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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

Num. 74.

Lisboa, 9 de Maio de 1821.

SESSÃO DO DIA 8 DE MAIO.

Leo-se e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

O senhor Secretario Felgueiras deo conta de - Hum Officio do Ministro Secretario de Estado dos Negocios da Marinha, outra vez representando ao Soberano Congresso os males provenientes da existencia do Conselho do Almirantado, e da Junta da Fazenda da Marinha, com varios documentos justificativos: e foi remettido á Commissão Especial de Marimba, para se unir ao Projecto do mesmo Ministro, já remettido áquella Commissão. - Outro do Ministro Secretario d'Estado dos Negocios da Guerra, enviando o Requerimento de Antonio Manoel da Sylva Vieira Broa, e Antonio Maria Pereira de Macedo, Soldados do Regimento d'Infanteria N.° 3, que pertendem ser promovidos a Porta-Bandeiras, não obstante não serem reconhecidos Cadetes, com as respectivas informações: e foi remettido á Commissão Militar.

O mesmo senhor Secretario apresentou as Cartas de felicitação e prestação de homenagem ás Cortes das Cameras de - Aldeã Gallega do Riba-Téjo - Serpa - Santa Martha - Lousan, Comarca de Coimbra - Oliveira do Bairro - Goujoim - Unhão, Comarca de Penafiel - e Outeiro - de Antonio de Albuquerque do Amaral, Coronel do Regimento de Milicias de Visco, per si e em nome dos Officiaes do seu Regimento - do Cabido de Braga, das quaes se mandou fazer honrosa menção = E do Ajudante General, Manoel de Brito Mosinho - do Capitão Mor de Guimarães, Domingos Cardoso de Macedo - do Corregedor e Provedor de Braga, Bartholomeo da Costa Lobo - e de Joaquim Antonio Clementino Maciel, Capitão do Regimento de Milicias da Covilhan, que forão ouvidas com agrado - remettendo-se a deste ultimo á Regencia para mandar tomar as devidas verbas, no respectivo ao offerecimento dos Vales e Cedulas que lhe ficarão pertencendo por fallecimento de seu Pay.

O mesmo senhor Secretario dêo tambem conta de hum Requerimento dos Estudantes do Coimbra, pedindo dispensa de Acto, e foi, remettido á Commissão de Instrucção Publica - E de huma Participação do senhor Deputado Antonio Pereira, pedindo, para tratar da sua saude, licença, que lhe foi concedida.

O senhor Affonso Freire apresentou huma Representação da Camera e Povo de Outeiro, pedindo ser alliviado dos males que pesão sobre elle, e foi remettida á Commissão de Fazenda - E huma Memoria do Professor de Grammatica, o P. Domingos Manoel Fernandes, sobre o máo estado da repartição literaria de Miranda; e foi remettida á Commissão de Instrucção Publica.

O senhor Bastos notou que no impresso da seu Projecto, hontem distribuido, havia duas essenciaes alterações que invertido o sentido; requerendo que outra vez fosse impresso conforme ao original; e que para o diante todo o impresso, antes, de distribuir-se seja presente a seu Auctor. Foi geralmente approvado.

O senhor Bettencourt. - Ha dias a esta parte corria em Lisboa a noticia de que hum exercito de duzentos mil Russos marchavão sobre Hespanha, e que a França de bom grado lhe dava passagem. Esta noticia assustou a muitos, mas a mim nunca me assustou. Entretanto hum Deputado da Camera em Paris, em Sessão de 17 de Abril, Mr. Girardin, procurou occasião de perguntar ao Ministro Pasquier, se era certo, como divulgavão os malevolos, que as Altas Potencias tinhão pedido ao Ministerio Francês passagem ás suas tropas por aquelle Reyno? ao que o Ministro respondeo Não tenhais medo; similhantes receios não devem entrar na cabeça de pessoa alguma, porque são chymericos, e não tem fundamen-

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to algum; por quanto a França nunca consentiria que por ella passasse hum exercito estrangeiro "Não acontece porem assim a respeito de outro maior exercito, cuja vanguarda existe já no Porto de Lisboa. Em 3 dias e meio enfiarão neste Porto 72 navios carregados de generos cereaes de todas as qualidades: e para que para que lendo nós a certeza de termos pão até ao fim de Dezembro, não entrando ainda em conta a colheita deste anno, venha a nossa Agricultura ao ultimo estado de miseria, e de desgraça. E que tenhamos hum inimigo cuja vanguarda já existe no nosso Porto, hum inimigo tão cruel que vai a perder-nos de todo, e que não tenha havido providencias sobre este objecto! Eis-aqui para que eu chamo a attenção deste Soberano Congresso. Não he o bem particular que move o meu discurso, he o zelo do bem publico, he o bem da minha Patria que suscita esta effervescencia em que me vedes agitado. Proponho pois que se auctorize a Regencia do Reyno para determinar que se de entrada por deposito aos generos cereaes agora chegados, e que possão seus donos sahir com elles como, e quando quizerem. (Lêo o Informe da Commissão do Terreiro acerca dos generos Cereaes, e proseguio) Estas são as unicas armas, com que se poderá vencer hum tal inimigo, é tão terrivel. Hontem estive com o Comprador do Commissariado, Sebastião José de Carvalho, e este me disse, que ha 4 ou 5 dias a esta parte se via perseguido pelos Commissarios para comprarem o trigo que ha pouco havia entrado. Isto porem tudo, Senhores, he em prejuiso da Agricultura, porque o pão Nacional não se vende, não tem preço, nem valor, e acolheita está proxima. Isto he em prejuiso da saude publica, porque os Trigos que vem de fora são de má qualidade, vem já rejeitados de Inglaterra, e de outras partes, e vem podres. Isto merece a contemplação deste Augusto e Soberano Congresso, e he digno da maior attenção. Eu a reclamo, Senhores. (Foi geralmente apoyado.)

O senhor Soares Franco. - Esta mesma noticia tinha constado em Lisboa, que desde 18 de Abril até 5 de Mayo tinhão entrado 70 Navios de Trigo; e tendo-me eu reunido com os senhores Gyrão, e Peçanha, tinhamos assentado em fazer huma moção similhante á que acaba de fazer o senhor Bettencourt, e estimo agora muito que elle a faça, ainda que o Poder Executivo, segundo nos consta, tinha assentado em tomar estas providencias.

O senhor Bettencourt. - Hontem ás 11 horas da noite estive eu com hum dos Membros da Commissão do Terreiro, estando presente o senhor Deputado Freire, e elle me disse que tinha representado á Regencia, e que nada atégora se tinha feito. Eu não sei o que isto seja. Ha tantos dias que se passou o Decreto dos Cereaes, e elle inda não sahio. A Agricultura tem contra si huma Magia que se pode penetrar.

O senhor Freire. - Eu não sei o que he isto de Chancellaria, mas sei que, sahindo hum Decreto, passados oito dias me dizem está na Chancellaria. Por tanto eu peço a abolição da Chancellaria, ou que haja Chancellaria todos os dias, e todas as horas se for preciso. O Decreto dos Cereaes sahio a 18 de Abril, já são 8 de Mayo, e ainda não apparece tal Decreto. Decretos taes não se devem demorar nem 18 minutos.

O senhor Borges Carneiro. - Peço que se insinue á Regencia que commetta os Cargos Publicos a homens que estejão nas circunstancias de os servir. Nenhum homem de 80, ou 90 annos póde servir n'hum Cargo Publico. O Chanceller Mór do Reyno está nestas circunstancias, não póde servir hum Emprego de tanta consideração com outros que tem. Peço pois que se separem os Officios Publicos. Proponho tambem que os Decretos se mandem publicar no Diario da Regencia.

O senhor Presidente. - O primeiro objecto he a moção do senhor Bettencourt: se se deve mandar Ordem á Regencia nos termos que elle propoz?

O senhor Brito. - A moção inda se não imprimio, nem examinou; por isso parece que deve primeiro seguir a ordem das mais moções.

O senhor Bettencourt. - Deo-se por muito urgente este Decreto dos Cereaes, porque se vio a necessidade absoluta de acudir á Agricultura, e prohibir a entrada destes deneros, vista a certeza que havia de termos pão bastante para este anno: porem os inimigos da Nação e da liberdade não querem de modo nenhum que a Nação Portugueza seja restaurada, e desde Março que se principiou a trabalhar neste Decreto, e elle ainda não apparece publicado; e entretanto todo este exercito de morte e peste vai entrando para dentro do Reyno, e nos ameaça huma grande ruina. Não posso admittir delongas em objectos em que interesse a Nação.

O senhor (não vinha o nome.) - Lembrou que esta não era a Ordem do dia, que erão objectos de Fazenda, e a Liberdade de Imprensa.

O senhor Castello Branco. - A Liberdade da Imprensa não he tão util, quanto he prejudicial a liberdade do Pão Estrangeiro: muito embora se transtorne a Ordem do dia, isto está primeiro que tudo, discuta-se cata materia inda que seja precisa toda a Sessão de hoje.

O senhor Borges Carneiro, instou pela sua moção de se mandar publicar no Diario da Regencia.

O senhor Soares Franco. - Póde publicar-se, mas se obriga logo, he o ponto essencial da questão?

O senhor Macedo. - A povo a moção do senhor Borges Carneiro. O Diario da Regencia he hum dos Diarios que andão mais pelas mãos de todos, he o meio mais facil de chegar á noticia de todos as determinações das Cortes; e até posso informar ao Augusto Congresso, que muitos habitantes do Reyno tem escripto a differentes pessoas, lembrando esta mesma idéa do senhor Borges Carneiro.

Decidio-se por 50 votos que não se tomasse hoje accordo sobre esta materia, por merecer maior exame e consideração, e não pertencer á Ordem do dia.

O senhor Castello Branco. - A Ley está feita, seja qualquer que for a demora que tenha havido para a sua publicação; mas he preciso tratar de provi-

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dencias que a facão executar logo. Já que se trata de fazer huma recommendação á Regencia sobre isto, eu vou a fallar sobre esta materia. Diz o senhor Bettencourt que se não deve tolher aos Carregadores de Trigo Estrangeiro o poder levar para fora. (O senhor Presidente interrompeo - Essa questão está decidida por huma pluralidade absoluta - O Orador proseguio) Eu não fallo se está bem ou mal decidida, refiro isto para dahi se tirar alguma cousa para o que vou a dizer. Huma vez que se facilita a sahida, penso que se dificultará a venda, e difficultar-se-ha nos termos da Ley: assento que para isso ha providencias, para que no Terreiro não se venda mais que huma terça parte do Trigo Estrangeiro sobre as duas torças partes de Trigo Nacional. Creio que a Regencia tem posto em practica isto mesmo, mas estou costumado a ver entre nos Leys, e Ordens só em palavras, e receio muito que a Ley se não execute, isto he huma attribuição da Regencia, ella tem muito bons principios, entretanto deve-se recommendar que o faça, na incerteza se o tem feito em todos os termos possiveis; mas deve-se recommendar que tenha a maior vigilancia sobre a fraude, priguiça e defeitos dos Empregados, que faça effectivas as suas Ordens, e que os remova, e castigue immediatamente, sobre isto he que eu insisto.

O senhor Margiochi. - Essa providencia já foi adoptada por este Congresso, o que he preciso he fazer-se mais efficaz. Já em outra occasião lembrei aos Membros da Commissão d'Agricultura que era preciso fechar estes Celleiros que ha á roda de Lisboa, porque dão azos ao Contrabando.

