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SESSÃO DE 19 DE ABRIL.

ABERTA a sessão, sob a presidencia do Sr. Camello Fortes, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.

O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios.

1.º Do Ministro dos negocios do Reino transmittindo a representação da Commissão encarregada de expor os estrovos do commercio da cidade do Porto. Passou á Commissão de commercio.

2.° Do Ministro da justiça, remettendo os papais pertencentes ao pretendido casamento de José Joaquim de Araujo com D. Henriqueta Leonor Gomes, que se achavão na meza do desembargo do paço. Remetteu-se á Commissão competente.

3.° Do Ministro de guerra, acompanhando a relação nominal de todos os empregados militares e civis, das praças e fortes, bem como dos individuos que tem vencimento nas milicias. Passou á Commissão especial do exercito.

Remetteu-se á Commisião das artes uma, representação de Domingos Antonio de Sequeira, em que expõe os embaraços que encontra, para desempenhar com credito da Nação a tarefa da direcção dá obra dó monumento nacional na praça do Rocio desta cidade.

O Sr. Peixoto apresentou uma memoria contendo reflexões feitas pelo cidadão José Diogo de Bastos sobre o emprestimo offerecido a Portugal pela Inglaterra. Passou á Commissão de fazenda.

Feita a chamada, acharão-se presentes 112 Deputados, faltando 30, a saber: os Srs. Falcão, Povoas, Andrada, Moraes Pimentel, Canavarro, Ribeiro Costa, Sepulveda, Barata, Feijó, Malaquias, Sequeira, Lyra, Agostinho Gomes, Bettencourt, Moniz Tavares, Baeta Almeida e Castro, Innocencio de Miranda, Ferreira da Silva, Pinto de Magalhães, João Vicente da Silva, Rosa, Correa Telles, Faria, Sousa e Almeida, Castro e Abreu, Moura Coutinho, Serpa Machado, Araujo Lima, Ribeiro Telles, Bueno.

Passando-se á ordem do dia, continuou a discussão do additamento prosposto pelo Sr. Guerreiro ao projecto de Constituição, para serem excluidos de votar nas eleições os homens de trabalho e officiaes de officios manuaes que não tiverem um capital conhecido de propriedade. (V. a sessão de 17 do corrente).

Em apoio desta doutrina disse o mesmo illustre Deputado: - A força da minha indicação he excluir da votação os jornaleiros, que não tem mais de que viver se não o seu jornal, e aquelles officiaes de officios que não tem loja, e que estão nas mesmas circunstancias de trabalhar de jornal.

O Sr. Leite Lobo: - Esta indicação he muito justa, e a não se adoptar he que se póde promover a aristocracia; estes jornaleiros devem ser excluidos; porque como não tem amor nenhum á patria, hão de votar em favor dos que lhe pagarem ou lhe derem que fazer.

O Sr. Moura: - Persuado-me que as ideas do illustre Preopinante, quando propõe esta excepção he excluir do direito devotar aquelle que pela sua industria apenas chega a ganhar o jornal do dia, ou elle se applique aos trabalhos da agricultura, ou em qualquer outro trabalho, seja qual for o jornal, indistinctamente. Em primeiro lugar, eu não adopto esta excepção, pela razão de que havia de comprehender um grande numero de cidadãos, pois que não só comprehenderia aquelle que ganha o jornal na agricultura, mas os que o ganhão nas manufacturas; mas acho ainda outra razão mais importante, que he andar-se o illustre Deputado, quando imagina excluir estes individuos na razão de que elles não podem ter um interesse nos negocios publicos, como tem aquelles que tem industria; mas então tambem devia excluir aquelles que posto tenhão uma propriedade real, tirão della apenas aquelles meios sufficientes para a sua subsistencia; logo parece que estes tambem por uma paridade de razão devião ser excluidos. Acho pois que por nenhuma das razões dadas pelo illustre Preopinante deve ser admittida esta excepção: porventura por ter menos rendas esta classe de individuos devemos dizer que ella tem menos interesse nos negocios do Estado? Sou de opinião que nenhuma destas excepções se deve admittir.

O Sr. Feio: - Eu sou desta mesma opinião: o jornaleiro he um homem industrioso, um homem de bons costumes: senão trabalha em terras proprias he porque leis injustas o privarão dessa propriedade, e por tanto seria uma injustiça privalo tambem de votar nos seus representantes. Veto contra a indicação.

O Sr. Pamplona: - (Não o ouviu o tachigrafo.)

O Sr. Moura: - Pelos proletarios romanos que forão excluidos de votar, nunca entendi outra cousa senão vadios que não tinhão estabelecimento nenhum.

O Sr. Macedo: - Acho contradictorio o additamento proposto. Pretende-se por elle excluir das assembleas eleitoraes os jornaleiros, e officiaes que não tiverem alguma propriedade, ou algum capital de industria. Mas, pergunto eu, o que se entende por capitaL de industria senão a aptidão que tem qualquer de tirar um producto do seu proprio trabalho capaz de o sustentar? Logo se as pessoas de que se trata adquirem pelo seu trabalho o seu sustento e das suas familias, claro está que todas ellas possuem esse capital que no mesmo additamento se propõe como bastante motivo para constituir uma excepção á regra que nelle se pertende estabelecer. He necessario que os Membros que hão de compor a Assemblea legislativa sejão eleitos pela nação inteira; e só deve ser privado qualquer cidadão do direito de eleger, quando o interesse da nação assim o pedir, isto he, quando a sociedade possa perigar por elle exercer esse direito: ora eu não vejo que perigue a sociedade em que os homens de que se trata tenhão parte nas eleições; consequentemente não posso convir que sejão excluidos delias. Duas forão as razões que se ponderarão para mostrar que eia perigoso que estes homens vo-

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tassem; primeira, serem, dependentes; segunda não terem interesse na prosperidade da patria. Nenhum destes principios he verdadeiro; 1.º porque talvez não haja classe mais independente do que a dos jornaleiros, e homens d'officios; 2.° porque se não póde negar que elles tirem vantagem do progresso da agricultura, das artes, e do commercio, e da conservação da publica tranquillidade; logo não poder subsistir a consequencia que de taes principios se queria deduzir. Farei mais uma observação: em muitas aldeãs, apenas ha dois, ou tres proprietarios, e todo o resto são trabalhadores; ora se nós os privássemos de votar ficarião reduzidos a dois ou tres os votos de uma povoação inteira: portanto á vista do que tenho exposto sou de parecer que de maneira nenhuma se deve admittir a indicação proposta.

O Sr. Pamplona: - (Não o ouviu o taquygrafo.)

O Sr. Moura: - Eu tomara só perguntar ao illustre Preopinante o que entende por proletario considerando a natureza dá palavra. Eu creio que vem de proles, que he aquelle que não he mais nada se não concorrer fysicamente para a multiplicação de especie humana.

O Sr. Caldeira: - Devemo-nos lembrar que a maior parte destes jornaleiros são pais de familias; em toda a parte estes homens tiverão alguma propriedade; e eu julgo que não ha uma propriedade que chame tanto o cidadão á patria como são os seus filhos, e a sua familia. Se estes homens forem excluidos, acho que se lhes faz uma grande injustiça; e por isso a indicação não póde passar porque não deixa de excluir os casados quando estes são o que interessão mais nos beneficios da patria. As razões que allegou o Sr. Macedo são muito fortes; os que se allegão em contrario não tem lugar, attendendo ao modo porque se hão de fazer ás eleições. Por tanto são devemos recear estes inconvenientes; pois que estes homens ganhão quanto lhes he bastante para a sua subsistencia; e por isso não devemos suppôr, que, dependão deste, ou daquelle para o nomear. Não posso pois approvar a indicação, ao menos em toda a sua extensão, porque se deve dar uma contemplação com os pais de familias.

O Sr. Soares Franco: - Eu opponho-me igualmente a esta excepção: trata-se de um direito que vai restringir as eleições; e diz-se que os jornaleiros são dependentes, isto he falsissimo. Qual he a independa que se procurei? Foi por um igual pretexto que ha dois annos a camara em França excluiu a maior parte da gente de votar. Daqui resulta que a representação nacional he feita pela decima parte, e por um pequeno numero de homem ricos. Estes homens de que se trata tem realmente uma industria; ainda os officiaes que não tem loja são homens industriosos; logo por este fundamento voto que sejão admittidos; e que só sejão excluidos os que já o estão, que são os vadios.

O Sr. Castello Branco Manoel: - Eu vejo que as excepções á regra geral tem sido tantas, que antes de pouco tempo nem a terça parte da Nação virá a ter parte nas eleições, e se se adopta esta excepção mais de metade não votará; de mais para se adoptar isto era necessario que se declarasse a propriedade que cada um devia ter; depois para votar era necessario provalo, e desta fórma nunca se concluirião as eleições. Por consequencia para não reduzirmos isto ao estado de que talvez a terceira ou quarta parte da Nação não votasse, creio que se não deve continuar na discussão, e que se deve regeitar a indicação.

O Sr. Borges Carneiro: - Eu á vista desta indicação não posso deixar de pasmar, porque cuidava até agora que queriamos fazer uma Constituição liberal, mas por esta indicação vejo que se quer fazer o contrario; pois que se ella se adoptar não hão de vir ás Cortes senão aulicos, fidalgos, toda esta qualidade de gente. Pois nós depois de termos excluido tanta gente, criados de servir, e mentires do vinte e cinco annos, ainda depois de todos estes havemos d'excluir a melhor parte da Nação? Então não fica ninguem que vote senão dos que já disse, que hão de escolher o seu similhante; por exemplo, tiremos em Lisboa todos os jornaleiros, todos os officiaes mecanicos, e vamos a ver quem vota? Vamos a ver no Alemtejo? Na minha provincia da Beira? Tirando-se todos os jornaleiros e officiaes de officios manuaes, haverá collegio eleitoral em que não entrem a votar mais que dez pessoas; e estas serão homens muito ricos, fidalgos, e outros desta natureza, que não votarão senão no seu similhante. Estes em vindo aqui fazem logo por alterar a Constituição, e tornarem tudo ao antigo estado. Parece-me que devamos olhar para o exemplo da França, que logo que admittiu os fidalgos transtornou-se tudo, e tudo mudou de figura; porem a Nação que está com os olhos abertos já lha vai dando o pago. Não adoptemos pois similhante cousa por ser injusta, e contra as classes mais uteis, que são aquellas que trabalhão para comerem os mandriões. Se tal indicação se approvasse, lançariamos fora toda agente industriosa; e isto he contra os principios que nós temos estabelecido.

O Sr. Guerreiro: - Como em uma assemblea deliberante em que tudo he publico seja facil apresentar qualquer questão debaixo de um ponto de vista que lisongeie, ou contrarie o gosto, ou affeição dos expectado rés, daqui vem a difficuldade de sustentar com firmeza doutrinas que tenhão contra si essa popularidade; todavia, como logo que tive a honra de ser elevado pela minha provincia ao mais distincto e glorioso emprego, qual o de ser um dos depositarios da sua confiança, fiz o voto de sacrificar o meu descanço, a minha vida, e a minha reputação para sustentar os interesses de meus constituintes, conforme os dictames da minha consciencia: por isso não duvido sustentar a minha indicação, e respondo aos varios argumentos com que tem sido combatida. Muito agradeço ao illustre Deputado que a apoiou: seja-me porem licito separar-me delle no conceito que faz dos jornaleiros, e mais gentes de trabalho. Elles são uteis, e até mesmo necessarios na sociedade; tem moralidade 4 e são dignos de estima; ha comtudo considerações nascidas da sua mesma condição, que exigem que não sejão admittidos á eleição de Deputados.... Para bem se fazer uma eleição he preciso que os elei-

