O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 781

[781]

verem habilitados em conformidade das leis, é posto á votação foi approvado

Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia a sobredita indicação da Commissão de fazenda, e a continuação do projecto dos foraes.

Levantou-se a sessão ás duas horas da tarde. - Francisco Xavier Soares de levedo, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes seja transmittido o processo que se formou, e existe no Desembargo do Paço, sobre a denegação do supplemento de consentimento paterno para o casamento de Theresa de Jesus Maria, filha de Bernardo José Affonso, com Matheus Antonio dos Santos Barbosa. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 12 de Abril de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidos todos os papeis, que estiverem findos na meza do Dezembargo do Paço relativos ao pretendido casamento de Joaquim José de Araujo com D. Henriqueta Leonor Gomes, filha de Bernardino Antonio Gomes. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exc. Paço das Cortes em 12 de Abril de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Sebastião José de Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão voltar ao Governo a consulta do conselho da fazenda datada em 7 de Fevereiro proximo passado, e transmittida ás Cortes pela Secretaria de Estado dos negocios da fazenda em 18 do mesmo mez sobre o requerimento de D. Marianna Catharina Peregrina, ácerca da verificação da mercê da supervivencia em umas terras nas Lesirias, que possuia seu fallecido marido José Teixeira Pilão.

Deus guarde a V. Exc. Paço das Cortes em 12 de Abril de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordanão que lhes sejão transmitidas sem perda de tempo informações do Thesouro publico sobre a época até que se achão tomadas e justas no mesmo Thesouro as contas do commissariado. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exc. Paço das Cortes em 12 de Abril de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão transmittidas informações da Junta dos juros, sobre o estado de amortisação em que se acha cada um dos emprestimos e dividas de sua incumbencia. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exc. Paço das Cortes em 12 de Abril de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Radator Galvão.

SESSÃO DE 13 DE ABRIL.

A' Hora determinada disse o Sr. Camello Fortes, Presidente, que se abria a sessão; e lida a acta da sessão precedente, foi approvada.

O Sr. Deputado Secretario Felgueiras deu conta da correspondencia, o expediente seguinte.

De um officio do Ministro dos negocios do Reino, remettendo a conta da junta provisional do governo da Bahia, pedindo a confirmação da nomeação, que fizera de Francisco Casemiro de Brito para servir o officio de escrivão da casa dos seguros, que se mandou remetter á Commissão de Constituição.

De um officio do Ministro da justiça, remettendo a representação do brigadeiro José Maria do Moura, governador das armas da provincia de Pernambuco, pedindo a creação de dois lugares de Juizes de fora em Serinham, e no Cabo, que se mandou remetter á Commissão de estatistica.

De um officio do Ministro dos negocios da fazenda, remettendo a conta da junta da fazenda da provincia do Maranhão sobre a execução do decreto de 16 de Julho, que se mandou remetter á Commissão de commercio.

De um officio do Ministro dos negocios da marinha, remettendo duas partes do registo do Porto desta cidade do dia 12 e ficarão as Cortes inteiradas.

Deu mais conta do seguinte officio da junta provisional do governo da India.

Senhor. - O povo de Goa recebeu com o mais viro interesse as primeiras noticias da restauração da liberdade portugueza: as desgraças que affligião as de mais provincias da Monarquia, pezavão sobre esta com tanta mais força, quanto mais grande he a distancia em que se acha da mãi patria, e em consequencia mais difficeis aquelles recursos, que ainda se podessem empregar contra a violenta arbitrariedade dos governadores, que como senhores absolutos desenfreadamente dispunhão dos direitos mais sagrados dos

Página 782

[782]

Portuguezes na India. Daqui proveio a nossa fraqueza, vergonha, e até anniqulação nos mesmos paizes, aonde outr'hora deu a Nação portugueza illustres exemplos de valor, e de virtude; e os heroes, a cujos pés se prostava a Asia, forão succedidos por déspotas pusillammes e immoraes. Daqui proveio a corrupção de costumes, que invadiu todas as classes, a pobreza, e finalmente toda a casta de mizerias, que não só dos Europeos, mas tambem dos Asiaticos nos fazião ser aqui o ludibrio.

Começou-se sómente a sentir alguma esperança de alivio, quando pelos papeis publicos inglezes nós soubemos da gloriosa obra encetada no dia 24 de Agosto do anno passado; e á proporção que ella crescia, e se consolidava, o entusiasmo se tornava mais forte, e mais geral. A excepção do Vice-Rei Conde de Rio Pardo, e alguns de seus adherentes, nenhum Portuguez houve, que penetrado das grandes idéas, que lhe offerecia a nossa regeneração, não exultasse diante da imagem da liberdade, e não visse com indignação os obstaculos que aquelle governador amontoava á manifestação do espirito publico, e os meios de que se servia para fazer cada vez mais pezado, e mais afflictivo seu ferreo jugo. Elle empregou espias, ajuntou tropas, fez ameaças, tanto por palavras, como pelo seu comportamento convenceu a todos de que era inimigo da Uberdade portugueza.

Esta compressão violenta nenhum outro effeito produziu do que irritar mais o sentimento geral; e a explosão se tornou então inevitavel, quando chegou a noticia do decreto, datado do Rio de Janeiro, em 24 de Fevereiro passado, pelo qual V. Magestade adheriu á Constituição, e ás Cortes portuguezas; tinha-se lido o relatorio do Governo do Reino, de 31 de Outubro de 1820, e sabia-se o acontecido, na Ilha da Madeira, e em outras provincias Ultramarinas; mas nem por isso o Conde do Rio Pardo modificou sua conducta hostil e aterradora: a espionagem continuou: as ordens dadas ás tropas, com que se tinha cercado, forão repetidas, tornarão-se medidas contra qualquer embarcação, quede Portugal chegasse; as ameaças forão accrescentadas; e sua decidida aversão ás intituições liberaes cada vez mais pronunciada, e até o proferir a palavra Constituição era por elle reputado um crime.

Era pois da primeira necessidade, que os Portuguezes na India se declarassem sem perda de tempo unidos á Nação, assim como que esta boa obra não fosse acompanhada de tumultos; e tendo deliberado anteriormente alguns dos empregados militares e eiveis, se conseguiu felizmente este fim na madrugada do dia 16 de Setembro passado, em que ajuntando-se no largo do palacio de Paragim, as tropas estacionadas nas ilhas de Goa proclamarão a união á Nação portugueza, e á Constituição, e sendo designados para talar ao Vice-Rei Conde do Rio Pardo alguns dos principaes empregados, tanto militares, como civis, diante de toda a Deputação, o desembargador ouvidor de Goa, Manoel Duarte Leitão, lhe expoz moderadamente a manifestação, que as tropas tinhão feito de se unir á Nação portugueza, e á Constituição, os votos unanimes do povo, e a essencial incompatibilidade, que o seu governo tinha com as circunstancias presentes, e em consequencia a necessidade que haveria para evitar qualquer tumulto, ou desacato, de Sua Excellencia se recolher ao Cabo, aonde seria tratado com a decencia correspondente á sua dignidade. O Ex-Vice-Rei assentiu a estas propostas, e passou logo para o Cabo, aonde constantemente teve a sua guarda de honra.

Da mesma maneira, sem o menor tumulto fomos nós os que temos a honra de fazer presente a V. Magestade estes acontecimentos, escolhidos pelas tropas para formar o Governo Provisorio até a chegada das ordens competentes, e enviar os Deputados ás Cortes; ao que tudo assentirão o Senado da camara, e todas as autoridades ecclesiasticas, civis, e militares, que na mesma manhã comparecerão no palacio do Governo, como será presente a V. Magestade pelos autos juntos de installação, e juramento prestado, não só pelas sobreditas autoridades, mas tambem por pessoas de todas as classes.

O Conde de Rio Pardo voluntariamente saiu deste porto no dia 2 do corrente mez, dirigindo-se a Bombaim, a bordo do brigue Pegazo, que para este fim se lhe mandou aprontar, e em 16 dias que esteve no Cabo, agradeceu repetidas vezes as attenções com que a Junta Provisional o tratava.

No deploravel abatimento em que se acha esta provincia, sem forças, sem commercio, sem industria, desecados todos os mananciaes da prosperidade, só o tempo, e as providencias das Cortes soberanas poderão, cicatrizando pouco a pouco suas profundas chagas, tristes resultados da pestifera escravidão, senão restaurar nella o antigo explendor do seculo dezeseis, ao menos colher os fructos que o actual estado da India póde produzir. Nós temos a honra depor na presença de V. Magestade as copias das ordens, que temos dado conformemente ao que permittem as circunstancias, e os poderes de que provisoriamente estamos encarregados, sendo nosso firme preposito, consultar quanto possivel for a vontade geral do povo, convocando as camaras e homens escolhidos das differentes classes, para comnosco deliberarem nos negocios de maior ponderação, como praticámos na sessão publica do 1.° do corrente Outubro, cujo auto fazemos presente a V. Magestade, e com a brevidade possivel enviaremos os Deputados, dos quaes esperamos que plenamente esclareção os votos e as necessidades deste povo: e possa elle, restaurada a liberdade dos Portuguezes, gozar quanto antes de seus benéficos effeitos.

Deus guarde a V. Magestade. Goa 15 de Outubro de 1821 - Manoel José Gomes Louro; Manoel Godinho de Mira; Joaquim Manoel Correa da Silva Gama; Gonçalo de Magalhães Teixeira Pinto; Manoel Duarte Leitão.

Mandou-se fazer menção honrosa, e que se publicasse a integra deste officio no diario; e se remette-se á Commissão do Ultramar.

Mencionou mais outro officio da mesma junta provisoria do governo da India dando conta do modo como procedeu com o Vice-Rei, Conde do Rio Pardo, desde o dia da acclamação da Constituição em

Página 783

[783]

16 de Setembro até 2 de Outubro, em que partio para Bombaj, que se mandou remetter á Commissão de Ultramar.

De uma conta da nova junta provisoria do governo da provincia do Maranhão, participando a sua instalação, e remettendo os respectivos autos da eleição, e posse, que foi ouvida com agrado, e se mandou remetter á Commissão de Constituição.

E de uma carta do juiz ordinario da villa de Valdigem, e Parada do Bispo, na comarca de Lamego, enviando as suas felicitações ao soberano Congresso, que foi ouvida com agrario.

O Sr. Deputado Borges Carneiro apresentou os diplomas do Deputado eleito pela provincia de Goiaz o desembargador Joaquim Theotonio Segurado, que se mandarão remetter á Commissão de poderes. E igualmente apresentou os artigos, que devem inserir-se no titulo 3.° do projecto da Constituição, que traia das Cortes, ou poder legislativo, redigidos pela Commissão de estatistica, como lhe foi determinado: resolveu-se, que se mandasse imprimir.

