação; não vem por tanto a ser necessaria, nem util para as provincias do sul uma nova relação. As provincias do norte alguma utilidade podem Ter na creação de uma relação, ainda que na minha opinião hão de tal natureza que devesse determinar a sua creação. Se he crear o seu local, digo sem espírito de provincianismo, que deve ser Coimbra, ou Vizeu, e decido-me por Coimbra pelas razões que ontem derão os Srs. Deputados Freire, e Brito, e que escuso repetir; e só accrescento, que

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he mais sensata a reflexão do Sr. Brito, que uma escada pratica he necessaria, e muito util na Universidade, e a isto attribuo eu as vantagens das universidades de Alemanha sobre as mais da Europa.
O Sr. Moura: - Sr. Presidente, eu sou inteiramente opposto á opinião, que acabão de apresentar a este Congresso os dois illustres Preopinantes. Ou a justiça he necessaria para a defeza dos direitos individuais, ou he inutil, e prejudicial. Neste caso digo então, o que não só deve haver duas Relações, não deve haver nenhuma; mas no primeiro caso de serem necessarios os juizes, que administrem a justiça; se nisto he interessada não só a utilidade dos povos, mas também a tranquilidade publica, então julgo que a facilidade de decidir as controversias, que todos os dias se estão levantando debaixo dos pés, e renascendo, como hydras, he o primeiro fim, que se deve propôr um bom systema de administração de justiça: e neste sentido se os interesses da fazenda o permittissem eu quizera, que houvesse um tribunal ao fundo da escada de cada cidadão. Mas como he preciso combinar a commodidade dos povos com os interesses do thesouro, he necessario recorrer a outro methodo mais sabio, e mais prudente. E então de que se trata? Trata-se de examinar se a Commissão achou o justo meio, que deve haver entre a verdadeira commodidade dos povos, e o interesse da fazenda publica; isto he, se cinso Relações que propõe e Commissão são aquellas. Que são necessarias para decidir com promptidão as questões, e as controversias que entre os cidadãos se excitão; e se os interesses publicos da fazenda permittem que se possa pagar a este numero de juizes. A commissão tinha os methodos seguintes a escolher na collocação destas autoridades judiciaes, e era preciso que ella attendesse ou a todas, ou a cada um delles; dar a preferencias a um só, he perigoso e cheio de incovenientes; adoptar todos he difficil, e esta he uma crize: vamos seguir estas idéas pelo miudo.tinha em primeiro lugar a Commissão a seguir o systema arithemetico; (eu explicarei logo o que entendo por estes systemas) tinha a seguir o systema topografico, tinha o systema economico. Se tivesse que seguir o arithemetico, não tinha se não contar o numero de cidadãos, e distribuidos por cada um do tribunaes, e então facil seria a operação; porque entre 3 milhões de habitantes não tinha mais do que dividir a povoação toda em certo numero de individuos, dar a estes um tribunal, se tivesse a seguir o systema topografico não tinha mais que tomar um compasso, e em sima da carta geografica dividir o reino em porções iguaes, e dar a cada uma dellas uma Relação. Se tivesse a seguir o systema politico então deveria tomar como principio de que a justiça deve estar o mais proximo que for possivel do cidadão, que reclama o seu auxilio, ou como dizem os Francese, a justiça ao pé do justiçavel. Se tivesse finalmente a seguir o systema economico, então a melhor economia era não fazer despeza nenhuma; isto he, não haver um só tribunal; porque era o meio de economizar tudo. Admittida porém a necessidade de haver tribunaes, resta achar o maio de estabelecer unicamente os precisos. Seguindo-se com preferencia cada um dos systemas indicados, são palpaveis, e são visiveis os absurdos, e os incovenientes; porque seguindo-se o systema arithmetico, se vai a caír no absurdo de que tomando cem, ou trezentos mil habitantes para os ajudar a cada tribunal, não estando a povoação exactamente proporcionada ao territorio, se havia caír no incoveniente de collocar um tribunal muito mais distante do centro, em que elle devia ser collocado. Tambem não devia seguir-se o systema topografico; porque tinha os mesmos incovenientes. A seguir-se algum com preferencia deveria ser o systema politico, isto he aquelle, que põe o auxilio de justiça, mais ao alcance daquella, que o precisa.

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binar o melhor que podermos as commodidades dos povos com os interesses da fazenda. Agora, sobre o lugar onde se devem collocar os tribunaes farei algumas observações. 1.º Que se com exclusão de todos, e preferencia de um só seguirmos algum dos sytemas que acabei de propôr ou o topografico, ou o politico, ou o economico, necessariamente havemos de cair em erros, a em absurdos. Por exemplo a respeito das provincias de Traz-os-Montes, Beira, que eu conheço mais, se se fizer o centro da relação de Traz-os-Montes em Villa-Real, de boamente convirei que lhe compita uma parte da comarca de Lamego. Se porém se pozer o centro da relação em Moncorvo não quererei, que lhe pertença Lamego, e conviria lhe competisse á de Trancoso. Se se pozer em Mirandella não comvirei, que lhe pertença nem Trancoso, nem Lamego, e quererei que o destricto se limite á provincia. O mesmo direi a respeito de Vizeu. Se houver só uma relação na província da Beira-Alta collocada em Vizeu, desejaria que em Castello Branco houvesse outra; porque fica distante de Vizeu mais de 25 leguas (me parece). Não digo isto para que assim se siga, porque nisto não quero ter uma opinião decisiva. A minha opinião decisiva fora ter uma relação na minha terra; porque os habitantes da minha terra havião de gostar disto. Offereço estas considerações á Commissão para que ella as tome em conta; pois que todos estes arranjos não dependem só de uma cousa, mas dependem da comtemplação topográfica das provincias, serras que as cortão, rios, e outras circunstancias. Mas tendo isto em vista, sempre que fosse possível ainda haver maior numero de relações, o estabelece-las, sería cousa util. Porque he preciso Srs., que nos limitemos a uma consideração a mais importante. Os povos, o que mais lhe convem na ordem politica, não he o systema do governo; porque essas complicações politicas, que não conhecem, nada lhes interessão: o que lhe interessão he, o alivio de suas particulares aflicções, he o remedio para os continuos ataques, que os oppressores fazem á sua liberdade individual, e á sua propriedade. Não pençamos de vista, que para a conservação dos direitos individuaes do cidadão, he que se estabelecem os governos. Pouco importa aos povos serem governados por uma assembléa electiva, ou hereditária, ou por um systema de que elles não conhecessem nada; o que conhecem he a sua commodidade propria; e tem razão, porque esse he o fim de toda a sociedade civil; a esse fim he que unicamente se encaminhão as formas de governar. Quem hade manter a liberdade individual dos povos? Quem hade manter a justiça? Ou a justiça he necessaria, ou não he absolutamente necessária; se ella he absolutamente necessária, quanto ella existir mais ao alcance dos povos, que necessitão do seu auxilio, tanto melhor. Não sugeitemos pois os habitantes de uma provincia a virem a Lisboa, ou ao Porto, onde conssomem metade da sua fortuna por um rediculo interesse, que he insignificante para o que pertende opprimir, mas que he de muita consideração para o opprimido. Se o erario permittisse, torno a repetir, que haja um tribunal em cada cidade capital de provincia, haja um tribunal que decida as controversias do cidadão; porem se os interesses do erario o não permittem, combinemos uma cousa com a outra, a commodidade dos povos, com os interesses do thesouro. A Commissão pense bem sobre este objecto, dá-nos 5 relações; veja se nos póde dar seis, ou sete; com tanto que tenha em vista a commodidade dos povos, e faça com que a justiça esteja quanto for possivel ao alcance delles; estes são os seus verdadeiros interesses, e por elles só he que nós devemos sempre regular a intervenção de nosso officio.
O Sr. Abbade de Medrões: - Só me levanto para dizer, que a respeito de Villa Real as cartas que de ia tenho são, de que a relação haja de ser em Villa Real, ou então no Porto. Agora se eu podesse dar o meu voto sobre esta materia de tribunaes, o primeira cousa que eu faria era, instituir um tribunal supremo de. justiça para conhecer das prevaricações dos ministros, porque os povos presentemente não sabem a quem hão de recorrer. Mas isto não he agora para aqui. O meu voto a respeito das relações seria, que nunca menos de 5. Nós temos estabelecido na Constituição que haja relações provinciaes, isto quer dizer, que em cada provincia deve haver uma relação; porque se deixarem alguma provincia sem ella ha de se queixar; por isso talvez que fosse melhor serem 6, e que se diminuisse o numero de desembargadores, porque aqui fazia-se alguma economia. Ora, tambem pão deve attender-se só á distancia, deve-se attender ao commercio, e onde os povos tem mais relações com o resto da provincia, e por isso quererei, que a Commisssão escolha na provincia, não só aquella cidade, ou villa que fica mais perto de todos, mas sim aquella que tiver mais relações com o resto da provincia. Na minha, a que tem mais relações he Villa Real; e tambem he necessario attender à commodidade dos ministros. Ahi está que Mirandella seria melhor para relação, mas não tem commodidade, para os ministros, não tem casa, etc. tambem he necessario que a relação esteja em parte aonde haja alguma tropa, para que se for preciso executar uma sentença, a tropa auxilie. Portanto a minha opinião seria, que as relações sejão 6, que as cabeças sejão Porto, Villa Real, Viseu, Abrantes, Béja, Lisboa, e que estas relações não tenhão todas o mesmo numero de ministros, mas que este seja proporcionado ao maior numero de causas que houver nos lugares das relações.
O Sr. Castello Branco: - Ontem a discussão versou sobre esta matéria, mas em um objecto sobre que talvez nada poderíamos dizer, e vem a ser sobre o lugar em que deveria residir cada uma das relações. Hoje a discussão tem versado mais sobre o numero, e eu alguma cousa poderia dizer sobre isto. Um illustre Preopinante falando ha pouco sobre esta materia, a apoiando o numero de 5 relações, principiou o seu eloquente discurso referindo o principio de que a administração da justiça he necessaria aos povos. Ninguem póde duvidar deste principio, e por tanto não posso deixar de ser de accordo com o illustre Preopinante a respeito delle. Porém, em que eu não posso convir he, nos resultados que elle deduziu deste mesmo principio, e vem a ser, que pois a administração da justiça he necessaria e util os povos, que seja por