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tores tenhão capacidade para conhecer os elegendos; tenhão interesse em escolher os mais dignos; e independencia bastante para não serem forçados a votar contra a propria consciencia. E dão-se estas qualidades nas pessoas de que proponho a exclusão? Não certamente. Os homens de trabalho são ignorantes por falta de educação; estão longe do traio das pessoas instruidas, ou abastadas; as nuas relações, e conhecimentos não se estendem fora dos limites do lugar da sua residencia; e por isso não só não tem idea das qualidades que constituem qualquer homem, proprio para Deputado em Cortes; mas quando o soubessem, não estão ao alcance de conhecer as pessoas da comarca, ou da provincia que as possuem. Cada um tem interesse na causa publica á proporção das fruições e vantagens que a sociedade lhe proporciona. Ora o homem de trabalho que não tem propriedade, nem capital empregado na industria, que limita todas as suas esperanças, e todos os seus desejos a um parco, e mesquinho sustento, ganhado com o trabalho de cada dia, que interesse póde elle ter no bem, e na prosperidade geral? Que lhe importa que haja leis protectoras da propriedade, se elle nada possuir proprio? Que lhe importão as garantias da liberdade individual, se esta nada influe no seu bem estar, sem augmenta os seus gosos? Que lhe importão as leis protectoras da segurança pessoal, se elle em tendo pão está em toda a parte igualmente bem? Srs., para o homem que tem por unica divisa, trabalho e pão, vale tanto o Governo despotico, como o Governo livre, a ordem como a anarquia. Estes mesmos homens que para viverem precisão ter quero lhes de trabalho, e jornal, dependem de quantos os empregão; elles estão na mesma linha que os criados de servir, as mesma razões que moverão este soberano Congresso a excluir estes das votações exigem imperiosamente a exclusão daquelles. Disse um illustre Deputado que excluindo-se os jornaleiros seria necessario excluir tambem os marinheiros; tratemos de uns, e depois examinaremos se devem excluir-se os outros. Oppõe-se outro illustre Membro á indicação porque com ella virião tambem a ser excluidos os que trabalhão nas manufaturas; porem se estes tem estabelecimento proprio, tem um capital empregado na industria, e não são comprehendidos na minha indicação; se são, serão excluidos, o não vejo nisso se não uma providencia, que o bem publico requer. Assustou-se o mesmo honrado Membro ao imaginar que ião ser excluidos tambem os que tem uma propriedade intelectual: seguramente nunca foi essa a minha intenção, nem se acha nas palavras da indicação, onde se excluem sómente os officiaes de officios manuaes. Os homens de letras ou de genio são por natureza independentes, e estão na razão inversa dos que pretendo excluir. Diz o mesmo illustre Deputado que os jornaleiros tem uma industria, e esta constitue um verdadeiro capital: convenho, mas o illustre membro sabe que não he esse o capital de que fala a indicação; não disputarei sobre palavras, embaraçado me vi na escolha das que devia empregar na indicação, e logo contei com a cooperação dos illustres membros desta assemblea para as rectificarem quando as minhas idéas fossem approvadas. Outro illustre Deputado pasmou ao ver que pela minha indicação se quer estabelecer uma Constituição antiliberal, abrindo-se o caminho para ser a que agora fazemos reformada, na futuro, em quanto contem; de liberal; achou que os ricos hão de votar sempre nos seus similhantes, é virão a formar uma Constituição aristocratica, e trouxe em apoio com um dos illustres membros que o tinhão precedido o exemplo da lei das eleições apresentada ha dois annos á camera de França, pelos ministros de Luiz XVIII. Injusto foi por certo o illustre Deputado em attribuir-me a mim taes intenções, e á minha indicação taes resultados; para evitar a introducção da aristocracia he que eu proponho a exclusão de pessoas dependentes; a Nação nunca póde ser livre se não em quanto for representada por homens dignos da sua confiança, e isto nunca poderá conseguir-se se não um quanto nas eleições forem admittidos sómente aquelles que são interessados em que dias sejão bem feitas. O exemplo da lei das eleições de França foi mal concebido, ou mal applicado; o fim daquella lei era excluir os pequenos proprietarios, e os fabricantes, entregar as eleições só aos grandes proprietarios, ao mesmo passo que se pretendia suscitar noites em equivalente dos antigas Srs. feudaes, era assim que se pertendia estabelecer uma aristocracia; porem quando na minha indicação proponho a admissão dos pequenos proprietarios, e dos fabricantes, póde alguem recear com razão o estabelecimento da aristocracia? Diz o illustre Deputado que por esta fórma seria excluido das eleições grande numero de cidadãos; eu penso que seria muito menor do que se tem inculcado; mas em todo ocaso a questão não he quantos devão ser excluidos, mas sim quaes estejão nas circunstancias de o dever ser. Oppoz outro dos illustres Preopinantes a utilidade dos jornaleiros, accrescentando que só leis injustas os privarão da propriedade; não convenho em que sejão injustas as leis que protegem a propriedade de quem a tem, e que impedem que ella lhes seja uzurpada pelos não proprietarios; concordo porem em que a classe dos homens de trabalho he util; segue-se daqui que elle deve ser estimada, e protegida mas não que deva cofiar-se-lhe o exercicio de um direito. Foi a minha indicação acusada por um illustre Deputado de contradictoria com sigo mesma, porque o producto do trabalho de qualquer jornaleiro constitue o capital da sua industria, mas já eu disse que não era desse capital que falava, e estou persuadido não haver ninguem neste recinto que me não entenda. Convem o illustre Deputado em que do direito de votar póde algum cidadão ser privado, quando perigue a sociedade; ora he nesse caso que nós estamos, pois que segundo meu entender he mui perigoso, e póde ser direito e exercicio deste direito nas mãos dos jornaleiros, e homens de trabalho. Diz que em muitas aldeas ha apenas tres ou quatro proprietarios, e que estes ficarião senhores das eleições; não será facil que tal se verifique; mas quando seja assim, elles não ficarão senhores das eleições mas serão incorporados na junta eleitoral mais proxima. Negou outro illustre Deputado a dependencia dos jornaleiros, e asseverou ser falso que os proprietarios sejão independentes; deixo

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ao soberano Congresso o decidir a questão, que não me parece difficultosa; e ao mais que disse ácerca de não podermos tirar a um cidadão o direito de votar, responderei sómente com as razões que motivarão tantas excepções já decretadas. Senhores, a nossa Constituição não hé democratica mas sim monarquica-constitucional; he necessario que em todas as suas partes se guarde esta fórma. Bastantes garantias temos dado ás Cortes, e á Nação contra os excessos, ou pretenções do Poder executivo; he necessario darmos tambem alguma ao Poder executivo contra os excessos, ou pretenções do Poder legislativo, e nas presentes circunstancias não descubro outra senão a que por meio de sabias instituições póde assegurar que a escolha para representantes da Nação ha de recahir sempre em pessoas dignas de tão honroso emprego, o que só terá lugar quando esta escolha for feita por pessoas capazes de a fazer bem feita interessadas em que se faça bem, e incapazes até certo ponto de serem determinadas por outro motivo alem da consideração do bem publico, e dos dictames de suas consciencias.

O Sr. Xavier Monteiro: - Posto que eu não admitia a indicação proposta em toda a sua latitude, não deixo de conhecer que uma parte della he util, e que são de muita força os argumentos que o illustre Preopinante tem empregado para a sustentar: a primeira parte encerra a exclusão daquelles homens que se alugão ás semanas para trabalhar na terra; e a segunda aquelles que aprenderão algum officio em que gastarão algum tempo, e dinheiro. Ora estes posto que tenhão loja, tem um capital reconhecido como tal, por todos os economistas. Em quanto os outros estão nas mesmas circunstancias dos criados de servir, com a unica differença que os segundos alugão-se aos mezes, e os primeiros aos dias, ou ás semanas; por consequencia voto pela primeira parte da indicação que vem a ser aquella que exclue de votar na eleição dos Deputados os homens puramente jornaleiros admittindo os que tiverem alguma pequena propriedade e todos os que possuirem qualquer arte, ou officio, para adquirir o qual seja necessario empregar algum capital.

O Sr. Vilella: - Opponho-me á indicação do Sr. Guerreiro; por que alem de outras razões me parece que ella vai prejudicar uma classe de cidadãos que depois de gastarem muitos dos seus dias em servirem a patria, quasi sempre depois são reduzidos a buscar os meios da sua subsistencia, ou occupando-se em algum officio mecanico, ou no exercicio de jornaleiros. He manifesto que eu falo dos soldados. Pelo artigo 37 se determina que elles podem votar, excepto nos seus commandantes. Ora tirar o direito de votar aquelles que já tinhão, e porque depois de servirem a patria recorrerão áquelle genero de vida, não podendo ter adquirido outro, por isso mesmo que empregarão o melhor da sua mocidade no serviço das armas, ou neste se estro pearão; acho que com effeito seria uma cousa muita injusta. Por tanto no caso de ser approvada a indicação do Sr. Guerreiro, requeiro que se declare que não ficão comprehendidos nella os officiaes de officios mecanicos, e jornaleiros que hajão sido soldados, e completado o tempo de serviço marcado pela lei.

O Sr. Miranda: - Muitos argumentos selem produzido contra a opinião manifestada na indicação que apresentou o Sr. Guerreiro; tem sido igualmente combatida por outros muitos. As razões que se tem dado a favor da indicação são; primeira, que um jornaleiro não faz mais nada do que desenvolver a sua força para ganhar o sustento, e que por isso não podem ser independentes, visto que precisão de quem os occupe: em segundo lugar, que não tem a liberdade precisa para escolher um Deputado. Nenhum destes principios póde ter lugar. Todo o homem que trabalha, tem uma propriedade, ou seja agricultor, ou seja industrioso, he um homem igualmente livre como os outros, igualmente independente. Eu não faço differença nenhuma entre o agricultor, ou o artista, etc. Todos elles tem o mesmo direito, e tão dependentes são uns como outros. Quanto a deverem votar só os que tem propriedade, póde haver taes propriedades tão diminutas, que um jornaleiro venha a ter mais propriedade pelo seu trabalho diario. O unico meio que ha para que as eleições sejão bem feitas e livres de subornos he fazer com que ellas sejão as mais numerosas possivel, porque he impossivel que fazendo-se as eleições das diversas freguezias ao mesmo tempo, haja quem seja capaz de subornar tanta gente, e em diversos lugares. Diz-se que se estabelecerá a aristocracia, eu digo que se estabelece a injustiça mais manifesta, não se limitta a propriedade de uma maneira certa, o mais pequeno proprietario, um que tenha uma propriedade que valha quatro mil réis, póde votar, e um artista esse não! Pergunto qual destes he mais util á sociedade? Parece-me que o fabricante he muito mais necessario pelo seu talento; e será por isso mais dependente que o proprietario por ter uma propriedade de quatro mil réis? Não se dá differença alguma porque já se vê que esta propriedade não vale quasi nada. Nas provincias não haveria quasi ninguem que não entrasse nadasse de proprietario, porque um comprando a mais pequena porção de terra, já tinha entrada nas eleições. Será difncil encontrar nas provincias um homem que não tenha propriedade, bem que pequena; e haveria meios muito fáceis de illudir esta determinação se se approvasse. Parece-me que o que se poderia fazer era marcar uma distincção entre os que tem algum talento, e aquelles de quem só se exige força de braços; mas isto mesmo seria muito difficil de fazer sem commetter injustiça. Finalmente como se não póde dar uma preferencia á propriedade agricula, ou á propriedade industrial, voto por isso contra a indicação, por não se poder marcar nenhuma destas especies, e tambem porque he summamente injusta. Julgo que na excepção que já se fez dos criados de servir não se com prebendem os criados de lavoura, porque elles não são verdadeiramente criados, e são uns homens uteis. Aqui tenho uma indicação para elles serem exceptuados.

O Sr. Correa de Seabra: - Sr. Presidente, quando se discutiu o capitulo primeiro do projecto de Constituição, se bem me lembro, ficou sanccionado que não houvesse differença entre Portuguezes, e cidadãos Portuguezes; isto he, que todos os Portuguezes fossem cidadãos. Vencido isto logo se reconhece que he

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necessario fazer differença entre direitos civicos e politicos, porque se todos os Portuguezes tinhão na qualidade de cidadãos o exercicio dos direitos civicos, não podião todavia tem dos direitos politicos, e effectivamente seria muito perigoso e até impolitico, e mesmo contrario ás bases da Constituição dar a todos os Portugueses o exercicio dos direitos politicos. Os Athenienses e Romanos, forão dos povos do mundo os mais zelosos da liberdade, e assim mesmo economisarão os direitos de cidadão, e até indirectamente excluirão os proletarios e os capite censi, que erão aqui lhes que no catalogo que só fazia de cinco em cinco annos, dos cidadãos e das suas faculdades e haveres, só davão o seu nome e o do familia, porque não tinhão propriedade alguma. Os Romanos muito sabios na arte de governar prevenirão que esta classe não estando libada á sociedade com vinculos de interesse, facilmente serviria de instrumento a facciosos e conspiradores; e combinando a dignidade de cidadãos com o interesse da sociedade indirectamente os excluirão na fórma dita. Imitemos pois os Romanos concedendo tão sómente o exercicio dos direitos politicos aos cidadãos que tiverem propriedade territorial ou urbana, e aos que tiverem algum estabelecimento de commercio, industria, ou artes: deste modo promovemos a industria, e economia entre os cidadãos, porque todos hão de procurar ser proprietarios, ou ter algum estabelecimento, e não excluimos directamente cidadão algum. Concluo approvando a doutrina da indicação, e convido o seu illustre autor a que a enuncie desta, ou similhante forma: Só terá direito de votar nas eleições, que for proprietario, ou tiver algum estabelecimento de commercio, industria, ou artes. Accrescento artes, para tirar toda a duvida que póde haver a respeito dos que só vivem da profissão litteraria.