O Sr. Deputado Secretario Freire fez a chamada, e se achou faltar os seguintes Srs. Deputados; a saber: os Srs. Mendonça Falcão, Quental da Camara, Moraes Pimentel, Canavarro, Ribeiro da Costa, Sepulveda, Bispo de Castello Branco, Govêa Durão, Margiochi, Xavier Monteiro, Baeta, Carneiro, Pinto e Castro, Innocencio de Miranda, Queiroga, Rodrigues de Brito, Pinto de Magalhães, Vicente da Silva, Correa Telles, Faria, Sousa e Almeida, Castro e Abreu, Moura Coutinho, Isidoro dos Santos, Martins Bastos, Arriaga, Grangeio, Serpa Machado Zefyrino dos Santos, Castello Branco Manoel, Ribeiro Telles, Martins, Bispo do Pará. Presentes 107.

O Sr. Deputado Secretario Soares de Azevedo leu o voto em separado, apresentado pelos Srs. Ferreira de Sousa, Pinheiro de Azevedo, Fagundes Varella, Correa de Seabra, Peixoto e Couto, dizendo: quando na sessão de ontem 12 do corrente se propoz á votação, que os credores do Estado, que não concorressem até Dezembro de 1823 com seus titulos a liquidarem a divida, a perdessem, e ficassem, sem direito a pedir o pagamento, votámos pela negativa.

Ordem do dia. Entrou em discussão o parecer da Commissão de fazenda sobre a venda em leilão de 500 quintaes de páo doBrazil, admittindo por preço, ou dinheiro, ou letras sacadas sobre o commissariado, as chamadas de portaria, desde o 1.° de Outubro de 1820 até ao ultimo de Maio de 1821.

O Sr. Peixoto: - Já ontem me oppuz a este parecer ao apresentar-se, e ainda não mudei de opinião. Talvez que fosse eu o primeiro que aqui falasse em favor das letras de portaria em occasião em que ninguem as especialisava em preferencia alguma ás letras ordinarias de divida publica; reconheço que são titulos que devem merecer particular attenção, porque ainda em tempo do Governo antigo andavão pagas quasi a dia, e os fornecedores do commissariado pelo credito que lhes davão quando as recebião em pagamento dos seus generos, não lhes calculavão de desconto mais do que de oito a dez por cento, que era como as rebatião, se precisavão. Apezar disto porem, quando se trata de especialisalas com uma preferencia, que não se concede a algum outro titulo, não me atrevo a approvar tal medida, por não saber se haverá mais dividas em iguaes ou melhores circunstancias. He uma divida sagrada, deve pagar-se, não ha injustiça absoluta em satisfazela, mas póde havela relativa na preferencia dada a estes credores de Estado em concurso com os outros. As especies de dividas que clamão por pronto pagamento são muitas: temos a do emprestimo feito no Porto em 1808 para o fornecimento do exercito que veio libertar a Capital do jogo estrangeiro. O Governo provisorio desse tempo mandou abrir esse emprestimo com o juro decimo por cento, promettendo pagar por dinheiro, que esperava da Grã-Bretanha, o qual se havia depois satisfazer por meio de uma contribuição de 4$800 réis imposta em cada pipa de vinho, que se exportasse dos portos do Norte, e outra contribuição no azeite: prometteu dar preferencia no pagamento áquelles mutuantes que não quizessem juros. Encheu-se o emprestimo quasi inteiramente gratuito, chegou o dinheiro de Inglaterra, quando Soult marchava sobre o Porto, e em consequencia veio para o Erario, e dahi se despendeu: pagou-se a contribuição da moeda em pipa de vinho que não foi geral para todos os portos do Reino; e que se lançou com aquella particular applicação; veio igualmente para o Erario, importando em oitocentos e tantos contos de réis, e á divida que andava por duzentos e quarenta ficou ainda em pé, advertindo, que sendo do numero dos contribuintes, muitos dos proprios credores não chegarão a receber cousa alguma da sua promettida applicação, de maneira que melhor lhes fora terem dado as quantias que mutuarão: e estão ha quasi quatorse annos por pagar. Ora parece-me que esta divida tambem deve contemplar-se por bem priviligiada. Ha a divida dos depositos de particulares, que sem o seu consentimento se distrahirão, o que seria um crime em qualquer outro depositario: ha a dos ordenados que se estão pagando em letras com grande atrazamento, alem de serem dois terços em papel, e nenhuma divida póde reputar-se mais sagrada, do que esta, porque he de alimentos, que o empregado precisa quotidianamente para sustentar-se.

Em fim a regra das preferencias no concurso da credores he ouvilos a todos com os seus differentes titulos para gradualos segundo merecerem, e de nenhuma sorte apresentar-se um unico para priviligialo com um favor que não póde communicar-se a todos.

Por tanto o meu voto he que se não approve o arbitrio da Commissão, e que as letras deportaria se attendão com a preferencia que merecem no concurso com todos os outros titulos da divida publica.

O Sr. Ferreira da Silva: - Eu não sei que possa haver uma divida tão sagrada, como a que se contrahiu no Porto, e que resulta de darem sustento para a tropa, e em uma occasião a mais critica, e de uma necessidade para manter a nossa liberdade: por tanto julgo, e he o meu voto que este páo Brazil seja applicado a esta divida sagrada.

Página 784

[784]

o Sr. Ferreira Borges: - Os illustres Preopinantes falarão como julgando, que o producto de quinhentos quintaes de páo Brazil mostrava uma somma capaz de fazer face a mais de dois milhões de cruzados. A Commissão propõe um ensaio, ou especulação favoravel á fazenda, e proficua aos portadores de terras chamadas deportaria, passadas depois de 24 d'Agosto de 1820, ou mais restrictamente desde o 1.º d'Outubro desse anno por fornecimentos feitos desde então. Trata-se de procurar conseguir com este ensaio duas cousas: 1.ª vender o páo Brazil pela mór fórma de réis possivel, e assim desonerar o mais possivel a fazenda nacional desta divida, que he sacratissima, porque foi contrahida na fé do actual Governo: 2.ª de pagar o mais prestes possivel essa mesma divida. Admitte-se ao Leitão dinheiro, ou essas letras. De nada mais se trata, nem he para confundir uma com outra cousa, que aqui não pertence. Sei qual foi o emprestimo do Porto. Elle deve pagar-se, e não só elle, mas quanto a Nação deve. Se as origens das dividas são diversas, não se segue todavia que se não devião solver todas. O privilegio e preferencia denota que o fundo não chega para todos, liste nunca he o caso de uma Nação. Se a Nação deve, quer dizer que devem todos os que a compõem: e ella sómente será insolvente quando a somma da sua divida sobrepujasse a possibilidade de suas faculdades. Este nem he o nosso caso, nem vem para a questão taes observações, quaes os que os illustres Preopinantes offerecerão. A questão he simples. Ella se reduz, a se por ventura se ha de ou não dar lugar a um similhante ensaio. Não se obsta a que toda a divida se pague. Os nossos desejos são identicos, e a Commissão de fazenda não se esquece deste objecto. Que são quinhentos quintaes de páo Brazil para se involver nessa operação a questão da totalidade da divida publica? Consinta-se pois nesta ensaio: contentem-se já esses devedores, e acreditem-se-lhe seus creditos de preciados. He a isto, e só a isto que se dirige o que propõe a Commissão.

O Sr. Bastos: - Eu fui o primeiro que neste Congresso lembrei a venda do páo brazil; e como mo opporei agora a ella, não se me presentando razões que me possão convencer da sua desnecessidade, inutilidade, ou prejuizo? O que me parece questionavel he, se o producto dessa venda deve applicar-se unicamente para pagamento das letras de peitaria, como quer a Commissão, ou para pagamento de mais alguma outra divida. A das letras he muito attendivel, deve olhar-se como sagrada, e devem procurar-se com o maior cuidado os meios de a pagar: porem não he menos attendivel, nem menos sagrada a do emprestimo do anno de 1808 de que falou o Sr. Peixoto. A Junta Provisional do Governo Supremo o mandou abrir no Porto para fornecimento do exercito restaurador, e o prometteu pagar pelo dinheiro que se esperava de Inglaterra, e pelo novo imposto no vinho e azeite, que saisse pelas barras e portos dos provincias do noite, consignando-o á solução dos juros, e amortização do capital. Os negociantes e capitalistas do Porto emprestarão effectivamente 600 mil cruzados, e a maior parte gratuitamente. Veio o promettido dinheiro de Inglaterra, e não se lhes passou. O novo imposto nos seis annos em que se cobrou, produziu 83f:483$200 réis. O emprestimo emportava em 240:000$ réis; crescião por tanto 592:433$200 réis: mas tanto este, como aquelle dinheiro veio para o Erario, teve estranhas applicações, e os mutuantes estão até agora num absoluto desenbolso. Ora que menos attenção merece esta divida que a das referidas letras? A das letras foi contraila para fornecimento do exercito regenerador. A do emprestimo para fornecimento do exercito restaurador. Este veio das margens do Douro resgatar a capital e o resto do Reino do captiveiro e despotismo estrangeiro; aquelle veio das margens do Douro resgatar a capital e o resto do Reino do despotismo domestico. Esta coincidencia, persuade, que se deve tomar em igual consideração uma e outra divida: e a differença que entre ellas se póde descobrir he a favor da mais antiga, e mais generosa. Por tanto o meu voto he que ou o producto da venda do páo brazil, que faz objecto do parecer da Commissão, se reparta por ambas em principio do pagamento, ou se venda para isso duplicada porção, ou se adoptem outros meios que preenchão o mesmo fim.

O Sr. Araujo Lima: - Não he preciso que eu mostre a differença que ha de uma a outra divida, basta que olhemos para as circunstancias em que esta foi concebida. O mesmo honrado membro, o Sr. Ferreira Borges, reconheceu que esta divida deve ter preferencia. Ora diz o mesmo honrado Membro, venda-se o páo brazil, e receba-se em pagamento ou dinheiro ou estas letras; e eu digo, venda-se o páo brazil, porem recolha-se o dinheiro para o Erario, e depois pague-se a estes credores; he preciso que não ponhamos os credores na necessidade de comprarem o páo brazil para se pagarem desta divida, porque de outro modo acho eu que não he pagar o que se deve, e não he o modo de estabelecer o credito, com o que me limito a dizer: venda-se o páo brazil, e o producto entre no Erario para pagamento desta divida.

O Sr. Ferreira Borges: - O illustre Preopinante que julgou que este producto chegava para pagamento de ambas as dividas, não tem conhecimento do que póde produzir 3$ quintaEs de páo brasil, e quanto he a divida de 1808, e a actual. O emprestimo de 1803 são 479:341$810 réis, em que se realisou o emprestimo dos dois milhões de cruzados; e a actual he de 640.000$ réis, que faz uma e outra 1:119:341$840 réis; e o páo brazil podará produzir 120 contos, quando se arrematassem os tres mil quintaes todos. He claro por tanto que nem para o importe das letras chega. Agora sómente se trata de dar nas actuaes circunstancias a maior somma possivel a um credor particular: trata-se igualmente, como já disse, de reputar a Nação o mais possivel o seu genero; trata-se do methodo de aproveitar a ambos. Não se diga que isto he pôr o credor nas circunstancias de por força comprar o páo brazil. Eu mesmo tenho falado com alguns credores que assim anciosamente o querem; e esses que o querem são os que darão mais dinheiro por elle. O páo brazil não tem preço marcado em lei. Quem he que póde privar a Nação de vender o seu genero pelo maior preço que

Página 785

[785]

poder alcançar? Creio que ninguem. E de mais vamos a esperimentar nestes quinhentos quintaes; senão produzir bem, o Congresso determinará o que se ha de fazer do outro que resta. Nada ha mais exacto; mas creio que ha oppozição por não entender-se.