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tanto necessario tambem que haja um tribunal de appellação pois que isto equivalem as relações. Se este principio fosse exacto, deveria necessariamente na pratica não resultar um contrario, e vem a ser, que aquelles povos em que não ha essa infinidade e grande numero de tribunaes de appellação, devem por consequência ser os mais desgraçados, e não poderia prosperar o commercio, a industria, e a agricultura, pois que está visto, que uma vez que não podesse ahi administrar-se bem a justiça por falta de tribunaes, a prosperidade individual deveria ser todos os dias atacada. O principio geralmente verdadeiro, he que sem respeitar a propriedade a sociedade não póde prosperar. Mas nós observamos exactamente o contrario disto. Em Inglaterra não ha esses tribunaes de appellação; entretanto a Inglaterra passa por ser o paz em que melhor se observão as leis, em que a propriedade he mais respeitada. Nós sem mesmo indagar as particularidades sobre o systema administrativo da Inglaterra, vemos um resultado que mostra, que a administração da justiça ha de ser melhor, que em outro algum lugar. Nós vemos que a Inglaterra he o paiz em que mais prospera a agricultura; em que estão em melhor perfeição as artes, e o commercio. Logo necessariamente a justiça deve ser mais bem administrada; nem ninguém poderá negar que a administração economica de um paiz possa prosperar, sem que a justiça exactamente se administre. Em Inglaterra não ha esses tribunaes de appellação, a justiça ahi he bem administrada, logo tiro uma consequencia contraria á do illustre Preopinante, e vem a ser, que para a administração da justiça não são necessários esses tribunaes de appellação, ou ao menos não he necessario esse grande numero de tribunaes. Vamos agora examinar por outra parte o proveito que se tiraria de estabelecer um grande numero de tribunaes de appellação, e eu quero fundar as razoes, que disser, no verdadeiro estudo do homem. A natureza do homem, os motivos e princípios porque elle procede em todas as circunstancias, este he o grande norte que nos deve conduzir em todos os nossos discursos, em que formos tratar da organização das sociedades politicas. As necessidades reaes do homem, todos sabem que se reduzem a um circulo muito estreito; porém quer nós vamos considerar o homem na sociedade, ou não, o circulo das suas necessidades se estende muito, e se estende sempre em proporção dos meios, que se lhe apresentão para as suas commodidades ficticias, e que são effeitos dessas necessidades. Eu não entro na questão, se o estado mais feliz para o homem he aquelle, em que elle tem mais ou menos necessidades. Isto he uma questão meramente filosofica, e que pouco faz ao caso. Entretanto o que sei he, que em quanto o circulo das necessidades he maior, tanto maior são os meios que o homem tem á sua disposição. Não olhemos o homem individualmente, mas olhemos a sociedade. He certamente em a sociedade que o homem tem mais necessidades, porque assim se aumenta a população, assim se aumenta a industria, assim se aumentão as riquezas, e por consequencia uma sociedade he poderosa, uma sociedade he feliz. Portanto deste aumento das necessidades as que fazem forçar o homem, e não póde prescindir de estimular a nossa imaginação, porque he tal a organização fysica do homem, taes são os principios porque em todos os climas, tempos, e circunstancias o homem he necessariamente obrigado a obrar, sem que apoiar de toda a sua reflexão possa deixar de obrar. Por estes principios, digo, que em quanto o aumento das necessidades se dirige a fins uteis, eu convenho, que he igualmente util apresentar os meios proprios para fazer nascer estas necessidades, e as satisfazer. Porém quanto se fazem nascer necessidades para um fim, que he contrario ao bem estar do mesmo homem, já se vê que o fazer nascer necessidades deste género he absurdo e barbaro, porque he constituir o homem em um estado de ter necessidades, longe de lhe fazer nascer prazer, tende pelo contrario a fazer-lhe nascer desgostos, que he o que acontece quando se propozerem ao homem os meios de litigar. He preciso que nos desengane-mos; a imaginação do homem he inesgotavel nas suas producções, as necessidades reaes do homem reduzem-se a muito poucas; o homem he doente realmente, quando tem grande numero de medicos que consultar; o homem he demandista necessariamente, quando se lhe apresentarem a cada passo tribunaes. Em todos os tempos se ha de observar exactamente esta marcha natural do homem. Nós vemos que nas cidades onde ha grande numero de magistrados e tribunaes, as demandas são mais: nós vemos que onde não ha facilidade de consultar medicos os povos são mais sadios; já houve paizes aonde por estas razões forão expulsos os medicos e os advogados, e com effeito os povos não se derão peor com a exclusão desta classe de individuos. Em tudo he preciso moderação. Todos os que ouvirão o illustre Preopinante devião esquecer-se, de que em todos os districtos ha juizes de primeira instancia, e que por consequencia cada individuo no seu proprio districto tem meios de propôr as duvidas a esses ministros de primeira instancia. Diz-se que os povos ficarião vexados por não terem tribunaes de appelação, que elles serião vexados no seu direito? Como podem elles ser vexados, se elles tem juizes de primeira instancia, que lhe he tão fácil consultar? A vista disto não posso convir na necessidade de muitas relações, nem posso convir em que para um reino que se compõe de à milhões de habitantes sejão necessários 5 tribunaes. Supponho que 3 dispostos pela maneira conveniente, que sobre isto nada posso dizer, serão mais que sufficientes para promover as necessidades dos povos. Certamente não entra em linha de conta a despeza que o thesouro era obrigado a fazer com esse aumento de relações. Se eu o julgasse necessario para a administração da justiça, julgaria pouca toda a despeza, porque são os povos que pagão para as necessidades publicas, e o que elles pagão, deve reverter em utilidade propria. Mas eu estou certo que não he necessaria esta despeza; os povos não se queixão ordinariamente das distancias, os povos queixão-se da trapaça, da chicana, que se emprega no processo. Melhore-se o processo, cada empregado publico cumpra exactamente com a sua obrigação, o Governo seja exacto e vigilante nos seus deveres, e não será necessario tão grande numero de tribunaes

