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SESSÃO DE 15 DE JULHO.

ABERTA a sessão sob a vicepresidencia do Sr. Freire, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
Annunciou o Sr. Vice Presidente a participação que fazia ao soberano Congresso o Sr. Presidente, do máo estado da sua saude, e pedindo alguns dias de licença, a qual lhe foi concedida.
O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios.
1.º Do Ministro dos negocios do reino, em data de 12 do corrente, transmittindo uma consulta da junta da directoria geral dos estudos, em data de 5 do corrente, sobre a petição dos habitantes do lugar do Bombarral, termo de Obidos, pedindo a creação de uma cadeira de grammatica portugueza. Passou á Commissão de instrucção publica.
2.º Do mesmo Ministr, e na mesma data, acompanhando uma informação do reverendo bispo eleito reformador reitor da universidade de Coimbra, sobre o requerimento a elle junto, de D. José do Coração de maria, conego regrante de Santo Agostinho, pertendendo matricular-se na faculdade de filosofia na mesma universidade. Passou á Commissão de instrucção publica.
3.º Do Ministro da justiça, transmittindo uma conta dada pelo corregedor da comarca de portalegre, sobre o effeito, que nos povos da mesma comarca fizera o projecto de decreto para a extinção dos pastos communs. Mandou-se á Commissão de agricultura.
4.º Do mesmo Ministro, remettendo uma conta da Commissão encarregada do exame, e melhoramento das cadeias da cidade, e commarca do porto, em que a mesma Commissão mencionava o orçamento das despezas, que julgava indispensaveis para o seu expediente, e para as visitas das cadeias da dita commarca. Passou-se á Commissão de fazenda.
5.º Do Ministro da guerra, incluindo uma consulta do conselho de guerra sobre o requerimento, em que Domingos José da Costa Lima, tenente coronel aggragado, e coronel graduado do regimento de milicias de Braga, pedia a restituição ás honras, de que fora despojado, em consequencia de sentença proferida em conselho de guerra no anno de 1821; e outrosim com outra consulta do conselho de estado sobre o mesmo objecto. Passou á Commissão de justiça criminal.
6.º Do mesmo Ministro, propondo a duvida, que na execução do § 2.º do decreto de 5 de Março do anno proximo passado se offerecia, pelas circunstancias particulares, em que se achavão quatro officiaes inglezes, que estiverão ao serviço de Portugal, dos quaes ajuntava um mappa. Passou á Commissão especial, a quem havia sido encarregado este negocio.
7.º Do mesmo Ministro, servindo pelo da marinha, com uma parte do registo do porto, tomado no dia 13 do corrente aos commandantes do brigue portuguez Golfinho, vindo de Macáo, e do brigue francez Sirlence, vindo do Havre de Grace. Ficárão as Cortes inteiradas.
8.º Do mesmo Ministro, com outra parte do registo do porto, tomado no dia 14 do corrente no commandante do bergantim portuguez Aurora, vindo de Pernambuco em 47 dias; de que as Cortes ficárão inteiradas.
Fez-se menção honrosa de uma felicitação dirigida ao soberano Congresso pelo tenente general Antoni Hipolyto da Costa, encarregado do governo da praça de Peniche, por si, e em nome do estado maior da mesma praça, pelo descobrimento da conspiração.
Concedêrão-se 15 dias de licença ao Sr. Deputado Segurado para tratar da sua saude.
Prestou o juramento de Deputado, com as formalidades do estilo, e tomou assento no Congresso o Sr. José da Costa Cirne, Substituto pela provincia da paraiba do Norte.
Feita a chamada, achárão-se presentes 128 Deputados, faltando com licença os Srs. Bueno, Arcebispo da Bahia, Sepulveda, Gouvea Durão, Feijó, Aguiar Pires, Lyra, Moniz Tavares, leite Lobo, Braamcamp, Costa Brandão, Segurado, Fernandes Ribeiro, faria, Lino Coutinho, Sousa e Almeida: e sem causa reconhecida os Srs. Antonio Moreira, pereira do Carmo, Castro de Abreu, Vergueiro.
Passando-se á ordem do dia, continuou a discussão do artigo 2.º da Segunda parte do projecto sobre a creação de juntas administrativas, que ficára adido na sessão antecedente. Sobre este assunto disse.
O Sr. Soares Franco: - Este artigo tem differentes partes, mas a principal he saber se ha de existir, ou não este conselho de administração: parece-me impraticavel como está no projecto; pois como ha districtos eleitoraes de 100 camaras, seria muito numeroso o conselho: como os membros delle hão de fazer um serviço que realmente lhes deve ser oneroso, seria necessario que fossem pagos por seus concelhos; o que constituiria outro tanto numero de empregados, o vexaria os mesmo concelhos, que são pobres pela maior parte: e não se lhe dando cousa alguma, causar-se-hia grande incommodo aos particulares. E como tambem não acho utilidade na existencia deste conselho, que no espaço de quinze dias muito poucas cousas poderia deliberar, voto que o artigo não deve ser approvado.
O Sr. Ferreira Borges: - Sr. presidente, eu sou de opinião contrataria á do illustre Preopinante, e voto pelo artigo. No antecedente estabeleceu-se que o administrador do districto fosse nomeado pelo Governo; agora este he nomeado pelo povo para temperar aquella nomeação do Governo; e como o povo he o interessado, pois he quem ha de pagar, he necessario que tenha homens de confiança, que vigiem sobre suas commodidades, e de quem se não possão queixar na repartição dos impostos. A doutrina deste artigo tem sido discutida desde muito em paizes, que pensárão muito na fórma da sua ad-

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ministração: e o resultado foi adoptar medidas iguaes a estas. Dizem que comprehendendo o districto 100 camaras, o concelho apresentaria um aggregado de 100 membros; eu não sei quantas ha de marcar cada districto, provavelmente serão 30 ou 40: e um conselho de 30 ou 40 vogaes não he muito numeroso; outro tanto existe em outras nações. Falou-se em ordenações: eu pórem não reputo que este serviço seja objecto de ordenados. Consequentemente cae o outro argumento do illustre Preopinante. Parece-me ter sustentado artigo; e por isso nada mais direi sobre a materia.
O Sr. Serpa Machado:- Eu tambem approvo a doutrina do artigo: he verdade que parece estar em contradicção com o que o Congresso resolveu acerca das juntas; pórem se reflectirmos bem na natureza e attributos destes conselhos, veremos que não tem os inconvenientes dos corpos collectivos. Diz um honrado Membro que não havia objecto sobre que recaissem as deliberações deste conselho administrativo, por isso que a maior parte dellas pertencem ás camaras; mas por isso mesmo, e para pôr em harmonia as vantagens das leis municipaes de uns districtos com as dos outros, he necessario que haja este concelho, composto de membros destes districtos: não he que eu conteste ás camaras aquella faculdade, senão porque julgo necessario haver quem faça guardar uma perfeita igualdade nas medidas administrativas, porque se se der preferencia mais a um districto que a outro, isto poderia ser prejudicial a algum. He por isto que julgo necessario que haja este concelho, para que combinando com o administrador, haja de dar providencias que sejão uteis em geral, e evite que o bem de umas camaras não se torne prejudicial ás outras. Nem se diga que estes encargos serão muito onerosos, pois he natural que os povos escolhão para elles pessoas que tenhão aquelle gráo de riqueza, em que possão supportar o encommodo, e ir duas vezes no anno á cabeça do districto.
O Sr. Miranda:- Eu sou igualmente da opinião de que haja esse concelho. As vantagens são evidentes; trata-se da administração ou distribuição de impostos, de occorrer ás necessidades que pode haver em cada concelho, e de chegar os meios para isso convenientes: he por isso necessario que haja homens instruidos, e que conheção as necessidades de cada concelho. Tem-se dito que será muito numeroso, mas eu julgo que por um termo medio o concelho mais numeroso andará quanto muito por trinta homens, e isto não he demasiadamente grande.
O Sr. Correa de Seabra:- Sr. Presidente, limito-me a falar a respeito do concelho, porque o resto do artigo está discutido. Não reprovo o concelho administrativo, mas não posso approvar a sua organização na fórma do artigo, isto he, que os membros sejão eleitos da mesma fórma que os vereadores, por isso que tendo este concelho de deliberar sobre os objectos referidos no artigo 5.º, que são da attribuição das camaras, sendo o concelho um corpo inteiramente estranho, a cada passo se acharão em contradicção, de que se hão de seguir necessariamente conflitos, e collisões de autoridade, sempre perigosas, e fataes, e muito mais nos corpos collectivos, que tem mais meios e força para desenvolverem o espirito de dominação, para que desgraçadamente o homem tanta tendencia tem: para evitar esse inconveniente, o concelho assistente ao administrador geral deve ser formado dos membros das camaras do districto, mandando cada camara um membro ao concelho no tempo da reunião, servindo na ausencia o substituto (em quanto não se fizer novo regulamento das camaras, não se póde bem determinar se o concelho deste modo será muito numeroso, e a proposito se ponderou que não convem que o concelho seja mui numeroso, mas pela lei regulamentar se póde remediar isso, declarando-se em que circunstancias algumas camaras se deverão reunir para escolher d'entre os seus membros um para o conselho). Sendo o concelho composto de vereadores das camaras, teremos harmonia e combinação nas deliberações dos concelhos, e das camaras, os respectivos interesses dos povos serão conhecidos e discutidos, o contrabalançados, a execução das medidas que se adoptarem pelo concelho, será pronta e livre de embaraços: voto por tanto pelo concelho organizado desta fórma, e rejeito o concelho organizado na fórma que propõe o artigo.
O Sr. Castello Branco: - Este concelho de administração geral dos circulos eleitoraes, tenho visto, que se tem proposto por face muito popular, e por consequencia agradavel aos povos, pois que se olha como um dos principios de felicidade publica: todavia eu não o olho debaixo deste ponto de vista, e he attendendo á mesma felicidade dos povos, que me opponho ao seu estabelecimento, pela mesma razão, que tive para votar as juntas administrativas, as quaes este Congresso com justiça reprovou. Ninguem está mais persuadido que eu, da propensão que tem para o despotismo, todo o homem revestido de alguma jurisdição, e de quanto he preciso obstar a que a sua autoridade se torne arbitraria e despotica; pórem deveremos adoptar isto em todos os casos, sem excepção alguma? Se assim o fizessemos, iriamos cair no vicio opposto, iriamos pôr todas as administrações publicas em uma morosidade, que seria tão má, como a nimia celebridade. He necessario que reformemos os ramos de administração á imitação do que está estabelecido, para o exercicio da soberania; he preciso que as outras instituições sejão formadas á imitação desta representação soberana. Nós temos a representação nacional para fazer as leis, porém quando tratamos da execução destas leis, nós não procuramos um corpo collectivo, ou por melhor dizer, um corpo summamente numeroso, que deve ser naturalmente moroso na execução: procuramos pelo contrario a celebridade: por isso estabelecemos um chefe do poder executivo; esta obra por seus ministros, mas estes ministros são em pouco numero, porque se fossem muitos, a parte executiva não poderia levar a marcha rapida, que he preciso para a felicidade dos povos. As camaras vem a ser dentro dos seus districtos uma especie de congressos nacionaes; da mesma fórma que o soberano Congresso decide sobre leis, geraes, as camaras occorrem ás necessidades dos povos, que presidem: he preciso pois estabelecer

