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gos. E porque as não quis considerar o conselho? Porque não tem aquella coragem, aquella virtude civica, que deve Ter todo o empregado publico para elevar-se sobre considerações particulares; porque era necessario que reconhecessem a rebeldia daquelle governo, rebeldia que consistia na opposição que tinha manifestado contra as Cortes.
A isto não poderão ser superiores aquelles juizes; este tropeço he o que quizerão evitar quando disserão o porto onde estava era nacional; faltava-lhes dizer: e era legitima a autoridade que lá estava, e por consequencia legitima a obediencia, que o commandante lhe devia, não obstante o desobedecer ás Cortes, e a ElRei. Mas isto era mais forte; e não se attreverão a dizelo, ainda que bem o quizerão indicar. Quando elles disserão, que o commandante estava n'um porto nacional, quizerão salvar seu crime, mas não se attreverão a dar a outra razão, porque tiverão medo; faltou-lhes dizer, que podia obedecer, porque a autoridade era legitima. Não me canço mais, porque rogo o fim das minhas idéas pelo calor com que as tenho manifestado, não me deixa lembrar de mais alguma cousa que certamente me tinha proposto dizer. Concluo, que salta aos olhos a injustiça da sentença, e muito mais ainda se se comparão, á vista das circunstancias, e dos casos a que erão applicadas, as instrucções, que se derão ao commandante de que tratamos. Como a sentença he injusta, e notoriamente, digo que os juizes estão no caso da responsabilidade, e deve dar-se ordem ao governo para que os mande processar na forma da Constituição, sendo desde logo suspensos de julgar como a Constituição manda. Não se diga porém que quando o congresso, em virtude da faculdade inauferivel que tem pela Constituição de deferir ao direito de petição, mande examinar a conducta dos juizes, previne o julgado futuro. O congresso decreta que a estes juizes se lhes forme causa; porque espera ouvir no processo o que hão de expôr na sua defeza; os juizes então dirão o que bem lhes parecer, sem que nisto previna, nem influa o Congresso, nem queira fazer ataque contra a independencia do poder judicial, que está sanccionada na Constituição. Julgue o juiz á sua vontade, que o Congresso nunca desfará o seu julgado; mas repare se quebranta as leis, porque então hade soffrer processo, e exame se quebrantou, ou não quebrantou.
Tendo chegado a hora de levantar a sessão resolveu-se que ficasse adiada esta materia.
Deu o Sr. Presidente para a ordem do dia a continuação do projecto das relações, e o parecer que acabava de adiar-se, e havendo logar o parecer da Commissão de justiça civil sobre o requerimento de José Accursio das Neves: e levantou a sessão pelas duas horas da tarde.
Francisco Xavier Soares de Azevedo - Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Manoel Paes de Sande.

As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, sendo-lhes presente a carta de V. Sa., datada em 4 do corrente mez, requerendo prorogação de licença de um mez, que lhe foi concedida em 30 de Agosto proximo passado: resolvem qae não tem lugar o dito requerimento, e que V. Sa. se deve reunir logo ás Cortes, para jurar a Constituição politica da Monarquia. O que participo a V. Sa. para sua intelligencia e execução.
Deus guarde a V. Sa. Paço das Cortes em 12 de Outubro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

SESSÃO DE 14 DE OUTUBRO.

ABERTA a sessão, sob a presidencia do Sr. Trigoso, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente mencionando o seguinte.
1.° Um officio do Ministro da marinha, remettendo a parte do registo do porto do dia 13. Ficarão as Cortes inteiradas.
2.° Outro officio do Ministro dos negocios da justiça, remettendo a relação de todos os empregados da mesa do desembargo do paço. Passou á competente Commissão.
3.° Outro officio do mesmo Ministro, remettendo a resposta do reverendo bispo de Lamego aos quesitos da ordem das Cortes de 6 de Julho. Passou á Commissão ecclesiastica de reforma.
4.° Outro officio do mesmo Ministro, remettendo o livro, que acompanhou a ordem do soberano Congresso de 18 de Junho. Mandou-se, remetter á Commissão criminal, a fim de se ajuntar aos mais papeis a que pertence.
5.° Outro officio do mesmo Ministro servindo pelo da guerra, pedindo a remessa dos numeros que ali faltão dos diarios das Cortes. Passou á Commissão do diario.
Forão ouvidas com agrado as felicitações que ás Cortes dirigiu Manoel Joaquim Brandão, tenente coronel de engenheiros, e o juiz de fora de Peniche.
Foi ouvido com agrado, e se mandou remetter ao Governo para o fazer realizar, o offerecimento, que para as urgencias do Estado faz Joaquim Manoel Coutinho, da quantia de 260$000 réis.
Ficarão as Cortes inteiradas de uma consulta da Commissão do thesouro publico, em que participa a sua installação.
Passou á Commissão de poderes uma carta de Virginio Rodrigues Campello, pedindo decisão sobre; se pode regressar ao seu paiz.
Mandou-se remetter á Commissão de petições uma representação dos lentes e oppositores de medicina na universidade de Coimbra.
Mandou-se dar a consideração do costume ás felicitações, apresentadas pelo Sr. Rodrigues de Bastos, que ao soberano Congresso envia o Proposito, e mais

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padres da congregação do oratorio da cidade do Porto.

Approvou-se a redacção do decreto sobre a consignação de 8:000$000 de réis para os reparos dos palacios nacionaes destinados á habitação e recreio de ElRei, (vai transcripto no fim da sessão).

Feita a chamada, acharão-se presentes 123 Deputados, faltando com licença os Srs. Barão de Molellos, Pereira do Carmo, Sepulveda, Aguiar Pires, Beata, Cirne, Sousa e Almeida, Alencar, Pinto da Franca, Zefyrino dos Santos, Castello Branco Manoel, Bandeira: e sem causa reconhecida os Srs. Andrada, Bueno, Barreto Feio, Feijó, Borges de Barros, Agostinho Gomes, Bettencourt, Margiochi, Almeida e Castro, Queiroga, Fortanato Ramos, João de Figueiredo, Vicente da Silva, Corrêa Telles, Costa Aguiar, Grangeiro, Sande e Castro, Vergueiro.

Passando-se a ordem do dia continuou a discussão do projecto das relações provinciaes que tinha ficado aliado na sessão antecedente: e lido o artigo
35, disse

O Sr. Borges Carneiro: - Onde o artigo diz, o lugar de juiz ordinario, desejo se diga o juiz da terra, ou outro melhor titulo, pois juiz ordinario he correlativo a juiz delegado; e não a juiz letrado: este tambem he ordinario, e se a ordenação confundiu as ideas, não devemos nós hoje sancionar essa confusão. A expressão pena maior que a de cinco annos de degredo para Africa, tirada da lei da reformação da justiça, não satisfaz ao que se quer, pois ha outras penas além do degredo para Africa, e não se da regra para a respeito dellas se avaliar a gravidade do delicto. Deve ser pena maior que a de cinco annos para Africa, prisão de tantos annos, e degredo para outros lugares por tantos etc., o que a Commissão deve propôr. Onde se diz enviando etc., não se declara se ha de enviar-se o tratado ou o original, e se deve declarar que he o original. Diz mais a custa das partes: parece-me ser melhor não se falar aqui nesta materia do custas, porque ellas são pagas ora por uma ou outra parte, pelo thesouro, pela misericordia, pelos concelhos, etc., o promotor não as paga, quando não ha accusador. Será melhor omittir-se esta expressão. Diz mais(leu): parece-me melhor dizer: se remetterá ao juiz de fóra que houver mais vizinho no districto daquella relação. Diz mais (leu): eu peço, que se declare o mesmo que já pedi outra vez, que será intimada a sentença aquella parte que não esti-ver presente na audiencia, ou seu procurador; pois se poupão as despezas e demoras de intimações desnecessarias.

O Sr. Peixoto: - Responderei a algumas observações do illustre Preopinante. Julgo que por ora deve conservar-se a denominação de juiz ordinario, porque na verdade he propria essa designação. A ordenação debaixo de um mesmo regimento no numero 65 do tit. 1.° comprehende os juizes ordinarios, e de fóra: os ordinarios aquelles que se elegião pela fórma ordinaria, e que erão communs em toda a Nação antes da creação dos juizes de fóra, ou de fóra parte que erão mandados extraordinariamente para alguns lugares.

Tambem não lhe acho razão em reprovar a palavra degredo: tem a sancção das nossas leis e do tempo; todos a entendem no sentido em que aqui foi posta; e até he propria, por exprimir a degradação, e decadencia do gráo em que o cidadão caiu por effeito da condemnação; a privação da liberdade de residir aonde seja sua vontade, como he permittido aos mais cidadãos, e a coacção de ser removido para o lugar, que na sentença lhe he assignado.

Se á talvez digna de emenda a clausula em que se diz, que a causa será, levada ao fim letrado mais vizinho. Por ora em quanto não se institue o processo dos jurados em que o juiz letrado será contra posto aos juizes de facto, não he exacta esta denominação para o sentido em que deve tomar-se: porque ha juizes ordinarios que reunem a qualidade de serem letrados. Tenho por melhor que se continue a usar da denominação de juizes de fóra, com o que cessará todo o motivo de confusão.

Pelo que pertence á doutrina do artigo, he certo que precisa de reforma: o degredo de cinco annos para Africa, regulado pelo livro 5. das ordenações, he pena comminada a crimes, que actualmente se reputão mui leves, e que nunca se applica. Na pratica estava adoptado o principio de considerar-se para effeitos similhantes ao do artigo, mais o uso de julgar, do que as palavras da lei: e assim não obstante serem reservadas as relações as culpas que provadas merecem pena capital, os juizes de primeira instancia admittem a livramento, e proferem sentenças em muitos, que pela ordenação terião a pena de degredo perpetuo, ou de morte; regulando-se pena extraordinaria, que a taes delictos costuma impor-se.

Sou pois de opinião que a Commissão reforme o artigo com attenção as reflexões que se tem feito.

O Sr. Corrêa de Seabra: - Pergunto ao illustre relator da Commissão a quem pertence julgar se o crime tem pela lei maior pena que a de cinco annos de degredo para a Africa.

O Sr. Fernandes Thomaz: - A Commissão não fala em crimes leves, ou graves; quem falou nisso foi o Sr. Borges Carneiro. A Commissão se regulou pelas leis existentes; não pode haver outra regra senão esta; quando os crimes excedião a cinco annos de degredo, erão julgados por seis juizes na relação, e não por trez, por que se julgava mais grave; he por esta razão que a Commissão adoptou isto. Nos devemos adoptar os terrenos technicos da nossa legislação, porque são muito bons, não ha necessidade de os alterar. O que diz o Sr. Peixoto a respeito dos juizes letrados he muito acertado: deve o lugar ser occupado por juiz letrado, e não por juiz ordinario ...

O Sr. Corrêa de Seabra: - Se o juiz ordinario ha de ser o que ha de julgar, se pertence a elle o sentencear o crime, ou envialo ao magistrado, como acaba de dizer o illustre relator, então o juiz ordinario tem conhecimento e intelligencia, ou ao menos suppõe-se-lhe, para poder entrar no conhecimento de qual he a lei que he applicavel aquelle crime; mas não tem a capacidade necessaria, ou não se lhe suppõe, para fazer a applicação da lei, para examinar as provas, e para determinar o gráo de moralidade;

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e por consequencia da imputação, e na verdade esta he toda a dificuldade da materia; mas esta difficuldade não a offerecem só os crimes que tem maior pena que a de cinco annos de degredo para a Africa, esta difficuldade he geral em toda a applicação de lei criminal ao facto: por isso me parece melhor, e mais simples que o juiz ordinario processe todos os crimes, e não sentenceie algum, e seja obrigado para isso a envialos ao magistrado. Agora a respeito do magistrado que deve sentenciar, sou de opinião que fique livre ao juiz o escolher qualquer magistrado do destricto da relação.
O Sr. Soares de Azevedo: - Bem se vê desta acta que esta vencido não poderem os juizes ordinarios sentenciar certas causas crimes, em consequencia não vejo melhor expedientes a tomar do que o mandalas a decidir pelo juiz letrado mais vizinho, e do destricto da mesma relação para não haver inconvenientes nas appellações, e nisto não tenho eu duvida alguma, visto o que esta decidido; no que eu tem he grande duvida, e no que de certo não posso subscrever he, em se mandar copiar o processo, e fazer a remessa a custa de ambas as partes para terem sentenciadas. O réo tem sempre a presumpção a sem favor em quanto não for convencido, e não deve por isso antes de sentença ser onerado com similhantes despezas; todas as despezas do processo são sempre feitas á custa de quem tem interesse no adiantamento, e he injusto o sanccionarmos que em todo o caso seja o traslado, e a remessa feita tambem a custa do réo. Os réos, principalmente em cousas crimes, forão sempre dignos de todo o favor não só pelas nossas leis, mas por todas as nações civilizadas: pela nossa legislação actual nenhum escrivão pode demorar o progresso do livramento de um réo com o pretexto de não lhe pagar as despezas, e como pertendemos nos agora no seculo do liberalismo sermos menos liberaes com os infelizes? Como pertendemos constranger a um desgraçado réo a pagar uma despeza a que elle não linha obrigação alguma emquanto tem a presumpção de inocente a seu favor? Como pertendemos no seculo actual obrigar a um réo só no nome, e talvez no centro de uma masmorra, a gastar para o traslado, e remessa de um processo a que não deu causa, aquilo que talvez não tenha para se sustentar e para viver? Como pertendemos no seculo chamado das luzes, que um homem só porque lhe da o nome de réo sem ainda estar verificada, seja obrigado a prometer um processo contra si proprio, que he o mesmo que obrigalo a cometter um suicidio só a pena for de morte? Sou por tanto de voto que o réo, ao menos emquanto não tiver sentença contra si, não seja obrigado a pagar para similhantes traslados, e para similhantes remessas; uma tal desposição he opposta aos principios de justiça adoptados por todas as nações civilizadas, e até pelas nossas leis actuaes.
Declarada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente a votação o artigo em as suas tres differentes partes, e forão todas approvadas, com o additamento de se dizer em que o crime julgando-se; e não simplesmente em que o crime.
Passando-se ao artigo 86, disse
O Sr. Borges Carneiro: - Não obstante o respeito que tenho a Commissão, direi que acho neste artigo e no 87 cousas insustentaveis. Primeiramente da ao juiz letrado de 1.ª instancia o direito de supprimir nullidades somente no caso do artigo antecedente, isto he nos processos que lhe remette o juiz ordinario, que são sómente os de maior pena que a de 5 annos para Africa; ficando em todos os outros crimes extinto o direito de supprir; cousa que he desigual. 2.° Contradiz-se este artigo com o 83, que prohibe aos juizes fazer nos autos diligencias algumas, nem mesmo acariações dos coréos, ou de testemunhas , salvo se as partes o requererem. 3.° Autoriza o dito juiz e as relações a supprir cousas contrarias as leis, como he mandar receber querella depois de ter passado o anno para ella se dar, tirar devassa depois do tempo legal, etc., o que não sei se as relações mesmo se deva conceder, e limitar-se somente a castigar o juiz que não satisfez as leis. 4.° Finalmente concede esta faculdade de supprir, quando o crime se achar provado; porém quem será antes de sentença final o que julgue se o crime esta provado? E porque razão quando elle não estiver provado, se não devera então supprir o que faltou, a fim de não ficar o delicto impune? Portanto esta doutrina do supprimento dos defeitos nos processos crimes, ou se deixe ficar como actualmente está na legislação, até se fazer o codigo criminal; ou não póde passar como aqui esta enunciada, e carece de ser emendada.
O Sr. Moura: - Eu sou de opinião contraria. Acho que os dois paragrafos do projecto de lei mais necessarios são estes. O illustre Preopinante tirou mais conclusão contra os seus proprios principios. Aqui he preciso examinar duas cousas; a primeira he o destino que ha de ter o juiz que delinquiu fazendo um processo nullo; a segunda o destino que ha de ter este processo nullo. He preciso que o juiz, que delinquiu, seja castigado; mas he preciso que também tenha destino o processo: eis-aqui a razão que fundamenta a boa doutrina dos paragrafos. Ora até agora quando se annullava uma devassa, quem concedia segunda? Era um tribunal que dispensava na lei; e agora he uma lei que o manda fazer: reparemos bem na differença! Que determina mais o paragrafo? Determina que a devassa, que foi tirada fora de tempo, ou foi tirada por juiz incompetente, se de por nulla, mas supprindo-se esta de facto quer dizer,
mandando-se proceder a outra devassa por ordem do mesmo tribunal de justiça. Senhores, puramente não ha nada que dizer contra estes paragrafos; estos dois paragrafos são os que contém a doutrina a essencial deste projecto. Sabem todos muito bem que os juizes da primeira instancia as vezes erão bem ignorantes na organização dos processo; passava processo á relação e annullando-se ficava o crime impune, o delinquente da para a rua, não por ser innocente, mas por estar nulla a devassa, ou o summario. Agora que se propõe? Dá-se a faculdade, dá-se o arbitrio a relação para que ainda que falte algum elemento necessario, com tudo se existem provas material do facto, ou se ha verdade sabida, como dizem Pragmaticos, se ha conhecimento do delicto, e de delinquente,

