O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 757

DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 69.

Lisboa, 3 de Maio de 1821.

SESSÃO DO DIA 2 DE MAIO.

Lêo-se, e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

O senhor Pereira do Carmo. - Na Sessão de hontem 1.° de Maio, por occasião do Parecer da Commissão de Legislação, houve discussão sobre o Projecto de abolição das Leituras dos Bachareis no Desembargo do Paço; e ainda que eu fui de acordo em quanto á remoção daquella formalidade, não o sou em que se tratasse aquelle negocio em contravenção da ordem prescripta no Regulamento interior das Cortes, e pelo que na Acta se faça declaração deste meu parecer.

Igual protesto fizerão os senhores Pinto de Magalhães, Santos Pinheiro, Peixoto, e Couto, e assignárão - Bento Pereira do Carmo - Joaquim José dos Santos Pinheiro

O senhor Secretario Felgueiras deo conta de hum Officio do Ministro Secretario e e Estado dos Negocios da Marinha, enviando Copia da Patente do Coronel Graduado da Brigada Real, Joaquim Ignacio da Sylva. Foi remettido á Commissão Militar. - E á mesma Commissão foi remettida a traducção da Tactica de Linha, que ao Soberano Congresso Nacional offerece Francisco Manoel Patroni da Cidade do Funchal.

O mesmo senhor Secretario deo conta de huma Memoria anonyma ácerca da observancia da Ordenação L. 1.° Tit. 94, que se remetteo á Commissão de Legislação.

O senhor Soares Franco apresentou huma Representação da Camera de Aveiro, relativo no adiantamento da navegação do Rio Vouga, que foi remettida ás Commissões de Estatistica, e de Agricultura, - E, por parte da Commissão de Saude Publica lêo, e foi reprovado o seguinte:

PARECER.

A Commissão de Saude Publica examinou o Requerimento da Camera da Cidade de Leiria, em que representa, que a creação dos Expostos daquella Cidade tem chegado ao mais calamitoso estado de desgraça; que tem morrido muitos daquelles innocentes victimas da fome, e da miseria, porque em razão da falta de meios não se paga ás Amas ha muitos mezes; que actualmente ha 119 Expostos, que fazem annualmente de despeza 1:450$000 reis; que não houve sobejos de sisas o anno passado de 1820; que que não he possivel fazer derrama, ou finta pelo Povo daquella Commarca, o qual vive em estrema pobreza depois das mortes, e do horroroso saque, que lhe fez o Exercito invasor de Massena: requer em consequencia de tudo isto a este Soberano Congresso, que lhe perdoe o dobro do Cabeção das Sisas dos annos de 1820, e 1821, o qual importa no dicto anno de 1820 em 1:026$076 reis; perdão que já S. Magestade concedeo ás 13 Villas dos Contos de Alcobaça por vinte annos, por huma Provisão Regia de 28 de Maio de 1813, em razão dos estragos que lhes causou a invasão dos Francezes.

A Commissão he de parecer que a Regencia do Reyno, mande immaediatamente informar-se pelo Provedor de Leiria, que Confrarias ha naquella Cidade, e seu Termo, e quaes são os seus rendimentos, e em segundo lugar quaes são as rendas das Misericordias; para que de humas, e outras se possa tirar o que for necessario para a criação dos Expostos; e que entrando se mande emprestar já, e provisoriamente de Cabeção das Sisas 600$000 reis á Camera, para acudir á urgente necessidade dos Expostos; e depois de chegarem a este Soberano Congresso as informações do Provedor de Leiria, se determinará definittivamente quaes devem ser os meios que se hão de empregar para a sua subsistencia.

*

Página 758

[758]

Paço das Cortes no 1.° de Maio de 1821. = Francisco Soares Franco - Henrique Xavier Baeta - Luis Antonio Rebello da Sylva - João Alexandrina de Queiroga - João Vicente da Sylva.

O senhor Borges Carneiro. - Consta-me que se tem provido pela Patriarchal 16 Beneficios simples, e que o Patriarcha provêo dous no mesmo momento em que sahia para o Bussaco, contra o determinado por este Soberano Congresso. Peço por tanto se expessa ordem á Regencia para que suspendão provimento dos Beneficios simples, desde 31 de Março em que se estabeleceo esta doutrina, e que sejão anullados os que desde então se provêrão.

O senhor Sousa de Magalhães. - Senhor Presidente, eu acho perigoso adoptar que se observem como Ley os Decretos deste Congresso, desde o momento em que aqui se estabeleceo a doutrina delles. Nenhum Cidadão deve ser responsavel pela falta do cumprimento das Leys, nem estas Leys devem, reger até que sejão communicadas legalmente.

O senhor Borges Carneiro. - A salvação do Estado he primeiro que tudo. O que eu, proponho não he como Ley, he como providencia interina. Ao Patriarcha não se lhe podião occultar as intenções do Congresso neste ponto, porque ellas, erão publicas, desde o momento em que se estabeleceo a doutrina. Em todos os Periodicos se vio no dia seguinte. Adoptando esta medida, não faremos outra cousa mais que o que se fez quando ha poucos dias vagou, huma Commenda.

O senhor Sousa Magalhães. - Não nos illudamos com a exemplo que o Illustre Preopinante traz. Naquella occasião mandou-se á Regencia que suspendesse o provimento das Commendas que vagarei; se hoje se quer fazer o mesmo, isto he, dar ordem á Regencia; para que não se pró vão desde agora os Beneficios simples, estou por isso; porem que se a anullem os que já estão providos, não o julgo conveniente. (Apoyado, Apoyado.)

O senhor Castello Branco. - No dia 3 de Abril determinou-se nesta Assemblea que dalli em diante não se provessem Beneficios, se não de Curas de Almas, e que os rendimentos destes Beneficios entrassem no Thesouro, para amortização da divida publica, isto se soube immediatamente em Lisboa, isto foi a todos os Diarios, e não houve quem não tivesse conhecimento desta resolução da Assemblea: por consequencia ainda que a Ley não estava em vigor; entretanto os que fossem conformes com estes principiou devião ainda que não fosse se não por decencia, observar já as resoluções, e as intenções do Congresso. Consta-me, e, até por documento que tenha na mão, que no dia 24 de Abril se proveô hum Beneficio pelo Collegio da Patriarchal. lato certamente hão he debate; porque, ainda que se não tivesse mandado por Ley o contrario, já consta vão ás decisões, e as intenções da Assemblea. Este facto, e outros fazem conhecer que se deve tomar huma medida; provisoria á este respeito, antes da publicação legal do Decreto.

O senhor Borges Carneiro. - Em quanto ao facto que expõe o Illustre Preopinante, eu não trato de o inculpar, porque, dizem que esse provimento estava já feito antes do. dia 15 de Septembro. Eu trato dos que tenho exposto, e digo que he muito indecente, que haja Auctoridades que estejão fazendo estes provimentos, constando-lhes que he contra á vontade do Congresso.

O senhor Presidente. - Proponho pois por primeira parte da moção do senhor Borges Carneiro: se se deve dar ordem á Regencia para que desde hoje em diante não se prôvão mais Beneficios que os de Cura de Almas? - Decidio-se que sim.

Segundo: se os Beneficios que forão providos desde o dia em que se estabeleceo esta doutrina no Congresso, serão annullados? - Decidio-se, que ficassem valiosos os provimentos e collações de taes Beneficios que se achassem feitos desde o dia da data do Decreto 9 ou da decisão deste assumpto no Congresso.

O senhor Borges Carneiro apresentou por escripto huma proposta para se proceder com severidade contra o Provincial dos Capuchos da Provinda dá Piedade por haver admitttdo a professar Noviços depois da prohibitiva .decisão do Soberano Congresso.

O senhor. Presidente. - Quem approvar a proposta do senhor Borges Carneiro queira ficar sentado.

O senhor Peixoto. - Eu approvo a primeira parte, porem não a segunda, porque determinar, penas não he da nossa competencia.

O senhor Borges Carneiro. - He o menos que se póde fazer.

O senhor Castello Branco. -- Podem tomar-se medidas para evitar a admissão de Noviços: mas em quanto á pena de que se fez digno aquelle Provincial, apoyo o parecer do senhor Peixoto.

O senhor Alves do Rio. - Por esta occasião podia expedir-se ordem para que não professasse nenhum dos Noviços que existem actualmente nos Conventos.- Isso aqui se propoz, e já se decidio.

O senhor Freire. - Peço licença para dizer que se não decidio, e não se passou ordem.

O senhor Gyrão. - Eu requeri que esta ordem se fizesse extensiva ao bello sexo, (e não sei se consta da acta); porque huma Freira he mais desgraçada1 que hum Frade: ham Frade sahe do seu Convento, e huma Freira não. Torno a requerer pois, que se faça extensiva aresta classe, para que não haja tantas victimas: porque, quantas desgraçadas por hum Voto indiscreto feito talvez n'huma idade em que nem sabem o que fazem, ficão perdidas para sempre, e para a sociedade? (Apoyado)

O senhor Vice-Presidente. - Pergunto ao Congresso se esta materia he digna de hum debate particular, em se ha de decidir já?

O senhor Basilio Alberto. - Já noutro dia se decidio que esta moção entrasse na ordem dos Projectos.

O senhor Castello Branco. - Ha hum Projecto relativo a esta materia: já noutro dia se decidio que se determinasse o dia para a discussão, deve-se pois assignara este dia, porque n'hum Governo Constitucional não devem existir similhantes violencias. Tantos quantos Cidadãos tem professado neste meio tempo, são outros tantos Cidadãos perdidos. (Apoyado, Apoyado).

Página 759

[759]

Deliberou-se expedir Ordem á Regencia para a averigoação do facto, deixando-lhe a faculdade de fazer o que julgar conveniente; e que na Sessão de ámanha de discuta o Projecto de prohibir a admissão dos Religiosos, com os addictamentos que se lhe fizerão.

O senhor Magiorchi. - Senhor Presidente ha outro Projecto que não admitte discussão, por ser tão incompativel com o Systema Constitucional, que he o da abolição do Juiso da Inconfidencia.

O senhor Presidente. - Está já admittido á discussão?

O senhor Freire. - Sim, Senhor, já está impresso.

O senhor Presidente. - Proponho pois ao Congresso se se admitte a abolição do Juiso da Inconfidencia?

O senhor Borges Carneira. - Já está abolido pelas Bases da Constituição.

O senhor Camello Forte. - certo estou por essa doutrina; porém para seguir a ordem peço que se discuta, e que isto seja com brevidade.

O senhor Borges Carneiro. - Aquelle Juiso he huma Commissão; não precisamos de tanta discussão para abolir huma cousa tão claramente opposta ás Bases da Constituição, que já juramos: he hum abuso que se tem perpetuado atégora, e que já não deve continuar.

O senhor Alves do Rio. - Apoyo o senhor Borges Carneiro. Aquelle Juiso certamente não he se não li uma Commissão.

O senhor Pinheiro de Azevedo. - Elle procede em em consequencia das ordens..., (havia lacuna) Recebe ordens directamente dos Ministros... (outra lacuna) Tem hum regimento particular.

O senhor Fernandes Thomaz. - Senhor Presidente, tenha o Regimento que tiver, não deve existir. Se nós acabamos com a Inconfidencia Ecclesiastica; porque não acabamos com a Inconfidencia Civil? Deve-se abulir, deve-se derogar tambem aquella infame Ley que prohibio as associações. Eu proponho que seja abolido Juiso, e a Ley das associações.

O senhor Presidente. - A respeito da segunda parte não me attrevo a propor. - Eu proponho se se deve reputar extincto o Juiso da Inconfidencia pelas Leys existentes nas Bases da Constituição?

O senhor Brito. - Perdoe V. Exa. póde ser que essa proposição não seja muito exacta. Talvez não se possa inferir absolutamente pelas Bases da Constituição que deva ser extincto. Eu apoyo que se extinga; mas não sei se se poderá julgar extincto pela Bases.

O senhor Castello Branco. - Qual foi a occasião porque se tractou de extinguir o Tribunal da Inquisição? Porque se disse, e muito bemdicto, que he contra o systema Constitucional; e esta he a rasão maior que se podia dar, e rasão que comprehende todas as rasões. Pergunto se o Juiso da Inconfidencia he incompativel com o systema Constitucional? Parece-me que sim. Logo esta era a rasão, e rasão sufficiente a meu ver.

O senha Freire. - Se he preciso Decreto, he preciso discussão; e se he preciso discussão, he preciso assignar dia. Eu voto pela moção do modo porque foi proposta pelo senhor Presidente, isto he, se póde, ou não julga-se comprehendido nas Bases a abolição do Juiso da Incunfidencia? Mas se he preciso discussão, eu não a admitto sem se declarar dia, porque isto he contra a ordem estabelecida, e ninguem póde ser obrigado a votar desta maneira.

O senhor Ferrão. - Ouvi comparar a hum illustre Preopinante ha pouco tempo a Inquisição, e o Juiso da Inconfidencia como oppostos á Constituição; se pois houve hum Decreto para a abolição da Inquisição, parece-me que deve haver outro, para a abolição do Juiso da inconfidencia.

O senhor Sarmento. - Pergunto, se se me concede licença, se ha hum projecto sobre a abolição da Intendencia, senão eu tomarei a liberdade de o apresentar, ainda que com poucos talentos, por julgallo tão necessario, e ainda mais que a abolição da Inquisição; porque aquelle era huma Inquisição morta, e esta huma Inquisição viva.

O senhor Margiochi. - Ha hum projecto imperfeito, não seria máo que o senhor Preopinante fizesse outro melhor.

O senhor Presidente. - Póde muito bem ser apresentado n'outra occasião; hoje não he da ordem do dia - Proponho pois ao Congresso, se o Tribunal do Juiso da Inconfidencia se julga extincto pela Ley das das Bases da Constituição? Os que assim o julgarem queimo premanecer sentados.

Decidio-se por unanimidade, que a abolirão do Juiso da Inconfidencia estava comprehendida na dos Bases de Commissão, Decretada nas Bases da Constituição, e que se expedisse Ordem á Regencia para que os Processos existentes neste Juiso fossem remettidos á Relação.

O senhor Borges Carneiro apresentou por escripto outra Proposta para se fazer o observar a Ley do recebimento do Papel-Moeda em todos os Contractos.

