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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 57.

Lisboa, 14 de Abril de 1821.

SESSÃO DO DIA 13 DE ABRIL.

Leo-se e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

O senhor Secretario Felgueiras leo hum Officio do Ministro Secretario de Estado dos Negocios da Guerra, enviando a Obra de Monsenhor Horta, intitulada = Testamento Politico = que elle offereceo á Regencia, e por ella he remettida para servir de auxilio aos trabalhos de que estão encarregadas algumas Commissões, pedindo que depois lhe seja ressituida, para se mandar imprimir. Mandou-se á Commissão de Estatistica.

O senhor Presidente apresentou huma Carta do senhor Deputado Bispo de Beja, pedindo, para cuidar da sua saude, oito dias de licença, que lhe foi concedida.

O senhor Felgueiras, leo huma Carta do senhor Deputado Mendonça Falcão, era que participava a impossibilidade de comparecer na Sessão, por falta de saude; e pedia que fosse absolutamente prohibida a entrada do Azeite pelos Portos Seccos da Raya, por ser a sua illimitada introducção mui prejudicial á prosperidade da Agricultura. Ficou adiada a proposta, para se tratar na Sessão seguinte junto com os Cereaes.

O mesmo senhor Secretario, leo huma Memoria de João de Sá Pereira, sobre a limpeza de Lisboa. Foi remettida á Commissão de Saude Publica.

O senhor Secretario Barroso, leo a seguinte:

RELAÇAO NOMINAL DOS REQUERIMENTOS.

D. Theresa de Jesus Madureira.
Manoel Annes.
Francisca Florencia de Assis.
Luiz Corrêa de Figueiredo.
A Camera, Nobreza, e Povo da Villa de Penella.
Joaquim Antonio Baptista Varela.
Joaquim Ferreira da Luz.
José Vicente de Sousa.
Joaquim José Gralha.
João Antonio Rodrigues.
Francisco Antonio Ramos, e outros.
A Camera da Villa de Castro Vicente.

A' Regencia.

Vicente José Diniz Ayalla.
Presos não comprehendidos no Indulto.
Joaquim Antonio Boal.
José da Costa Alves Ribeiro.
D. Luísa Isabel Jones Branco.
José Maria da Sylva Zagallo.
D. Maria Leonor Barbara de Oliveira Monteiro.

A' Commissão de Legislação.

D. Maria Gertrudes.
Marianna Rosa dos Santos.
Juiz, e Mordomos da Confraria do Sacramento da Freguezia da Victoria no Porto.

Manoel Fernandes.
Domingos José Teixeira Lima.

A' Commissão de Fazenda.

Luiz de Albuquerque do Amaral Cardoso.
José Manoel.
Officiaes Militares de Saude do Exercito.

A' Commissão Militar.

Jeronymo Joaquim de Figueiredo.
José Theodosio da Cunha.

A' Commissão de Instrucção Publica.

José Luiz da Sylva Franco.

A' Commissão de Saude Publica, e da Guerra.

Manoel José da Sylva, e Manoel Lopes.

A' Commissão de Agricultura.

Operarios, e Empregados da Fabrica de Azeitão.

A' Commissão das Artes.

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O mesmo senhor Secretario expôz que na commissão das Petições, houvera duvida a respeito da direcção que compete ao Requerimento de José Joaquim de Castro. Resolveo-se que fosse remettido á Commissão de Saúde Publica , e depois á de Legislação.

O senhor Basilio Alberto apresentou e leo o Projecto de Decreto, auctorizando provisoriamente a Regencia para remover, ou substituir quaesquer Ministros, e Empregados Publicos, e disse:

O senhor Alves do Rio. - Ainda que em geral esteja mui bem concebido o Decreto, falta o que eu já propuz, sobre não dever a Regência proceder a formação de culpa, o que no estado presente me parece que seria muito máo. Eu trazia hum Projecto, e, posto que não tive tempo de me informar com os senhores da commissão de Legislação, com tudo, se o Congresso approva, eu leio o meu Projecto, que he muito simples, e com isto não quero dizer que o Decreto proposto esteja mal concebido. (Leo)

O senhor Basilio Alberto. - A Commissão de Legislação julgou que, mesmo a bem desses depostos, deveria dar-se alguma satisfação.