O senhor Presidente. - Proponho a moção do senhor Borges Carneiro telativamente á Chancellaria, porque a outra está decidida. Se ha de insinuar-se á Regencia, que e breve o expediente da Chancellaria! Ha só duas vezes na semana Chancellaria, creio que havendo tres, ou quatro vezes estará tudo remediado. O senhor Fernandes Thomaz. - A respeito da publicação dos Decretos parece-me que se póde combinar a Legislação antiga, e moderna, e conseguir-se a promptidão necessaria, e vem a ser: que se revogue a Ordenação, se he necessario, a respeito dos Decretos das Cortes: que estes assignados vão para a Regencia, que ella mande fazer, a publicação, nos Diarios da Regencia, e desde então, se de por publicado o Decreto, e sabido pela Nação, e principie a obrigar 8 dias, ou 6 depois de publicado; porque ainda que haja Terras que não leão o Diario da Regencia, ha muitas que o lêem, e por certo, por imperfeita que seja a sua publicação, sempre he mais perfeita do que a que se fazia antigamente.

O senhor Borges Carneiro. - Sou da opinião do senhor Fernandes Thomaz, que a publicação se faça no Diario da Regencia: 15 dias será bastante para se saber em todo o Reyno, e 8 dias será bastante para Lisboa.

O senhor Ribeiro Telles. - Quando os Decretos devião ser mandados para as Provindas determinou-se, que elles fossem gratuitamente remettidos. Seguio-se daqui o ser remettido só hum ao Corregedor da Comarca: este manda copiar pelo Escrivão os exemplares necessarios para cada Comarca, e por consequencia difficulta-se o expediente. Por tanto requeiro que estes Decretos remettidos á Regencia continuem a expedir-se na fórma antiga. = O Decreto determina isso -disserão alguns senhores Deputados = Mas não se practica - replicou o Orador - Pois então practique-se.

O senhor Castello Branco Manoel. - A respeito da Ilha da Madeira requeiro, que, logo que se publicarem os Decretos, e Leys, a Regencia os faça expedir pelo primeiro Navio.

O senhor Sarmento. - Eu requeiro mais alguma cousa. Creio que nas differentes estações de Lisboa não se sabe o numero de Conselhos que ha no Reyno. Eu fui Ministro, mandavão-se-me para repartir pela Comarca menos exemplares de Leys, do que erão as Villas: parece que nessas repartições sómente se sabe de Portugal o que vai de Lisboa á ponte de Sacavem.

O senhor Presidente. - O que tenho a propor he o systema que se deve observar na Chancellaria?

O senhor Camelo Fortes. = Parecia-me que este objecto da reforma da Chancellaria merecia mais vagar; e por agora bastava a providencia de se fazer o expediente o mais breve possivel.

O senhor Soares Franco. - Recommende-se á Regencia que abra a Chancellaria todos os dias, ou quatro vezes na Semana: não sei que seja necessario já abolida de todo.

O senhor Bastos. - Eu ao contrario sou da opinião do senhor Fernandes Thomaz. Tem mostrado a experiencia que a Chancellaria he inutil, e o mais he que he prejudicial.

O senhor Sarmento. - Sou de opinião que se continuem a publicar as Leys pela Chancellaria, mas que haja todos os dias esta Chancellaria.

O senhor Margiochi. - No Diario de hontem da Regencia aconteceo o que deve ser: vem o Decreto para a amortização, sem ter passado pela Chancellaria, e de certo fica tendo força de Ley. Entre os nossos visinhos Hespanhoes vem publicadas as Leys sem terem passado pela Chancellaria: para que he preciso estas antigualhas?

O senhor Presidente. - Como alguns dos senhores Deputados pagão muito respeito á Chancellaria, parecia-me que se propuzesse á votação o haver dous, tres, ou quatro dias Chancellaria para os Decretos, e que a outra moção do senhor Fernandes Thomaz fizesse objecto de Decreto á parte.

O senhor Monteiro. - He muito natural, se se propuzer ao Congresso, que haja mais dous dias de Chanceliaria na Semana, que se vote que sim; mas vem logo hum Requerimento dos Empregados da Chancellaria, que pede que se lhe augmente o Ordenado, porque se lhe augmentou o trabalho. Ha muitos Alvarás ou Decretos com esta clausula. Este Alvará valha, como se passasse pela Chanceliaria. Entre tanto elle obrigava a todos, apesar de ser feito ás escondidas por hum Secretario d'Estado. Agora pelo contrario sudo he publico: logo que se apresenta hum Projecto de Ley, todos sabem de que se vai a tratar; e mesmo antes que a Ley passe, todos estão mais certos na sua doutrina do que se estava ante-

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na doutrina das Leys antigas, ainda depois da sua publicação Logo que se propõe hum Projecto de Ley, he publicado nos Diarios: logo que he approvado, torna a ser publicado, e por consequencia de nada serve, a publicação da Chancellaria. Não devemos portanto augmentar o trabalho, e a despesa desta inutil repartição.

O senhor Borges Carneiro. - As Leys começarão a hir á Chancellaria, e a Chancellaria tihha o direito de as gozar, que hoje não ha: parece-me muito bem que, depois de ficarem aqui registadas, como ficão, hum Official da Secretaria d'Estado dos Negocios do Reyno seja encarregado de remetter os exemplares impressos a todos os lugares, isto he, que os Juizes devem receber da Imprensa o numero de exemplares proporcionado a todos os lugares da repartição. Deve haver hum Official na Secretaria que caleja encarregado disto, e este deve ser encarregado de remetter para a Torre do Tombo o Original daquelle mesmo Decreto. He necessario tambem mandar suspender os Officiaes da Chancellaria, porque tendo-se-lhe mandado remetter a todos os Ministros, os mandárão só aos Corregedores; e quereria tambem que se recommendasse a todos os Juizes de Fora, que hajão de ter hum Bulletim no seu Cartorio e Camera, onde aquelles Decretos todos se vão registando, rubricando as folhas; porque tem acontecido o terem-se remettido exemplares para as Terras, e os Ministros não acharem lá nenhuns.

O senhor Presidente. - Proponho á votação se ficão dispensadas da publicação da Chancellaria as Leys e Decretos?

O senhor Alves do Rio. - Acho isto muito de repente: nós vamos allerar a Ordenação do Reyno, huma Ley feita ha tantos annos e com madureza, e vamos acabar com ella de repente.

O senhor Borges Carneiro. - Estas moções verbaes, e decididas logo são talvez as melhores: a maior parte das cousas que se achão na Ordenação do Reyno não são boas, são Leys oppostas ao espirito constitucional: tudo quanto he sobre penas, he sem duvida barbaro.

O senhor Macedo. - Parece-me ter rasão o senhor Rio, que hum objecto de tanta importancia não he para se decidir em hum momento.

O senhor Sousa de Magalhães. - Todos os dias temos aqui estas moções verbaes, e querem-se decidir sem exame, sem discussão: eu peço a este Augusto Congresso que não decida cousa alguma sem que primeiramente haja discussão, e exame sobre ella.

O senhor Presidente. - Os que forem de opinião que se reserve para outro dia esta discussão levantem-se.

O senhor Borges Caneiro. - Fique muito embora, mas não deve ser huma reserva indefinida. Peço que o Ministro dos Negocios do Reyno venha a este Congresso, que de a rasão porque a Regencia não tem suspendido os Officiaes da Chancellaria, por não terem mandado os exemplares de todas as Leys e Decretos a todos os lugares do Reyno, mas só aos Corregedores. Tambem peço que o Ministro dos Negocios do Reyno de rasão porque está na Chancellaria na hum homem carregado de tantos annos servindo aquelle lugar. Pela repartição dos Negocios do Reyno não me consta que a Administração da Justiça tenha impulso: as queixas contra os Ministros andão pelo mesmo modo: ainda ha pouco o Juiz de Fóra da Alfandega da Fé teve hum homem fechado em huma casa a ponto de ser morto: veio queixar-se, e disse-lhe o Ministro dos Negócios do Reyno: Desista, disso, homem, desista disso. A administração da Justiça não está no pé em que deve estar.

O senhor Pereira do Carmo. - Creio que por accusações vagas não se deve mandar chamar o Ministro, mas só por factos incontestaveis.

O senhor Xavier Monteiro. - Chamar hum Ministro para responder á Assemblea por
Accusações insignificantes não me parece bem, não he este o modo de tomar informações sobre assumptos desta natureza. Os Ministros só devem ser chamados para responder em casos graves. De outra maneira mal saberemos conservar a dignidade do Congresso, e o respeito ao Poder Executivo. Demais, devemos lembrar-nos que cada honra que aqui consumimos custa cento e vinte mil réis á Nação: agora acabamos de perder huma: evitemos perder outra.

O senhor Borges Carneiro. - A minha petição não he vaga: eu vejo que este Congresso determinou que se mandasse exemplares a todas as Auctoridades do Reyno, e só no fim de muito tempo he que aos Corregedores se mandarão: logo os Officiaes da Chancellaria estão em desobediencia: logo devem ser suspensos. Isto não he vago.

O senhor Ribeiro Saraiva. - Pelo que tenho ouvido, entendo, que toda a demora, que se accusa na promulgação de algumas Leys e Decretos deste Supremo Congresso, proceder, não das Leys, que temos excellentes nesta materia; mas dos homens encarregados desta expedição: advirtão-se pois estes para que desempenhem melhor o seu Officio; sem nos demoraremos em discussões inuteis sobre reforma do Systema da Legislação, que não he obra de hum momento, e requer mui vastas e serias reflexões.

O senhor Gouvea Osorio. - Aquillo não ha Requerimento que se faça: o Ministro dos Negocios do Reyno não deve ser obrigado por similhante motivo a vir dar a rasão a este Confesso: a hum Escrivão manda-se-lhe que responda por escripto, quanto mais a hum Secretario dos Negocios do Reyno. He necessario conservar a honra e respeito a todos: este he o modo de não crear inimigos.

O senhor Ribeiro Saraiva. - As accusações vagas, que o Illustre Deputado tão denodadamente faz contra o Secretario d'Estado dos Negocios do Rey, além de se não apoyarem em factos, que as pudessem justificar, e que me persuado seria difficil encontrar contra hum tão digno Ministro; e o Requerimento que faz para que seja chamado a esta Augusta Assemblea, para dar a rasão dá demora dia publicação do Decreto da prohibição dos generos Cereaes estrangeiros; tudo isto me parece só capaz de deprimir na opinião publica a dignidade de tão respeitavel emprego; e promover a perigosa indifferen-

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ça com que similhantes declamações fazem olhar os Agentes da Auctoridade publica em todas as Repartições do Governo do Reyno. Pelo que reputo inattendiveis similhantes lembranças.

O senhor Arcebispo da Bahia. - Eu sou obrigado a declarar, que as declamações contra as Auctoridades constituidas vão fomentar a insubordinação entre os povos: hum Ministro de caracter se me queixou era particular, e me requereo que fizesse esta lembrança neste Augusto Congresso. Peço pois que nas declamações contra os máos Magistrados se conserve todo o cuidado no modo de propôr similhantes queixas, porque os povos muitas vezes daqui se prevalecem para desprezar os Magistrados, e isto: será hum triste fermento de insubordinação.