O Sr. Bastos: - O illustre Preopinante assentou que eu pensara, que essa pequena porção de páo brasil que se quer expor á venda chega para pagamento das dividas de que falei. Tal não pensei, nem disse cousa donde isso se podesse inferir, mas sim o contrario. O que eu disse, e ainda sustento, he que qualquer que seja o producto dessa venda, se deve repartir pela duas indicadas dividas, e não applicar-se para uma, com preterição da outra. A divida, a cuja solução se quer applicalo exclusivamente, não he mais sagrada que a outra, attento o fim da sua contracção, antes a outra tem em seu abono a antiguidade, e a generosidade, circunstancias que podem, ou talvez devem ser consideradas como motivos de preferencia. Se essa porção de páo brazil he insufficiente para ambas, venda-se uma porção maior, vendão-se tambem os diamantes que se achão no Thesouro, e que não rendem cousa alguma, e recorra-se, se isto ainda não basta, ao rendimento das commendas vagas, que se acha applicado para a amortisação da divida publica. Finalmente os redictos consignadas ao emprestimo do Porto vierão indevidamente para o Erario. Elle está na razão de um depositario que distrahiu arbitraria e indevidamente o deposito, e não póde haver duvida que esteja em circunstancias de preferir a esta.

O Sr. Peixoto: - Nunca duvidei da qualidade desta divida, e só impugnei a preferencia absoluta, que a Commissão lhe dá: mas se ella he tão sagrada como se tem representado, tambem não he este o modo de pagar dividas de tal natureza. Dividas de dinheiro pagão-se em dinheiro, nem conheço outro meio de satisfazer completamente. Se esta tentativa he uma especulação para o Thesouro, como ouvi dizer a um illustre Preopinante, declaro que a tenho por muito má especulação, porque não póde locupletar o Thesouro, sem que seja com jactura dos seus credores: e bem se vê que sendo a quantidade de páo Brazil, que se arrematta mui diminuta em comparação da divida, e não se offerecendo aos credores outro meio de pagamento, obterá no lanço algum desgraçado, que por necessidade de apurar alguma cousa, se precipita a lançar; ou algum capitalista, que não sendo credor originario, comprasse as letras com grande rebate; porque devemos advertir, que quazi todas estas letras se tem descontado, e muitas dellas com trinta por cento, e mais de rebate. Em consequencia, se he divida tão sagrada que possa merecer tuna preferencia absoluta, não he este orneio de pagala: e em differente caso, deve soffrer a concorrencia dos outros titulos, para se graduar no lugar que lhe competir.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Parece-me que o illustre Preopinante se tem arredado da questão; a questão não he aquella. Eu estou em que a todos os credores se deve pagar pelo modo mais generoso, que he o mais conforme á justiça: entretanto he preciso attender ás actuaes circunstancias do Thesouro. Os credores achão bom methodo de pagar, e a Commissão diz que se vai fazer um ensaio, e ver se assim o Thesouro lucra, e os credores são assim pagos mais prontamente. Portanto eu voto pelo parecer da Commissão, e farei uma adveriencia pelo que pretence ao antigo emprestimo do Porto: he sagrado, e as Cortes o tem reconhecido; com tudo ella não deve concorrer com a de 1820. Não ha duvida nenhuma que esta tem a preferencia, porque quando estes fornecerão este capital no Porto, fornecerão-no ainda na duvida do resultado que estas cousas terião. Offereceu-se outra cousa mais, e he a generosidade que praticarão, quando fornecerão, não quizerão receber dinheiro, e derão os seus generos por preços commodos o que não succedeu aos de Lisboa, porque esses entrarão com as suas fazendas por dobrado valor, e mais no entretanto estar-se pagando a estes, e não se ter pago áquelles, não he justo, parece-me por tanto que não parece bem estar pagando aos de Lisboa, e não se pagar ainda áquelles que tão generosamente se prestarão com os seus generos.

O Sr. Borges Carneiro: - Todos os credores do Estado tem igual direito de serem pagos; mas quanto á preferencia ou á ordem porque hão de ser pagos, não he igual o direito de todos. Os de que tratamos, tem um lugar primeiro na ordem do pagamento, porque derão fiados os seus generos para um caso tão urgente, qual era fornecer o exercito, arriscando-se a perder tudo, pois se não podia então prever qual seria o exito daquella arriscada empreza; e se elles não fornecessem tão briosamente o exercito, qual teria sido o resultado? E foi tão generoso o seu brio, que derão os seus generos pelos preços correntes, quando se vendião fiados com 20 por cento dos ditos preços. O direito ás preferencias sempre o houve e ha de haver: a lei que regulou a ordem dos pagamentos do Thesouro, as estabeleceu bem claramente. He por tanto cousa muito indecorosa não se ter pago a credores tão generosos, e querer talvez empurrar este pagamento para a divida preterita, ao passo que se pagão como divida corrente os ordenados atrazados do sellador da alfandega, de 1806, e 1807, e grandes sommas mensaes ao Barão de Teixeira; e ao passo que se pagão tantos ordenados e pensões accumulados e excessivos, contra as leis do Reino. Mas eu sou o que me devo envergonhar de falar já em similhantes materias. Paguem-se estas superfluidades obtidas pela patronagem no tempo do despotismo, e a divida dos fornecedores do exercito regenerador sepulte-se no boqueirão da divida preterita. Este he o meu, voto.

O Sr. Presidente: - Vou ler o parecer da Commissão para o propor. (Leu-o).

O Sr. Luiz Monteiro: - Sr. Presidente, ha outra cousa, e he, que podem haver letras saccadas nesse dia que ahi se diz, e que não fosse o seu producto applicado ao exercito da regeneração, mas sim aquelle que ia contra a regeneração. Por consequencia declaro que só voto por aquellas que forão para a regeneração, não pelas outras.

O Sr. Franzini: - Essa distincção seria muito

Ggggg

Página 786

[786]

odiosa, pois que tanto um como o outro exercito era portuguez, e aquelle que por momentos duvidou, veio a concorrer logo para o mesmo fim. Voto por isso que não haja distincção alguma.

O Sr. Bastos: - A differença he mui notavel. Uns fornecedores concorrêrão para nos tirar os ferros, e outros para mais os segurar em nossos pulsos.

O Sr. Freire: - Eu sobre isso tenho a dizer que os soldados querião sei sustentados,, porque elles não tinhão culpa do mais: e tanto que logo que forão tenho occasião, derão provas de que desejavão unir-se. Por tanto a differença he só para os mutuantes, e não para os consummidoros: por tanto sou devoto que &e faça esta declaração.

O Sr. Franzini: - Em attenção a esse motivo não duvidarei em approvar a excepção, mas já aqui ouço que esses que fornecêrão os generos para a devião da Estremadura já forão pagos, e então a excepção he inutil.

O Sr. Presidente poz á votação o parecer, e foi approvado, com declaração porem que as letras que assim se mandavão admittir em pagamento, serião sómente aquellas que proviessem de generos fornecidos ao exercito regenerador depois de 15 de Setembro.

O Sr. Presidente: - Agora vou propor a addicção do Sr. Fernandes Thomaz: - Para que igualmente se comprehendão: os creditos pelo fornecimento do exercito regenerado, vindo do Porto desde 24 de Agosto?

O Sr. Bastos: - Requeiro tambem que se proponha, se sé deve extender esta medida á divida contrahida para o fornecimento do exercito regenerador em 1808?

O Sr. Barroso: - Em quanto ao que disse o Sr. Fernandes Thomaz, digo que he inexequivel, porque na Commissão de fazenda, existe um requerimento de um fulano Freire, que requer esse pagamento, porém elle não tem letras. O Erario sabe que lhe deve, e que lhe ha de pagar? mas como o ha de fazer se elle não tem letras?

O Sr. Soares Franco: - Isto he inexequivel, pois que sei com certeza que ha homens que não tem letras.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Então ainda a cousa esta melhor do que eu pensava. Um homem ia quem o Erario sabe que se deve, por elle não ter um bocado de papel deste tamanho, imo se lhe ha de pagar? Pois então se essa he a duvida, de-se-lhe esse bocado de papel. Este homem, como se diz, já fiz ás suas contas com o Erario, elle sabe que se lhe deve. E se os outros forão mais adiantados em aprontar os seus negocios, e tirarão letras, hão de concorrer; e este que não tem aleira não ha de concorrer! Mande-se então ao Governo, que lhe passe a letra, para que elle possa concorrer cem os outros.

O Sr. Peixoto: - Deve fazer-se publica a decisão, e dar-se um prazo tal, que possa chegar á noticia della as estremidades do Reino: em qualquer parte que algum destes credores esteja, tem um direito igual ao dos residentes na Capital.

O Sr. Presidente: - Os Senhores que forem de voto, que a medida tomada a respeito aos credores das letras chamadas de portaria, se estenda aos outros na fórma requerida pelo Sr. Fernandes Thomaz, queirão levantar-se?

Assim se venceu.

O Sr. Presidente: - Agora o additamento do Sr. Bastos.

O Sr. Guerreiro: - Se ha fundos, e se se trata de mandar pagar essa divida, eu voto pela addicção, mas senão ha outros fundos mais do que o páo de Brasil, eu então não voto, pois que esses fundos são mui poucos, e a nada chegão.

O Sr. Miranda: - A questão he se se deve pagar a estes homens com o páo Brazil, para o que se deve vender esse páo Brazil, e applicar-se ao pagamento despis letras. Por consequencia não se trata aqui de pagar a divida publica, mas sim a esses homens que são credores de letras saccadas depois da regeneração, por conseguinte não tem lugar a indicação do Sr. Bastos.

O Sr. Presidente poz a votos a indicação do Sr. Bastos, e foi regeitada.

O Sr. Presidente participou ao augusto Congresso que o Governador do Maranhão, Bernardo da Silveira Pinto, ha pouco chegado daquella provincia, se achava presente na sala exterior, e enviava uma nota contendo as expressões dos seus fieis sentimentos de amor á Patria, é adhesão ao systema constitucional. Foi lida pelo Sr. Deputado Secretario Freire, é se resolveu se declarasse, que tinha sido ouvida com agrado, e que um dos Srs. Secretarios saísse a participar-lhe esta resolução, o que assim se cumpriu.

Entrou em discussão o artigo 14 do projecto sobre a reforma dos foraes.