O senhor Baeta. - Apoyo o Projecto da Commissão de Legislação.

O senhor Sarmento. - Eu apoyo inteiramente a forma em que está concebido o Decreto, porque hei-de sempre reputar a justiça como unica base segura da Liberdade. Hum dos maiores insultos feitos pelos antigos Governadores de Portugal foi, quando o Marechal Massena chegou ás linhas do Torres Vedras, destenar deste Reyno muitos Cidadãos, sem se fazer o Publico sabedor da causa de tão extraordinario procedimento. Nada me parece bom senão o que he justo: a justiça manda castigar os máos, e proteger os innocentes; Aparece-me que a doutrina da Ley que propõe a Commissão de Legislação, se dirige a proteger decididamente o innocente, e este he o motivo porque me conformo com a mesma Commissão na redacção do presente Decreto.

O senhor Alves do Rio. - Eu não apoyo a arbitrariedade, antes a abomino: o que digo he que a Regencia não deve formar culpa, porque a opinião publica desvaira muitas vezes a respeito dos Empregados.

O senhor Borges Carneiro. - Apoyo o Parecer do senhor Alves do Rio, ainda que sou decididamente contrario a tudo o póde dar azos á arbitrariedade: porém esta determinação he provisoria, só deve durar até á approvação do Regulamento da Regencia, e peço que se faça este additamento. A Regencia he responsavel por todos os seus Empregados, por isso mesmo he preciso que tenha Empregados de sua confiança, e para os ter he preciso que nisto haja hum novo regimen. A quem tiver crime, deve formar-se culpa: nisto não ha meio termo, e neste caso os crimes são de Lesa Nação. Embora se perdoe aos Empregados Publicos que delinquissem, mas não exerção os seus empregos. Supponhamos que hum Commandante Militar procura seduzir os soldados para fazer huma subversão, e que isto he sabido, pergunto eu: não se lhe ha de formar culpa? sem duvida que sim. Porém qual he hoje o Empregado Publico que se castiga por levar mais emolumentos do que lhe competem? nenhum. Eu creio que os três milhões de habitantes de Portugal estão dvididos hum contra dous e por isso mesmo he preciso que a Regencia tenha auctoridade para fazer quaesquer remoções ou substituições que possão ser convenientes. No Regulamento da Regencia não póde estabelecer-se similhante principio, mas por agora he necessario.

O senhor Sarmento. - Eu digo que a Regencia deve fazer ver ao Publico os motivos porque remove, ou substitue estes, ou aquelles Empregados. E em quanto ao parecer de estarem divididos dous milhões de hum lado, e hum milhão de Portuguezes de outro lado, se eu proferisse esta asserção, teria reputado haver proferido huma grande extravagancia.

O senhor Castello Branco. - Os extraordinarios abusos commettidos por aquelles que devião sustentar as Leys obrigarão este Congresso a fazer hum Decreto, como medida provisoria para os evitar; e huma vez que a Regência o ponha em vigor, como he de esperar dos Membros que a compõe, nenhum receio deve haver a este respeito, e a opinião publica approvará estes procedimentos; porem não se fazendo assim, succederá certamente o contrario. Muitos individuos ha que são inteiramente oppostos á nova ordem de cousas, sem que entretanto incorrão em crime contra as Leys; e se nós pertendermos que a Regencia castigue todos os que estão neste caso, não sei qual he a Ley que se lhes ha de impor, nem como contra esses homens se ha de proceder, sem termos huma Ley que os condemne: a Regencia seria responsavel á Nação, e a este Congresso, se não cumprisse o que tem de obrigação. Em consequencia os meios extraordinários e convenientes são os de remover quem tiver culpa: isto he o que a Regencia deve fazer, aliás não haverá o effeito que deseja esta Assemblea.