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de appellação e os povos não terão motivo de se queixarem. Portanto voto só por 3 tribunaes.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu suppunha que a reforma das relações não acharia contrariedade senão nos procuradoras e desembargadores, porque são aquelles que me parece que terião mais incommodo, mas em fim acha contrariedade aqui mesmo. Um illustre Preopinante, querendo mostrar que o plano adoptado pela Commissão não era bom, substituiu outro dizendo, que era muito melhor que em Portugal se praticasse o que já se praticou e se está praticando em Inglaterra, que era andarem os tribunaes de appellação volantes de terra em terra, para que os povos tivessem uma maior commodidade na administração da justiça, e diz elle que era isto um bem para os povos. Outro illustre Preopinante diz, que era um mal para os povos, pois dava em resultado a facilidade de se intentarem demandas. Não sei qual destes Preopinantes fala verdade, não sei qual deva acreditar, se a Inglaterra de um, se a do outro. Parece por tanto que o melhor he não seguir nem a Inglaterra de um, nem a Inglaterra do outro, e haver relações, porque a Constituição manda que as haja, he necessario que haja relações provinciaes, e então deixemo-nos dessas filosofias que não tem nada para o caso. A Commissão fez aquilo que o Congresso mandou. A Commissão foi encarregada de um plano de reforma de relações, e augmento de relações, e porque? Porque assim o manda a Constituição. Se os illustres Preopinantes querem revogar a Constituição he outro caso. Porém o que he muito para admirar he uma cousa, e vem a ser, que alguns Preopinantes julgão que se faz mal aos povos em se augmentarem os recursos, e que se diminuão os que já tem. Se dissessem, haverá casa da supplicação, mas tirem-se-lhe esse numero de desembargadores, tirem-se-lhe esse numero infinito de letrados, procuradores, etc., muito bem; mas agora dizer se: «não se toque nisto, haja os mesmos desembargadores, os procuradores, e letrados, mas haja isto só para os habitantes de Lisboa»: isto he a maior deshumanidade que póde considerar-se. (Apoiado). Que diria um illustre Preopinante se o fizessem ou obrigassem ir doze leguas para tratar uma demanda? Falemos claro. Os illustres Preopinantes falão assim, ou porque vivem em terras em que ha a administração da justiça prompta, ou porque vivem na abundância de bens. Vão para as províncias servir, e lá verão o que soffrem os desgraçados litigantes. Um dos illustres Preopinantes diz, que a justiça mais perto melhor se administra: o que se segue d'aí he, que em Lisboa não haverá as mesmas injustiças que ha nas provincias. Não he assim? Em Lisboa, nas capitães e terras onde ha os tribunaes, ha de haver injustiças. A administração da justiça he má, porque he administrada por homens, o homem não he tão máo em Lisboa como nas províncias? Quem não conhece isto? Quem não conhece um juiz da ventena? Não he elle um déspota? E porque? Porque nessa terra não tem quem lhe vá á mão, pelo contrario quando o corregedor lhe chega á terra, diga ao juiz ordinario que seja déspota. Conseguintemente está demonstrado, que não póde deixar de haver a refórma das relações, porque a Constituição assim o determinou, e em consequencia tambem está determinado que he perciso adoptar um plano de refórma; isto não póde ser senão augmentando o numero das relações de modo que he impossivel, que deixem de ser cinco ao menos, e só o devem deixar de ser uma vez que a fazenda o não permitta. Mas assento que a fazenda póde com esta despeza. Pelo cálculo que fiz a despeza de cada relação andará por trinta mil cruzados; eis a differança para a fazenda nacional: se d'aí se seguir a maior utilidade dos povos, quem duvida que elles merecem que se faça não só esta despeza, mas outra maior se todavia for necessária. Todavia a Commissão assentou que cinco erão as necessarias, e que a fazenda podia com a despega. As duas relações de Lisboa e Porto não podem evitar-se, he perciso por tanto no resto do territorio estabelecer tres relações. Se fosse possivel mais alguma a contento dos povos seria então em cada província estabelecida uma relação, e talvez isto indicasse melhor as vistos de uma relação, mas he perciso saber que a comarca de Barcellos talvez tenha mais demandas que todo o Alémtejo e Algarves, e por isso não he possivel estabelecer senão uma relação no Alémtejo e Algarves. Parece que não he possivel evitar-se a união destas duas provincias. Assim o julgou a Commissão, e se acaso a divisão das relações não saiu exacta, saíu desporporcionada, como a Commissão conheceu que ella estava, e por isso foi que lembrou de pôr n'uma relação mais desembargadores do que nas outras, e isto foi para conservar esta antiga divisão de comarcas, e para não apartar a base da comarca para distraio de uma relação para outra, todavia isto póde emendar-se. Não posso de modo algum admittir o principio de que nós devemos conservar as relações como estão. Isto não he possivel, porque as relações hão de conhecer só na forma da Constituição, para conhecer por appellação e aggravo he perciso fazer saír todas as causas, que cada corregedor do crime, e juiz da corôa tem: como se hão de conservar estas; relações como estão, e saíndo estes juizes, saíndo as causas, como póde conservar-se essa nuvem de desembargadores, e desembargadores inuteis, e muitos até máos, e ter a Nação esta causa contínua do seu escandalo, porque o que mais me admira he o ter ouvido, que um flagello dos povos são as relações.
Como querem pois que se conservem as relações? Se gritão contra ellas? Não entendo. He necessario pois que as relações se reformem. O modo melhor he o que propõe a Commissão, isto he, uma lei provisoria. Por tanto peço ao Sr. Presidente proponha ao Congresso, qual deve sor o numero das relações, e ao depois a Commissão tornará a dizer a tua opinião sobre as causas que devem pertencer a cada uma dellas.
O Sr. Isidoro José dos Santos: - Não falarei no numero das relações, que deve haver no reino, e das cidades ou villas, em que se devem estabelecer; só quero falar da comarca de Castello Branco; pois que sobre ella se tem produzido diversas opiniões.
Foi a primeira, estabelecer-se em Castello Branco uma relação, cujo destricto fosse a Beira baixa com a comarca de Portalegre. Esta opinião já hoje mes-

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mo pareceu muito boa ao illustre Deputado o Sr. Moura, é não póde parecer-me se não optima; porém receio, que se opponha ao systema economico.
Foi a segunda; que a cidade de Castello Branco, e sua comarca ficassem pertencendo ao districto de uma relação, que se estabelecesse em Evora. Este arbitrio, Sr. Presidente, se chegasse a verificar-se, seria uma verdadeira calamidade para aquella comarca: as partes escolherão antes o soffrimento, e acceitar qualquer julgado, que o recurso da appelação; porque Evora não tem relações algumas commerciaes com Castello Branco, e sua comarca, e até na grande feira de S. João talvez não appareção duas duzias de homens daquella comarca, e algumas vezes terá acontecido não apparecer um só. A communicação pelo correio he por Lisboa, e passaria o anno, sem que apparecesse alguma carta de uma para outra cidade, se não estivesse em Castello Branco um regimento de cavallaria. Se alguem tem a mandar dinheiro para Evora, ou o ha de fazer por um proprio com risco, ou valer-se de algum negociante de Lisboa; porque o correio não o segura. Em taes circunstancias he claro, que seria necessario a todo aquelle, que tivesse uma appelação, ir para Evora tratar da sua causa.
A terceira opinião foi, a de uma relação em Abrantes, pertencendo Castello Bronco ao seu districto. Se assim acontecer não ficará mal aquella comarca, pela facilidade e frequencia das communicações. Resta-me sómente falar da opinião da opinião dos illustres autores do projecto. Attendendo-se á distancia, Castello Branco dista de Viseu 20 léguas, e alguns concelhos da comarca distão menos: porém já ontem se ponderou a grande difficuldade, que ha, de passar a Serra da Estrella em grande parte do anno, e até mesmo ás vezes a impossibilidade: além disto deve ainda notar-se, que não ha relações algumas da comarca de Castello Branco com a de Viseu. Talvez pareça isto incrivel; porém he uma verdade porque tudo quanto importa a comarca de Castellobranco, e tudo quanto exporta he negociado por Abrantes, e villas de Ribatéjo para Lisboa. As correspondencias de Castellobranco com Viseu pelo correio vem a Lisboa, passão a Coimbra, e dali a Viseu; por consequencia ainda que a distancia de Lisboa a Castellobranco seja de 36 léguas, as communicações entre uma, e outra cidade são prontas, e frequentes, nunca vi que pessoa alguma de Castellobranco tivesse necessidade do vir a esta corte unicamente por motivos da sua demanda; e todos achão meio de mandar aprontar aos seus procuradores o dinheiro necessario.
Por todas estas razões a minha opinião he, que a comarca de Castellobranco tem muito maior interesse em pertencer no districto de uma relação estabelecida em Lisboa, do que em Viseu. Offereço estas reflexões á illustre Commissão para as ter em vista na reforma deste artigo.
Julgado o artigo sufficientemente discutido, e posto á votação, não foi approvado. Propor, então o Sr. Presidente: se devia voltar á Commissão, para que, unida com a de estatistica, apresento uma nova rodacção segundo as bases, que se houverem de determinar? E venceu-se, que sim. Propoz o Sr. Presidente:
se acaso se devia decidir já o numero das relações, que devião haver? E venceu-se, que sim. Propoz então o Sr. Presidente separadamente os numeros 6, 5, 4, 3, e 2: e não havendo vencimento sobre os numeros 2, 3, 4, e 6, e havendo dúvida na votação sobre o N.º de - 5 - se poz este novamente á votação: e se venceu, que fossem 5 as relações. Propoz o Sr. Presidente: se o designar o lugar das capitáes para as relações, e os districtos, que devem corresponder a cada uma, se devia fazer agora, ou voltar á Commissão, para que ella o propozesse? E venceu-se, que voltasse á Commissão.
Passou-se ao artigo segundo que foi approvado.
Passou-se ao artigo terceiro.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Isto não tem embaraço algum, isto he unicamente para as appelações. Suppõe-se que as relações do norte formão um districto, e as outras outro. Em todo o caso he necessario esta hypothese, porque na pratica muitas vezes hade acontecer caso, em que se hão de conceder essas appelações ora pertencentes a um destricto, ora a outro.
O Sr. Freire: - Conformo-ne com a 1.ª parte do artigo, em quanto á 2.ª quererei, que volte á Commissão, visto que ainda se não decidiu sobre o local das relações.
O Sr. Guerreiro: - Eu sou de opinião que este artigo deve supprimir-se neste lugar, porque não he o seu lugar competente, mas sim quando se tratar dos artigos 19, e 59.
Depois de algumas reflexões, decidiu-se, que os artigos 3.º e 4.º ficassem adiados, para se tratarem depois de decididos os artigos respectivos.
O artigo 5.º foi approvado.
Passou-se ao artigo 6.º
O Sr. Sarmento: - Apesar de assignar este projecto, parecia-me agora, vendo-o com mais attenção, que se desse outro nome ao officio, que neste lugar se denomina porteiro da chancellaria; porque cessa o estabelecimento da chancellaria, como consta do projecto, e nesse caso, talvez seja mais apropriada outra qualquer denominação.
O S. Fernandes: - Parece-me bom este, porque designa o seu officio, que he receber papeis, etc., selalos, etc.
O Sr. Camello Fortes: - Sr. Presidente, já aqui se propoz e se estabeleceu [...], que hão de se conceder as revistas, agora o que se pertende saber he, se ha de ser decidida por a mesma relação ou diferente, e se ha de ser decidida por a mais proxima, ou por a da outra divisão segundo se pertende, eu peço e he o meu voto que este artigo se não decida por ora.
O Sr. Macedo: - Sr. Presidente: para eu poder falar ácerca deste artigo, desejava saber primeiro qual he o destino que se pertende dar áquelles desembargadores, que não houverem de ser empregados nas novas relações. Estou persuadido que a estes desembargadores não haverá deixado a Commissão em total esquecimento, e que terá em vista propôr a justa contemplação, que se deva ter com elles, isto he com aquelles que tiverem servido bem, e que não podem entrar nas novas relações. Ora se estes magistrados hão de