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razão se não ha de remediar o defeito do processo? Porque razão nos havemos de limitar unicamente ao castigo do juiz, que não fez o processo bem feito?

O Sr. Soares de Azevedo: - Sr. Presidente, o illustre Deputado Sr. Moura acaba de fazer na verdade uma judiciosa analyse sobre este artigo 86 em questão, concluindo a final na approvação do artigo em todas as suas partes. Eu reconhecendo o peso das suas reflexões de boa vontade subscrevo com elle o artigo menos na parte em que autoriza aos juizes letrados, a quem o feito for remettido para ser julgado a final, e aos juizes da appellação, a supprirem de facto a nullidade de ter sido a devassa tirada fora de tempo legal, sem ao menos se fazer a differença de devassas juradas ex officio, ou a requerimento de parte. Não ha, Senhores, jurisconsulto algum, nem publicista de que eu tenha noticia, que não concordem em que he um principio de interesse publico, que todas as acções tenhão certo tempo, dentro do qual só possão ser intentadas; todas as nações civilizadas tem admittido este principio, e se acha tambem sanccionado na nossa legislação, e se razoas do interesse publico exigem esta providencia nas cauzas civeis, não he de certo menor a razão que o pede nas cauzas criminaes; e eis-aqui porque as nossas leis, falando em regra geral, tem marcado o espaço de 30 dias para as devassas, e de um anno para as querellas, julgando nulla toda a devassa e toda a querella tirada fora deste termo. Os autores do projecto, e o mesmo illustre opinante, reconhecem a necessidade desta medida e que he necessario o marcar-se algum tempo, em quanto sanccionão o marcado pelas nossas leis, e pertendem autorizar os juizes e poderem fazer supprir de facto uma tal nullidade; mas haverá acaso uma contradição mais manifesta? Ou he necessario marcar-se tempo, como no mesmo tempo que reconhecemos esta necessidade autorizar-mos indiscretamente os juizes para supprirem de facto esta nullidade? Creio que he isto o que se chama fazer com uma mão o que se desfaz com outra. Se porém não he necessario o conservar-se esse ou algum outro espaço de tempo, dentro do qual se possa proceder a devassa ex officio, ou a requerimento de parte, então, falemos claro, e digamos isso, digamos que as devassas ou sejão a requerimento de parte, ou ex officio se possão tirar em qualquer tempo que seja, e que fica revogada nessa parte a nossa legislação actual; creio porém que nem os autores do projecto, nem o Congresso, quererá no século actual sanccionar uma tal doutrina contraria ao socego publico, ao bem geral da Nação, e aos principios de justiça adoptados por todas as nações civilizadas: só com effeito não houvesse tempo certo dentro do qual expirassem as nacções, as acusações, quem viviria socegado? Não apartemos, Senhores, de nossos olhos um principio em politica para mim de grande vantagem na ordem social, que um dos essenciaes motores para a prosperidade da agricultura, commercio, artes, e industrial, em uma palavra, para a prosperidade da nação, de a certeza que pode ter o cidadão daquilo a que póde chamar seu, e o poder contar viver em socego, debaixo da protecção das leis, sem receios de poder ser incommodado.

E quem não vê que se não marcamos tempo certo e determinado, dentro do qual só possa qualquer cidadão ser demandado por alguma cousa, ou accusado por algum facto, ninguem poderá chamar com certeza a grande parte das cousas que possue, por mais largo tempo que as tenha possuido? E quem poderá dormir, e cmpregar-se socegadamente, e com afinco no trabalho e ao sen emprego, esperando todos os dias da sua vida, e a cada momento, o poder ser incommodado? O dominio ficaria vacillante, e o socego de muitos em desconfiança: em consequencia não posso adoptar o artigo na parte em que manda supprir a nullidade de todas as devassas tiradas fora do termo legal, e ainda por outra razão muito particular; porque o juiz que tivesse tirado a devassa fora do tempo tinha praticado um acto nullo, e commettido um erro de officio, e em consequencia um delicto; que assim podemos chamar a todos os actos praticados contra a lei: e mandando o juiz d'appellação supprir de facto essa nullidade, ia praticar outra nullidade, pois que a autoridade do juiz da appellação não pode fazer que não passe um termo que já passou, nem apesar da autoridade pode fazer que a devassa se tire dentro do termo legal; e eis-aqui ternos o que da appellação praticando o mesmo erro, e nullidade que se crimina no juiz da devassa. Voto portanto que nas devassas tiradas a requerimento de parte não se possa supprir esta nullidade nem mesmo nas tiradas ex officio; e que só tanto em um como em outro caso se possa fazer officiosamente em certos delictos, cuja punição seja indispensavel para socego e bem geral da Nação, mas cujos delitos devem precisamente serem marcados nesta lei, para cujo fim deve o artigo voltar a Commissão.

O Sr. Ferreira Borges; - (Não o ouviu o taquygrafo Brandão).

O Sr. Peixoto - Posto que em parte do que tinha para dizer fosse prevenido pelo illustre Preopinante, ainda farei algumas observações sobre o artigo.

Esta lei na pratica não poderá deixar de encontrar muitas difficuldades, nascidas da natureza da reforma, que estamos fazendo. Por mais irregular que um systema de legislação pareça, sempre nelle se encontra tal, ou qual harmonia, e quando se lhe toca parcialmente, corre-se o risco de destruir essa harmonia, e ir na execução topar com embaraços, que não se previão.

O artigo 86, que se discute, deve combinar-se com o 87; e um e outro carece de ser organizado de outra maneira, em vista de algumas considerações já feitas, e de outras, que poderão lembrar. Deve tirar-se delle a palavra nullidade, e substituir-se por defeito; pois não sei como possa supprir-se uma nullidade: o que he nullo não existe, não tem vida, nem se lhe póde dar. Ha com effeito nos processos nullidades, que necessariamente devem privalos de todo o effeito. Fez-se em um morto um exame em uma confusão, ou ferimento; não se declarou a qualidade, pois onde podesse ajuizar-se se acaso a morte foi resultada dessa contusão, ou ferimento, ou de alguma outra causa natural: aqui temos uma impossibilidade invencivel. Em geral a falta do corpo de delicto em

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factos permanentes de que só pelo exame pode verificar-se a existencia do maleficio, he insuprivel; principalmente em casos de morte. Todos sabem os erros, que sobre este ponto tem havido: aqui mesmo na supplicição aconteceu julgarem uma morte, em que não tinha havido corpo de delicto: queixou-se a mulher do condemnado a Rainha a Sr. D. Maria I. affirmando, que o Facto era Falso; e que o supposto assassinado, era vivo: mandou-se informar o juiz da culpa, o qual novamente affirmou , que pelos autos se provava, sem deixar duvida, a existencia do delicto: e quando a sentença estava para cumprir-se, appareceu o supposto assassinado, que estava vivo, e são.

Providenceia o artigo o supprimento dos defeitos com a clausula de achar-se o crime provado. Crime nenhum se reputa provado, sem que esteja provado na forma determinada pela lei: não estamos no processo dos jurados, em que os juizes de facto se dirigem pela propria convicção: a prova attendivel ao nosso juizo criminal lie a legal; e se a prova legal existe, nada resta que precise supprir-se. Ha porém faltas, que devem supprir-se, por isso mesmo que a culpa não se acha provada, e não estão preenchidos os requisitos requeridos pela lei para a consummação da prova: taes são as de não se haver tirado o numero completo das testemunhas; de não se haveriam perguntado as referidas, etc. Menciona-se a falta de querella, ou devassa. A querella he negocio da parte; e quanto a devassa he necessario determinar exactamente o modo porque hale tirar-se, quando passou o tempo da lei, quando foi tirada porjuiz incompetente, ou com defrito notavel. As devassas especias, pela Ord. liv. 1.ª tit. 66., devem começar, sendo o maleficio na capital do destricto, dentro em dois dias, e sendo no sendo, dentro em 8 dias; e acabar-se dentro do 30 dias, os quaes o alvara de 1741 permittiu, que se ampliassem em dois casos especiaes; e o de 7 de Março de 1790, pareceu restringir de novo de certo que passa-lo este tempo deve haver recurso para se tirarem as devassas, que os juizes por omissão, ou malicia deixassem mas deve ser com preza limitado. Quando a devassa era defeituosa, o se precisava de proceder-se a outra pelo mesmo maleficio, havia o recurso ao desembargo do Paço. A que Foi tirada por juiz incompetente, he tambem, como se fosse tirada por uma pessoa particular, sem jurisdisção. Para todos estes casos se precisa providencia, que o artigo não offerece; e por isso julgo, que deveria reformar-se.

Declarada a materia sufficientemente discutida , propoz o Sr. Presidente a votação o artigo, e foi aprovado como está assim a indicação offrecida pelo Sr. Deputado Guerreiro, que dizia - quando o juiz letrado, a quem o feito for remettido para julgar, achar que falta no processo alguma solemnidade, ou averiguação judicial, que ainda passa fazer-se, mandará proceder a ella; não o ....., ou apparecendo no processo alguma nuilidade, os juizes da appelação mandarão em todo o caso fazer effectivamente a responsabilidade do juiz, que a ella deu causa: os juizes da appellação nunca podem supprir nullidade do processo - assim como a que offereceu o Sr. Deputado Sacretario Soares de Azevedo, que dizia - Proponho, que o supprimento da devassa tirada fora do tempo legal se tenha lugar nas devassas ex-officio, mas não nas que for em tiradas a requerimento de parte.

O artigo 87 Foi approvado sem alteração.
O artigo 88 Foi entregue à votação por partes, A 1.ª até as palavras official publico, foi approvada, assim como o additamento proposto pelo Sr. Fernandes Thomas , nestes termos: proponho que seja uniforme a pratica da publicação, e intimação das sentenças nas causas crimes, e nas civeis, e que se adopte a lembrança do Sr. Ferreira Borges, para se marcarem tres dias em lugar de vinte e quatro horas ao letrado, para entregar os autos com os embargos.
A 2.ª parte até às palavras não appellem, foi approvado, com declaração, que fica adiada a discussão sobre a declaração da pessoa, que ha de appellar ex- officio, e com o additamento de que a menu a appellacão ex-officio se verificará nos casos, em que pelas leis ella tem lugar. A 3.ª parte foi approvada, com os additamentos de que a remessa seria feito dentro do prazo marcado pelo juiz, que não excederá a quinze dias: que os autos serão remettidos ex-officio pelo escrivão: e fazendo-se referencia ao artigo 41.

Seguirão-se os artigos 89, 90, que, por ter chegado a hora da prolongação, ficarão adiados; mandando-se remetter a Commissão, para tornar em consideração uma addição ao artigo 88 proposta pelo Sr. Ferreira de Soma, que diz: aparecer do corregedor, que ate agora terão os juizes leigos obrigado a seguir para poder sentenciar sem appellação alguns crimes, será agora pedido ao juiz de fora mais vizinho do districto da mesma relação, logo que se extinção os corregedores.

O Sr. Franzini apresentou o seguinte

Relatório.

Tenho a honra do apresentar ao soberano Congresso o resultado dos trabalhos topograficos estatísticos que dirigi no archivo militar, e que forão executados pelo capitão tenente José Joaquim Leal, pelos capitaes do corpo d'engenheiros Manuel Tavares da Fonseca , José Joaquim Freira, ultimamente pelo tenente coronel do mesmo corpo João José Ferreira, os quaes com o maior zelo e acerto procurarão desempenhar o fim que me tinha proposto. Elles offferecem em onze grandez mappas a posição dos 786 concelhos, em que se acha dividido o Reino, os limites que circunscrevem cada um dos mesmos concelhos, a comarca, e a provincia a que pertencem e o numero de seus habitantes. Note-se que ao mesmo tempo que se redigião estas cartas gográficas estadísticas, se apuravão e rectificavão os 4100 mappas particulares pertecentes às freguezias do Reino, contendo o estado actual da população de cada uma, classificada pelo numero de fogos, sexos, e estado dos indivíduos, assim como a alteração anual procedida dos nascimentos, mortos, e matromónios durante os cinco annos decorridos de 1815 a 1819, e na capitaol até 1821, o numero dos estabelecimentos de beneficiencia, e li

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terarios de cada paroquia, com a especificação de cada uma das povoações de que se compõe cada freguezia, e o numero dos seus fogos, e como este genero de trabalhos era geralmente pouco conhecido, foi necessario manter uma activa correspondencia com grande numero de parocos, afim de aclarar as duvidas que occorrião. A collecção destas noticias offerece materias de grande importancia, que serão postas na devida ordem , e que poderão ter mui uteis applicações. A redacção das cartas apresenta muitas difficuldades, pois he bem conhecida a grande falta que temos de bons mappas geograficos do Reino, sem cujo auxilio he assás difficultoso apresentar com exactidão os necessarios elementos para uma acertada divisão territorial. Com tudo as que se offerecem julgo serão sufficientes para este fim. Em consequencia das averiguações a que se procedeu relativamente a população, he que a Commissão póde realizar a primeira divisão provisoria do Reino em circulos eleitoraes, na forma sanccionada pelo decreto de 11 de Julho proximo, o qual offerece o actual estado da população do Reino, do que até ao presente havia tão inexactas noções.