O senhor Borges Carneiro. - Senhor Presidente está-se fallando sobre ser atacada a Regencia do Reyno. Esta materia he mui grave, e posto que viesse aqui incidentemente peço licença para dizer minha idea sobre ella, pois receio muito que passe avante a supposição em que parecem estar alguns dos Illustres Deputados. Parece suppôr-se que resulta desdouro para a Regência se alguma vez o Augusto Congresso revogar as suas resoluções, ou emendar o que ella tiver feito. Longe daqui tal pensamento. Só o Rey he inviolavel pela sua pessoa e pelo seu caracter: só a elle se ha de sempre imputar todo o bem, e nunca nenhum mal. Os seus Ministros, os Membros de qualquer Governo são responsaveis, são susceptiveis de arguição. Não digo eu hum Deputado de Cortes, qualquer Cidadão, qualquer Auctor póde censurar e arguir as operações do Governo, e mesmo as do Congresso, com tanto que aos actos de hum ou outro não attribua motivos corruptos que não possa provar; e como os discursos e acções dos Deputados estão subjeitos á censura do Publico, diante de quem fallão, com mais rasão os discursos e acções da Regencia devem ser subjeitos á severidade da opinião publica. Liberdade do Congresso; Liberdade da Imprensa, eis o indelevel propugnando do systema Constitucional. Pois que? Dirá alguem que a

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Relação offende hum Corregedor, quando accorda que aggravado he o aggravante; ou, mal julgado foi pelo Corregedor? Longe daqui a idea de offensa: esta não he offensa, he a necessaria natureza e gradação da instituição social. - Tem-se-me dicto; Não affrouxemos o vinculo entre o Congresso e a Regencia." Eu desejo apertar esse vinculo: mas ninguem entenda que elle consiste na unidade de pensar. Todos os, dias ha discrepancia de pensamentos entre os Membros deste Augusto Congresso, e quem dirá que os vencidos ficão deslustrados ou offendidos pelos vencedores? Qual he pois aquelle vinculo? Não he, torno a dizer, a unidade do pensamento, he a unidade do fim, a unidade do objecto; he o espirito unanime com que o Congresso e a Regencia tendem hum e outro ao mesmo objecto da justiça natural, gravada pelo dedo do Eterno em o coração do homem; tendem áquillo que pela natureza he recto he agradavel a todos: tendem ao melhor bem da Patria. Quando este vinculo prenda os Deputados entre si; quando prenda os Deputados com a Regencia, então, e só então será firmissima a nossa união : então e só então seremos inaccessiveis ás machinações de nossos inimigos internos ou externos: então, e só então a Sala das Necessidades, e a Sala do Governo serão hum corpo tão firme, tão compacto, tão respeitado em Portugal e na Europa, como pela sua justiça foi outrora o Senado Romano em tempo dos Catões, e dos Brutos.

O senhor Moura. - Eu sou, e sempre serei de opinião, que ao Governo Executivo se deve dar toda a latitude nos seus expedientes governativos, porém não tão absolutamente como alguns querem; porque o mesmo seria dar-se-lhe, que compromotter a Regencia. Por exemplo, fazendo-se-lhe queixa de hum Empregado Publico, como hade ella chegar ao conhecimento da verdade do facto, hade ser por opiniões avulsas, delações occultas, e talvez criminosas, não certamente. A Regencia hade ter motivos para os seus procedimentos, nem he de esperar della outra cousa. E então porque não hade fazer saber ao Publico os motivos porque obrou na remoção dos Empregados Publicos? Não podemos pois evitar que a Regencia faça publicos os motivos porque removeo este ou aquelle Empregado, o contrario disto seria comprometter o seu credito, e pôr em suas mãos huma arma muito perigosa. Por outra parte, não se deve prohibir a nenhum Empregado, que dê assim rasões, e que se justifique: eu nunca serei de opinião que por este modo se estabeleça o imperio da justiça, quando queremos livrar a Nação deste mesmo imperio; aliás temos justificada a Septembrizada, e logo com este principio folgarião os Septembrizadores; porque elles dizem o mesmo que diria a Regencia, affastando hum individuo do seio da sua família. = Foi (dizem os Septembrizadores) porque a sua presença nesta Cidade faz a perigar a segurança do Estado. = Sendo assim, justa foi a medida; mas, o caso he, se foi verdadeiro o motivo. Que medo ha de se dizer quando se procede com conhecimento de facto? Só os despotas he que temem dizer estes motivos, e na Regencia não ha elementos de despotismo.