O senhor Borges Carneiro. - Por ora a opinião publica, a, intenção fundada está a favor do povo opprimido: o povo opprimido he que se queixa contra os Magistrados, oppressares. Tempo haverá em que eu falle a respeito dos Empregados Publicos em seu abono, em que os louve tempo haverá em que empossa dizer, que o Povo não he opprimido pelas vexações dos Magistrados; mas por ora nós não vemos que o Secretario dos Negocios do Reyno, apoye o Povo oppremido contra as vexações dos Magistrados: eu não acho melhor meio para evitar estes males do que desmascarallas. Se hum Deputado não póde arguir as oppressões que se fazem, não haja então liberdade de Imprensa: o que faz a insubordinação do Povo he o muito soffrer: o apesinhamento era que muitos estão he que póde fazer acabar a paciencia de Portugal, e promover a anarchia: castigando-se os Empregados publicos, nada ha que temer. Eu não sou o que desacredito os Empregados publicos: se não querem que eu diga mal, não facão mal: não tem vergonha de o fazerem e ha de haver vergonha .... (A' ordem, A' ordem. ) - Erão as palmas tantas nas Gallerias que não pude perceber as ultimas palavras - diz o Tachygrapho Machado.

O senhor Xavier Monteiro. - Nada ha mais facil, e nada mais contra a ordem e contra a dignidade deste Congresso do que pertender hum Deputado ganhar applauso dos Espectadores, sustentando opiniões singulares: eu reprovo e reprovarei sempre similhantes applausos. Eu venho aqui, segundo os principios do Systema Representativo, para sustentar os direitos, e tratar dos interesses e da utilidade do Povo; mas fazer-lhe a corte, não; Nem devem ser admittidas accusações intentadas por similhante maneira, pois tendem a promover a anarchia, que eu abomino tanto quanto detesto o despotismo.

O senhor Presidente. - Declaro em nome deste Augusto Congresso que as approvações, ou reprovações do Povo nas Tribunas são contra o decoro deste Congresso: e assim declaro, e mando escrever na Acta, que quem ha de approvar as suas opiniões, ou dar-lhe vituperio ha de ser a opinião do mesmo Augusto e Soberano Congresso. A Soberania da Nação foi-lhe confiada: o Povo nas Tribunas deve guardar hum profundo silencio, deve respeitar a ordem. Nós representamos a Nação inteira, e o Povo das Tribunas não representa mais do que huma millionessima parte da Nação, todo o homem que quizer escrever, escreva; lá tem a Liberdade de Imprensa, aqui porêm mudo silencio. Ordem, ordem, ordem. (Apoyado, apoyado, apoyado.)

O senhor Miranda. - Eu protesto fallar sempre todas as vezes que houver abusos de auctoridade. Os Deputados he lhes permittido fallar destes abusos, e não o podem, fazer sem nomear os Ministros. Se eu vir que hum Ministro he máo, como heide dizer que o Ministro he máo, que perpetrou este crime, que fez está ou aquella violencia, sem dizer foi em tal parte, foi fulano? Não heide dizer que os Ministros demorão os Decretos pela sua parte, e que tem lá a, mesma demora que na Chancellaria? Isto não depende da natureza das cousas, mas das pessoas. Ha tantos dias que sahio o Decreto dos Cereaes, mandei esta noticia, para a Provincia de Traz-os-Montes, e mandarão-me dizer que não o havia lá. De que serve pois estarmos nós a trabalhar com tanta força para sahir o Decreto dos Cereaes, attendendo ás circunstancias de que era necessario, que, elle sahisse com promptidão, para o não vermos ainda publicado. Isto não he da natureza todas cousas, he das pessoas, não he da Chancellaria: se lá estivesse hum homem Patriota e de zelo, não havia de haver estas demoras: ellas são o resultado da inhabilidade do Chanceller, ou da sua priguiça.

O Senhor Peçanha. - A falta neste genero he tão notavel que, tendo-se expedido ha mais de hum, mez o Decreto sobre as Candellarias, ainda outro dia vi hum Requerimento pedindo providencia sobre os abusos de Caudelarias.

O senhor Pimentel Maldonado. - Porque motivo, senhor Presidente, se deo tamanha amplitude para remover os Empregados Publicos? Porque depois de ao larga discussão se sanccionou, este Decreto? Não foi por constar evidentemente a prevaricação dos Empregados Publicos? Não houverão tantos senhores Deputados que fallárão sobre estas prevaricações sem que o Congresso lho levasse a mal, antes pelo contrario annuindo ao seu zelo, e conformando-se com esta medida extraordinaria, que se propoz, e que tão uniformemente se adoptou? O que fez hoje o senhor Borges Carneiro? Foi repetir o que muitas vezes se tem repetido aqui: foi promover a felicidade publica com aquelle patriotismo, que dirige as suas expressões: por consequencia, foi tambem com grande injustiça que o increpárão: o senhor Borges Carneiro fez o que devia.

O senhor Xavier Monteiro. - Ninguem promoveo e sustentou o Decreto de que falla o Illustre Deputado com mais força do que eu, porque estou persuadido, que huma grande parte da felicidade da Nação depende dos bons Empregados Publicos; mas vejo que ha 16 dias se mandou o Decreto á Regencia, e he já accusada porque não estão removidos as Empregados. Eu requeiro ao Illustre Deputado que queira mudar com conhecimento de causa os Empregados Publicos de huma Nação em 15 dias. Pugnei pelo Decreto, mas vejo quanto he preciso que a Regencia tenha tempo para o poder dar á execução em toda a sua latitude: sei as difficuldades que ha em remo-

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ver muitos homem, e encontrar logo outros que bem os substituão. A Regencia luta com poderosos embaraços, os quaes só não vê quem ignora que o destituir he facil, e o substituir difficil.

O senhor Santos. - A falta do expediente he tão clara como a luz do dia.

O senhor Pimentel Maldonado. - O que eu digo he, que por ter mm certo o que diz o senhor Borges Carneiro he que se tomou simlhante decisão. Logo porque o motivo a criminão? Não he isto injusto, e muito injusto?

O senhor Borges Carneiro. - Eu não falte já, em outro dia fallarei: não por ser vencido, a convicção he n'hum acto do entendimento humano, não recebe cadeas. Eu não quero applausos, eu desejo só o bem da minha Patria: pata o conseguir tudo emprehendo, não quero applausos: se for necessario hirei para hum deserto para os evitar.

O senhor Bastos. - Quando o senhor Borges Carneiro appareceo hum dia a arguir a Regencia em geral, foi mal tratado, e disse-se então que o expediente que se devia tomar em similhantes casos era mandar chamar o Ministro, para dar a rasão do procedimento contra que se arguia: hoje fez o senhor Borges Carneiro o que então se determinou, pedio que fosse chamado o Ministro dos Negocios do Reyno, para dar a rasão porque a Regencia não tem Suspendido os Officiaes da Chancelaria, e he mal tratado extraordinariamente.

O senhor Castello Branco. - Nós não influimos huns nos outros: somos escolhidos pela Nação para firmarmos a sua liberdade e independencia, e tratarmos dos seus interesses. Todos nós temos á face da Nação as mesmas qualidades: todos nós temos tudo quanto he preciso para sustentar a Nação: por conseequencia isto faz que nenhum de nós influa sobre o outro, pelo contrario o Povo póde influir sobre nós. Devemos por tanto cohibir o Povo, para que nos não applauda, nem nos censure; mas per tender por isso que se deve tapar a bocca a hum Representante da Nação, que he constituido pela Nação inteira para advogar os seus interesses, para evitar os males que élla soffre, males que podem provir por Corporações ou por hum unico individuo! Não ha de haver a liberdade de denunciar este unico individuo á Assemblea, denunciallo á Nação inteira? Eu sou o primeiro que declaro, que não sei como posso preencher as Augustas tarefas a que fui chamado pela Nação, não me sendo permittido o declarar á Nação inteira os abusos de qualquer Auctoridade; e pelo contrario não terei mais remedio do que ter contemplações, cousa abominavel! Por tanto reprovo e reprovarei absolutamente as increpações que se fizerão ao illustre Deputado: elle he animado do amor dobem publico; cada hum de nós o he tambem, mas caminhamos por differentes caminhos: podemos por momentos allucinar-nos, e he nesta allucinação que eu adio este Congresso, quando increpou o illustre Membro. Se não for permittido a hum Deputado fallar no Augusto Congresso sobre taes materias, eu declaro que não Aposso continuar a ser Deputado da Nação.

O senhor Bastos. - Eu proponho que ao senhor Borges Carneiro e a todos os senhores Deputados seja restituida a liberdade de fallar sobre as materias que se julgarem convenientes, e que isto se declare na Acta.

O senhor Presidente. -- Eu não admitto esta moção; opponho-me a que haja questões sobre similhante assumpto. Vamos á Ordem do dia.

O senhor Castello Branco. - Eu tinha requerido que se alterasse a Ordem do dia, para se tratar de hum Negocio tão urgente, qual o que se tinha proposto; e tinha dicto que embora se alterasse a ordem do dia, pois que não se perdia o tempo huma vez; que se tratasse aquelle negocio, e se tirasse algum resultado util. Tem havido grande discussão sobre objectos que podião ficar de parte, como a fórma da publicação das Leys, Decretos, etc., quando temos hum mal imminente, que vem a ser settenta Navios carregados de Trigo, que estão no Porto de Lisboa, alem dos que se esperão. Hum illustre Membro tinha proposto que se recommendasse á Regencia, que tivesse toda a exactidão e vigor possivel em fazer guardar as medidas já adoptadas no Terreiro, de se não vender mais de hum terço de Pão Estrangeiro sobre dois terços de Pão Nacional: eu Convim que se fizesse esta recommendação á Regencia, mas que chamara, a attenção da Assemblea para os termos desta recommendação, que a Regencia tornasse este objecto em consideração, e o fiscalizasse com toda a madureza, removesse todos os Empregados publicos que nao cumprissem os seus deveres, e os castigasse asperamente á proporção da classificação dos seus delictos. He sobre este objecto pois que eu chamo a attenção desta Augusta Assemblea.

O senhor Presidente, - Vai-se ler a moção do senhor Bettencourt, que me parece satisfez a tudo. (Leo-se.)

O senhor Santos. - Sou obrigado a dizer, que ahi citão os principios, mas muito mal redigidos.

O senhor Castello Branco opinou que a Commissão de Agricultura fosse redigir o Decreto sem demora.

O senhor Presidente propoz que seria melhor nomear huma Commissão para indicar os meios que convinha practicar-se - Approvou-se, e forão nomeados os senhores Francisco Antonio dos Santos - Alves do Rio - Bettencourt - Margiochi - e Van-zeller.

O senhor Gyrão apresentou hum Mappa demonstrativo das condemnações feitas pela Camera de Villa Real, na Correição deste anno, aos Povos do seu districto, e das custas que em consequencia se lhe carregárão - mandou-se juntar á representação que já havia a este respeito, para entrar com ella era consideração, e disse:

O senhor Bastos que huma vez que se désse provindencia sobre este assumpto, se devia generalizar; porque este abuso não o havia só em Villa Real, mas em outras Comarcas, como Barcellos, etc.

O senhor Ribeiro Telles apresentou huma Representação dos Povos do Termo de Penafiel, queixando-se das violentas condemnações que lhes fizerão os Almotacés dos mezes de Janeiro, Fevereiro, e Mar-

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ço, e pedindo remedio a similhantes oppressões. - Mandou-se tambem juntar á mesma Representação.