He pois a vista destes preliminares trabalhos que só podião ser executados no archivo militar, que a illustre Commissão d'estadistica, a que tenho a honra de pertencer, poderá proceder a uma acertada divisão territorial, que esteja em harmonia com as diversas autoridades encarregadas da administração eclesiastica, civil, e militar do Reino, e com as novas instituições ultimamente sanccionadas; deduzindo-se desta rapida exposição, quanto tem sido injustas as arguições que se tem feito a mesma illustre Commissão por não ter já concluido os seus trabalhos, esquecendo talvez que em Hespanha, onde tambem faltavão os indispensaveis auxilios topograficos, e estadisticos, decorrerão tres legislaturas sem se proceder a nova divisão; e que na França onde se executou rapidamente, ainda que alterada por vezes, não só existião todas as noções estadisticas, que podião desejar-se, mas tambem possuião a grande carta de Casgini em cento e oitenta folhas, trabalho precioso, e verdadeiramente digno de uma grande Nação, que levou quarenta annos a concluir, o qual apresenta a exacta e circunstanciada configuração de todos os objectos importantes que se achão existindo na extensa superficie daquelle reino.

Será para mim summamente honroso que o soberano Congresso, e a illustre Comissão d'estadistica approve os trabalhos preliminares que tenho a honra de lhe apresentar, e então ficarão bem recompensadas as assiduas fadigas dos officiaes, que com todo o zelo coadjuvarão para a sua execução. - Paço das Cortes em 14 de Outubro de 1822. - O Deputado Franzini.

Mandou-se remetter a Commissão de estatistica.

INDICAÇÃO.

Tendo-se concluido as eleições de Deputados para as Cortes ordinarias, e devendo desde já proceder-se aos trabalhos necessarios para assessões da junta preparatoria, muito mais quando pelas actas que vão chegando ha de constar a necessidade de chamar logo alguns Deputados substitutos para o lugar dos ordinarios, que forão eleitos em differentes divisões eleitoraes, proponho :

Que se proceda a nomeação da Deputação permanente, a qual se remelterão pela secretaria das Cortes todas as actas das eleições, á proporção que vierem chegando. - Lisboa 11 de Outubro de 1882. - João de Sousa Pinto de Magalhães.

Sendo declarada urgente, teve logo segunda leitura, e foi admittida á discussão.

O Sr. Borges Carneiro apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Segundo a Constituição, devem as Cortes promover a observancia das leis, e fazer effectiva, mesmo sem dependencia da sancção do Rei, a responsabilidade dos empregados publicos.

Pelas leis ele 7 de Dezembro de 1796, e 9 de Maio de 1797, que servem de regimento ao conselho do almirantado, sustentadas pelo decreto de 19 de Janeiro de 1803, e alvará de 4 de Maio do 1803, o 6 de Novembro de 1810, esta determinado que todas as controversias, e questões sobre presas sejão decididas summariamente, segundo a natureza dos processes, em conselho de guerra, repartindo-se prontamente pelos officiaes, e tripulação, as presas que forem feitas pelas náos da coroa.

Porém estas leis tem sido, e estão sendo escandalosamente infringidas no juizo do Almirantado, e no da auditoria da marinha a respeito da presa corveta Heroina.

Por toda a legislação esta provido para se venderem os generos corruptiveis, que por qualquer titulo se acharem em deposito judicial, e a respeito das presas especialmente o dispoz a cilada lei de 7 de Dezembro. Erão muitos, e mui importantes os pertencentes a corveta apresada, os quaes (posto que não todos, nem com assistencia do capitão tenente agente das presas) havião sido inventariados pela auditoria da marinha, depois que a corveta entrára no porto desta cidade. Vendo porém o dito agente, e o outro capitão tenente, commmandante da corveta, que ditos generos se deixavão avariar, e que alguns já effectivamente se tão avariando sem se tratar da sua arrematação, começárão desde 31 de Maio passado a dirigir a este fim frequentes representações ao conselho do almirantado, junta da fazenda da marinha e auditor geral da mesma. A estas representações, umas vezes se não dava despacho, outras não cumpria o auditor os que se davão, permanecendo nesta desobediencia perto de dois mezes , sem que nem aquelles tribunais procurassem saber a razão, nem o auditor allegala. Tal foi um despacho da junta, de 10 de Junho, que mandou em fim vender alguns generos, a fim do se aprontar dinheiro para pagar os custas, e despezas do processo, sem o que o escrivão o não adiantava, como se se estivesse em causa de mero interesse particular. Aquelle despacho. bem co-

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outros do almirantado, de 25 de Junho, e de 2 de Julho, que o excitarão. forão desobedecidos pelo auditor, sem que se cansasse em dar a razão disso. Esta lhe foi positivamente mandada dar por o outro do mesmo almirantado, de 5 de Julho, e depois de novos requerimentos no conselho, e ao auditor, apparecerão em fim de a 27 de Julho os suspirados editaes, para a arrematação, omittindo-se porém nelles muitos generos igualmente sujeitos á corrupção, como cincoenta e tantas arrobas de tabaco, e muito sabão avariado pelo calor, e humidade dos panes, e muitos artigos de fardamento depositados no arcenal da marinha, os quaes já ao tempo da factura do inventario começavão a ser tocados da traça. Dos generos contidos nos editaes, se demorou ainda a arrematação ale 5 de Agosto, tempo em que se acharão avariados e corruptos, sendo todos de excellente qualidade: quanto aos outros omissos nos editaes, houve novas representações: o almirantado os mandos tambem arrematar (excepto o sabão, e tabaco, que passou já avariado para os armazens do contracto, e he decrer que nada se approveite) por despacho de 8 de Agosto; porém o auditor demorou o cumprimento até 30 do mesmo mez, o que deu lugar a nova queixa do commandante, e só no meio de Setembro passado apparecerão os editaes para a arrematação, sem com tudo se incluirem nelle os ditos artigos de fardamento, e outros generos mencionados nas representações, nem os animaes que se estão conservando vivos a bordo da corveta, e despendendo mais do que valem. Para a ruina dos generos, causada pelas referidas demoras, concorreu tambem a circunstancia de que, fazendo a corveta pelos calores do estão aberto as costuras, e caindo as chuvas por toda a parte, ao ponto de não poder abrigar-se a guarnição, o conselho do almirantado permaneceu surdo as partes que lhe dava o commandante.

As mesmas demoras soffre a causa principal da presa, tomando-se por pretexto a falta de dinheiro para o pagamento dos sellos e custas, corno se causas nacionaes, e publicas podessem retardar-se por tal motivo, ou como se do producto dos generos vendidos não podesse supprir-se aquella falta; porém tudo depende da trapaça, e de minuosas formalidades, com que ministros traparceiros tudo embrulhão, e paralisão contra a expressa disposição das citadas leis.

Os ultimos resultados desta trapaça, de que não póde prever-se o fim, são: 1.° estar o thesouro nacional dependo miais de dois contos de reis por mez com as rações dos prisioneiros, soldos, comedorias, e rações dos officiaes de patente, tropa, e guarnições, que foi necessario augmentar-se a bordo da corveta, e da não S. Sebastião, as quaes tropas poderião ser empregadas ultimamente em outro serviço : 2.° testar a Nação privada da corveta Heroina: 3.° demorar-se o processo dos prisioneiros, que se devera ter remettido as competentes varas do crime da corte, para serem julgados; dando-se-lhe occasião de se munirem de certificados falsos, como se costuma fazer em taes casos: 4.° perderem os officiaes, o a tripulação da fragata Perola, os generos apresados, que a que a lei concedera para estimular as tripulações a cometter tão honrosos feitos.

Peço por tanto se diga ao Governo, que faça effectiva a responsabilidade daquelles, que infringindo as leis, tem dado causa aos referidos damnos, e que faça reparar pelos bens dos causadores. - Borges Carneiro.

Lida segunda vez esta indicação por se declarar urgente, foi admittida á discussão, e se determinou que imediatamente se pedissem ao Governo informações, e explicações a este respeito.

O Sr. Soares Franco, por parte da Commissão de saude publica, leu o seguinte

PARECER.

O curso de estudos da faculdade de medicina na Universidade de Coimbra lie o mais longo que ha na Europa, e ainda que o estatuto que o regula tenha merecido elogios dos sabios, e particularmente dos da escola de Pariz, he com tudo verdade que tem algumas aulas que nem forão adoptadas na nova forma, que se deu áquella Universidade, nem existem em outra alguma; taes são as aulas de medicina, e hydraulica, que formão o objecto do terceiro ano mathematico. Quando pela reforma feita em 1772 se determinou que estas aulas fossem um preparatorio para medicina, houve uma a forte razão, que? ha muito tempo não existe para assim se fazer. Prevalecia então na Etiropa o systema de Boerhaave, que era fundado na mecanica, e na hydraulica: nada havia mais consequente do que fazer preceder aquelle estudo, que dava a explicação dos problemas theoricos da sciencia, segundo o systema então predominante; e qualquer se pode convencer desta verdade, lendo a longa introdução ao estatuto da faculdade de medicina Universidade. Porém no fim de alguns annos começou aquelle systema a caducar, e hoje entra na lista dos que estão inteiramente abandonados. Além disto, pela forma a botanica estava unida ás outras duas partes da historia natural, e a chimica era a unica aula do quarto anno filosofico, chimica que não tinha comparação alguma com a actual, porque os seus progressos desde os tempos de Lavoisier para cá tem sido pasmosos, e extraordinarios. Ha alguns annos a esta parte, a botanica separou-se do primeiro anno filosofico, e veio a formar aula distincta, e collocar-se no mesmo anno em que se dava a chimica, e a phoronomia. Como porém a chimica, e a botanica são preparatorios essenciaes, e indispensaveis para o estudo da medicina, tem sido pratica constante de muitos annos dispensar-se o estudo do terceiro anno mathematico aos estudantes medicos, porque assim não ser assim, era necessario que completassem a sua carreira, não em oito, mas em nove annos, o que é quasi a vida de um homem, e não tem exemplo em Universidade alguma do mundo.

A Commissão de saude publica, tomando em consideração os motivos expendidos, propõe ao soberano Congresso:

Que os estudantes que se destinão para a faculdade de medicina na Universidade de Coimbra, não só são obrigados ao estudo do terceiro anno mathematico.

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Paço das Cortes em 10 de Outubro de 1822. - Francisco Soares Franco; Francisco Xavier de Almeida Pimenta; João Alexandrino de Sousa Queiroga.

Mandou-se remetter á Commissão de instrucção publica.

Continuando a discussão adiada na sessão de 12 do corrente sobre o parecer da Commissão criminal, relativo ao processo do chefe de divisão, Francisco Maximiliano de Sousa, disse

O Sr. Peixoto: - Na ultima sessão, quando ouvi os discursos de alguns illustres Deputados sobre o parecer, de que agora se renova a discussão, duvidei se se tratava de processar, e julgar o chefe de divisão Francisco Maximiliano, ou se a patria se reputava em perigo, e se pretendia com declamações energicas inflamar os animos dos povos para haverem decorrer em defeza della, sem haver respeito a leis, ou regras algumas. Se houvermos de instaurar neste lugar um processo criminal, he necessario que se nos diga quem he o accusado; quem he o accusador, quem o juiz: se existe o perigo, saibamos qual seja, e corramos a salvar a Patria. Não vejo porem que o Congresso possa arvorar-se em tribunal judicial; e se o fizesse, estou persuadido que no mesmo momento acabaria o systema constitucional, e a Nação cairia immediatamente na escravidão. O perigo que pode fazer calcar as leis, felizmente não existe.

Em consequencia convem mudar a direcção na discussão; e encaminhala ao seu devido termo.

Se eu houvesse de ajuizar do comportamento de Francisco Maximiliano na sua desgraçada expedição em um circulo particular, ou como historiador, não duvidara qualificalo de indiscreto, e indigno de um official, que possuisse o menor lume de raciocinio: neste mesmo lugar, quando pela primeira vez se espalhou a noticia de haver elle entrado com a expedição no Rio de Janeiro, reflecti eu com o illustre Deputado o Sr. Van Zeller, que melhor fora que não tivesse entrado, porque ia arriscar-se a lá deixar a não, e talvez todas as embarcações que commandava: antes de termos noticia do resultado da sua imprudencia, já discorriamos desta maneira. Entretanto não posso levar tão longe, como se tem pretendido a imputação que se lhe faz: he sempre arriscado o juizo do qualquer acção, tendo presentes as consequencias que della procederão, ou em realidade, ou por presumpção. A imputação da acção deve calcular-se pelo acto, por aquillo que ella era no momento, em que se praticou : o contrario arrastaria aos maiores absurdos; nem haveria homem cordato que se encarregasse de poder discricionario, em cujo exercicio fosse responsavel por futuros contingentes: e o illustre Deputado, o Sr. Moura, não observou, segundo penso, esta regra criminal, quando com extrema severidade arguiu a Francisco Maximiliano, pelo seu procedimento em Pernambuco; dirigiu-se nesta parte sem duvida pelos sentimentos que os ultimos acontecimentos daquella provincia lhe inspirarão; porque anteriormente ninguem se atrevia a fazer-lhe similhante accusação. Se desembarcasse a tropa, ou se conservasse naquella estação, e houvesse novas perturbações: similhantes
as anteriores, não seria difficil que igual principio se lhe desse em culpa, aquillo mesmo que agora se quereria que elle tivesse obrado. Recordemo-nos daquillo que aqui mesmo nos tem acontecido com os negocios politicos do Brasil. Recorra-se a discussão de 23, e 25 de Agosto de 1821; e se vera a diversidade de opiniões que então se emittirão sobre a expedição, que havia de mandar-se para o Rio: veja-se quem erão os Deputados que a impugnavão, e veja-se as razões em que se fundavão, e o quanto custou levar o vencimento adiante. Na sessão de 11 de Agosto dito, o illustre Deputado o Sr. Borges Carneiro, suppondo que o general Luis do Rego contribuia para a desordem de Pernambuco, propoz as Cortes uma indicação, para que se ordenasse ao Governo que o depozesse, e o mandasse recolher a Lisboa; mudou depois de opinião, e posteriormente já queria que elle voltasse para o continente americano. O Brasil tem estado dividido em facções, e em tal estado não ha prudencia humana, que possa conduzir a um acerto infallivel, ou ainda provavel. São tempos em que completamente se realiza a maxima de um autor celebre:

Et dans les factions, comme dans les combats
Du triomphe a la chûte il n'est souvent que' un pas

Deixemos porem esta materia, e vamos ao ponto da contraversia.