O senhor Presidente. - Já que ha huma Ley existente, parece não ser preciso mais do que ordenar á Regencia, que a ponha em execução.

Decidio-se que se considerasse como primeira leitura.

O senhor Borges Carneiro apresentou huma Representação dos Habitantes de Villa Real, pedindo providencia ácerca das vexações que soffrem com as Correições Geraes, ou Corridas da Camera, levando-lhe custas excessivas. - Deliberou-se expedir Ordens á Regencia, para sobre este assumpto mandar tomar as necessarias informações, e serem presentes ao Congresso.

Discutio-se, segundo a Ordem do dia, o estabelecimento do Processo dos Jurados, para cohibir os abusos da Liberdade da Imprensa.

O senhor Sarmento. - He com o maior prazer que me levanto cheio de satisfação que deve inspirar hum objecto tão grato a quem preza a liberdade, e os direitos do homem, e do cidadão: hum objecto, que naturalmente já foi familiar aos Portuguezes, posto que no remoto periodo de mil e duzentos annos. Fallo do Juizo de Jurados, para por meio delles se assegurar a independencia da liberdade da imprensa.

Página 760

[760]

Eu não tive a honra de estar neste Congresso, para assistir áquellas Sessões, mas participo do prazer de ver a liberdade da imprensa estabelecida na minha Patria, e juntamente com a Nação dou as devidas graças aos Pays da Patria, os quaes lançarão na liberdade da imprensa, o fundamento mais solido da liberdade civil. Estabelecida a forma de Governo Representativo, he a Liberdade da imprensa o orgão da opinião publica, e assim como ella ha de censurar os procedimentos dos Representantes da Nação, do mesmo modo ella os ha de illuminar. Lançando a vista sobre as Nações, vemos a Inglaterra chegar a hum gráo de gloria, e consideração politica a mais extraordinaria, e vemos igualmente que alli floresce a liberdade da imprensa mais do que em outra alguma nação. Todavia o estabelecimento da Liberdade da Imprensa não foi tão facil de conseguir em Inglaterra, como se poderia imaginar. A Inglaterra foi tambem governada por Aulicos; o celebre Tribunal denominado Star-Chamber, ou Casa Estrellada coarctou sempre que poude não só a liberdade de imprimir, mas até o mesmo numrio de typographos, e o dos artistas. Depois de acabar aquelle odioso tribuna em 1641, os Parlamentos, que se seguirão não forão geralmente propensos, para dar liberdade á Imprensa. Depois mesmo da grande revolução de 1608, da qual se seguio o prudente systema Constitucional da Inglaterra, ainda se não tinha alcançado a victoria decisiva a favor da Liberdade da Imprensa, e foi desde o anno de 1694 que a Inglaterra a conseguio estabelecer: observe-se que a prosperidade de Inglaterra, e o espantoso augmento da sua importancia politica tem esta mesma data! A França depois da sua extraordinaria Revolução estabeleceo em 1792 a Liberdade da Imprensa de hum modo tão illimitado, que ella abrio a porta, á licença, está á anarchia, donde resultou o despotismo mais violento, de que não só a França, mas nós mesmos com toda a Europa fomos victimas. Os exemplos destas duas nações he muito instructivo, para tirarmos huma facil conclusão de que a licença traz comsigo anarchia, da mesma forma que a censura produz o despotismo: o meio unico para conseguir os fins saudaveis de hum tão proveitoso estabelecimento consiste em formar huma previdente Legislação, que possa reprimir os abusos, e delidos da imprensa. Trata-se de que isto se alcance por meio do Juízo de Jurados. Eu sou pouco versado nas antiguidades legaes da nossa Patria, para com certeza poder asseverar se o juizo de Jurados fora conhecido nos principios da nossa monarchia, he provavel que fosse; apezar das lucubrações dos nossos sabios Antonio Ribeiro dos Santos, Amaral, João Pedro Ribeiro, e outros, posso sem temeridade dizer, que esta parte da nossa literatura ainda, está na sua infancia; os nossos vizinhos mais tem adiantado. Dos escritos dos sabios Marianna, Lhorento, Delrio, e Sampere mostra-se com toda a evidencia que o Juizo dos Jurados fora conhecido nas Hespanhas; elle formava parte daquelles costumes, que as Nações barbaras, como diz Montesquieu, trouxerão dos seus bosques, e frios lagos; monumento precioso da genuina liberdade daquelles povos. A Inglaterra até o dia de hoje ignora o tempo da introdução deste processo, he pela tradicção que os seus antiquarios tem formado as suas conjecturas. O Juizo de Jurados foi desapparecendo na Hespanha, e juntamente com os mais institutos Gothicos cederão o terreno ao Direito estabelecido pelas Pandectas de Justiniano, até que os discipulos de Barthodo, e Baldo conseguirão de todo derrubar os restos obsoletos da jurisprudencia Gothica, elles, diz hum elegante escriptor Inglez dos nossos dias fallando dos Povos das Hespanhas, despresavão a pedra preciosa sem conhecerem o seu valor, porque ella não estava polida, em quanto em Inglaterra os institutos dos seculos primitivos forão conservando o seu vigor e com o andar do tempo forão perdendo a sua rudeza. He pois chegado o tempo de tornarmos a entregar ao juiso desses homens bons, cujo auxilio abem da justiça, as nossas Leys antigas, e o nosso actual Codigo muitas vezes invoca, aquella confiança de que elles são acredores. Eu estou persuadido que em a Nação Portugueza existem costumes, moral, e a necessaria instrucção, que devem ser a base, para o estabelecimento dos Jurados. Esta instituição applicada, para por, ella se julgarem os delictos commettidos por abusos da Liberdade da Imprensa, póde ser o melhor ensaio, para a Ampliarmos aos processos de causas crimes em geral. Porem restringindo-me aos abusos da Imprensa, sou de parecer que estes só pelo juiso dos Jurados podem ser reprimidos; porque simlhantes delidos formão-se menos de facto positivo, do que da intenção, e do resultado: só os Jurados poderão, segundo a sua convicção moral, deduzida do exame, e combinação das circunstancias calcular huma, e outra cousa. Se similhante decisão dependesse de hum Juiz, o qual fosse ao mesmo tempo Juiz de facto, e de direito, tinhamos estabelecido a censura, o que he contra as Bases da nossa Constituição. He verdade que sendo o Juiso dos Jurados hum estabelecimento humano, tambem tem havido nelle aquellas prevaricações inherentes á fraqueza humana, mas he tambem outra verdade, que de todas as fórmas de processo esta he a que tem tido menos corrupção. Fundando-me no que acabo de dizer (talvez com falla de ordem, e connexão) eu approvo o Juiso dos Jurados, para os crimes, que resultarem do abuso da Liberdade da Imprensa. (Apoyado.)

O senhor Pereira do Carmo. - Alem de outras, ha huma rasão mui valiosa para mim, que me leva a convir n'admissão dos Jurados, ou Juizes de fado nos crimes por abuso da Liberdade da imprensa, e vem a ser a impossibilidade de qualificar, e graduar esses crimes tão pontualmente, que se possa com a mesma pontualidade designar a cada hum a pena correspondente: e então me parece mais seguro para a liberdade publica confiar aos Jurados, ou Juizes de acto huma porção de arbitrariedade, do, que aos outros Juizes. Apesar de me convencer desta verdade, seria para mim de grande peso a opinião contraria, fundada em que a Nação não está preparada para esta novidade, só consultando a Historia da nossa Jurisprudencia, não encontrasse alguns factos parecidos, até certo ponto com o caso de que tratamos. No Capitulo 46 das Cortes de Evora de 1481, vejo

Página 761

[761]

ou que os Povos requererão ao Senhor D. João 2.° o estabelecimento dos Avymeleiros nas Cidades e Villas, eleitos dentre os Habitantes, para metterem a paz nos desavindos. E supposto que ElRey não deferio o requerimento á vontade das Cortes, com tudo o seu Successor o Senhor Rey D. Manoel ordenou Regimento em 20 de Janeiro de 1820 aos concertadores das demandas, que tinhão a seu cargo compor, e concertar quaesquer partes, que andassem em discordia. Ainda hoje vemos alguns vestigios desta legislação em nosso Codigo actual no Liv. 3 §. 20. E por esta occasião noto com bastante prazer que os Juisos de paz, que tanto acreditão as modernas legislações de alguns povos da Europa erão já conhecidos entre nós no seculo 15. Voto pelos Jurados, ou Juizes de facto.

O senhor Soares Franco. - Tendo que fallar nisto, e fundar a minha opinião, he necessario que desenvolva rasões em geral. Eu tirarei as rasões, em que fundo a necessidade da existencia dos Jurados: 1.° da existencia da Liberdade da imprensa: 2.º da publicidade necessaria: 3.° de algumas caudas extrinsecas, e intrinsicas. Passemos á liberdade. Não he possivel estabelecer a Liberdade da Imprensa, sem que havia Juizo aos Jurados: porque, deixando á parte a Historia de Inglaterra, que já desenvolveo hum Illustre Preopinante; com tudo, esta se acha tão fortemente estabelecida, e sustentada por o Juizo dos Jurados naquella Nação, que por esta causa só a Liberdade da Imprensa em Inglaterra he a primeira da Europa. Hum Escriptor muito abalisado neste objecto diz: que a liberdade de Esparta, e Roma acabou porque era fundada em Instituições que não tinhão nada com a liberdade Civil; e que, se tivessem tido Juízos de Jurados, não era possivel que tivesse acabado. Mas vamos a ver, como se sustenta a liberdade pessoal neste Juizo, e a differença que ha delle aos Jurados ordinarios. Nestes o homem póde ser julgado por hum Ministro unico, o qual póde trabalhar como Escrivão, que póde ser comprado, como ordinariamente acontece. No outro vê-se julgado por seus iguaes, e com a liberdade de dizer, quero este por meu Juiz, não quero estes 6, quero outros em seu lugar: em consequencia este homem que escolhe, tem todo o pleno goso da sua liberdade, e não póde temer ser julgado injustamente; porque seria muito raro aquelle caso em que se lhe não fizesse justiça. O homem em consequencia fica plenamente convencido do seu delicto; a verdade apparece com toda a clareza, então ha caminho por onde possa affastar-se della. Vejamos ainda como se poderia isto fazer d'outro modo? Dir-se-ha talvez, que creando hum Tribunal especial: mas isto hia estabelecer huma Aristocracia: dentro em pouco tempo a opinião deste Tribunal hia ser a opinião de todo o Reyno, e dentro em pouco tempo não poderia existir nem Liberdade de Imprensa, nem Liberdade Civil. Vamos á segunda rasão, que he a necessidade da publicidade nos Juizos. A publicidade geralmente, he a que dá o gráo de virtude, e de verdade: pelo commum, as decisões secretas, senão são injustas, estão mais proximas a sello do que as publicas; porque nestas a censura dos que as presenceão he hum ficto poderoso, para conter quem quer que fosse que não quizesse seguir o recto caminho da verdade. Neste Juizo dos Jurados, o Juizo he publico, como as discussões deste Congresso. Nelle apparece o Réo, e a que denunciou deve dar as rasões porque julga máo aquelle escripto; e depois de tellas declarado publicamente, depois de dar todas as suas provas, o accusado responde tambem publicamente; ouvem-se os fundamentos de cada hum, examinão-se, a verdade triumpha, e o mesmo accusado, no caso de ser Réo, acha-se convencido, e abrigado a ceder ao imperio da Ley, e da verdade. Vamos a tirar agora as provas extrinsecas: eu desejarei sempre acostumar os Povos a huma daquellas practicas que já estão sanccionadas como boas por experiencia. Não seria huma cousa a meu ver bem considerada, se, depois que a Inglaterra, e a Hespanha estabelecerão a Liberdade da Imprensa deste modo, e obtiverão bons resultados, quizessemos chegar ao mesmo fim por hum caminho novo, e desconhecido. Mais alguma cousa: relativamente á Liberdade da Imprensa não se póde temer o defeito que resultaria talvez nas causas civeis, de que a Sentença, não suja conforme a direito. Na Inglaterra, depois do Juizo dos Jurados, passa-se para outra Camera de direito; mas deixando isto para as causas crimes, de que não tratamos agora; em quanto ás da Liberdade da Imprensa, a qualificação dos direitos he muito simples, e a applicação das penas já está determinada, pelo Regulamento da Liberdade da Imprensa. Em consequencia a liberdade da Nação, a necessidade da publicidades dos Juizos, e o estado dos outros Povos que tem adoptado esta medida, são outras tantas rasões que me movem, e outras tantas provas que decidem, para que se deva estabelecer o Juizo dos Jurados.

O senhor Gyrão. - Apoyo o que disserão os Illustres Preopinantes: eu não devera fallar depois delles, pois esgotarão a materia em seus excellentes discursos; mas quero satisfazer o meu coração, e manifestar meus sentimentos á face da Nação inteira. O estabelecimento de Jurados, e a Liberdade da Imprensa, são as duas pedras angulares, em que se firma o Templo Sacrosanto da Liberdade, são as melhores acquisições que tem feito o Genero Humano para viver livre do despotismo. Os bellas dias de Grecia e Roma forão aquelles em que havia Jurados; a Inglaterra a elles deve a sua prosperidade, e a sua grandeza. A Hespanha os gosa; e nós, que juramos fazer huma Constituição mais liberal que todas as melhores do Mundo, deixaremos de os ter? Não certamente: se o contrario fizéssemos, deixaríamos manchados nossos nomes de indelével ferrete. Por tanto voto pelo estabelecimento dos jurados.

O senhor Sarmento. - Eu quizera, se se me permitte ampliar alguma cousa mais algumas idéas vagas, que tive a honra de expor a esta Augusta Assemblea. Sendo os nossos costumes muito similhantes aos de Hespanha, não acho difficuldade em adoptar neste ponto o que elles adoptarão. A devisão illimitada na propriedade, que tem havido em França, he talvez causada pela difficuldade de estabelecer alli Jurados, por isso mesmo que não existem entre os Fran-

**

Página 762

[762]

cezes homens com a independencia que he precisa para se poderem formar bons Jurados. Não he assim em Portugal. Em Portugal hão de achar-se homens bons em qualquer parte onde se procurarem: por esta rasão nelle he mais facil o estabelecimento dos Jurados, e absolutamente proveitoso. A Nação Portugueza, e todas as Nações Hispanicas forão antigamente affeiçoadas a este estabelecimento se o tiverão. Entre nós os Alcaides-mores erão quem decidia as Causas e até pronunciarão ã pena ultima, presidindo as Juntas de homens bons: não são ideas novas. Apesar da Nação Portugueza não estar presentemente familiarizada com esta idea, não ha inconvenientes em estabelecer Jurados, particularmente nas circunstancias presentes desta revolução: ella tem feito conhecer que a Nação Portugueza he a unica na moderação em saber conduzir us mudanças politicas, assim como no amor da Patria, Penso por consequencia que o estabelecimento da Jurados podia estender-se até ás Causas Civeis, e que estabelecidos, elles, ha de ser esta a podia em que se ha de renovar a gloria antiga da Nação Portugueza.

