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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 78.

Lisboa, 14 de Maio de 1821.

SESSÃO DO DIA 12 DE MAIO.

Leo-se e approvoou-se a Acta da Sessão antecedente.

O senhor Secretario Felgueiras leo - hum Officio do Ministro Secretario de Estado dos Negocios do Reyno, enviando os papeis, porque se expedio o Aviso de 8 de Março proximo passado, para demolição da propriedade de José do Couto Leal, e foi remettido á Commissão de Legislação - Outro do Ministro Secretario de Estado dos Negocios da Marinha, participando haver já remettido para as Ilhas de Cabo Verde os papeis, que lhe forão indicados: do que ficarão inteiradas as Cortes.

O mesmo senhor Secretario deo conta das Cartas de felicitação e prestação de homenagem, ás Cortes das Cameras de - Salvaterra de Magos - Azurára da Beira - Alpedrinha - Sande - Lamego - Villa, e Concelho de Mouras - Espozende - Villa do Conde - Villapouca d'Aguiar - Castello de Vide - Castro Verde - Cezimbra - do Coronel de Milicias da Guarda, per si e em nome dos Officiaes, e Officiaes Inferiores do seu Regimento - e do Capitão Mor de Coruche, em seu nome, e dos Officiaes de sua jurisdicção, das quaes se mandou fazer honrosa menção =. E de Carlos Cardoso Moniz de Castello Branco Bacellar, Provedor de Aveiro - de Gaspar Homem Pinto d'Almeida Pizzarro, Corregedor da Comarca de Pinhel - do Prior de S. Pedro de Penamacor, em nome da sua Freguezia, as quaes forão ouvidas com agrado - bem como a dos moradores do Peso da Regoa, que pedião ao mesmo tempo a restituição do seu Juiz Ordinario, para o que foi remettida á Commissão de Estatistica - E do Bacharel Leonel Tavares Cabral, de Coimbra, offerecendo todos os direitos, que lhe competião no Prazo da Torre d'Alcacer, nas visinhanças, da mesma Cidade: do que ficárão inteiradas as Cortes, e foi remettida á Regencia para mandar proceder aos assentamentos necessarios.

O mesmo senhor Secretario deo tambem conta de huma Participação do Juizo Ordinario de Fornos de Algodres, sobre o modo, porque se cumprio a Ordem da Regencia para soleminisar o Juramento de S. Magestade, com a copia da Oração sagrada, que se recitou; do que ficarão inteiradas as Cortes - e bem assim de outra do senhor Felix de Avelar Brotero, agradecendo ao Congresso a escusa, que lhe havia concedido.

O mesmo senhor Secretario apresentou ultimamente duas Memorias: 1.ª do Juiz de Fora de Aviz, José Diogo da Fonceca Pereira, sobre os tributos impostos na Agricultura, e foi remettida á Commissão de Legislação: 2.ª do Superintendente da Agricultura, Alberto Carlos de Menezes, com hum Projecto de Regimento para a Junta de Agricultura, e Superintendentes ruraes, que foi remettida á Commissão de Agricultura.

O senhor Borges Carneiro propoz que se expedisse Ordem á Regencia, a fim de que quanto antes busque impetrar da Se Apostólica a auctoridade para que o Nuncio, seu Delegado neste Reyno, possa conceder Dispensas Matrimoniaes, secularisar os Religiosos, dispensar a abstinencia de carne em certos dias, e em geral todas as demais concessões, que tem sido outhorgadas á Hespanha depois da sua Politica Regeneração. Ficou para segunda leitura.

O senhor Sousa Machado apresentou outro Projecto sobre os impedimentos do Matrimonio, pedindo que se unisse áquelle, com que parecia ter relação. Tambem ficou para segunda leitura.

O senhor Borges Carneiro deo conta que de Villa Viçosa de lhe participava, que o Bispo Deão daquella Isempto não só jurara as Bases da Constituição com restricções ineptas, insultantes, e perturbadoras (como era constante do Auto que apresentava, ha-

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vendo alem disso tistimunhas, cujos nomes designarão as quaes tinhão visto e lido o mesmo Juramento) mas até espalhava que ElRei dera hum Juramento coacto, e que de volta ao Reyno desfaria tudo o feito pelo Soberano Congresso; afora isto commettendo prepotencias para com os seus Diocesanos - pelo que propoz, que se expedisse ordem á Regencia para mancar logo averiguar esses factos, e dar conta do resultado - sobre isto disse:

O senhor Alves do Rio. - Aquillo he verdade, o senhor João Vicente da Sylva póde attestar as qualidades do subjeito. Logo e logo se expeção ordens para lhe ser castigado, e preso para fora do Reyno. Alguns das senhores Deputados. - Já já por hum proprio.