Pretendeu o illustre Deputado o Sr. Moura, que no presente caso se separasse o absolvido Francisco Maximiliano dos juizes: que pelo que pertence ao absolvido se sustentasse o julgado; suppondo que he nisso que consiste a independencia do poder judicial; e quanto aos juizes se fizessem responsaveis pela infracção das leis, que na sua sentença atropellarão. Pelo que pertence ao absolvido, digo, que a sua causa he inseparavel da do conselho, porque se houve o suborno, ou patronagem da parte dos juiz, por elle devia ser sollicitado, e não será justo que por este novo delicto aproveite a absolvição, que dolosamente obteve: ainda ha outra razão, que logo tocarei.

Resta falar da responsabilidade dos juizes: e a esse respeito não tendo nos ainda uma lei em que ella esteja perfeitamente regulada, por onde poderemos dirigir-nos com menor risco? penso que se recorrermos a pratica observada pelo Congresso em casos identicos não mereceremos censura ; e pelo contrario, se a abandonarmos para tomar um arbitrio novo, não sei como seremos qualificados. Este ponto he do extremo melindre pelo exemplo, e receio muito se tome resolução, que ao futuro possa arriscar a liberdade dos cidadãos. A pratica, Senhores, tem sido a de se mandarem rever os processos, quando se tem entendido que as sentenças assim o merecião, e fazer o Governo effectiva a responsabilidade dos juizes, uma vez que seja caso disso. Apontarei em prova alguns exemplos de autos, que forão mandados vir as Cortes, e sobre que ellas tomarão resolução.

Temos os de José Lucas, absolvido em visita na relação do Porto, em que as Cortes resolvêrão em sessão de 14 de Agosto de 1821, que o processo fos-

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se revisto na casa da supplicação, conservando-se o réo na prisão. Aqui temos que as Cortes não tiverão por irrevogavel a sentença, pela qual o réo foi absolvido, o que deve applicar-se ao caso presente. Foi revisto o processo , e em consequencia da sentença, os juizes forão suspensos, e responderão.

Temos outro igual parecer a respeito dos réos, Luiz de Sousa, José Ignacio, e José Pacheco, apresentado em sessão de 20 de Novembro. Neste fui eu do voto contrario á revista, porque examinei os autos, e me parecerão bem julgados: entretanto o Congresso, dirigido pelo parecer da Commissão, decretou a revista.

Temos outro parecer da mesma Commissão de justiça criminal, apresentado em 5 de Fevereiro, sobre a absolvição dos réos, Manuel de Novaes, João Antonio de Novaes, e mulher, Domingos José da Costa, Manuel José de Faria , Francisco Xavier, José Marques Espinho e Joaquim José. Barbosa Estes réos erão culpados de roubos de igrejas com arrombamentos de portas, arrombamentos de Sacrificios; profanação dos sagrados vazos, com derramamentos das sagradas Formas; e culpas pela maior parte provadas: tinhão sido mandados processar por ordens especiais: e não obstante tudo, os juizes julgarão-nos emprehendidos no indulto, com advertencia que o relatorio, que era o desembargador Gaio foi de voto contrario de igual voto forão os desembargadores, Castro Rio e Pereira Ferras. Todo o Congresso se indignou contra uma sentença tão escandalosa, até pela injuria que lhe resultava de poder suppor-se que no decreto do indulto intenderá compreheder detalhes de tal atrocidade. Não houve um unico Deputado que pretendesse defender o julgado; todos concordarão na manifesta prevaricação que o produziu: entretanto decisão foi a mesma, que a dos precedentes casos, mandou-se rever o processo, e o Congresso para fazer mais autoria a sua indignação, ordenou expressamente ao Governo que fizesse effectiva a responsabilidade dos juizes; accrescentando a clausia em que lhe determinava, que mandasse imprimir a sentença da revista.

Em todos estes casos o Congresso absteve-se de transmitir ao Governo juizo algum além da sua difinitiva resolução: e com razão, pois se dissermos, que os juizes sejão immediatamente suspenso parque forão injustos, os novos juizes estarão no mesmo caso, se tivermos a convicção dos primeiros, até que se chegue a um turno delle que se rejeitem a julgar não segundo o dictame da sua consciencia, mas por medo de serem; tratados como os precedentes. Por tanto, por não contradizermos o nosso proprio facto, tomando um arbitro novo, deveremos restingir a questão ao único ponto de dever, ou não mandar-se rever o processo?

Sobre este ponto lembro o risco, que poderemos correr se dirigimos os nossos votos por vozes, que correm, sem nos ligarmos aos termos, e provas dos autos. O Congresso tem sido por muitas vezes surprehendido por falsas informações: logo em principio o foi pela carta, e supplica de um preso, e não foi avante o effeito da surpreza, porque um illustre Depulado que tinha sido membro do Governo provisorio, pode a tempo dissipar-nos o erro; recomedemo-nos do que aconteceu com o bispo do Olba, com os carmelitas, e mui particularmente com o alferes de Elvas, a quem o Congresso não só absolveu, mas até mandou contar antiguidade, e soldo pelo tempo da prisão, e depois por informação de um illustre Deputado, que foi presente ao facto, pode conhecer o erro, com que deliberará. He de notar, que nessa occasião houve um parecer da Commissão, porém dado sem os autos a vista; e por isso tambem a Commissão foi illudida. Nos exemplos que apontei o Congresso decidiu-se pela revista, porque a Commissão a propunha; confiou no parecer da Commissão, porque poucos membros poderião ajuizar de per si, por não terem visto os autos: não vejo motivo pelo qual se aparte agora da sua pratica, e por tanto não duvido approver o parecer da Commissão.

O Sr. Pessanha: - Se ha, casos em que um general deve ser condemnado pelo processo, nesses deve ser comprehendido o de Francisco Maximiliano de Sousa, pelos males de que foi- causador a Nação; não quero dizer nisto que se siga a risca a maxima dos Carlhaginezes, os quaes condemnavão a morte todos os generaes Infelizes, sem examinar se da parte delles tinha intervindo dolo, ou culpa; quizera porém que imitassemos os Romanos, que exigião a responsabilidade pelo máo successo, quando elle era provocado pela cobardia, porque o successo muitas vezes depende da fortuna; os vícios da alma sempre dependem de nos mesmos: fundados nestes principios os Romanos entregarão aos Samnitas o consul Posthumio, porque consentira passar com o seu exercito por baixo das forcas caudinas, preferindo a morte certa, vida sem honra; e pelo contrario receberão como em triunfo o consul Varro, quando acabava de perder a batalha de Cannas, e nella cincoenta mil toldados, porque esta perda tinha sido motivada por um ardor inconsiderado de peleja, e alias o consul Varro na sua desgraça não tinha desesperado da Republica. Mas, pergunto eu agora, a empreza confiada a Francisco Maximiliano malogrou-se por excesso de valor, ou por cumulo de cobardia? Diz o supremo conselho de justiça, absolvendo Francisco Maximiliano, que este commandante tinha cumprido exactamente: com as instruções do Governo; mas estas instruções ordenavão o Francisco Maximiliano que desembarcasse em Pernambuco, se ali estivesse transformada a ordem publica; ora havia ordem em Pernambuco estando embarcada para regressar para a Europa a tropa que para ali tinha sido mandada, como Francisco Maximiliano o presenciava? Não via elle os preparativos para resistir ao desembarque que tentasse a tropa expedicionaria? Quanto ao Rio de Janeiro as instruções erão taes, como as circunstancias o requererão; tão pouco restrictas forão, que só falavão na entrega das cartas ao Principe Real; umas com a generica declaração, que se obrasse na intelligencia que o Brazil devia seguir a causa de Portugal. Qualquer outro commandante que não fosse um cobarde, ou para melhor dizer, um traidor, teria visto que esta generalidade, que assás o honrava?

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porque fazia depender tudo da confiança que nelle se punha teria visto, digo, que esta generalidade; não fazia delle um simples correio maritimo, que não era para passear pelo Oceano que o Governo lhe tinha confiado uma esquadra; que elle não devia por-se em termos de ser mutilada esta esquadra, e a tropa expedicionaria, entrando n'um porto aonde erão desobedecidas as ordens das Cortes e do Rei sobre tudo assignando o infame termo que o punha a discrição dos rebeldes; outro commandante teria conhecido que a tropa expedicionaria não devia sem anterior disposição do Governo voltar da America, aonde ainda muito mais era necessaria; teria ido esperar essa resolução a um porto amigo, a Bahia, por exemplo, aonde a sua presença teria poupado muito susto, auxiliando o redemptor do Brazil, o intrepido Madeira, e tornado desnecessaria a despeza que foi foçado fazer-se para reenviar para ali nova tropa; era quem á vista disto qualifica o comportamento de Francisco Maximiliano, em harmonia com as instruções que elle levava he tão doloso e cobarde como elle: por tanto imminentimente responsavel.
Mas inferirei eu, como um illustre Preopinante, que a sentença deve subsistir? Não: porque a sentença he nulla, e toda a sentença nulla não pode passar em julgado; he nulla a sentença por ser fundada em falsa prova, e porque tendo o almirantado ordenado ao conselho de guerra que conhecesse só do acontecido
em Pernambuco, o supremo conselho da justiça, quando a causa subiu appellada, conheceu tambem do acontecido no Rio de Janeiro, vindo a fazer com manifesta incompetencia n'uma mesma causa, que de proposito se partiu em duas, as vezes do juizo de primeira instancia, e de tribunal de appellação, Logo a sentença deve passar para uma revista. Quando nossos maiores forão os dominadores do Oriente, os heróes que voltavão da India encontravão muitas vezes por premios de seus traballos os ferros do limoeiro; assim aconteceu a Lopo Paz de Sampaio; e teria acontecido ao grande Nuno da Cunha, se a morte o não tivera colhido no mar; comtudo não nos fallarão então heróes: hoje os cobardes e os traidores encontrão na corrupção dos juizes a impunidade do seus crimes: eu não quero o primeiro methodo, e detesto o segundo; quero premio ou castigo para quem o merecer, alias a regeneração ficará em palavras. Voto por tanto que aos juizes que absolverão Francisco Maximiliano se lhes forme causa, e que a deste tenha de passar por uma revista.

O Sr. Burges Carneiro: - Acabei de ouvir os exforços que se fazem para noa se tocar nunca em um juiz prevaricador: tudo o que ouvi em ultimo resultado nos conduz a quo a responsabilidade he uma mera theoria que na pratica nunca se realizara. Se os principios que eu produzo na minha indicação, e proclamo para que se fação responsaveis os juizes, são perigosos segundo a imaginação do illustre Preopinante, eu lhe direi que o principio contrario he que he verdadeiramente perigoso, pois não sabemos até que ponto os povos soffrerão as injustiças do poder judicial que ha tantos annos os opprime. Quanto se tem feito por indicações, pelos periodicos por extranhamentos do Governo, tudo tem sido inutil: os juizes que se habituarão a arbitrariedade e a connivencia, não largão seus máos habitos. Que máos exemplo se não estão dando ainda hoje nos tribunaes de Lisboa, inclusivamente a casa da supplicação? Noa soa todos os juizes, mas talvez em 20 se não apurem 5 bons, e verdadeiros amigos da justiça e do bem commum, e superiores a geral corrupção. Deixemo-nos de contemporizar com oppressores dos povos e torcedores das leis. Talvez continuão a fazer assim porque nos tomarão o pulso o ao Governo. Consentir-se-ha aihda no 3º anno da regeneração, que nos tribunaes de Lisboa, em se tratando de pessoas que figurão pela sua riqueza ou condição, se veja negar processo executivo a uma letra cuja assignatura he reconhecida em juizo pelo devedor; illudir por 25 annos as acções de um credor, mesmo quando este tem já por si uma ordem das Cortes; espaçar por mais de um anno o processo de assassinios horrendos commettidos nesta cidade, e apanhado mesmo um aggressor com a faca nas maos; embaraçar a venda dos generos da corveta apresada ate se corromperem, e involver o julgamento da presa em termos trapaças com grandes damnos da fazenda nacional, etc., etc.? Haverá ainda quem neste recinto da justiça se opponha a que sejão depostos taea juizes! Ou pretender-se ha que a independencia dos taes poderes não permitte reprimir taes escandalos? Se assim fosse, seria muito máo o systema da regeneração; porem este mal não esta no systema, esta em algures que o dirigem, Sirva por todos de exemplo o da accusarão feita pela zelosa Commissão de fazenda do Porto: veio a devassa a casa da supplicação, onde convive com os juizes o collega arguido: dizem que na devassa se prova o mesmo que a Commissão havia examinado maduramente. Que se fez? Como em se fazendo pronuncia precisamente ficava suspenso o desembargador accusado, por serem delictos commettidos no officio, lavrou-se um accordão dizendo que o caso não era crime, mas civel! e que seguisse o curse de um libello civel; e viu-se pela primeira vez em Portugal unia devassa sem pronuncia, que declarasse, porque obriga, ou que não obriga. E ainda se pretendera que contra taes descaramentos (que não lhe posso chamar outro nome) commeitidos a face de Lisboa, á face do Governo, a face das Cortes reunidas, a despeito de periodicos, calcada a opinião publica, digo, ainda se pretender que contra elles se não clame? Ha de a Nação continuar a soffrer isto?
Ha de impunemente ser desacreditado o systema regenerador! Lembrem-se os Srs. Deputados que sendo muito amigos da justiça, com tudo em se chegando a tratar-se de desembargadores ou outras pessoas em muito figuvão na sociedade trepidão, vacillão, interpretão; lembrem-se, digo, que quando a Commissão diz ser uma attribuição das Cortes promover a observancia das leis, e fazer effectiva a responsabilidade dos empregados publicos, não trata de dar Cortes uma regalia, um direito, trata de impor-lhes obrigação. As Cortes e o Governo não, tem só meios para conseguir o fim da prosperidade publica: o capitulo da Constituição das Cortes ou; do Rei, he o capitulo das suas obriga