O senhor Presidente. - Tomo a liberdade de lembrar ao senhor Deputado que se está tratando só do Juiso dos Jurados com applicação á liberdade da Imprensa.

O senhor Sarmento. - Pois bem, explico o meu parecer. Digo que o Juiso dos Jurados, ha de dar os milhores resultados para a Nação. Não quiz fallar de modo alguns sobre a formação dos Jurados. Porque creio que este ha de ser objecto posterior, e penso que já o terá previsto o Joven Jurisconsulto, que se encarregou deste projecto. Concluo observando, que a Assembléa dos Pares de França) encarregou a formação do seu Regulamento de Imprensa em 1819 a hum Joven dez annos, e que a Assemblea Portuguesa tambem encarregou talvez ao mais Joven dos seus Deputados, o projecto dá mesma Ley: esta coincidencia será mais huma prova de quanto he estudiosa, e illustrada, a mocidade Portugueza.

O senhor Borges Carneiro. - Tem-se dicto que a mesma liberdade de Imprensa cura os males que ella póde produzir, e que de taes males ella he o unico correctivo; mas não se corrigirão huma vez que seus abusos tenhao dó ser julgados pôr Empregados publicos. De quem he que se temem-nos Governos as Auctoridades publicas? Dos que: chamamos amigos da liberdade; he huma parte da Nação, que se acha sempre em meta coral a outra parte. Com quem hé esta lucta? Com o abuso com que o Governo póde fazer contra os abusos das Auctoridades. Se pois os Empregados publicos, tem de ver-se censurados pela liberdade da Imprensa, se estes mesmos forem os Juises dos abusos da dicta liberdade, será abuso tudo o que seja contra elles, ainda que seja dicto com rasão; será abuso, tudo o que as Auctoridades Ecclesiasticas ou Civis, queirão que seja abuso. Se por exemplo se trata de expôr alguns defeitos de administração, dirão = Isto he sedicioso = porque não lisongea as vistas do Governo. Se alguem criticar as operações do Governo ou dos Ministros, dirá seguramente o Tribunal de Censura = Isto he sedicioso; porque elle depende dos Ministros e por consequencia seus Membros hão de decidir a favor dos que podem promover os seus interesses. Deste modo viria a succeder que os Empregados publicos serião os Juises da publica liberdade. Dirão que se escreve hum livro sem Censura previa, que es Juises não podem que não se escreva: dirão muito bem; mas se depois de escripto he condemnado, qual lhe a liberdade da Imprensa? He huma maçan no Paraiso: assim milhor seria hão ter tal liberdade. Por consequencia liberdade de Imprensa não a póde haver, senão sendo Jurados os que julguem dos seus abusos, homens eleitos pela Nação. Sendo pois homens imparciaes eleitos pela Nação os que fazem este Juiso, então elles decidirão com verdade, e condemnarão os abusos; mas não condemnarão o que se clama abuso sem zelo, porque offende alguns interesses particulares. Assim destruir-se-ha o fanatismo, e a suprestição, estes dous monstros que tem causado tantos males á especie humana. O Juiso destes homens será imparcial, porque são amoviveis, não dependem de ninguem, este anno são Jurados, e o que vem o não são. Olhemos para Inglaterra, é nella veremos numa prova dos saudaveis effeitos que tem produzido esta medida. O Morning Chroniele, creio que escreve ha 50 annos, e nunca se lhe poude provar hum abuso: n'huma denunciação que lhe for feita, ficou vencido o denunciante. Esta he a liberdade de Imprensa! Se offender a suprestição, se declamar contra os obusos dos Ministros, he crime, está bom; mas se o não he, os Jurados são imparciaes, e elles dirão á verdade. (Apoyado.)

O senhor Peixoto. - Apoyo perfeitamente aquella doutrina.

O senhor Bastos. - Nos tempos da Grecia, e Athenas vemos que tinha Jurados, e nesse tempo he verdade que foi condemnado Socrates. Roma teve Jurados, e não teve razão para arrepender-se. Entre os antigos Francos os houve, a Inglatterra sabemos que os tem na França ha 30 annos que se está disputando multo, pró e contra, e, talvez os Francezes ainda não estejão de accordo neste ponto: mas os Francezes a não a variedade, hoje querem huma cousa, á manhan outra, e tem mostrado a sua instabilidade pelas differentes formas de Governo, que hão admittido ha poucos annos; Digo pois que ha muitas razões, pró e contra. Os Jurados tem feito a felicidade de algumas Nações; elles tem causado a felicidade da America Septentrional, e da Inglaterra; porque pois não os admittrremos nós, como ensayo para á liberdade da Imprensa. Por agora não se trata dos Estabelecimentos dos Jurados nas Causas criminaes e tracta-se só de os estabelecer para julgar da abusos da liberdade da imprensa, e isto pude-se considerar como ensayo. Se noa virmos que a liberdade de Imprensa desta fórma de progressiva, podemos ampliar as suas faculdade, para julgar de outros delictos. Se experimentarmos o contrario, estamos no caso de adoptar outra medida. Isto pois vem a ser huma cousa provisoria. Por tanto eu veio pelo estabelecimento dos Jurados para a liberdade de imprensa. Parece que ha huma escravidão em estar sempre sujeito á sentença dos outros, sem ter a esperança de

Página 763

[763]

poder dar alguma vez a nossa. O Juiz he como a espada que não corta sem ser impellida por huma força estranha. Parece-me que a Ley não deve obrar sem sei impellida.

O senhor Serpa Machado. - Vejo a Assembleia muito uniforme para a admissão dos Jurados na liberdade da Imprensa, fazendo-a servir nesta como hum ensayo para o futuro. Para que a verdade transluza mais, será bom que não se decida sem alguma contestação em contrario. Parece-me que não he o objecto mais a proposito para ensayo o da liberdade da Imprensa; e acho mais incompatibilidade quando considero que estabelecemos nas Bases da Constituição que haverá hum Tribunal Ecclesiastico para inspeccionar os abusos da liberdade da Imprensa sobre este ponto, o que não julgo compativel com os Jurados que se trata de estabelecer. He huma questão preliminar saber quaes hão de ser os attributos deste Tribunal, antes de estabelecer os Jurados. Existe este Tribunal, elle he encarregado de inspeccionar os abusos da liberdade da Imprensa nas materias Religiosas, e assim deve ser; porque nas Bases da Constituição assim está estabelecido. Se elle está encarregado em qualificar os delictos, que qualificação he a que devem fazer os Jurados? ha contradicção. Por tanto não sei dizer se he ou não conveniente o Juizo dos Jurados: a minha difficuldade consiste no modo de conciliar estes Jurados com o Tribunal especial, que ha de qualificar os abusos da liberdade da Imprensa. Por isso digo. que seria preliminar fixar estes attributos; porque senão, que tem que fazer os Jurados? Se ha de haver hum Tribunal especial, e alem disso Jurados, restringe-se muito a liberdade da Imprensa, porque he subjeita-la a dous Tribunaes, e talvez depois que seja forçoso subjeila-la a hum Juizo de Appellação. Parece-me que estes embaraços longe de favorecer a liberdade da Imprensa, e restringem. Por tanto considerando a questão relativa á liberdade da Imprensa, depois de se ter decidido o estabelecimento daquelle Tribunal, acho contradicção como que agora se pertende fazer. Além disto, não sei de que classe se hão de tirar os Jurados; como hão de motivar as Sentenças; qual ha de ser o seu numero; quem os ha de nomear, se ha de ser o Povo, ou o Governo? Se ha de ser o Povo, então esse estabelecimento será o propinaculo da liberdade; mas se hade ser o Governo, talvez seja contra ella, porque mal se podem admittir estes Jurados sem saber a sua organisação.

O senhor Xavier Monteiro. - Posto que eu julgasse desnecessario estender a discussão deste assumpto, com tudo como o senhor Deputado que acaba de fallar excitou algumas duvidas sobre o estabelecimento dos Jurados, acho conveniente o responder-lhe, e fazer conhecer quanto me for possivel a necessidade deste estabelecimento. A principal objecção consiste em conciliar o Juiso dos Jurados com o Tribunal decretado nas Bases da Constituição. Ora o principal exercicio deste Tribunal, segundo a letra das Bases, he proteger a Liberdade da Imprensa, e depois cohibir os abusos. Mas nem as Bases dizem que elle deve julgar privativamente os delictos de Imprensa, e ainda quando o dissessem dever-se-hia entender que conheceria por appellação privativamente das sentenças proferidas pelos Juises do direito de primeira Instancia nos crimes commettidos pela Imprensa; o que nenhuma contradicção involve com o estabelecimento dos Juises de facto, ou Jurados. Lm quanto ao modo de fazer a eleição dos Jurados, que he outra duvida do illustre Deputado, digo que póde ser feita ou como se usa em Inglaterra, em que hum Magistrado territorial chamado Shcariff apresenta a lista delles, e o réo exclue depois o numero que a Ley lhe permitte; ou póde a eleição ser feita pelo Povo, a qual posto que menos expedita he com tudo mais liberal. Seja pois a eleição feita por qualquer dos modos, a instituição dos Jurados he indispensavel para affiançar a liberdade civil dos Cidadãos, os quaes huma vez que não tenhão confiança nos Juises estão subjeitos a mais dura detectas as tyrannias: e esta confiança só póde resultar da fatuidade de excluir peremptoriamente os que lhes forem suspeitos, sem serem obrigados a dar os motivos desta exclusão. Posto que ouvisse dizer que houve Jurados em Athenas, e que Socrates fôra por elles condemnado á morte, não estou persuadido que assim fosse; pois nem no Areópago onde Socrates foi julgado nem nos outros Tribunaes de Athenas me consta que os Juises de facto fossem diversos dos Juises de Direito. Os Romanos, segundo tenho noticia, forão os primeiros que usárão desta instituição. Estes, como sabiamente nota Filangieri, depois da expulsão dos Tarquiflios, receando o poder dos Consules, quasi igual ao dos Reys, estabelecerão na Ley Valeria a appellação para o Povo das sentenças de morte proferidas pelo Cônsul: e depois nas Leys das doze Taboas lhes tirarão inteira- mente o conhecimento das Causas Criminaes; Só podia nos Comicios, nessas grandes Assembleas do Povo, hum Cidadão Romano ser condemnado á morte. Crescendo a Republica, e com ella a frequencia dos delictos, foi necessario estabelecer para de julgar Tribunaes permanentes, e nestes forão separados os Juises de facto dos Juises de direito, por esta fórma. O Pretor, Magistrado annual, nomeava no principio da sua magistratura 400 Cidadãos de reconhecida probidade, para servirem em todos os Tribunaes de Juises de facto: logo que alguma accusação tinha lugar, erão os 450 nomes lançados em huma urna, e tirado á sorte aquelle numero que a Ley determinava; e o accusador, e o accusado tinhão direito de recusar os que lhe erão suspeitos, em quanto havia nomes na urna. Estes Juises depois de apurados, ouvião as rasões das duas partes, examinavão os documentos, e testimunhas por ellas apresentados, e depois de inteirados de tudo que podia concorrer para aclarar a verdade do facto, lançavão em huma uma a letra inicial que denotava o seu voto. O Pretor depois de recolhidos os votos, segundo a pluralidade delles, applicava a Ley ao facto, e pronunciava a sentença. Em alguns casos a Ley permittia aos litigantes escolher Juises á seu arbitrio, mesmo fora daquelles que se achavão inscriptos na lista do Pretor. Elogiando esta immensa, e preciosa liberdade civil dos Romanos, dizia Cicero: os nossos antepassados, não só nas cau-

Página 764

[764]

sae em que se conhecia da honra, e fama dos Cidadãos, mas ainda naquellas que versavão sobre os mais pequenos objectos pecuniarios, jámais consentírão Juizes; que não fossem á satisfação dos litigantes. Taes são as suas palavras na oração pro Clirentio: Neminem voluerunt majores nostri non modo de existimatione cujusquam, sed ne de pecuniaria guidem re minima, judicem esse, nisi qui inter adversarios convenisset. Tal foi a maneira de julgar em quanto Roma foi livre. Sylla despotico, e violento por natureza, a fim de estabelecer a proscripção, suspendeo a fórma dos Juizos criminaes; mas prevalecendo nelle a educação Republicana, logo que os momentos da vingança, e da chólera passarão, abdicando a Dictadura, tudo restituio ao antigo estado. César, e Augusto, tyrannos mais methodicos do que elle, bem que não poupassem crimes para consolidar o mando perpetuo, não ousarão comtudo abolir inteiramente a fórma salutar destes Juizos. Estava reservado a Tiberio, o mais atroz, e dissimulado dos homens, o destruir pelos alicerces o magestoso edificio da liberdade Romana, transferindo para o Senado, os Comicios: com todas as prerogativas da soberania do Povo. Tacito nos transmittio essa fatal sentença nestas breves palavras: Tum primum e campo comitia ad patres translata sunt; nam ad cam diem etsi potissima arbitrio Principis, quoedam tamen studiis tribuum fiebant. Depois que o Senado, esse corpo permanente de creaturas do imperador, conheceo a arbitrio delle dos crimes principaes, e não foi mais licito ao Cidadão accusado o excluir hum Juiz iniquo, ou suspeito, abrio-se a mais vasta scena de horrores que a Historia encerra, desappareceo por huma vez a segurança pessoal, e forão apagados ainda os mais ténues vestigios: de liberdade em toda a dilatada superficie do Imperio Romano. Entre as Nações modernas, os Inglezes, que são os que tem colhido maiores vantagens desta Instituição, fazem remontar a sua origem aos tempos de Alfredo, nos fins do nono Seculo, bem que se possa colligir, que o seu uso não fosse geralmente conhecido antes do anno 1215, em que foi conquistado a grande Carta da Liberdade Ingleza, na qual o estabelecimento dos Jurados constitue hum dos mais essenciaes Artigos. Depois desta epocha, posto que em differentes occasiões tenhão sido commettidos pelos Juizes de facto grosseiros erros, e inumeraveis abusos, os Escriptores Inglezes unanimemente concordão ser esta a instituição mais idónea, e mais bem calculada para a recta administração da Justiça, e para a manutenção da Liberdade Civil. E nós se na Ley da Liberdade de Imprensa, e em todas as novas Leys Criminaes que fizermos, em que as penas sejão proporcionaes aos delictos; não admittirmos os Juizes de facto, e não concedermos ao réo a faculdade de excluir aquelles que lhe não merecem confiança, poderemos, he verdade, gozar de mui sabias Instituições Politicas; porem será sempre infelizmente entre nós hum nome vão, huma Chimera a Liberdade de Imprensa, e a Liberdade Civil. (Apoyado, Apoyado.)