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uma porção de autoridade, que corresponda ao poder executivo. He neste ponto de vista, que eu considero estes corpos eleitoraes, como correspondendo ao poder executivo, e assim como nós não demos ao corpo executivo grande numero de membros, para que podesse deliberar com celeridade, assim tambem não devemos crear esse conselho, que não sirva senão para prejudicar a marcha das camaras. Disse-se que não he grande o conselho, pois quando muito se comporá de trinta indivíduos; mas não vemos nós a difficuldade, que terão em deliberar prontamente trinta indivíduos, e os quaes regularmente não se poderão reunir se não duas vezes no anno, permanecendo talvez reunidos em cada uma d'essas vezes somente quinze dias? Eu duvido muito, que trinta homens juntos em quinze dias, possão
deliberar sobre uma dúzia de negócios. Por consequência por mais popular que pareça este conselho, por maior que seja a utilidade, que dahi pareça resultar aos povos, atrevo-me a dizer que elle não serve senão de embaraço na inspecção que deve ter o admnistrador geral sobre as mesmas camaras; e que por consequência ahi se vão paralyzar todos os negocios. He verdade que convém temperar a summa autoridade deste admnistrador, mas não está ella assás temperada pela responsabilidade que tem sobre si? Para fazer effectiva esta responsabilidade, para fazer conhecer tuas prevaricações, ou teus erros, não existem as camaras? Não te deu a estas o direito de se corresponderem immediatamenie com os ministros d'Estado? Se nós vamos suppor desmanchos em tudo, e se admittimos como principio certo que o ministério não fará o seu dever, então não sei de que modo te possão manter as nossas instituições, porque por mais cautelas que se adoptem, ellas cairão, se não encontrarmos uma sincera coadjuvação da parte do poder executivo.
O Sr. Bastos: - O que eu pude colher do longo discurso do Sr. Castello Branco, he que elle se oppõe á creação do conselho administrativo, por temer morosidade na administração, e por se não conformar a existência do mesmo conselho com a indole do systema de governo que adoptámos. Destinando-se o conselho a melhor dirigir a marcha da administração , a remover-lhe os obstáculos, e a sugerir-lhe os meios de acertar em suas operações, sem duvida em lugar de produzir morosidade a sua creação, ella concorrerá muito para o seu regular e prompto expediente. Quanto mais que não estando o conselho reunido mais de um mez em cada anno, segundo o projecto, sobejo tempo fica ao administrador para operar só: e mais de recear he a sua imprudência, precipitação e despotismo, que a demora proveniente das deliberações do concelho.
O argumento deduzido do nosso systema de governo he contra producentem. Temos, he verdade, um só chefe do Poder executivo: mas este chefe nada pôde fazer por si só; nada, sem seus ministros; e em todos os objectos importantes tem obrigação de consultar o conselho d'Estado. O que pois se segue da errada paridade de que se serviu o illustre Preopinante he o inverso do que elle diz: assim como o Rei nada póde operar por si só, assim o administrador nada deve fazer sem a cooperação de alguém: assim como o Rei nos objectos graves deve consultar o conselho d'Estado, assim o administrador deve consultar o conselho de administração. Mas como o consultará, se elle não existir? Com tudo o projecto bem livre e bem desembaraçado deixa o administrador onze mezes do anno, suscitando-o unicamente a ouvir o conselho na duodécima parte delle. Se o nosso Governo fosse absoluto, então he que o argumento procederia. Nos governos absolutos todos os poderes se concentrão, se reúnem, e por isso a sua força ordináriamente he impetuosa, e destruidora: nos governos moderados espalhão-se; a sua acção he mais doce, e mais benéfica. O illustre Preopinante, assentando que he necessário temperar a autoridade do administrador geral, recorre á responsabilidade, como se o conselho se não dirigisse a mais nada que a temperar essa autoridade, e como se a responsabilidade fosse algum milagroso attributo que convertesse os homens em anjos.
Passando agora á organização do conselho, diz a Commissão que os seus membros serão eleitos no tempo e pelo modo porque o forem os das camaras. O Sr. Corraêa de Seabra, ao contrario, assentou que a reunião de tantos vereadores quantos forem as camaras do circulo, he o que deve constituir o conselho. Eu apoio a sua opinião. Por esta maneira haverá no conselho uma maior somma de illustração, porque cada uma das pessoas de que elle se compozer, poderá informar com pleno conhecimento de causa das providencias que pelas camaras se houverem dado, da sua efficacia ou nullidade, é das que mais forem reclamadas pelas circunstancias do districto. E por outra parte entre as providencias dadas pelas camaras e as dadas pelas autoridades administrativas dos circulos poderá assim haver aquella correspondencia e harmonia em que o bem publico muito interessa, e não uma perpetua caprichosa contrariedade que sempre redunda em prejuizo dos povos.
O Sr. Andrada: - Voto inteiramente pelo artigo. Eu tenho sempre manifestado a minha opinião, e he principio meu de que nunca me apartaria, que o povo deve ter na administração dos negócios toda a parte que não for nociva ao bem geral e que for compatível com a natureza de um corpo collectivo, que incapaz de obrar ás mais das vezes, he com tudo mui apropositado para discutir. Seria em verdade assombroso que o povo a quem mais importa a boa administração, não fosse jamais ouvido em similhante matéria e assumpto! Deve portanto elle compor o conselho de administração por meio de seus respectivos representantes. Na administração ha duas cousas a considerar; o que pertence á deliberação, e o que percence á execução propriamente dita: como pois ha que tratar de decisões geraes, que de algum modo são leis, e como taes, ninguém a não ser um doido, pôde julgar que a sua perfeição caiba na cabeça de um só homem, e deva fiar-se das luzes e probidade de um só individuo, o que a todos interessa; por isso julgo necessario este conselho. O que diz o Preopinante sobre as camaras, he muito certo; os