O senhor Secretario Freire leo por segunda vez, e foi approvado o seguinte:

PROJECTO.

Projecto sobre Novos Direitos.

As Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza, attendendo a que no Provimento dos Officios Publicos não deve considerar-se mercê feita aos providos, mas o serviço que a Patria recebo do Official, a quem dá o ordenado como meio de a poder servir, Decretão o seguinte:

Todos os Officios Publicos serão para o futuro isemptos de pagar Novos Direitos na Chancellaria Mór do Reyno.

O mesmo senhor Secretario leo, tambem por segunda vez, o Projecto para não admittir, até nova determinação das Cortes, Estudantes a matricular-se no primeiro anno das duas Faculdades Juridicas, sobre o que disse:

O senhor Sarmento. = Opponho-me a que se imprima similhante Projecto: isto era dar ás Nações Estrangeiras a idea triste de que o Congresso hia tapar a porta ás Sciencias. Creio que muitos se hão de formar sem ter em vista o ser pesados á sua Patria: e; creio tambem que o Illustre Deputado que organizou o Decreto não se ha de ver azafamado á porta com immensidade de Bachareis. He verdade que he já antigo requererem os Povos de Portugal, que se puzesse termo aos que erão aqui formados, defender se que forão a Bris, ou Bolonha: eu me opporei sempre a tudo o que for lembrar ás outras Nações que nós vamos a tapar a porta ás Sciencias, nem jámais quererei que a Universidade se feche. Ha huma Nação presentemente, qual he a dos Estados Unidos da America, da qual todos dizem que os homens de Ley alli hão huma nuvem de gente, e nem por isso deixa de haver liberdade na America Ingleza: por isso sou de opinião que se não imprima o Projecto do senhor Borges Carneiro.

O senhor Borges Carneiro. - O Illustre Preopinante diz que o Projecto tende a fechar a Universidade: isto he huma cousa livremente dieta. O Projecto conclue, que não sejão admittidos ao primeiro anno Juridico os Estudantes de Direito Canonico e Civil; e diz que até nova Ordem. Julgo esta medida muito necessaria, porque continuando a formar-se todos os annos 200 Estudantes nestas Faculdades, não será sahida que elles hão de ter: ou ha de ser para Ministros, ou para Advogados, ou para os Cabidos das Cathedraes: a respeito destes todos sabem as providencias que se tem dado: para Ministros tambem não serão precisos tantos, porque segundo a reforma que se ha de fazer, penso que se ha de diminuir o seu numero: para Advogados tambem penso que não serão precisos tantos. Qual he a rasão porque as demandas durão tantos annos? he por causa dos Advogados. Ha pouco vimos huma, a da Chapeleiro: era questão que se decidia em duas horas, levou 6 annos! Assento pois que muitas questões de duas horas levão 5 e 6 annos, e a rasão he porque das demandas vire muita gente, vivera Letrados, vivem Procuradores, e outra muita gente: para viver esta muita gente he preciso durar huma demanda 5 annos; isto he hum grandissimo mal, porque todo o homem que anda em demandas anda em odios, e distraliido das suas occupações: he preciso que esta immensa turba, chamada gente de Ley, e vá tomar outro modo de vida, que vão para as Artes, e para a Agricultura: não he necessario tantos Letrados, tantos Ministros, tanta gente de Ley, que vivem de discordias e odios entre os Cidadãos, e principalmente estabelecer huma Ley para conciliar as partes. Vemos já na Hespanha o grandissimo exemplo que se nos tem dado: e se nós havemos estabelecer a conciliação entre as partes, porque se não hão de tomar de antemão as medidas que offerece o meu Projecto? Que quer dizer formarem-se todos os annos 200 Estudantes nas duas Faculdades de Canones e Leys? Por tanto, eu não digo que se feche a Universidade, mas o que digo he, que até nova ordem se suspenda a admissão dos novos Juristas. O Estudo de Direito Canonico e Civil, tal qual está, não vale nada: o Direito Canonico lá vale alguma cousa porque não ha máos Compendios, mas sobre Direito Civil os Estudantes tem muita cousa que, aprendendo-a, hão de desaprender. O Direito Patrio, tal qual está, não serve de nada: as Instituições de Paschoal José de Mello são muito boas, mas não servem: tem muita cousa em contra posição; com o systema Constitucional: tudo que se diz sobre ultimas vontades, e sobro escravos, são erros que he necessario desaprender. Por tanto julgo que o meu Projecto se deve admittir: que se suspenda a admissão dos Estudantes ao primeiro anno Juridico, entretanto se farão novos Compendios para por elles se poder ensinar, etc.

O senhor Pereira da Sylva notou que a grande multidão de Estudantes que se matriculavão no primeiro anno Juridico, provinha da facilidade de se admittirem com dispensa de preparatorios: que nestes ultimos annos se formarão duzentos e tantos, sendo huma grande parte delles matriculados com dispensa dos preparatorios de Rhetorica e Geometria: por consequencia era de parecer que se recommendasse á Regencia, que para o anno que vem se não dessem dispensas nenhumas de Exames de preparatorios, pois que desta maneira se chegava ao fim do senhor Borges Carneiro, e ao mesmo tempo se conseguia o terem-se homens formados capazes.

O senhor Castello Branco. - Jámais serei de opinião que estes males e outros de igual natureza se pertendão remediar por meios directos: he sempre por meios indirectos que tudo se deve fazer. Verdadeiramente temos entre nós homens formados em Direito Civil e Canonico em demasia, porem obstar-lhe á profissão que elles hão de seguir, isto he inteiramente contra os principios liberaes e Bases da Constituição: eu tenho a livre faculdade dos meus talentos,

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tenho a liberdade em tudo que não se oppõe á ordem publica; por tanto deve ficar no meu arbitrio o ser Cavonista ou Legista, ou Negociante; mas devo ser chamado á utilidade geral por meios indirectos. Quando os que frequentão a Universidade virem que os lugares de Magistratura diminuem no novo Systema de administração de Justiça; quando as demandas forem menos, em consequencia de melhores Leys, e por isso necessarios menos Letrados; quando elles mesmos virem que não podem ter as vantagens a que aspiravão, elles voltarão para outra qualquer instituição; e isto se deve fazer por meios não directos, mas indirectos.

Ultimamente foi rejeitado o Projecto, e

O senhor Secretario Freire lêo tambem por segunda vez, e forão admittidos á discussão os seguintes:

PROJECTOS.

Projecto sobre os Direitos das Pescas.

As Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza, considerando que as Pescarias deste Reyno se achão gravadas com direitos tão enormes, que nem fica salva a sustentação dos Pescadores, nem póde prosperar este importante ramo da industria Nacional, Decretão o seguinte:

1.° Os direitos impostos sobre a Pesca não poderão exceder a vinte por cento, que he o valor da Sisa e Dizima.

2.º Estes direitos deverão pagar-se por avença, no caso de quererem os Pescadores, avençar-se a satisfazer certas prestações nos tempos convencionados, ao que deverão prestar fiança idonea.

3.° Da importancia dos direitos perdoados pelo presente Decreto, se separará fundo sufficiente para se estabelecer hum Monte Pio a favor dos mesmos Pescadores, suas Viuvas, e Filhas, e para o concerto de seus Barcos e Redes.

Projecto para a extincção das Ordenanças.

As Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza, attendendo a que depois o estabelecimento das Tropas da 1.ª e 2.ª linha ficarão sendo inuteis as Companhias de Pé, e de Cavallo, chamadas Ordenanças, cuja conservação tanto pesa sobre os Povos, Decretão o seguinte:

1.° Ficão extinctas as referidas Companhias, e supprimidos todos os seus empregos.

2.° Os livros e papeis a elas pertencentes, serão entregues ás Cameras dos districtos respectivos, as quaes ficarão incumbidas de fazer os recrutamentos que até agora fazião os Capitães Mores.

O mesmo senhor Secretario leo mais por segunda vez, e foi admittido á discussão como urgente, na ordem que lhe competir, o Projecto ácerca do Vinho da Madeira - e outro sobre o augmento dos direitos na aguardente de França importada na Ilha da Madeira, e diminuição deles nos vinhos que se importarem. Foi tambem admittido á discussão.

Fez chamada nominal, e achou-se faltarem os senhores - Povoas - Antonio Pereira - Braancamp - Annes de Carvalho - Guerreiro - Borges - Isidoro José dos Santos. - Paes de Sande - Rodrigues Sobral - Gomes de Brito = e estarem presentes 91 dos senhores Deputados.

Entrou-se na discussão da Ordem do dia: começou-se pelo artigo 2.º sobre os Dizimos, e disse:

O senhor Pereira do Carmo. - Quando na ultima Sessão de Fazenda se discutio o § 2 do Projecto que entra hoje na ordem do dia, ouvi algumas opiniões, em que não vou de accordo com os Illustres Preopinantes. Eu os aponto para os combater. Disse algum, que os Dizimos erão huma propriedade Ecclesiastica, que se não podia collectar, sem intervir Bulla Pontificia. Disse mais, que não via razão para serem onerados os Ecclesiasticos, folgando entretanto as outras Classes da Sociedade; quando todas ellas tinhão igual interesse em sustentar a causa da nossa Independencia.

Sei mui bem, que os Canonistas vão buscar a origem do preceito Ecclesiastico do pagamento dos Dizimos ao Canon 5.º do segundo Concilio Matiscononse, celebrado em 588 a instancia de Goutramno Rey dos Francos; mas tambem sei, que os povos daquelle districto da França não reconhecei ao o preceito de pagar Dizimos, talvez porque o se confirmou expressamente o Concilio nesta parte. He porém muito de notar, que celebrando-se, no anno seguinte o terceiro Concilio Toletano, a istancia de Recaredo Rey das Hespanhas, nem huma só palavra se proferisse, que induza preceito de pagar Dizimos. Chegou o seculo 8.°, e então o piedoso Rey Pepino ordenou a seus vassallos, que os pagassem; mas a tempo que a Hespanha citava já occupada pelos Sarracenos, em consequencia da infeliz batalha de Xerês de 11 de Novembro de 712: e em taes circumstancias o Clero Hespanhol se vio obrigado por mais de 300 annos a mendigar esmolas, e viver das oblações dos Fieis. Muitos dos Capitães, que depois ajudarão a resgatar a Peninsula do poder da Mouros, vierão de França, e Allemanha, aonde estava em voga a determinação de Pepino, confirmada pelos Capitulares de Carlos Magno, e seus successores: e nada mais natural do que obrigarem os Povos a pagar, Dizimos, tomando-os todavia para si, sob pretexto do bom serviço que havião leito á Igreja. O terceiro Concilio Lateranense, celebrado em 1179 fez todos os esforços para que os Dizimos se entregassem aos Ecclesiasticos; e subsequentes Resoluções Ecclesiasticas ajudarão da pôr em effeito a determinação do Concilio. De bom grado supprimiria huma passagem da historia dos Dizimos, se ella não contribuisse muito para se conhecerem as manhas, e ardiz com que se introduzio, e arraigou este pesado tributo. Dizião os Padres do Concilio de Francfort = que fora o Diabo quem tinha causado a fome, e devorado os cearas; que, por esta maneira punia os Chri-

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stãos empedrenidos, que não pagavão Dizimos; e que isto mesmo fora declarado pelo Diabo no meio dos campos, dando urros horrorosos. Deitemos hum véo sobre estes tempos de barbaria, e concluamos, que os Povos não se subjeitarão ao pagamento dos Dizimos pelo haver assim decretado o Concilio, mas sim pelo ter ordenado o poder civil, o que he conforme aos conhecimentos do tempo presente; porque os Dizimos são cousas corporaes, e por isso mesmo subjeitos a auctoridade temporal. O Imperador Carlos 5.°, e outros muitos Monarcas legislarão sobre Dizimos; e o nosso bom Rey o Senhor D. João 6.°, na Carta Regia de 7 de Março de 1810, lhes prometteo dar nova forma, para os fazer menos intoleraveis. Tenho por tanto respondido ao Illustre Preopinante, que citou o Concilio de Trento, e o exemplo de nossos Reys, que alcançavão Bulias Pontificias para findarem os Dizimos. He porem digna de reparo a confidenciado modo de pensar do mesmo Deputado como que pensarão, e disserão os Ecclesiasticos, quando repugnarão a Decima, que o Senhor Rey D. Manoel lhes lançou por concessão do Papa Leão Decicimo. Disserão que entrando (ElRey) de posse do Reyno com riquezas de grandes Thesouros, Elle os gastara com seus Validos e Magnales alheando tambem para elles muitas terras da Coroa, e rendas de seu patrimonio. = Se me não falha a minha memoria, parece-me que o Illustre Preopinante repetio quasi o mesmo, o que prova a uniformidade do espirito da corporação em todos os tempos, e circunstancias.