O senhor Castello Branco. - Eu sem embaraçar-me muito em se tem havido esta instituição ou outra similhante entre os Gregos, ou os Romanos, limitar-me-hei unicamente a dizer, se o estabelecimento dos Jurados a respeito da Liberdade da Imprensa he ou não util. O homem he hum ser physico, e moral, por consequencia tem dous direitos, ou sobre duas cousas versão todos os seus direitos. Como ser physico, elle tem o direito de sua liberdade, como moral tem o direito de exprimir os sentimentos por meio de palavras. O homem no estado da Natureza goza direitos illimitados de huma, e outra cousa; entretanto, entrando na Sociedade, he obrigado a ceder huma parte destes direitos, e outra parte á boa ordem da Sociedade. Com effeito as Leys tem tomado em parte os meios mais proprios para prohibir os abusos que o homem póde fazer na Sociedade dos seus direitos naturaes. Estas Leys comprehendem em geral não só as acções do homem, mas as suas palavras, e as suas intenções manifestadas por suas palavras. Eu não posso considerar acção alguma do homem que deste estado possa ser qualificada a bem da Liberdade da Imprensa: a Imprensa não he mais que substituição da palavra: digo que não considero acção nenhuma do homem dependente do abuso da sua palavra, que não esteja acautelada nas Leys geraes feitas para sustentar a boa ordem da Sociedade. O homem abusando da falla, abusa da Liberdade da Imprensa.: esta he a primeira parte dos crimes desta ordem; e seguindo a ordem das Leys não vejo excluidos estes abusos. O homem abusa da sua palavra quando espalha ideas subversivas da ordem social. Não se castiga isto nas Leys Civis? Fazello de palavras ou por escripto he o mesmo. O mesmo he que seja perpetrado de huma ou de outra maneira. O homem póde invectivar contra o seu concidadão; póde espalhar discursos que tendão a destruir a boa reputação a que o seu concidadão tem direito; não está isto acautelado nas Leys Civis? Pois porque fatalidade vejo eu, que todos os Governos se tem applicado a fazer estas Leys, e outras ainda mais severas, que tendem todas a tapar a bocca ao homem? Eu sei muito bem a rasão. Em todos os Governos ha hum fragmento do despotismo, pois que essa he a tendencia natural, e occulta do homem, e o déspota vê sempre quanto lho convem destruir a opinião publica, para o progresso dos seus interesses, e dos seus caprichos. Esta he a rasão porque se tem pertendido desterrar todos aquelles escriptos que podem illustrallo; pois que o despota conhece que o verdadeiro interessa do homem he esclarecer o Povo para destruir o déspota, e esmagallo. He por isso que nós vemos que todos os Governos illuminados, que desejão proteger o direito do homem, tem proclamado a Liberdade da Imprensa. Os abusos que daqui podem nascer estão acautelados nas Leys Civis. Por consequencia a que vem tratarmos da Ley que tinha em vista castigar os abusos da Liberdade da Imprensa, quando estes estão acautelados? Deve-se fazer a Ley, mas esta a meu ver deve ser feita em sentido inverso. Deve-se fazer huma Ley, não para castigar os abusos, senão para proteger a Liberdade da Imprensa. Olhando o negocio por esta face, passo agora a examinar se a instituição de Jurados, ou Juizes de facto he mais proprio que ou-

Página 765

[765]

tra qualquer instituição, para proteger a Liberdade da Imprensa. Acho que sim. Quaesquer que fossem os meios que adoptássemos, multiplicássemos muito embora os Tribunaes para esse fim. Esses Tribunaes compostos de homens publicos, que dependem do Poder Executivo, que esperão delle o adiantamento dos seus interesses, que esperão recompensa; esses homens mais tarde, ou mais cedo tinhão de ser ganhados pelo Poder Executivo, e por consequencia tinhão de amalgamar-se com elle e destruir a liberdade da Imprensa em vez de a proteger, destruindo assim a liberdade da Nação. Entretanto quando tiverem toda a influencia neste negocio homens bons e independentes, que não tenhão em vista mais do que a prosperidade da sua Patria, e sem dependencia em geral dos Funccionarios publicos, então será mais protegida a liberdade da Imprensa. Por isto eu acho de necessidade o estabelecimento de Jurados. Não vejo certamente cousa alguma que se possa oppôr a este estabelecimento. Dir-se-ha que Jurados a respeito do processo criminal podem ser quaesquer homens, com tanto que tenhão boas intenções, e que devão decidir hum facto muito simples; mas que quando se trata de examinar escriptos que versão sobre differentes materias, são precisos outros principios, e que estes não são muito vulgares: porém eu não julgo a cousa da mesma maneira. Para saber se hum homem blasphema contra Deos, se ataca os dogmas da Religião Catholica Apostolica Romana, que he a que nós professamos; para poder julgar destes principios simples, basta saber o Cathecismo da doutrina Christan. Tudo o mais he obra de Theologos, que têem feito huma especie de monopolio e huma sciencia occulta de huma cousa que o não he; porque tiverão em vista objectos particulares, para complicar o que tem melhor que apparecesse quanto mais simples for possivel. Para assegurar que hum homem attenta contra a segurança da Sociedade, não precisa ser grande Legista, Philosopho, nem Mathematico. Quando se trata de saber se hum homem atacou a fama de outro individuo, he claro que todos se achão ao facto. Portanto para aquella decisão que não se dirige ao merito scientifico de huma obra, e só sobre alguns principios espalhados nella, qualquer homem, está em estado de a dar. Por consequencia apoyo, em toda o estabelecimento dos Jurados, ou Juizes de facto, relativamente á liberdade da Imprensa, e julgo mesmo que ella não póde subsistir instituição, e por consequencia não póde existir a liberdade da Nação Portugueza. (Apoyado)

O senhor Fernandes Thomaz. - A questão dos Jurados tem-se considerado por todos os lados, porem ha dous principios pelos quaes devem ser mais considerados; ou pelo modo porque hão de ser eleitos, ou pelo modo que hão de julgar, e o prestimo que hão de ter no Processo a respeito dos crimes que resultarem dos abusos da liberdade da Imprensa. Por qualquer destes dous lados a minha opinião he que elles devem-se receber e estabelecer para julgarem os dictos crimes: com a declaração porém que os Jurados sejão nomeados pelo Povo, e de nenhuma maneira nomeados pelo Governo Executivo, nem Legislativo. Este estabelecimento, esta practica, por chamar assim, de Jurados, isto he, de Juizes do facto, he huma cousa que não deve espantar, nem admirar. Temos na Ordenação Juizes do facto: ella diz = os Arbitradores não conhecerão das questões, senão os Juises de facto = por conseguinte alli os temos; mas são escolhidos pelas partes: neste caso tambem o hão de ser: acolá são escolhidos entre os homens capazes de conhecer do caso que se questiona, cá hão de ser eleitos aquelles que o povo julgue mais capazes de julgar sobre o objecto para que são escolhidos. Por consequencia sustento que se devem adoptar os Jurados, para julgar os crimes da liberdade da Imprensa; não só por ser hum estabelecimento que se conforma com os nossos costumes antigos, senão porque tambem segundo estes costumes são escolhidos pelo povo, e pelas partes. Nós fomos livres muito tempo em quanto não houve Juises de Fora. Os Juises de Fora são os Juises do despotismo. O Juiz natural do povo, he aquelle que elle mesmo escolhe. O povo he quem sabe qual he o homem que merece verdadeiramente a sua confiança: o Rey poucas vezes o sabe, ou por melhor dizer não o sabe nunca. Por conseguinte estabelecer os Jurados, he voltar a nossas antigas instituições; e o passo mais acertado que podemos dar, he adaptar os Jurados, considerados e eleitos pelo modo que acabo de dizer, o que por outra parte não he cousa nova entre nós. A maior difficuldade he a respeito das provas; ahi he que o Juiz (para usar de huma expressão baixa) póde metter a unha: Ahi he que consiste a delicadeza, porque senão póde estabelecer regra geral. O arbitrio he indispensavel, porque como a prova não he pensar o resultado da combinação que o Juiz faz; elle póde dizer que está provado para elle, ainda que não o esteja para os mais. Conseguintemente esta he a parte mais delicada de Juizes e pela mesma rasão que he a parte mais delicada, deve por isso estar depositado o exercicio della nas mãos daquelles homens de quem mais confiança têm a Nação. O resto, que he a applicação do facto, he indiferente que seja feita por quem quer, porque dahi não ha de vir mal. Elle não póde deixar de dizer = a Ley he esta; porque se o disser ha de haver quem emende o seu julgado. Nas Leys da Milícia e nos Conselhos de Guerra ha está separação. Ahi se diz ao Juiz que não ficará a seu arbitrio as provas; o resto he indifferente, porque o resto não he senão applicar os Capitulos da Ordenança, ou as Leys Civis. Por consequencia nisto se decidir está o negocio; e esta faculdade deve estar depositada nas mãos daquelles em que se tem mais confiança. Estes são os que o Povo escolhe porque elle sabe os que são mais dignos da confiança geral. Voto por tanto a adopção dos Jurados, com tanto que a escolha seja feita pelo Povo. (Apoyado, Apoyado.)

O senhor Sousa Magalhães. - Tinha pedido a palavra não para fazer o elogio dos Jurados em geral, nem mesmo para mostrar se será util, e até indispensavel, e necessaria a sua existencia á Liberdade da imprensa. Tenho a satisfação de ver que ainda não houve nenhum só Deputado que tenha impugnado

***

Página 766

[766]

esta doutrina. Porém tenho algumas reflexões que fazer e a acclarar a doutrina de hum dos Illustres Preopinantes, que creio que não foi enunciada com a intenção que as palavras indica vão. Diz que havendo Leys em todos os Codigos, que prohibem os crimes que atacão a ordem social peio abuso da palavra; era por conseguinte inutil huma Ley contra a Liberdade da Imprensa. Digo eu que essas Leys não existem, em nosso Codigo criminal, e que naquellas Nações onde taes Leys existem; e onde são correspondentes ai esses delidos, certamente não he necessaria huma Ley para corrigir os abusos da liberdade da Imprensa. Esse mesmo foi o parecer de hum Membro da Commissão, fundado em que a melhor Ley a este esperto he não ter Ley nenhuma. Entretanto nós não podemos perscindir desta Ley. Nossas Leys que forão, como todos sabem, extrahidas do Codigo Romano, são muito extensas, as penas são de sua na meza barbaras. Não temos alem disso Leys que reguem exactamente sobre este genero de abusos; que aliem positivamente dos ataques que se podem fazer a todas as Auctoridades constituidas; sobre isto as, Leys não são claras, nem mesmo a respeito de Libellos famosos; as penas não são tão claras, que não deixem muito arbitrio aos Julgadores. Eu estou certo que o Illustre Preopinante não tinha fixado a sua idea determinadamente em nós; mas entretanto julgo alguma cousa necessario explicar as suas palavras. Fallarei por exemplo da applicação que se póde fazer dos Jurados a hum artigo da liberdade na Imprensa. Diz o mesmo Preopinante que se poderá dizer, ene ainda que os Jurados se ao capazes de julgar de aguaes factos civis, porque isso he de conhecimento claro, não se poderia dizer o mesmo com reacção aos escriptos; porque sendo esses crimes procedidos das doutrinas que nelles espalhão, e sendo necessario fazer huma separação dellas, seria preciso que os Jurados fossem muito instruidos nessas materias: fazia ver o Preopinante que esses escrupulos são apparentes, porque os delidos procedentes destas doutrinas não são delictos, senão em quanto podem seduzir algum Cidadão: e todas as vezes que pelos intimos escriptos não o pudessem conhecer os mesmos Jurados, o delicto não era de consideração, pois tão pouco outros poderião ser seduzidos. Isto a meu ver he o que quiz denotar o Illustre Preopinante. Porem talvez que em hum artigo especialissimo da liberdade da imprensa se faça alguma excepção a este respeito: por exemplo, nas materias Religiosas. Ainda que diz o Preopinante, que para isto bastava saber a doutrina christan; entretanto ha obras escriptas em que se tratão essas materias, e em que se expendem essas intenções, e subtilezas, que julgão os Theologos necessarias para traçar huma linha entre as doutrinas orthodoxas, e heterodoxas. Nesses casos precisa indispensavelmente conhecimentos: não basta huma intenção recta; porque, se se chamão os Jurados, e se lhes apresenta huma obra Theologica, em que o Fiscal, accusa tal ou tal questão da obra como heterodoxa, suppohhamos, sobre o Dogma da Graça; materia que todos sabem que he tão subtil que os que a querem aprofundar, mais se confundem; e se estes Jurados são tirados das diversas classes da Sociedade, como hum Medico, hum Jurisconsulto, etc. ainda que elles tenhão todo o tempo necessario para dedicar-se a examinar a obra, e ainda que o queirão fazer, poderão dizer se por ventura se achão nesta obra questões que são, ou não são heterodoxas? Creio que elles mesmos confessarão a sua incapacidade. Logo para este caso parece-me que será necessario hum Tribunal especial. Não quero que este Tribunal seja para julgar todos os abusos da Liberdade da Imprensa: não digo que este Tribunal substitua os Jurados; mas digo que será necessario talvez que se tenha em consideração esta idea. Seria preciso talvez que no caso proposto se remettesse a accusação a hum Tribunal especial, para que a examinasse; e examinada, e vista a resposta do Réo, passasse tudo ao Juiso Ordinario, para ver se aquelle homem está ou não incurso na pena correspondente áquelle delicto; mas, torno a dizer, que sómente para este caso, e não para outro, he que eu julgo necessario hum Tribunal especial de Liberdade da Imprensa.