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interesses do município são decididos pelos representantes do mesmo; os de uma collecção de municipios pelos representantes desta collecção; os da Nação inteira pelos de toda a Nação: isto he que he regra; de outro modo seria anomalia. Porem diz o Preopinante que a execução pede celeridade; he certo: mas a discussão pede madureza, e seria muito temerário fazer que dependesse de um só homem a decisão de certos negócios; e por isso sou de opinião que se haja de escolher um conselho. Em quanto ao numero, já se tem dito que não pôde ser grande, nem pôde ser mais que o da França. Quanto a serem escolhidos de entre os vereadores, como propozerão dois illustres Preopinantes , não posso accomodar-me a isso, á vista das funcções que se lhes attribuem. Uma dellas he decidir as reclamações dos lesados na distribuição dos impostos directos, que he feita pelas camaras dos respectivos concelhos; e sendo elles os que depois decidissem no conselho, virião a ser juizes e partes.
Pelo que pertence ao onus, eu o considero um onus como outro qualquer, e não julgo se lhes deva dar ordenados: prouvera a Deus que nós chegássemos a tempo, em que se não destrui indemnizações a nenhum representante nacional, porque em quanto recebermos ordenados, havemos de ter mais cuidado em conservar os lugares, que em defender os interesses do commum. Voto pois pelo projecto.
O Sr. Rebello: - Ainda que eu subscreva em geral a uma grande parte das idéas, que se achão espalhadas na segunda parte deste projecto, não subscrevo comtudo ao plano de administração que elle apresenta, porque confunde as operações administrativas , nascendo desta confusão embaraços, e prejuizos fatalissimos tanto aos administradores como aos administrados. Principia esta confusão no artigo 2.º, que estamos discutindo. Nelle se propõe a creação de um conselho, que auxilie o administrador no desempenbo de suas funcções; e quando se esperava a designação dos attribuições do administrador geral, e a indicação do modo porque o conselho o deve auxiliar, pelo contrario apparecem enumeradas em globo no artigo 5.º as principaes attribuições do administrador, e do conselho, deixando para as dos secundarios a separação essencial que a Constituição lhe devia marcar. Promette-se neste 2.° artigo um conselho que auxilie o administrador, ao mesmo passo que este conselho apenas ha de estar reunido um mez cada anno, ficando por tanto o administrador sem o auxilio promettido onze mezes em cada anno. O conselho ha de intervir nas operações mais difficeis da administração, para as quaes se requerem conhecimentos theoricos e práticos, de objectos administrativos; entre tanto propõe-se um conselho formado de homens eleitos por cada conselho na mesma occasião, e pelo mesmo modo porque o forem os membros das camaras, os quaes poderão merecer a confiança geral pelo que toca á sua probidade, mas não segurão a aptidão pessoal que se exige para os importantissimos fins para que são eleitos. Os membros deste conselho devem durar um anno segundo o projecto, todavia um anno apenas chega para aprender os
nomes das cousas, e será sempre escaço ou para desenvolverem praticamente os seus conhecimentos aquelles que os tiverem, ou para os procurarem a aquelles que os não poluírem. O conselho pelo modo que he proposto formará uma assembléa numerosíssima, que pelo seu mesmo numero se complicará no desempenho das suas funcções, attrahirá gravíssimos encommodos nos membros de que se compozer, fará nas suas fortunas e negócios domesticos interrupções, e desarranjos consequentissimos com jornadas, o estadas na cabeça do districto administrativo; occasionará aos mesmos membros despezas muito pesadas se elles se houverem de sustentar e transportar á sua custa; ou então transfirirá para os concelhos respectivos o encargo de uma contribuição nova e oppressiva para os concelhos pobres, se aquellas despezas se deverem fazer por conta dos concelhos. Finalmente o conselho proposto nem segura á administração a celeridade que deve ter nos objectos que a admittem, nem a permanente providencia de deliberação, exame, e decisão nas matérias correntes, que o exigem; nem dá aos administrados as essenciaes garantias que uma Constituição liberal lhes deve segurar contra as oppressões dos administradores, e descaminhos da administração. Todo o segredo e difficuldade de uma administração bem organizada consiste em deixar o governo perfeitamente desembaraçado para executar por si, e seus agentes todas as leis administrativas com o grau de celeridade, uniformidade, exame, deliberação, e decisão que a sua diversa natureza, e objectos a que só applicarem, recommendão essencialmente; e ao mesmo tempo confiar aos administrados o exame passivo do modo porque são cumpridas aquellas leis, a censura das contas, e conducta dos administradores, a distribuição das contribuições directas em que o governo não deve ter ingerência nem por si, nem por seus agentes, e a informação sobre o estado de agricultura, commercio, industria, e mais objectos importantes de riqueza, e commodidades geraes dos povos, propondo os melhoramentos opportunos, e os meios de os verificar: e tudo isto de maneira que nem a acção constante da administração seja interrompida ou paralisada pelos administrados, nem estes possão ser opprimidos, e os seus direitos e interesses negligenciados pelos administradores.
De todos os objectos de governo das nações, os mais importantes são sem contradicção os administrativos, porque por elles se promove, e conserva a riqueza, prosperidade, força, grandeza, tranquilidade, e segurança dos Estados, e os mais caros interesses dos cidadãos na sua referencia ao todo da Nação a que pertencem. Uma Nação que tiver a fortuna de ser regida por um systema administrativo que preencha estes rins, será grande, e feliz, ainda quando as suas instituições não sejão todas liberaes; mas aquella que não calcular o seu plano de administração sobre as bases, que preenchão os indicados fins, por mais liberaes instituições que adopte, será sempre pequena, pobre, e sem força; e os cidadãos deixarão de receber da sociedade os principaes commodos, vantagens, e garantias, que ella lhes deve conferir. He curioso para o político observar, que sendo uma boa

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administração publica do tanto momento, que com ella não ha geralmente falando governo máu, e sem ella não ha governo bom; se acha apesar disso esta preciosa sciencia tão atrazada, e tão pouco sanccionada pelo exemplo das nações ainda das mais cultas. Duas nações da Europa tem excedido as outras nesta, assim como em todas as mais instituições sociaes, a Inglaterra, e a França. A Inglaterra assentou o seu poder sobre uma administração combinada, que foi aperfeiçoando com o andar dos tempos, e a França conhece tanto a virtude magica da sua administração, que os mais abalizados oradores da assemblea constituinte, e da republica exclamavão por vezes da tribuna, que a França não arrancaria jamais o sceptro da grandeza de Inglaterra em quanto não imitasse praticamente os seus principios de administração publica.
A França com tudo não prescindiu de querer estabelecer a seu modo um systema de administração do interior. A assembléa constituinte creou as juntas de administração central de departamentos, e as de administração de municipalidades. A experiencia mostrou que estas grandes massas enervavão a acção das leis administrativas, diminuião a autoridade do corpo legislativo, em cujo objecto se estabelecião apesar das precauções tomadas na Constituição, e inhabilitavão o governo para responder pelos resultados da administração; progressivamente forão crescendo os males, diariamente se pertendêrão remediar, mas uma fatal experiencia desenganou a França, que o seu plano de administração essencialmente vicioso porque confiava aos administrados o apanagio proprio dos administradores, entragava a execução das leis, e a indicação ou execução dos grandes projectos de administração, áquelles mesmos, cujos interesses pessoaes se achavão em combate com os interesses geraes; e á força de dar aos povos demasiada ingerencia rios negocios administrativos lhes vinha a negar a verdadeira garantia que elles assim mesmo não tinhão para com os empregados populares da administração publica. Foi pois na presença de gravissimos males, que a França achou á sua custa a verdadeira base sobre a qual deve descançar o systema de administração interior.
Convencido pois da excellencia do systema administrativo da França sobre aquelle que adopta a Inglaterra, desejoso de que a experiencia dos males alheios nos aproveite para evitarmos os nossos, persuadido de que nem he prudente nem justo entregar-mos a sorte da Nação na mais importante das suas instituições á contingencia de tutorias arriscadas, e que em grande parte abismarão as Nações que as seguirem; por todos estes motivos pois entendi que devia organizar um projecto de administração interior para substituir, o que se acha em discussão desde o artigo 2.° em diante; aproveitando do que actualmente pratica em França, aquillo que he essencialmente bom, evitando aquillo que se ressentir de origens menos liberaes do que as que temos adoptado, e appropriando ao nosso solo, e situação politica os principios geraes daquelle plano, de maneira que elle se naturalise com nosco sem resaibos estrangeiros. O projecto que apresento descança sobre tres bases essenciaes, em que deve edificar-se o systema administrativo. 1.ª As leis administrativas devem ser pronta, fiel, e universalmente executadas; logo estas leis, na sua acção directa devem ser executadas, e em cada grande districto pelo administrador geral com responsabilidade de sua. Na acção directa das leis administrativas não ha que deliberar, as deliberações precederão as leis, e quanto resta he sómente fazelas executar em conformidade, e exactidão, e isto he facto de um, e não de muitos. Desta primeira base resulta a necessidade de indicar em geral as atribuições que ficão a cargo do administrador geral, e debaixo de sua responsabilidade privativa. 2.ª Base: em administração, além da acção directa das leis, ha negociosque requerem essencialmente madureza para serem examinados, autorisados, propostos, ou decididos segundo as leis administrativas, e estes por sua natureza devem competir a um conselho porque demandão esclarecimentos, solemnidades, audiencias dos interessados e então importão juizo, ou deliberação o que he facto de muitos e não de um só. Desta segunda base resulta a necessidade de designar em geral as attribuições deste conselho. Mas a acção secundaria da administração he de todos os dias, horas, e momentos, por tanto o conselho deve ser permanente: os objectos pertencentes ao conselho são aquelles que pela sua importancia são mais difficeis e mais interessão a administração e os administrados: logo nem elles pódem ser interrompidos sem irreparavel prejuizo da Nacão, ou dos particulares; nem podem ser expedidos só pelo administrador sem o perigo de serem sacrificados os interesses da Nação, ou os dos cidadãos; nem podem ser bem deliberados, e decididos em um conselho composto de membros que não possuão os conhecimentos theoricos e praticos das leis administrativas, e não contrairem rigorosa responsabilidade pelo cumprimento dos seus deveres. Finalmente o administrador acha-se a cada passo com um negocio grave, difficil, e inesperado em que precisa ajudar-se com as bases, e prudencia de um conselho, he preciso que o tenha, e que seja capaz de o esclarecer, e ajudar. 3.ª Base: se pelas duas bases antecedentes se confere ao governo, e seus agentes toda a acção de actividade, regularidade, e madureza, que se requer para a fiel execução, fiscalização das leis administrativa; por esta 3.ª base se conferem aos administrados todas as garantias precisas para que os administradores não toquem á sua propriedade na distribuição das contribuições directas; e se deixa aos mesmos administrados tudo o que uma Constituição liberal deve aos cidadãos para vigiarem, fiscalisarem, censurarem as despezas, e conducta publica dos administradores; e para proporem todos os melhoramentos tendentes á prosperidade publica, e os meios de os verificar; pondo assim os administradores debaixo da acção dos administradores, e os interesses publicos debaixo da vigilancia, e acção, e execução das leis, sem intorpecimento das operações do governo, e sem administração da autoridade inherente ao corpo legislativo, ou ao poder judiciario administrativo. O projecto offere-