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conservar os seus ordenados ou parte delles ficando livres do serviço, então achava eu mais justo, que estes procuradores da soberania nacional e da fazenda, e promotores da justiça de que fala o artigo hajão de ser tirados do numero dos desembargadores cabazes, que não poderem ser empregados nas casas das Relações novas: desta fórma não só se contemplarão melhor estes homens; mas sobre tudo haverá mais economia, pois se escusa dar novos ordenados a pessoas que venhão occupar estes empregos.
O Sr. Guerreiro: - O meu parecer sobre este ponto seria, que não se discutisse agora esta materia, mas sim depois de vencida a que lhe diz respeito, como porém isto talvez não agrade, farei algumas observações a respeito do procurador da soberania nacional, da economia, e da fazenda. Acho alguma contradicção nas idéas destas denominações. Primeiro um procurador da soberania nacional não sei para que seja necessario, e de certo attribuições que se lhe dão no capitulo correspondente, e seu regimento nenhuma dellas pertence á soberania nacional. Diz-se no artigo competente (leu-o), com effeito não posso conceber como isto seja. A soberania nacional he a reunião de todos os direitos magestaticos, ou de todos os direitos necessarios para o governo de uma sociedade, e a nação tem delegado o exercicio destes poderes nas Cortes, no Rei, e nos juizes. Na reunião pois destes poderes consista a soberania nacional. Ora não sei que nos juizos se discuta sobre esta soberania, e por isso que haja casos em que se verifique a hypothese do artigo. A soberania nacional esta fóra do alcanse dos tribunaes. He verdade que a nação ou uma parte della póde ser interessada, mas ella póde ser interessada em tudo quanto há, por isso julgo que esta nomenclatura se deve proscrever. Quanto ao procurador da coroa acho que esta expressão reunida a outra de soberania nacional apresentava uma contradicção. Se a soberania nacional necessitasse de procurador, não havia de ser nomeado pelo Rei; porque os interesses destes são diversos, e ás vezes contrarios, ë não poderião reunir-se numa só pessoa. Até agora na desordem em que se achava o direito publico portuguez era necessario, que houvessem estes procuradores da soberania para evitar as usurpações do poder real, porque não obstante que os nossos Reis exercião toda a plenitude do poder, todavia os nossos costumes antigos a limitavão consideravelmente. Em outro tempo os senhorios de terras por seus privilegios usurpavão parte do poder real; por outra parte as justiças ecclesiasticas fazião por estenderem o poder temporal, que exercião, e que então não se persuadião, que era delegação da soberania temporal. Era por tanto necessario naquelle tempo que o Rei tivesse em cada, um dos tribunaes pessoas necessarias para conservar ilezos os seus poderes; aponto, que não fossem usurpados pelos senhorios das terras, e justiças ecclesiaticas. Mas agora isto já he absolutamente desnecessario, e por isso não sei para que possa servir este procurador da soberania nacional. Se por este procurador da coroa, se quer dar um procurador ao poder executivo, então procuraria eu contra quem: o mesmo digo a respeito do procurador da fazenda. Tambem me parece que não he necessario semelhante procurador. Quando as funcções judiciarias se achavão reunidas era necessario um procurador de fazenda em cada um dos tribuanes, mas agora que a Constituição marca á linha de separação entre a destribuição de fazenda, e que estas funções não se hãode confundir, não sei qual he a razão porque o procurador da Fazenda se hade annexar aos tribunaes. Por tanto não sei de que sirva semelhante procurador de fazenda nacional. Se he para responder aquellas causas, que se intentão contra a fazenda nacional, tambem assento que não há necessidade que cada tribunal tenha um procurador de fazenda nacional. Senão pergunto. Quem hade dar as ordens a este procurador da fazenda? O tribunal a que pertence? Não; porque não tem ingerencia alguma em negocios de fazenda. Os chefes de repartição de fazenda? Tambem não, porque elle he um lugar de justiça, e não de fazenda. E por isso na nova organisação das relações não deve haver procurador algum de fazenda. Quanto no promotor da justiça elle he necessario, e deve ser encarregado de solicitar ex-officio aquellas cousas, que sejão necessarias á fazenda, e algumas que até agora pertencião ao procurador da coroa, no caso de assim ser necessario.
O Sr. Pinto de Magalhães: - Senhor Presidente, eu só tenho a dizer que as razões que a Commissão teve para fazer esta divisão estão bem claramente demonstradas nos dous artigos 69 e 79.
Sendo chegada a hora da prolongação ficou adiado o artigo.
Leu-se um parecer da Commissão de agricultura sobre uma representação da Commissão do terreiro publico, em que pede providencias para se acautelar o contrabando dos cereaes introduzido nas embarcações costeiras: sendo o parecer da Commissão, que sendo da attribuição do Poder executivo passar as ordens, que forem necessarias para o inteiro cumprimento, e execução das leis, o caso presente entra nesta classe, e a sua decisão pertence ao Governo: (este parecer tinha ficado adiado na sessão de 3 de Junho. Vide tom. 6.º pag. 349).
O Sr. Soares Franco: - Aquelle parecer está feito ha muito tempo. Creio que foi dado em razão de uma representação do terreiro mandada às Cortes para remediar as fraudes que havia à respeito dos navios costeiros, que saindo com mera carga dos portos nacionaes, ião aos visinhos de Hespanha acabar de carregar, e entravão em Lisboa como se o trigo todo que trazião fosse portuguez; pedia a commissão que fossem obrigados a trazer guias da quantidade de moios de pão cem que saíão, e que se remetessem outras guias iguaes por terra ao mesmo terreiro, para que se confrontassem estas com as que apresentassem, quando dessem a sua entrada. Como estas medidas são puramente regulamentares para se pôr em execução a lei que prohibe a entrada dos cereaes estrangeiros, por isso a Commissão foi de parecer, que a sua decisão pertencia ao Governo.
O Sr. Ferreira Borges: - Trata-se, Senhor Presidente, de estabelecer de nove alguma cousa relativa a guias. Isto he legislar; por tanto pertence às

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Cortes, e não ao Governo fazelo. Pelo que acabei de ouvir, vejo que o terreiro se queixa de que ha cargas entradas em Lisboa, saindo de portos, portuguezes não inteiras, que os navios vão a paizes estrangeiros acabar de enteirar, e das quaes dão de entrada aqui em Lisboa, como se fossem as cargas todas de productos portuguezes. Custa-me um pouco a perceber isto, porque em todos os portos do Portugal ha alfandegas, e em todas as alfandegas se fazem despachos, e destes despachos consta a totalidade da carga. Por isso parece que ha aqui algum equivoco da parte da pessoa, que pede aquella providencia; porque me parece que o despacho ordinario satisfazia a isto. A não ser assim, não ha mais que determinar, que nenhum navio que saísse dos portos de Portugal para o de Lisboa viesse sem trazer o manifesto legal da sua carga, mas isto mesmo he legislar. Por esta occasião lembraria, que para evitar melhor este contrabando, que se unisse a esta providencia legislativa uma outra, e vem a ser, que os administradores das alfandegas dos diversos portos de Portugal, logo que se despache um navio por saída para o porto de Lisboa, seja obrigado ao mesmo tempo que faz o despacho remetter igual despacho ex officio. Concedo que ainda não ficará tudo acautelado: teremos com tudo pelo contrabandista mais uma difficuldade a vencer, e uma medida a recear. E ainda ha meio de estabelecer isto melhor, que proporei segundo o vencimento.
O Sr. Gyrão: - Queria que V. Exc. mandasse ler o officio do Ministro: (leu-se). Tudo isto me confirma, que este negocio pertence ao Governo.
O Sr. Ferreira Borges: - Como eu propuz uma medida he necessario offerecer um methodo de alcançar, e mostrar a sua bondade. Quererei pois que a guia não declare a quantidade da carga, mas a sua altura no porão do navio, porque em regra os generos cereaes alastrão-se, e se vierem a granel bem facil será determinar a altura da carga, porque uma vara mettida muito bem póde marcar sem erro a altura da carga, que he o que basta saber: para evitar que se a agmente, he este o melhor meio que conheço.
O Sr. Gyrão: - Isso he util, mas deve ficar paia um projecto de decreto.
O Sr. Bettencourt: - Estas, e outras questões fazem conhecer quanto o Governo sempre se acha embaraçado para pôr em boa execução as leis, que daqui saem. A Commissão encarregada da inspecção, e administração do terreiro tem feito nesta repartição servidos importantes á Nação, tem sido muito exacta em pôr todos os meios para evitar os descaminhos inveterados, e em fiscalizar tudo para acabar o nefando contrabando. A commissão do terreiro soube, que, os barcos que vinhão dos portos do Algarve, trazendo guias cavilosas, e de prevenção, de maior quantidade de moios, do que na realidade tinhão embarcado nos portos donde vinhão, mesmo na costa passavão trigo estrangeiro de navios, e entravão em Lisboa, como que trouxessem toda a carga de genero nacional, e isto sem risco o fazião, e eu sei de alguns barcos saidos de Cynes, e Odemira, que fizerão esta especulação criminosa; para evitar este mal, esta ferida na lei dos cereaes, a commissão do terreiro propoz ao Governo medidas, que não estando ao alcance da commissão fazer executar, estão todavia nas raias do poder executivo. Não he, providencia legislativa, he regulamentar, e de certo dá competencia do Governo, que tendo a seu cargo fazer executar as leis, que saem deste soberano Congresso, e todas as existentes, de necessidade ha de ter a faculdade de pôr em acção todos os meios dellas se cumprirem: tal he o caso presente; e por isso o parecer da Commissão de agricultura he coherente com estes princípios, e deve ser approvado, pois que elle não se encaminha senão a habilitar o Governo para preencher o seu fim, que he a pronta, e menhor execução das leis; e as medidas e providencias propostas ao Governo pela commissão do terreiro, são por certo eficazes para alcançar, senão de todo, ao menos de parte da extincção do contrabando, que tanto inveterado está naquella repartição, e que só com o sempo, e com uma rigorosa fiscalização da lei, se poderá evitar. Voto por tanto pelo parecer da Commissão de agricultura.
O Sr. Presidente poz a votos o parecer e foi approvado.
O Sr. Secretario Felgueiras leu o seguinte