O Sr. Pinto da França: - Eu tinha pedido a palavra não por julgar ser preciso dizer alguma cousa sobre a materia, porque tenho ouvido tanto que já sobeja para fazer pender a balança da razão deste Congresso; mas sim porque admirei-me quando ouvi dizer que a classe de que trata a indicação, era a mais sabia, a mais interessada, e a que se devia julgar mais independente; consequentemente como alem da sciencia, o interesse e a independencia são as bases da eleição, deve esta ciasse preferir a todas as outras. Como se póde esperar mais sciencia na classe de jornaleiro? Que sciencia póde ter um pobre trabalhador, que se limita a conhecer se a terra que cava he mais dura ou mais mole? E cujos raciocinios todos são cousas vãs e alguns contos de velha que ouviu no palheiro? E que póde saber o artista de que se trata? Este está esperando as noites para descançar e os domingos para ir passear, (se he aqui) até o bom sitio de Santa Catharina, ou (se he em outras terras) a qualquer sitio aprazivel. A respeito de interesses da Nação he preciso desenganarmo-nos, que estes estão para o homem, como o interesse do homem para a Nação. Quem em politica quer analysar o homem como elle devia ser e não como elle he? Não nos illudamos. Não póde ser esta classe tão interessada como £e quer dizer. Não me demorarei aqui muito tempo. Em quanto á independencia que se lhe attribue: não posso dizer que aquelle homem o qual para viver precisa que outro lhe he um meio, seja tão independe neste como este. He acaso o abrigador tão dependente como o abrigado? Creio que não. Um honrado Membro, disse que não achava muita distancia do criano de servir ao trabalhador; que um servia para um mez e outro para uma semana: esta semana está na mesma razão para este, que aquelle mez para aquelle; e confessemos, que para achar diferença entre um e outro será necessario subtilizar muito, porem sempre se ha de subtilizar debalde. Tambem se disse que isto he em menoscabo da classe. Isto he um bem da mesma classe, pois que he um bem geral. Uma classe que tem poucos conhecimentos, e que tendo pouco interesse, ou não sendo tão grandes como os de outras, isto a torna quasi dependente; fim por isso igual á outra que já foi excluida: e cuja votação ou por dependente ou por cega iria com a ruina geral fazer a sua ruina. Estas são as razões porque voto pela excluisão. Não he por menoscabo, não. E quem ousaria falar e obrar em menoscabo de qualquer classe de cidadãos? Convem restringir este direito, mas conheça-se, que he em bem indirecto e proveito da mesma classe, a quem se restringe.

O Sr. Castello Branco Manoel: - Diz-se que estes homens são incapazes de entrar nas eleições porque quasi sempre elegem mal, porque nada sabem, e que alem disso são dependentes. Proponho-me para combater a ultima opinião. Eu estou persuadido que esta gente he muito independente. Primeiramente estes homens não tem propriedade (segundo a hypothese). Estão nas mesmas circunstancias dos outros, e tem de mais a mais a vantagem de não lerem precisão de fortuna para a conservarem porque a não tem. Consideremos um homem destes como elle he por natureza. Convidarei os illustres Preopinantes que tem tido precisões de gente em consequencias de uma agricultura, a que me digão e a verão mais dependencia dos trabalhadores, ou se os trabalhadores delles. Em lhe dando noutra parte mais dez leis, já se vão embora. A dependencia que elles tem he do que lhes dá mais alguma cousa. Talvez que se houvesse algum perigo de que estes homens não votassem bem fosse porque elles quererião votar nos seus similhantes, porque elles professão ordinariamente pouca affeição aos mais abastados. Nós temos estabelecido que as eleições sejão feitas por escrutinio secreto. Se alguem os quizer subornar, poderão dizer: sim, eu votarei em vosse, e quando lá chegarem darão o seu voto em quem lhes parecer. Não se julgue pois que, porque um homem he jornaleiro tenha grande dependencia, eu já mostrei que ao contrario, ha occasiões em que os que lhe pagão dependem mais delles. Isto he o que a experiencia mostra. Elles, nas suas conversações mostrão que tem poucas affeições.

O Sr. Barreto Feio: - A nação portugueza, assim como todas aquellas, que passarão da escravidão á liberdade, acha-se dividida em tres classes, nobres, povo, e vadios. Se nós, com justa causa, temos excluido os vadios, porque não tem interesse algum na sociedade, por isso mesmo que não tem um certo;

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com muito mais razão deveriamos excluir de votar nas eleições a classe dos nobres, porque tem interesses oppostos aos do povo, e aspirão sempre a escravizalo, e sómente deveriamos admittir a classe media, porque he no meio, onde consiste a virtude.

O Sr. Alves: - Esta indicação tem sido discutida pró e contra com tanta quantidade de doutrina; tem-se dito tanto, que será difficil accrescentar alguma cousa que seja novo; com tudo não me parece necessario dizer mais, he o que vou provar. Quando se tratou da questão das eleições; lembro-me que estas razões que trouxe o illustre autor da indicação forão as mesmas com que se quiz combater as eleições directas; disse-se que em muitas classes da viação não havia a independencia necessaria, não obstante triunfarão as eleições directas; logo se queremos ser coherentes comnosco mesmo não devemos admittir a indicação porque dia he fundada em razões que se rejeitarão, quando se tratou das eleições directas. (Apoiado.) Quando se tratou dellas disse-se que era necessario que fossem feitas por toda a nação.... Ultimamente apezar de serem para mim muito respeitaveis as razões do illustre Deputado autor da indicação; apezar de serem essas as razões que expendi quando se tratou das eleições directas, se acaso nós queremos ser coherentes comnosco mesmo, devemos não admittir a indicação, porque essas mesmas razões hão de excluir outras muitas classes, pois como já se disse, os proprietarios pouco abastados estão quasi mo mesmo catado, e esta visto que os deveriamos tambem excluir; mas para excluir todo o numero delles que em Portugal se achão nessas circunstancias, seria um grande numero de votantes que se excluião. Por consequencia, sou de opinião que se rejeite esta indicação e todas as mais que lembrarem.

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Sr. Presidente, o illustre Preopinante que acaba de falar disse o mesmo que eu queria dizer. Uma vez que a nação portuguesa he representada, tem cada cidadão o direito sagrado de encolher os seus representantes. Para se elegerem bons representantes da nação não he preciso grandes conhecimentos, basta a opinião, essa minha do mundo, que sempre ha de reinar no coração dos homens. Esta indicação não só nos não poria ao abrigo dessa classe numerosa de que trata; antes pelo contrario nos faria talvez cair no abysmo de que felizmente temos escapado. Convem que haja opinião publica constitucional, para se elegerem os constitucionaes. Eu quereria, que ninguem absolutamente fosse privado de votar; mas como isto não póde ser, escolha-se muito embora assim, que a opinião mostrará á nação como se deve portar nas eleições.

O Sr. Ferrão de Mendonça: - Sr. Presidente: eu tambem não tenho esta classe de jornaleiros e artistas em conta de automatos, entes ao contrario, sei por experiencia, que elles tem todo o discernimento necessario, para escolherem bem os Deputados e Representantes da nação. Sei mais que entre elles, muitos se distinguem, a quem olhão como seus mestres a doutores; e que estes no mesmo trabalho lhos estão dando lições constitucionaes; porque he necessario que se saiba, que em toda a parte hoje ha Cortes, pois que em toda a parte se fala nas materias que aqui se discutem. Eu assisti a uma eleição de parochia, que constava de 700 a 800 listas, e cada uma de 31 compromissarios, e notei sempre o cuidado e esmero que todos os cidadãos (a maior parte não proprietarios) procuravão as pessoas mais capazes da freguezia, e indagavão se tinhão sentimentos constitucionaes. Notei mais, que a pluralidade dos votos recahiu sobre as pessoas que tinhão mais talentos e virtudes! Não se diga pois, que esta classe não tem instrucção nem capacidade para bem votar: não he assim: tem, como disse sufficiente conhecimento e discernimento; e os votos que eu examinei, forão sempre bons. O povo não está tão ignorante como se pensa. Algum dia os papeis publicos erão lidos sómente pelas pessoas literatas: hoje vê-se estar lendo o Diario e os jornaes em todas as das e em todas as lojas, sem exceptuar as dos artistas. Até nos mesmos chafarizes, sentados nos barris se estão lendo gazetas! O povo portuguez sempre em todos os tempos se distinguiu pelo seu patriotismo. Em 1640 não querendo nunca ser hespanhol, quebrou os ferros castelhanos: em 1808 não querendo ser francez, expulsou de Portugal as tropas francezas: em 1821 não querendo ser mais escravo, fez-se constitucional e livre; eu estou certo que sempre ha de querer ser portuguez, e constitucional, e que ha de forcejar para manter a liberdade e a Constituição. - Por estas razões, e por outras que omitto, voto contra a indicação, e sou de parecer que os jornaleiros e artistas tenhão voto nas eleições dos Deputados. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Guerreiro: - Farei por ser o mais breve que me for possivel. Tem-se pertendido demonstrar que os jornaleiros, e mais pessoas comprehendidas na indicação não são mais dependentes do que quaesquer outras: porem ainda não vi provados estes principios. Os jornaleiros não vivem senão da mercê que outros lhes fazem em troco dos seus officios, eis-aqui o motivo de dependencia. Disse-se que então não haveria classe que o não fosse; comtudo parece que estão acostumados toda a sua vida a buscarem sómente uma mesquinha subsistencia, deve ter mais dependencia do que os proprietarios que lhes fornecem esta mesma subsistencia, e sem que elles hão podem viver: aqui está estabelecida a differença da dependencia; quasi toda a sua vida estão sujeitos á vontade alheia, cousa na verdade incompativel com a verdadeira independencia. Um illustre Preopinante depois de dar outras razões pertendeo fazer competir a bondade das eleições he segredo dellas, por isso que qualquer podia prometter dar o voto num, e depois na occasião de o dar votar noutro, depois de lhe terem bebido o vinho de que se falou. Triste da nação portugueza se da immoralidade de certos sujeitos proviesse a felicidade della. O mesmo Preopinante para tornar esta indicação odiosa, pretendeu mostrar que Rosseau seria excluido de votar porque a indicação só admitte proprietarios, o exclue os officiaes de officios. Creio que Rosseau não pertence a esta classe; mas quando mesmo em Portugal houvesse um homem semelhante á elle haveria outros tão dignos: infeliz a nação cuja felicidade depende sómente de um homem, e mesmo

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não sei se conviria, se seria util a uma nação que a maioria dos membros da sua assemblea fosse composta de homens como foi João Jacques Rosseau. O homem he dependente por tres principios: primeiro por falta de meios; segundo por força de habito; terceiro por educação.... Dizer-se que uma classe e outra deverião ser excluidas: pergunto qual será mais util que se exclua o proprietario, ou a classe dos jornaleiros? Está visto que o jornaleiro, porque o proprietario teve outra educação: e por tanto está mais apto para conhecer quem deve escolher, e até mesmo porque este melhor que outro sabe quaes são as qualidades necessarias para fazer um bom representante da nação, e alem disso tem mais conhecimento das pessoas da sua comarca que estejão nessas circunstancias. Este portanto está habil para poder dar o seu voto: Disse-se que esta indicação poderia ser illudida, porque qualquer se tornaria proprietario em comprando uma pequena terra. Esta razão he mui forte á primeira vista. Eu muitas vezes tenho dito eterno a repetir que não desejo que se conservem as palavras da indicação; quero sómente o espirito delias: podem portanto escolher-se outros termos para exprimir o valor della; e aqui onda ha tantos varões illustres pelos seus conhecimentos, espero que remedeiem as minhas faltas. Um illustre Preopinante, depois de dar as suas razões, concluiu que a indicação devia ser rejeitada porque os argumentos que havia a favor della, erão os mesmos que se tinhão empregado, quando se tratou da eleição directa; mas ainda que estas mesmas razões forão então rejeitadas, forão-no por um fim diverso do que agora se trata; e por isso não me parece esta razão de muito pezo.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Trata-se de direitos politicos dos cidadãos, e tem-se tratado esta questão, sem se ir á origem destes direitos. De que procede o goso que tem o cidadão dos seus direitos civis é politicos? Nasce do pacto social que elle fez: estamos certos neste principio. E quaes forão os que contratarão para este pacto, forão só os ricos, só os proprietarios? Creio que não; forão todos. Pergunto eu: quando todos fizerão uma associação, quando todos se obrigarão a prestar para essa sociedade, quanto tivessem na sua mão, hão de uns gosar de um direito, e outros não? Porque? Como poderemos tirar aos jornaleiros, direitos que elles adquirirão ao mesmo tempo que os homens proprietarios? Até me parece que o Congresso não póde fazer isso. He preciso partir deste principio: todos os que entrarão no pacto social promettêrao concorrer com o que estivesse da sua parte para a conservação da sociedade. Ou se ha de affirmar que o jornaleiro não concorre para a conservação da sociedade, ou se ha de admittir que elle tem nella o mesmo direito que os outros, porque concorre, com o que está da sua parte. Isto he que se não póde negar: todos os outros argumentos que se tem trazido para mostrar a dependencia do jornaleiro e a independencia das outras classes, são especiosos; não provão nada. Todas as vezes que consideramos a politica desligada daquillo que ordinariamente costumão praticar, como o interesse que move a todos porque tem a base ao coração humano, nós iremos cahir de erros em erros. Quem he mais dependente da vontade alheia, um jornaleiro que tem o estabelecimento no seu braço, ou um homem que para prosperar precisa de outro? Está visto que o jornaleiro he menos dependente por natureza e menos ainda pela sua ambição; ella consiste em não ver á sua porta soldados, nem officiaes de justiça. Não nos cancemos para mostrar que uma classe he mais dependente do que outra: a Nação inteira depende, porque o interesse faz a dependencia, e cada um gosta da seus interesses; todos dependem, ou pertenção a uma ciasse ou a outra. Diz-se que forão excluidos os criados de servir, e porque o não hão de ser os jornaleiros, visto que não ha differença se não em que um está alugado por um mez e outro por uma semana. Isto he um sofisma. Um criado de servir está das portas para dentro todo o anno, pertence áquella familia, e ha de fazer o que o amo quizer. Não assim o jornaleiro, ou o cavador de enxada; não tem nada disto, hoje estão aqui, amanhã acolá. O que disse um illustre Preopinante, de que os lavradores dependem delles, e não elles dos levradores, he uma verdade. Eu perguntarei a alguns Srs. da provincia, se elles tem tido mais precisão dos trabalhadores, do que os trabalhadores delles: no principio de uma semana vem para uma parte, e se lhe parece diz não quero aqui ficar vou para este ou para aquelle. Não nos illudamos; tratamos aqui de dar a todos os cidadão" os direitos que lhes pertencem. O Congresso privando os trabalhadores de votarem nas eleições, ia a por a Nação Portugueza em peior estado do que estava antes de se estabelecerem as eleições directas; por este modo qualquer cidadão portuguez, não gozará do direito mais preciso que o homem póde ter na sociedade, que he o de escolher aquelle que o ha de representar. Se se admitte o rico a votar porque ha de ser excluido o que não tem nada? As bases da Constituição dizem que todos os cidadãos são habeis para os empregos publicos; pois então um juiz poderá julgar da minha fazenda e até sentenciar-me á morte, e não estará nas mesmas circunstancias para poder escolher um Deputado? Que mal se segue disto? Se vota mal não he seguido, se vota bem não se segue perigo de que um homem capaz tenha mais um voto a seu favor: se algum he comprado para votar tambem se não segue daqui rua! porque os votos hão de ser examinados, e vendo-se no conhecimento perderá o que comprou e o que vendeu. Se pois um homem poderoso aliciar os que forem capazes de se venderem, e isto se vereficar, perde o direito de sei eleito, isto he o que póde succeder. Não se castigue porem uma classe ião numerosa, sem ter feito mal, nem se prive da fruição publicados seus direitos, sem, ainda o merecerem. Voto pois contra a indicação, e contra todas as outras de similhante natureza.