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ce o modo porque se devem formar os conselhos de exame e administração de districtos, e comarcas, por cujas attribuições, se conhece facilmente a desenvolução pratica das garantias, que são essenciaes aos povos, e que só por este modo se lhes podem segurar.
Leu o mesmo illustre Deputado o projecto seguinte: Sanccionado como está o artigo 1.° da segunda parte deste projecto 279, parece-me que o resto do mesmo projecto poderá ser organizado pela maneira seguinte:
Art. 2.º Ao administrador geral pertence a transmissão, fiscalização, e execução das leis tocantes aos objectos da publica administração; e taes são as que dizem respeito á estatistica, instrucção publica, protecção, e melhoramento de agricultura, commercio e industria, encanamentos de rios, fontes, pontes, estradas, plantações, arvoredos, saúde publica, estabelecimentos de educação e beneficência, tranquilidade e policia civil, apuramento das listas para os recrutamentos, e designação dos contingentes de recrutas pelas comarcas e concelhos, a fiscalização das leis municipaes, e a da arrecadação, e administração dos bens dos concelhos, tudo dentro dos limites do respectivo districto.
Art. 3.º Junto ao administrador geral haverá um conselho permanente de administração, composto de membros nomeados por ElRei sobre proposta do conselho de Estado. Compete a este conselho 1.º subministrar ao administrador geral a sua cooperação, e parecer nos objectos de administração publica, quando elle o solicitar. 2.º Confirmar as leis municipaes, e autorizar os afloramentos, vendas, e permutações dos bens dos concelhos. 3.º Celebrar os contractos sobre emprezas de obras publicas do districto. 4.º Proceder á venda, permutação, arrematação, ou administração dos bens, ou rendimentos públicos dentro do districto. 5.º Decidir sobre os objectos contenciosos de administração publica, resultantes das diversas operações do administrador geral, e do mesmo concelho, ou que a elle subirem em recurso das autoridades administrativas subalternas do districto. O administrador geral he presidente nato deste conselho.
Art. 4.° As leis hão de designar os requesítos, que devem ter os administradores geraes, e membros dos conselhos permanentes de administração, o numero destes, as attribuições especificas de uns, e outros, as fórmulas para a expedição de todos os seus actos, os empregados que hão de servir com elles, e tudo o mais, que convier para o fiel desempenho desta instituição.
Art. 5.º Em cada districto de administração haverá um conselho geral de administração e exame administrativo, composto de três membros por cada comarca, eleitos pelas respectivas câmaras á pluralidade absoluta de votos, e cujas funcções serão biennaes. A este conselho compete 1.° distribuir as contribuições directas pelas comarcas do districto. 2.° Decidir sobre as reclamações dos conselhos administrativos das comarcas acerca da desigualdade, com que lhe tiver sido distribuído o contingente das contribuições directas pelo mesmo conselho geral, e bem assim sobre similhantes reclamações das camaras acerca da desigualdade destas mesmas contribuições directas, que lhe tiverem distribuído os conselhos administrativos de comarca, de que abaixo se ha de tratar. 3.º Examinar, approvar, ou censurar as contas da receita e despeza a cargo do administrador geral. 4.° Informar sobre o estado de administração publica, e sobre as necessidades do districto, indicando os melhoramentos convenientes, e os meios mais opportunos de os realizar.
Art. 6.° Este conselho reune-se todos os annos na época e pelo modo que as leis hão de designar. As suas sessões estendem-se a quinze dias improrogaveis, findos os quaes se dissolve de pleno direito. Elle não póde introduzir-se nas operações activas da administração, nem obstar directa ou indirectamente á execução das leis e ordens do Governo, e tudo o que praticar além das attribuições prescriptas no artigo antecedente he nullo.
Art. 7.° Haverá em cada comarca um conselho de administração composto de tantos membros quantas forem as camaras das respectivas comarcas. Os membros deste concelho são eleitos pelas competentes camaras á pluralidade absoluta de votos; a ás suas funcções são biennaes. Compete a este conselbo: 1.º distribuir pelas camaras as quotas das contribuições directas na proporção do contingente, que tiver sido distribuído á comarca. 2.° Representar ao conselho geral do districto a desigualdade que possa ter havido na distribuição da quota de contribuições directas imposta á comarca. 3. Informar o mesmo conselho sobre iguaes reclamações, que fação as camaras, acerca da desigualdade, com que os conselhos administrativos de comarca lhes tiverem distribuído as contribuições directas. 4.º Representar ao conselho geral o estado dá administração publica, e as necessidades da comarca, indicando os melhoramentos convenientes, e os meios mais opportunos de os realizar.
Art. 8.° Este conselho reune-se todos os annos na época, e pelo modo, que as leis hão de determinar. As suas sessões estendem-se a quinze dias improrogaveis, findos os quaes se dissolve de pleno direito. Não pôde introduzir-se nas operações activas da administração, nem obstar directa, ou indirectamente á execução das leis, e ordens do Governo, e o que praticar além dás attribuições que lhe ficão marcadas no artigo antecedente he nullo.
Art. 9.° As attribuições dos conselhos geraes marcadas nos dois primeiros números do artigo 6.°, e as dos conselhos de comarca marcadas nos três primeiros números do artigo 7.º ficão suspensas até á publicação do novo plano de contribuições directas; até então os conselhos de comarca se reunirão todos os annos no 1.° de Abril, e os conselhos geraes no 1.º do Maio, é as suas sessões se estenderão a oito dias improrogaveis.
Paço das Cortes em 15 de Julho de 1822.- Luiz Antonio Rebello da Silva.
Reservou-se para entrar em discussão pela maneira ordinaria.
O Sr. Faria Carvalho: - Em apoio da doutrina do artigo tem-se dito quanto me parece sufficiente:

TOMO VI. Mmmmm

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sobre, a sua collocação he que o illustre Preopinante fez algumas reflexões, e quer que se trate das attribuições do conselho antes de decidir-se, a sua existência. Parece que nisto não tem razão, porque sem se decidir, primeiro que haja o administrador e o conselho, não se póde determinar quaes as attribuições que devem, competir ao administrador, e quaes ao seu conselho. Quanto a tudo o mais que ponderou o illustre Deputado, parece que he uma perfeita emenda, que refunde este projecto; e julgo que não se deve antepor a sua discussão á do projecto.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Posto que um dos Preopinantes diz, que convem primeiro saber se ha conselho, para depois se designarem as suas attribuições, eu não sou desta opinião, porque não posso saber se ha de ser necessario um corpo moral, sem saber as suas attribuições, porque destas he que hei de deduzir a sua necessidade. Falando neste sentido, digo que voto para que haja o conselho, com tanto que não tenha senão o direito de decidir em ultima instancia as duvidas que occorrerem nas camaras; e quanto ao que se chama administração, se se entende por isso o que diz o artigo 5.º, julgo que de modo nenhum se pode tirar ás camaras, porque lhes pertence exclusivamente. Nós, he verdade, estamos aqui para reformar as leis; mas tambem estabelecemos nas bases da Constituição como principio certo que não se devem fazer leis novas sem absoluta necessidade. As nossas antigas leis a este respeito são maravilhosas, e conseguintemente acho eu que a unica necessidade que haverá, he de dar ás camaras, por alguma lei regulamentar, meios de executarem seus regimentos, e fazer que as leis sobre este ramo se observem melhor que até aqui. Todos estes objectos de que a Commissão quer encarregar o conselho no artigo 5.º, são privativos das camaras. Pela nossa antiga legislação, nem ElRei podia intrometter-se nesses negocios, porque não podia alterar as leis municipaes senão no caso de não haverem as camaras observado a forma da ordenação, ou de serem as suas disposições contrarias ao bem publico; e então tomava conhecimento disso a relação. Para isto he que eu quero que haja estes concelhos, scilicet, para tirar áquelle tribunal o direito de inspecção sobre o que he de utilidade dos povos. Acho que assim fica bem arranjado, sem ser necessario recorrer a essas medidas administrativas da França, que não julgo apllicaveis ao nosso paiz, pois que as nossas antigas instituições a este respeito são boas. Voto por tanto pela creação do concelho, uma vez que as suas attribuições consistão nessa inspecção superior sobre as disposições municipaes; e então poderá reunir-se duas vezes no anno, o que julgo sera bastante, ainda que me parece seria talvez melhor deixar isso para as leis regulamentares. Pelo que diz respeito á outra questão, se se deve ou não assignar uma recompensa ou indemnização aos membros do conselho, digo que não sei como havemos de obrigar os cidadãos a que estejão tanto tempo fóra de suas casas sem se lhes dar alguma indemnização.
O Sr. Faria Carvalho: - O illustre Preopinante considerou difficuldade em votar sobre a existencia ou não existencia do concelho administrativo, sem saber primeiro quaes são as suas attribuições; mas isto seria contradictorio com o que se praticou a respeito do administrador geral, pois primeiro decidimos que o houvesse antes de designarmos as suas attribuições. Quanto ao ordenado ou indemnização que requer para os membros do conselho, julgo que se lhes não deve dar, pois considero este onus como qualquer outro encargo municipal.
O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Sr. Presidente, ainda que eu ache materia sufficientemente discutida pelos illustres Preopinantes que falarão antes de mim, direi com tudo alguma cousa sobre ella. Como votei que houvesse juntas administrativas na mão daquelles que tinhão interesse nella, pela mesma razão quereria, e quero que haja este conselho do administrador geral, não só para o aconselhar em tudo quanto ha a bem dos povos, mas tambem para o ajudar a que faça melhor a resenha de tudo quanto he util e conducente para a felicidade dos mesmos povos. Eu não conheço obrigação mais forte em todo o cidadão, do que a de esmerar-se em concorrer para a felicidade dos seus similhantes: e ninguem pode ter gloria, nem recompensa maior do que ser olhado pelos seus concidadãos como homem habil para approvar por elles em todas as circunstancias necessarias. Diz um celebre filosofo, que todas as vezes que os povos não olhão os encargos da republica senão como meios de fazerem a sus propria utilidade, sem attender ao bem commum, ao bem dos seus similhantes, não são constituicionaes. Torno a dizer que não ha paga melhor dos serviços de qualquer homem, do que ser olhado pelos seus conscidadãos como o mais habil, e o mais zeloso defensor de seus direitos. Por isso, sem entrar agora n'outro exame, voto que haja senão a gloria de ter desempenhado bem tão honrosa commissão.
Declarada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Vice-Presidente o artigo á votação, em tres partes separadas, e forão todas successivamente approvadas.
Por haverem lembrado alguns Srs. Deputados que os membros do concelho administrativo deverião ter alguma gratificação, o Sr. Vice-Presidente propoz, se haveria lugar a votar-se sobre este objecto? E se decidiu que não.
Propoz-se, e foi approvada a seguinte addição do Sr. Miranda: "Nas cidades populosas que tiverem uma só camara, a lei designará o numero de membros do concelho."
Pela connexão da doutrina, leu o Sr. Secretario Soares de Azevedo o artigo 3.º do projecto do Sr. Rebello, em que propunha a creação de um concelho permanente de administração, composto de membros nomeados por ElRei, sobre proposta do concelho de Estado, para que junto com o administrador, se encarregasse de algumas attribuições separadas das do concelho conselho electivo. E pondo-se a votos se este artigo devia ser admittido á discussão? Decidiu-se que não.
Passou-se ao artigo 3.º do projecto em discussão, e foi approvado tal qual estava. (V. A sess. De 12 de corrente, pag. 798).

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Approvou-se igualmente o artigo 4.º
O artigo 5.° ficou odiado por ter pastado o tempo que se destinára para esta discussão.
Leu-se a seguinte indicação, que o Sr. Fernandes Thmaz mandou para a mesa, para se unir ao projecto, que se discute: "Proponho se declare por addição ao 1.º arto, quem há de supprir a falta, ou o impedimento do administrador geral." Ficou para se unir.
Leu-se depois a seguinte, que o mesmo Sr. deputado mandou para a mesa: "Proponho, que a Commissão militar seja convidada para sem demora propor ao Congresso um projecto de decreto de creação de guardas nacionaes; ou dando um plano seu, ou escolhendo entre os diversos planos, que nella se achão, ou adptando o da Hespanha, com as alterações que parecerem necessarias."
Declarada urgente, teve Segunda leitura, e se mandou á Commissão especial, que foi encarregada do novo regulamento de milicias nacionaes, em consequencia da proposta do Sr. moura.
Sobre a decisão, que na precedente sessão se havia tomado a respeito dos ordenados, com que ao futuro ficarião os procuradores das camaras, que se reputavão proprietarios, offereceu o Sr. Borges Carneiro a seguinte indicação: "Quanto ás pensões que se acharem impostas nos officios vitalicios de procuradores das camaras, se entende que ficão salvas."
Sendo declarada urgente, teve logo 2.ª leitura, e se approvou com a addiçãoda clasula - tendo sido estabelecida por decreto.
O Sr. Gyrão leu a seguinte indicação: "Requeiro que os autos, e sentença de absolvição, pertencente a Joaquim Bento, capitão da escuna Princesa Real, que tahiu a correspondencia de Jorge de Avilez, subão ao soberano Congresso para serem examinados na illustre e competente Commissão.
Mandou-se que se pedissem os autos, com tanto que estivessem findos.
O Sr. Mesquita Pimentel apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Por decisão de 29 de Janeiro do presente anno foi decretado por este augusto Congresso que as ilhas dos Açores descessem da cathegoria de provincia, de que havia mais de tres seculos gozavão, passando a constituir unicamente tres comarcas sem ligação alguma entre si, e fazendo parte de uma das provincias de Portugal, ou Algarve, que no futuro se designaria: supposto que já me achava autorisado pelo regulamento interior, que nos regia, para pedir a revogação de uma tal medida, cuja impossivel subsistencia he de bem publica notoriedade, pois que não há quem ignore que além de perda em consideração, terião de experimentar aquelles povos outra muito mais lamentavel, qual a de se verem obrigados a procurar trezentas leguas em distancia, e por uma estrada tão escabrosa como a do Oceano, aqueles mesmos recursos que se achavão costumados a encontrar no pequeno e muito mais transito de trinta leguas; desejando com tudo conciliar todo o respeito que nos devem merecer as decisões desta soberana Assembléa, com o indispensavel cuidado que devemos ter sobre a commodidade dos povos, cuja confiança merecemos, e por cuja autorisação aqui nos achamos reunidos, contento-me por ora em pedir a seguinte declaração para a comarca de Angra, que he aquella, cujos interesses se me achão particularmente confiados.
Requeiro que desde já, e em quanto de novo se não discute, e decide sobre a conveniencia, ou desconveniencia de se restituir a todo aquelle archipelago a sua antiquissima prerogativa de provincia adjacente a este reino de Portugal, se concedão áquella comarca de Angra a mesma consideração, fórma de governo, e todos os mais recursos que pela nova Constituição vão ficar affiançados a toda e qualquer outra provincia além mar, do Reino Unido de Portugal, Brazil, e Algarves,
Só desta maneira, Senhores, he que considero possivel a conciliação entre as decisões anteriores desta Assembléa Constituinte, e os verdadeiros interesses daquelles povos, cuja sorte futura grandemente os assusta uma vez que se não faça uma tal declaração; porque insistir em que tal comarca, cujas circunstancias peculiares a tem desgarrada sobre o Oceano a uma enorme distancia das costas destes reinos, apenas goze daquellas diminutas providencias, que pela nossa futura Constituição se achão promettidas a todas as outras comarcas que estão em contiguidade com as suas respectivas provincias, e que nunca chegão a distar da capital destas mais de trinta ou quarenta leguas, seria uma insistencia esta tão monstruosa, e impolitica, como tão pouco de esperar de tão sabios Legisladores. Espero pois com toda a confiança que se tome em consideração, e com toda a urgencia esta minha indicação, cujo favoravel acolhimento era fazer conhecer áquelles povos que não há horisonte portuguez em que os nossos cuidados e disvélos não tratem de fazer raiar o risonho dia dos suspirados melhoramentos, e bem entendida liberdade.
Sala das Cortes 15 de Julho de 1822. - Roberto Luiz de Mesquita Pimentel.
Ficou para Segunda leitura.
O Sr. Alencar fez a seguinte

INDICAÇÃO.