Mas porque não devem ser collectadas as outras classes da Sociedade? A resposta he mui singela: porque não podem soffrer a collecta. E para nos desenganarmos, inventariemos todas essas classes, começando pela dos Lavradores. Os de pão vêem-se reduzidos á ultima miseria, affogados abundancia dos Cereaes estrangeiros, que entrárão, e tem entrado nestes ultimos dias pela barra dentro, carregando reais de sessenta navios. E o mais he, que vierão a proposito para socegar a desinquietação de alguns Membros desta Assemblea, a quem a fome assusta muito, ainda em prespectiva muito affastada. Os Lavradores de vinho tem sido assassinados por tres, ou quatro Contrabandistas famosos desta Capital, que introduzírão, (e não sei se introduzem ainda) milhares de pipas de aguardente estrangeira; chegando a tal ponto o seu descaramento, que vão negociar este genero com os Mercadores de vinho a suas proprias casas, sem o mais pequeno rebuço. Se voltarmos da Agricultura para a Industria, o que achamos? As Fabricas da Covilhan; e Portalegre, fechadas ha muitos tempos com grave prejuiso da Nação, e dos particulares. E se da Industria caminharmos para o Commercio? Encontraremos esta Praça, e a do Porto saqueada por huma nova Potencia, o Reyno de Artigas, em quanto os nossos vasos de guerra apodrecem nos anchoradouros do Rio de Janeiro. Temos alem disso huma prova muito decisiva do mesquinho estado destas duas Praças, outr'ora ião florescentes, e he, que sendo ellas compostas de Portuguezes, a quem deve animar o mesmo fogo, que abrazou a Nação inteira, não vejo que tenhão até agora concorrido para sustentar a causa da suar e nossa independencia. Examino com muito cuidado, e vagar o Mappa dos donativos, e observo que Cidadãos obscuros no tempo do Despotismo, apparecem agora fornecendo o que podem para a nossa Regeneração. Observo Soldados, e Officiaes contribuindo com seus apoucados soldos para fim tão legitimo, como sagrado. Observo alguem, que até deo as joyas de sua Mulher. Vejo Negociantes da Bahia, e Rio franquearem largas, e avultadas sommas; e não vejo os Negociantes de Lisboa e Porto, fazerem outro tanto. De que piocede isto? Será por ventura de falta depatriotismo. Certamente não: he porque não podem. Exceptuo com tudo em Lisboa o Baião de Quintella, cuja conducta leal, e patriotica he superior a todo o elogio, e no Poria o Benemerito Negociante Barros Lima: não desanimando todavia de estar para o futuro muitos outros exemplos.

Remato em fim dizendo, que o Thesouro Nacional está carregado com huma divida enorme: que a receita annual não chega para fazer face ás despesas annuaes, e que a Nação não póde tolerar novos tributos. Logo não ha outro meio, salvo o de lançar mão dos Dizimos Ecclesiasticos, deixando a quem os possue huma decente sustentação, como indica o Projecto. Eu proporia entretanto duas emendas: 1.º que o tributo só durasse tres annos, e não indefinitivamente, o que me parece excessivamente pesado: 2.ª que se attendesse com larga mão aos Parochos das Provincias, que por falta de congrua decente vivem vida miseravel, e mesquinha. Com estas duas emendas, não me opponho a que passe o §.

O senhor Serpa Machado. - Sobre a materia subjeita farei algumas observações: farei por tomar principios quanto for possivel, verdadeiros: tirarei delles algumas consequencias pelo methodo legitimo, e verei se ellas combinão, e se conformão com os artigos deste Projecto. O principio verdadeiro he, que a Nação, ou quem a governa, em direito de collectar os rendimentos, e bens de todos os Cidadãos. Daqui concluo, que todos os Ecclesiasticos na qualidade de Cidadãos, podem ser collectados nos seus rendimentos; porém para que a Collecta seja justa não basta só que a Nação tenha faculdade de collectar, mas he necessario que se collecte de num modo justo. O meio de collectar depende de tres requisitos: 1.° que seja em proporção com os rendimentos dos que são Collectados: 2.° que essa Collecta seja exigida pelas necessidades publicas: 3.° que ella recahia sobre o superfluo, isto he, sobre aquillo que não he necessario para a subsistencia de cada hum dos individuos Collectados. Vejamos se os requisitos do Projecto, e fundem estes tres requisitos: 1.º Se as necessidades do Estado exigem esta Collecta? He regra certa que o Mundo se governa por conta, peso, e medida; porem ainda que as necessidades do Estado não estejão demarcadas a ponto que se saiba ao certo o deficit, isto não obsta, porque todos sabem muito bem que a nossa divida he grande, e exige recursos extraordinarios. Por tanto parece que nesta parte está satisfeito o requisito, que as necessidades Publicas

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exibem a Collecta. Tambem pareço que o Projecto offorecido tem o segundo requisito, que he em collectar o que he superfluo; por isso que para cada hum dos individuos Collectados se estabelecem Congruas; o que me parece que lhe falta he que se já a Collecta em porporção com os rendimentos dos Collectados. Isto he que parece que não se verifica; para isto escolherei entre os differentes Beneficiados que são Collectados os maiores, por exemplo, os Bispos. Destes são collectados os Bispados, e os Arcrbispados de differente modo, deixando-se a cada Bispo 12 mil cruzados, e aos Arcebispos 20. Todos sabem que os Rendimentos dos Bispados são differentes. Tomarei por paridade hum Bispado de 30 mil crusados, e hum Bispado de 15 mil cruzados; deste tirão-se 13 que he a Congrua, e daquelle tirão-se os mesmos 12: o que tinha 30, tirados 13, he collectado em 18; o de 15 collectado em 3; aqui acho eu desproporção de 12, que he tambem a Congrua; porque 7 se se compara o que tem de seu rendimento 15, por exemplo, com o que tinha de renda 30, e paga 10, vem apagar quasi aproximadamente dons terços; e o de 15 paga 3, que he a quinta parte do seu rendimento actual. Parece-me portanto que aqui não ha a proporção que deve haver com o rendimento dos Collectados. Póde-se objectar, e estabelecer-se que os Cidadãos Ecclesiasticos não tem mais direito do que á sua Congrua sustentação, e que por isso sendo collectados no excedente á sua Congrua sustentação está tudo satisfeito. Porém isto não me agrada: todos os Legisladores do Mundo, tanto antigos como modernos, tem estabelecido que todas as acquisições adquiridas por justo titulo, e boa fé, são dignas de consideração. Não para que deixem de ser collectados estes Beneficios, mas sim pata que só olhe ás suas acquisições; porque ninguem dirá que elles não as adquirírão por titulo justo. Portanto proponho, que se faça differença de Beneficios de Cura d'Almas providos, aos vagos, ou que vagarem. Quanto aos Beneficios de Cura d'Almas nas providos se podem observar todos os artigos com pequenas limitações. As Prelasias, que vagarem, devem contentar-se com a congrua, huma vez que seja sufficiente para a sua sustentação. Agora pelo que pertence aos Beneficios, providos, quizera que só estabelecesse huma proporção, isto he, sobre huma quarta parte do superfluo, que a contribuição fosse em proporção com os rendimentos. He necessario tambem que consideremos o Clero Lusitano, e nós vemos que os mais encargos, com que tem sido onerado, he em o terço do rendimento de seus Beneficios, e isto em circunstancias talvez mais calamitosas. As circunstancias actuaes, pela que duras, não são superiores ao circunstancias criticas dos outros tempos da invasão: por, isso quizera que a collecta marchasse sempre em proporção com o que elles adquirírão. Concluo por tanto que adopto o Projecto pelo que pertence aos Beneficios de Cura d'Almas que vagarem, e pelo, que pertence aos possuidos se tenha contemplação á legitimidade das Requisições; quizera e dilecta muito mais moderada, e com proporção ao superfluo de cada hum dos Beneficios.

O senhor Innocencio Antonio de Miranda. - O primeiro Illustre Deputado que fallou a respeito do pagamento de todas as classes, assentou que só os Ecclesiasticos estavão ricos. Devo dizer que estão na mesma ordem que as outras classes, eu tenho oitenta pipas de vinho, e não ha quem de hum vintem por ellas, e quer-se dar seiscentos mil reis ao Parodio para viver, e ficar o resto para pagar a divida publica. Eu creio que todas as classes proporcionalmente estão nas mesmas circunstancias. Em quanta á necessidade do Estado, ou Erario, eu considero duas necessidades: 1.ª o deficit annual, este acho eu de primeira necessidade: em quanto á divida não he huma sangria aberta. Se nós pudermos dar as medidas, basta que seguremos os credores, e afiancemos os... (havia lacuna) Eu não quero impugnar totalmente que os Ecclesiasticos não paguem alguma cousa: somos Vassallos, mas paguemos proporcionalmente aos outros Vassallos ricos, e Poderosos: não quero que as Collectas cahião sobre os Lavradores, sei a necessidade das Provincias onde não ha vintem; tem os seus fructos todos, não os vendem, por desgraça todos os fructos nossos são baratos, o os estrangeiros na maior carestia: quero contemplação com o Lavrador, mas entretanto ha Negociantes ricos, Capitalistas poderosos, que devem concorrer: eu approvaria que se fizesse huma subscripção voluntaria pelo Reyno: não deixará de haver pessoas que offereção seus donativos avista das necessidades do Estado, que espero que hajão de diminuir: va-se diminuindo pouco a pouco, não carregue absolutamente sobre os Ecclesiasticos todo o peso, porque para isto não acho rasão alguma, principalmente quando nós estamos como estão todas as outras classes. Alem disto hum Ecclesiastico, que está n'huma Parochia não te pense que se póde manter com o mesmo rendimento com que se póde manter hum Ecclesiastico, que está n'huma Cidade, n'huma povoação tem hospitalidade, tem as funcções, a que póde assistir, o tem outras mais cousas: hum Parodio no campo he preciso ter alguma cavalgadura, o que não precisa tanto n'huma cidade aonde tem tudo proporcionado, aonde não precisa nem o Frade nem o Clerigo que por alli passa: hum Abbade em fim tem muitas debutas extraordinarias, e he preciso attender a isto. Eu não duvido, nem mesmo duvidaria, nem impugno, que nós os Ecclesiasticos contribuamos com algum donativo ou gratuito, ou obrigado; mas parece muito mal que só os Ecclesiasticos sejão collectados, e que todas as mais Classes não o sejão. Em quanto aos Bispos, doze mil cruzados tem hum Principal, hum Bispo tem muitas obrigações; principia por ler os seus Ministros, a quem pagar; tem o seu Foro, tem Escrivães a quem pagar; tem pobreza, porque se não dá huma esmola então perde a opinião publica; perde o credito se não favorece os Religiosos, os Conventos, os Mendicantes; se não olha ao Hospital estão o Bispo perde a opinião publica, he máo Bispo, perde o credito; elle não he máo Bispo na sua consciencia para com Deos, mas os povos não perguntão se elle tem, não lhe importa isto, o que querem he que elle dê, seja á como for. Por tanto, eu não impugno que a Collecta, que se imponha, seja do terço; mas o que digo