OFFICIO.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor - Manda ElRei remetter ai Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação portuguesa as tres cartas inclusas, que acaba de receber de seu filho o Principe Real, nas datas de 36 de Julho, e de 4, e 6 de Agosto; paca que chegue ao conhecimento do mesmo soberano Congresso o seu conteudo; e rogo a V. Exca., que logo que não sejão necessarias mas haja de transmittir, para serem restituídas a Sua Magestade. - Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 28 de Setembro de 1822. - Senhor João Baptista Felgueiras - Filippe Ferreira de Araujo e Castro.

CARTA I.

Rio de Janeiro 26 de Julho de 1822.

Meu Pai e meu Senhor. - Parabens á patria, a Vossa Magestade, ao Brazil, e ao mundo inteiro; a causa nacional, que era dependente da junção e declaração da maioria das provincias do Brazil á sua felicidade, vai como todos os que amarem a Vossa Magestade como Rei constitucional de facto, e não só de direito como Vossa Magestade estava sendo, desejão. Digo não de direito; porque só o direito não o constituia tal, porque não tinha acção.
Hoje recebi uma deputação de Pernambuco que veio para me reconhecer regente sem restricção alguma no poder executivo, por assim ser a vontade geral do povo, e tropa da provincia.
Vossa Magestade perdoará o não ter mandado parte de tudo; mas assim convem para que os facciosos das Cortes cahião, por não saberem às quantas, e de mais porque como as circunstancias me

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obrigarão á convocação da assembléa geral constituinte, e legislativa, era só mero formulario, porque eu unicamente hei de fazer executar com todo o gosto os seus decretos, e de lá mais nenhum.
Eu Senhor vejo ai cousas de tal modo (falando claro) que ter relações com Vossa Magestade, só familiares, porque assim he o espirito publico no Brazil, não para deixarmos de sermos subditos de Vossa Magestade, que sempre reconheceremos; e reconheceremos como nosso Rei; mas porque Salus Populi suprema lex est, quero dizer, que he um impossivel fizico, e moral Portugal governar o Brazil, ou o Brazil ser governado de Portugal.
Não sou rebelde como hão de dizer a Vossa Magestade os inimigos de Vossa Magestade, são as circunstancias. Eu, as duas mininas, a princeza, pejada de tres mezes, estamos de perfeita saude.
Deus guarde a preciosa vida, e saude de Vossa Magestade como todos os bons portuguezes, e mormente nós Brazileiros havemos mister.
Sou de Vossa Magestade com o mais profundo respeito subdito fiel, e filho obdientissimo que lhe beja a Sua Real Mão - Pedro.

CARTA II.

Rio de Janeiro 4 de Agosto de 1822.

Meu Pai, e meu Senhor, tendo a honra de remetter (inclusos) a Vossa Magestade os dois decretos, um do 1.º deste Agosto, e outro de 3 de mesmo para que Vossa Magestade esteja ao facto da marcha politica deste Reino, que o está defendendo desses traidores.
Eu, a Princeza, e a Januaria estamos bons; a Maria tem tido febre á oito dias, mas hoje está quasi boa.
Deus guarde a preciosa vida, e saúde de Vossa Magestade como todos os bons portuguezes, e mórmente nós brazileiros havemos mister.
Com o mais profundo respeito tenho a honra de ser de Vossa Magestade subdito fiel, e filho obedientissimo, que lhe beija a sua Real mão - Pedro.

DECRETO.

Tendo-me sido confirmada por unanime consentimento e espontaneidade dos povos do Brazil, a dignidade e poder de Regente deste vasto império, que ElRei meu augusto Pai me tinha outorgado, dignidade que as Cortes de Lisboa sem serem ouvidos todos os Deputados do Brazil, ousárão despojar-me, como he notorio: e tendo eu acceitado outro sim o titulo e encargos de defensor perpetuo deste reino, que os mesmos povos tão generosa e lealmente me conferirão: cumprindo-me por tanto em desempenho dos meus sagrados deveres, e em reconhecimento de tanto amor e fidelidade, tomar todas as medidas indispensaveis á salvação desta maxima parte da monarquia portugueza, que em mim se confiou, e cujos direitos jurei conservar illesos de qualquer ataque: E como as Cortes de Lisboa continuão ao mesmo errado systema, e a todas as luzes injusto, da recolonizar o Brazil, ainda á força de armas; apezar de ter mesmo já proclamado a sua independencia politica, a ponto de estar já legalmente convocada pelo meu Real decreto de 3 de Junho proximo passado uma assembléa geral, constituinte, e legislativa a requerimento geral de todas as camaras, procedendo-se assim com uma formalidade, que não houve em Portugal, por ser a convocação do Congresso em sua origem sómente um acto de clubs occultos e facciosos: e considerando eu igualmente a Sua Magestade ElRei o Senhor D. João VI, de cujo nome e autoridade pertendem as Cortes servir-se para os seus fins sinistros, como prisioneiro naquelle reino, sem vontade propria, e sem aquella liberdade de acção, que he dada ao poder executivo nas monarquias constitucionaes: mando, depois de ter ouvido o meu conselho de Estado, a todas as juntas provisórias de governo, governadores de armas, com mandantes militares, e a todas os autoridades constituidas, a quem a execução deste decreto pertencer, o seguinte:
1.º Que sejão reputadas inimigas todas e quaesquer tropas, que de Portugal ou de outra qualquer parte forem mandadas ao Brazil, sem previo consentimento meu, debaixo de qualquer pretexto que seja; assim como todas os tripulações, e guarnições dos navios em que forem transportadas, se pertenderem desembarcar: ficando porém livres as relações commerciaes, e amigaveis entre ambos os reinos, para conservação da união politico que muito desejo manter.
2.º Que se chegarem em boa paz, deverão logo regressar, ficando porém retidas a bordo e incommunicaveis, até que se lhes prestem todos os mantimentos, e auxilios necessarios para a sua volta.
3.º Que no caso de não quererem os ditas tropas obedecer a estas ordens, e ousarem desembarcar, sejão rechaçadas com as armas na mão, por todas as forças militares da primeira e segunda linha, e até pelo povo em massa; pondo-se em execução todos os meios possiveis para, se preciso for, se incendiarem; os navios, e se metterem apique as lanchas de desembarque.
4.º Que se a pesar de todos estes esforços succeder, que estas tropas tomem pé em algum porto, ou parte da costa do Brazil, todos os habitantes que o não poderem impedir, se retirem para o centro levando para as mattas e montanhas todos os mantimentos e boiadas, de que ellas possão utilizar-se; e as tropas do paiz lhe facão crua guerra de postos, e guerilha; evitando toda a occasião de combates geraes, até que consigão ver-se livres de similhantes inimigos.
5.º Que desde já fiquem obrigadas todas as autoridades militares e civis, aquém Uso compelir, a fortificarem todos os portos do Brazil, em que possão effectuar-se simlhantes desembarques, debaixo da mais restricta e rigorosa responsabilidade.
6.º Que se por acaso em alguma das provincias do Brazil não houverem as munições e petrechos necessarios para estas fortificações, as mesmas autoridades acima nomeadas representem logo a esta Corte o

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que precisão, para daqui lhes ser fornecido, ou dêm parte immediatamente á província mais visinha, que ficará obrigada a dar-lhes todos os soccorros para o bom desempenho de tão importantes obrigações.
As autoridades civis e miliiares, a quem competir a execução deste meu Real decreto, assim o executem, hajão de cumprir com todo o zelo, energia, e prontidão, debaixo da responsabilidade de ficarem criminosas de lesa Nação, se assim decididamente o não cumprirem. - Palácio do Rio de Janeiro 1.° de Agosto de 1823. - Com a rubrica de S. A. R. o Príncipe Regente - Luiz Pereira da Nobrega de Sousa Coutinho.

DECRETO.