O senhor Alves do Rio. - Tem-se confundido as ideas. Diz-se que a Regencia proceda a formação de culpa, e eu digo, que a Regencia proceda a castigar aquelles que impecerem o Systemna Constitucional. Isto he o que eu approvo que faça a Regencia, porque estou muito certo em que ella não hade proceder senão contra aquelles que contravierem a opinião Publica. Que cousa he aqui Septembrizaida? Aqui trata-se de remover dos Empregos os que são indignos delles, e todo aquelle que não tiver a opinião Publica não deve servir.

O senhor Rebello. - Apoyo inteiramente o modo porque explicou a sua moção o senhor Alves do Rio, porem não approvo que se estabeleça o principio de remover hum Empregado sem que elle possa dar a sua desculpa: estou persuadido de que todo o Funcionario Publico póde e deve ter lugar e direito a justificar-se, para sustentar a opinião publica.

O senhor Soares Franco. - Temos perdido o ponto da questão, e desviado o motivo porque se fez este Decreto. O motivo foi dizer-se que havia muitos Funccionarios Publicos que não erão addidos ao systema Constitucional: o que se assentou foi que devião ser castigados aquelles que repugnassem a esse novo systema, e ordem de cousas, e isto he sómente o que se pertende.

O senhor Borges Carneiro. - O que diz o senhor Soares Franco he o contrario do que se deliberou. Peço que se lea a Acta. Não se disse, nem eu approvo que outra cousa possa fazer-se senão remover, e depor dos Empregos, O que disse hum Illustre Preopinante, que não ser amigo do Systema Constitucional basta para ser removido, tambem não tem lugar.

O senhor Fernandes Thomaz. - Apoyo o parecer da Commissão. Por que rasão não ha de a Regencia dizer o motivo porque foi removido qualquer Empregado? O Publico vê, por exemplo, hum Juiz de Fora que servio muito tempo, e talvez muito bem deposto do seu lugar, pergunto eu: porque não ha de elle poder justificar-se? A Commissão obrou com muito senso porque ou nós temos, ou não temos Bases de Constituição: se as temos, he preciso fazer o que ellas mandão: salve-se a Patria, mas não se falte á justiça. Este he o meu voto.

O senhor Gouvea Durão. - A' vista do que tem dicto os illustres Preopinantes pouco me resta a dizer, e direi sómente - Pelas Bases da nossa Constituição determinou-se que ninguem fosse preso sem, se lhe formar culpa; mas como se ha de ella formar? Ha de a Regencia dizer que removeu porque teve rasões para isso? Não; deve proceder-se com informe de causa, e dar assim huma publica satisfação; porém os Empregados Publicos, que vexão os Povos, e fazem outras cousas incongruentes não devem ficar impunes. Este foi o sentimento da Commissão.

O senhor Alves do Rio. - Concordo com o Illustre Preopinante: a Regencia deve castigar aquelles que não forem addidos ao systema Constitucional; porém depois de ouvidos.

O senhor Castello Branco. - Decidio-se que a

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Regencia não deve empregar homens, que não sejão amigos desta causa: que por isso mesmo não deve empregar se não homens de confiança, e que pôde, e deve remover todos aquelles que não forem addidos ao systema. Por consequencia havendo, e formando-se culpa devem ser entregues ao poder Judiciario. Porém como hão de ser julgados? Qual he a ley pela qual os Magistrados hão de Sentenciar? Qual he a ley que julga e castiga estes factos?