O senhor Castello Branco. - Direi as minhas intenções. Eu não reprovei a Ley da Liberdade da Imprensa: conheço que he necessaria; porem esta Ley tem necessariamente dons objectos. Primeiro: providenciar sobre os abusos que podem nascer da Liberdade da Imprensa. Segundo: proteger a mesma Liberdade da imprensa. Em quanto ao primeiro, eu disse: que nós, devemos olhar em primeiro lugar áquelle objecto que temos visto em segundo. Não disse que se não devia fazer Ley para os abusos da Imprensa, o que quiz dizer, e disse com toda a clareza, foi que primeiro deviamos tratar de proteger a Liberdade da Imprensa, e depois de corrigir os abusos. Em quanto ao que disse depois que não ha crimes alguns desses que estejão providenciados nas Leys, he exacto. Que essas Leys não são boas, que são barbaras, tambem conheço; e por isso digo tambem, que a Ley deve acudir a outra parte sobre os abusos da Liberdade da imprensa. Agora, fallando em geral, talvez não seja isto o melhor: talvez que eu julgue que nenhuma Ley devia haver relativamente a essa materia; porem nós estamos tão acostumados a ver que todos os Governos se tem esmerado em pôr embaraços á Liberdade da Imprensa, que insensivelmente olhamos como indispensavel necessidade seguir a mesma marcha. Se os nossos principios, se a nossa instrucção particular nos fizesse olhar que o confiaria he o que deve ser, approvariamos como approvamos a Liberdade da Imprensa? Entretanto abusos inveterados, não deixão de nos fazer impressões que sentimos contra nossa vontade; e dahi vem por consequencia huma certa adhesão que temos a imaginar grandes inconvenientes na absoluta Liberdade da Imprensa. Não he este absolutamante o meu modo de pensar; mas, olhando ás circunstancias, devo conformar-me com o voto geral. Nenhum de nós se lisongea de levar as instituições politicas ao ultimo gráo de perfeição; devemos aproximallas tanto quanto seja possivel; mas entretanto, da perfeição distamos muito. Tempo virá em que os vindouros se rião de que houve huma Ley para prohibir os abusos da Liberdade da Imprensa.

Página 767

[767]

O senhor Fernandes Thomaz. - Os Jurados (julgo necessario fazer esta observação a respeito do voto de hum dos Illustres Preopinantes) os Jurados, em materia de Dogma, ou Religião, não precisão dessa profunda instrucção que se requer, senão de tanta quanta he necessaria para verificar o facto. Elles não julgão se a doutrina está offendida, ou não. Isso pertence aos Bispos, o que já está determinado pelas Bases da Constituição. Por tanto essa difficuldade, a meu ver, não he do muito peso; porque o Jurado como tal, não diz senão se o Réo commetteo ou não aquelle delicto. Devo accrescentar mais, que os Jurados não são homens escolhidos para julgar todos os casos, porque nem ha homens capazes para isso. Neste caso deverá haver Jurados particulares. Na ordem dos Julgados, ha Jurados particulares, pelo menos eu entendo que he da mente do Congresso que os haja: neste caso particular hão de ser escolhidos homens com taes conhecimentos, que sejão capazes de preencher esse fim. Accresce mais, que os Jurados, quando se achão embaraçados no Juizo que hão de dar, por costume são ajudados pelos seus conhecimentos, e por conseguinte não ha duvida nenhuma em que assim se faça, porque isto mesmo em Inglaterra (segundo o que tenho ouvido dizer, que eu nunca lá estive) assim se practica.

O senhor Bispo de Béja. (Não se ouvio - diz o Tachygrapho Marti.)

O senhor Presidente. - Parece-me que os Bispos são os que qualificão se o escripto he ou não contra o Dogma, para elles só lhe imporem as penas espirituaes. A proposta feita ao Congresso he só, se o estabelecimento dos Jurados ha de ter lugar para os abusos da liberdade da Imprensa que não sejão em materia Religiosa? Sobre este ponto he que agora versa a discussão.

O senhor Sousa Magalhães. - Creio que precisa que se faça huma declaração. O Juiso dos Jurados em materia de Religião, qualquer que seja, não he tão pequeno como parece, sabe-se que os Juisos em materias Dogmaticas pertencem aos Bispos, e que ninguem pode revogar esta censura, que elles tem por direito proprio: nem era preciso que as Bases o dissessem. Mas fallo das penas que devem corresponder a estes crimes. Hum homem póde enganar-se, e para evitar estes enganos, que podem ser em prejuiso do que se que for accusado, não sendo julgado com conhecimento, por isso digo, que precisaria de hum Juiso particular. Digo pois que devemos dar aos Cidadãos toda a protecção necessaria, e não deixallos expostos a hum Juiso errado, do qual se lhe podião seguir funestas consequencias; porque, passando do Juiso dos Bispos ao dos Jurados, se estes o julgassem digno da pena temporal, depois da espiritual imposta pelos Bispos, sem terem os dictos Jurados bastante conhecimento na materia, em vez de proteger a liberdade do Cidadão, se lhe causava hum verdadeiro prejuiso.

O senhor Fernandes Thomaz. - Parece-me que o Preopinante está em huma equivocação. Depois de o Bispo declarar que o escripto ataca o Dogma, ou a Moral, não ha Juiso Secular que interponha sua auctoridade: não ha senão huma questão de facto, se o Réo he cumplice ou não. Então que se seguia se houvesse hum Juiso posterior? Que a auctoridade Secular julgava sobre o Juiso do Bispo, e que consequentemente não era elle o verdadeiro qualificador. Huma vez, que o Bispo declarou que o escripto atacou o Dogma, ou a Moral, o Tribunal Secular não tem mais que fazer. Ao Prelado compete fazer esta qualificação; ao Juiso dos Jurados, declarar se he cumplice, e ao Tribunal applicar a Ley.

O senhor Gouvêa Osorio. (Não se ouvio - diz o Tachygrapho.)

O senhor Pereira da Sylva. - A questão de que se trata tem duas partes distinctas: primeira, o estabelecimento dos Jurados para os processos que se houverem de fazer aos que abusarem da Liberdade da Imprensa, nas materias Politicas, ou Civis; segunda, o estabelecimento dos mesmos Jurados para os crimes que se commetterem contra o Dogma, e Moral. Pelo que respeita á primeira parte, vejo que todos se achão conformes na adopção dos Jurados, não cançarei pois o Congresso em repetir o que tão vasta e sabiamente se tem dicto, nem gastarei o tempo em provar a bondade do huma instituição que tanto a theoria como a practica aconselhão, como unica medeia capaz de assegurar, e promover de hum modo constante a liberdade do Cidadão: a theoria, porque he manifesto que só a homens independentes, amoviveis, do igual condição á dos Reos, sem espirito de partido etc. he que se póde entregar sem risco a censura, e classificação dos crimes commettidos pela Liberdade da Imprensa. Fallo agora sómente destes, mas o mesmo se poderia applicar a outros quaesquer processos. A practica em fim mostra incontestavelmente; as vantagens d'este proficuo estabelecimento, porque he quasi a elle só que os inglezes devem toda a sua liberdade Civil. Limitando-me pois á segunda parte da questão, não vejo qual seja a rasão porque neste caso se não hão de tambem admittir os Jurados, como em todos os outros? Hum dos Illustres Preopinantes dá como rasão para a exclusão dos Jurados, nos crimes contra o Dogma, e Moral, que estas materias por sublimes estão fora do alcance, e da esphera dos Jurados. Quanto a mim todos os Senhores que assim opinarão laborão n'hum principio pouco exacto, estão suppondo que estes Jurados hão de ser homens inteiramente hospedes em materias litterarias, quando pelo contrario he de suppôr que elles sejão escolhidos entre os homens mais conhecidos por seus talentos e litteratura. E se elles houverem de ser escolhidos pelos Eleitores de Provincia, como lembrou o Senhor Borges Carneiro, seguir-se-hia então o absurdo de os julgar capazes de eleger os Representantes da Nação, era quem se requerem os mais abastados conhecimentos, e negar-lhes a capacidade de elegerem os Jurados intelligentes e capazes. A meu ver não ha maior contradicção do que admittir os Jurados nas materias Politicas, e prohibillos quando se trata de materias Religiosas. Se a elles se lhes não suppõe bastante discernimento para conhecer aquellas proposições que atacão a nossa Religião, como se lhes concede este em toda a qualidade de materias

Página 768

[768]

scientificas? He portanto o meu voto, quase estabeleção os Jurados, para a classificação dos crimes commettidos pela Liberdade da Imprensa, seja qualquer que for a sua natureza. Se os escriptos forem contra a Dogma, e a Moral, os Bispos poderão censural-os, e impor a seus Auctores as penas espirituaes que julgarem proprias; os Jurados avaliando a influencia que o mesmo escripto póde ter na ardem Civil o classificação na Classe que lhe compete, e o Juiz lhe applicará a pena designada anteriormente pela Ley.

O senhor Presidente. - Proponho ao Congresso para ver se conciliamos alguma cousa, se será bom dividir a questão, e tomar huma decisão sobro se o Processo dos crimes da liberdade de Imprensa se ha de fazer por Jurados, no que não pertence ao Dogma, e Moral, e depois trataremos se o Processo se ha ele fazer pelos mesmos Jurados nos objectos de Moral e Religião.

O senhor Castello Branco. - V. Exa. propõe essa divisão, e eu a não admitto, porque não a julgo necessaria. Propõe-se hum escripto contrario á Religião Catholica Romana, o Bispo he o Juis natural neste caso, por consequencia elle julga que taes, e taes proposições são contrarias ao Dogma. Concedo que a elle só he a quem toca definir o Dogma da Religião, e por consequencia que a elle só toca decidir nesta materia. Então se elle julga o escripto contrario ao Dogma da Religião, impõe por propria auctoridade as penas espirituaes; mas entanto he necessario que a auctoridade Civil por sua parte accrescente as penas Civis. Pergunto eu: deve estar a auctoridade Civil, pelo dicto do Bispo? digo que não. A auctoridade Civil deixa ao Bispo todas as suas faculdades, e não se intromette com a sua auctoridade, espiritual: pela mesma rasão a auctoridade Eccesiastica não deve influir nem intrometter-se nas accuidades da auctoridade Civil. Agora tendo que applicar as penas Civis, a quem se hade commetter isto? Isto não he qualificar o Dogma, mas saber quem foi o verdadeiro réo, e qual pena Civil he a que merece. A quem compete? he preciso que a auctoridade Civil commeta este encargo a alguem. Aquem ha de ser? Ao Tribuna1 da liberdade da Imprensa, que em outras materias não ha de julgar, senão depois do juiso dos Jurados? Isto seria hum obstaculo. Por tanto deve hir aos Jurados. He preciso que fallemos claro; a liberdade de Imprensa ha de ter impugnadores. Não fallo dos ilustres Bispos que occupão as Cadeiras do Reyno; mas entre tanto o Legislador imparcial estende suas vistas a todos os seculos, e desgraçadamente olhando para os seculos passados vejo muitos desses mesmos Bispos, que fazião ver aos povos verde o que era encarnado. Porque não devemos pensar que para o futuro aconteça o mesmo, quando vemos que o Poder Executivo tende sempre a abusar do seu poder, e tapar a boca aos homens que podião communicar a luz? Por ventura os Eccleslasticos são inteiramente isemptos destes pensamentos, desgraçadamente não. Contrahindo-me pois á minha questão, repito que a auctoridade Civil, não tem nada com a auctoridade Ecclesiastica, e que a cada qual deve deixar-se o inteiro exercicio das suas funcções. (Apoyado geralmente.)

O senhor Presidente. - Separemos não obstante, se ao Congresso parecer, o que pertence ao pogma, para poder discutir mais facilmente a materia.

O senhor Serpa Machado. - Parece-me que ainda não se tocou a difficuldade que eu ponderei da incompatibilidade deste Juizo com a existencia do Tribunal estabelecido pelas Bases da Constituição. Havendo hum Tribunal especial para proteger a liberdade da Imprensa, este Tribunal não póde ser senão de qualificação. Quizera pois que se me dissesse, qual he então o objecto dos Jurados; porque, se a estes se lhes concede decidir de tudo, segue-se que o Tribunal especial vem a ser inutil, e se isto se concede ao Tribunal, vem a ser inuteis os Jurados.

O senhor Peçanha. - Persuado-me que se póde conciliar a existencia do Tribunal com a existencia dos Jurados, considerando o dicto Tribunal como.... ( Apoyado por muitos, e estas vozes não deixarão ouvir a comparação de Opinante - diz o Tachygrapho.)

O senhor Borges Carneiro. - O estabelecimento de Jurados não depende em nada de averiguar quaes tem de ser as attribuições desse Tribunal, e poder-se-hia fazer, a meu ver, pelo modo que o senhor Soares Franco propõe no seu Projecto. (Leo o Capitulo das attribuições dos Jurados do Regulamento da Imprensa do senhor Soares Franco.) O Tribunal ha de servir alem disso de hum recurso de appellação; e, considerado por este modo, em nada se oppõe ao estabelecimento de Jurados, e talvez que a sua reunião se verifique muito poucas vezes no anno.

O senhor Sousa Magalhães. - Eu digo que, se os Jurados devião simplesmente julgar sobre si se o subjeito que fazia a obra era ou não criminal, ou se tambem a obra tinha ou não doutrinas que a fizessem criminosa em tal ou tal materia; neste caso, digo eu, que o Tribunal não deve ter essas attribuições, mas outras. Póde acontecer que o Juiso dos Jurados não seja justo em algum caso; ou por ignorancia, ou por suborno, ou por inobservancia das Leys. Neste caso, se o Réo o pudesse provar, se elle mostrasse que não se tinha observado estrictamente a Ley, devia haver hum Tribunal para nomear hum novo Juiso, para formar huma nova Lista de Jurados, para que neste caso de engano conhecido, e de notoria injustiça fizesse constar esta nullidade. Pelo que pertence ao que anteriormente tenho dicto sobre o modo pelo qual quereria que se fizesse a qualificação dos abusos em materias Religiosas, fui desta opinião corna intenção de assegurar a liberdade do Cidadão; porque julguei que certamente se achava desta maneira menos exposta aos prejuisos que lhe poderão causar os involuntarios erros, nascidos de pouco conhecimento nesta materia.