O desejo dos melhoramentos e refórmas he o motivo das revoluções dos povos: he só este desejo de existir melhor, gravado no coração do homem, quem obriga a um povo a usar do exercicio daquelle direito tão natural, como arriscado, de mudar ou reformar o seu Governo; foi pois tambem este mesmo desejo quem fez os povos do Brazil revoltarem-se, e unindo-se a seus irmãos de Portugal, confiarem de outras pessoas os seus destinos, esperando destes os melhoramentos e refórmas, de que tanto necessitão; mas quanto se não tem frustado as suas esperanças!! Não falarei em geral sobre o Brazil, limitar-me-hei em perticular á provincia do Ceará, a quem me liga um mais estricto dever.
Este povo, que em 14 de Abril de 1821 denoda-

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damente quebrou os ferros do despotismo, e repetiu com enthusiasmos os mesmos gritos, proferidos nas margens do Douro, e do Téjo, ainda até hoje não viu de seus esforços o menor resultado vantajoso, apenas ouve dizer que existe liberdade, que existem Cortes, que ha governo justo; mas seus saudaveis effeitos ainda não forão por elle saboreados; cançada tem sido sua paciencia, esperando pelas refórmas, baldadas tem sido suas supplicas; sim elle vive no mesmo misero estado, em que vivia antes do dia 14 de Abril, regido pela dureza das mesmas leis, governado pelas mesmas autoridades, aliás algumas bem indignas de o reger, e com quem foi necessario o povo lutar para proclamar (bem a pezar dellas) a sua liberdade; não gozando desse bem, que tem sido commum a todos, a liberdade de imprensa pois nem a tem, e por conseguinte sujeito a soffrer em silencio os mesmos despotismos, os mesmos abusos, a mesma antiga administração dos capitães móres, senhores absolutos nas villas do Sertão; não tendo tido a consolação, nam ao menos de ver removido do emprego, de que não he digno, um doa mais corruptos magistrados, que tinha o antigo despotismo para a oppressão dos povos: finalmente não tendo visto a menor refórma na immensidade de abusos que soffre; a sorte deste desgraçado povo em nada absolutamente melhorou, e com tudo elle espera ainda com paciencia o remedio de seus males, dos pais da patria, congregados em Lisboa. Sim, he a estes que aquelle povo dirige todos os dias o seu pedido; e he a estes que elle espera tocar com seus gemidos, não obstante a longa estensão dos mares, que os separão: ao amor verdadeiramente peternal incumbe mais cuidado dos filhos auzentes, do que daquelles que estão presentes. Ouvi pois, Sr., os clamores daquelle povo, dai-lhe o remedio de seus males, ao menos naquillo, sobre que elles mais tem instado: nada vos custa; de um golpe de pena podeis fazer cessar immensos males.
Dois são os objectos, sobre que mais tem insistido os povos da provincia do Ceará, e cujo melhoramento mais se persuadem necessitar: 1.º a partilha regular de varias freguezias: 2.º a remoção do juiz de fóra das villas do Arati, e Russas, Francisco Rodrigues Cardeira.
Quatro representações de povos tem vindo ao Congresso sobre partilhas de freguezias na provincia do Ceará, a saber: uma do povo do Cascavel na freguezia do Aquiras; outra do povo da Telha na freguezia de S. Matheus dos Inhamuns; a terceira do povo de Santa Quiteria na freguezia do Sobral; e a ultima do Povo de Santa Rosa na freguezia do Riaxo do sangue; e de certo he de absoluta necessidade a partilha destas freguezias, as quaes pela demasiada extenção dos seus territorios, pela irregularidade das estações naquelles paizes, e pela pobreza dos povos, negão absolutamente todos os recursos, e remedios espirituaes. Duas representações da junta do governo do Ceará tem vindo ao Congresso contra o juiz de fóra Francisco Rodrigues Cardeira: com effeito, Srs. este homem que ao principio se oppoz á Constituição, que tem atropelado o povo de duas consideraveis villas da provincia, com violencias, injustiças e extorsões pecuniarias; que tem mesmo excitado grandes tumultos populares na villa do Aracati, não obstante Ter ficado o tempo da sua magistratura, e Ter sido mandado retirar daquella villa pella junta do governo, conserva-se com tudo quasi á força no exercicio do seu cargo a despeito do odio e indignação dos povos, contra as expressas ordens do Governo, a que tem formalmente desobedecido, e finalmente contra o direito e justiça. Para obviar todos estes males proponho:
1.º Que se remettão ao Governo do reino todas as representações dos povos da provincia do Ceará, que dizem respeito a partilhas de freguezias, insinuando-se-lhe que as remetta ao vigario capitular de Pernambuco, para que este ouvindo os respectivos parocos, e camara, faça a partilha daquellas freguezias, provendo nellas interinamente de parocos aquelles padres que possuindo os conhecimentos necessarios mereção de mais a mais a confiança dos povos respectivos, e sejão adhesos ao systema constitucional.
2.º Que se diga ao Governo que já e já mande succeder a Francisco Cardeira no juizado de fóra da villa do Aracati e Russas pelo seu successor que se acha em Pernambuco, expedindo para este as cartas e mais papeis do estilo, cuja falta tem sido o motivo de não ter ido este juiz de fóra tomar posse do seu lugar, e libertar aquelle pobre povo das garras de tyranno Cardeira. - sala das Cortes em 15 de Junho de 1822. - José Martíniano de Alencar.
Mandou-se ao Governo para a tomar em consideração.
O Sr. Conceição, Deputado pela provincia do Piauhi, mandou para a mesa duas indicações, que não se lêrão por falta de tempo.
Chegada a hora da prolongação, continuou a discussão do parecer das Commissões reunidas de agricultura e commercio, sobre o direito que deverião pagar as aguas ardentes de Portugal importadas na ilha da Madeira. (V. a sessão antecedente, pag 188)
O Sr. Miranda, votando contra o parecer, disse que era necessario que a imposição dos direitos fosse calculada segundo os diversos gráos da agua ardente.
O Sr. Andrada: - Eu voto contra o parecer da Commissão. O primeiro artigo não he mais que uma evasiva, não he mais do que destruir de novo o que já se acha sanccionado. Sanccionou-se que as aguas ardentes portuguezas podessem admittir-se na Madeira, e agora o que se pretende he prohibilas indirectamente, pois que impôr-lhes 80$ rs. por pipa, vem a ser o mesmo que prohibilas absolutamente. A conta apresentada pela Commissão não prova que a pipa de agua ardente da madeira fique por 180$ rs., mas sim por 150$ rs.; quero porém que o prove, nem assim se demonstra que com o imposto possão as aguas ardentes de portugal rivalizar com as da madeira. Para fazer uma pipa de agua ardente são precisas de vinho do Porto 6 pipas, e de vinho ordunario do Minho 14; ora por menores que sejão os preços desses vinhos, he evidente que, sobrecarregados com o pezado imposto de 80$ rs., as aguas ardentes, producto de uns e outros vinhos, sáem mais caras