O Sr. Pinto de França: - Temos os direitos civicos (certamente eu os adoro) he preciso seguilos como farol da nossa felicidade! Todos tem interesses na sociedade; todos tem iguaes direitos: sim venhão votar todos, eu os chamo, mas não me apparecem os menores do vinte e cinco annos, os creados de servir, os regulares. Fez-se um pacto, todos entrarão nesta

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associação, todos devem ter os mesmos direitos: he verdade, mas pergunta-se, todos os que concorrerão para a construcção de uma barca, quando esta tem de sulcar encapeladas ondas, serão empregados nos remos, e no timão, tenhão ou não força ou destreza? Se hão podem, senão sabem, como poderão manejar o remo, e o leme? Parece que o contrario he que era contra o pacto de que se fala. Respeito a sabedoria e subtileza dos honrados Preopinantes, mas digo o que sinto: podem votar, ou não sobre mim outra vez; não o ambiciono, porque não sou capaz de desempenhar tão alto emprego. Perante o povo eu allego os seus interesses: veja que o que digo he para seu bem. Dizia um poeta (repetiu uns versos). Digo a verdade; amo a minha Nação; bastante o tenho provado, e lhe consagro os poucos dias que me restarão de vida. Entendo-o assim, assim o digo: não he por menoscabar nenhuma classe: respeito a generalidade dos direitos de cada uma, estimo todo o cidadão honesto, seja qual for a sua classe, apesar da fortuna com que nasci, apesar que estou collocado em honras, não me deslumbro; desde os mais tenros annos fui assim, assim era antes de 24 de Agosto. Falo o que entendo, não trago o maravilhoso das expressões, mas tambem não uso de adulação. Quando eu disse, que não podia conhecer igual interesse nesta classe, olhei para o homem, considerei os laços quer mais ou menos o estreitão no amor da patria, lembrei-me das raizes maiores ou menores que cada um nella tem, quiz dizer verdades, não me quero enganar, nem devo enganar: isto não he de fórma alguma ter em pouca conta esta ou aquella classe; sei qual he a generalidade de patriotismo da nossa Nação, não me recordo só das épocas que apontou um illustre Preopinante, pois se desço desde a mais remota antiguidade até aos nossos dias encontro amiudados prodigios de seu amor patriotico, mas não he este o lugar de tecer o seu elogio; he sim o de se fazer uma Constituição para sua segurança, e felicidade; e para este fim he que eu tenho assim votado, porque assim o entendo.

O Sr. Miranda: - Temo-nos desviado muito dá questão, e por fim tem-se exagerado nimiamente os perigos que se podem seguir de não se approvar a indicação.... A contradicção que ha nestes principios he que eu não posso admittir. Um proprietario que tem 4$000 réis póde votar, e um homem como um artista que póde adquirir muito mais, não Vota! He muito injusto que possa n'uma Assemblea estar o que tem 4$000 réis e que não possa estar um artista que pela sua industria póde ter uma propriedade muito maior mil vezes, só porque não tem uma terra. A respeito disto disse o illustre autor da indicação, que se estabelecesse um termo fixo á propriedade: agora he que eu digo que se não póde admiltir; marcar-se limitte á propriedade, a isto he que eu me opponho.... nisto não póde haver a menor restricção. Pelo que pertence ás classes, póde haver um grande proprietario, um morgado, que não tenha algum conhecimento, como os ha, para escolher um bom representante; e póde haver um artista, que sem perigo póde escolher, e conhecer moralmente o que póde servir melhor. Ninguem se póde dizer independente na ordem social, e na mesma ordem da natureza o homem mais dependente, he o que tem mais paixões. Todos somos dependentes a certos respeitos. Não nos assustemos com os conloios, ha de havelas, tanto como nas outras eleições, e até he necessario que os haja, ahi está a perfeição do methodo. Se he um homem indigno fica com esses poucos votos, e se he um cidadão capaz e virtuoso, não importa que aos que tiver se juntem mais esses. Antes de entrarem nas assembleas eleitoraes, está esta gente ás portas da freguezia, e ali diz um, em quem votas tu? Eu voto neste. Não, homem vota naquelle que he melhor, esse não presta. Eis-aqui a perfeição do methodo das eleições directas; e por isso não póde ter lugar o conloio, um voto de nada vale: todo o cidadão pois deve apparecer na assemblea eleitoral: se algumas classes deixão de apparecer he porque assim he preciso; mas esta chamada povo entra em quasi todas. Agora he pois que com mais razões rejeito a indicação.

Declarada a materia sufficientemente discutida propoz-se á votação a primeira parte da indicação do Sr. Guerreiro, e tendo ficado empatada com igualdade de votos pró e contra, propoz-se segunda vez á votação, e foi rejeitada por 56 votos contra 49. propondo-se á votação a segunda parte foi igualmente rejeitada.

Lerão-se as duas seguintes

INDICAÇÕES.

Primeira. Proponho que sejão excluidos de votar e de serem elegidos os fallidos, os que tem feito bancarota, e os devedores insoluveis. - J. Lino.

Segunda. Tendo-se sanccionado que os criados de servir ficão excluidos de votar; proponho que se declare, que por estes se não entendem aquelles que são empregados na lavoira, ou por outros termos os criados dos lavradores. - Miranda.

Ficarão para segunda leitura no primeiro dia de Constituição.

O Sr. Secretario Freire fez a 2.º leitura do seguinte

Projecto do decreto.

As Cortes etc. desejando favorecer a construcção, animar a marinha, e por ella virificar o commercio do Reino Unido de Portugal, Brazil, e Algarve, decretão provisoriamente o seguinte.

Art. 1. As madeiras de producção portugueza proprias para construcção ao fabrico de navios, ou embarcações de qualquer especie, são isemptas de direitos por entrada, e de qualquer emolumento nas estações existentes. As madeiras sobreditas; que se exportarem para paizes estrangeiros, pagarão de direitos dez por cento.

2. He livre de todo e qualquer direito, ou emolumento por saida, tudo o que se destinar ao apresto, apparelho, sobrecellentes, victualhas, ou uso do navio portuguez.

3. Nenhum casco estrangeiro poderá ser considerado navio portuguez, salvo sendo apresado, ou quan-

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do por naufragio, varação, ou julgado de inavegabilidade soffrer concerto no Reino Unido, que dispenda alem do dobro do valor do seu custo.

4. São livres de direitos por entrada todas as materias brutas necessarias para a construcção dos navios.

5. As antenas estrangeiras pagarão um terço dos direitos por entrada que actualmente pagão, e nada de direitos, sendo importadas em navios portuguezes. Ficão abolidos os termos, caminhos, e quaesquer outras formalidades praticadas no despacho deste genero.

6. Todo o que construir navio para vender, he isempto de pagar siza por esta primeira venda, ou algum outro direito. Nas vendas subsequentes sómente se pagará cinco por cento de meia siza, seja qualquer que for o domicilio dos contrahentes, e idade do navio.

7. O navio que entrar, e sair em lastro; o navio que entrar em lastro, e abrir despacho para cargas, e sair com menos de meia carga, ou o navio, que entrar com alguma carga, e sair em lastro, pagará metade sómente do que deve pagar o navio que entra, ou que sáe carregado.

8. Fica no arbitrio dos proprietarios dos navios o levar capellão, e cirurgião, seja qualquer que for o seu lote, ou viagem.

9. Nenhum navio portuguez continuará a pagar por saida, se não as imposições, que achando-se por agora estabelecidas, são directamente levadas a cofre da fazenda nacional.

10. Ficão abolidas todas as visitas dos navios por entrada, excepto a visita da saude, e a visita da alfandega depois da descarga, e antes de retirados os guardas de bordo; a visita da saude se fará aos navios á vela a exemplo da do registo.

11. Feita pelo mestre do navio a declaração do dia de sua projectada partida, oito dias antes na estação do correio, a nada mais he obrigado, nem póde ser detido, alem do termo declarado, por nenhuma causa, ou autoridade; se ao navio for necessario aproveitar comboi, ou conserva, poderá fazer a declaração quarenta e oito horas antes, e não poderá ser detido alem deste termo.

12. Os marinheiros dos navios, em mais de meia carga, não poderão ser presos para o serviço da armada, um quanto houverem marinheiros de navios descarregados surtos no mesmo porto.

13. He livre aos donos dos navios incumbir a quem lhes convier da carga, e descarga dos lastros, competindo sómente ao intendente, capitão do porto, ou guarda mór do lastro, a designação do local, em que a mesma carga, ou descarga deve ter lugar, sem que os donos tenhão por tal respeito obrigação de pagar emolumentos alguns.

14. Fica permittido o retirar-se de bordo do navio a pólvora de seu uso antes de dar entrada na alfandega.

15. Todas as visitas por saida ficão reduzidas a, uma só visita, e por ella sómente pagará o navio ao escaler quatro centos e oitenta réis, e ao escrivão outros quatro centos e oitenta réis, pela certidão competente, que ficará sendo documento de bordo.

16. O intendente, capitão do porto, ou patrão mór, não perceberá emolumento algum por vestoria a que proceda; e Comente o escrivão vencerá quatro centos e oitenta réis, e o meirinho duzentos e quarenta réis, em quanto não tiverem ordenados certos, e sufficientes.

17. As licenças para cortes de madeiras, a marca de estaleiro, e bater estaca; os passes de barra, e as licenças para lanchas de pescarias, serão puramente gratuitas, e por nenhum titulo se poderá pretender emolumento algum a similhante respeito.

18. Pela matricula da gente da equipagem, e pela matricula de carpinteiros, e calafates, haverá um unico emolumento de cincoenta réis por cabeça a favor do escrivão respectivo.

19. Todo o proprietario, capitão, ou mestre, póde servir-se para crenar seu navio da barcaça, ou barcaças que bem quizer, ficando abolido o abusivo direito, que em alguns portos se arroga o patrão mór de obrigar os proprietarios a servir-se exclusivamente da sua barcaça.

20. O passaporte do navio será lavrado em pergaminho. Elle deve conter as dimensões, porte, e mais qualidades caracteristicas da embarcação; o nome do dono ou donos, e capitão; o nome do constructor, e do lugar onde foi construido, e a designação da viagem emprehendida.

21. Concedido uma vez o passaporte pela Secretaria de Estado dos negocios da marinha, elle será referendado pelo intendente, ou capitão do porto respectivo, em cada viagem, sem por isso vencer emolumento algum. O passaporte sómente será reformado pela mudança de dono, capitão, nome do navio, ou fórma de sua armação.