O senhor Gyrão. - Apoyo o voto do senhor Presidente, para que se separem as questões; e apoyo tambem a opinião do Illustre Deputado senhor Castello Branco, por ser conforme aos sentimentos que eu fiz conhecer, quando se propôz este Projecto de Ley do senhor Soares Franco. Eu disse então, que não consentiria que hum Bispo se degradasse da sua

Página 769

[769]

alta dignidade, para vir a ser accusador perante hum Tribunal.

O senhor Presidente. - Não permitto continuar nessa parte a discussão: isso he objecto da segunda questão, que se tratará em lugar separado. Vamos agora sómente pelo que pertence á primeira parte. A ordem assim o reclama.

O senhor Peçanha. - Eu desejaria que o Juiso dos Jurados se estabelecesse, não só para a Liberdade da imprensa, senão para tudo mais, como em Inglaterra.

O senhor Presidente. - Ordem. Vamos á questão. Se parece proporei, ao Congresso (se a materia está bem discutida) se se deverá fazei o Processo por Jurados em todos os crimes de abuso da Liberdade de Imprensa, que não pertenção a Dogma, ou Religião?

O senhor Pereira do Carmo. - Ha outra questão preliminar, e he se se dividirá, ou não a discussão desta materia, como V. Exa. propoz?

Tomárão-se votos sobre dividir a discussão em duas partes: huma se se admittiria ou não o Juiso de Jurados, para fazer o Processo dos crimes de abuso da Liberdade de Imprensa, em tudo o que não for pertencente ao Dogma; e outra se tambem se admittiria o mesmo Juiso para o mesmo fim, nas materias do Dogma, e de Religião? Resolveo-se pela divisão, e julgou-se suficientemente discutida a primeira parte della.

O senhor Presidente. - Proponho se ha de haver Juiso de Jurados em tudo o que não seja materia de Dogma, e de Religião? (Unanimemente se decidio que sim - e proseguio) Está admittida, e aberta a discussão, para se decidir se ha de haver o mesmo Juiso em materias de Dogma.

O senhor Sousa Magalhães. - Eu fui quem suscitei aqui, se se devia fazer alguma differença sobre esta materia, com as idéas de defender a Liberdade do Cidadão, que vi que estava ameaçada, fazendo-a depender absolutamente do proprio modo de julgar. Eu disse que o Bispo tinha já esse direito, e que não precisava, que nas Bases da Constituição se lhe designasse; e que a elle competia graduar, se era, ou não orthodoxa huma doutrina, e impor aquellas penas espirituaes, em que julgava que tinha incorrido, o Auctor de hum escripto, que effectivamente abusava da Liberdade da Imprensa nesta materia. A isto respondeo-se, que o Bispo era o qualificador, e Juiz natural destes escriptos, mas que as suas faculdades não tinhão nada com as faculdades da auctoridade Civil. Eu não disse de nenhuma maneira, que a auctoridade espiritual podia intrometter-se na temporal, nem tambem disse que a auctoridade temporal o fizesse na espiritual: longe de mim tal pensamento. Mas ao mesmo tempo sustento, que a axictor idade Civil deve saber se realmente se abusou da Liberdade de Imprensa naquellas materias, e se está, ou não está no caso de applicar penas civis, além das penas espirituaes. O Legislador deve legislar para o bem da Sociedade, e por consequencia deve ser o protector da Religião do seu Instituto, porque ella concorre para o bem da Sociedade. Nella he preciso castigar aquelles delidos que influem contra o socego do Cidadão, e como as penas espirituaes não tem nos homens tanta influencia como as penas externas; e como a auctoridade espiritual não se deve intrometter na temporal, e na applicação dessas penas, por isso propuz: se no caso em questão seria conveniente remetter o juiso dos abusos pertencentes a matérias de Religião a hum Tribunal especial? Fazendo esta divisão, que eu julgo clarissima, assento que no 1.° caso, para a simples Censura, e para impor as penas espirituaes, o Bispo he o Juiz competente; mas digo que, para qualificar se aquella pessoa que commette hum erro desta classe he perigoso na Sociedade, deve haver huma auctoridade temporal. Eu vejo que o Divino Fundador da Religião Christan conferio a hum homem só esse tão alto direito de julgar; mas eu creio que foi porque o Divino Legislador sabia o que se passa no coração humano, e por conseguinte podia ser applicada justamente essa pena; pois sendo huma pena interna, e que só afflige o coração, de nenhum modo o homem vinha a padecer injustamente; porque se a pena tinha sido applicada com injustiça, o mesmo Auctor da Natureza o absolve, e fica sem effeito, conservando a paz no coração o que se julgava Réo. Mas esta pena he natural, e considerada deste modo, não vem a ter vigor, senão quando he justa. Por consequencia, o Divino Auctor da Religião concedeo aos Bispos estas faculdades, porque sabia que dellas não podião abusar. Outro tanto não podemos dizer, nem nos podemos lisongear das penas temporaes. Se hum Bispo injustamente tachou huma Obra innocente de heterodoxa, de tal sorte que por esta Censura se applicárão penas externas, e se o homem está innocente padeceo, mas já se lhe não póde tirar o seu padecimento. Por consequencia, deve-se fazer com que certas pessoas, que não sejão de maneira nenhuma, nem possão ser suspeitas, e que ao mesmo tempo tenhão conhecimentos sufficientes para se não enganar, formem o Juizo, não para saber-se o erro que se commetteo, senão para saber-se se este erro merece ou não penas temporaes. Parece-me que esta materia está tão esclarecida, que não precisa que eu diga mais sobre ella. Accrescento pois que, sendo necessario que a Auctoridade temporal, interponha o seu juizo, para saber a pena que corresponde áquelle delicto, he necessario saber a quem se hade commetter este encargo. Hade ser a hum Tribunal especial, ou aos Jurados? Eu dizia que não deve ser aos Jurados, porque talvez neste caso se veja em perigo a Liberdade do Cidadão. Nós sabemos que os Portuguezes são inteiramente Religiosos. Sabemos qual he a educação geralmente da Nação, e quaes são geralmente as suas idéas, e receio que se os Jurados forem demasiadamente timoratos, só por ver a Censura do Bispo, applicarão talvez as penas temporaes correspondentes ao delicto, que o Bispo tiver qualificado. Por isso eu não quereria homens de huma consciencia excessivamente timorata , para julgar sobre estas materias, senão homens que não tivessem ignorancia nellas, que julgassem sem preoccupação, e com imparcialidade.

O senhor Borges Carneiro. - O Dogma e a Me-

****

Página 770

[770]

ral he eterno, e immutavel; mas a declaração sobre o que he este Dogma ou não he, ou sobre o que he ou não he esta Moral tem mudado, e ha de mudar. (Nada, nada: ha hum extravio de imaginação = disserão alguns dos senhores Deputados - o Orador proseguio) Eu me explicarei, senhores: considerado o Dogma em geral, a sua definição he invariavel, he immutavel: agora entender-se em hum Paiz, ou Lugar = isto he Dogma, ou isto não he Dogma = ha variado, e variará. Exemplificarei: sempre se respeitou como cousas dogmaticas, algumas pertencentes á Physica, que se achão na Escriptura. Hoje dizem muito bem alguns Canonistas, que não he artigo de fé o que se diz respectivamente a Sansão, e lodo o Paralipomenon (Foi chamado á ordem) Digo pois que he pertencente á Igreja declarar o que he Dogma, e aos homens applicar a pena contra os abusos nesta parte; mas como nestas qualificações póde haver suas duvidas, porque sabemos que tambem tem havido muitas opiniões: por exemplo, todos sabem as muitas questões que tem havido entre os Ultra-Montanos, e os Ultra-Montanos; huns dizião - isto he Dogma = outros dizião = não tendes razão, isso não he Dogma = e como nestas opiniões diversas podião fundar-se as qualificações, podendo alem disso usar-se nellas as divisões da Censura que nos são bem conhecidas, taes como, temerario; erroneo; piarum aurium offensivo, etc.; por isto a Censura dos Bispos deve ser muito respeitada, e devem mesmo cumprir-se as suas penas espirituaes; mas meramente espirituaes, e sem effeito nenhum temporal; pois que algumas excommunhões, ultra-passavão estes limites, e tudo aquillo de = não se dará conta, nem conto, nem moinho, nem caminho = bem se ve que são já penas temporaes: digo pois que a censura dos Bispos deve ser respeitada, mas não ler influencia nos Juizos posteriores para applicação das penas Civis. Para isto eu julgo que os Jurados são os que melhor estarão no caso de saber a pena que corresponde. ( Apoyado.)

O senhor Bispo de Castello Branco. (Não se ouvio, e foi apoyado - diz o Tachygrapho.)

O senhor Pereira da Sylva. - Os Illustres Preopinantes, que acabão de fallar, não se tem encarregado de responder directamente á objecção do senhor João de Sousa, sobre a difficuldade que elle acha, em que sejão os Jurados quem faça a classificação dos escriptos contra o Dogma e a Moral, eu o vou fazer segundo as minhas forças o permittirem. O senhor João de Sousa, reproduzindo as rasões, que antes expuzera da difficulddde que acha, em que os Jurados sejão capazes de conhecer, em materias Religiosas, pertendeo sanar todas as difficuldades, entregando esta censura ao Tribunal de protecção da liberdade de Imprensa: cuja disse ha pouco, e novamente o repito, que toda esta equivocação do Illustre Preopinante nasce de considerar todos os Jurados como homens Ineptos e ignorantes, quando pelo contrario ha toda a rasão para crer, que elles serão escolhidos dos homens mais illustrados e eruditos. Mas, para ver rclaramnente a equivocarão do Illustre Preopinante, examinemos o que succede no processo dos Jurados e comparemo-lo com o que falta esse Tribunal. Supponhamos que hum escripto he denunciado como contrario ao Dogma, ou Moral: chamão-se os Jurados, e na sua presença, o Fiscal por huma parte, o Auctor, ou o seu Advogado pela outra, discutem quanto querem, e como querem a materia de que se trata: qual será pois o Jurado, ainda que dotado de medianos talentos, que depois de ouvir pró e contra, todas as rasões que ha sobre huma qualquer materia, não possa dizer = este escripto offende, ou não offende a Religião? Vejamos agora que mais vantagens tem o Tribunal sobre os Jurados. Os Membros do Tribunal, segundo as Bases da nossa Constituição, devem ser escolhidos indistinctamente, e de todas as Classes; bastará pois que sejão maiores de 25 ou 30 annos, e em exercicio de seus direitos; pergunto pois: quem nos dá a certeza, de que a sua intelligencia será superior a dos Jurados? Se se me diz que podem ser escolhidos entre os mais capazes, respondo: que tambem os Jurados o podem ser, e he natural que o sejão, e que por consequencia vem a estar nas mesmas circunstancias. Accresce a isto, que o Tribunal ha de ser estabelecido naturalmente na Capital, aonde seria necessario que fossem responder todos os accusados, do que se seguirião gravissimos inconvenientes, e viria exactamente a produzir o effeito contrario áquelle que nós pertendemos estabelecer. Pelo que parece-me inadmissivel o voto do Illustre Preopinante, e inteiramente fora de duvida, que aos Jurados unicamente se deve entregar a censura de todos os crimes commettidos pela liberdade da Imprensa.

O senhor Arcebispo da Bahia (começou apoyando o voto do Senhor Castello Branco, e o resto não se póde ouvir - diz o Tachygrapho.)

O senhor Presidente. - Está sanccionado pelas Bases, que o direito de Censura nestas materias pertence aos Bispos. Determinado isto, supponhamos que o Bispo declarou hum Livro contrario ao Dogma, e Religião, e que impõe as penas espirituaes: para imposição das penas Civis depois, sabe-se que averiguar o facto compete aos Jurados. Ao que eu chamo a attenção do Congresso, he se ao depois de declarado este Juizo pelo Bispo, podem dizer os Jurados, se este Juizo, he bom ou não? (Nada, nada - disserão alguns dos senhores Deputados) pois a esta questão he a que eu chamo a discussão dos Senhores que quizerem discorrer.

O senhor Xavier Monteiro. - Debaixo desse mesmo ponto de vista eu vou considerar a questão, e digo que deve o Juizo Secular conhecer do crime sem dependencia alguma do Juizo Ecclesiastico, assim como este conhece sem dependencia do primeiro. Por exemplo, apparece hum escripto que contem maximas contra a Religião, ninguem póde tolher ao Bispo a faculdade de o censurar, e fulminar contra o seu auctor as penas Ecclcsiasticas: assim como ninguem deve embaraçar que este mesmo auctor seja accusado, ao mesmo tempo, por quem tiver isso a seu cargo no Tribunal Secular. E neste caso eu penso que os Jurados podem, e devem ser convocados para tomar conhecimento do facto, sem tomai em consideração a censura Ecclesiastica. Ajunto mais que, se este delicto for contemplado como hum dos mais gra-

Página 771

[771]

ves, deverão ser ampliados ao réo os meios de defesa na marcha do Processo. Em Inglaterra nos crimes ordinarios he permittido ao réo excluir 20 dos 48 Jurados, que lhe são apresentados na lista do Sheriff; porém nos crimes contra o Estado, por isso mesmo que são reputados gravissimos, póde em lugar de 20 excluir 35. Neste segundo caso são-lhe concedidos 10 dias para meditar na exclusão dos Ourados, quando no primeiro apenas lhe he concedido hum. He tambem permittido ao réo nos crimes contra o Estado o nomear dous Advogados, quando nos crimes ordinarios só hum lhe he consentido. He debaixo destes principios generosos, justos, e imparciaes, que nós devemos regular os processos, franqueando sempre ao réo maior numero de meios do defesa, á proporção que for maior, a gravidade do delicto. Devemos practicar a este respeito inteiramente o contrario do que atégora por nós fatalmente se tem practicado. E só por esta maneira poderemos para o futuro rivalizar em liberdade Civil com essa Nação, a qual já no exercicio dos direitos politicos temos excedido.