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tambem he, que não seja geral, porque então impondo-se o terço a todos os Beneficios muitos virão a ficar com quasi nada: hum Beneficio de 100 mil réis, tirado o terço, fica o Beneficiado sem nada; se tem quatro, ou cinco mil cruzados, embora pague esse terço, mas eu mesmo quereria que todos os beneficios fossem arrematados por conta do Estado, alias seja a terça parte dos fructos, e não do dinheiro: embora seja esta terça parte nesses beneficios grandes, não nos beneficios pequenos: bastante he terem de pagar a Decima, que não lê pouco; e quando assim não proceda este Augusto Congresso, augmente-se, e seja a Decima dobrada. Quanto a dizer que os Dizimos não são de direito Ecclesiastico, isto he faltar á verdade: eu não vou buscar esse Concilio dos Diabos, em que ahi se fallou, nem em outros Concilios. (Susurro nas Gallerias, e riso em alguns dos Senhores Deputados, ao que disse o Senhor Presidente - Ordem, ordem - o Orador continuou) Eu parece-me que estou na ordem, estou, Senhor Presidente? (Está, sim senhor - lhe respondeo) Não vou buscar esse Concilio dos Diabos: Eu aponto o Concilio de Trento, que he o que estabeleceo a regra para regular esta materia: eu não quero que estes Dizimos sejão bens Ecclesiasticos: se os Soberanos não quizessem, elles não se pagarião. Por consequencia eu que entrei de posse do meu beneficio tenho hum titulo legitimo, e Canonico, não só concedido pela Igreja, mas approvado pelo Soberano, e quem diz que isto não seja propriedade, não sei o que o seja.

O senhor Aragão. - A Ilha da Madeira está unida ao Reyno de Portugal: os Dizimos desta Ilha são recebidos por conta do Estado: os Curas d'Almas recebem duas pipas de vinho, movo e meio, ou dous moyos de pão: ora isto não chega absolutamente para a sua congrua sustentação, e por consequencia esta palavra - Todos = (Lêo) deve-se nella fazer excepção, e em lugar de serem collectados se he deve estabelecer côngrua para a sua sustentação, atendendo a que os Curas d'Almas são os que tem maior trabalho, e hum Cura d'Almas tem ás vezes huma legoa, e duas legoas de Freguezes dispersos; muitas vezes he preciso hirem de noite por caminhos perigosissimos a soccorrer com os Sacramentos a estes Freguezes, e então este pobre Cura ha de sustentar-se com duas pipas de vinho, e moyo, e meio de trigo? Torno a dizer, este Projecto não se póde applicar aos Curas da Ilha da Madeira, antes as suas congruas se redusão a hum conto de reis pelo menos.

O senhor Serpa Machado. - O Decreto principia desta fórma (Lêo, e o senhor Presidente advirtio que já estava discutida a materia do 1.° artigo - então o Orador lendo o 2.º continuou) Parece-me que nas actuaes circunstancias deveremos estreitar os vinculos, que ligão entre si as differentes classes, e ordens do Estado, o contrario he plantar o germen da destruição no centro do edificio. Ha muitas familias, que estão ligadas ás circunstancias dos beneficiados, porque estes, por assim dizer, comprarão os seus beneficios, mas na boa fé porque narrarão isto ao Pontifice, e passárão as Bullas com dinheiro destes pela relaxação a que chegarão as cousas: ha familias que estão empenhadas, e que tem muito direito aos rendimentos dos Beneficiados; e impondo-se a estes a colecta como está no Projecto, ficão estas familias sem meios de poderem haver os seus interesses, por estes Beneficiados assim collectados não poderem pagar as suas dividas. Por tanto parece-me que devem respeitar-se os direitos daquelles, que actualmente os possuem, e que as medidas, que houverem de tomar-se, sejão para o futuro, principalmente em quanto se não sabe qual he a quantidade da divida publica, qual a divida activa, e qual a divida passiva. He preciso tambem attender aos estabelecimentos dos Beneficios. Actualmente os Beneficios Ecclesiasticos sustentão muita pobreza; muitos pobres morrerião de fome se não fossem as esmolas dos seus Pastores. Os Dizimos parece que devem ser distribuidos nas mesmas Terras onde são colhidos os fructos, senão os Mendigos pesão sobre aquelles Povos. Por tanto apoyo o projecto sómente em quanto aos Beneficios, que vagarem para o futuro, e não para os presentes.

O senhor Vaz Velho. - Senhor Presidente, tenho até agora guardado silencio, porque tratando-se de impor huma contribuição nos Dizimos, que fazem os fructos dos Beneficios Ecclesiasticos, eu não queria que viesse á lembrança de alguem, que pertendia subtrahir-me (como parte interessada) a concorrer para o pagamento da divida do Estado; e foi huma igual rasão, que me moveu assignar sem hesitação o Projecto de Decreto, como Membro da Commissão; e a calar-me quando se tocou nos Beneficios, e Conesias pertencentes á Universidade. Agora porém, que se cala e omitte huma classe de Ecclesiasticos, a que não pertenço, os quaes julgo lesados, posso sem suspeita, e devo declarar a seu respeito a minha opinião. Diz-se no preambulo do Projecto: que quando se trata de Dizimos se devem salvar á manutenção do Culto Divino e da Congrua sustentação dos Beneficiados; isto he, com particularidade os Ministros do Altar, e que o resto se deve applicar com preferencia para o pagamento da divida Nacional. Daqui infiro eu, que nunca poderá haver resto applicavel para a dita divida sem que primeira se estabeleção, e determinem as Côngruas dos Parochos, a quem se pertende salvar a sustentação.

Não se falla nestas Congruas, e diz-se que o excedente de certos Beneficios maiores são restos disponiveis; quando estes excedentes estão ainda obrigados á Congrua dos Parochos, pois que esta Congrua deve sahir dos Dizimos; isto he huma incoherencia. Eu não sei, que alguem possa dizer: que tem huma certa quantia liquida, e excedente das suas despesas, quando deve toda, ou parte dessa quantia, a que chama liquida, pois que, o que deve, não he seu.

Se nós designassemos aos Parochos as suas competentes Congruas, no que dariamos aos Dizimos o seu legitimo destino: fariamos que os Parochos ficarião independentes de olhar para as mãos dos Freguezes (o que he huma vantagem) e alliviariamos mui ias Povos de hum tributo, qual o da sustentação dos Parochos (no que fariamos hum grande beneficio), e depois se houvesse algum excedente o applicassemos para a divida publica, seria certamente hum procedimento mais consequente,

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Talvez se diga que, neste caso, não chegarão os Dizimos para estabelecer a Congrua aos Parochos. Mas poderá esta duvida, ainda quando se realize, justificar o facto de tirar a quem tem de mais, e não se dar a quem tem de menos? Accresce que se os Dizimos designados para as suas devidas applicações não chegão; devem chamar-se aquelles, que se tem desviado do legitimo destino, com que os fieis os derão á Igreja; e então teremos quanto baste, e ainda sobre do Culto Divino, sustentação dos Ministros da Religião, e dos pobres; e quando ainda então não chegasse, deverião concorrer todos os Fieis, porque eu não sei a rasão, porque hum pobre Lavrador deve estar obrigado á satisfação de tão graves encargos, e hum Capitalista, muitas vezes possuidor de milhões, ou não concorra com cousa alguma, ou com a insignificante quantia de dous vintens, como se todos na qualidade de Fieis não tivessem as mesmas obrigações.

Diz-se, que depois se cuidará nas Côngruas dos Parochos. Mas eu pergunto, se agora cortamos os Beneficios, e parte dos seus rendimentos se remettem para a Caixa da amonisação da divida Nacional, de que Dizimos havemos dispor para a Côngrua dos Parochos, que della carecem? Concluo, que primeiro se trate do objecto Congruas, e depois se verá, se ha restos desponiveis.

O senhor Castello Branco Manoel accrescentou que os fructos na Ilha da Madeira erão muito mais caros que em Portugal, e que para o que se comprava em Portugal por 600 réis erão lá precisos 800.