22. Nenhum empregado publico, official de fazenda ou de policia dos portos, poderá exigir do navio cousa alguma a titulo de costume, gratificação, propina, ou emolumento. Provada a prevaricação do empregado, será expulso, e punido com as penas do que leva salarios individos. Sala das Cortes aos 9 de Abril de 1822. - José Ferreira Borges.

Mandou-se imprimir para entrar em discussão.

Entrando-se na hora da prolongação, e tendo a palavra a Commissão do Ultramar, leu o Sr. Soares Franco, por parte da mesma Commissão o seguinte

Relatorio ácerca do Reino de Angola.

O Reino de Angola, cuja Capital he S. Paulo da Assumpção de Loanda; está situado na costa occidental de Africa, entre oito, e doze gráos de latitude austral, contando os presidios seus dependentes. Para se conhecer a sua importancia basta fazer as duas seguintes considerações: 1.ª sobre a sua população; 2.ª sobre as suas rendas. - A Capital tem de guarnição um regimento de linha, outro de milicias, um esquadrão de cavallaria, uma companhia de artilheria, e outra do artifices. Tem 5:680 habitantes, em que entrão 443 brancos, e 438 pardos; os mais são pretos. Os seus presidios tem a seguinte população. Ambaça 17:089 habitantes; Muxima 7:970; Icollo, e Bengo Dande 11:803; Zenza, e Guillengues 12:373;

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Engoxe 15.421; Pungo-andongo 7:061; Cambambe 10.352; Benguella 2:219: Gollungo 20:203; Massangano 11:066. Quasi todos estes habitantes são pretos; mas que recursos não poderia tirar um governo illustrado desta grande população! Ha alem disso varios Sovas, ou Potentados sujeitos á nação, e são mais ou menos obedientes: conforme as nossas forças.

2.° As rendas publicas da provincia, segundo as contas do ultimo governador, forão .... 262:020$165
E as despezas .... 131:505$959
A receita excedente he .... 130:514$206

Uma provincia desta força, e deste rendimento exige todos os cuidados de uma nação que deseja engrandecer-se. Felizmente a sua saude publica tem melhorado tanto nestes ultimos tempos, qus basta que se apphquem os mesmos cuidados que até agora se tem posto em pratica (e que já forão declarados, fallando da provincia de Cabo Verde) para Angola ser um paiz saudavel.

Agricultura.

A agricultura deste Reino podia ser muito extensa, e muito lucrativa; mas os negociantes, inteiramente entregues ao cruel, e injusto tranco da escravatura, tem desprezado absolutamente este fundamental principio da riqueza publica!

As cinco plantas principaes dos Tropicos se dão ali excellentemente, isto he, o algodão e o assucar, o tabaco, o carie, e o anil: o caffe he talvez igual as de S. Thomé, e Moçambique, que he da mesma qualidade que o de Moca. A Commissão julga dever propor para Angola a mesma medida que já lembrou para Cabo Verde, e he, que vá um naturalista visitar este paiz, e examinar suas producções, como o Governo Francez mandou em 1785 Mr. Geoffroi, doutor em medicina, visitar a peninsula de Cabo Verde. Elle indicará ao governo, e ao governador todas as medidas que julgar convenientes para melhorar aquellas mesmas producções, e para dellas se extrahirem facilmente os objectos commerciaes. Entretanto o Governo póde mandar ir de algumas partes do Brazil homens praticos na cultura destes diversos generos.

As Minas são outra grande riqueza deste pais; a de ferro he abundantissima; no anno de 1820 se mandarão para o Rio de Janeiro 431 quintaes de ferro; tambem ali ha alguma resina, e petróleo, e he muito obvia a necessidade que nós temos destes generos no arsenal da marinha, assim como do algodão para a cordoaria. Tambem consta por officio do governador de 18 de Outubro de 1819, que se tinhão dado todas as providencias para se descobrirem as Minas do ouro, e praia, que ha naquelle Reino, assim como para facilitar o commercio de fazendas, polvora, e agua-ardente com os Potentados visinhos por ouro, prata, cobre, marfim, e cera.

Uma das cousas que póde melhorar muito a face deste paiz, he o encanamento do rio Luana, em que se cuida ha alguns annos; mas o promover todos estes objectos pertence immediatamente ao governo, e aos governadores.

Nada faz prosperar tanto a agricultura como a certeza da venda de seus productos; por isso, e para facilitar o commercio directo com a Melropoli, convem que os generos coloniaes, que vierem da Africa para Portugal, paguem unicamente um por cento da saida.

Commercio.

O contrato do marfim he nacional, assim como o da urzella, e está confiado ã administração do Banco do Rio. A Commissão tem neste caso a mesma opinião que leve a respeito daquelle musgo, e he, que venha todo o marfim para Lisboa entre o producto de sua venda no Thesouro, e revertão para elle os lucros dos dois por cento da venda, porque as despezas dos estabelecimentos de Africa tambem correm por sua conta, e nada tem de commum com o Banco do Rio.

O Commercio de todos os outros generos deve ser desembaraçado das restricções, que systemas pouco illustrados, e talvez interesseiros ali tinhão introduzido. Os negociantes não podem mandar sair os seus navios quando os tem prontos, mas são obrigados a esperar pelo turno, conforme as entradas. Dois delles fizerão um requerimento ao Rio de Janeiro em 1820, para serem livres desta oppressão; mandou-se consultar a junta do commercio daquelle Reino, a qual cumpriu a ordem em 12 de Setembro de 1820; dizendo que a liberdade do commercio, a igualdade da lei, e o direito de propriedade (e note-se que inda então não estavão juradas as bases da Constituição) exigião que todos os negociantes de Angola podessem mandar sair livremente os seus navios, uma vez que provassem perante o juiz da alfandega que erão proprietarios da carregação. A Commissão he de parecer, que esta mesma condição he prejudicial ao commercio, e que os negociantes devem gozar do direito de propriedade mandando sair os seus navios quando o julgarem mais util aos seus interesses, exactamente como succede aos outros negociantes do Reino Unido.

Tambem ha outras restricções no commercio d'Angola para o Sertão: tendo-se determinado que nenhum armador desse aos seus aviados ou commissarios, para o Sertão mais de 4:8000$ réis, e querendo ultimamente ordenar-se que não dessem menos de 400$ réis. Porem a carta regia de 30 de Janeiro de 1810, que sanccionou aquella restricção, o fez só interinamente, e em quanto S. A. o Principe Regente não estabelecia o commercio do Sertão sobre principios mais liberaes, formaes palavras; e he claro que no nosso actual estado nenhuma duvida póde haver que o commercio deve ser aliviado destas oppressões; até porque as autoridades encarregadas da execução as ordens pelos seus abusos fazem que os vexames e os estorvos se fação excessivos.

Porem este commercio está particularmente dirigido para a escravatura; commercio injusto, tyrannico, e que ataca igualmente os principios da Religião, da humanidade, e da politica. - Este barbaro commercio entretem os odios e as guerras entre aquelles povos grosseiros, e semibarbaros, mas muito avaros; tanto, que são capazes de vender os proprios filhos. - Não será mais proprio de uma Nação generosa,

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e livre, tentar antes ir civilizando pouco a pouco estes Gentios, ensinar-lhes a cultivar suas terras, e lavrar suas minas, e o grande cabedal que se emprega na compra dos escravos, empregar-se antes na compra do ouro, prata, cobre, marfim, e das outras producções do vasto e rico interior da Africa? Não será de grande utilidade cultivar tambem ali as plantas preciosas, que se dão excellentemente naquelle paiz, e de que algumas são até originarias, já que nos transplantamos os habitantes d'Africa do seu paiz natal, a custa de grandes fadigas, e de grandes despezas, para irem cultivar essas mesmas plantas em remotos climas? Será certamente: e este he o meio de dar alguma consistencia e consideração a estes estabelecimentos. - Para circunstancias desta natureza he que he mais necessaria a capacidade individual dos empregados, do que a bondade das instituições. O governador, os ministros, o bispo, e os parocos, devem ser actualmente escolhidos com grande escrupulo e cuidado para aquella provincia, principalmente o governador precisa ser homem instruido nos meios de augmentar a riqueza das Nações, melhorando a agricultura, o commercio, e a administração publica; e principalmente dirigindo efficazmente o commercio da escravatura para os trabalhos da agricultura, e das minas de ferro, ouro, e prata que houver na provincia, para o que se poderá mandar ir alguns operarios instruidos no trabalho das minas, o que ficará á disposição do Governo.

A respeito do governo da Ilha do Principe, e S. Thomé, ha poucas informações na Commissão; mas quantas bastem para saber que a extincção do commercio da escravatura ao Norte do Equador fez ali a mesma falta, que causou nas praças de Bissao e Cacheu, e que nada se lhe tem substituido. Nas instrucções dadas pelo ministerio do Rio de Janeiro ao governador destas duas ilhas, se recommendava, que promovesse a cultura dos generos que poderião servir para abastecer os mercados de Angola, e Cabinda; porque muitas vezes se experimenta ali falta de viveres: e na verdade neste trafico acharião aquelles naturaes o meio de sairem da mizeria em que actualmente jazem.

Porém a producção mais importante destas ilhas he o cafe; porque he talvez o melhor do mundo; he conveniente que o governador faça prosperar por todos os meios, que estiverem ao seu alcance, este ramo de industria.

Attendendo aos poucos recursos destas duas ilhas, os antigos Reis de Portugal tinhão izentado inteiramente de direitos, assim os assucares, como os outros productos e mercadorias de S. Thomé; e ultimamente Sua Magestade em alvará de 20 de Setembro de 1813 izentou de todos os direitos de entrada e saida o sabão feito na ilha de S. Thomé com azeite de palma, e o mesmo azeite de palma.

A Commissão ignora, se as causas das molestias da ilha de S. Thomé dependem essencialmente da natureza do clima, ou de principios geraes, mas remediaveis; como a existencia de pantanos na ilha; a falta de reparo nas casas; a má qualidade dos alimentos, e das bebidas. Limita-se por tanto a informações sobre as causas provaveis das molestias destas ilhas, sua população, sua agricultura, seu commercio, e sua administração; lembra com tudo, que se for supprimido o cabido de Cabo Verde, com muito maior razão deve ser supprimido o de S. Thomé. - Deve determinar-se entretanto o augmento de cultura do caffé, e dos generos que tiverem melhor venda no mercado de Angola; mandando-se por em vigor as antigas leis, que izentão de todos os direitos de entrada e saida nas alfandegas do Reino Unido todos os productos e mercadorias da ilha de S. Thomé; e em um applicando para ellas quanto for possivel as mesmas providencias a respeito de saude publica, recommendadas para a provincia de Cabo Verde.

A Commissão de Ultamar, não tomando em consideração o que pertence ao Governo, he de parecer, relativamente a provincia de Angola.

1.° Que se autorize o Governo para mandar aquella provincia um naturalista, que vesite, examine as suas producções, e indique ao Governo, e ao governador todas as medidas que julgar convenientes. O mesmo naturalista deve examinar o estado das minas, e os meios de tirar dellas a maior utilidade possivel; ficando igualmente incumbido ao Governo o mandar ir de outra parte os operarios necessarios para a lavra das minas do ouro, ou prata, no caso que appareção taes que mereção o trabalho.

2.° Não podendo muitas vezes trabalhar a cordoaria por falta de algodão, e havendo-o em Angola bom, e por bom preço, comvem que se mande trocar, por conta da fazenda, polvora, de que temos sobejo, por algodão, de que temos falta naquella fabrica nacional.

3.° Que todo o marfim de Africa seja remettido para Lisboa directamente, e vendido por conta do Thesouro nacional, para o qual devem reverter igualmente os dois por cento de lucro que tinha o banco do Rio de Janeiro, pela sua administração e venda.

4.° He tambem a Commissão de parecer, que seja livre aos negociantes de Angola, assim como o he a todos os outros do Reino Unido, o poderem fazer sair os seus navios, quando o julgarem mais util aos seus interesses, sem serem obrigados a esperar pelo turno, conforme as entradas. E pensa tambem a Commissão, que a mesma liberdade e direito de propriedade se deixe sem restricção aos commerciantes, que negoceão para o Sertão, ficando a seu arbitrio o darem a seus aviados aquella porção de fazendas que melhor lhes parecer.

5.° Que se ponhão em novo vigor as leis que izentão de direitos todas as producções e manufacturas da ilha de S. Thomé, e Principe.

Sala das Cortes em 19 de Março de 1822. - Francisco Soares Franco; Mauricio José de Castello Branco Manoel; Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento; André da Ponte de Quental da Camara.

Mandou-se imprimir para entrar em discussão.

Leu o mesmo Sr. Deputado, por parte da mesma Commissão, o seguinte

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Relatorio ácerca da provincia de Moçambique.