O Sr. Soares. Franco: - He necessario dar alguma explicação sobre isto. Digo que nós não podemos procurar estes 14 annos; porque em razão da guerra isso ficou muito differenye, e os povos sairão de suas casas para fóra, e só agora tornão a voltar a ellas. Eu quizera que se limitasse isto a 6 annos, e não póde ser mais; porque vai a dar no anno de 1815 e 1816 tempo da guerra. Foi durante esta que os francezes procurarão os 14 annos, mas como fizerão guerra fora do seu paiz, não alterárão quasi nada os generos; porém em quanto a nós mudou isso de figura: pelo que pertence ao mais, conforme me com isso.

O Sr. Peixoto: - Não concordo com a doutrina da primeira parte deste artigo. Reduzirão-se as rações a ametade, e reduzirão-se a pensão certa: por agora he bastante a beneficio dos agricultores, e proprietarios de terras pensionadas. A remissão das pensões, proposta no presente artigo, iria dar cabo do do contrato enfitheutico; de um contrato que em todo o tempo; se reputou mui favoravel á agricultura, e o he em realidade; porque por meio delle muitos terrenos que tem sido cultivados pelos Srs. uteis; a quem se emprazarão, já mais se roteárão, se se conservassem em pleno dominio em mão dos Srs. directos.

Vejo que aqui por agora não se trata das pensões enfitheuticas, mas adoptada a medida para estas passaria a todas as outras por identidade de razão, ao

Página 787

[787]

menos não haverá mais quem se resolva afazer emprazamento, com receio da sua insubsistencia.

Além disso estas pensões servem d'alimentos a muitas corporações, a estabelecimentos literarios, e de caridade, e tambem a familias: e uma vez remidas, não tendo taes pessoas aonde empregar o preço da remissão, ou a parte que nelle lhes tocar, para lhes produzir igual rendimento, ver-se-hão reduzidos á penuria, ou comerão em pouco tempo o capital; isto deve tambem merece attenção; reduzão-se embora as pensões, que estão incorporadas nos proprios; das de nenhuma sorte aquellas que servem de reditos aos donatarios. Ultimamente he necessario, que d'uma vez para sempre entendamos; que a pensão certa peza sobre o proprietario, e não sobre a agricultura: e o proprietario que approveita tudo quanto recolher alem da pensão, cultiva sempre o mais que pôde, porque todo o melhoramento de cultura, que fizer cede em seu proveito somente, sem que o senhorio receba por isso maior pensão. Não ha no Reino provincia que mais pensões certas pague, doque a do Minho, he quasi toda enfiteutica; e nenhuma ha, em que a agricultura mais tenha prosperado. Digo mais que esta prosperidade deve-se em parte ás enfiteuses; e tenho para isso uma prova bem notavel; que he nas duas margens do rio Tamega acima d'Amarante em terras de Basto: os terrenos da margem direita são todos enfiteuticas; os da margem esquerda alodiaes: a qualidade igual; na margem direita ha melhores lavradores, melhor cultura, e povos mais ricos, para o que contribua a conservação dos casaes. Reprovo pois a doutrina do artigo por isso mesmo que estas pensões por não serem nocivas á agricultura devem premanecer, para que apoz da remissão delias, não venha a dos prazos, e a consequente extincção dos contratos enfiteuticos, os quaes não podem acabar, sem que com elles acabe um dos meios, que mais tem contribuido para adiantamento da agricultura.

O Sr. Girão: - Os argumentos do illustre Preopinante fundão-se no receio de que se venha a estender esta medida aos foros enfytheuticos: eu talvez lhe possa mostrar que não deve ter receio algum, pois que no artigo 18 diz-se assim (leu-o): eis-aqui está a resposta. Mas elle diz que ha receio, porem este receio não nos deve embaraçar, para que deixemos de fazer uma medida tão boa. Por consequencia, tendo eu mostrado que daqui não póde resultar receio algum; e tendo mostrado mais que o artigo 18 acautela isto, segue-se que isto em nada contraria o artigo.

O Sr. Guerreiro: - Ouvi dizer que os prazos enfytheuticos erão da maior utilidade. He bem verdade que na provincia do Minho, he aonde são mais os prazos enfytheuticos, e grande a população, assim como a cultura; mas se isto se deve attribuir aos contractos enfytheuticos, he uma questão que ainda hoje não está resolvida. Mas a experiencia mostra, que em muitas partes da provincia a tendencia he tal, e tão forte, que todas as leis que tern prohibido isto, não se tem podido effectuar. Porem como o cargo de pagar uma pensão não faz prosperar a familia que a paga; talvez se possa deduzir daqui que não concorre para a felicidade de todas as provincias. Parece-me que ninguem o dirá, antes pelo contrario jamais ninguem gostou de trabalhar para nutrem. E não ha cousa alguma que desanime mais o lavrador, do que ter elle de ver, que ha de repartir com um terceiro. Nada ha tão util para o augmento da população e para a prosperidade nacional, do que a facilidade da transmissão de propriedade: e nada ha que se opponha mais a isto, do que são os gravames. E quando alguem quizer comprar alguma terra, nunca comprará aquella que os tenha, quando as achar das que não tenhão encargos. Isto pois resulta em grande detrimento da agricultura, e da população. He pois necessario que os legisladores providenceiem isto. Temos o exemplo da França, onde se prohibirão estes encargos ha mais de trinta annos: e seria mui justo, que nós hoje fizéssemos o mesmo: mas em quanto se não póde fazer isto, não sei qual he a razão porque se não queira approvar esta medida indirecta, não se offendendo em nada a justiça, pois que o senhorio recebe o mesmo que até aqui recebia. Por esta maneira se facilita o livramento dos predios, de cuja medida resultão tantos bens. Voto por conseguinte pelo artigo.

O Sr. Borges Carneiro: - O presente projecto tendo por fim beneficiar a agricultura, sobcarregada já de tantos encargos, he bem para nos admirarmos ver que tanto se combata este artigo, que permitte ao lavrador resgatar a pensão ou foro imposto no seu predio; cousa esta que tanto beneficia a lavoura, restituindo os predios á liberdade natural delles, e sem prejuizo do senhorio, o qual recebe pelo resgate o valor do capital da sua pensão ou foro. Se não podemos alliviar a agricultura de todo, qual a razão porque não adoptaremos ao menos esta providencia, tão grata ao lavrador? Uma providencia das melhores para se conseguir o fim de virem com o andar dos tempos a ser livres os predios de tantas alcavalas quantas lhe impoz o feudalismo?

O argumento deduzido dos foros enfiteuticos, que se diz não conviria permittir fossem resgataveis contra vontade dos senhorios, não he aqui applicavel; porque só tratamos agora das pensões e foros descendentes dos foraes, e não das que provem de contractos emfiteuticos entre pessoas particulares. Porem se tratassemos desses, grande perda por certo se os senhores uteis remissem os foros, pagando os capitães aos senhorios!! O contracto enfiteutico (se exceptuarmos o caso de terras ainda incultas) foi feito segundo diz o Abbade Genovese para enganar os homens. São uns pequenos morgados de tantas castas que ninguem se entende com tal systema legislativo. Os prazos, dizem alguns desembargadores do Porto, são beneficios simplices que nós damos a quem queremos. "Forte pena se os foros e mais onus emfiteuticos fossem resgataveis, e com effeito resgatados!! Por tanto opino que subsista o artigo, e onde elle diz: "serão resgatados pelos lavradores" que se diga "á escolha dos lavradores."

Para regular o preço dos generos manda o artigo calcular os preços dos 14 annos antecedentes: eu di-

Ggggg 2

Página 788

[788]

ria que se olhasse sómente aos 10 annos antecedentes; porque pela occorrencia da guerra, os preços dos annos que a ella se seguirão, furão baixissimos; e pelo contrario nos annos antecedentes em que ella durava, forão grandissimos. Para se descontarem pois estes preços extraordinarios uns com outros, será bom tomar-se um termo medio, isto he, o dos dez annos antecedentes, que comprehende aquelles dois preços irregulares, e por estes annos regular o preço medio que sirva de regra para calcular o preço do resgate. Este o meu voto.

O Sr. Correa de Seabra: - Sr. Presidente, opponho-me a este artigo. Muitos dos argumentos com que o podia combater tenho expendido nas sessões antecedentes; e por os não repetir, lemito-me a fazer a seguinte reflexão. Os nossos constituintes derão-nos procuração para fazer a Constituição, reformar abusos, e fazer os melhoramentos que for a bem da nação, mas por nenhuns destes principios podemos tomar em consideração o conteudo deste artigo; porque não tendo relação alguma com os poderes politicos, e seu exercicio, he claro que não pertence a Constituição; tambem por elle não se reformão abusos; por que ser a fiação proprietario, conservar a sua propriedade, e não alienar, até agora a ninguem lembrou que isto fosse abuso; abuso me parece o artigo! Não se segue tambem do artigo melhoramento; porque o artigo fazendo resgataveis as pensões dá o ultimo golpe nas rendas nacionaes; e por consequencia o deficit na de ser supprido por meio de contribuições; ora eu não sei, nem posso comprehender que contribuições sejão melhoramento? Bem como não posso com pretender que a extincção dos estabelecimentos literarios, e muitos outros de caridade, piedade, e beneficencia, que são dotados com bens nacionaes, seja melhoramento. Ora que esta extincção he o insultado deste artigo, não ha duvida; porque de muitos destes estabelecimentos os bens nacionaes são os seus fundos ou unicos, ou principaes. Talvez se me dirá que com os productos da vendas, e capitães que desses productos hão de resultar se suppre tudo e até se augmenta; mas os que assim discorrem não advertem que no estado do thesouro da Nação justamente se póde considerar como um devedor, que diminuindo os seus fundos por vendas que faz para reunir dividas, vai tambem diminuindo os recursos, e por consequencia necessaria contrahe novas dividas até que de todo chega a falir! A França que tinha outros recursos, que não temos alienou os bons nacionaes, o resultado he dos nossos dias, e todos o sabemos: a Hespanha dispoz tambem de bens nacionaes, e de uma grande massa, e qual foi o resultado? Augmentar a divida com grande emprestimo, e ver-se precisada a lançar mão dos estancos até para os generos de primeira necessidade. O modo porque tenho combatido o artigo me faz julgar que não he necessario responder ás reflexões que se tem feito, de que os foros, e prazos tem de tal sorte obstado ao adiantamento da lavoura, que só faz necessaria a providencia deste artigo; e por tanto sómente observo primeiro que o povo portuguez nunca seria proprietario senão fossem os prazos, como succede em Inglaterra, onde se desconhecem os prazos: segando as provincias ainda mais foros, e prazos ha, são mais povoadas, que aquellas onde os bens são allodiaes: isto parece um paradoxo, mas he um facto, e bem se explica, a meu ver: o homem naturalmente propende para o ocio, e geralmente não se dá a trabalhos tendo o sufficientemente para a sua subsistencia; e daqui vem nos paizes menos favorecidos da natureza os homens ião mui industriosos do que os que habitão terrenos ferteis, e mais productivos: ora o lavrador que alem do necessario para a sua subsistencia tem de pagar o foro ao senhorio, necessariamente ha de trabalhar, e cultivar mais que o outro que tem de tirar só a sua subsistencia, de fórma que os foros pezão, he verdade, sobre o lavrador, mas não sobre a lavoura, como jamais de uma vez tenho observado, e que os foros em consequencia de foraes não são gravosos, ao ponto de pezarem sobre a lavoura.