O senhor Trigoso. - Eu na Sexta feira comecei a fallar contra este artigo do Projecto, e reduzi os argumentos a dous, e não pude dizer mais porque já não podia fallar. Hum dos Deputados respondeo a duas das minhas objecções: a minha primeira objecção era que os Beneficios compunhão-se de tres cousas, compunhão-se de Dizimos, compunhão-se de bens, que os particulares havião dado ás Igrejas. Dizia eu, que estas Doações tinhão differente natureza dos Dizimos, e das Doações dos particulares. Nas Doações da Coroa não adquiria a Igreja propriedade absoluta, e nas outras adquiria, e por consequencia deveria haver mais escrupulo em pôr huma contribuição forte nos Dizimos, e Doações particulares do que nas outras. Respondeo-me a isto hum Illustre Deputado que então seria facil accrescentar a contribuição pelo que toca á parte das Doações Regias; mas eu não deduzi esta consequencia: esta parecia muito similhante á que se deduzio na primeira discussão quando, fazendo-se a observação de que os Beneficios da Patriarchal ficavão muito carregados, e os outros alliviados, se disse que á vista disto se imporia huma contribuição a todos os Beneficios do Reyno. Deste modo nunca eu poderia fazer observações, que não fizessem exacerbar a contribuição dos Ecclesiasticos. A conclusão, que eu queria deduzir era, que os bens da Coroa são especialmente subjeitos nos encargos da mesma Coroa, e que os que tem reservarão a ella são agora isemptos desta contribuição: muro menor deve ser a que se deve lançar nos Beneficios Ecclesiasticos, cujos principaes elementos não se compõe de bens, da Corôa. O meu outro principio era, que esta contribuição se oppunha ás Bases da Constituição, porque atacava o direito da propriedade, e era imposta só as classes, e pessoas... (havia lacuna) mas isto que assim se tenha vencido, e que a contribuição só devia recahir nos que percebião os Dizimos. Mas eu não neguei que já estava vencido isto, que os que percebem Dizimos fossem subjeitos á contribuição, o que neguei foi que esta contribuição devesse ser tão forte, que tirasse a huns ametade dos seus Beneficios, a outros dous terços, ou tres quartos etc. de maneira que se deveria esperar do Patriotismo dos Ecclesiasticos de Portugal que elles de muito boa vontade se subjeitassem a concorrer para as necessidades notorias da Nação, ficando alliviadas della outras Ordens do Estado; mas era necessario que esta contribuição fosse dirigida por principios de moderação, e que não parecesse que atacavão os direitos com que elles tinhào adquirido os seus Beneficios; mas se com effeito a Causa Publica exigisse que esta contribuição fosse tão pesada aos Ecclesiasticos, a mesma Causa necessariamente havia de exigir que para ella concorressem tambem todas as outras classes do Estado, e eis-aqui a resposta ás objecções. Faltou-me accrescentar, que no artigo 4.° as Commendas das Ordens Militares ficão de melhor partido do que os Beneficios, por quanto estes tem hum maximo de seis mil cruzados, que nunca podem exceder; ao contrario as Commendas até á quantia de dous contos de réis são collectadas no terço, e dessa quantia para cima tem ametade. Ora não percebo a rasão de differença de huma cousa para outra: as Commendas compõe-se de tres elementos, do mesmo modo que os Beneficios Ecclesiasticos, isto he, de Dizimos, Doações de particulares, e Doações da Coroa. A natureza dos bens sendo a mesma segue-se que devem pagar igual contribuição. Mas não se deduza daqui a consequencia; e então sejão os Commendadores collectados do mesmo modo que o são os Beneficiados, porque isto seria huma consequencia similhante áquellas, que já se deduzirão ácerca dos Beneficios da Patriarchal, e ácerca dos bens da Coroa: a consequencia, que eu quero deduzir, he que os Commendadores sempre percebem parte das suas Commendas, qualquer que seja o rendimento delias; pela mesma rasão aos Beneficios não se deve estabelecer hum maximo fora do qual os Beneficiados nada recebão. Similhantemente no artigo 4.° determinou-se que os Dizimos possuidos por Conventos, ou quaesquer Corporações, paguem o terço dos seus rendimentos: estes Dizimos forão extraviados do seu primitivo destino, e são possuidos por Communidades que delles se sustentão; ao contrario os Beneficios não só são destinados para sustento desses, que os possuem, mas especialmente para os pobres, que tem. direito de serem alimentados pelos Beneficiados. Em que consistirá pois a rasão de differença? Porque rasão as Corporações, hão de sómente pagar o terço dos seus Dizimos, e alguns Beneficiados hão de pagar ametade, ou dous terços dos seus Beneficios? Alem disto tanto os Commendadores como as Corporações Regulares, por via do regra, tem outros bens que os possão sustentar. Os Beneficiados tem apenas os seus

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Beneficios, os Commendadores podem ter familia; mas os Beneficiados tambem tem familia, e tem os pobres, a que devem sustentar: logo não póde haver rasão paia ficarem de melhor partido do que os Beneficiados. Não fallo especialmente no ai Ligo, que trata a respeito cos Bispos., porque elle merece observações particulares. Mas vou resumir as duas ultimas objecções a este Projecto, postas por dous Illustres Preopinantes. O Projecto sobre o augmento das Congruas dos Parochos está já admittido á discussão, mas quando se houver do discutir de onde ha de sahir este augmento, he evidente, que não se ha de hir buscar á caixa de amortização, porque elles huma vez que lá estejão são destinadas para pagamento da divida publica. Não aos Beneficios os mais pingues, porque antes só se deixa o necessario para Congrua sustentação dos Beneficiados. Logo he necessario que os Parochos pobres percão toda a esperança de verem augmentadas as suas Congruas. Quanto aos Beneficios das Ilhas adjacentes, estes merecem huma contemplação particular, porque constão todos elles de Congruas: seria preciso que algumas se augmentassem pela mesma rasão porque se deverão augmentar no Reyno as pensões dos Parochos pobres; mas algumas outras seria preciso diminuirem-se para ficarem em harmonia com as Congruas, qne se vão estabelecer no Reyno, o que o Estado das Ilhas não permitte. Concluo que este Projecto deverá ter huma nova fórma de organização, de maneira que a contribuição Ecclesiastica já se regule pouco mais ou menos pela graduação estabelecida para as Commendas, ou que se estabeleça do outro modo que não seja muito pesada; não digo já aos Beneficiados, porque os bens da Igreja não devem servir para sustentar o seu fausto, e luxo, mas principalmente para os pobres, porque ainda que aqui se disse que no Governo Constitucional não ha pobres, e que, quando haja alguns, devem ser sustentados pelo Estado, eu não me posso persuadir disto. Os pobres não se acabárão ainda, nem se podem acabar; e quando eu fallo em pobres não fallo de mendigos, porque estes he que poderemos julgar que acabarão em o Systema Constitucional. Se tal contribuição vai avante, sem duvida a pobreza ficará sem meios de subsistir, e o numerario, que se deveria, espalhar nas Provincias, vem a refluir para a Capital, o que he de terriveis consequencias.

O senhor Innocencio Antonio de Miranda. - Eu tinha sómente a dizer huma cousa: ouvi fallar em Beneficios comprados; os que são comprados devem vir todos para a amortisação da divida Publica, e os que não são servidos pelos Parochos, que ha muitos, que os mandão servir pelos Curas, e estão em sua casa. Se se podesse fazer huma lista destes homens, era muito justo. Ha muitos, que os gastão em luxo, e em fausto: estes era tambem bom que se lhe tirasse tudo, mas aquelle que satisfaz ás suas obrigações, que olha para a sua Freguezia, que procura a hospitalidade, e que dá esmo a dos seus Beneficios, ao estes fazer-se huma Collecta tão grande, acho duro.

O senhor Soares Franco. - Eu não fallarei, nem no maximo, nem no minimo, em que falla o paragrapho. Parece-me inutil entrar agora na origem dos Beneficios Ecclesiasticos, nem só os Dizimos são Propriedade Ecclesiastica: não tenho isto em vista. Eu sou de opinião que elles são bens Ecclesiasticos pelo destino que se lhe dá, mas que a Auctoridade temporal tem poder de o alterar. Faço muito caso de hum Projecto, que fez hum Illustre Preopinante, o Projecto das Congruas: o Soberano Congresso conhece a necessidade de augmentar as Congruas a estes pobres Parochos, e a necessidade de tirar a estes o direito de Estola. Acho menos máo o Projecto. Desejava eu, visto que não ha muita difficuldade, que se estabelecesse para os actuaes Parochos trezentos, ou duzentos mil reis: que se lhe accrescente isto não me parece que seja objecto de grande difficuldade, para se esperar á nova Organização, que a Commissão de Estatistica ha de fazer, porque então eu me lembro da impossibilidade, em que nos púnhamos, de pôr em execução hum Decreto de perfeita, e absoluta necessidade; porque tanto convém tirar aos que tem muito, como accrescentar a que he, que não tem. Por isso parece-me que se deveria tomar huma medida provisoria, que declarasse que isso era para este anno somente. Em quanto á materia do paragrapbo, eu acho muito excessiva a Collecta, porque todos aquelles Beneficios dotados em 5 mil cruzados, se vão vender-se os fructos, não dão isso. Eu quereria que fosse huma Collecta mais pequena, e mais moderada, e isto parece que se deveria entender quando se tomou huma medida que fosse geral em todo o Reyno: poderia ser talvez melhor que a Collecta fosse hum quadruplo, ou hum quinto, e não me parecia que se admitisse este maximo.

O senhor Sarmento. - A applicação dos Dizimes em Portugal para ás urgentes necessidades do Estado não he cousa nova. Não entro no exame, nem me proponho expôr a materia de Dizimos, porque além de saber muito pouco disto, ella tem sido tratada neste Congresso tantas vezes, e por pessoas são sabias, e illustres Canonistas que mesmo aquelles, que estivessem nas minhas circunstancias levarião hum bom sorltmpiito destes conhecimentos, não só para augmentar aquelles, que elementarmente forão adquiridos na Universidade, como para poder formar juiso seguro neste assumpto. De tudo quanto tenho ouvido concluo que dos Dizimos, deixada huma congrua sufficiente para os ministros do altar, e despezas do culto, pede o Congresso dar-lhe a direcção, e applicação, segundo a exigencia, e urgente necessidade do Estado, olhando-se para a pobresa da Nação, e poucos recursos do Thesouro Nacional. Segundo a minha lembrança de historia Portugueza vejo Terças Reaes estabelecidas em Dizimos antigamente, afora estabelecimentos particulares. As applicações dos Dizimos em Commendas, que se ampliárão consideravelmente no tempo do Senhor D. Manoel. Não dista tão longe de nós o periodo, em que a indepondencia Portugueza foi resgatada dag mãos dos Reys de Castella em grande parte com o auxilio dos Dizimos. Já em outra occasião referi este mesmo exemplo, e não he por ser fastidioso que o repito, aponto-o, para socegar o mais pequeno escrupulo de alguns illustres Preopinantes. O Senhor

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D. João IV, hum dos grandes Reys de Portugal, quando foi chamado do seu pacifico retiro de Villa Viçosa para occupar o Throno Portuguez, achou este Reyno na maior delapidação, como era de esperar de hum Governo estrangeiro, e despotico, porque os Philippes de Castella tinhão exhaurido todas as fontes da riquesa, applicando para a Hespanba os rendimentos de Portugal. A prepotencia da Casa de Austria tinha conseguido em Roma estabelecer a mais immoderada repugnancia, para se confirmarem os Bispos nomeados peio Senhor D. João IV, chegando o Reyno a estar apenas com hum Bispo, e parece-me que esse mesmo era Titular. ElRey tão conhecido pela sua piedade, e religião, não teve escrupulo em applicar as rendas de todos os Bispados vagos, para a defensa, e conservação da independencia Portugueza, e a intriga da Corte de Madrid produzio hum effeito contrario, dando recursos a Portugal, para continuar o lucta, segurar a liberdade, e separar para sempre as duas Coroas. O Senhor D. Affonso VI, quando tomou o Governo do Reyno, em hum manifesto, que fez estampar, obra do bem conhecido D. Francisco Manoel, porem impressa debaixo do supposto nome do Doutor Jeronyno de Sancta Cruz, fazendo alardo do poder, e recursos de Portugal, põe clara, e positivamente a applicação dos Dizimos dos Bispados vagos. Quem poderá duvidar das circunstancias actuaes serem de urgencia publica. Os antigos Governadores pozerão huma contribuição nos Dizimos, e a ampliarão por cinco annos. Com difficuldade se poderá classificar em politica aquella fórma de Governo, e não poderá hum Governo representativo obrar com mais justiça, lançando mão daquelles recursos, que parece serem os menos oppressivos em circunstancias de penuria? Sou todavia de parecer que em lugar da Collecta indicada no artigo do Projecto, fosse destinada certa quantidade em fructos, porque, sendo estes arrematados em beneficio do Thesouro Nacional, e debaixo da administração delle, a Fazenda ganhará, e os Beneficios ficarão desonerados de prestações, que poderão vexar os mesmos, que contribuem. Agrada-me a opinião do senhor Abbade de Medroens, em dizer que elle não acha rasão, para que os Parochos das Provincias não sejão attendidos do mesmo modo que os de algumas Cidades especificadas. Eu me persuado que os Parochos nas Provincias tem as mesmas, ou mais despesas, que os das terras consideraveis. Sei por experiencia que em algumas terras da Provincia, como Villa Real, Lamego, e em geral o Douro faz-se mais despesa do que talvez em Lisboa; alem de que os Parochos, ainda que appareção algumas excepções, hospedão os viandantes, soccorrem os freguezes em doenças com aquelles generos demais alguma raridade, e precisão para os enfermos; generos que sómente os Parochos podem haver nas pobres Aldeãs. Estas considerações, á primeira vista minuciosas, são dignas de attenção.