O senhor Xavier Monteiro. - Não basta que as Leys se ao boas, he preciso que se executem. Este facto, bastante escandaloso, he devido á falta de execução do Decreto de 2 de Abril a respeito do Cardeal Patriarcha. liste Decreto, passado ha quarenta dias, ainda se não executou: se tivesse sido executado com promptidão, talvez que não tivéssemos agora este acontecimento.

O senhor Freire. - Peço que se pergunte ao Ministro dos Negocios do Reyno se em sua mão existem copias dos Juramentos de todas as Auctoridades do Reyno, e que sejão apresentadas ao Congresso.

O senhor Moura. - Ha duas circunstancias a que devemos dar toda a attenção, segundo a informação aqui apresentada por hum Illustre Preopinante. 1.° Se aquelle facto he verdadeiro, ou não: Se he verdadeiro, deve executar-se o Decreto immediatamente. Mas não he este só o lado porque este objecto ha de ser considerado, o Bispo de Villa Viçosa, não só, jura com restricções, mas espalha vozes sediciosas que ameação a segurança do Estado, o que he hum crime da maior importancia. O Bispo de Villa viçosa, sabendo que foi accusado por este crime, amanhã está logo em Hespanha; e eu creio que nos crimes que ameação a segurança do Estado está restricta a liberdade do Cidadão, e por isso seria preciso que fosse prezo antes da culpa formada. Assim eu não quero que só se averigue o primeiro facto; mas, se he verdadeiro o segundo do elle espalhar vozes sediciosas, que podem ter influencia por serem espalhadas por hum Prelado, julgo que ele não só deve ser castigado com exterminio immedatamente, mas com as mesmas penas que cevem ser impostas com toda a severidade aos sediciosos que em circunstancias tão criticas pertendem allucinar o animo dos povos. Estes são os lados porque eu quero que se considere a questão.

Depois de varios pareceres sobre não ser bastante a indagação, e carecer-se de assegurar a pessoa do mesmo Bispo Deão como perturbador da Ordem e tranquilidade Publica, caso em que tem lugar a prisão ainda antes de culpa formada, unanimemente se deliberou - expedir Ordem á Regência para immediatamente indagar o caso na forma indicada, e assegurar-se da pessoa do Bispo; commettendo esta diligencia a pessoa da sua maior confiança, e com recommendação de ser executada antes de alli chegar o Correio ordinario desta Capital.

O senhor Canavarro apresentou hum Projecto de abolição do Officio de Pareador geral das pipas para o transporte do vinho do Douro, com outras providencias para servir de regra aos Lavradores.

O senhor Sarmento deo conta de huma representação dos Negociantes de Coimbra, e Rendeiros das Provincias do Norte, pedindo o restabelecimento da Diligencia, e o reparo das estradas. Depois de algumas observações, deliberou-se ordenar á Regencia que empregue os meios conducentes a este fim; sendo antes a representação remettida á Commissão de Estatistica, para indicar as instrucções que a este respeito devem mandar-se á Regencia.

O senhor Secretario Freire leo por segunda vez, e foi admittido á discussão o seguinte

PROJECTO.

As Cortes etc. Considerando que os ordenados dos Lentes da Universidade de Coimbra são insufficientes para a sua sustentação, e que as rendas della, sendo bem administradas, bastão para remediar este mal; decretão o seguinte.

1.° Os Canonicatos da Universidade, que até agora só podem ser conferidos a Lentes Ecclesiasticos, tornando-se assim mui desigual a remuneração dos serviços Academicos, e dando-se ança a que alguns delles se movão a preferir o celibato, e abraçar a vida clerical por interesses temporaes sem a verdadeira vocação, serão secularizados logo que vagarem, e os seus rendimentos entrarão na massa geral da mesma Universidade, procedendo para este fim a Regencia do Reyno a fazer logo impetrar Letras Apostolicas.

2.° Tambem entrarão na massa do rendimento geral as Commendas da mesma Universidade.