A capitania geral, ou provincia de Moçambique, comprehende todas as possessões portuguezas da costa oriental d'Africa; extende-se desde Cabo Delgado, situado em 10 gráos, até ao Cabo de Correntes, situado em 24 gráos de latitude austral. A sua capital he a cidade de Moçambique, edificada na ilha deste nome, situada em 15 gráos de latitude, a qual tem pouco mais de uma tegua de circunferencia, e fica separada por um canal de duas leguas de terra firme, onde possuimos um terreno de tres leguas quadradas, muito fertil, mas pouco cultivado.

Esta capitania geral tem seis governos subalternos. O primeiro he o de Cabo Delgado; e não merece quasi contemplação alguma.

O segundo he o de Sofala; doentio, notavel pelo ouro das minas de Manica, que por ali se exportava, e que .presentemente segue a direcção do importante governo de Rios de Senna. Com tudo o seu parcel produz perolas, que não sabemos se dará algum lucro o mandar extrair.

O terceiro he o de Inhambane; melhor clima que o de Sofala; exporta regularmente tres navios de escravatura, marfim grosso e miudo; mas tem apenas seis familias de brancos, ou lidos por taes, alguns camarins, e os outros habitantes são naturaes do paiz.

O quarto governo ha o de Cabo de Correntes; por ora insignificante, mas que póde vir a ser muito vantajoso, porque fica em 24 gráos, e um minuto de latide do sul, já fora do canal de Moçambique, e livre em consequencia das suas monções. Conviria fazer aqui um estabelecimento mais forte; porque póde receber em todos os tempos navios daquella costa; e os da Europa, não tendo senão a esperar a monção da entrada e saida do Cabo da Boa Esperança, evitavão mez e meio de viagem, indo para a India, e mais de dois mezes para a China, não contando as despezas, e moléstias que nascem de viagens longas. Exporta marfim grosso, muita ponta de abada, pão lacre, e sobre tudo a sua Bahia he tão abundante em baleas, que a sua pesca foi já arrematada em contrato no Rio de Janeiro ao emprehendedor Caldas, que teve a infelicidade de ser morto lá em uma briga entre os naturaes, e marinheiros que elle hia accommodar.

O quinto governo he o de Quillemane; desmembrado sem razão em 1811 do de Rios de Senna, do qual vamos a falar.

O governo de Rios de Senna he muito mais importante que todos os outros juntos. A' Commissão forão presentes doze officios do seu benemerito governador José Francisco Alves Barbosa, escritos em Agosto e Setembro de 1820, em que pede muitas e grandes providencias, e sobre os quaes a Commissão passa a dar a sua opinião.

Esta provincia estende-se ao longo das margens do caudaloso rio Zambeze desde Quillimane, villa situada na sua foz, unico porto de toda ella, até Zumbo, e Manica, que fica mais de 300 leguas acima da sua embocadura. Tem com pouca differença 3:800 leguas quadradas, e seis villas principaes, que são: Quillemane, na foz do rio, de que se fez em 1811, como ha pouco dissemos, um governo separado; a villa de Senna, distante 100 leguas rio acima, doentia, principalmente por ser sujeita ás suas inundações, e por isso deixou de ser a capital da provincia, que se mudou para a villa de Tete, elevada, saida, residencia do governo, e fica quasi 100 leguas acima de Senna. Dahi a 60 ou 80 leguas fica o estabelecimento de Zumbo, que se linha perdido em 1806, e que foi restaurado em 1820 pelo actual governador, concorrendo elle com um conto de réis de seus ordenados para as despezas da expedição. Temos igualmente uma companhia de 60 e tantos soldados com seus officiaes em Zimbaoe, e outra em Manica, onde ha as ricas minas de ouro, das quaes não encontramos nestes officios particularidade alguma; e por isso he conveniente que se peção ao governador de Rios de Senna as informações necessarias.

Aquelle dilatado, terreno, alem do districto das povoações, acha-se divido em prazos nacionaes, chamados da coroa, que forão instituidos para dotes das filhas dos Portuguezes que fossem continuar a habitação. Sabia instituição de nossos maiores, que tem sido alterada algumas vezes pelos governadores, os quaes, quando podem, vendem estas mercês.

Os negros cultivadores dos ditos prazos erão escravos adscripticios, davão ao senhor uma determinada quantia da producções, e metade do dente de elefante achado morto, e prestavão os serviços pessoaes que delles se exigião. De 1800 por diante os senhores ambiciosos e crueis começarão a vendelos para fora do paiz, o que tem produzido grande deserção delles para as nações cafres nossas inimigas, e a cultura tem diminuido de 4 para um. O terreno he fertilissimo; produz trigo, milho, feijão, e excellente arroz, com que abastece Moçambique, e póde abastecer Goa, e Damão, e até vir para a Europa. Tambem cria o algodão amarello, com que as Chinas fabricão suas gangas, e que só por causa do abandono em que tem estado a provincia não he objecto de grande exportação. Exporta ebano, os fructos já ditos, marfim miudo de consumo da India, bastante escravatura, e sobre tudo he abundante em ouro de varias cores e quilates; mas cuja mineração tem sido em grande parte embaraçada pelos cafres por faltas de forças da nossa parte.

Do estado da provincia de Rios de Senna, que acabamos de expor, e dos officios que passamos a extractar, se tirarão as providencias que convem dar.

O governador requer primeiro que a villa de Quillemane, unico porto da provincia, seja de novo ^unida ao seu governo, e pede que este seja independente de Moçambique, que fica a 300 leguas de distancia, e tem communicações raras e difficeis; pois havia cinco para seis mezes que tinha exigido certas providencias da capital, e inda não tinha tido resposta á data do officio.

A Commissão he de parecer que o pequeno governo de Quillemane se una outra vez ao de Rios de Senna, como sempre fora; mas que o governador deve fazer a sua principal residencia em Tete para que não succeda retirar-se daquella povoação central, e

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vir estabelecer-se em Quillemane. Tambem opina que o governo militar em toda a Africa oriental seja um só, e a sua residencia em Moçambique; por ser uma grande cidade, ter um porto bom, e ficar no caminho da India. Pequenos presidios, cercados por nações barbaras, não podem deixar de ser confiados á energia e firmeza de um unico governador militar. Não he assim a respeito da administração da fazenda e do governo economico; este julga a Commissão que deve ser independente em Rios de Senna, entendendo-se directamente com Portugal, donde receberá as ordens. Em quanto ao judicial, houve antigamente só um ouvidor em Moçambique, e será mais que sufficiente para as poucas demandas que havia, e que boje ainda são menos. Apezar disso creou-se em 1811 um lugar de juiz de fora para Moçambique, que nada tem que fazer. Seria conveniente que se abolisse tal lugar, e que se continuasse a administrar a justiça como até então.

No seu 2.º officio pede o governador providencias relativas aos prazos da coroa, e diz que elles não se dão hoje exclusivamente a filhos, ou filhas de Portuguezes naturalizados ali; porque se tem conferido alguns a moradores de Moçambique não Portuguezes. Diz mais, que se dão só em tres vidas, que naquelles climas são ás vezes muito curtas, e tem-se inventado differentes dolos para os fazer cair em comisso. A Commissão parece que de hoje em diante os prazos só possão ser dados ás filhas de Portuguezes residentes no paiz, e não as havendo, aos filhos; que sejão reduzidos a fateosim perpetuo, porque não havendo propriedade permanente, não ha agricultura, nem industria; mas a Commissão deseja que a de justiça civil de a este respeito o seu parecer. He tambem necessario que os governadores fiscalizem com muito cuidado, que os donos dos prazos não vendão de modo algum os cafres que são servos adscriptos delles; é que os que tiverem demasiada extensão se repartão por mais possuidores; he tambem justo que se ponha em vigor o decreto de 1781, que manda que os prazos da corôa se dem sómente aquem não tiver outro. Os donos que actualmente vivem em Moçambique seja-lhes livre ficarem alli, ou irem para Rios de Senna; mas logo que acabem as tres vidas, se darão sómente ás pessoas que residirem no paiz.

No seu 3.° officio refere o governador a restauração da feira de Zumbo, e propõe que o Estado estabeleça uma feira na margem daquem do rio Aruanga, por ser um posto por onde passão as nações commerciantes, Muizas, Mujãos, e Cazembistas, que lavão marfim, cobre, malachiles, é escravos para os portos Arabes de Zanzibar, Quilôa, etc.: o que não aconteceria se naquelle sitio existisse um estabelecimento nosso com os effeitos que elles procurão. O local fica a meio caminho entre Cazembe, e a nossa villa de Tete; elle servirá tambem para proteger os nossos negociantes, que tem perto daquelle sitio escravatura occupada na mineração do ouro. Tambem representa que seria muito util estabelecer uma correspondencia amigavel com o Rei de Zazembe, um dos mais poderosos daquella Africa oriental, e que confina com os certões do Reino de Angola. A Commissão julga que estas medidas pertencem ao conhecimento do Governo.

No seu 5.° officio fala o governador do objecto importantissimo da saude publica, o qual não he só desprezado, he interinamente nullo; a isto em um paiz doentio, que tanto reclama soccorros desta natureza. Não ha na provincia medico, nem cirurgião algum, e os poucos medicamentos que ha quando chegão de Moçambique donde vão todas as fazendas, achão-se alterados, e ás vezes corruptos. As bexigas, e o sarampo tinhão naquelle anno de 1820 morto muita gente. Ultimamente pede ordem positiva para se mandarem consumir cemiterios nas diversas villas; porque os cadaveres enterrados nas igrejas, e nos adros axalão naquelle clima ardente mesmas insupportaveis; pede porem que a ordem seja terminante; porque os ecclesiasticos tirão grandes sommas por occasião da enterros, e hão de repugnar a similhante medida.

A Commissão observa que o costume entre aquelles gentios, costume ensinado pela experiencia dos seculos, he queimar os cadaveres. E seria antes a melhor pratica que se deve seguir; se porem os povos oppozerem a ella alguma repugnancia, então a construcção dos cemiterios he de indispensavel necessidade, o governador os mandará logo estabelecer, e fica debaixo da sua responsabilidade prohibir, que se enterrem jamais cadaveres nos adros, ou nas igrejas. Ao bispo de Moçambique se deve ordenar que reduza os direitos de estola exorbitantes aos termos justos, e louvaveis, e só os necessarios para a decente sustentação dos parocos.

He tambem a Commissão de parecer que alem do medico, ou fysico mór que o Governo tem mandado para Moçambique, mande um cirurgião habil para residir, ao menos por alguns annos, em Rios de Sennas; é que ambas se entendão e cuidem não só de curar as moléstias, mas de as prevenir, o que de certo tem muito lugar naquelles paizes, onde os terrenos, e habitações humidas e baixas, os alimentos mal preparados, e bedidas de má qualidade, são susceptiveis de grandes melhoramentos hygienicos. Particularmente incumbe ao Governo introduzir naquelle paiz a preciosa pratica da vaccina, que póde ser transportada de algum dos portos do Brazil, visto que as bexigas são um flagello quasi tão mortifero como a peste, entre os Tropicos, e na raça preta. Ultimamente representa o governador neste officio, que não ha mestre algum de ler e escrever em toda a provincia; que alguns pais ensinão a seus filhos as primeiras letras por methodos imperfeitos; e pede que se estabeleça em cada villa uma escola destas, não devendo entrar na menor duvida a pequena despeza que se faria com tres oii quatro mestres, em comparação das vantagens incalculaveis que traz ao progresso e industria das nações esta primeira e indispensavel instrucção literaria. Ao Governo incumbe autorizar o governador para nomear os mestres necessarios com provimentos para um anno; propondo depois a nomeação, e os ordenados que julgar sufficientes para serem approvados.

No 6.° officio expõe o Governador que a provincia he banhada pelo grande rio Zambeze (vulgarmen-

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te Cuama), cuja barra he em Quillemane; com tudo a sua navegação só tem lugar no tempo das cheias, desde Janeiro até Junho; ficando depois impedida a boca do canal, que conduz áquelle porto, cujo impedimento cansa infinitos prejuizos ao commercio da provincia, obrigando a escravatura, mantimentos, carnes, e gados ao transporte por mais de 30 leguas por terra, na estação mais ardente daquelle paiz; quando abrindo um canal de menos de meia legua se faria o transporte por agua desde Quillemane até ao interior da provincia, com vantagens incalculaveis; e o governador mostra a facilidade da execução sem despeza alguma, mandando-lhe sómente 200 ou 800 pés de ferro e enxadões. Este objecto que he de certo de grade utilidade, pertence ao Governo.

No 7.° officio representa o governador que o commercio privativo de Goa, Dio, e Damão com Moçambique, não .podendo os seus navios vir em direitura a Quiliemane, tem feito a ruina da provincia de Rios de Senna: daqui nasce que he pouco o tempo para andarem a agenciar pelos Certões o marfim, e o ouro, para com estes generos pagarem as usuras dos Banianes, e desviarem-se dos trabalhos da agricultura que tão util seria naquelles fertilissimos terrenos.