O Sr. Bettencourt: - Quando pedi a palavra ainda não tinha tido a fortuna de ter falado o illustre Preopinante o Sr. Correa de Seabra, e na verdade estou maravilhado de ouvir as razões que expendeu contra a doutrina do artigo 14, e tanto que se o não ouvira, contando-me, eu o não acreditava; deixando de dizer, o que tinha a expender a respeito de outras relações, só me limitarei a refutar, e combater a opinião do ultimo illustre Preopinante, que affirma ousadamente, que nós só aqui viemos com procuração dos povos para fazer uma Constituição, e reformar abusos, e que esta reforma dos foraes, e o objecto do artigo está fora do alcance da nossa missão. Em quanto a mim parece-me, que esta asserção he uma blasfemia politica e constitucional. Deve o illustre Preopinante saber, e todos os que me ouvem, e seguirem as suas maravilhosas opiniões, que tão longe estou de conformar-me com a idéa de que não caba nas forças, e poderes, que os povos nos derão, para tratarmos da materia, que faz objecto deste artigo; que pelo contrario affirmo sem receio de ser impugnado, que os males, que a agricultura, a sua total ruina, e nenhum preço e consumo dos fructos, forão o primeiro movel, e o principal motivo, que nos uniu neste soberano recinto: a surdez do Governo passado aos altos clamores dos lavradores, e proprietarios de terras de todo empobreceu as provincias, e desesperou toda a noção: eu fui victima, e de mais sendo o procurador, que me puz á testa das representações, adquiri o titulo de cabeça de motim, e fui olhado como levantado por então dizer verdades; que produzirão successos que então se realisarão. He preciso que fale com franqueza; os povos não lhe tocão tão de perto os direitos de cidadão, o pacto social, as garantias constitucionaes, e a divisão dos poderes, em legislativo, executivo, e judiciario, o que lhe toca mais immediatamente, são as previdentes leis sobre cereaes, azeite, lãs, vinhos, aguas-ardentes, porcos etc., etc. Os povos, que tinhão generos e fructos nacionaes, e os não vendião, e que vião que o numerario ia pela barra fora por generos estrangeiros, e que pelo contrario experimentão, que hoje já tem consumo os fructos nacionaes, e que já os rendeiros podem pagar as rendas aos senhorios, reconhecem que a nova regene-

Página 789

[789]

ração he real, e que o systema Constitucional he de facto bom Governo, e que salvou a nação do seu imminente precipicio. O dizer, que estas Cortes constituintes não devem, nem podem tractar deste objecto, tão util e necessario á nação, he avançar uma preposição nova, e no meu entender, he uma blasfemia constitucional, e politica. Dizer que deixemos para as outras Cortes o legislar sobre o resgate das pensões cortas que procedem de foraes, he na verdade uma preposição maravilhosa, e no meu entender contradictoria, pois negar ás Cortes actuaes constituintes, e querer reservar para as constituidas; eu não sei combinar tal modo de pensar. Nada teriamos feito neste projecto, senão sanccionassemos o que faz objecto do artigo 14: este artigo he de justiça, e he de muita politica. Os encargos, que tem as terras, e, a impossibilidade que havia até aqui de as resgatar, fazia que os propietarios uteis, fossem sempre desanimados, e não tentassem meios, nem esforços para melhorar os terrenos, pois quando se põe editaes para se vender qualquer propriedade, a primeira cousa que examina, o que pertende comprar, he se he livre de foro, ou pensão, e sendo livre se anima a dar ainda mais do seu valor, avaliado pelos 5 por 100 do seu rendimento, a experiencia assim o confirma, logo não só pôde duvidar, que as pensões certas de que falla o artigo 4.° uma vez que possão ser resgataveis, até abelitarão os proprietarios a serem economicos, para ajuntarem o capital preciso para resgatar a sua propriedade, e o processo que no artigo se expende, e que deve regular esta transacção, he muito vantajoso ao senhorio, donatario, e á nação. Não se assustem os illustres Preopinanles de que estes resgates vão desfalcar as rendas do thesouro. Bem poucos serão por ora estes resgatem; bem poucos proprietarios poderão já fazer esse desembolso; a nação está pobre, e exhausta ou numerario, quasi todo foi para os Gregos, pois eu já por muitas vezes tenho dito, que a nação portugueza por muitos annos se ha de ressentir dos males, que lhe causou a invasão grega..... De mais tenho ouvido com muito espanto meu que alguns dos illustres Deputados, temem e receião de que os actuaes possuidores destes foraes ficarão por estes resgates privados do seu rendimento, pois que depressa se gasta o producto do que se vende. Eu não entendo a questão desta fórma; eu respeito muito o direito da propriedade, bem como o da posse, e uso fructo: o producto destes resgates he da Nação, e por isso deve ir para o thesouro publico, e este de necessidade ha de dar no possuidor donatario, 5 por cento, que lhe corresponde do rendimento; em quanto por leis esta mercê lhe he concedida. Este he o meu modo de entender, e o foi da Commissão de agricultura, quando redigiu este projecto. A nação interessa, porque com este capital, producto dos resgates, pode resgatar titulos, de que paga 6 por cento, como as apolices, do primeiro, e segundo emprestimo. He incontestavel, que todos os bens nacionaes estão hypothecados á divida publica, e a boa economia manda, que se distractem aquellas dividas que mais pagão de juro; tenho exposto como posso a minha opinião, concluindo, que este artigo 14, he o mais interessante, justo, e politico do projecto da reforma dos foraes.

O Sr. Pessanha: - Os Srs. Preopinantes que, acabão de falar tem manifestado muitas razões para fazer ver a grande utilidade da medida proposta da primeira parte do artigo, que tende á reunião nas mesmas mãos do dominio util, e do direito para se verificar nestes bens que primitivamente forão reservados para constituir o patrimonio publico: oxalá com a mesma facilidade ella se podesse realizar em todos, os outros bens! A favor porem desta doutrina eu accrescentarei o exemplo das antigas nações cultas da Asia Menor, da Grecia, e Roma. Não se póde negar a grande população, e riqueza a que chegarão aquelles antigos povos, e para prova sem se entrar na discussão scientifica que foi debatida no seculo passado entre Hume, e Walace bastará citar os restos de arquitectura herculea que se encontrão a cada passo naquelles paizes; porque estes restos dão um testemunho mais autentico, do que todos os monumentos historicos. Não he possivel attribuir tanta grandeza a outra cousa se não a serem aquelles povos agricultores, e não estar entre elles separado o dominio util e directo em diversas mãos. Esta verdade sobresahe principalmente entre os Romanos: em quanto elles não dominarão toda a, Itália, esta parte da Europa regorgitava em habita nestes; mas costumando os Romanos reservar para patrimonio de republica as terras conquistadas, e dalas por um certo censo foi decahindo a agricultura, e a população na Italia a tal ponto, que Roma foi preciso ser sustentada com o pão do Egypto. Esta mesma instituição de constituir em propriedades territoriaes o patrimonio publico foi introduzida pelos povos do Norte na Hespanha, e Portugal que conquistarão: daqui tiverão origem os censos, porque foi o unico modo que os povos tiverão de adquirir alguma propriedade; e neste sentido póde-se dizer, que os censos erão uteis, roas não se segue daqui que não seja mais util, que os povos tenho o pleno gozo da propriedade isenta de toda a pensão. Argumenta-se com o Minho, e com sua prosperidade apesar dos foros que se pagão na dita provincia; mas eu direi, e creio, que sem enganar-me, que o Minho seria mais povoado se taes foros não existissem: pelo que pertence á minha provincia, as terras gravadas com esses censos são as menos povoadas, e as mais pobres, porque a minha provincia não teve a fortuna de ter um solo tão fertil, nem as outras vantagens que desfruta a provincia do Minho. Nós admittimos o principio a meu ver de toda a evidencia, que estes bens são nacionaes; logo a nação deve fazer todos os exforços para concentrar a, propriedade nas mãos dos que cultivão esses bens: conseguindo este fim tem conseguido o maior bem possivel; e não se diga que faltarão as rendas ao Estado, porque augmentando a prosperidade particular, o Estado prosperará, e os particulares poderão soffrer os encargos que o Estado lhes impozer para supprir ás suas despezas, imponha-se então embora um tributo, porque neste caso o povo estará em circunstancias de o pagar, quando agora pelo contrario, nem poderia pagar, nem poderia satisfazer as suas proprias precisões. Por todas estas razões digo, que a primeira parte do artigo a julgo muito justa, e deve ser

Página 790

[790]

approvada, pois he um beneficio que vamos fazer á agricultura, mãi da população, da riqueza, e da prosperidade. Se não sanccionamos este beneficio tudo quanto temos feito a respeito de foraes de pouco serve, porque sempre ficará existindo em Portugal este oneroso resto de feudalismo. Em quanto á segunda parte, que diz (leu-a) approvo genericamente a sua doutrina.

O Sr. Macedo: - Não me proponho a mostrar as utilidades da doutrina estabelecida neste artigo, nem tambem a responder ao illustre Preopinante que a impugnou, porque me parece, que uma e outra cousa está satisfeita; mas levanto-me para fazer algumas reflexões ácerca da applicação que deve ter o dinheiro, que provier de resgate das pensões impostas nos bens sujeitos aos foraes. He certo que destes direitos de cobrar taes pensões, uns são exercidos pela fazenda nacional, e outras estão nas mãos de donatarios; pelo que pertence aos primeiros he claro que o producto do resgate deve regressar para o thesouro; mas a respeito dos outros não he tão facil designar a regra que se póde estabelecer porque nem se póde entregar todo esse producto ao thesouro, porque seria defraudar os donatarios, nem póde entregasse toda aos donatarios porque seria defraudar a fazenda nacional: he necessario por conseguinte recorrer a um meio termo. O que parecia mais natural he que entrasse tudo no thesouro, e que o mesmo thesouro ficasse pagando os juros legaes aos donatarios; mas isto produziria o inconveniente de gravar a fazenda nacional, se fosse obrigada por muitos annos a pagar juros a muitos donatarios: por outra parte tambem soffrerião prejuizos os mesmos donatarios se a fazenda nacional não podesse satisfazer com pontualidade os juros: occorre-me pois um arbitrio, e vem a ser que o producto dos resgates de que tratamos entre no banco: que dos lucros dahi resultantes, que provavelmente hão exceder a 5 por 100, se paguem os juros legaes aos donatarios, e que o excesso se applique para a amortisação do papel moeda.