Desejando prevenir qualquer duvida, que possa suscitar-se sobre a verdadeira inteliigencia do artigo sexto do capitulo quinto das instruçções para as elei-ções dos Deputados da assembleia geral constituinte, e legislativa do reino do Brazil: Hei por bem que do collegio eleitoral de cada uma das cabeças de distri-cto, se remetta á acamara da capital da respectiva província , e á secretaria de Estado dos negócios do Reino, uma lista dos nomes de todos os votados por cada eleitor com o numero de votos que cada um tiver, para se apurarem na camara mencionada os Deputados da província: e hei outro sim por bem declarar, para o mesmo fim de evitar embaraços e delongas, que a qualidade de ter domicilio certo por quatro annos na província, exigida no artigo sexto do capitulo segundo para ser eleitor, deve ser considerada como requisito necessario para eleitor, e não para Deputado: E porque póde acontecer, que o mesmo indivíduo seja nomeado por duas províncias para seu Deputado; em cuja hypothese ordena o artigo oitavo do capitulo quarto, que prefira a nomeação daquella, onde tiver domicilio o nomeado, devendo a outra proceder a nova escolha; determino, com o fim de ab-breviar a instalação da assembléa, que em lugar da nova eleição, a que no sobredito artigo, se manda proceder, seja Deputado o que se seguir em maioria de votos ao que saíu nomeado: e quando tambem aconteça ser eleito Deputado algum dos que se achão, como taes, nas Cortes de Lisboa; ordeno, que até á chegada daquelle Deputado, o suppra interinamente o immediato em maioria de votos, devendo porém cessar o seu exercício na assembléa, logo que o ausente tiver chegado a esta corte. José Bonifacio de Andrada e Silva, do meu conselho de Estado, e do conselho de Sua Magestade ElRei o Senhor D. João VI, e meu ministro e secretario dos negócios do reino do Brazil, e Estrangeiros, o tenha assim entendido, e faça executar com os despachos necessários. Paço em 3 de Agosto de 1822. - Com a rubrica de S. A R. o Príncipe Regente - José Bonifácio de Andrada e Silva.

CARTA III.

Rio de Janeiro 6 de Agosto de 1822.

Meu Pai, o meu Senhor, incluso tenho a honra de remetter a Vossa Magestade o meu manifesto aos povos do Brazil para que Vossa Magestade de tudo esteja ao facto, como he conveniente: brevemente terei outra honra de remetter outro feito ás nações amigas de Brazil.
Deus guarde a preciosa saúde e vida de Vossa Magestade , como todos os bons porteguezes , e mórmente nós Brasileiros havemos mister.
Sou de Vossa Magestade com o mais profundo respeito subdito fiel, e filho obedientíssimo , que lhe beija a Sua Real mão - Pedro.

Documento intitulado Manifesto de Sua Alteza Real o Príncipe Regente Constitucional, e Defensor Perpectuo do Reino do Brasil aos povos deste Reino.

Brazileiros. - Está acabado o tempo de enganar os homens. Os Governos que ainda querem fundar o seu poder sobre a pertendida ignorância dos povos, ou sobre antigos erros e abusos , tem de ver o colosso da sua grandeza tombar da frágil base, sobre que se erguêra ontr'hora. Foi, por assim o não pensarem, que as Cortes de Lisboa forçárão as províncias do Sul do Brazil a sacudir o jugo, que lhes preparavão; foi por assim pensar, que ou agora já vejo reunido todo o Brazil em torno mim; requerendo-me a defeza de seus direitos, e mantença da sua liberdade , e independência. Cumpre-me por tanto, õ Brasileiros , que eu vos diga a verdade : ouvi-me pois.

O Congresso de Lisboa, arrogando-se o direito tyrannico de impor ao Brazil um artigo de nova crença , firmando em um juramento parcial , e promissório , e que de nenhum modo podia envolver a approvação da própria ruina; ceompellio a examinar aquelles pertendidos titulos, e a conhecer a injustiça de tão desasisadas pertenções. Este exame, que a razão insultada aconselhava e requeria, fez conhecer aos Brazileíros, que Portugal, destruindo todas as fórmas estabelecidas , mudando todas as antigas, e respeitáveis instituições da Monarquia, correndo a esponja de ludibrioso esquecimento por todas as suas relações, e reconstituindo-se novamente, não podia compulsalos a acceitar um systema deshonroso, e aviltador, sem attentar contra aquelles mesmos princípios, em que fundára a sua revolução, e o direito de mudar as suas instituições políticas, sem destruir essas bases, que estabelecerão seus novos direitos nos direitos inalienaveis dos povos, sem a tropellar a marcha da razão, e da justiça, que derivão suas leis da mesma natureza das cousas, e nunca dos caprichos particulares dos homens.
Então as províncias meridionaes do Brazil, colligando-se entre si, e tomando a actitude magestosa de um povo, que reconhece entre os seus direitos, os da liberdade, e da própria felicidade, lançárão os olhos sobre mim, o Filho do seu Rei, e seu amigo, que encarando no seu verdadeiro poato de vista esta tão rica e grande porção do nosso globo, que conhecendo os talentos dos seus habitantes, e os recursos immensos do seu solo, via com dor a marcha desorientada, e tyrannlca, dos que tão falsa, e prematuramente haviào tomado os nomes de pais da patria, saltando de representantes do povo de Portugal a soberanos de so-

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beranos de toda a vasta Monarquia portugueza. Julguei então indigito de mim, e do grande Rei, de quem sou filho, e delegado, o desprezar os votos de súbditos tão fieis; que sopeando talvez desejos, e propensões republicanas, desprezásão exemplos fascinantes de alguns povos visinhos, e depositarão em mim todas as suas esperanças, salvando deste modo a realeza neste grande continente americano, e os reconhecidos direitos da augusta casa de Bragança.
Accedi a seus generosos, e sinceros votos, e conservei-me no Brazil; dando parte desta minha firme resolução ao nosso bom Rei, persuadido que este passo deveria ser para as Cortes de Lisboa o termómetro das disposições do Brazil, da sua bem sentida dignidade, e da nova elevação de seus sentimentos, e que os faria parar na carreira começada, a entrar no trilho da justiça, de que se tinhão desviado. Assim mandava a razão; mas as vistas vertiginosas do egoismo continuarão a soffocar os seus brados e preceitos, e a discórdia apontou-lhes novas tramas: subirão então do ponto, como era de esperar, o resentimento, e a indignação das provindas colligadas; e como por uma espécie de magica, em um momento todas as suas ideas, e sentimentos convergírão em um só ponto, e para um só fim. Sem o estrepito das armas, sem as vozerias da anarquia, requererão-me ellas, como ao garante da sua preciosa liberdade, e honra nacional, a pronta installação de uma assembléa geral constituinte, e legislativa no Brazil. Desejára eu poder alongar este momento, para ver se o desvaneio das Cortes de Lisboa cedia às vozes da razão, e da justiça, e a seus próprios interesses; mas a ordem por ellas sugge-rida, e transmitida aos consules portuguezes, de prohibir os despachos de petrechos, e munições para o Brazil, era um signnl de guerra, e um começo real de hostilidades.
Exigia pois este Reino, que já me tinha declarado seu Defensor perpetuo, que eu provesse do modo mais energico, e pronto á sua segurança, honra, e prosperidade. Se eu fraqueasse na minha resolução, atraiçoava por um lado minhas sagradas promessas, e por outro quem poderia sobreestar os males da anarquia, a desmenbração das suas províncias, ,e os furores da democracia? Que luta porfiosa entre os partidos encarniçados, entre mil successivas, e encontradas facções? A quem ficarão pertencendo o ouro, e os diamantes das nossas inesgotáveis minas; estes rios caudalosos, que fazem a força dos Estados, esta fertilidade prodigiosa, fonte enexhaurivel de riquezas, e de prosperidade? Quem acalmaria tantos partidos dissidentes, quem civilizaria a nossa povoação disseminada, e partida por tantos rios, que são mares? Quem iria procurar os nossos Indios no centro de suas matas impenetraveis a través de montanhas altissimas, e inaccessiveis ? Decerto, Brazileiros, lacerava-se o Brazil, e ta grande peça da benefica natureza, que faz a inveja, e a admiração das nações do mundo; e as visitas bemfazedas da Providencia se destraião, ou pelo menos se retardavão por longos annos.
Eu fora responsável por todos estes males, pelo sangne que ía derramar-se, e pelas victimas, que infalivelmente serião sacrificadas às paixões, e aos interesses particulares. Resolvi-me por tanto, tornei o partido que os povos desejavão, e mandei convocar a assembléa do Brazil, a fim de cimentar a independência política deste Reino, sem romper com tudo os vinculos da faternidade portugueza ; harmonizando-se com decoro, e justiça todo o Reino Unido de Portugal , Brazil, e Algarves, e conservando-se debaixo do mesmo Chefie duas famílias separadas por immensos mares, que se podem viver reunidas pelos vínculos de igualdade de direitos, e recíprocos interesses.
Brazileiros! Para vós não he preciso recordar todos os males, a que estáveis sujeitos, e que vos impellírâo á represen-ação que me fez acamara, e povo desta cidade no dia 23 de Maio, que motivou o meu real decreto de 3 de Junho do corrente anno; mas o respeito que devemos ao Género humano, exige que demos as razões da vossa justiça, e do meu comportamento. A historia dos feitos do Congresso de Lisboa a respeito do Brasil, he uma historia de enfiadas injustiças, e sem razões, seus fins erão paralisar a prosperidade do Brazil, consumir toda a sua vitalidade, e reduzilo a tal innanição, e fraqueza, que tornasse infallivel sua ruina, e escravidão. Para que o mundo se convença do que digo, entremos na simples exposição dos seguintes factos.
Legislou o Congresso de Lisboa sobre o Brazil, sem esperar pelas seus representantes, postergando assim a soberania da Mação.
Negou-lhe uma Delegação do Poder executivo, de que tanto precisava para desenvolver todas as forças da sua virilidade, vista a grande distancia que o separa de Portugal, deixando-o assim sem leis apropriadas ao seu clima, e circunstancias locaes, sem prontos recursos às suas necessidades.
Recusou-lhe um centro de união, e de força, para o debilitar, incitando previamente as suas provincias a despegarem-se daquelle, que já dentro de si tinhão felizmente.
Decretou-lhe governos sem estabilidade, o sem nexo, com tres centros de actividade differente, insubordinados, rivaes, e contradictorios, destruindo assim a sua cathegoria de Reino, aluindo assim as bases da sua futura grandeza, e prosperidade, e só deixando-lhe todos os elementos da desordem, e da anarquia.
Ëxcluiu de facto os Brazileiros de todos os empregos honorificos, e encheu vossas cidades de baionetas europeas, commandadas por chefes forasteiros , cruéis, e immoraes.
Recebeu com enthusiasmo, e prodigalizou louvores a todos esses monstros, que abrirão chagas dolorosas nos vossos corações, ou promettèrão não cessar de as abrir.
Lançou mãos roubadoras aos recursos applicados ao banco do Brazil, sobrecarregado de uma divida enorme nacional, de que nunca se occupou o Congresso: quando o credito deste banco estava enlaçado com o credito publico do Brazil, e com a sua prosperidade.
Negociava com as nações estranhas a alienação de porções do vosso território, para vos enfraquecer, e escravizar.