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ções. Cumprimos nós pois aquella obrigação quando nos portamos de modo que a responsabilidade dos máos juizes nunca chega a realizar-se?
Ora pois esta responsabilidade, segundo a Constituição, se faz effectiva por um dos seus modos: 1.º quando elites ao Rei queixa ou noticia do delicio de algum magistrado; o Rei tomadas informações e ouvido o magistrado e o conselho do Estado, suspende-o, e depois manda os papeis ao tribunal competente para nelle ser julgado: 2.º que o supremo tribunal de justiça concedeu revista, e por ella se conheceu haver culpa nos juízos, elle mesmo os faz castigar. Esta ultima faculdade está ainda nas Cortes em quanto não se instala o supremo tribunal de justiça. Com estes principios da Constituição está conforme a ordenação, e leis do reino, nem podião deixar de estar nella sanccionados. Eis-aqui a ordenação liv. 1. tt. 5. §. 4. = Todos os nossos desembargadores que não cumprirem nossas ordenações (quaesquer leis do reino) inteiramente (note-se) sendo-lhes allegadas (as de que se trata estão mui bem transcriptas no conselho de guerra, não podem dizer que não lhe lembrarão) paguem ás partes 20 cruzadas (hoje o tresdobro) sejão suspensos até nessa mercê... e os desembargos e sentenças (as interloquotorias e definitivas) sejão nenhumas. E o mesmo mando a todos os mais julgadores (aos do conselho de justiça do almirantado).
Vejamos pois se estes julgadores guardarão ou antes quebrarão inteiramente a lei. Esta diz (regimento provisional da marinha) (leu). O art. 13 dos de guerra da armada diz (leu). Era conformidade destas duas leis o conselho de guerra inferior por 9 votos conformes, julgou que a pena de morte estabelecida em outros artigos para o presente caso não tinha nelle lugar, pelas razões que em favor do réo produzio para provar que elle obrara assim por simples frouxidão e ignorância, e não com advertencia, e que por tanto somente lhe impunha pena de demissão estatuída no cit. art. 13, e accrescentando ainda que o recommendava á clemência de S. Magestade. Ora depois de tantos erros e culpas de réo de que resultarão á Nação tão funestas consequências, uma sentença tal, parece-me que nada ha mais benigno, nada mui desejável ao conselho de justiça do almirantado, que se empenhava em deixar impune o procedimento do seu camarada: elle podia ainda mitigar aquella benignissima pena, e insistir na recommendação á real clemência. Pois nada disso: este juízo composto dê 5 indivíduos a maior parle desembargadores (em verdade cousa bella appellar-se da sentença de nove para cinco!!!) disse: "Nada: essas duas leis, essa responsabilidade que ellas põem ao réo, eu digo que não tenha neste caso lugar, e tal he minha absoluta vontade: a única obrigação do réo era cumprir as suas instrucções: elle as cumpriu quanto á província de Pernambuco; pois só o encarregado de a pacificar, e elle a achou pacificada: cumpriu-as quanto ao Rio de Janeiro, pois to lhe incumbião entregar as cartas ao Príncipe Real, e com efeito lhas entregou; e por tanto revogada a sentença do conselho de guerra.
Ao protesto de obediência cega a todos as ordens do Príncipe, que encontrou em estado hostil, chama-lhe, o termo e a declaração fol. 33 , o se depois que entrou a esquadra no porto, se seguirão funestas consequências, diz que nada disso podia o réo prever (permite dizer ao capitão o não cuidei de Camões, e o non putaveram de Cícero); diz que só linha a considerar ser aquelle um porto nacional, e que apesar de tudo não devia variar nada em suas instrucções. Eu não fatigarei o soberano Congresso referindo tudo o que o réo féz, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e daí ate Lisboa, pois disso fiz um breve relatório na minha indicação, e mais elegantemente o fizerão os illustres Preopinantes: nem também referirei o espanto e horror que me causou o ver como estes juizes enguirão a não interrompida série de erros em toda esta viagem, e os desastrosos acontecimentos, e consequências que delles resultarão, o fogo da desunião do Brasil, ateado no Rio de Janeiro, onde os bons patriotas suspiravão pela chegada daquella expedição, etc. somente perguntaria a estes engulidores de camelos, como entendem que havendo-se dado ao réo suas instrucções debaixo da hypothese de que o Príncipe Real estava unido á causa de Portugal, para onde tinha pedido os meios de regressar, e achando-o mudado, em situação hostil, capitaneando os facciosos, sabendo já em Pernambuco que a divisão auxiliadora havia sido forçada a embarcar-se, que a sua a não deixarão desembarcar que os decretos das Cortes e do Rei erão detidos na chancelaria, cujas noticias lhe forão confirmadas no mar aos sete dias de viagem de Pernambuco: ¿ como entendem, digo, estes engulidores de camellos ,e se atrevem a dizer, que ainda depois de tudo isto não devia o réo variar cousa alguma em suas instruções? Como depois de ser intimado paia fundear for do alcance da fortaleza, e ir a terra (sem deixar ordens algumas ao seu immediato) não soube o estado hostil em que tudo se achava, para no dia digne-se ir metter na boca do lobo com toda a evocação? Como pois diz o conselho do almirantado, que nada tinha a considerar senão ser aquelle parte nacional, e que não podia prever as consequencias que depois resultarão? «Achava-se sem viveres?» Se isso he verdade porque o não previu? porque se deixou chegar a essa extremidade? porque os não foi tomar em Santa Cruz? Se assignou o protesto constragido ;porque não protestou depois contra esse constrangimento .
Eu deixo quanto havia a dizer sobre esta tão fátua como funesta viagem do réo, e acabo observando a astucia dos juizes do almirantado. Disserão consigo: « O comportamento do réo em Pernambuco, ainda se podará de algum modo salvar; porém ao do Rio de Janeiro de onde não se pôde dar saída alguma: pois bem mandemos na portaria ao conselho de guerra que julgue o reo somente combinando a conducta delle com as instrucções, com o que o conselho o não julga pelo conducta no Rio de Janeiro, a respeito da qual as instruções nada dizem; e nós depois julgamos na superior instancia uma e outra conducta, a fim de se não poder mandar que elle entre ainda por esta ultima em conselho de guerra.» Assim se fez. O conselho inferior guardou profundo silencio em tudo o que vai de Pernambuco em

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diante: o réo sendo perguntado sobre uma cousa tocante ao Rio de Janeiro, replicou que não tinha obrigação de responder, e o interrogante calou-se. Logo pois que o processo subiu ao conselho de justiça do almirantado, este não só julgou o réo a respeito de Pernambuco, mas estende-se a respeito do Rio de Janeiro, e de todo esta viagem, dando de toda ella plena quitação e absolvição, julgando deste modo era 1.ª e 2.ª instancia. Eu perguntaria pois ao almirantado, se um tribunal de appellação pode conhecer tambem em 1.ª instancia; ou se pode haver 2.ª sem ter havido 1.ª Admirarão-se alguns Sr. na sessão passada, e disserão: «Como he possivel que elles fação isto? Eu admirar-me-ia se elles obrassem pelo contrario. Já ha muito tempo antes da regeneração e observava caladamente estes tribunaes despoticos de Portugal: e via que no julgar elles não olhão a lei e a justiça, mas só a condição das pessoas que figurão nos negocios: os soldados e pobres são umas vezes absolvidos, outras condemnados, sempre mais vezes condemnados, e em penas desproporcionadas.

As grandes patentes, os ricos, os empregados publicos, esses saem sempre innocentes, e só ha um delicto que nelles punem, que he se alguma vez faltão á obediencia cega e omnimoda a outros senhores maiores; porque isso convinha-lhes lá para manter o despotismo.

Ora pois cumpre que sobre estas cousas se tomem desde já medidas energicas, e começar-se por decretar já a suspensão preparatoria destes juizes iniquos, ou remetter para o Governo que a decrete; pois se se entrega o negocio ao poder judicial sem a previa suspensão dos juizes, tudo fica em nada, pois aquella gente lá se encobre sempre uma a outra. Este o meu voto.

O Sr. Miranda: - Sr. Presidente, quando os autos do conselho de guerra a que se procedeu contra o chefe de divisão Francisco Maximiliano vierão ao Congresso para serem examinados por uma Commissão, esperava eu que esta, considerando a importancia da materia, e examinando a com toda a madureza, informasse o soberano Congresso do dolo que commetteu o conselho do almirantado quando expediu a portaria que se acha appensa aos autos que estão sobre a mesa, assim como das prevaricações que com tanto escandalo da justiça e da Nação se commetterão neste processo, em que o publico, há tempo a esta parte, tem os olhos fitos esperando com razão uma providencia, com que a justiça se desaggrave, não mesmos do que a honra nacional.

Não aconteceu porem assim por quanto a Commissão desattendendo outras circunstancias? deu por julgada a conducta daquelle official, e como caso julgado em um tribunal, sem dolo ou injustiça notoria, opinou que devia respeitar-se o julgado, e que não havia motivos para exigir-«e a sua responsabilidade.

Pelo contrario o illustre autor da indicação, que tanto zelo tem mostrado pela administração da justiça, depois de analizar iniudamente a conducta de Francisco Maximiliano durante o tempo da sua commissão, perdendo o fio das ideas, não viu a consequencia necessaria dos mesmos principies que estabeleceu no seu extenso preambulo, o concluiu que devia proceder-se contra o conselho superior pela revogação da senteça dada em primeira instancia, deixando no escuro o artificio do conselho do almirantado, em que expediu a portaria, e de que resultou tomar-se conhecimento somente daquella parte da conducta de Francisco Maximiliano, em que elle era menos culpado. Obrigando-me o meu dever a falar sobre esta materia, observarei primeiramente que qualquer militar em commissão
tem deveres, que poderemos considerar relativos a dois, objectos, quando lhe; são dadas instruções. O primeiro he desempenhar as suas obrigações como commandante pelo que respeita a ordem da disciplina, conforme se acha estabelecido nas ordenações; o segundo he o particular desempenho da commissão de que vai encarregado, segundo instruções que lhe são dadas; e st; he responsavel pela execução destas, não o he menos pelos erros e faltas commettidas contra os primeiros. Vamos agora examinar a conducta deste official desde o tempo, em que sahiu deste porto até o tempo da sua chegada (fez o relatorio de todos os acontecimentos que tiverão lugar tin Pernambuco e no Rio): daqui veremos nos, Srs., que não havia motivos para proceder contra este official, simplesmente pelo que fez em Pernambuco. Não he em Pernambuco que eu vejo os seus crimes, he no Rio de Janeiro; he do Rio de Janeiro que o conselho do almirantado quiz affastar a attenção do primeiro conselho, ordenando na portaria que se procedesse ao conselho de guerra, comparando a sim conducta com as instruções. E senão digão-me quantos me ouvem se Francisco Maximiliano chegando ao Rio, e vendo o estado em que as cousas lá estavão, do pois de entregar as cartar ao Principe, em vez de entrar no porto, se fizesse á vela para a Bahia, e depois de cooperar com o general Madeira, desse parte ao Governo, que juizo se faria da sua conducta? Não se diria que se tinha portado com honra e dignidade? Lembrar-se-hia alguem que devia ser processado? Não seguramente. Porem disto he que? se tomou conhecimento; mas da sua entrada no porto de Rio, compromettendo a dignidade da nossa marinha, da desorganisação dos batalhoes, da assignatura do projecto que fez, de deixar tirar os apparelhos de reserve das embarcações do seu commando, da perda da fragata que lá deixou; os navios que devia comboiar: disse não se não se tratou no conselho de guerra, por ser contra a letra da portaria. Vejamos porém .... (continuou o seu discurso lendo alguns artigos do regulamento da marinha, que compareceu com os factos, e concluiu dizendo) Daqui se vê qual foi a [...] de todo este negocio, e resumindo as [...] idéa sou de voto: 1.º que se deve mandar pôr em conselho de guerra Francisco Maximiliano pela parte da sua conducta de que ainda se não [...]; 2.ª que a autoridade que [...] imprima nos actos deve fazer-se por elle [...] 3.ª que deve tambem fazer-se responsavel e conselho superior de estender a sua sentença [...] tomou conhecimento ou [...].