A Commissão he de parecer que os navios de Goa, Dio, e Damão possão frequentar não só o porto de Moçambique, mas tambem o de Quillemane; o que não só causará grandes ventagens aos habitantes destas terras, mas tambem ás nossas cidades da costa do Malabar, ás quaes esta franqueza he summamente util; ficando obriga-las as fazendas a pagar em Quillemane exactamente os mesmos direitos que pagão em Moçambique.

No 8.°, e 9.º officio participa o governador que no fardamento da tropa se gastavão annualmente 6:885$ réis, porque se consumião 40 pannos por praça, e assim mesmo os soldados andavão mal fardados. O governador mandou vir os pannos, tomar medidas por alfaiates, e achou que vinte pannos e vem quarto erão sufficientes para fardar completamente um soldado, e inda lhe ficavão pertencendo sobrecellentes nos armazens; de modo que a desdeza do fardamento vem unicamente a ser de 3:442$500 réis. Representava mais que a fortaleza, os quarteis, e a casa da residenciado governador, precisavão de grandes reparos, e lembrava que se applicasse para elles a economia feita com o fardamento. A Commissão estima esta occasião para dar o devido elogio á conducta deste governador, e julga que tudo deve ser confiado ao governo a este respeito. Resta ultimamente fallar de Moçambique em particular; e a Commissão fez as seguintes observações sobre a sua população, agricultura, e commereio.

Segundo o mappa da população remettido pelo capitão general em 1820, tinha a cidade de Moçambique unicamente 380 portuguezes de ambos os sexos, uns 100 banianes vindos de Dio, e ali estabelecidos para commerciarem, o servirem varios officios, e outros tantos mouros, que vierão de Quilôa, e Mombaça, quando se largárão. Ha um corpo de artilheria, e esta consta de 87 peças de differentes calibres, um batalhão de linha; e outro de caçadores sipaes.

A primeira falta deste estabelecimento he de gente quanto maior he ali o numero dos habitantes, mais lucrativas, e mais seguras são as transacções, que se fazem para o Certão, e maior he o respeito do Estado. Com tudo a população só póde crescer em um paiz em que se tornem todas as medidas a respeito da saude publica, e em que se proteja a propriedade, a agricultura, e o commercio; promovendo igualmente os meios de aproveitar melhor os degradados, que tem sido realmente os principaes povoadores das nossas possessões africanas.

A agricultura de Moçambique está no maior abandono. A maior plantação, que fazem na terra firme, he de mandioca, que inda se dá melhor do que no Brazil. As palmeiras (arvore abençoada) vegetão quasi sem cultura; quando na India lha dão muito laboriosa. O milho, o trigo, o feijão, e arroz, se dão excellentemente, mas a sua cultura he tão negligente, que importão estes generos para 8 mezes; quando só o terreno da terra firme, sendo bem cultivado, era sufficiente para prover Moçambique de mantimentos. Reflicta-se agora quanto não perde aquelle estabelecimento em effectivo numerario para a compra dos generos de primeira necessidade. Incumbe aos governadores o promover por todos os meios possiveis a sua cultura, assim como a do algodão de Rios de Senna, para se poder exportar para a China.

Viu tambem a Commissão que nas instrucções dadas pelo ministerio em 1810, ao governador Cavalcante se mandavão examinar as minas de cobre que se dizia haver na provincia de Moçambique, visto ter aquelle metal grande valor nos mercados da Asia; e como Tião apparece resposta alguma a este respeito nos officios posteriores, he necessario que se torne a renovar esta ordem de um modo positivo.

A Commissão examinou attentamente quaes serião os melhores meios de augmentar o commercio das praças de Portugal alem do Cabo da Boa Esperança, e acha um só: o estabelecimento de uma companhia, cujo plano seja proposto pelos negociantes da Asia, da praça de Lisboa. Só o negocio de enfardar o algodão em grandes imprensas, para ser remettido de Damão para a China, o refino de salitre em Goa, a pesca da balea de Cabo de Correntes, darião, alem de outros generos, e de outros recursos, grande importancia ao commercio desta companhia; elle faria reviver não só as nossas possessões da Costa do Malabar, mas as da Africa, a de Mação, e da Ilha do Timor.

Em quanto porem não se toma esta medida decisiva, e unica, a Commissão lembra tres providencias, e que já forão em varias occasiões postas em pratica pelo Ministro antecedente.

1.ª Visto haver grande falta de numerario na provinda, de Moçambique, mandarem-se de Lisboa em cobre, ou prata, com a marca da provincia, alguns mil cruzados para virem de lá trocados a ouro em pó. Aos pezos duros (unica prata que ali corre) põe-se a marca provincial, e ficão valendo 2:000 réis, ou 2:400 fracos. Inda que os generos vão ordinariamente pelo seu preço buscar o valor da moeda, com tudo não ha exacto equilibrio; e lucrar-se-ia não pouco, trocando o ouro em pó por aquelle dinheiro provincial

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de prata, ou cobre; o que o ministerio do Rio de Jaineiro fez ha annos, remettendo alguns mil cruzados em cobre, para voltarem em ouro.

2.ª Admittir em Moçambique a commerciar navios estrangeiros, uma vez, que elles não importem fazendas grossas, privativas das nossas praças do Malabar, nem exportem escravos; por não se offender o tractado com a Inglaterra.

3.ª Obrigando por meio de fianças, ou de outro modo os banianes a fixar a sua residencia naquella cidade. Estes especuladores vem de Dio, e depois de ganharem as quantias, que lhes parece, retirão-se, dizendo, que vão buscar a familia, e nunca mais voltão. Seria para desejar, que os nossos negociantes da Asia deixassem ficar de uma monção para outra alguns sobrecargas, ou commissarios para fazerem a maior parte das transacções mercantis, e tirar os lucros, que actualmente tirão os banianes.

A Commissão extráe do relatorio, que acaba de fazer, as seguintes proposições.

1.º Que o Governo de Quillemane seja de novo unido ao de Rios de Senna; com obrigação do governador Afazer a sim principal residencia em Tete.

2.º Que o governador de Rios de Senna continue a ser subalterno do de Moçambique no que pertence aos negocios militares; porem nos administrativos, e de fazenda, deve ser independente, e dar conta directamente ao Governo de Lisboa.

3.º Que se abula o novo lugar de juiz de fora de Moçambique.

4.º Que a Commissão de justiça civil interponha o seu parecer sobre, se convem, ou não dar aos prazos nacionaes de Rios de Senna a natureza de fateosim perpetuo.

5.º Que se excite a attenção do Governo sobre os objectos seguintes:

1.° Fiscalizar o governador de Rios de Senna sobre o objecto de venderem os donos dos prazos os cafres nelles residentes.

2.° Que participe ao Governo qual he a extensão dos que reputão excessivamente grandes, e quem são os seus actuaes possuidores, para o Governo determinar, se devem ser divididos, ou não.

3.° Que os governadores daquelles paizes facão introduzir a pratica de se queimarem os cadaveres; e se acharem nisso inconvenientes, que mandem construir cemiterios, onde convier, prohibindo absolutamente, que se fação enterrar nos adros, e nas igrejas.

4.° Que o bispo de Moçambique reduza os direitos de estola exorbitantes a termos justos, e louvaveis, de modo que juntos com as côngruas, facão a decente sustentação dos parocos.

5.° Que se mande um cirurgião habil para Rios de Senna.

6.º Que o Governo mande introduzir a vaccina a aquelles paizes.

7.° Que mande vir 5, ou 6 rapazes, em quem se conheça aptidão, para aprenderem as sciencias, que o Governo designar.

6.° Que se mandem crear algumas escolas de primeiras letras nas villas principaes.

7.° Que os navios de Goa, Dio, e Damão, possão ir directamente negociar a Quillemane.

8.º Que os navios estrangeiros sejão admittidos em Moçambique com tanto que não facão o commercio de importação das fazendas do Malabar para o trafico do Certão, nem exportem escravos.

9.º Que os governadores mandem de novo examinar, se ha minas de cobre, e promovão por todos os meios possiveis a agricultura dos generos necessarios para o consumo, e dos uteis para a exportação.

12.° Que o Governo mande á Commissão de commercio de fora das Cortes, que proponha um plano para o estabelecimento de uma companhia das Indias Orientaes, que possa levantar aquelles paizes do horrivel estado de abatimento a que tem chegado.

Sala das Cortes em 11 de Abril de 1822. - Francisco Soares Franco; Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento; André da Ponte de Quental da Cantara.

Mandou-se tambem imprimir para entrar em discussão.

Deu conta o Sr. Soares Franco de uma representação feita em 1820 ao Conde dos Arcos, pelo governador da provincia de Moçambique José Francisco Alves Barbosa, sobre o estado da mesma provincia; e propoz que fosse remettida á Commissão de justiça civil, para ser examinada por esta Commissão, em razão de serem necessarias algumas medidas legislativas. Assim se determinou.

O Sr. Castello Branco Manoel, por parte da Commissão de Ultramar leu o seguinte

PARECER.

Antonio Januario Moderno, da Ilha da Madeira pede a este soberano Congresso lhe faça a graça de mandar, que pela junta da fazenda da dita ilha se lhe imprestem tres contos de réis para ir á França não só comprar um alambique capaz de destilar as aguas-ardentes com perfeição, suficientes para adubar os generosos vinhos daquella provincia, mas tambem os instrumentos de lavoura, que na mesma se acha em toda a decadencia, e elle deseja promover por ser o maior collono della. As razões em que funda o seu pedido são: primeira, a necessidade que he de aperfeiçoar o fabrico da mesma agua-ardente, e que de nenhuma fórma se consegue com os pequenos, e antigos alambiques: segunda, que tendo-se concedido esta graça a um Frederico de Castro, este não póde fazer destillar a agua-ardente precisa, e não era digno de mais contemplação do que o supplicante. Em terceiro lugar porque estabelecendo aquelle Frederico a sua fabrica na cidade do Funchal aonde reside, o supplicante a pertende erigir no norte, da ilha aonde he morador, aonde são produzidos os vinhos, que se devem queimar, aonde o costeamento da fabrica he muito mais barato, e até pela circunstancia de que conduzindo-se para a cidade 5 pipas de vinho (que tanto he preciso para produzir uma de agua-ardente) os excessivos fretes (quanto vai de um a 5) farão subir o preço della, o que com o estabelecimento da fabrica se evita, e terá o povo agua-ardente mais barata do que a póde dar aquelle Frederico; e conclue, que nesses tres contos de réis ficarão incluidos setecentos, e tantos mil réis, que deve á fazenda

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de direitos de vinhos que embarcou para Holanda, e que com metade do producto da mesma fabrica se obriga ir annualmente amortisando a divida.

Parece á Commissão do Ultramar, á vista das razões ponderadas ser differivel o requerimento do supplicante que prestará fiança idonea para segurança da quantia pedida, que elle, ou seu fiador fará immediatamente entrar nos cofres, da junta da fazenda no caso, que dentro em um anno contado do dia da recepção não apresentar naquella ilha o mencionado alambique.

Sala das Cortes 17 de Abril de 1822. - Mauricio José de Castello Branco Manoel; Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento; André da Ponte de Quintal da Camara.

Terminada a leitura, disse o mesmo Sr. Castello Branco Manoel: - Um dos Srs. Deputados desta Commissão não assignou o parecer; talvez que não tivesse visto todos os documentos. O povo daquella Ilha requereu por meio dos seus representantes a exclusão das aguas-ardentes de fóra; o Congresso consentiu na prohibição, estabelecendo 80$ réis de direitos; porem causa grande transtorno o terem que vir á cidade a queimarem os vinhos, e por esta rasão he que a Commissão dá este parecer: alem de que os estrangeiros a introduzem de um certo gráu, e depois, deitão-lhe agua, e vem a ficar por um preço muito commodo.

O Sr. Macedo: - Não approvo o parecer da Commissão porque se concederemos agora o que se pretende nos veremos na collisão de todos os dias estar a fazer iguaes concessões. A Nação não está em circunstancias de emprestar dinheiro; e seria bem notavel que o fizesse no mesmo dia em que se leu um relatorio da Commissão de fazenda, que mostra a necessidade de abrir um emprestimo. Em segundo a sere, introduzidas as aguas-ardentes de certo gráu, e depois misturarem-se agua, remedeia-se este mal facilmente, declarando-se a diversa quantia de direitos que ellas devem pagar segundo os seus differentes gráus.

O Sr. Aragão: - Sr. Presidente, uma vez que neste Congresso se decidiu utilizar muito á Madeira, que se queimasse os vinhos máus, e se reduzissem a agua-ardente pela determinação, que houve a proposito, e que muito respeito, não sei porque agora se hão de negar os meios cooperativos, para que se consiga tão bom fim, segundo os brados então, e aqui muitas vezes repetidos? De mais quando se fez igual emprestimo a um estrangeiro, não lembrárão essas impossibilidades desfazendo nacional, a que agora se recorre; e todavia não existão já?.... Se pois houve motivo para de emprestarem a esse estrangeiro porque não ha de militar o mesmo, para com uns mesma provincia? A existencia de taes alambiques, são de interesse summo para a Ilha da Madeira, no qual todos concordão. Logo, e á vista do decidido, e das razões ponderadas, estou e voto pelo parecer da Commissão.