O senhor Moura. - Admira-me muito que o Illustre Preopinante não saiba a ley porque se hão de sentenciar estes casos, quando o Congresso está fazendo essa mesma ley. Pois que diz a Assemblea nesta ley que está sobre a mesa? Diz que todo aquelle que não for addido ao systema Constitucional, não deve ser empregado. Eis a ley.

O senhor Soares Franco. - Eu não entendo isso assim. Supponhamos que a Regencia decide que tal Empregado não he addido ao systema Constitucional; isto não basta pois que o Poder Judiciario não tem leys para o caso, e por tanto he necessario fazer huma ley. Em fim todo o debate vai fora do projecto, porque até agora deixava-se isto ao Poder Legislativo, agora quer-se que seja ao Poder Judiciario.

O senhor Alves do Rio. - Peço que o senhor Moura redija o Artigo substituindo-lhe a palavra - Sentenciar.

O senhor Moura. - Sim, senhor, eu o redijo em duas palavras. - Ao conhecimento da Regencia chegou que hum individuo ou por seus discursos, ou por suas obras mostra que não he addido ao systema Constitucional. Houve testemunhas destes factos, ou destes discursos! Hum Juiz inquira estas testemunhas. Ha culpa? O Promotor de Justiça accuse, o Reo defenda-se, o Juiz sentencêe; a pena he a remoção do Emprego, tudo fica satisfeito. A medida de segurança está obtida,- e está dado o culto á prudencia das virtudes sociaes, á Justiça, sem a qual não ha nada, de solido na sociedade dos homens.

O senhor Alves do Rio. - Convenho nos principios do senhor Preopinante, mas o que eu quero he que isso se explique bem.

O senhor Borges Carneiro. - Tudo está conforme hum a vez que se diga - Que todo o Empregado Publico que for ante-constitucional será removido.

O senhor Xavier Monteiro. - Eu não concordo nas ideas ultimamente propostas pelo senhor Moura; por quanto se a Regencia tiver de instruir hum processo para remover qualquer Empregado pouco affecto ao systema Constitucional, e esperar por numa Sentença para effeitar esta remoção, anal vai a Causa Publica, e bem os inimigas da Constituição. Mas o erro a este respeito procede de serem os Empregos considerados como propriedade dos Empregados, principio que eu desejava ver desterrado; por quanto os Empregados quando são por qualquer Governo -nomeados sempre se declara, ou suppõe declarado que hão de servir em quanto aprouver áquelle Governo que os nomeou. Não sei eu agora porque titulo estes Empregados tem direito para durar ainda mais tempo que o Governo que os creou, nem para conservar contra a vontade, e sem a confiança do novo Governo hum emprego que na sua origem he sempre de huma duração condicional e temporaria.

O senhor Annes de Carvalho. - Tem-se discutido muito, e muito bem a favor da segurança da Patria, e da liberdade do Cidadão. Atégora ainda não vi que Governo algum tratasse a questão de outra maneira, e parece-me que a Inglaterra nos deve servir de norma, porque se bem que a sua Constituição não seja a mais liberal, com tudo assentimos que na Europa nenhum povo tem mais liberdade do que o povo Inglez. Eu desejo que esta opinião se discuta: talvez seja necessario que ella vá a huma Commissão, porém eu realmente concilio as duas idéas de liberdade e segurança.