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O Sr. Castello Branco:- Muito, e muito se tem dito a este respeito, e a pesar de poder ser esta questão olhada por diferentes lados, com tudo ella ainda o não foi como pode ser. Se formulas judiciaes podessem ser bastantes para consolidar o systema constitucional, firmar a liberdade publica, manter a integridade da Monarquia, e conservar illesa a gloria, e dignidade do nome portuguez; se não fossem todos estes os grandes objectos os que devem sobretudo dirigir nossos cuidados, e dosvellos, talvez eu podesse ser do parecer da ilustre Commissão, e com ella conformar-me, quando me dissesse que na sentença da superior instancia, que absolveu o chefe de divisão, Francisco Maximiliano, nenhuma Ilegalidade lhe encontra, pela qual se possuo tornar responsáveis os juizes que a proferirão. A ilustre Commissão olhou o negocio só por este lado, aquelle que talvez menos o devia olhar; mas se eu olhar de diferente maneira por que olhou a ilustre Commissão, se attender á substancia, e á essência da matéria sobre que recae este famoso julgado, poderei ser da mesma opinião? Não certamente. Eis-aqui a razão porque eu diversifico, e muito, do parecer da Commissão. Por ventura será tão fácil o officio de juiz, ou para melhor dizer, será tal a cegueira do poder judicial, que cerre os olhos á evidencia das razoes que se dão de todas as partes? que feche os ouvidos a iodos os argumentos da maior importância, pensando que deverá ser inviolável em toda a extensão da palavra ? He o que eu não poderei jamais conceder, nem compreender. Já he muito que a conveniência publica, em quanto á organisação, e independência dos differentes poderei, nos leve a respeitar a inviolabilidade do poder judicial, em quanto o indivíduo a quem elle protege, tem adquirido um direito do favor que lhe resulta deste mesmo julgado, e do poder judicial em ultima instancia; porém devemos nós parar aqui? Devemos deixar o poder judicial com as mãos largas para transtornar toda a ordem publica, para acarretar com o seu julgado a ignominia, e afronta da Nação portugueza? Não certamente. Muito embora fique em paz aquelle a quem o julgado protege, nem eu pretendo outra cousa: entretanto he preciso que haja quem responda pelos delictos que ficarão impunes; he preciso que os juizes respondão; nem jamais se pôde conceder, ou seria o maior absurdo querer conceder inviolabilidade do poder judicial, sem uma estreita responsabilidade da parte do juiz. As offensas devem ser satisfeitas; o aggravo feito á Nação deve desfazer-se, os males feitos ao publico, devem reprovar-se: e por tanto aquelle que commeteu o delicio por uma razão de conveniência publica, aliás muito necessária na ordem económica da sociedade, deve ser castigado, Se este reo primário á sombra de um julgado autorizado pela lei fica livre das penas que a lei lhe impõe, devem imediatamente os juizes que forão ignorantes, substituir-se no lugar do réo, e por conseguinte, fulminarem -se contra elles no seu mesmo officio, as penas que a lei decetar. Se nós não admitimos estes principios ,se elles podem de alguma maneira ser controvertidos, deveremos então cair necessariamente em um absurdo, e vinha a ser, que o poder judicial seria as mais das vezes o algoz da sociedade civil, em vez de ser o seu protector, o seu defensor. Se eu visse que neste soberano Congresso erão controvertidos estes princípios, eu não hesitaria em dizer que as Cortes de Portugal querião arruinar a sociedade, em vez de a proteger, e defender à custa do seu próprio sangue, como he do seu dever. Nós já temos uma Constituição política, jurada por nós mesmos; e que diz ella, em letras que devem estar gravadas no coração de todos os Portuguezes? que o poder judicial he independente: por conseguinte, caminhando a poz a Constituição, se eu vejo um acto deste poder judiciário, daquelles que for ao legitimamente organizados para serem os interpretes da lei, como he que eu posso pretender alterar este julgado? Eu tremeria no momento em que assignasse um parecer contrario aquelle que acabo de publicar. Eu tremeria , no respeito dos réos, eu tremeria pela liberdade dos Portugueses; eu não me poderia julgar livre em parte alguma, onde o puder judicial não fosse independente.
Devemos lembrar-nos que menos mal resulta á sociedade quando um reo fica impune, em consequência de um acto em parte legitimo, pois que em lugar desse se punirão outros réos, do que se para este castigar um, que devia casligar-se, nós fossemos abrir a porta á arbitrariedade. Por conseguinte, eu não tocarei no reo Francisco Maximiliano ; elle está livre por uma sentença; porem não o estão certamente os juizes que a proferirão, uma vez que se mostre que essa sentença he iníqua e contra toda a justiça, e mesmo contra o decoro nacional, que eu devo trabalhar por sustentar. Custe-me muito que para poder tirar esta conclusão, eu me veja na necessidade; de indagar a conducta de um homem, a quem alias elevo dizer, protege uma sentença legal: porém eu não poderei de outra maneira mostrar a iniquidade desta sentença sem ao mesmo tempo analyzar a conducta do reo, a favor do qual a lei foi proferida. Que vemos nós no reo Francisco MAximilianno? Eu não vejo outra cousa mais, do que um chefe militar, a quem se entregou uma parte das forças militares, para um fim certo, e determinado. Saiu Francisco Maximilianno derrota, 1.º a Pernambuco onde elle era obrigado a desembarcar o commandante que devia render o que lá estava, e examinar se a província se achava em socego; e quando não o estivesse, usar das forças que tinha á sua disposição para restituir a tranquilidade. Em quanto a esta parte da missão de Francisco Maximilianno, eu digo que elle não obrou ahi propriamente só: «He deveria combinar-se com outro indivíduo que presentemente se acha em juízo, e de que eu não desejarei, nem quererei prevenir esse mesmo juízo: o poder judiciário o decidirá. Voltemos para o Rio de Janeiro: cumpriu Francisco Maximiliano com as obrigações que tinha, e que são dadas a todos os commandantes, e que deve saber pelo seu regulamento, ao facto do qual deve estar todo o official general ? Ignorava este chefe militar um principio que o soldado mais idiota não ignora, e vem a ser, que elle não devo executar senão as ordens do seu legitimo superior? E quem era neste caso para Francisco Maximilianno o legitimo superior? Considerava elle aca-

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so como tal o Principe Real? Para isso era necessario que elle tivesse de todo perdido o juizo. Quem he que ali o mandava? Não erão as Cortes? Não era ElRei? Certamente que sim. E o que lhe recommendavão mesmo as suas instruções? Não lhe recommendavão ellas, em termos muito genericos, que elle disporia das forças que tinha á sua disposição para sustentar o systema constitucional, que a Nação portugueza havia adoptado, e jurado? E por ventura ignorava Francisco Maximiliano que na organização deste systema, o Principe Real não era mais do que um delegado do seu pai no Rio de Janeiro? E que por conseguinte quando elle tinha obrigações que lhe erão impostas pelas Cortes, e pelo Rei, como chefe do poder executivo, não devia dar ouvidos aquillo que o Principe Real lhe dissesse no Rio de Janeiro? E como he em taes termos se pode desculpar a conducta de um chefe militar, que tem á sua disposição forças que elle deve sustentar e que deve cumprir as ordens dos seus legitimos superiores? Como he que este chefe militar póde illudir-se a ponto tal, que fosse da vontade de S. Alteza? Poderia elle afiançar que essa vontade do Principe Real, não seria em muita e muita cousa contrária á soberania nacional, á vontade do Congresso e ao poder executivo? Não viu elle tantos actos que ali se commetterão contra os Portuguezes europeus? Seria preciso que elle tivesse perdido de todo a cabeça para deixar de formar estes raciocinios, que são bastantemente obvios. Por todas restas razões, sou de parecer se faça effectiva a responsabilidade do conselho supremo do almirantado devendo-se lhe formar causa.

O Sr. Camello Fortes: - A Commissão de justiça criminal, quando lançou o seu parecer relativo ao chefe de divisão Francisco Maximiliano de Sousa, anteviu mui claramente que elle pelas circunstancias do tempo não seria nem plausivel, nem popular. Mas intimamente persuadida, que os luminosos pincipios da justiça devem permanecer constantes ainada no meio das mais vehementes oscillações, não duvidou pronunciados com a firmeza, que deve caracterizar os representantes de uma nação livre. Desenvolver os principios, que segundo as ocorrencias determinarão o juizo da maioria da commissão, eis o motivo que me obriga a levantar no recinto deste soberano Congresso a minha debil, e forças o permitirem, com brevidade, a exatidão 1º primeiro que parecer da commissão he conforme as leis existentes nesse tempo: 2º que deve mandar fazer segundo conselho da guerra a Francisco Maximiliano de Sousa por todas omissões, e factos não previstos, nem providenciados expressamente nas instituições que lhe forão dadas pela secretaria de Estado, em toda a expedição, desde que saiu do porto de Lisboa até que regressou a elle. Não empregarei os de eloquencia, nem moverei os affectos, pois conheço que me falta esta rara qualidade, mas ainda que a tivesse, já mais lançaria mão della, porque estou altamente convencido, que só he proprio de uma assembleia deliberadamente tudo o que tende a illustrar o entendimento para progredir no desenvolvimento da verdade, e que della se devem desterrar os affectos e os outros meios que só tem por fim agradar ao espectadores, arrasar a vontade, e entender o entendimento com manifesto prejuizo da causa publica. Hagirei das generalidaes, e principios que só servem para gastar em vão o tempo preciso, e me restringir exactamente ao ponto preciso da questão.

Mandado reunir á Commissão o Sr. Deputado Borges Carneiro, (autor da indicação, pela qual se chamarão ao Congresso os autos do conselho de guerra formado ao referido chefe de civisão) para declarar o fim de sua indicação, declarou este Sr. Deputo por escrito no principio dos autos- que estes forão por elle chamados ao congresso para se fazer effectiva a responsabilidade dos juizos que proferirão a ultima sentença.- Então entendeu a Commisão que o fim da indicação era mandar fazer effectiva a responsabilidade dos juizes, ficando o julgado em seu vigor. Por isso o primeiro exame que se segundo as leis existentes nesse tempo, era possivel fazer responsaveis os juizes pelas sentenças proferidas contra direito e ficar valido o julgado. Observou que a ord. Liv. I tit. 5 $ 4 fazia responsaveis os desembargares que não comprião, e guardavão as ordenações inteiramente, sendo-lhe allegadas, mas declarava que taes desembargos, e sentença erão nenhunas, e o $ 6 e 7 concendo ás partes o aggravo chamado de ordenação não guardada, só manda fazer os juizes responsaveis os julgadores, que julgarão por peita, mas no $ 2 declara que a sentença será nenhum, o que já havia determinado a ord. 1. 3 tit 75 pr. A ords 1.5 tit 136 pr faz responsaveis os juizes, que applicarem penas a seu arbitrio, mas declara logo que as penas por elles postas não exijão effeito. Destas ord. E outras se deduz a regra que para ser responsavel o juiz pelo seu julgado he necessario reformado. Com effeito fazer responsavel o julgador porque julgou mal, he reconhecer que a sentença he contra direito: e não será iniquo querer que uma tal sentença fique em vigor? A parte contra quem se proferiu não terá razão de se queixar. A única ordenação que se tem allegado em contrario he a do 1.3 tit 66 $ 7, e 8, que faz responsaveis os julgadores, as razões, e fundadores dellas, pertende-se que taes sentença dada contra a forma prescrita pela lei he contra direito expresso, e por consequencia nulla ord. 1, 3 tit 75 pr. in fin, de sorte que para ser válida seria necessario que a ordenação expressamente o declaresse, o que ella não faz. Mas ainda que ella declarasse, válida tal sentença, assim mesmo nada provaria, por quanto isto seria uma excepção, que não destruiria, mas firmaria a regra em contrario: por ser certo que a declaração das razões da sentença serve para as partes interporem seus recursos, e para illustração dos juizes superiores, mas não influe immediatamente sobre a justiça della pois he visi

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vel que a sentença pode ser muito justa apesar da omissão das razões que a fundamentarão; o que se não verifica quando se exige a responsabilidade dos juizes por terem dado alguma sentença injusta. O mesmo digo de qualquer outra ordenação ou lei (de que não me recordo) que se possa produzir em contrario.

Convencida a Commissão que segundo a legislação existente ao tempo do julgado, e do parecer da Commissão, era forçoso revogar a sentença para fazer effectiva a responsabilidade dos juizes que a proferirão, passou a examinar se ella estava nessas circunstâncias. Dois são os meios pelos quaes se póde revogar a sentença: o 1.º he conhecer do merecimento da causa, e julgada novamente: mas este não he admissivel porque o julgar causas não he attribuição da Cortes: o 2.º meio foi forçoso averiguar se elle leria lugar nos autos em questão. Observou a Commissão que pelas leis existentes naquelle tempo era prohibida e revista, ainda a especialissima das causas criminaes; mas que este soberano Congresso a havia concedido em alguns casos por motivos estraordinarios. Nestas circunstancias era necessario que a Commissão adoptasse uma regra que lhe servisse de guia na concessão, ou denegação della, para não obrar arbitrariamente: esta regra não podia ser outra se não a prescripta pela lei de 3 de Novembro de 1763 & 1.º para a revista das causas civeis. Decreta esta lei, que só se conceda revista nos casos de nullidade manifesta, ou injustiça notoria, e para tirar as duvidas, e o arbitrio accrescentou que estes casos serão os expressos na ord. 1. 3 tit. 75 pr. e tit. 95 Pr. prohibido toda a interpretação exteensiva, e restrictiva.

Pela simpeles comparação destes diversos casos com os autos em questão se vê que nenhum delles se verifica. O único cuja applicação poderia entrar em duvida, seria se a sentença foi dada contra direito expresso. Mas reste mesmo não he applicavel: 1.º por quanto para que uma sentença seja contraria ao direito expresso, he necessario que ella seja directamente contraria à lei, v. g. se o juiz julgar provado que algum he menor de 14 annos, e que apesar disso poder fazer testamento, cit. Ord. 1. 3 tit. 75 § 1.º in fim.; se porém o juiz julga provado, o que se não prova dos qutos, e applica uma lei que teria lugar se a prova fosse tala qual elle julga, esta sentença não he contra direito expresso, mas contra o direito da parte, póde vêr o exemplo na dita or. 1. 3 tit. & 2.º: a primeira sentença he nulla, e caso de revista, a Segunda he valiosa, e não he caso de revista segundo a regra acima referida. Neste segundo caso está a sentença em questão, por quanto pela portaria do almiranta lo forão es juizes mandados julagar a conducta do chefe de divisão segundo as instrucções, que lhe forão dadas, que he o mesmo que dizer, que se se provasse que elle não cumprira as instrucções e condemnassem, se ao contrario, se provasse que elle as cumprira o absolvessem, o que assim foi entendido tanto pelo juizes do conselho de guerra, como pelos supremo de justiça; estes fazendo juizo sobre as provas persuadirão-se que se proga que elle havia cumprido as intrucções, e o absolverão; supponhamos que tal se não prova, esta sentença será contra o direito de parte, mas não contra direito expresso; e por isso não he caso de revista segundo as cit. Ord., e leis.

2.º O fundamento desta sentença he o juizo que os juizes fizerão das provas: a lei de 20 de Outubro de 1763 & 8 sobre os ladroões (há três leis da mesma data) deixa este juizo no arbitrio do julgador. Se pois esta sentença tem por fundamento o arbitrio autorizado por lei, como se poderá dizer que ella he contra direito expresso? Muito mais sendo certo que as provas em contrario não são liquidas, por serem fundadas em supposições, e argumentos de inferencia, como conhecerá todo o homem que de boa fé quizer examinar o merecimento dos autos. Além disso eu não sei como se possa fazer responsavel o juiz pelo juizo que fez das provas, pos sendo certo que o pensar dos homens he diverso, e que as provas que produzem convicção e um senão produzem em outro, ainda que ambos estejão de boa fé, seria necessario fazelos responsaveis pelos erros inculpaveis do entendimento.

Do que levo dito se deduz que a sentença em questão não se póde revogar o por consequencia não póde ter lugar a responsabilidade dos juizes segundo as leis existentes ao tempo do julgado, e do parecer da Commissão. Poderão posteriormente fazer-se novas leis a este respeito, mas ellas não podem regular o presente caso, porque não devem com justiça ter um effeito retroactivo.