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Desarmava vossas fortalezas, despia vossos arsenaes, deixava indefesos vossos portos, chamando aos de Portugal toda a vossa marinha; esgotava vossos thesouros com saques repetidos para despezas de tropas, que vinhão sem pedimento vosso, para verterem o vosso sangue, e destruir-vos, ao mesmo tempo que vos prohibia a introducção de armas, e munições estrangeiras, com que podesseis armar vossos braços vingadores, e sustentar a vossa liberdade.
Apresentou um projecto de relações commerciaes, que, sob falsas apparencias de quimerica reciprocidade, e igualdade, monopolizava vossas riquezas , fechava vossos portos aos estrangeiros, e assim destruia a vossa agricultura, e industria, reduzia aos habitantes do Brazil outra vez ao estado de pupilos, e colonos.
Tratou desde o principio , e trata ainda com indigno aviltamento e desprezo os represensantes do Brazil, quando tem a coragem de punir pelos seus direitos, e até (quem ousara dizelo!) vos ameaça com libertar a escravatura, e armar seus braços contra seus proprios senhores.
Para acabar finalmente esta longa narração de horrorosas injustiças: quando pela primeira vez ouviu aquelle Congresso as expressões da vossa justa indignação , dobrou de escarneo, ó Brazileiros, querendo desculpar seus attentados com a vossa própria vontade, e confiança.
A Delegação do Poder executivo, que o Congresso rejeitára por anti-constitucional, agora já uma Commissão do seio deste Congresso nol-a offerece, e com tal liberalidade que em vez de um centro do mesmo Poder, que só precisáveis, vos querem concedei dois, e mais. Que generosidade inaudita! Mas quem não vê que isto só tem por fim destruir a vossa força, e integridade, armar províncias contra provincias, e irmãos contra irmãos ?
Acordemos pois, generosos habitantes deste vasto, e poderoso Imperio; está dado o grande passo da vossa independencia, e felicidade, ha tantos tempos preconizadas pelos grandes politicos da Europa. Já sois um povo soberano; já entrastes na grande sociedade das nações independentes, a que tinheis todo o direito. A honra, e dignidade nacional, os desejos de ser venturosos, a voz da mesma natureza, mandão que as colónias deixem de ser colónias, quando chegão á sua virilidade; e ainda que tratados como colónias, não o éreis realmente, e até por fim ereis um Reino. De mais, o mesmo direito que teve Portugal para destruir as suas instituições antigas, e constituir-se, com mais razão o tendes vós, que habitais um vasto, e grandioso paiz, com uma povoação (bem que disseminada) já maior que a de Portugal, e que irá crescendo com a rapidez com que caem pelo espaço os corpos graves. Se Portugal vos negar esse direito, renuncie elle mesmo ao direito, que póde allegar, para ser reconhecida a sua nova Constituição pelas nações estrangeiras, as quaes então poderião allegar motivos justos para se intrometterem nos seus negócios domésticos, e para violarem os attributos da soberania, e independência das nações.
Que vos resta pois, Brasileiros? Resta-vos reunir-vos todos em interesses, em amor, em esperanças;
fazer entrar a augusta assembléa do Brazil no exercício das suas funcções, para que maneando o leme da razão, e prudencia, haja de evitar os escolhos, que nos mares das revoluções, apresentão desgraçadamente França, Hespanha, e o mesmo Portugual; para que marque com mão segura, e sabia, a partilha dos poderes, e firme o codigo ,da nossa legislação na sã filosofia, e o applique ás vossas circunstancias peculiares.
Não o duvideis, Brazileiros; vossos representantes occupados, não de vencer renitencias, mas de marcar direitos, sustentarão os vossos, calcados aos pés, e desconhecidos ha tres sesulos: consagrarão os verdadeiros princípios da Monarquia representava brazileira; declararão Rei deste belo paiz o Sr. D. João VI, meu augusto Pai, de cujo amor estais altamente possuídos: cortarão todas as cabeças á hydra da anarquia , e á do despotismo: imporão a todos os empregados, e funccionarios públicos a necessaria responsabilidade: e a vontade legitima, e justa da Nação, nunca mais verá tolhido a todo o instante o seu vôo magestoso.
Firmes no principio invariável de não sanccionar abusos, donde a cada passo germinão novos abusos, vossos representantes espalharão a luz, e nova ordem no caos tenebroso da fazenda publica, da administração económica, e das |ris civis, e criminaes. Terão o valor de crer que idéas uteis, e necessárias ao bem da nossa especie, não são declinadas sómente para ornar paginas de livros, e que a perfectibilidade concedida ao homem pelo Ente Creador, e Supremo, deve não achar tropeço, e concorrer para a ordem social, e felicidade das nações.
Dar-vos-hào um código de leis adequadas á naturesa das vossas circunstancias locaes, da vossa povoação, interesses, e relações, cuja execução será confiada a juizes íntegros, que vos administrem justiça gratuita, e fação desapparecer todas as trapaças do vosso foro, fundadas em antigas leis obscuras, ineptas, complicadas, e contradictorias. Elles vos darão um codigo penal dictado pela razão, e humanidade, em vez dessas leis sanguinosas, e absurdas, de que até agora fostes victimas cruentas. Tereis um systema de impostos, que respeite os suores da agricultura, os trabalhos da industria, os perigos da navegação, e a liberdade do commercio; um systema claro, e harmonioso, que facilite o emprego e circulação dos cabedaes, e arranque as cem chaves mysteriosas, que fechão o escuro labyrintho das finanças, que não deixavão ao cidadão lobrigar o rasto do emprego, que se dava às rendas da Nação.
Valentes soldados, tambem vós tereis um código militar, que formando um exercito de cidadãos disciplinados, réuna o valor, que defendo a Patia, às virtudes cívicas, que a protegem, e segurão.
Cultores das letras, e sciencias, quasi sempre aborrecidos , ou desprezados pelo despotismo, agora tereis a estrada aberta, e desempeçada para adquirires gloria e honra. Virtude, merecimento, vós vireis juntos ornar o santuário da pátria, sem que a intriga vos feche as avenidas do trono, que só estavão abertas a hypocrisia, e á impostura.
Cidadãos de todas as classes, mocidade Brazilei-