O senhor Sarmento. - Como os exemplos das Nações livres influem quando são produzidos para sustentar qualquer opinião, não posso deixar de ajuntar ás observações, que acaba de fazer o sabio Preopinante, que apesar da relaxação que o tempo inevitavelmente tem causado no Systema Constitucional da Inglaterra (sem duvida hum dos povos da terra que mais tem gozado da liberdade civil), a suspensão do Habeas Corpus não se consegue com aquella facilidade, com que o ministerio alcança outras concessões. Os escriptores políticos da Inglaterra põe entre as primeiras causas da decadencia do seu Instituto de Liberdade o recurso de que o Ministerio tem lançado algumas vezes mão, exigindo do Parlamento a suspensão do Habeas Corpus. Porem ainda quando o Ministerio alcança essa suspensão, para se revestir da dictadura, a que delicadeza, manejo, e intriga não recorre elle para fazer passar o Indemnity Bill, guando acaba o prazo da suspensão do Habeas Corpus, e que o povo Inglez torna a recuperar o palladio da sua liberdade? Eu não entro na questão da bondade ou incapacidade da Constituição Ingleza, ella está destinada para os Inglezes, e cada Nação deve abraçar o que lhe for mais conveniente. Observo que se os Inglezes, apesar de terem huma Constituição antiga, ainda hoje defendem com tenacidade os institutos de seus avós, e este aferro á sua. Constituição he que tem produzido a pierenne liberdade, que os tem feito hum objecto de admiração, com quanta mais rasão devemos nós pugnar pela inviolabilidade daquillo de que nós mesmos fomos auctores, e ha poucos dias jurámos?

O senhor Moura. - Se ha casos, em que devem ser preteridas todas as formas Constitucionaes, que affianção a Liberdade individual do Cidadão, estes são unicamente aquelles em que periga todo o Estado; mas então nas Republicas, e nos Governos bem constituidos, suspendem-se essas formas, assim se fazia em Roma, e em Athenas, e assim se faz em Inglaterra, suspendendo-se a Ley do Habeas Corpus. Se esta crise está chegada entre nós (o que estou bem longe de pensar ) suspenda-se a Ley das Bases, que ha pouco jurámos. Mas querer manter esta Ley, e consagrar a sua inobservancia, he huma grosseira, e perigosa contradicção.

Depois de mais alguma discussão, disse

O senhor Presidente. - Os senhores que forem de parecer que a discussão fique adiada para ama-

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nhan, queirão levantar-se. (Nenhum dos senhores Deputados se ergueo.)

O senhor Xavier Monteiro. - Visto que a discussão continua, direi que a Regencia quando remover qualquer Empregado não será obrigada a dar a rasão do seu procedimento; mas ao Empregado será concedido o justificar que era hem procedido, intelligente, e addido ao systema Constitucional; porque eu duvido mui o que a Regencia demitia alguem que possa juntar os mencionadas requisitos. Nem eu julgo que seja necessario declarar suspensas as bases da Constituição, nem a formas Constitucionaes para esse effeito; porque nem a segurança dos Cidadãos nem a propriedade he atacada quando são demittidos os Empregados em que o Governo não tem confiança. Não se deve estender, como eu já disse, a definição de propriedade ao exercicio dos Empregos; porque a protecção e respeito que se prestar a esta propriedade bastarda póde ser nociva a ligitima, que consistindo na industria, nos capitaes, nos bens moveis, e de raiz, deve ser o objecto do respeito de todos os Governos. Não se trate as de formação de culpa, nem de processo para remover Empregados inhabeis, ou suspeitos; porque estas formalidades hirião mais empecer do que auxiliar a Regencia nas circunstancias difficeis em que ella se acha.

O senhor Borges Carneiro. - Apoyo inteiramente a opinião do Senhor Xavier Monteiro. Para que a Regencia possa remover não he necessario formar culpa: todo o Empregado manifestamente inimigo da Justiça, e do Systema Constitucional deve ser suspenso do seu Cargo sem preceder formação de culpa.

Seguio-se ainda hum breve debate, e perguntou:

O senhor Presidente se a materia estava bastante discutida? Decidio-se que sim, e a isto se levantou.

O senhor Borges Carneiro dizendo, que nas circunstancias actuaes são necessarias medidas provisionaes, e extraordinarias.

O senhor Moura. - Eu sou da opinião do Senhor Borges Carneiro.