Passando ao segundo objecto do meu discurso, sou de parecer que se mande fazer segundo conselho de guerra ao chefe de divisão Francisco Maximilia de Sousa, por todas as omissões, e factos não previstos, nem providenciados expressamente nas instrucções, que lhe forão fadas, em toda a expedição desde que saiu do porto de Lisboa até que regressou a elle. Pela referida clausula da portaria do almirantado se restringiu o mesmo conselho de guerra ao cumprimento das instrucções, e por consequencia não fez objecto delle tudo o que ellas não providenciaão. Assim o entenderão os juizes, que proferirão a primeira sentença, por isso omittirão tudo o que pertencia ao Rio de Janeiro, porque as instrucções a este respeito só determinavão que o dito chefe entregasse ao Principe Real os officios, de que foi encarregado; e como elle effectivamente os entregou, haia cumprido as instrucções: e tudo o mais não fazia objecto do conselho; e por isso o omittirão. Assim o entenderão também os juizes do supremo conselho da justiça, e por isso, julgando que elle havia cumprido as instrucções o absolverão. He logo havia cumprido as instrucções, o absolverão. He logo certo que naquella exposição houverão factos. E omissões, que não fizerão objectos do conselho. E como não he justo que o autor de tantos, e tão graves males, e damnos causa .... a Nação assás attenduada, que impune, ou pelo menos se não conheça se elle obron com dado ou culpa; deve fazer segundo conselho de guerra ao dito chefe de divisão, para o que proporei uma indicação no fim deste discurso.

Antes de concluir cumpro lançar uma vista rapida da sobre o parecer separado do Sr. Deputado E...

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Carneiro, o qual sómente vi, depois que elle o leu neste soberano Congresso. Tudo o que o Sr. Deputado diz no seu extenso parecer se reduz: 1.º a objectos providenciadas, sobre as quaes já intrepuz o meu juizo: 2.º há cousa que nellas não focão providenciadas, sobre as quaes já declarei que se devia proceder a novo conselho de guerra: 3.º a factos, que não constão dos autos, v.g., que no lameirão de Pernambuco encontrára aquelle chefe de divisão, muito europeos embarcados, e refugiados com o temor da commoção publica, que o commandante da curveta Activa, Bersane lhe participára o estado de desasocego da provincia; que isto mesmo lhe comunicará José Maria de Moura; que elle soubera que este ex-governador tentava segurar-se do forte de Brum para proteger o desembarque das tropas, o que lhe fóra prohibido pela junta: estes e outros muitos factos não constão dos autos, e por isso não podem fazer carga aos juizes do supremo conselho de justiça, que só devião julgar segundo o allegado, e provado.

He porém de notar que o Sr. Deputado em todo o seu parecer se esforça em exaggerar, e pintar com negras cores os grandes damnos causados á Nação nesta calamitosa expedição, pelo referido chefe de divisão, e em chamar a attenção do publico sobre tão desastrosos acontecimentos. Esperava eu e esperarião todos, que elle propozesse algumas providencias para se castigar o seu autor, para sua emenda, e exemplo dos outros. Mas foi com grande admiração minha que eu vi que elle concluiu o seu parecer; que as Cortes devião suspender (o que he contra Constituição) e mandar formar culpa aos juizes que proferirão a ultima sentença. Que se fará ao chefe de divisão, tão altamente arguido? O autor, e causa primaria de tantos, e tão graves males ficará impune? Há de chamar-se em vão a attenção da Nação sobre taes factos? O Sr. Deputado parece ser desta opinião, pois se contenta com a suspensão e formação de culpa dos juizes: eu pelo contrario proponho a seguinte:

INDICAÇÃO.

São assás conhecidos os incalculaveis males, que se seguirão à nação da malograda expedição mandada ao Rio de Janeiro com escala por Pernambuco, e encarregado ao chefe de divisão Francisco Maximiliano de Sousa. He inegavel que a espada da lei, e as penas, devem recair sobre os autores do delicto, qualquer que seja a sua condição, empregos, ou serviços, pois nada disto os põe em abrigo da responsabilidade, que encorrerão pelo facto illigito, que perpetrárão. He por isso que se mandou formar conselho de guerra áquelle chefe de divisão, mas com a clausula expressa, que seria julgado segundo as leis, comparando a sua conducta na sua ommissão com as instrucções que lhe forão dadas pela secretaria d´Estado: clausula esta que restringiu aquelle conselho somente aos factos providenciados pelas instrucções, excluindo delle, factos e omissões não previstas, nem providenciadas pelas ditas instrucções de sorte que sendo estes a causa principal de tão calamutosos males não fizerão objecto daquelle conselho. A Commissão de justiça criminal conheceu este defeito, mas absteve-se de interpôr sobre elle o seu juizo por se persuadir que lhe era mandado dar o seu parecer unicamente sobre a responsabilidade os juizes que proferirão a ultima sentença. Por quanto em sessões de 9 de Julho proximo forão chamados estes autos ao Congresso em conseguencia de uma indicação do Sr. Deputado Borges Carneiro: em 20 do mesmo mez fóra nelle apresentados, e mandados remetter á Commissão de justiça criminal: e como na indicação se não dizia o fim para que erão chamados ao Congresso, alguns dos Srs. Deputados requererão que reste se declarasse; não estando porém presente o autor da indicação, mandou o soberano Congresso que este se anisse à Commissão para fazer a referida declaração. Reunida Commissão, declarou o Sr. Deputado por esrcrito no principio dos autos = que havião por elle sido chamados aquelles autos para se fazer effectiva a responsabilidade dos juizes que proferirão a ultima sentença, em caso de dever ella ter lugar = Entendeu a Commissão que ersta declaração a ligava a dar o seu parecer restrictamente sobre a responsabilidade daquelles juizes, e por isso se julgou inhibida para interpôr o seu juizo sobre o procedimento que se devia ter com o referido chefe de divisão.

Não sendo porém justo que o referido chefe fique impune pelo que obrou, ou deixou de obrar discricionariamente, e que se não achava previsto, nem providenciado pelas instrucções, que lhe forão dadas, se se mostrar que teve dolo, ou culpa, proponho: que se lhe mande fazer conselho de guerra por todos os factos, e omissões não previstos, nem providenciados nas instrucções, desde que regressou a elle, visto que elles não fizerão objecto do conselho de guerra, em que foi folgado. - O Deputado Camello Fortes.

O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Estou muito admirado, observando os passos que tem dado esta discussão, e os termos a que tem chegado o negocio de que se trata. Em duas palavraa darei o meu voto: observe-se a Cosntituição; porque guarddada ella estou certo que facilmente se conhecer , que não só não pertence ás Cortes o substancial do negocio, mas todas as questões que se tem excitado por occasião delle. Por ventura trata-se de examinar, e decedir se a sentença que absolveu Francisco Maximmiliano contém nullidade, ou injustiça notoria? Digo que não pertence ás Cortes, mas ao poder judoicial. Veja-se o capítulo das attribuições das Cortes. Trata-se acaso da revista daquella sentença? Ou negar revista. Antes da nossa restauração ElRei concedia, ou negava revistas pelo expediente do desembargo do Paço, ou por graça especial: instaladas as Cortes, passou para ellas esta funcção, que com effito exercitarão; porém hoje que temos uma Constituição jurada, nem a ellas, nem a ElRei pertence conceder revistas, senão há por ora suppremo conselho de justiça, em pouco haverá, e, como quer que seja, os juizes he que hão de consedélas, e nunca em nenhum caso as Cortes. Querem por ventura fazer responsaveis os ministros, que derão a sentença? Não

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compete ás Cortes, nem ao Rei fazer responsáveis os ministros que derão sentença collegialmente, isto he os desembargadores, e ministros dos tribunaes; mas ao poder judicial nos termos do artigo 191. Tendo tido declarada pela relação a nullidade, e injustiça notória da sentença de que te concedeu revista, fará (o suppremo conselho) effectiva a responsabilidade dos ministros nos casos em que pela lei ella deve ler lugar: e como esta lei ainda se deseja, muito bem consultou a Commissão.
Pretende-se em fim suspender os ministros do conselho do justiça? Pretenção verdadeiramente arbitraria! As Cortes não podem suspender nem um juiz ordinario: e o Rei o pôde fazer, não por sentenças dadas collegialmente, mas por outras causas e precisamente nos termos da artigo 197 precedendo audiencia do juiz, informação necessaria, e consulta do conselho d' Estado. No caso de que se trata nem as Cortes, nem ElRei podem suspender os ministros do conselho de justiça , mas somente o poder judicial, nos termos do artigo 191.
As Cortes neste negocio não tem senão duas cousas que fazer 1.ª alguma medida legislativa, que com tudo não tenha effeito retroactivo: 2.ª fazer verificar a responsabilidade dos ministros procedendo todos os actos que a Constituição ordena no citado artigo: e note-se que o fazer verificar a responsabilidade do artigo 108, não he fazer effectiva a responsabilidade, o que pertence somente ao poder judicial. Concluo protestando pela independência do poder judicial, ponto cardeal do nosso systema; e pelo respeito devido á Constituição, o qual não consiste somente em palavras, e declarações, (o que com tudo he bom) mas na guarda e exacta observância della; o que cumpre a todos os cidadãos; mais ás auctoridades, e ás Cortes; e mais, se ser póde, ás constituintes que ha tão poucos dias a sanccionárão, assignárão, e jurarão. Este o meu parecer.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. Presidente, tem-se pretendido sustentar o parecer da Commissão, umas vezes argumentando-se com a Constituição, e outras dizendo que a Constituição ainda não está publicada.... Um dos illustres redactores da Commissão, começou a dar a razão porque a Commissão tinha dado aquelle perecer. Eu creio na boa fé com que a Commissão obrou; porem a falar a verdade se ella viu que havia os erros que o relator da Commissão reconhece, que importava que o Sr. Borges Carneiro não falasse nisso para ella deixar de apresentar tudo o que convinha sobre esta materia? A Commissão reconheceu que neste processo havia erros, porque o chefe de divisão Francisco Maximiliano não havia sido julgado, como o devia ser: ora se a Commissão viu isto, porque razão se limitou a dar o perecer sobre o que dizia o Sr. Borges Carneiro, e não sobre o objecto. Todavia, isso está acabado e remediado, porque um dos collaboradores da Commissão apresenta essa moção. Eu tive sempre aquellas idéas, e as tinha apontado para as apresentar ao Congresso. Francisco Maximiliano representa neste negocio duas vezes: uma como chefe militar, e outra como encarregado de uma missão, que o governo lhe deu. Foi julgado Francisco Maximiliano encarregado, e commissionado politico; porem Francisco Maximiliano militar ainda não foi julgado; e conseguintemente deve sêlo. Pouco importa que o supremo conselho de justiça commetesse tal absurdo. Os primeiros juizes forão os que julgarão conforme a lei, e conforme as instrucções que lhe tinhão sido dadas. Francisco Maximiliano foi julgado meramente como encarregado daquella missão; e tanto assim, que perguntando-se-lhe os motivos porque tinha assignado aquelle protesto no Rio de Janeiro, respondeu que aquillo não estava nas instrucções, e por isso não era obrigado a satisfazer a tal pergunta. He preciso dizer que o Sr. Camello Fortes fez uma accusação ao Governo, dizendo que a portaria he delle, quando não he; e o mesmo réo o confessa : lá não está portaria nenhuma do Governo, estão duas do conselho do almirantado. Que o Governo mandasse fazer conselho de guerra ao chefe Francisco Maximiliano, isso não duvido eu; mas a ordem especifica, comparando a sua conducta com as instrucções, isso he do conselho do almirantado, assignado por Feio e Leite, Leite Feio. A operação toda he do conselho do almirantado, destes mesmos juizes, que aqui se tem pretendido absolver: elles forão os que derão a regra para se preparar, o processo, e forão os íntimos que depois delle preparado absolverão o réo. Torno a dizer, que a portaria he do conselho do almirantado, e não do Governo. Vamos agora ao outro ponto, sobre poder-se ou não exigir a responsabilidade dos juizes. Se acaso nós nos guiasse-mos pelos principios estabelecidos pelo Sr. Camello Fortes, muito luminosos, mas um pouco metafysicos, ao menos para mim, então nunca tínhamos responsabilidade dos juizes, senão quando houvesse uma sentença : então quando se havia de pedir a responsabilidade aos secretários d' Estado? Tambem elles dão sentenças? E os outros empregados também as dão? O Sr. Camello Fortes de certo se illudio nisto. Aqui está a lei com que argumentou o illustre Preopinante (leu). He consequência do principio estabelecido , mas não he condido para se verificar o principio estabelecido. Antigamente havia um assento da casa da supplicação que diz, que os juizes nunca poderão ser condemnados pelas sentenças que derem; mas, pergunto eu, jurada a Constituição, e o systema constitucional, ficão em pé todas aquellas leis absurdas que estão em opposição com o systema? Quem he que pode proferir similhantes principios aqui nesta casa? Creio que ninguem. As bases separarão os tres poderes, são independentes uns dos outros, e aquelles que são encarregados disto são responsaveis, e hade ser-lhe exigir responsabilidade, ainda mesmo antes de apparecer a Constituição. Um illustre Preopinante citou o artigo 197 da Constituição que diz (leu). Ora as Cortes creio eu, que não perdem por este artigo o direito de representarem a ElRei as prevaricações que faz qualquer magistrado. As Cortes tem o direito que tem todo o cidadão. Quando eu leio o artigo, não he para me conformar com o que disse o Sr. Borges Carneiro, que sejão suspensos os juizes; mas quero que isto se mande ao Governo para se proceder contra elles na forma deste mesmo artigo; mandando-se