O senhor Soares Franco. - Ha aqui dous objectos que considerar; hum que já está decidido, e outro que faz o objecto da questão. Que he aos Bispos a quem pertence censurar os escriptos que contem principios contra o Dogma, e Moral, já está decidido, e não fallemos nisso. O caso he, se quando se apresentou hum livro que se disse que atacava o Dogma, ou a Moral, e que foi julgado, e censurado pelo Bispo, se ha de estar pela decisão do dicto Bispo para applicar a pena temporal correspondente áquelle delicto? Não. Portanto ha de haver hum Juizo intermedio. Qual será este Juizo, ou por quem será feito, pelos Jurados, ou por hum Tribunal? He evidente que devem ser os Jurados, porque estes hão de determinar o facto. Deve haver no caso de accusação hum segundo corpo, que possa applicar as penas corporeas, ou afflictivas correspondentes ao crime. Em consequencia digo, que deve haver neste caso hum Juizo de Jurados.

O senhor Peçanha. - Esta questão póde dividir-se em duas considerações. Quem errou manifestando huma doutrina contraria á Igreja, he criminoso com relação á igreja, e com relação ao Estado. A Igreja he independente da auctoridade Civil, e igualmente a auctoridade Civil deve ser independente da Igreja. Assim para julgar este facto, que ainda que não seja mais do que hum, involve dous crimes, he necessario dous Tribunaes. Hum he o dos Bispos; a estes pertence, como já se tem repetido a censura da parte religiosa, e assim está já consignado nas Bases da Constituição. Em quanto á segunda parte, em que he considerado o mesmo crime como perturbador da ordem da sociedade, seu juizo, e seu castigo ninguem o póde tirar da auctoridade Civil. E quaes meios poderá empregar esta melhor que o Juizo dos Jurados para examinar a parte em que se pude achar com comettida a ordem do Estado? Diante delles apparece o corpo do delicto: elles não vão intrometter-se na censura do Bispo, nem julgar se aquella doutrina he heretica ou o não he: vão sómente examinar o gráo de influencia que póde ter para alterar a tranquilidade do Estado. Debaixo deste ponto de vista podem os Jurados tomar conhecimento de hum escripto depois de censurado pelos Bispos, sem que pareça, nem realmente se intromettão na auctoridade daquelles. Em quanto ao modo porque hão de ser eleitos os Jurados, se o hão de ser por Comarcas, isto não vem agora para o caso disto se fallará em seu lugar.

O senhor Gouvêa Osorio. (Não se ouvio - diz o Tachygrapho.)

O senhor Borges Carneiio. - Eu desejo sómente que o illustre Preopinante preste attenção ao que aconteceo em Hespanha, com o Bispo Carranza, o qual publicou seu Cathecismo que foi julgado heretico, e por elle encarcerado 16 annos. No fim deste tempo apresentou o seu Cathecismo ao Concilio Tridentino, que era Ecumenico, em cujo Concilio se decidio que o tal Cathecismo não era heretico. Pergunto agora: qual dos dous Juisos foi bom? O do Bispo que qualificou de heretico o Cathecismo, ou o do Concilio de Trento

O senhor Gouvêa Osorio. - (Quiz tornar a fallar, e foi chamado á ordem.)

O senhor Serpa Machado. - O grande embaraço que eu acho em admittir o Juiso dos Jurados para formar o Processo cios crimes pertencentes aos abusos da liberdade da Imprensa em materias Religiosas, he estabelecer a justa demarcação dos dous Poderes espiritual, e temporal. Talvez vá a dar-se occasião, a passar os limittes dos dous Poderes; porque póde muito bem ser que julguem os Bispos heretica huma doutrina, e que os Jurados a julguem de differente modo. Esta contradicção he a que se perteride salvar, e talvez se sahisse destes embaraços, huma vez que se reservasse para estes crimes as penas espirituaes sómente, sem applicar nenhuma pena temporal; e então não era necessario que os Jurados interpretassem o seu Juiso. Parece-me que era o meio de sahir destas difficuldades; porque, se a pena for proporcionada ao delicto, temos além disso que devia ser muito grande; não proporcionada ao delicto, talvez não seja sufficiente. Por consequencia já temos outra difficuldade no embaraço e o que nos temos de ver, quando a atássemos de impor a pena: e tudo isto se salvava deixando sómente as penas espirituaes.

O senhor Baeta. - A questão tem-se olhado pelo lado espiritual, e pelo temporal de diversas maneiras; mas eu mo conformo particularmente ao modo com que fui considerado por hum dos Illustres Preopinantes, que diz, que o Bispo limitava o seu Juiso a censurar o escripto, e impor as penas espirituaes; e que os Jurados sem intrometter-se neste Juiso, olhavão só á influencia que podia ser contra o Estado a doutrina que no escripto se ensinava, pura neste caso averiguar o facto, e ver a pena que lhe era correspondente. Este me parece o verdadeiro ponto de vista por donde devo olhar-se a questão.

O senhor Ribeiro Saraiva. - Logo que a Auctoridade Ecclesiastica tem pronunciado que algum Impresso contém certa, e designada doutrina opposta ao

Página 772

[772]

Dogma, ou á Moral Christan, condemnando-a como tal, e a pertinacia do seu Auctor, depois de o ouvir, com a imposição das Censuras, e penas espirituaes propostas da jurisdicção da Igreja, salvos ao réo os competentes recursos aos Legitimos Superiores Ecclesiasticos, nada mais tem que fazer a este respeito. E então sómente ao Poder e Auctoridade Civil, compete (além do dever, e direito de protecção inherente á Soberania temporal dos Principes Christãos) examinar o facto, e circunstancias dele, e do Accusado, que podem influir na opinião publica, em prejuízo da segurança, e tranquillidade do Estado, ou dos Cidadãos em particular; a fim de por este exame conhecer e graduar as penas, que pela Ley se devem impor em taes delidos, de sua natureza susceptiveis de muitas e diversas modificações na sua imputação. E nisto consiste a meu ver, a verdadeira linha da demarcação dos dous Poderes, Ecclesiastico e Civil, a este respeito.

O senhor Arcebispo da Bahia (ouvio-se sómente o que vai entre pontos de reticencia - diz o Tachygrapho.) Admittida esta differença entre ataques ao Dogma que possão, e não possão influir contra a tranquillidade do Estado, está coarctada a Auctoridade Episcopal nesta materia..... Cousas que são puramente espirituaes, pouca ou nenhuma influencia podem ter: por consequencia concedida esta differença ataca-se essencialmente a Auctoridadedos Bispos..... O direito de Censura sobre a doutrina deve ficar, qualquer que seja a influencia que tenha ou não este delicto a respeito do Estado; porque senão a um Bispo he privado de censurar a doutrina em quanto não perturba a ordem da sociedade.

O senhor Fernandes Thomaz. - Senhor Presidente, eu acho necessidade dos Jurados mesmo naquella materia pelo modo delicado, e sómente unico, porque a cousa se póde decidir, que foi como o senhor Miranda a apresentou. Os delictos da liberdade da Imprensa podem ser olhados por duas partes: pela Ecclesiastica, ou pela Civil. Em quanto á primeira, as Bases estabelecerão tudo quanto era necessario paia salvar o poder, a auctoridade, e a dignidade da Igreja. O Bispo censura: depois dizem as Bases, que o Governo os ha de auxiliar para applicação das penas temporaes. Daqui em diante não tem nada que fazer a Igreja, já tudo he temporal. Vamos a ver como o senhor Miranda mui engenhosamente diz que esta idéa se devia desinvolver. O Bispo diz: esta doutrina he erronea, he opposta ao Dogma, e á Moral. O Jurado não interpõe o seu juiso; conhece primeiramente se aquelle a quem se accusa como Réo, e he realmente, e tem perpetrado o crime; conhece em segundo lugar (e aqui vai a applicação que póde ter na ordem social) até que ponto aquella doutrina era nociva ao Estado, e tambem em que occasião foi manifestada; se quem a disse estava bebado, se estava zombando, se talvez usou daquella phrase para destruir com ella algum argumento, etc., e então os Jurados interpõe o seu juiso, e mostrão até que ponto a Sociedade se achou offendida, sem todavia se intrometter na censura, nem declarar se o Bispo censurou bem, ou mal. A cousa differe absolutamente. Naquella parte em que ataca, e offende os direitos da Igreja, a Igreja interpõe sua censura, e os Jurados declarão tanto, quanto resulte do facto, até que ponto o Réo offendeo a Ley Civil, e a influencia que esta offensa póde ter na conservação da paz e socego dos mais Cidadãos. (Apoyado)

O senhor Bispo de Beja. (Não se ouvio - diz o Trachygrapho.)

O senhor Pinheiro de Azevedo. - O meu parecer he similhante ao que dei quando se tratou da Liberdade de Imprensa, e talvez reuna as diversas opiniões do Congresso. Se o Escrito tem por objecto principal combater a Religião Catholica, como v. g. o Cathecismo que ha poucos mezes se publicou em Lisboa, ou huma traducção do Systema da Natureza: Se o Escripto tem por fim coromper a Moral Christan, e Civil, como v. g. huma, traducção das Comedias de Grecourt, do Compadre Matheus, e outros similhantes escritos, ou colecção de estampas obscenas, digo que nestes casos em todo o lugar e Juiso dos Jurados; porque doze homens honrados, e de boa rasão, tirados da massa do Povo são para isso muito pertencentes pela grande adhesão á Religião; pelo muito que ingressão na honestidade de suas familias; e porque sem sobejo conhecimento para julgar os sobredictos abusos. Se por em o Escripto não tem por objecto atacar a Religião, e Moral, mas contem incidentemente proporções hereticas, ou temerarias, v. g. hum Livro de Medicina, de Astronomia, de Historia, etc. então não póde ter lugar o Juiso dos Jurados, porque os não julgo com capacidade, e instrucção necessaria para arbitrar e julgar: E assim tem de se fazer huma Ley especial para estes escriptos segundo as Bases da Constituição.

O senhor Bispo de Beja. - (Não se ouvio diz - o Tachygrapho.)

O senhor Borges Carneiro. - O Bispo censura a doutrina, e diz = Esta doutrina he heretica, sendo da sua competencia o impor penas espirituaes. Agora deve haver hum Juiso de Jurados, porque ocaso não he dizer que a Censura não he boa, e até estou porque não corra o livro, depois de ter dicto o Bispe que a sua doutrina não he boa; mas o Juiso dos Jurados ha de ser em quanto á imposição das penas Civis, e temporaes, porque póde hum homem dizer huma heresia pela qual os Jurados talvez não se vejão abrigados a impor penas Civis. Talvez o homem a disse por inadvertencia, e neste caso a mesma forma Evangelica o protege, pois não quer que seta castigado senão o que mostrar obstinação. Muitas cousas se escrevem com menos advertencia, e nem por isso hão de ser dignas de castigo. Aquelle que as escreveo podia muito bem não conhecer o que disse: adverte-se-lhe, mostra-se que disse huma heresia, elle confessa que escreveo com menos advertencia; e por isto deve ser castigado? Não senhor: o seu livro não deve correr, e embora não corra, huma vez que seja prejudicial. Ainda a respeito de correr ou não (não digo este Livro que se mostrou ser prejudicial,

Página 773

[773]

fallo de não deixar correr simplesmente por a censura dos Bispos) ainda neste caso, digo póde haver alguma duvida, e entrar-se n'huma questão que he muito milindrosa. Cincoenta annos ha podia-se ensinar na Universidade de Coimbra, o que se ensina? Não forão condemnadas muitas doutrinas de Rier, e outros Canonistas que agora se ensinão publicamente, e com approvação? Quem dizia no tempo de Gauleo, que a Terra gyrava ao redor do Sol, e que o Sol estava quieto, era preso, e aferrolhado, porque se acha na Escriptura que a voz de Josué Stekit, o Sol parou. Por ventura não demos hoje que tudo isso das Pythonissas, das Bruxas, dos Feiticeiros, dos Pactos com o Diabo, são patranhas? Pois antes não se cria assim. Poder-se-hia dizer antes de agora o que publicamente se ensina do Primado do Papa? Não foi Wanesten condem nado por heretico pelos Papas? Não lemos visto entre os Indices expurgatorios, a Heinecio e outros? E porque tudo isto, talvez pelo Juizo de num Bispo: mas o Juizo de muitos Bispos foi contrario ao de hum só na censura do Cathecismo de Carranza. E que he o que se disse nestes casos? Embora, não seja heretico; mas sapit hoeresin: non sapit hoeresin, mas he piarum aurium offensivo; não he piarum aurium offensivo, mas he escandaloso, não he escandaloso; mas he erroneo; e assim successivamente se achão sempre motivos, e sempre censuras para impedir a livre circulação daquelles livros, que sem ser nada do que dizem, são certamente correctores de muitos abusos, espalhadores da verdade, e por isso piarum aurium offeensivos. Quantas cousas tem julgado hereticas a Curia de Roma? Mas esse tempo acabou: já se não podem lançar cadêas ao entendimento humano. Naquelles Dogmas, como a Trindade de Jesu Christo, e outros, ningnem duvida, nem póde duvidar. Mas (A questão, á questão = disse o Senhor Presidente) A isso vou. Resumo, e digo (proseguio o Orador) que ao Bispo pertence declarar se a doutrina de tal, ou tal escripto he contraria ou não ao Dogma, e applicava penas espirituaes, e meramente espirituaes; porque em quanto ás Civis a Igreja não tem nada com isso. E pelo que pertence a se o Livro deve correr, ou não deve correr sómente pela censura do Bispo, digo, que se não póde prohibir que o Livro corra, como não esteja bem provado, que he certamente prejudicial ao Estado, e aos bons costumes, porque a luz não se póde encadear.

O senhor Peixoto. - Parece-me que todas as opiniões se concentrão n'hum ponto, que he o que tem fixado o senhor Miranda. Os Jurados sómente hão detratar neste caso da influencia que póde ter no Estado o abuso commettido contra a Religião. A Ley ha de graduar a pena segundo esta influencia.