O senhor Presidente. - Os Senhores que forem de opinião que a Regencia se regule pelas Leys existentes queirão levantar-se.

O senhor Povoas. - Em quanto seja possivel, e, não o sendo, consulte o Congresso.

O senhor Borges Carneiro. - Peço que se declare que a Regencia fica auctorizada para nomear para todos os Empregos sem dependencia de Consulta.

Ultimamente concordou-se.

1.° Que para todos os Empregos devem escolher-se as pessoas que, alem das demais qualidades, tiverem conhecida adhesão ao Systema Constitucional.

2.° Que se faça hum Artigo separado declarando que a auctorização concedida á Regencia he extraordinaria, e provisoria.

3°. Que fica por tanto auctorizada não só para remover, senão para nomear, e substituir todos os Empregados Civis, e Militares.

4.° Que ao Artigo relativo aos Ecclesiasticos se substitua o seguinte - Sendo necessario remover e substituir alguma Authoridade Ecclesiastica, pelas causas declaradas no Artigo antecedente, a Regencia o participará ao respectivo Prelado Diocesano para ordenar a indicada remoção, e prover o Lugar do removido. Se assim o não cumprir, a Regencia providenciará a esse respeito como lhe parecer justo.

5.° Que a Regencia se conforme quanto for possível com as Leys estabelecidas.

6. E que os Empregados assim removidos sejão admittidos a justificar-se, se assim o requererem.

O senhor Secretario Freire lêo huma representação do Padre Luiz Marques, offerecendo huma memoria sobre assumptos Religiosos. Foi remettida á Commissão Ecclesiastica.

O mesmo senhor Secretario lêo tambem huma Carta apresentada pelo senhor Deputado Sepulveda, á quem a dirigirá o senhor Carvalho, Membro da Regencia do Reyno, juntamente com as Obras de Jeremias Bentham, offerecidas por seu veneravel Auctor á Nação Portugueza: e na mesma Carta dizia - que elle não podia dar hum testemunho mais authentico do apreço que fazia de tão generosa e lisongeira offerta, do que incumbindo a sua apresentação no Congresso áquelle que tinha posto em practica as doutrinas liberaes do primeiro, e mais antigo Constitucional da Europa.

O senhor Sarmento. - Eu rogo com a maior efficacia que este Augusto Congresso faça huma excepção, apartando-se da regra estabelecida, a fim de que se faça menção honrosa do veneravel Jeremias Bentham pela delicadeza, com que brinda os Representantes da Nação Portugueza com a collecção das suas obras: ellas são o producto da mais apurada philosophia, e o fructo dos desvelos literarios de hum philosopho, que desprezou as riquezas, que são acumuladas juntamente com as honras em letrados de grandes talentos e merecimentos, de que a Inglaterra offerece tantos exemplos; porem o illustre Bentham estudou, e meditou só com as vistas de ser util ao genero humano, cuja causa as suas obras tanto tem advogado. Os Inglezes, que são os mais afferrados a formularios e a regulamentos estabelecidos, distinguirão o Abbade Raynal, quando aquelle sabio foi assistir a huma Sessão do Senado Britannico; não devemos ficar atrás dos Inglezes, e por isso sou de parecer que demos o mais assignalado testemunho do apreço, que a Nação Portugueza faz do Platão dos nossos dias.

O senhor Magalhães pedio que o Governo mandasse traduzir as Obras deste Sabio, e honrado Inglez, para instrucção da Nação, e

O Congresso, penetrado dos sentimentos de estima devidos ao Illustre Bentham (aquelle Sabio que tem esclarecido o Mundo com as suas ideas luminosas, e a quem as Nações livres devem erigir hum monumento de gratidão pelo infatigavel zelo que tem desenvolvido a tem na justa Causa da Liberdade, fez huma excepção á Ley que a si mesmo tem imposto, e até agora executado, qual he a de não fazer menção honrosa de Carias, Felicitações, ou Offertas individuais, e determinou - Que desta não só se fizesse honrosa menção na Acta, porem que se encarregasse a Regencia de fizer tradu-