O Sr. Macedo: - Este homem não he o primeiro introductor porque, na Ilha já existem mais alambiques, da mesma construcção: e se acaso lhe for concedido o que elle pretende, requeiro se conceda o mesmo a todos os lavradores da provinda do Minho que o requerem.

O Sr. Moura: - Não posso approvar o parecer da Commissão. O primeiro introductor mereceu alguma consideração, e por isto he que recebeu esta ajuda de custo; além do que este homem he um lavrador, e me admira não ter quem lhe empreste dinheiros; sendo um homem abonada; e como não temos necessidade de abrir destes exemplos voto contra o parecer da Commissão.

O Sr. Aragão: - Não tem razão os Illustres Preopinantes, porque o emprestimo não foi feito em consideração de inventor, porque na Ilha já ha muito que havia destilladores. E quanto a dizer-se que sendo rico e abonado admira não ter dinheiro, nem achar quem lho empreste, respondo que não ha duvida ser elle grande proprietario, e muito abonado, mas achando-se como se acha a Ilha, sem commercio algum, seus vinhos estagnados, e retidos nas adegas, se na exportação, e na dependencia de se liquidarem, como póde ter dinheiro? E quem he que lho ha de emprestar, sendo estas as circunstancias de todos os madeirenses? Por estas causas, he que existe um projecto para se discutir, em que se pretende facultar praso aos devedores da fazenda nacional, afim de que não sejão sacrificados, e possão com essa esposa, e esse tempo, ver se liquidão, e exportão algum vinho, e pagarem com a adquirição desse numerario, por tudo isto torno a votar perlo parecer da Commissão.

Sr. Moraes Antonio: - Considerando-se este homem como emprehendedor, segundo o que as nossas leis mandão deve-se-lhe conceder este emprestimo; e se he novo concorrerá muito para aumentar a industria da ilha da Madeira.

O Sr. Castello Branco: - Approvo o parecer da Commissão por uma razão; quando se fez o primeiro emprestimo não se achava ainda feita a lei que exclue as aguas-ardentes estrangeiras, na ilha da Madeira; porém agora que ella se acha feita, e se impossibilita aos habitantes da Ilha o importarem as agoas-ardentes de fóra, he necessario facilitarem-se-lhes os meios de distilarem os seus vinhos, concedendo-se-lhes alambiques; e por estar razão voto pelo parecer da Commissão.

O Sr. Luiz Monteiro: - Aquella provincia he muito importante, em 100$ habitantes, e produz 30$ pipas de vinho; a ilha da Madeira acha-se em um caso em que nunca se achou; o vinho não tem tido saída; este anno não se fez desembarque algum: o anno passado algum se fez, porem muito pouco: e os habitantes estão em uma grande consternação. Este meio que a Commissão adoptou parece-me justo e conveniente: por tanto voto pelo seu parecer.

O Sr. Alves do Rio: - Se necessario que haja alambiques para distillar o vinho que sobejar, mande-os a junta vir, e os arrende a quem mais der; porque tanto importa ao publico pagar a uns como a outros.

O Sr. Aragão: - Não me conformo com a idéa

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do Sr. Alves ao Rio; porque se a fazenda nacional não tem para emprestar, debaixo de optimas seguranças e hypothecas, como terá para gastar, e mandar vir por sua conta esses alambiques? Quanto mais, se essa especulação não for proveitosa, mas sim prejudicial, não he melhor que esse prejuizo não recaia sobre a fazenda nacional? Creio que sim.

O Sr. Braamxcap: - Não ha duvida sobre a emenda proposta pelo Sr. Alves do Rio; porem não basta só mandar vir estes alambiques, he necessario que venhão homens que os saibão manejar. Lembra-me que estando eu em Inglaterra, se mandou vir uma máquina de vapor que ainda hoje se acha nos armazens do Porto, sem ter serventia.

Declarada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente o parecer á votação e foi rejeitado. Propoz-se depois e foi approvada a seguinte indicação, offerecida pelo Sr. Alves do Rio, como emenda ao referido parecer: Indico que a junta da fazenda da ilha da Madeira mande vir dois alambiques de distillagão continua, para se collocarem onde convier, arrendando-se a quem mais offerecer, ou vendendo-se a quem mais der.

O Sr. Ferreira Borges apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Apparecendo no Diario do Governo n.º 89 uma carta ao redactor, em nome do Sr. Deputado Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Macedo e Silva, na qual não só se desfigurarão todos os factos passados na sessão de 15 decorrente, que ali se denomina escandalosa scena, mas até se assevera haver no Congresso um partido dominante, imputação falsa, calumniosa, e de injuria ao soberano Congresso, em cujo recinto se desconhecem partidos; accrescentando-se mais, que sobre insultos e ameaças de sua pessoa, se atacara a sua dignidade, e da sua provincia; que se lhe tolhera a liberdade de que deve essencialmente gozar o Deputado para deliberar em assemblea tal, pelo que justificava a sua declaração, de que não era mais Deputado da Nação como se a qualquer Deputado fora licito o dimittir-se, ou fazer uma declaração destruidora do mandato que recebeu, que aceitou, e que firmou com juramento, e o qual só termina com o acabamento legal das actuaes Cortes: - dizendo por fim, que se continuara a falar depois de decidido a demittir-se fora para não ver enraizado machiavelicamente o systema Collonial no Brazil em sua presença, sem que o repellisse; imputação esta, não só absolutamente falsa, mas que não tem um só facto se quer apparente, em que se apoie: nascendo de tudo isto, não só o descredito do Congresso, mas devendo mesmo esperar-se um effeito terrivel nas provincias Ultramarinas, cuja desmembração, como que se pretende fomentar, quando o Sr. Deputado involve em suas expressões o ataque de sua pessoa, com o ataque de sua provincia, e faz crer a existencia do intento machiavelico de collonisar o Brazil, quando todas as vistas e procedimento do Congresso tem sido demonstradamente o contrario; por tanto proponho: que este negocio se remetta a uma Commissão, para marcar as providencias que a tal respeito devão tomar-se, para desafrontar o Congresso, desmentir as assersões falsas, e fazer entrar o Sr. Deputado no seu dever. - José Ferreira Borges.

Decidiu-se que fosse remettida á Commissão de Constituição.

O Sr. Fernandes Thomaz pediu ser dispensado desta Commissão, para este caso particular, expondo as razões que o impellião a pedir esta dispensação. Pondo-se a materia a votos, foi dispensado da Commissão para este caso somente.

O Sr. Castello Branco pediu igualmente ser dispensado pela mesma Commissão, o que lhe não foi concedido.

O Sr. Lino Coutinho apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Indico que para nenhum estabelecimento da costa da Africa e Asia se enviem capitães generaes ou governadores, em quanto se não decretão os regulamentos, pelos quaes elles se devão conduzir.

Ficou para segunda leitura.

Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia a continuação do projecto dos foraes.

Levantou-se a sessão ás duas horas da tarde. - Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para José da Silva Carvalhos

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que, consultada a junta do commercio sobre o incluso requerimento e documentos juntos de João Fieira Caldas, reverta tudo com a consulta ao soberano Congresso. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 19 de Abril de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Sebastião José de Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que a junta da fazenda da ilha da Madeira mande vir dois alambiques de distillação continua, para serem collocados naquella provincia onde mais conveniente se julgar, arrendando-se a quem mais offerecer, ou vendendo-se a quem mais der. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 19 de Abril de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Diogo Antonio Feijó.

As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, tomando em consideração a representação de V. Sa., de 17 do corrente mez, em que expõe que circunstancias ponderosas, pelas quaes vê compro-

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mettidas a sua honra e vida, e dignidade e os interesses da sua provincia, lhe impõem a dura, mas imperiosa necessidade de cessar de assistir ás sessões de Cortes, até que o espirito publico, mais tranquilizado pela melhor prespectiva que offereção os negocios do Brazil, lhe permitia a liberdade indispensavel para advogar a causa dos seus constituintes; e pede ao soberano Congresso queira armar á sua deliberação: mandão dizer a V. Sa. que não podem conceder-lhe a referida permissão, por não ser verdadeiro algum dos fundamentos que allega, e que sómente uma absoluta impossibilidade fisica póde escusar um Deputado ás Cortes da importante missão de que foi encarregado. O que participo a V. Sa. para sua intelligencia.

Deus guarde a V. Sa. Paço das Cortes em 19 de Abril de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Na mesma conformidade e data só expediu igual ordem ao Deputado Antonio Manuel da Silva Bueno.

Para Cypriano José Barata de Almeida.

As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, tomando em consideração a representação de V. Sa. de 18 do corrente mez, em que allega falta de liberdade de votar, compromettimento de sua dignidade, e representação, alem de outras similhantes causas, pedindo por isso ao soberano Congresso autorisação para não comparecer nas sessões, até que socegado o espirito publico o possa fazer com liberdade, decoro, e segurança: mandão dizer a V. Sa. que não podem conceder-lhe a referida permissão, por não ser verdadeiro algum dos fundamentos que allega, e que sómente uma absoluta impossibilidade fisica póde escusar um Deputado ás Cortes da importante missão de que foi encarregado. O que participo a V. Sa. para sua intelligencia.

Deus guarde a V. Sa. Paço das Cortes em 19 de Abril de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Na mesma conformidade e data se expediu igual ordem ao Deputado Francisco Agostinho Gomes.

Redactor - Galvão.

SESSÃO DE 20 DE ABRIL.

A' Hora determinada disse o Sr. Camello Fortes, Presidente, que se abria a sessão: e lida a acta da sessão precedente pelo Sr. Deputado Secretario Soares de Azevedo, foi approvada.

O Sr. Deputado Secretario Felgueiras deu conta da correspondencia, e expediente seguinte.

De um officio do Ministro dos negocios do Reino, propondo a urgente necessidade, que havia de providenciar sobre a denominação, e attribuições dos governadores nas provincias da Asia, que se mandou remetter á Commissão de Constituição.

De outro do mesmo Ministro, remettendo a representação das amas dos expostos da Villa de Pereira pela falta de pagamento de seus salarios, que se mandou remetter á Commissão de saude publica.

De um officio do Ministro dos negocios da justiça, remettendo a informação do Ministro Secretario de Estado dos negocios da marinha sobre a remessa da correspondencia, que faltava, e se havia mandado vir do Rio de Janeiro, que se mandou remetter á Commissão de Constituição.

De um officio do Ministro dos negocios da fazenda, remettendo a representação do Sr. Deputado José Lourenço da Silva, pedindo a indemnização do diario, que lhe pertence, que se mandou remetter á Commissão de fazenda.

De um officio do Ministro dos negocios da marinha, participando a necessidade de uma maior consignação, para poderem prontificar-se uma fragata, e uma corveta, que se achavão nos estaleiros, que se mandou remetter á Commissão de fazenda.

De outro officio do mesmo Ministro, remettendo o requerimento de Raymundo de Aça Castello Branco, que se mandou remetter á Commissão de fazenda.

De outro do mesmo Ministro, remettendo o requerimento do chefe de divisão João Felix Pereira da Campos, que se mandou remetter á Comissão de marinha.

De um officio do Ministro dos negocios estrangeiros, remettendo a sua resposta, e informação sobre o requerimento de Heliodoro Jacinto de Araujo Carneiro, que se mandou remetter á Commissão de fazenda.

De uma carta do juiz de fora do Rio de Janeiro, participando os acontecimentos, que havião occorrido naquella cidade no dia 9 de Janeiro, que se mandou remetter á Commissão especial de negocios politicos.

O mesmo Sr. Deputado Secretario deu conta da redacção do decreto, providenciando a pronta liquidação da divida publica, que foi approvado.

O Sr. Deputado Alves do Rio apresentou uma memoria, offerecida pelo padre José Antonio Gaspar da Silva, contendo observações sobre a receita e despeza da fazenda nacional, que se mandou remetter á Commissão de fazenda.

O Sr. Deputado Secretario Freire fez a chamada, e se acharão faltar os seguintes Srs. Deputados: os Srs. Mendonça Falcão, Gomes Ferreira, Povoas, Andrada, Moraes Pimentel, Canavarro, Ribeiro da Costa, Barão de Molellos, Sepulveda, Feijó, Sequeira, Lyra, Agostinho Gomes, Bettencourt, Xavier Monteiro, Baeta, Braamcamp, Almeida e Castro, Innocencio de Miranda, Ferreira da Silva, Brito, Pinto de Magalhães, Vicente da Silva, Correa Telles, Faria, Sousa e Almeida, Moura Coutinho, Martins Basto, Pamplona, Serpa Machado, Castello Branco Manoel, Mesquita, Ribeiro Telles, Bueno, Segurado. Presentes 106.

Propoz o mesmo Sr. Secretario, que se tomasse em consideração a falta, e ausencia de muitos Srs. Deputados, que ou não tinhão pedido licença, ou tinhão ha muito excedido, sem participarem, como devião, o seu justo impedimento na fórma do regula-

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