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a ElRei este negocio com o parecer da Comissão, e do Sr. Borges Carneiro, assim como do que as Cortes de liberarem para se pôr em execução o artigo 197 da Constituição, a fim de se exigir a responsabilidade daquelles juizes pelos meios competentes.
O Sr. Arriaga: - Sr. Presidente: depois da analyse que o illustre Deputado o Sr. Camello Fortes, na qualidade de membro da Commissão, acaba de fazer com tanta exatidão, e clarareza sobre as circunstancias, e termos do processo em questão, assim como sobre a conducta da Commissão, no arbitrio que adoptou para formar o parecer offerecido à discussão, pouco mais poderei accrescentar que possa servir a illustrar o Congresso, e a reforçar os fundamentos em que se firma o parecer: para justificar porém a Commissão he do meu dever destruir a imputação que na antecedente sessão se lhe fez de haver ella approvado a sentença do conselho do almirantado; e para este fim convido o illustre membro que assim opinou haja de reflectir mais attentammente sobre as expressões do mesmo parecer: ellas existem escritas, e por si falão.
A Commissão não diz que approva o julgado proferido na sentença: estabeleceu os principios de que os juizes da superior instancia, revogado a sentença do conselho de guerra, segundo o regulado arbitrario que sobre as provas lhes competia, usarão do seu direito; e que cumprirão com o seu dever, em quanto formarão o seu juizo sobre a conducta do accusado, nos limites que lhes forão prescriptos pela portaria que dirigia este processo. Nenhuma destas expressões comprehende a natureza do arbitrio interposto pelos juizes a respeito do qual sómente se diz que não encontra injustiça notoria, e achando o processo sem victos de nullidade opina que a sentença deve subsistir inviolavel, sem com tudo emittir opinião alguma acerca da convicção dos juizes na ampliação do direito, sobre cujo ponto guardou o devido silencio; e por tanto, se approvou o processo em quanto às formulas, não declarou igual approvação em quanto ao juizo dos julgadores; bastando-lhe observar que não o achava contra direito ou lei expressa. Outro illustre Preopinante na mesma sessão manifestou a sua indignação pela patronagem, cujo contagio desejava nunca podesse pésa de iguaes sentimentos aos do illustre Preopinante com quem concorda esta parte, e segura da sua consciencia não teme que o Congresso possa ser por ella exposto à pedrada. Também há pouco se atacou o parecer na parte em que elle sustenta a independência do poder judiciario, e a inviolabilidade das suas sentenças; mas os argumentos a este fim desenvolvidos comprehendem hypothese alheias do parecer, que só se referem aos juizes. A Commissão não diz que estes sejão inviolaveis, nem desconhece o direito essencial que compete ao Congresso da inspecção suprema para fazer observar as leis, e corrigir as prevaricações dos juizes. A Commissão estabelece o principio da independencia do poder judiciario considerando-o como um ente moral incapaz de prevaricação e quando diz que os seus julgados são inviolaveis designão os legitimos. Sustento pois ainda estes principios que jamais poderão ser abalados sem offennsa do systema representativo que temos adoptado, e he firmado sobre as bases da divisão, e independencia dos três poderes. Outra grande arguição se tem feito ao parecer da Commissão, por não haver ella reconhecido as nullidades, e injustiça notoria de uma sentença, que por ser fendada em falsas provas deve ser reputada como nulla, e por ser contraria as leis da marinha que se tem citado, he notoriamente injusta. Porém estes requisitos nem se verificação dos autos, e muito difficultosamente poderão liquidar-se na quelle ponto de evidencia que se pretende inculcar. Primeiramente não se define qual he o crime do recusado, pois que este só deve resultar dos argumentos de combinação que fizerem os juizes, comparando a conducta do accusado com as leis, e instrucções, e mais documentos que formão o corpo do delicto no processo: e em segundo lugar não havendo mais prova aos autos do que os ditos documentos, e a defeza do accusado nas suas resposta aos interrogatorios, claro está que toda a prova que apparece se converte somente em operações intellectuaes dos juizes, e consequentemente em conjecturas, e opiniões: e he bem obvio quanto he fallivel, e questionavel uma tal prova, e o muito que ella dista da exactidão, e evidencia para que possa em qualquer hypothese ser decididamente caracterisada de falsa; e por estes mesmos principios me parece tambem muito difficil poder na especie de que se trata asseverar-se inquestionavelmente que a sentença foi notoriamente injusta por haver sido proferida contra lei ou direito expresso. He muito diverso o caso em que pela ordenação se deve ter o julgado por contrario a direito expresso, como já muito bem ponderou o Sr. Camello Fortes. Resta-me responder à supposição em que se labora de que a portaria que mandou formar o conselho de guerra he privativamente emandada do conselho do almirantado, sem intervenção alguma do Governo. A Commissão não o pensou assim, persuadindo-se de que o conselho do almirantado não procedeu sem ordens positivas do Governo, e fundando-se em que só desta fonte lhe podião ser fornecidos os papeis officiaes que se achão nos autos, e em que na fórma da carta de lei de 26 de Outubro de 1796 tit. 1.º § 6.º, que deu novo regimento ao mesmo conselho, não pode este proceder a conselhos de guerra sem precedencia de consulta a ELRei, ou sem que deste receba expressa ordem para os mandar formar. Considerando por tanto a Commissão o conselho do almirantado como orgão do poder executivo, e não dados alguns para dever suspeitar contra a exactidão do dito tribunal no fiel desempenho dos seus deveres, não hesitou em que a portaria por este expedida deixaria de ser em tudo conforme com as ordens transmittidas do Governo; e não recorreu ao meio de fazer apparecer a original portaria do Governo para se desenganar das imputações que se lhe fazem, porque ignorava estas que só agora apparecem oferecidas pelo Sr. Borges Carneiro no seu vota em separado, sem que fossem presentes à Commissão. Se há porém tergiversação nesta parte he muito facil o meio de vir-se no seu conhecimento, exigindo-se a original portaria para que confrontando-se com a do almirantado, se fa

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ça responsavel essa que so achar incurso em dólo. Não me achando pois convencido de que haja causa sufficiente nos autos para que se exija responsabilidade dos juizes da superior instancia, concluo sustentando o parecer da Commissão: e em quanto às imputações que de mais se accumulão ao accusado, e não estão comprehendidas nos autos, convenho pela minha parte na indicação do Sr. Camello Fortes, para que por ellas se mande formar novos conselho de guerra ao accusado, bem como pela parte da sua conducta respectiva ao poder discrecionario que como commandante da esquadra lhe incumbia, e que se não tomou em consideração. E se a Commissão não propoz logo esta medida,k foi porque ella era muito além do objecto da responsabilidade dos juizes, para o qual declarára na Commissão o illustre Deputado o Sr. Borges Carneiro, que unicamente chamava os autos: e não podia nesmo ser-lhe suscitada esta lembrança pelo simples exame dos autos; pois que delles não constão os crimes com que o mesmo illustre Deputado no seu voto destacado argue o accusado: mas como elles devão ser tomados em consideração para passarem por fim rigoroso exame, e pelas idéas desenvolvidas na discussão me tenha convencido da justiça, e necessidade da indicada providencia, em a adopto igualmente.

O Sr. Ribeiro Saraiva: - Quando na Commissão criminal se apresentarão os autos do conselho de guerra feito ao chefe de divisão Francisco Maximiliano de Sousa, para nelles serem vistos em consequencia de uma vaga indicação do Sr. Borges Carneiro. O qual se mandára assistir a esta deligencia, foi necessário que este declarasse o fim a que se dirigia a sua officiosa requisição. E fazendo elle por escrito a que nos autos se é dirigida principalmente a formar-se culpa aos juizes da sentença proferida no conselho de justiça dos almirantado: julgou a Commissão, que para se fazer effectiva a intentada responsabilidade, deixa proceder revista dessa sentença; segundo o methodo até então seguido em simpatisantes ocorrencias. Pelo que governando-se, como devia, pelas expressas e terminantes determinações da lei de 3 de Novembro de 1763, conferiu com ellas, e com as instrucções dadas ao dito chefe de divisão para desempenho da Commissão de que se lhe encarregára o comando, á vista dos termos dos autos, e achou que estes não continhão algum dos dous vicios considerados naquella lei para haver cabimento; certificado pelo governador, que ahi conduzíra, e pela junta do Governo que longe de ali ser necessario o desembarque da tropa, que levava abordo, para a tranquilidade da provincia, elle a perturbaria, levantou ferro, e se dirigiu ao Rio a levar as cartas, que lhe forão entregues para S.A.R. o Príncipe Regente daquelle reino, de cujo destino o não devia desviar quaesquer noticias particulares, pois lhe não tocava contravir às .... que levava, sem expôr talvez a fortuna do Estado na falta da entrega das ditas cartas, que levava fechadas, e podião conter ordenes e providencias, que respeitassem o progresso ulterior da sua missão. Justamente pois se estendeu as noticias, que na viagem lhe derão as pessoas que regressavão do Rio de Janeiro, a onde se encaminhou com a confiança que cumpria a um porto nacional e governado pelo Príncipe Regente em virtude da legítima delegação, que ElRei seu pai lhe fizera; e em tal caso toda a desconfiança, e mostrança della era uma injuria a sabedoria do Poder executivo, que S.A.R. ali exeria; e podia exercitar grande desordem. Nesta situação pedia a prudencia que o commandante, estando n´um território, em que o Príncipe Real commandava, e de cujo comando só S.A.R. devão resolverem se conformasse com as suas ordens, que não sabia se erão ou não conformes ás que deste reino lhe levára. Pelo que no juizo pratico do almirantado para revogar a sentença do conselho de guerra não violou ou contrariou directamente lei alguma, que podesse tornar nulla a mesma sentença, não se extendendo ao arbitrio dos juizes sobre as provas a sancção das nossas leis, para se decidir sobre a injustiça notoria e manifesta nullidade; não sendo os acontecimentos subsequentes, e muito menos noticias vagas e externas, quaes as que allega o Sr. Deputado autor da indicação as que devem regular o prudente juizo dos julgadores. Isto o que a Commissão teve em vista para excluir a revista como meio de fazer effectiva a responsabilidade dos juizes superiores.

O Sr. Manuel Antonio de Carvalho: - Eu me tenho admirado de se negar ao Congresso o poder de fazer responsavel a todos aquelles que ultrapassarem os seus poderes, ou sejão secretarios de Estado, ou conselheiros, ou ministros: he da obrigação do Congresso fazer responsavel todos aquelles que não fizerem os seus deveres, e se este Congresso não tivesse este poder, ai da Nação! Tudo estaria perdido Neste caso Francisco Maximiliano que era como aqui se acabou de dizer, um official militar que tinha um regimento, e em nada o executou, como mui bem se tem dito, deve ser sujeito a outro conselho de guerra: muito embora exista o primeiro; mas em quanto aos outros pontos, em que elle não observou o seu regimento como um chefe, e um chefe denodado da Nação portugueza, deve ser sujeito a outro conselho de guerra para ser punido na parte que transgrediu o seu regimento: assim como tambem se deve pedir responsabilidade ao conselho do almirantado por offender, e violar todas as leis.

O Sr. Guerreiro.- Eu não estou instruido na legislação de marinha, nem na militar, tanto quanto fosse bastante para assegurar o que vou dizer. O conselho do almirantado, se eu não estou enganado, toda a vez que algum commandante de marinha se recolhe de uma commissão, uma vez que conte que elle os não desempenhou bem, deve mandar logo proceder a um conselho de guerra. Francisco Maximiliano ia encarregado de uma commissão especial; e voltou, trazendo menor numero de vasos do que levou. Foi encarregado de desembarcar tropa em Pernambuco, e não o fez: e bastão estes factos só para elle dever ser castigado. Supponho que a ordem para o conselho de guerra se formar procedeu do conselho do almirantado: vejamos o que elle manda na sua portaria; ella diz (leu). Nesta parte o illustre Deputado que fez o parecer contrario ao da Commissão, dá o esta

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portaria uma interpretação contraria, dizendo que só se deve examinar a conducta de Francisco Maximiliano em quanto a pernambuco. A portaria não diz isto: e he este um caso, pelo qual se deve mandar verificar a responsabilidade dos juizes, uma das mais bellas attribuições que tem as cortes, e sem a qual o systema representativos era nullo. Lancemos um golpe de vista sobre a conducta deste militar. Devo porém a advertir que não accuso a Francisco Maximiliano, porque não sou accusador: nem o julgo, porque não sou julgado; nem elle também está presente para se defender: mas formo o meu juizo segundo a natureza dos factos e suas circunstancias. O orador anlysou a conducta do chefe de divisão Francisco Maximiliano desta que saíu do porto de Lisboa até que voltou a elle; e concluiu dizendo) Em quanto ao conselho do almirantado só se póde exigir responsabilidade justiça ainda que não approve a sua decisão, com tudo não há motivos bastantes para que se forma novos conselhos de guerra.
Declarada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente o parecer á votação, e não foi approvado. Propoz então se se approvava na fórma indicada pelos Srs. Borges Carneiro, e Fernandes Thomaz, que se dissesse ao Governo, fizesse effectiva a respoinsabilidade dos juizes, que proferírão a sentença no supremo conselho de justiça do almirantado no processo em conselho de guerra ao chefe de divisão Francisco Maximiliano de Sousa, na fórma determinada pela constituição? E se venceu nesta convão as indicações apresentadas pelos Srs. Camello Fortes, e Miranda, para que se mande entrar o mesmo chefe de divisão em novo conselho de guerra por todos os factos, e omissões, não previstos, nem providenciados nas instruicções, desde que a expedição saiu do porto de Lisboa até que regressou a elle, conhecendo-se assim da sua conducta no que em o primeiro conselho de guerra se não tomou conhecimento: e forão approvados.
Igualmente foi approvada outra indicação do Sr. Miranda para que se diga ao Governo, que faça effectiva a responsabilidade da autoridade que expediu a portaria, mandado julgar Francisco Maximiliano pela sua conducta comparada sómente com as instruções que recebeu do Governo.
Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia a continuação do projecto sobre as relações; e para a hora da prolongação o parecer da commissão de justiça civil sobre o requerimento da desembargador José Accursio das Neves.
Levantou-se a sessão depois quatro horas da tarde.- Francisco Barroso Pereira, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

DECRETO.

As cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação portugueza, tomando em consideração

A despeza necessaria para repor dos palacios nacionaes destinados para habilitação e recreio d´ElRei, decretão o seguinte:
Pelo thesouro publico nacional se entregará annualmente ao inspector das obras publicas aquantia de oito contos de réis applicada para obras e reparos dos palacios, quintas, e tapadas de Alcantara, Mafra, Salvaterra, Vendas Novas, e Cintra. Ficando a designação da obra ao livre arbitrio d´EI-Rei, e o mencionado inspector responsavel pela boa administração, de que dará contas no thesouro.
Paço das Cortes em 14 de outubro de 1822.- Francisco Manoel Trigoso d´Aragão Moruto, presidente: Basilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado de Secretario; João Baptista Felgueiras, Deputado Secretario.

Para Sebastião José de Carvalho.

Illnstrissimo e excallentissimo Senhor. - As cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza mandão remetter ao Governo, a fim de ser competentemente verificado, o offerecimento incluso, que Joaquim Manoel Coutinho dirigiu ao soberano Congresso para as urgencias da Nação, da quantia de 260$ réis nos dois titulos juntos de renda vitalicia, numeros 205, e 113, assentados a favor do offerente com os juros vencidos desde 1811.O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. paço das Cortes em I4 de outubro de 1822.- João Baptista Felgueras.

Para Ignacio da costa Quintella.

Illnstrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, sendo-lhes presente que ainda pende o julgado sobre a preza da converta Heroina, e que tem havido omissão ou demora em fazer nella os reparos necessario, e vender os generos amaçados de corrupção: ordenão que com maior urgencia seja remettida ás Cortes uma precisa, e circunstanciada informação sobre o referido. O que V. Exca. levará ao conhecimento da Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. paço das Cortes em 14 de outubro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Redactor- Galvão.

SESSÃO DE 15 DE OUTUBRO.

Aberta a sessão, sob a presidencia do Sr. Trigoso, leu-se a acta da antecedente, onde foi approvada.

Mandárão-se incluir na acta as seguintes declarações de voto.

1.ª Do Sr. Soares de Azevedo.- Declaro que na sessão de ontem, sobre o artigo 85 do projecto das relações, fui de voto contrato á decisão tomada pelo

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