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zar, e imprimir todas as Obras do Sabio Bentham, fazendo-lhe constar a expressão do agradecimento das Cortes pela mesma via por onde o brinde viera remettido: outro sim declarando-se que fora dirigido ao Congresso por huma, e apresentado por outra daquellas pessoas que projectarão, e particularmente desinvolverão os gloriosos acontecimentos que derão principio á nossa Politica Regeneração; e que ao proprio Bentham se enviasse copia authentica da Acta em que se lançou esta determinação do Soberano Congresso.

Determinou-se para Ordem do dia o Projecto dos Cereaes.

Levantou o senhor Presidente a Sessão á huma ora da tarde. - Agostinho José Freire, Secretario.

AVISO.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Determinão que a Regencia do Reyno remetta a este Soberano Congresso as Consultas, e quaesquer Requerimentos que lhe estejão affectos da Mesa do Bem Commum dos Mercadores, e Corpos Commerciaes da sua dependencia, ácerca do Negocio que fazem os Alfayates em os generos, e fazendas proprias dos gremios do Commercio. O que V. Exa. fará presente na Regencia, para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 13 de Abril de 1821. = João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Querendo dar hum testemunho do particular apreço com que recebem o precioso presente, que de suas Obras lhes faz o illustre Cidadão do Mundo Jeremias Bentham, e desejando ao mesmo passo diffundir quanto seja possivel os luminosos, e utilissimos conhecimentos, que se contem em tão interessantes producções, Mandão remetellas á Regencia do Reyno, para que as faça traduzir, e publicar com a maior brevidade pela Impresão Nacional. O que V. Exa. fará presente na Regencia do Reyno, para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 13 de Abril de 1821. = João Baptista Felgueiras.

OFFICIO

Illmo. e Exmo. Senhor. = A Regencia do Reyno, em Nome de ElRey o senhor D. João VI., Manda remetter a V. Exa. para serem apresentados ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza os três volumes, que vão com este, intitulados = Testamento Politico = que lhe offereceo Monsenhor Horta. A Regencia do Reyno tendo feito examinar por Pessoa intelligente esta obra, foi informada de que ella não só continha excellentes ideas, que muito podião coadjuvar nas circunstancias actuaes os projectos de melhoramento, que se intentão em alguns importantes ramos de Publica administração; mas tambem provava demonstrativamente o decidido patriotismo do seu Auctor, aliás constante pelos muitos outros uteis trabalhos por elle comprehendidos, e executados em beneficio das Sciencias, e das Artes com o mais honrado desinteresse. A Regencia por tanto resolveo dar hum testemunho publico do seu louvor a este benemerito Portuguez, e mandar estampar pela Imprensa a sua obra, que ainda quando em todo, ou em parte se não julgou adoptavel, sempre parece merecer aquella honra, e distincção. Por este motivo deseja a Regencia do Reyno que, vista a referida Obra nas Commissões competentes, lhe seja outra vez remettida.

Deos guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 18 de Abril de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras - Antonio Teixeira Rebello.

Errata.

No Diario das Cortes N.° 52 , paginas 501 col. 1.ª onde se lê - o que se vê he que o Collegio de S. Paulo - deve ler-se - de S. Pedro.

No Diario N.° 54, paginas 528 col. 1.ª, e falla do senhor Camelo Fortes, onde se lê - na minha Comarca havia hum Corregedor, o qual arbitrou hum Regulamento de Salarios extraordinarios: foi-lhe ordem para os cohibir, e não os cohibio - deve ler-se - na minha Comarca houve hum Corregedor que arbitrou hum Regulamento de Salarios extraordinarios, sem que para isso tivesse auctoridade: foi ordem ao actual Corregedor para cohibir os que levão Salarios de mais, e elle se tem achado em embaraço sobre o cumprimento do referido Regulamento.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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