O Sr. Feio: - He um principio incontrastavel, que sem propriedade não ha braços. e sem braços não ha agricultura. Se este principio he certo, segue-se necessariamente que quanto mais livre e divisiveis forem as terras, tanto mais ha de crescer a população, e com ella a agricultura. Adopto, a doutrina do artigo.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Quando o illustre Preopinante o Sr. Correa de Seabra principiou a atacar a doutrina do artigo negando ás Cortes o poder e autoridade que tinhão de legislar sobre elle, eu esperei ver a demonstração desta proposição; porque a falar verdade, demonstrada ella, caia por si o que estamos fazendo; porque senão tivéssemos poder para legislar sobre a materia, inutil era estar a discutila; mas pela continuação do seu discurso ouvi, que a doutrina do artigo importava uma alienação de bens nacionaes, e então eu fiquei socegado, e disse, pois as Cortes tem mandado até agora vender bens nacionaes, e tem tido poder para isto, tambem podem agora faze-lo. Consequentemente as Cortes tem tal poder; de qualquer modo que se classifique esta materia nunca póde deixar de entrar na razão geral de uma reforma; e creio que nossas procurações nos autorisão para poder fazer reformas, e se nós podemos fazer reformas, parece que não se nos póde negar a autoridade de fazelas a respeito da agricultura, e dos embaraços que ella soffre. Estas são verdades demonstradas, e que creio que não carecem de mais demonstração. O illustre Preopinante o Sr. Correa de Seabra, no meu entender, confundiu o direito dos prazos com o direito senhorial, ou as pensões que se pagão, aquillo que nós chamamos nações; e he de rações que trata este artigo, creio eu; depois destas rações reduzidas a pensões certas, diz o artigo que se podem resgatar por este modo. O Sr. Corrêa de Seabra concebeu grandes riscos a este respeito, diz se tal se fizesse perdendo-se os estabelecimentos litterarios: não he a primeira voz que se apresenta este susto da ruina dos estabelecimentos litterarios quando se trata da reforma dos foraes; por tanto he muito bom assegurar ao Sr. Seabra que os lentes, e os estabelecimentos litterarios hão de ler. He que subsistirem, pois ainda que por alguma parte se lhos tire, por outra se lhes ha de dar, porque a Nação he justa, e querendo que haja estabelecimentos litterarios, e mestres que ensinem nelles, he claro que lhes ha de dar com que se sustentem, isto não tem duvida. Vamos a outra cousa. Diz que a Nação perderia na venda; pergunto eu, a Nação vende isto aos estrangeiros? Creio que não: vende-se á Nação, e fica na Nação, e consequentemente não ha esse perigo, alem de que o illustre Preopinante sabe bem que ElRei D. João VI. em 1801 já mandou vender os bens nacionaes, e não só nessa época,. tem-se mandado vender por varis vozes, e estes mesmos de que se trata neste artigo tambem se tem mandado vender: os direitos dominicaes de Coimbra já se mandarão vender, sendo eu provedor de Coimbra autorizei a venda de um bem dominical pertencente ao Sr. Deputado Soares, pois se ElRei o podia fazer então, agora nós não o podemos fazer? Diz o Sr. Correa de Seabra: não assustemos os povos, não vamos dizer que se póde deixar de pagar foros, porque os prazos foi um dos modos porque o povo se fez proprietario: mas porque? Porque não se póde fazer proprietario de outro modo: furtarão-lhe as terras, e lho disserao = se as queres paga tanto = e o povo não teve mais remedio que consentir; mas senão tivesse precedido um roubo não haveria este contracto, que necessidade teria de pagar do que era seu? (Apoiado.) Entenda-se que falo dos bens nacionaes, não falo das propriedades particulares, essas as respeita o projecto, e deve o Congresso respeitalas: consequentemente não póde haver susto algum de que a propriedade particular soffra ou padeça com essas medidas; do que se trata aqui he da proprredade nacional, do que se trata he de aliviar a agricultura e o lavrador do onus e grande mal que soffria até aqui, e isto he justo. O Sr. Seabra, na minha intelligencia, labora numa equivocaçao; ella suppõe que estes bens são dos donatarios; isto he falso, elles não são senão administradores, não tem senão o uso fructo delles, e isto o salva o projecto; o donatario não deve reputar-se senão como usofructua-

Página 791

[791]

rio daquelles bens; mas o capital destas rações deve ir para donde he, que he do Thesouro, porque he da Nação, receba della o donatario, porque dali recebem todos. Posta a cousa nesta clareza, creio eu, que o Sr. Correa de Seabra não deve ter susto, nem a respeito dos estabelecimentos litterarios, nem de que não tenhamos poder para a venda dos bens nacionaes, porque elle mesmo, noutra occasião, tem assignado seu nome para a venda da bens nacionaes. Muito acertado he, e muito conforme ao genio dos Portuguezes, que elles comprem aquillo que se lhes furtou; com que, já que querem sujeitar-se a isso, muito embora se lhes venda se querem comprar, a medida he justa, e deve sanccionar-se. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Correa de Seabra: - Desejava o vigor, e energia dos Deputados ás Cortes de 1472, e 1473 para combater o artigo, e responder aos argumentos com que se tem impugnado os meus; mas até as forças fizicas me faltão; todavia irei respondendo ao que me lembrar; e pela ordem que me for lembrando. O Sr. Fernandes Thomaz disse, que eu suppunha os donatarios Srs. dos bens nacionaes; estou bem longe disso, e porque o estou, tenho feito a opposição a todo este projecto. Os bens nacionaes doados não perdem a qualidade de bens da coroa, tanto pela reversão que as nossas leis tanto tem promovido, e facilitado, como porque estes bens ainda que doados estão sujeitos pela nossa legislarão ás contribuições como bens nacionaes, de fórma que os bens dos particulares só subsidiariamente, e na falta daquelles devem contribuir para as despezas do lotado. Disse mais o Sr. Fernandes Thomaz, que estes bens tinhão sido roubados aos povos, e que este artigo não fazia mais do que restituir-lhes o que era seu. Se se trata de restituição deve ser aos Arabes; porque se forão roubados, a esses he que forão. Disse mais que eu tinha negado a autoridade ás Cortes de fazer reformas: não a neguei; disse que só a tinhamos para as reformas uteis, e que nesta parte, estas Cortes erão mais restrictas que as seguintes. Disse mais que se tinha feito muito das vendas de bens nacionaes: assim he, mas a utilidade foi nenhuma. Disse outro illustre Preopinante,, que toda a ruina de Portugal vinha do atraco em que estava a lavoura em razão dos furos; mas o mesmo Preopinante disse que havião cereaes, em abundancia, e que só faltava numerario. Já nesta mesma Sessão disse, e repetiu, que os foros que se pagão, em consequencia, dos foraes, pesão como todo e qualquer foro, mas não sobre a lavoura;, e que por isso tanto a não tem atrazado, que antes tem concorrido para o seu augmento. As provincias em que mais bens foreiros ha, são as mais povoadas. Alemtéjo em que mais bens allodiaes ha, he a mais despovoada; talvez se no Alemtéjo, se tivessem feito emprazamentos como nas mais provincias, tivesse esta provincia melhorado muito.

Não sei se me resta responder a algum argumento mais.

O Sr. Bettencourt: - Uma palavra só relativamente a esta ultima asserção. Entre todas as provincias, diz o illustre Preopinante, que não ha nenhuma que tenha mais bens allodiaes que o Alemtéjo; isto he uma equivocação; quem conhece o Alemtéjo não poder dizer tal, sem ser taxado de pouco statistico daquella provincia: o Alemtéjo está todo dividido em herdades, que o são de vinculos, ou de corporações de mãos mortas, ecommendas que não são allodiaes; e tanto, que he muito raro pôr-se em venda alguma herdade; porque as não ha livres, o que prova a falta de cisas: esta he a razão mais concorrente para a despovoação do Alemtéjo, que pôde, e deve ser a melhor, e mais rica provincia do Reino pelas suas producções de cereaes, carnes, lenhas, lãs, azeite, e mesmo vinho, e sal, uma vez que se obriguem os senhorios, ou a cultivar, ou aforar dividindo, aquelles immensos terrenos, que estão pela maior parte incultos. (Apoiado, apoiado).

O Sr. Peixoto: - Ainda sustentarei o meu primeiro principio, visto que não fui entendido, segundo parece. Não ignoro que neste artigo se trata unicamente das pensões reduzidas pelo artigo 4.°; mas digo, que a decizão, que a respeito dellas tomarmos, previne para as pensões enfiteuticas, não só para as que se pagão a donatarios da coroa, mas até para as dos particulares: e senão quero saber; porque razão tomaremos a resolução de fazer esta terceira reducção. Sem duvida, por assim o pedir a necessidade publica, como medida indispensavel para a prosperidade da agricultura. As pendões certas, tanto opprimem a agricultura, procedendo dos foraes, como dos contractos enfiteuticos; se por tal motivo he justo que as dos foros se rimão, he igualmente justo que se rimão os enfiteuticas; ao que não obsta a inviolabilidade do direito de propriedade do senhorio, resalvada no artigo 7.° das Bases, por ser esse segundo a hypothese, o caso da excepção por necessidade publica, procedendo indemnização, a qual se, offerece no artigo. Receio pois muito o primeiro passo por, conduzir ao segundo. He necessario que haja o contracto enfiteutico, para que se approveitem muitas terras, que aliás permanecerão incultas; he necessario que haja terras livres, e allodiaes, e terras mais e menos pensionadas, para que cheguem a maior numero de proprietarios: em todo o genero de fazenda convem que apareça de diversas qualidades, desde a superior até á infima, para que lhe possão chegar as pessoas mais, e menos abastadas. A liberdade absoluta dos cazaes he mais um objecto de capricho, e de luxo para os proprietarios delles, do que um beneficio agrario, e veremos, que dada a faculdade de se remirem as pensões, hão de aproveitala os proprietarios ricos; e dos lavradores que cultivão por sua mão o casal pensionado, apenas um ou outro; da mesma sorte que observamos que quando apparece em venda lupa fazenda pouco pensionada ou livre, he de ordinario a preza do homem rico, e quando apparece uma muito pensionada vai cair na mão do lavrador, que com a sua diligencia e trabalho a força a dar-lhe maior proveito, do que ao outro, que a passa a um arrendatario.

O lavoador não receia a pensão, quando o casal póde salvar-lha: se ha de ser colono amovivel, e independente do capucha do senhorio, quer contar com a sua inamobilidade, ainda que pague tanto de pen-

Página 792

[792]

rão, quanto pagaria de renda. Conheço muitas terras que se tem emprazado pela renda ao proprio arrendatario, o qual pela mudança de condição as tem beneficiado de tal sorte que a pensão se lhe torna favoravel: muitos lavradores gravão voluntariamente com pensões as suas terras livres para obterem um capital de que precisão; e antes querem vender um numero de medidas annuaes, impostas sobre o seu casal, do que alienar por globos alguma parte delle.

O que um illustre Deputado disse dos povos da Grecia, e da antiga Roma, comparados com os Romanos do tempo dos Imperadores, nada prova contra as pensões; prova contra o luxo, e contra as falsas idéas de honra que com elle se introduzirão: nos artigos tempos os proprietarios lavravão pelas proprias mãos as suas terras: o numero dos lavradores comparados com as outras classes era mui grande: sahião do arado para o senado, e para o commando do exercito: mas depois que a corrupção e o luxo tornou desprevir o trabalho, tudo mudou; e foi necessario que em favor da agricultura se introduzissem contratos novos.