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ra, vós tereis um código de instrucção publica, nacional, que fará germinar, e vegetar viçosamente os talentos deste clima abençoado, e collocará a nossa Constituição debaixo da salvaguarda das gerações futuras, transmittindo a toda a Nação uma educação liberal, que communique aos seus membros a instrucção necessária, para promoverem a felicidade do grande Todo Brazileiro.
Encarai, habitantes do Brazil,, encarai a perspectiva de gloria, e de grandeza, que se vos antolha: não vos assustem os atrazos da vossa situação actual; o fluxo da civilização, começa a correr já impetuoso desde os desertos da California até ao estreito de Magalhães. Constituição, e liberdade, legal são fontes inesgotaveis de prodigios, e serão a ponte, por onde o bem da velha, e convulsa Europa passará ao nosso continente. Não temais as Nações Extrangeiras: a Europa que reconheceu a independencia dos Estados Unidos da America, e que ficou neutral na lucta das colónias Hespanholas, não póde deixar de reconhecer a do Brazil, que com tanta justiça, e tantos meios, e recursos procura tambem entrar na grande família das Nações. Nós nunca nos envolveremos nos seus negócios particulares ; mas cilas tambem não quererão perturbar a paz e comercio livre que lhes offerecemos; garantidos por um Governo Representativo, que vamos estabelecer.
Não se ouça pois entre vós outro grito, que não seja União. Do Amazonas ao Prata não retumbe outro éco, que não seja Independência. Formem todas as nossas províncias o feixe mysterioso, que nenhuma força pode quebrar. Desapparcção de uma vez antigas preocupações, substituindo o amor do bem geral ao de qualquer província ou de qualquer cidade. Deixai, ó Brasileiros, que escuros blasfemadores soltem coatra vós, contra mim, e contra o nosso iiberal systema, injurias, calumnias, e baldões; lembraivos, que se elles vos louvassem - o Brazil estava perdido - Deixai que digão, que attentamos contra Portugal; contra a mãe patria, contra os nossos bemfeitores, nós salvando os nossos direitos, punindo pela nossa justiça, e consolidando a nossa liberdade, queremos salvar a Portugal de uma nova classe de tyrannos.
Deixai que clamem, que nos rebellamos contra o nosso Rei: elle sabe que o amamos como a um Rei cidadão, e queremos salvallo do affrontoso estado de captiveiro, a que o reduzirão; arrancando a mascara da hypocrisía a demagogos infames, e marcando com verdadeiro liberalismo os justos limites dos poderes políticos. Deixai que vozeem, querendo persuadir ao mundo que quebramos todos os laços da união com os nossos irmãos da Europa; não, nós queremos firmala em bases solidas sem a influencia de um partido, que vilmente despresou nossos direitos, e que mostrando-se á cara descoberta tiranno e dominador em tantos factos , que já se não podem esconder, com deshora, e prejuizo nosso, enfraquece e destroe irremediavelmente aquella força moral , tão necessária em um Congresso, e que toda se apoia na opinião publica, e na justiça.
Illustres Bahianos, porção generosa, e mal fadada do Brazil, a cujo solo se tem agarrado mais essas famintas, e impestadas harpias, quanto me punge o vosso destino! Quanto o não poder ha mais tem ir enxugar as vossas lagrimas , e abrandar a desesperação! Bahianos, o brio he a vossa divi-a, expellí do vosso seio esses monstros, que se suntentão do vosso sangue: não os temais; vossa paciencia faz a sua força. Elles não são Portuguezes; expellios, e vinde reunir-vos a nós, que vos abrimos os braços.
Valentes Mineiros, intrépidos Pernambucanos, defensores, da, liberdade Brasilica voai em soccorro dos vossos visinhos irmãos: não he a causa de uma provincia , he a causa do Brazil, que se defende na primogenita de Cabral. Extingui esse viveiro de fardados lobos, que ainda sustentão os sanguinários caprichos do partido faccioso. Recordai-vos, Pernambucanos, das fogueiras do Bonito, e das scenas do Recife. Poupai porem, e amai, como irmãos, a todos os Portuguezes pacíficos, que respeitão nossos direitos, e desejão a nossa, e sua verdadeira felicidade.
Habitantes do Siará, do Maranhão, do riquíssimo Pará, vós todos das bellas, e amenas provincias do Norte, vinde exarar, e assinar o acto da nossa emancipação, para figurarmos ( he tempo ) directamente na grande associação política. Brazileiros em geral! Amigos, reunamo-nos: sou vosso Compatriota, sou vosso Defensor, encaremos como unico premio de nossos suores a honra, a gloria, a prosperidade do Brazil. Marchando por esta estrada, ver-me-heis sempre á vossa frente, e no lugar do maior perigo. A minha felicidade (convenceivos) existe na vossa felicidade: he minha gloria reger um povo brioso, e livre. Dai-me o exemplo das vossas virtudes, e da vossa união. Serei digno de vós.
Palácio do Rio de Janeiro em o 1.° de Agosto de 1822. - Príncipe Regente.
Mandárão-se remetter novamente ao Governo, ficando nas Cortes copias autenticas, que se imprimissem, e se remettesse outra copia á Commissão de Constituição.
O Sr. Guerreiro propoz verbalmente, que as copias deitas cartas fossem autenticadas com as assignaturas do Sr. Fresidente, e Secretários; mas posto á votação, não foi approvado.
Leu-se o seguinte

PARECER.

A' Commissão de Constituição parece, que os artigos que novamente se lhe mandarão remetter, relativos ao juramento da Constituição se podem conceber na forma seguinte:
As Cortes, etc. querendo fixar os dias e formalidades do juramento da Constituição política da Monarquia portuguesa, decretão o seguinte:
1.° No primeiro domingo do seguinte mez de Novembro os chefes ou primeiros empregados de todas as repartições publicas civis, ecclesiaslicas, e militares de cada cidade ou villa, e estando impedidos, os seus immediatos; bem como os officiaes generaes do exercito e armada, e os commandantes dos corpos da primeira e segunda linha assistirão á Missa solemme, que se ha de celebrar na igreja principal, e finda ella

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darão nas mãos do celebrante o juramento seguinte:
Juro guardar e fazer guardar a Constituição politica da Monarquia portugueza, que achão de decretar as Cortes Constituintes da mesma Nação.
Nas ilhas adjacentes, e no ultramar se prestará este juramento no Domingo que designar a autoridade civil superior da camara ou provincia e será o mais proximo possivel depois que a ellas chegar o presente decreto.
2.º Para a execução do artigo antecedente dará o governo, quando a esta cidade de Lisboa, (e quanto ás provincias do Reino Unido as respectivas camaras) as provincias que forem necessarias.
3.º Os empregados publicos e os officiaes militares não comprehendidos no artigo 1, darão o mesmo juramento em mão de seis superiores nas respectivas repartições ou corpos, no primeiro dia não feriado que vier depois do Domingo declarado no citado artigo.
4.º No acto do juramento se fará auto delle, assignado pelas pessoas que o prestarem; e será escrito nas igrejas pelos escrivaes das camaras, nas repartições publicas e corpos do exercito por algum official de umas e outros.
5.º Os presidentes das camaras, os chefes das repartições, e os commandantes dos corpos remetterão ao Governo certidões dos ditos autos para serem guardadas na torre do tombo.
6.º Os empregados publicos que não poderem prestar o juramento nos dias determinados no artigo 1, o prestarão logo que cesse impedimento, sendo chefes de repartições ou commandantes de corpos nas mãos dos seus immediatos; e sendo officiaes generaes nas do governo das armas da provincias.
7.º Nos paizes estrangeiros os primeiros encarregados das relações diplomaticas ou commerciaes do reino Unido darão o juramento nas mãos de seus immediatos; deferilo-hão aos mais empregados naquellas repartições; e remetterão as certidões ao Governo.
Paço das Cortes 25 de Setembro de 1822.- B. Carneiro; Francisco Manuel Trigoso; Bento Pereira do Carmo; Luiz Nicoláo Fagundez Varella; João Maria Soares Castello Branco.
Os artigos 1 e 2 forão approvados; o resto ficou adiado, por Ter chegado a hora de se fechar a sessão.
Deu o Sr. Presidente para a ordem do dia o juramento da Constituição pelos Senhores Deputados, e que principiaria pelas dez horas da manhã: e propondo a votação, se devia vir vestido de ceremonia, venceu-se que sim. E fechou a sessão pelas duas horas da tarde.- Francisco Xavier Soares de Azevedo, deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES

Para Filippe Ferreira de Araujo e Castro.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.- As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, sendo-lhes presente a inclusa representação da Commissão do terreiro publico, transmitida pela secretaria de Estado dos negocios do reino, em data de 13 de Abril do presente anno, em que pode provincias para se acautelar o contrabando dos cereaes, introduzindo nas embarcações costeiras: resolveu, que sendo da atribuição do poder executivo passar as ordens que forem necessarias para o inteiro comprimento e execução das leis, o caso presente entra nessa classe, e a sua decisão pertence ao Governo. O que V. Exca. Levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 28 de Setembro de 1822.- João Baptista Felgueiras.

Para Sebastião José de Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.- As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo a fim de ser competentemente verificado, o offerecimento constante da copia inclusa, que faz a beneficio do Estado o illustre Deputado em Cortes, José Homem Correa Telles, do ordenado de corregedor do civel da cidade, desde Maio de 1821, em que tomou posse até ao fim da presente legislatura. O que V. Exca. Levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 28 de Setembro de 1822.- João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho

SESSÃO DE 30 DE SETEMBRO

Aberta a sessão, sob a presidencia do Sr. Trigoso, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta de uma carta do Sr. Deputado Manoel Antonio Martins, partecipando que por molestia se achava impossibilitado de poder assistir á sessão, o que lhe era muito sensivel, e que prestaria a juramento de guarde a Constituiçao logo que o estado da sua saude lho permittisse. Ficarão as Cortes inteiradas.
Mandou-se inserir nesta acta a declaração escrita e assignada pelo Sr. Deputado João Vicente da Silva, que dizia: Não consentindo o meu estado de saude, que mais cedo me reunisse ás sessão das Cortes, e podesse assignar a Constituição, rogo ao soberano Congresso, me permitta lançar na acta a minha declaração de pezar, e sentimento por uma falta, ainda que involuntaria, para mim tão custosa, como a causa que a produziu; sentindo não Ter podido satisfazer uma obrigação, que eu julgo sagrada em um Deputado, por tal modo satisfaço meu sentimento, e desejos, e cumpro, como he possivel , o meu dever.
Seguiu-se o juramento do Sr. Presidente e Deputados, de guardarem a Constituição, do que se lavrou termo no livro para isso destinado, e he o seguinte:
Termo de juramento, que prestarão o Sr. Presidente, e Deputados das Cortes Geraes, Extraordinarias e Constituição da Nação portugueza de guardar a Constituição.

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