O senhor Gouvêa Osorio. - Não entro na historia dos Dizimos, nem na analyse do Concilio de Trento. Eu como fui da Commissão Ecclesiastica devo dizer o meu parecer. Não deve admittir-se contribuição senão em rasão da Decima: em taes Beneficios huma Decima, em taes duas Decimas, etc. Esta he a minha opinião, e quero que se saiba que não approvei nada do Parecer da Commissão neste caso.

O senhor Borges Carneiro. - Esta contribuição não he imposta como aqui se tem dicto sobre os Ecclesiasticos: não se procurão as pessoas, procura-se a natureza dos bens; as pessoas dos Ecclesiasticos ninguem as toca, nós não vamos buscar as pessoas de maneira, que se presuma o menor des-affecto para aquelles homens, a quem he incumbido o cuidado da Religião, vai-se buscar a natureza dos bens; o estarem em Bispos, ou Clerigos he tudo indifferente para o caso de que se trata: ninguem bolle com os bens Patrimoniaes dos Clerigos, nem Papáes das Igrejas, ninguem bolle com isto; se ou os Beneficios se componhão só de Dizimos, ou de bens já rateados de Benificios, porque estes assumirão a natureza de Beneficios, e estão subjeitos aos bens da Sociedade; por isso he que se bolle com elles. Ora quanto á natureza dos Dizimos, sabe-se muito bem como elles existião entre os Judeos que não erão necessarios na Ley da Graça, que até ao 8.° Seculo os não houve, e que depois se estabelecerão, e huma vez estabelecidos ficou consignada a sua natureza a sustentar o Culto Divino, a sustentar os Ministros do Culto, a sustentar os pobres, e para as causas Pias. Patrmonium Pauperum, Preces Pecatorum, vota Fidelium. Sendo para as causas Pias, que causa haverá mais Pia do que a causa Publica? de maneira que para esta não só se vendião estes Dizimos, mas tambem os Vasos Sagrados, que são bens Ecclesiasticos, se hão vender para, occorrer ás urgencias Publicas. Por tanto he justa a Base deste Projecto, porque vai a dar aquella applicação a estes bens que pela sua primitiva natureza terião, se estivessem fora da Igreja. Diz-se que não era bastante para nos salvar as congruas, porque nellas se colleclava só o terço: esta he muito melhor, porque ella põe por principio salvar a congrua dos Ministros da Igreja, e o resto applicado para a Divida Publica; por isso julgo melhor esta contribuição que a antecedente que punha salvo o terço. A Igreja não deve ter luxo, nem as congruas devem ser excessivas; que se deem doze mil cruzados a hum Bispo, e quinze a hum Arcebispo livre de pensões, e encargos legitimos, parece-me que isto he muito bastante para o luxo, e decente sustentação de taes Prelados da Igreja. Ora nisto sem duvida he esta collecta melhor, que a antecedente, e corta sómente pelo luxo, que não he proprio da Philosophia de qualquer homem, e muito menos da Philosophia Christã. Diz-se que era melhor tempo certo, muitos disserão 8 annos, porem como não estava liquidada a divida Publica, assentou-se que era melhor não pôr tempo certo. Parece que se poderião pôr 5 annos, e depois se fará a convenção para mais, ou para menos. Fallou-se nos Beneficios dag ilhas adjacentes: a respeito desses digo que se não tem salvas as congruas de 800 mil réis, nada se entende com elles; e se tem congruas excessivas, deverão já entrar. Diz-se que muitos Parochos não tem congruas: isto he digno de ponderação muito grande, assim como eu desejo muito que aquelles, que tem con-

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gruas grandes se lhes tirem; porque a natureza de tempo presente não admitte similhante luxo. Assim digo que os Parochos que não tem congruas, se lhe estabeleção logo, e quanto antes. Mas como se ha de isto fazer? eu diria que estes restos que se julgão excessivos se tirassem já, com expressa declaração de que logo, quanto antes, se hão de estabelecer estas congruas, e que se pode estabelecer logo da mesma caixa d'amortisação, que os Parochos das Aldeias hão de ter... (havia lacuna) e que logo da Caixa se lhe vá pagando, se já aqui tiver entrado, e mesmo sem entrar na Caixa d'amortisação. Devem pois logo entrar estes excessos na Caixa d'amortisação com a expressa declaração de que quanto antes serão pagos com estes os Curas pobres.

Ultimamente ficou adiada a discussão, mandando-se unir ao artigo o Projecto de Congrua dos Parochos para junto se discutir, principiando por este.

O senhor Alves do Rio, por parte da Commissão Especial acima referida, e nomeada ad hoc, apresentou redigida a Ordem para a Regencia ácerca da entrada de generos cereaes.

O senhor Secretario Freire a leo por segunda vez, e foi approvado o 1.° artigo, quanto á liberdade da reexportação livre de direitos - Não foi approvado o 2.° artigo, e deliberou-se dar á Regencia a necessaria amplidão de poderes para providenciar segundo houver por conveniente conforme a urgencia do caso. = Leo-se o artigo 3.°, e approvou-se a suspenção interina dos Celleiros fora da Capital - Leo-se e approvou-se o artigo 4.º e ultimo recommendando-se a observancia do Regimento do Terrreiro em quanto ás penas dos transgressores.

O senhor Secretario Barroso apresentou, e leo as Cartas para Sua Magestade de que havia sido encarregado. Houve huma breve discussão, deliberou-se que devia ser só huma; e o senhor Presidente nomeou para a redegir junta com o mesmo senhor Barroso os Senhores - Arcebispo da Bahia - Trigoso - e Castello Branco.

Determinou-se para Ordem do dia a Ley da liberdade da Imprensa.

Levantou o senhor Presidente da Sessão ás duas horas da tarde - Antonio Ribeiro da Costa, Secretario.

AVISOS.

Para Antonio Pereira.

As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portuguesa, attendendo á necessidade, que V. S. lhes representa, de tratar da sua saude, concedem a V. S. a licença necessaria, esperando do seu zelo que apenas seja possivel V. S. não deixará de vir immediatamente occupar o lugar, que dignamente lhe está confiado.

Deos guarde a V. S. Paço das Cortes, em 8 de Maio de 1821. = João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Sendo presente ás Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação Portuguesa, o incluso offerecimento que, para amortisação da Divida Publica, faz Joaquim Antonio Clementino Maciel, Capitão do Regimento de Milicias da Covilhã, d'ametade da importancia de cada hum dos Valles, e Cedulas, juntos em Publica Forma, que lhe ficarão pertencendo por fallecimento de seu Pay, Joaquim José Gregorio Maciel, daquella Villa: Mandão as Cortes remetter a Regencia do Reyno o mesmo offerecimento, e mais papeis que o acompanhão, a fim de se expedirem as ordens necessarias para a aceitação deste Donativo. O que V. Exca. fará presente na Regencia para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 8 de Maio de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, considerando a extraordinaria quantidade de generos Cereaes, que se tem continuado a importar neste Reyno com notavel detrimento da Agricultura Nacional: e attendendo á consequente urgencia de providencias, em quanto não vem o dia da execução, do Decreta de 18 de Abril do corrente anno sobre este objecto: Ordenão provisoriamente:

1.° Que todos os generos Cereaes, e Farinhas estrangeiras, que se tem importado, ou houverem de importar em Lisboa até ao periodo, em que ha de ter effeito o citado Decreto, apezar deterem dado entrada no Terreiro Publico para consumo desta Capital, poderão ser reexportados sem direito; precedendo as verbas e despachos necessarios, que serão gratuitamente expedidos; e que isto mesmo haja lugar nos mais portos do Reyno, passando-se as competentes guias pelas respectivas Alfandegas: 2.° Que fiquem suspensos os Celleiros chamados do Termo pelos abusos, a que dão a uso, segundo a experiencia tem demonstrado, continuando-se sómente a distribuição para os lugares de venda do Terreiro, segundo o methodo até agora practicado em favor dos Trigos Nacionaes: 3.° Que se tomem contas aos Negociantes de Trigos, que tiverem faltado com as relações mensaes, e que não mostrarem existentes os generos, que devem ter, segundo as verbas dos Livros da Administração do Terreiro, remettendo-se logo ao competente Juiz para contra elles proceder executivamente na fórma das Leys: 4.° Que a Regencia do Reyno fique amplamente auctorisada para empregar os meios extraordinarios, que mais adquados sejão, a fim de acautelar, e punir os Contrabandos em conformidade das Leys respectivas. O que tudo V. Exa. fará presente na Regencia do Reyno, para sua intelligencia, e devida execução.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes, em 8 de Maio de 1821. = João Baptista Felgueiras.

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OFFICIOS.

Illmo. e Exmo. Senhor - Os innumeraveis obstaculos, que se reiterão de instante a instante, obstruindo a expedição, que o bem do Serviço exige, me obrigão a expor de novo ao Soberano Congresso os males provenientes da existencia de dous Tribunaes, que longe de auxiliarem, tem concorrido, e concorrem para difficultar o necessario expediente, occasionando gravissimos transtornos, como demonstrão os inclusos Documentos, os quaes julgues do meu dever apresentar ao Congresso Nacional em additamento ás memorias, que por mim lhe forão dirigidas, e de que espero solução, a fim de restituir á pratica o plano, que julgo mais conveniente ao serviço.

Rogo a V. Exca. queira levar esta minha Representação á presença do Soberano Congresso para deliberar como entender.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Regencia em 7 de Maio de 1821. - Illustrissimo e Excellentissimo senhor Hermano José Braamcamp do Sobral. - Francisco Maximiliano de Sousa.

Illmo. e Exmo. Senhor. = A Regencia do Reyno, em Nome d'ElRey o senhor D. João VI., manda remetter a V. Exca. para ser presente ás Cortes Geraes, e Extraordinarias o Requerimento de Antonio Manoel da Silva Vieira Broa, e Antonio Maria Pereira de Macedo, Soldados do Regimento de Infanteria N.° 3, com as suas respectivas Informações, em que pertendem ser promovidos a Porta-Bandeiras, não obstante faltarem-lhes as qualidades para serem reconhecidos Cadetes por falta de Nobreza, parecendo a mesma Regencia, que os Officiaes Inferiores, filhos de Officiaes, deverão ser considerados igualmente com os Cadetes para os Postos de Porta-Bandeiras, preferindo sempre aquelles, em que concorrerem melhores qualidades.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Regencia em 5 de Maio de 1821. = Senhor João Baptista Felgueiras. - Antonio Teixeira Rebello.

ERRATA.

No Diario das Cortes N.° 69 pag. 760, falla do senhor Sarmento, 1.ª col. linha 27, em lugar de = prudente systema = lêa-se = presente systema. Na linha 56, em lugar de Marianna = lêa-se = Marina.

No mesmo Diario a pag. 761, falla do mesmo Deputado, na 2.ª col., linha 59, desde as palavras = A divisão illimitada na propriedade, que tem havido em França, he talvez causada pela difficuldade etc. lêa-se = A divisão illimitada na propriedade, que tem havido em França, he talvez causa da difficuldade etc.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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