O exemplo que produzi da provincia do Minho não foi tomado no seu ponto de visla. Não só attribuhi em parte a prosperidade della aos prazos, porque sem elles as terras que são muito estreitas tanto se subdivirião que perderião de todo a estimação; mas comparei terras do Minho com terras do Minho de igual qualidade; as de Basto na margem direita com a da margem esquerda do Tamega; em que as da margem direita, que são enfitheuticas, não obstante as pensões apresentão a todo o respeite uma superioridade mui notavel ás da margem esquerda, que são allodiaes, e livres. (O Sr. Borges Carneiro interrompeu o orador, dizendo: "Isto he fora da ordem, porque não se trata de contratos enfitheticos, mas de foraes: por esta fórma nunca acabará esta envelhecida lei. Por tanto requeiro sessão permanente até ella se acabar, a ver se pela lei da media podemos concluir). Tenho falado na ordem (continuou o orador), e não sou obrigado a cingir-me ás ideas do illustre Deputado, que sem razão me interrompeu. Por tanto digo, que adoptada a doutrina do artigo será applicavel por identidade de razão aos contratos enfitheuticos, e estes são necessarios para a prosperidade da agricultura; porque as pensões certas, pagas tanto em consequencia delles, como de outros titulos, em nada a deteriorão; e por consequencia voto contra o artigo.

O Sr. Trigoso: - Não posso conformar-me com os principios do ultimo honrado Membro. Estou persuadido que este artigo 14 não trata, nem se póde entender de modo algum com os prazos: expressamente trata de pensões, e tem referencia ao artigo 4. As pensões de que trata são de uma natureza differente das do contrato enfitheutico, e porque se rimão aquellas não se segue que se rimão estas, tanto mais quanto esses foros já estão resolvidos no artigo 18, e em se decretar a remissão destes pensões não se segue que se decrete a remissão dos foros. Em segundo lugar farei outra observação, e vem a ser, que julgo conforme a bem da agricultura que se faça a remissão destas pensões; mas não se segue dahi que em geral seja conforme ao bem da agricultura que se faça a remissão de todos os prazos; póde ser util e conveniente que os terrenos fiquem sujeitos a uma pensão, e póde não selo, que fiquem a duas e tres. Tambem não duvido do poder que tem as Cortes de fazer remir estas pensões; não se lhes póde negar este direito, por isso que não se lhes póde tirar que procedão á venda dos outros bens nacionaes, e nesse caso se achão estes: por consequencia não vejo principio nenhum pelo qual se possa dizer que este artigo não he justo. Tenho só uma duvida, se he util ás provindas. Reconheço o principio, mas tenho duvida na sua applicação. A duvida he, que a remissão destas pensões vem causar um grande deficit no Thesouro nacional: he verdade que isto pende do diverso modo porque se tem encarado este negocio no Congresso. Uns dizem que percebe o Thesouro muito pouco, e aquelles que estivessem fixos nesta opinião com razão podem approvar a remissão destes bens. Eu com tudo não posso inclinar-me a esta opinião, porque julgo que o Thesouro recebeu grandes interesses dos foraes, que agora fica recebendo muito menos do que recebia até agora, por isso mesmo que ficarão reduzidos a metade, e imo só as pensões certas, mas as incertas: eis-aqui a unica reflexão que tenho para julgar que talvez não fosse conveniente fazer-se effectiva esta remissão dos foros, e que talvez depois de passar algum tempo de se pôr em pratica, e ver o resultado da reducção dos foraes, fosse mais conveniente proceder-se a esta remissão; mas desde já não o julgo assim; porque talvez seja injusta, e mais onerosa aos povos.

O Sr. Miranda: - He muito notavel a contradicção que tem tido este artigo apesar de que de todos os artigos do projecto este he o mais util, e aquelle a quem os outros se dirigem. Se os illustres Preopinantes considerassem bem a sua doutrina acharão que não ha prejuizo nenhum: mas muitos não podendo combatela directamente a combaterão de um modo indirecto; e querendo estabelecer uma analogia entre os foros; e os prazos combaterão os prazos vendo que não podião combater os foros. Não responderei aos que dizem, que as Cortes não estão autorisadas, pois esta opinião não merece que se combata, fim quanto aos que dizem, que fica prejudicada a fazenda nacional, digo que a fazenda nacional nada perde, pois tem-se proposto um arbitrio1 que necessariamente se ha de adoptar; o producto deverá entrar no thesouro nacional, e os donatarios receberão o foro competente: alem disso daqui a poucos annos provavelmente já não existirá uma ordem monacal no solo do territorio portuguez; por conseguinte não fica isto á Nação? Tem dito outros Srs., que não prejudica a agricultura estes foros, argumentando com á provincia do Minho; mas quem não sabe que a provincia do Minho, assim como Valencia em Hespanha, devem a sua prosperidade ás circunstancias locaes? Quem póde duvidar que essa prosperidade seria maior sem a existencia de taes pensões? Eu não acho por conseguinte principio nenhum por onde se possa reprovar o artigo, elle he o cumplemento dos artigos sanccionados, ha uma consequen-

Página 793

[793]

cia delles; quando se tratou da reducção das pensões incertas a certas, era já debaixo da intelligencia de que havião de ser remiveis; não acho nada que seja mais claro que isto. Torno a dizer, que a fazenda nada perde, porque o donatario pagava siza ou decima, que a póde pagar do juro; pelo contrario a fazenda nacional lucra, porque lucrão os lavradores: as ordens monacaes não se descuidarão sem duvida em fazer a tempo a remissão, e os donatarios tambem nada perdem pagando-se-lhe o juro competente. Eu por conseguinte approvo o artigo, adherindo-me á opinião manifestada por alguns Preopinantes, a saber, que o producto entre no thesouro nacional, e que os donatarios recebão o juro competente.

O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Sr. Presidente, antes de mais nada, cumpre observar que o direito de receber as pensões de que se trata neste artigo, pertence á Nação e aos donatarios; mas que geralmente falando, o livre dominio dessas terras pensionadas está nos proprietarios contribuintes: para que daqui se conheça claramente que essas terras pensionadas não estão fora de commercio, como se tem affirmado. Tambem cumpre advertir que não tratamos neste artigo de diminuir ou reduzir pensões como injustas, ou iniquas, ou onerozas á lavoura; porque isto está já feito e determinado nos artigos 1.° e 4.º, e por tanto he escuzado declamar novamente contra opressões de grandes abusos, prejuizo, e ruina da agricultura, etc., etc. Isto posto, eu voto pela doutrina do artigo, porque me parece muito util que as terras possão ficar inteiramente livres de pensões, e onus, quando isto se possa fazer com utilidade geral, e sem prejuizo dos interessados: mas confesso que na pratica e execução acho grandes dificuldades; da maneira que diz o artigo, he sem duvida impraticavel. O direito de receber estas pensões, ou pretence á Nação, ou oos donatarios; os donatarios são individuos, familias, igrejas, ordens, mosteiros, estabelecimentos de piedade, como hospitaes, albergarias, mizericordias, universidades, etc., etc. (O hospital das Caldas não tem nenhuma outra dotação). Daqui se vê que estas pensões tem um fim e destino permanente e perpetuo; porque os bens que se doarão de juro e herdade, os que estão fora de lei mental, e os que se constituirão em morgado não pertencem só aos presentes donatarios, mas perpetuamente aos seus successores: os que se derão a corporações tem tambem como dote a natureza de permanentes e perpetuos, em quanto durarem essas corporações, das quaes muitas nunca podem, e outras nunca devem acabar. Ora se estas pensões se remirem, ou venderem, ficão reduzidas a capitães mortos em dinheiro, os quaes, sem se empregarem, não podem render para o destino perpetuo que tem: mas onde, ou como hão de empregar estes capitães os corpos de mão morta? Onde, ou como os outros donatarios? E se os não empregarem como hão de subsistir? Demais, ainda que os donatarios tenhão o dominio dos bens doados, não he livre esse dominio, nem perpetuo e irrevogavel; e como hão de elles achar fiança bastante para que esses capitães se conservem: e possão a seu tempo reverter para a Nação? Vê-se pois claramente que o artigo he impraticavel.

Dizem alguns Srs. Deputados, que entrem no Thesouro esses capitães, e que este pague aos donatarios 5 por cento, que corresponde aos rendimentos; mas se estes capitães se applicão para as despezas correntes, não são verdadeiramente mortos para o Thesouro? E donde ha de elle pagar annualmente a grande somma desses juros? E que segurança podem ter os donatarios quando he patente o máo estado do Thesouro?

A lembrança do Sr. Macedo, de que os capitães se reduzão a acções de banco, he excellente; porque essas acções assentidas em nome da Nação, segurão para esta a propriedade, e os donatarios recebião do banco os seus lucros: porem isso não póde ter lugar senão até Julho, a não se tratar esse negocio com os administradores do banco, a quem não sei se fará, conta; e até o banco he temporario.

A' vista disto, digo que approvo a doutrina; mas que não sei applanar a difficuldade, que tenho exposto.

O Sr. Soares Franco: - Eu pouca cousa tenho que dizer: já ninguem ataca o principio, e ninguem póde desconhecer a utilidade e vantagens de resgatar as pensões. Diz-se porem que o Thesouro nacional perde: pois como póde perder, se o lavrador dá o equivalente? Pois o Thesouro nacional toma emprestimos a 6 por cento, e agora trata-se de que pague 5, e perde? Não sei como se possa dizer isto. Sendo Sua Magestade Principe Regente, mandou vender muitos bens nacionaes para pagar os juros, e amortizar o papel moeda; porque doutra maneira como póde o Estado pagar os juros: logo acho o artigo muito justo, e julgo que o principio he muito bom e verdadeiro.

O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Quando se determina um emprestimo para o Estado assignão-se ao mesmo tempo rendas para o pagamento dos juros, e amortisação do capital: por tanto no caso presente era indispensavel impor um tributo para pagamento" destes juros perpétuos, isto he onerar toda a Nação para pequeno allivio de poucos.