O senhor Miranda. - He necessario fazer huma distinccão entre os Bispos, e os Jurados; os Jurados tem que classificar os delictos de primeira, segunda, terceira ordem etc. segundo se determinar pelo Regulamento; e os Juizes hão de applicar as penas segundo esta classificação. Os Bispos não estão neste caso; porque elles não hão de classificar senão pelas regras que lhes estabelecem os livros Canonicos. O Juiz não póde conformar-se com esta classificação para applicar a pena ao Réo, porque ella não se acha nas que designa o Regulamento da liberdade da Imprensa.

O senhor Moniz. - Estou persuadido de que aos Bispos, ou aliás á Igreja he a quem compete a censura de que se trata. Justissimamente estou persuadido tambem que em quem reside a Soberania existe o direito de castigar o que perturba a tranquillidade publica. Porem supponho que atégora não se tem tocado o verdadeiro nó da questão. Se hum livro, depois de ter sido declarado heretico pelo Bispo, os Jurados dizem que não ataca a Sociedade publica, qual opinião ha de prevalecer? Ha de o livro continuar a correr, ou não? Este he o nó da questão.

O senhor Sousa Magalhães. = Se este he o nó da questão, não precisará a espada de Alexandre para o desatar. Os effeitos da prohibição da obra são meramente temporaes, e cousas temporaes não podem competir senão á auctotidade temporal. Eis-aqui por consequencia a auctoridade de cada hum dos dous Poderes, reclativamente a fazer correr a obra, ou não.

O senhor Moniz. - Eu não pertendo decidir neste objecto: pergunto somente. Nós nas Bases da nossa Constituição temos jurado manter a nossa Religião Catholica Apostolica Romana: a Igreja decidio que tal livro he heretico: deixaremos nós correr aquelle livro?

O senhor Abbade de Medroes. - Para desfazer a duvida do Preopinante entendo que podia ser assim. Depois de declarar o Bispo a doutrina do Livro, os Jurados não tratavão mais do que de ver se era subversivo da ordem publica: se o era, applicar ao auctor as penas Civis, e senão que ficasse sómente o Livro prohibido de circular. Beste modo não se tirava á censura do Bispo nada do seu decoro, e entanto o auctor podia pedir hum Concilio Nacional, ou Provincial, para que se conhecesse se a doutrina do seu Livro era verdadeiramente erronea, ou não. Agora depois que o Bispo diz que era erronea, permittir que o Livro corra, eu creio que não deve ser.

O senhor Castello Branco. - Farei a distinccão entre o Juiso da Igreja, e o do Bispo. O Juiso da Igreja presentado em Concilio hei nfallivel, e por consequencia a auctoridade Civil tem obrigação de sustentar os Juisos da Igreja; porque he da sua obrigação sustentar a Religião Catholica Romana, que he a que a Nação jurou. Por consequencia a respeito das decisões da Igreja não pocenios entrar em questão. O Juiso do Bispo he fallive em toda a materia. Torno á questão. Vejo que o que faz a difficuldade da decisão desta materia he hum nimio escrupulo que ha em conceder aos Jurados influencia alguma sobre o Juiso dos Bispos em materias Religiosas: e todas as vezes que nós queiramos com esta nimia escrupolosidade dividir exactamente os limites do Sacerdocio, e do Imperio, pertendemos realmente huma cousa imaginaria, huma chymera. A Igreja existe na sociedade, por consequecia a Igreja não pode deixar de ter na sociedade huma influencia immediata. Compete ao Bispo interpor o seu Juiso, sobre as materias de Dogma, e Moral; ninguem o póde duvidar. Com-

*****

Página 774

[774]

pete-lhe, quando elle julga que os escrupulos são criminosos, impor as penas espirituaes; mas estas penas, espirituaes que sejão, deixão de ter por ventura huma iminencia immediata na parte temporal? Hum homem a quem se impõe huma pena de excommunhão, que he meramente espiritual, e Ecclesiastica, quando se deduz aos termos da Jurisdicção da Igreja; pela idea que se aggrega a esta pena, (idea geral em cuja legitimidade eu não entro) deixa de padecer Civilmente, ao menos na estimação de seus Concidadãos? Não certamente: e neste caso, sendo o Bispo fallivel como outros homens, deveremos negar ao Cidadão que se julga castigado injustamente o recurso que tem á auctoridade Civil? Nossas actuaes Leys não estabelecem o tal recurso nesta materia? Não impedem á autoridade Ecclesiastica, dar a pena de excommunhão arbitrariamente, por ver a influencia que tem na ordem Civil? Seguramente ninguem negará que tem o recurso no Juiso da Coroa. E neste caso esse Tribunal não deve entrar na discussão das materias Ecclesiasticas? Como ha de julgar se a pena foi dura ou mal imposta, sem entrar no conhecimento da rasão porque se impoz? E por ventura, diremos que isto he injusto, e arbitrario, que isto ataca o Bispo? Não certamente. Desgraçada a sociedade em que se deixasse a hum Bispo, ou a outro qualquer a liberdade de opprimir seus concidadãos. Elle póde ter paixão como os outros homens. Agora a respeito dos Jurados, que escrupulo podemos ter em deixar-lhes hum leve conhecimento nesta materia? Podemos acaso temer que estes Jurados se declarem a favor do réo? Não certamente: muito mal escolhidos serão os Jurados, se nós podemos imaginar tal transtorno. Já se tem dicto que elles hão de ser tirados do melhor da Sociedade, dentre os Proprietarios, dos bons Pays de familias. Quem será mais interessado que elles em sustentar a boa ordem da Sociedade? Esta boa ordem he a favor da Religião. Por ventura os Jurados são hum homem só? E doze ou vinte homens escolhidos com todo o cuidado podem ser pela maior parte libertinos he preciso que nós façamos melhor Juiso desses mesmos Jurados, já que são escolhidos pela Nação. He necessario que se lhes dê toda a inviolabilidade é respeito possivel. Os Jurados contribuem pela maior parte a sustentar a liberdade Ingleza, e porque? Pelo respeito que se tem ao juiso, e pela inviolabilidade que as Leys e a Nação lhes dão. Sendo por consequencia impossivel dividir totalmente os limites do Sacerdocio e do Imperio; não se devendo deixar opprimir impunemente o Cidadão; tendo mesmo em nossas Leys actuaes recurso para este caso no Juiso da Coroa; acho que os Jurados devem interpor o seu juiso, conhecendo mesmo da doutrina, quando não se puder desligar do que diz relação á Sociedade Civil. Isto não ataca os direitos do Episcopado, que vejo deffender nimiamente. O Bispo tem o direito de impôr as penas espirituaes. Se aquelle a quem se impoz, se aquelle que foi censurado injustamente se julga aggravado, nós não devemos alterar as disposições do Codigo actual. Se nós não devemos deixar este recurso ao Juiso da Coroa, que não existirá regularmente na nova ordem de cousas, devemos deixallo a outro. Neste caso os Jurados, de cuja fé não podemos duvidar, he o melhor a quem se póde encarregar. O Bispo cumpra o seu dever, e conserve cada auctoridade suas attribuições. (Apoyado, Apoyado).

O senhor Soares franco. - A questão he, se deve ou não haver Jurados em materias Religiosas. Era quanto ás Civis todos estão de accordo, e isto já está vencido. Agora dizer que os Jurados devão julgar dos crimes e a materias Religiosas, isto he contra as Bases da Constituição que já jurámos, e não póde ser. Mas pelo que pertence a se o Auctor do escripto ha de ser Julgado pela parte em que seja criminoso com respeito á Sociedade, não tem duvida que isto deve pertencer aos Jurados; e em quanto a se deve correr ou não o Livro depois de censurado pelo Bispo, isto não he de agora: pelo que, julgo que a matéria está bastante esclarecida.

O senhor Margiochi. - Soa inteiramente de opinião do senhor Castello Branco, a qual me parece conforme com o Evangelho, e me levanto só para accrescentar que apoyo a opinião do senhor Monteiro, que não deve haver intervenção nenhuma noJuizo Ecclesiastico, e Civil, respectivamente hum ao outro. Tem-se citado huma auctoridade legal de hum dos Illustres Canonistas a respeito dos Bispos, no tempo de Arriano: não duvidamos que os Bispos possão condemnar todas as heresias; mas esse exemplo não foi trazido para provar tal cousa, senão para unir o poder Civil ao poder Ecclesiastico. E que aconteceo daquella coligação? Que o Imperador que então existia, sendo aliás tão bom quanto o pode ser hum Imperador, escreveo com isso seu nome no Catalogo da infamia: por tanto similhante exemplo não se deveria ter citado no Seculo 19, nem na Nação Portugueza.

Votos votos = disserão alguns dos senhores Deputados.

O senhor Presidente perguntou se estava a matéria suficientemente discutida? E decidio-se que sim.

Fez-se chamada nominal, e achou-se faltarem os senhores = Povoas - Figueiredo -Brotero - Barroso - Braancamp - Guerreiro, e achárão-se 91 Deputados presentes, e 3 que faltarão - Ferreira Borges - Isidoro José dos Santos = e estarem presentes 91 dos senhores Deputados.

O senhor Presidente perguntou, se para processar e julgar os abusos da Liberdade de Imprensa nas materias de Dogma, e Moral devia haver Jurados? E decidio-se que sim por 86 votos contra 5.

O senhor Sarmento. Nunca me desenganei melhor do que hoje, que o Diario da Regencia não he Diario da Regencia, e sim Diario dos Officiaes da Secretaria; mas se nelle hão de apparecer com tão pouca exactidão as Sessões das Cortes, não as ponhão. Neste numero (mostrando hum que tinha na mão) me apropria cousas que eu nunca disse.

O senhor Presidente. - Sabe-se, ou deve-se saber que o tal Periodico não he Official, e por tenta não he mais digno de fé que outro qualquer Periodico particular, como elle he.

O senhor Alves do Rio pedio que a Commissão

Página 775

[775]

Ecclesiastica apresentasse quanto antes o Decreto sobre a contribuição Ecclesiastica, e

O senhor Rebello, por parte da mesma Commissão, deo conta de estar prompto o Decreto, faltando-lhe não mais que a assignatura dos Membros que a compõe.

Determinou-se para Ordem do dia a continuação do debate ácerca do estabelecimento dos Jurados.

Levantou o senhor Presidente a Sessão às duas horas da tarde, - Agostinho de Mendonça Falcão, Secretario.

AVISOS.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, considerando a necessidade de economizar as Rendas Publicas, Ordenão que se não continue a prestação annual, que pelo Thesouro Publico Nacional até agora se tem applicado para a sustentação dos Religiosos de Santa Maria da Arrabida, conventuaes em Mafra: e que a Regencia do Reyno fique plenamente auctorizada para empregar aquelles meios, que julgar mais convenientes sobre a conservação e reparo do Palacio, e Convento de Mafra; bem como sobre a administração da sua Tapada, sem embargo de quaesquer Leys, e Ordens a este respeito: O que V. Exa. fará presente na Regencia do Reyno para sua entelligencia, e execução.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes, em 2 de Mayo de 1821. = João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Tomando em consideração o Conta inclusa da Camera de Leiria sobre o misero abandono em que se achão os expostos daquelle districto por falta de subsistencia; Conformando-se com o parecer da Commissão de Saude Publica constante da Copia junta: Ordenão, que do Cofre das Sizas daquella Cidade se empreste já e provisoriamente á Camera a quantia de seiscentos mil réis para tão justa, como urgente applicação; e que o Provedor da Comarca informe immediatamente do numero, e rendimentos das Confiarias, e Misericordia da Cidade e Termo. O que V. Exa. fará presente na Regencia do Reyno, para que assim se execute.

Deos guarde a V . Exa. Paço das Cortes em 2 de Mayo de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Ill.mo e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Ordenão que, desta data em diante, se entenda probibido o provimento de quaesquer Beneficios Ecclesiasticos, que não forem Curas de Almas. O que V. Exa. fará presente na Regencia do Reyno, para que se execute. Deos Guarde a V. Exa. Paço das Cortes em de Mayo de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, sendo-lhes representado que o Provincial dos Capuchos da Provincia da Piedade tem ultimamente admittido Noviços em manifesta contravenção da Ordem de 21 de Março proximo passado, e até do qual este respeito já se havia disposto por Portaria da Junta Provisional do Governo Supremo: Ordenão que a Regencia do Reyno mande logo proceder as informações necessarias e para que á vista destas se dêem, sem perda de tempo, as previdencias competentes: O que V. Exa. fara pressente na Regencia do Reyno, para que assim, se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 2 de Maio de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Mandão remetter á Regencia do Reyno a inclusa Representação dos moradores de Villa Real, para que em ampliação da Ordem de 12 de Abril ultimo, se remetia a este Soberano Congresso informação das custas e sallarios que se percebem naquelle Termo, relativamente ás condemnações da Camera, de que tratava a mencionada Ordem. O que V. Exa. fará presente na Regencia do Reyno para que assim se execute.

Deos Guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 2 de Mayo de 1821. - João Baptista Felgueiras.

OFFICIOS.

Illmo. e Exmo. Senhor - Dando cumprimento ao Aviso das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza em data de 11 de Abril próximo passado, a Regencia do Reyno em Nome de ElRey o Senhor D. João VI. me Determina communique a V. Exa. para ser presente ao Soberano Congresso, a Patente do Coronel graduado Joaquim Ignacio da Sylva, era, a qual se mostra que ele na occasião de ser promovido, he a atado por Tenente Coronel do Corpo da Brigada Real da Marinha destacado em Lisboa, sem outra, alguma restricção; accrescendo que na formatura do mencionado Corpo, se acha em o Estado Maior hum só Tenente Coronel, para cujo exercicio foi esco-

Página 776

[776]

lhido o supra mencionado: vindo por consequencia a ficarem todos os demais Officiaes de igual Patente, assim como os que posteriormente viessem do Rio de Janeiro, aggregados ao Corpo referido. Forão estes os titulos, pelos quaes a Regencia do Reyno houve por bem conceder ao dito Coronel graduado Joaquim Ignacio da Sylva o Commando interino da Brigada da Marinha em Lisboa, durante os impedimentos do seu Brigadeiro, e com preferencia aos Officiaes aggregados como expressamente se vê no Alvará de 2 de Janeiro de 1807, paragrafo 1.°, e 6.º

Deos guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em o 1.° de Mayo de 1821. - Illmo. e Exmo. Senhor Hermano José Braamcamp do Sobral - Francisco Maximiliano de Sousa.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×