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que as da madeira, e nunca podem concorrer com ellas. O que o nobre Preopinante o Sr. Luiz Monteiro avançou sobre a politica das mais nações, que sempre prohibírão as producções estrangeiras homogeneas ás do seu solo, quando fosse inquestionavel, assim mesmo não se applicava ao presente caso; a Madeira faz parte de Portugal, e as aguas ardentes de Portugal se não podem dizer estrangeiras a respeito della para que se implorem prohibições, que só se admittem em producções estrangeiras. O preço regulador, a que se referiu o Sr. Aragão, não póde ter lugar no systema de restricção, que foi o admittido, mas tão sómente no caso de prihibição absoluta, que aqui não existe. Concordo porém com outro Preopinante, que o direito se diversifique pelos gráos de força da agua ardente. Concluo pois que se imponhão de 40 a 50$ rs. em pipa de agua ardente portugueza de uma força dada, e que se aumente á proporção do respectivo aumento, pois deste modo concilião-se os interesses de Portugal e da Madeira.
O Sr. Castello Branco Manoel: - Sr. Presidente, tinha deliberado não falar mais na presente questão, porém vendo as opiniões emittidas pelos illustres Preopinantes, o que agora acabarão de expender, julgo ser da minha obrigação combatelas, e mostrar o quanto ellas são futeis, e de nenhum momento. Para isso devo caminhar da base tomada na ultima sessão pelo Congresso a respeito deste negocio. Decidiu-se, que não fosse prohibida a entrada de agua-ardente nacional na ilha da Madeira; mas que esta se carregasse com uns direitos, que a pozessem ao nivel da que se destillasse naquelle paiz, a fim de que esta assim protegida podesse concorrer no preço com a que se importaste. E tambem se determinou, que o projecto fosse segunda vez remettido ás duas Commissões reunidas, para que ellas procedendo ao mais circunspecto exame e averiguando os preços dos vinhos, a qualidade precisa para produzir uma pipa de agua-ardente, as despezas da mão de obra, combinando tudo, e conferindo com o que em Portugal se despendia para ter igual resultado, a differença do preço, que houvesse entre uma e outra, fossem os direitos que se devião lançar á importada para ficarem ambas em equilibrio, e concorrencia. Fizerão as Commissões este escrupuloso exame, e acharão, que a differença era de 80$000 réis por pipa, e por isso forão de parecer, que a importada se onerasse com os mesmos 80$000 réis de direitos.
Agora diz o penultimo e honrado Preopinante que procedendo ao mesmo exame, e informado com certo individuo achara, que a differença só podia ser de 40$000 réis, e por tanto estes erão os direitos que se devião impor as aguas-ardentes nacionaes importadas naquella provincia. Temos por tanto em opposição as opiniões. He uma a das Commissões reunidas, que attestão pelos exames, que fizerão, que os direitos devem ser 80$000 réis por pipa, fundadas na escrupulosa indagação, na informação dos Deputados da provincia, e a segunda em contrario a do illustre Preopinante apoiada na unica informação de um individuo, que pouco sabe da Madeira por ser extrangeiro. E deverá esta prevalecer á de duas Commissões? Decida o soberano Congresso.
O ultimo illustre Preopinante, o Sr. Andrada, ainda com menos fundamento ataca o parecer, pois fazendo-o só com palavras vagas não dá razão alguma, ou offerece argumento contra o que julgão Commissões; faz um silogismo. O Congresso decretou, que a importação das aguas-ardentes nacionaes não fosse prohibida: o direito de 80$000 réis que se pertende impôr, he uma prohibição indirecta - logo similhante direito se não deve estabelecer. Porém o que o mesmo honrado membro não fez, foi o demonstrar a verdade da segunda proposição; devia provar que esses direitos de 80$000 réis por pipa, era uma prohibição indirecta, e que os calculos feitos pelas Commissões erão errados, e que para umas e outras aguas-ardentes ficarem ao nivel, e poderem concorrer, não erão precizos taes direitos. Mas isto nem elle o fez, nem podia fazer, e por tanto como não demonstrou a segunda proposição, antes ella he falsa, tambem pouco apreço merece a consequencia.
Já que hoje obtive a palavra, e na ultima sessão não pude responder ao ironico discurso com que o muito illustre Preopinante o Sr. Fernanda Thomas atacou o parecer das commissões, aproveito-me desta occasião para no mesmo estilo (ainda que mais rasteiro) lhe responder. Disse em summa aquelle illustre Preopinante que decididamente era de voto, se não mandasse agua ardente alguma para a Madeira, que a sua importação fosse prohibida, que recebessemos tudo, venha para cá tudo (disse elle) o que os seus povos nos mandarem, franqueemos-lhes os nossos portos, e elles paguem-nos não querendo acceitar as nossas aguas-ardentes: que isto era uma perfeita reciprocidade. Na verdade não ha cousa mais certa (digo eu) do que o recebermos nós daquella provincia tudo, e ella não querer admittir esse unico artigo da nossa agua-ardente!!! Quem duvida, que não produzindo o nosso paiz azeite algum, nós recebemos da Madeira todo o que gastamos? Quem não vê, que nós consumimos todos os generos das suas fabricas, que nós não temos, e he aquelle um paiz manufactureiro! Da Madeira nos vem muitas vezes o milho, que se embarca em Vianna, e na Figueira! Da Madeira recebemos todo o sal, porque no nosso paiz só não cristaliza algum! Da Madeira nos mandão toda a telha, porque aqui não temos barro de que as fabricar! Da Madeira nos vem os taboados vulgarmente chamados da Figueira, porque em Portugal não ha pinheiros! Da Madeira recebemos (e isto he mais para admirar) até muitas cantarias para casas sendo Portugal um penhasco, mas que pelas difficuldades das conducções assim ficão mais commodos! Finalmente da madeira nos vem sempre os navios abarrotados com carga, quando desta para o Porto do Funchal navegão quasi sempre a lastro. A estes e outros generos, que consumimos daquella provincia os seus habitantes muito bem nos retribuem. Elles nos consomem algumas duzias de garrafas de Malvazia, e poucas de vinho seco, que ordinaria, e gratuitamente lhos offerecemos, assim como tambem alguns cunhetes de casquinha cuja entrada nos admittem: com a admissão destes generos temos uma perfeita reciprocidade, Não forcemos os Madeirenses a receber a

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nossa agua-ardente, visto que esta he a sua vontade.
Ah senhores! sejamos justos, não nos façamos surdos aos clamores daquelles povos. A Madeira pelo contrario he que consome os nossos generos: com os braços abertos recebe de Portugal tudo aquillo de que necessite. Não necessita porém de agua-ardente, porque dos seus superabundantes vinhos a póde distilar: não póde conservar a unica cultura das suas vinhas, cultura muito dispendiosa pela localidade e circunstancias do terreno, sem dar consumo aos vinhos, e não tem meios de os consumir, senão queimando-os, e reduzindo-os a aguas-ardentes, as quaes pelos calculos feitos nas Commissões, não podem concorrer com as de Portugal, e Açores, sem que estas sejão carregadas com os direitos do 80$000 réis por pipa, que he a differença do preço que entre ellas ha. Com a total proibição da entrada destes liquidos, he que a ilha da Madeira prosperou por tres seculos. Nunca lá foi permittida a entrada de agua-ardente portugueza, por
Isso agora se lamenta com a forçada importação das mesmas. Da nossa regeneração esperavão aquelles povos immensos bens, mas desgraçada, e submissamente só chorão os seus males; males que eu firmemente espero hoje sejão remediados, e por isso voto pelo parecer da Commissão.
O Sr. Francisco João Moniz: - Supposto que eu fosse de opinião que não convinha o estabelecimento de fabricas de agua-ardente na ilha da Madeira, pela carestia das materias primas, com tudo ellas se emprehendérão com enthusiasmo publico, e hoje sou obrigado a decidir-me pelo voto geral daquelles povos, apoiando a medida proposta neste parecer. O seu fim he separar dos bons vinhos certa porção dos inferiores, convertendo-os em agua-ardente, não só porque precisão della, e já a podem fazer boa, como para restabelecer o credito que sempre merecêrão os vinhos da Madeira pela sua distincta e óptima qualidade, e desviar a idéa de adulteração com que os tem desacreditado.
Não he sem duvida o proposto direito de 80:000 rs. por pipa na entrada de agua-ardente de Portugal como se pensa um direito prohibitivo, mas sim um meio de a equilibrar em preço com a que se fabricar na Madeira, para de outro modo não estorvar a queima dos vinhos inferiores, fazendo que o liquido da agua-ardente extrahida delles se compare com o justo valor dos mesmos vinhos, sem desanimar o lavrador na sua cultura, e recuperar como digo o credito dos bons; tanto assim, que sendo actualmente pelas folhas correntes o preço minimo da agua-ardente na ilha da Madeira de 1:400 rs. por galão, e o máximo a 1:800 rs. por galão, corresponde uma pipa de Portugal pelo mínimo a 193:200 rs. e pelo maximo a 248:400 rs. quantias estas que bem soffrem o direito de 80:000 rs. por pipa com vantagem do preço de Portugal, como bem foi considerado na Commissão debaixo dos calculos mais exactos, com os quaes me conformo approvando o artigo.
O Sr. Luiz Monteiro foi de parecer, que o direito se limitasse a 40 ou 50:000 rs.
O Sr. Ferreira Borges, opiniou que voltasse o parecer á Commissão.
O Sr. Aragão - Levanto-me, não para falar sobre o objecto que se está discutindo, por isso que já expuz o meu voto na sessão passada, conformando-me com o parecer das Commissões reunidas, mas só para declarar, que o illustre Preopinante o Sr. Ferreira Borges está equivocado, porque a nossa informação foi em verdade, que cinco a seis pipas de vinho da Madeira, proprio para a queima, dava uma de agua-ardente. Cumpre pois fazer esta declaração, a bem do que ponderou o honrado Membro o Sr. Luiz Monteiro.
O Sr. Brito: - Aconselhão as sabias Commissões de agricultura e commercio a este augusto Congresso um augmento de 80$ rs. por pipa nos direitos que pagão por entrada na ilha da Madeira as aguas-ardentes nacionaes; e isto pela razão de que tanto he necessario para que os negociantes não tenhão interesse em as levar lá, visto que a carestia dos vinhos, lenhas, e salários na ilha fazem que ellas saem mais caras toda aquella quantia. Por outros termos, aconselhão este direito enorme, porque o julgão equivalente a uma prohibição. Observarei em primeiro lugar, que similhantes direitos tornão illusoria [...] do soberano Congresso, o qual ao mesmo [...] decretou a prohibição das aguas-ardentes estrangeiras, permittiu o commercio das nacionaes, uma que fosse com augmento de direitos. Ora eu não creio que esta Assembléa preze tão pouco as suas resoluções, que em poucos dias as queira ver illudidas. Entendo pois que este soberano Congresso, quiz, e quer ainda que exista commercio das aguas-ardentes de Portugal para a Madeira, mas que os direitos se accrescentem quanto o permitta o bem geral do Reino Unido. Nestas circunstancias vou expor algumas razões que a meu ver mostrão sem hesitação que quanto maiores forem os direitos que se impozerem neste commercio, tanto maiores serão os damnos que dahi resultarão á ilha, e ao vinho. Primeiro damno: Cessando este commercio, como he de esperar, se o carregarmos com direitos prohibitivos, soffrerá a fazenda publica grave abatimento nos rendimentos das alfandegas, e nas impostos sobre as vinhas, e vinhos, taes como decimas, subsidio literario, real d'agua, etc. porque está claro que não saindo deste Reino agua-ardente para a Madeira, não terão tanta extracção os vinhos de que ella se faz. Segundo: Diminuirá a navegação, e correspondentes lucros dos commerciantes, e artifices empregados neste ramo importante de industria nacional, o mais digno de ser favorecido pela natureza das nossas possessões, todas banhadas pelo mar. Terceiro: Diminuirá a exportação dos vinhos finos da Madeira, porque os fabricantes d'aguas-ardentes em se vendo livres da concurrencia das nossas, como já o estão das estrangeiras levantarão o preço dellas: e um consequencia ficarão mais caros os vinhos de embarque que já tem pouca extracção por muito caros. Quarto: Cessará a exportação daquella parte dos mesmos vinhos que ate agora se costuma exportar em troca das aguas-ardentes de fóra, porque não havendo na ilha outro producto com que se comprem os generos que ali vão de fóra, he evidente que quanto menos generos enlearem, menos vinhos hão de sair, Quinto:

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Sobrevirá em fim o grande mal, que deseca o germenda reprodução, diminuindo os produtos em vez de aumentalos, que he a deslocação dos fundos produtivos, a que obrigarão tão enormes direitos, deslocação que fará perder a Nação 80$000 réis em cada pipa de agua-ardente, se he exacto o calculo das Commissões reunidas: porque se a produção de cada pipa de agua-ardente custa na Madeira mais 80$ rs. Que em Portugal, segue-se que nós perderemos uma igual importancia de serviços productivos em cada pipa que se fabricar naquella ilha. E quem não vê que he um máu mercado obter um genero caro, podendo-o ter barato? Não seria melhor deixar fabricar essa agua-ardente no Reino, onde se produz a menos custo, e enviada a Madeira para se trocar por esses preciosos vinhos, que produz aquelle terreno?
Está visto, e reconhecer as Commissões reunidas, que este genero se tem em Portugal a menos custo, nem podia deixar de ser assim; porque em Portugal são mais baratos o vinho, a lenha, os salarios, o juro dos capitaes, e até os ganhos correspondentes á industria dos espectadores, que empreendem similhantes fabricas, porque no Reino ha maior numero de homens illustrados, e industriosos, que na ilha. Tudo isto quer dizer em menos palavras, que este producto convém mais a Portugal do que á Madeira. Ora em taes circunstancias será razoado influir com direitos prohibitivos para que uma tal producção se fabrique antes na terra, onde não convém, nem dá proveito, do que na terra onde convém, onde dá lucro? Oh cegueira incomprehensivel! Podendo ter cada pipa por 100$000 réis, que he o seu preço corrente em Lisboa havemos de querella ter antes por 180$ rs. Só para enriquecer meta duzia d'alambiqueiros mais á custa de mil bons que precisão viver desse trabalho? Embotando ao mesmo tempo a industria daquelles pelo afastamento da concorrencia, que produz a emulação? E desgostando os povos pela idéa da injustiça unida á parcialidade de similhantes exclusivos? Sem duvida as illustres Commissões cuidão que augmentando o numero de alambiques augmentão a industria na ilha; e nisto está o seu erro capital; porque não advertem, que a quantidade da industria he limitada pela quantidade dos capitaes. Se a exorbitancia dos direitos excluir a agua-ardente de fora, haverá sim mais alambiques, mas os capitaes empregados nelles hão de sahir d'outros empregos, em que ora se achão; porque os fundos não hão de cair do ceo. A riqueza geral bem longe de crescer diminuirá, porque os capitaes, e mais fundos productivos abandonarão as industrias, em que agora estão empregados, para se applicarem aos alambiques; e he claro, que neste emprego são menos rendosos; porque se assim não fora não carecião do exclusivo para a elle se applicarem por seus donos.
He principio certo em economias politica, que nada augmenta as riquezas de um paiz, senão o que augmenta o valor das cousas, ornando as mais uteis, e agradaveis aos homens. Ora os direitos prohibitivos não augmentão o valor da agua-ardente, porque lhe não augmentão a utilidade, e todo o excesso do seu preço além dos serviços productivos despendidos em

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metro de Tessel pagaria de direito 70$000 réis? Decidiu-se que não,
Propoz finalmente se pagaria 60$000 réis? Decidiu-se que sim. E assentando-se, que não devia admittir-se a entrada da agua ardente de menor força, do que a de 7 gráos; mas deveria haver attenção aos gráos na de força superior, propoz então o Sr. Vice Presidente se o parecer voltava á Commissão, para marcar os preços com attenção aos gráos da agua ardente que excedesse aos 7 gráos de Tessel? E venceu-se que sim.
O Sr. Moura representou que sendo complicado o projecto para a extinção dos tribunaes, a Commissão encarregada de apresentalo na primeira sessão que tivera, repartíra pelos seus differentes membros os trabalhos delle; e que sendo objecto laborioso, em que precisavão de occupar algumas manhãs, pretendião ser dispensados de assistirem ás sessões das Cortes por tempo de quinze dias; não porque houvessem de faltar todos os membros effectivamente, durante esse tempo, mas para que as faltas, que fizessem, se lhe apontassem - com causa, e assim se concedeu.
Designou o Sr. Vice Presidente para a ordem do dia a continuação do projecto para a creaçáo das juntas administrativas, o projecto para a abolição dos votos de S. Thiago, o parecer da Commissão de marinha sobre a promoção dos lentes da academia de marinha; e na hora da prolongação os pareceres das Commissões, principiando pelo da ilha da Madeira.
Levantou-se a sessão á uma hora da tarde. - José Peixoto Sarmento de Queiroz, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Filippe Ferreira de Araujo e Castro.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão voltar ao governo a consulta inclusa da meza do desembargo do Paço datada em 27 de Novembro de 1820, sobre o requerimento de Manoel Antonio Soares de Brbosa Abreu e Vasconcellos, e outros; ácerca da demolição de uma azenha, e paredão no rio Cavado, a qual consulta foi exigida para informação pela ordem das Cortes de 21 de Novembro de 1821, e transmittida nessa conformidade ao soberano Congresso pela secretaria de Estado dos negocios do reino em 25 do mesmo mez.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 15 de Julho de 1822. - João Baotista Felgueiras.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, sendo-lhes indicado que resulta prejuizo publico da conservação de Francisco Rodrigues, em lugar de juiz de fóra de Aracal, e Russas, para o qual ha successor nomeado; mandão dizer ao Governo que tome na devida consideração este objecto, a cujo respeito lhe forão transmittidas pela Secretaria de Estado dos negocios da justiça com ordem das Cortes de 10 do corrente mez duas contas da junta provisional de Governo da provincia de Ceará Grande, datadas em 15 de Abril, e 8 de Maio do presente anno. O que V. Exca. Levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 15 de Julho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo inclusa representação dos povos de Cascavel da Freguezia de Aguiras, provincia do Ceará grande, ácerca da divisão de freguezias, a fim de que tome na devida consideração este objecto relativamente á mencionada provincia.
O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 15 de Julho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Candido José Xavier.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que sejão transmmittidos a este soberano Congresso, estando findos, os autos em que foi processado, e julgado Joaquim Bento, capitão da escuna Princeza Real, por violação e extravio da correspondencia do tenente general Jorge de Avillez. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 15 de Julho de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DE 16 DE JULHO.

Aberta a sessão pelo Sr. Freire, Vice Presidente, á hora do costume, leu o Sr. Secretario Peixoto a acta da antecedente sessão.
O Sr. secretario Felgueiras propoz, que se declarasse na acta, que a indicação offerecida pelo Sr. Deputado Alencar havia sido mandada ao Governo para a tomar em consideração, o que se decidiu depois de se fazerem sobre este objecto algumas observações, fazendo a acta da antecedente sessão.
O mesmo Sr. Secretario deu conta da correspondencia, e expediente, na fórma que se segue.
De um officio do Ministro dos negocios do Reino em data de 13 do corrente mez, transmittindo um officio, que dirigíra a junta do corrente provisorio da provincia do Maranhão em 6 de Maio deste anno, pedindo instrucções, a fim de se conduzir, quando aconteça chegar áquella provincia as participações, que a mesma junta informa são remettidas do Rio de Janeiro para a convocação de um conselho de procu-

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