O Sr. Fernandes Thomaz: - O Sr. Trigoso respondeu a meu ver triunfantemente ás opiniões do Sr. Seabra, e este honrado Membro que se tem esmerado em achar embaraços na execução deste decreto, a final concluiu que o dinheiro se puzesse no banco, e não no Thesouro, como lembrou o Sr. Bettencourt. O Sr. Trigoso lembrou muito bem o grande déficit, que isto póde fazer nos bens nacionaes, sem porem determinar qual fosse, porque por desgraça nossa de bens nacionaes, nem da fazenda nacional nada sabemos, estamos ás escuras, tem vindo aqui uns orçamentos, e por elles creio que andavão por cincoenta e tantos contos o rendimento dos bens nacionaes, admiltindo que esta he a renda, parece que nós não devemos temer que desde logo haja este déficit, porque como já disse, em 1801 houve liberdade para os possuidores dos bens nacionaes poderem então resgatar estas prestações, e todavia não concorrerão logo todos. Por ventura todos os lavradores se achão em circunstancias de resgatarem as pensões de seus bens? Quem duvida que não? Esta não he uma operação que se

Hhhhh

Página 794

[794]

faz de repente; o Thesouro não perde isto de repente, e ha de perder pouco a pouco, a medida que se vão augmentando as fortunas dos lavradores, porque se elles não tem nem para as despezas ordinarias, como hão de poder já todos fazer esse resgate? Póde haver algum outro, e então a lei he muito boa, tanto porque se aproveita della quem pôde, quanto porque contribue a animar os outros J porque estou certo que uma vez que se sanccione esta lei, os lavradores hão devir afazer o que os escravos fazem, que hão de ir juntando um realçada dia para comprar a sua carta de alforria, já que sempre forão escravos, e se lhe apresenta esta occasião de deixalo de ser, hão de ir ajuntando no migalheiro, e hão de comprar a carta de alforria, mas isto não ha de ser de repente, ha de ser muito pouco a pouco. e oxalá que o receio do Sr. Trigoso se verificasse, que era signal que os lavradores estavão em situação venturosa, e então o Thesouro teria dinheiro. O Sr. Macedo diz que vá para o Banco, pois vá para o Banco ou para o Thesouro, vá, que o que se trata he, que vá, e depois a Nação verá para onde. O Banco estabeleceu-se, para que se fizesse um emprestimo, não o tem podido fazer, porque não se prehencheu; se agora por este meio se póde fazer, porque ha de deixar-se de fazer? Responderei a algumas objecções do Sr. Pinheiro de Azevedo. Diz elle que nestes bens achão-se estabelecidos morgados, oxalá fosse esta pedrinha a primeira que se tirasse desse edificio para vir a terra; mas eu asseguro ao Preopinante que os morgados não soffrem com esta medida, o Preopinante sabe bem, que em certas occasiões não se tem olhado a isso, e se tem providenciado, por exemplo, mandarão-se fazer as estradas do Douro, mandou se fazer o encanamento do Mondego, e mandou se fazer, cortando-se por bens ainda que fossem de morgados, e então a lei providenciou dizendo: se recompensará para que o morgado não soffra; pois porque agora não se póde fazer o mesmo. Tem dito tambem o Sr. Pinheiro de Azevedo que os donatarios tem dominio nos bens: não quero ouvir isto; ainda que pouco vem para o caso, com tudo não quero ouvir tal cousa, o donatario tem, como já disse, a administração, e o uso fructo dos bens, mas dominio a respeito da Nação absit, vade retro, hão quero ouvir tal principio.

O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Sr. Presidente, devo falar terceira vez, porque o honrado Membro alterou o sentido das minhas palavras e razões, quando tentou dar-lhes resposta; e requeiro que se leia o regulamento (leu-se, porque alguns Srs. Deputados estavão dizendo ordem, não pode falar mais das duas vezes).

Direi poucas cousas, porque muito pouco he necessario para o que pretendo. Quando falei em morgados instituidos em bens nacionaes, foi sómente para mostrar que as pensões de que se trata tem applicações e uso permanente e perpetuo, entrando na mesma conta as pensões doadas em muitas vidas, as de juro, e herdade fora da lei mental, as dadas em dote de igrejas, corporações, estabelecimentos de educação e piedade, e tudo isto para mostrar as difficuldades da projectada remissão. Quando affirmei que os donatarios tem dominio nos bens doados, disse- o que ha muito sabido e corrente em direito: disse mais que este dominio he restricto, e não livre porque os donatarios não podem alienar, bem como o administrador de morgado, o marido ácerca do dote, etc.: accrescentei que esse dominio não era perpetuo, mas temporario segundo os termos da doação; e até finalmente ajuntei que era em todo o tempo revogavel, segundo a natureza dos bens que nunca se podia perder. Ora negar, ou contestar isto, vale o mesmo que negar que dois e dois são quatro.

O Sr. Guerreiro: - Se a Nação recebeu algum prejuizo pelo que se tem vencido a respeito de foraes, certamente não ho agora quando se trata de resgatar, as pensões, senão quando se reduzirão; agora o que só estabelece he um rigoroso bem: he verdade que a Nação por si, ou por seus donatarios perde o direito de cobrar as pensões, mas recebe o equivalente: por conseguinte não ha objecção alguma que se possa fazer a este artigo, muitos mais quando os redactores não forão demasiadamente generosos para com os povos, posto que não estabelecerão as taxas, do valor do resgate. Em quanto á applicação, querem alguns Srs. que isto entre no Erario; mas parece-me que não deve ser, porque póde acontecer que alguns a quem possa prejudicar esta medida se persuadão que não se quiz conceder este resgate senão pata provei ta do Erario. Pelo contrario, eu julgo que esta medida seria prejudicial ao Thesouro, porque não he uma só mm a tal que possa entrar no Erario para remediar as necessidades do Estado, mas sim que ha de entrar em pequenas porções quando as familias possão, é desta maneira não póde remediar o Thesouro, nem produzir o fim de um emprestimo: por conseguinte não julgo que nelle deva entrar. Em quanto a entrar no banco tambem me parece que não he da attribuição deste Congresso decretar similhante applicação, porque o banco he uma corporação particular, e só esta he quem deve manifestar ao Congresso debaixo das condições que lhe conviria aceitalo: o que se póde praticar he, como diz o Sr. Fernandes Thomaz, o que se tem praticado a respeito dos dinheiros dos vinculos entre nós, e que se está praticando a respeito desses terrenos que forão applicados á divida nacional, e que pertencem a vinculos. Estes estão depozitados debaixo da autoridade judicial, e quando o administrador quer que sejão empregados, o mesmo administrador solicita, se ha alguem que os queira a juros, e apresentão-se todas as fianças necessarias para que estes capitães não se desencaminhem...

O Sr. Presidente perguntou se a materia estava suficientemente discutida, e se decidiu que sim.

O Sr. Presidente propoz: se se approvava todo o artigo como estava? Não foi approvado. Propoz então a 1.ª parte até ás palavras pelos lavradores, salva a redacção: e foi approvada. Propoz então a 2.ª parte até ás palavras pejo preço medio: e foi approvada. Propoz então a 3.ª parte até ás palavras que se pertende resgatar: e não foi approvada. Por isso propoz a emenda de substituir, o dizer-se em lugar de quatorze annos, dez, e em lugar de se excluirem dois annos do mais alto preço, e dois do mais baixo, ex-

Página 795

[795]

cluir-se sómente um anno do mais alto preço, e um do menor: e foi approvada. Propoz a 4.ª parte do mesmo artigo até ás ultimas palavras por sentença: e não foi approvada; decidindo-se, que voltasse á redacção. Propor ultimamente: se devia votar-se sobre a indicação, que se havia lembrado na discussão, a saber: a quem deve entregar-se o producto do resgate das pensões? E decidiu-se, que devia voltar á Commissão.

O Sr. Ferreira Borges por parte da Coinmissão de fazenda leu o seguinte

PARECER.

A Commissão de fazenda tomando em contemplação o objecto da carta, que ao Sr. Presidente dirigirão Gerardo Gould, e Morroght Walth, negociantes desta praça, na qualidade de autorizados por correspondentes seus de Londres, offerecendo um emprestimo para ser contratado pelo Governo, com a condição de determinar-se até ao dia 14 decorrente, alem do qual termo espirava seu mandato, ouviu pessoalmente os sobreditos negociantes, que ratificarão o exposto.

A Commissão tendo trabalhos proximos a apresentar ao soberano Congresso, dos quaes depende a resolução da questão, se deve tomar-se emprestimo, e de que quantia se deve, tomar: por isso, e porque o prazo dos commissionados está a findar, he de parecer que se lhe responda, que por ora não póde autorizar o Governo para convencionar emprestimo algum. Sala das Cortes em 13 de Abril de 1822. - José Ferreira Borges; Francisco Barroso Pereira, Manoel Alves do Rio; Pedro Rodrigues Bandeira; Francisco de Paula Travassos; Francisco João Moniz.

Approvado.

Deu o Sr. Presidente, para a ordem do dia da seguinte sessão a continuação do projecto sobre as relações commerciaes entre Portugal e o Brasil; e para a hora da prolongação os pareceres das Commissões.

Levantou-se a sessão á hora do costume. - Francisco Barroso Pereira, Deputado Secretario.

Redator - Velho.

SESSÃO DE 15 DE ABRIL.

ABERTA a sessão, sob a presidencia do Sr. Camello Fortes, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.

O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes

OFFICIOS.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - De ordem de Sua Magestade, tenho a honra de remetter a V. Exca., para se fazer presente ao soberano Congresso, a informação inclusa, que por esta Secretaria de Estado acaba de derigir-me o intendente geral da policia, sobre a instituição da visita da mesma policia do porto de Belem, ficando assim cumprida a ordem que a este respeito mandou expedir o Congresso em 3 do mez corrente.

Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 12 de Março de 1822. - Sr. João Baptista Felgueiras. - José da Silva Carvalho.

Remettido á Commissão de saude publica.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Por ordem de Sua Magestade, e em execução do paragrafo 17 da carta de lei de 20 de Dezembro ultimo, tenho a honra de enviar á presença de V. Exca. a relação inclusa, com as necessarias observações tios empregados da e.xtincta repartição dos, hospitaes militares, para que V. Exca. se digne elevala á presença do augusto Congresso nacional.

Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 12 de Abril de 1822. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. João Baptista Felgueiras. - Candido José Xavier.

A' Commissão especial militar.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tenho a honra de remetter a V. Exca., de ordem de Sua Magestade, para serem presentes no soberano Congresso, os officios inclusos do commandante da tropa expedicionaria que se acha na provincia do Rio de Janeiro.

Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 14 de Abril de 1822. - Candido José Xavier. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. João Baptista Felgueiras.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Permitta-me V. Exca. que eu tenha a honra do apresentar os documentos juntos a fim de subirem á presença de Sua Magestade, e do soberano Congresso.

Deus guarde a V. Exca. Quartel general da Villa Real da Praia Grande 16 de Janeiro de 1822. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Manoel Martins Pamplona. - Jorge de Avellez Zuzarte de Sousa Tavares.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - O General, e os Chefes da divisão auxiliadora destacada nesta Corte tem o sentimento de pôr ao conhecimento de V. Exca. os successos occorridos no dia 12 do corrente nesta cidade.

Desde a partida de Sua Magestade á antiga Séde do Reino formou-se logo um partido forte para desmembrar esta parte do Brazil da Monarquia Portugueza; intenções de oppressão ao augusto Congresso nacional se attribuião cuidadosamente, excitando deste modo o descontentamento geral, até que se chegasse a formar um ponto de apoio capaz de realizar a separação intentada. Esta tendencia se manifestou decididamente a chegada do decreto das Cortes para o regresso de S. A. R. e então se desenvolvêrão todos os meios de discordia, por via da imprensa: os

Hhhhh 2

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×