3.º Dos referidos rendimentos se fará conveniente accrescentamento aos ordenados dos Lentes de todas as faculdades, e se estabelecerá algum aos Oppositores extraordinarios no tempo em que estiverem residindo em Coimbra com effectivo exercicio.

4.° Desde a publicação do presente Decreto ficão extinctas as propinas que pagão os Estudantes pelas suas matriculas; e bem assim as Ordinárias, que estão impostas no rendimento de muitas Cameras com a applicação para os Partidos dos Medicos e Boticarios (a).

Tambem ficará cessando a obrigação arbitrariamente imposta aos Estudantes de apresentarem no acto da matricula bilhetes para prova de haverem comprado os Compendios daquelle anno na Imprensa da mesma Universidade (º)

(a) Estas Ordinarias tinhão sido reguladas pelo Regimento de 7 de Fevereiro de 1604, e novamente o forão pelo Alvará de 20 de Agosto de 1774; porém ellas começarão a ser injustas desde que á Universidade accrescerão novas rendas.

(°) Chega este despotismo a ponto de não poder ninguem servir-se do Compendio que foi de seu irmão, pay, amigo, etc.

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O senhor Manoel Antonio de Carvalho apresentou huma Memoria sobre o novo destino dos Canonicatos de Coimbra, para servir de additamento ao Projecto do senhor Borges Carneiro, e foi remettida á Commissão de Instrucção Publica.

Fez-se chamada nominal, e achou-se faltarem os senhores - Gyrão - Moraes Pimentel - Antonio Pereira - Sepulveda -- Barroso - Baeta - Innocencio Antonio de Miranda - João de Figueiredo - Pereira da Sylva - João Vicente da Sylva - Faria de Carvalho - Guerreiro - Coelho Pacheco - Ferreira Borges - Xavier d'Araujo - Castro e Abreu - Vaz Velho - Isidoro José dos Santos - Sande e Castro = e estarem presentes 83 dos senhores Deputados.

O senhor Presidente propoz que de ora avante começassem as Sessões às oito horas da manhan, o que geralmente se accordou.

Seguio-se a Ordem do dia, e discussão do Projecto de Decreto sobre Franquias; leo-se o artigo 1.º, e propoz

O senhor Borges Carneiro, que a doutrina do Projecto e a sua discussão deveria precisamente restringir-se a vinhos, aguas-ardentes, e demais bebidas espirituosas, fazendo a este respeito effectiva a prohibição do Alvará de 20 de Setembro de 1810, sómente com a restricção das penas.

O senhor Peixoto.- Eu julgo que por agora só nos cumpre tratar de cohibir por todos os meios possiveis a introducção das bebidas espirituosas, e deixar em seu vigor, quanto aos mais generos, as Leys que lhe concedem franquia desde o foral da Alfandega desta Capital Capitulo 4.° e seguintes, e Regimento da Alfandega do Porto Capitulo 9.° é seguintes, até ao Alvará de 26 de Maio de 1812; pois que o contrario era implicar-nos em graves riscos, e até contraviria ao Tratado de Commercio de 19 de Fevereiro de 1810, pelo qual no artigo 21 se concede a franquia por deposito debaixo das chaves d'Alfandega a todas as fazendas da Gram Bertanha ainda mesmo aquellas que não podem despachar-se pára o nosso consumo, como são as das Indias. Por tanto convenho em que a discussão se limite na fórma da proposta.

O senhor Pereira do Carmo. - Para darmos a devida importancia ao Projecto de Ley, que entra hoje na Ordem do dia, será necessario descer aos tenebrosos mysterios de iniquidade, praticados pelos Contrabandistas de aguardente, ou assassinos do seu paiz; que este he o nome, que merecem esses homens degenerados, e infames, que sacrificão os interesses de seus Concidadãos ao seu vil, e particular interesse. A riquesa, que tem amontoado estes ladrões publicos, fórma hum contraste escandaloso com a mesquinha sorte dos Lavradores de vinho, classe tão util, que sustenta só por si mais de metade da povoação do Reyno. Se os illustres Membros desta Augusta Assembléa presenceassem o frio desdem, com que elles tratão o miseravel Lavrador, que lhes vem apresentar humildemente as amostras do seu vinho, ou aguardentes, aguilhoado pela necessidade de sustentar sua familia, grangear suas vinhas, pagar a decima, a cisa, o subsidio litterario, o quarto, oitavo, o dizimo, a jugada; tenho por sem duvida? que sentirião a mesma indignação de que me acho possuido. Redobra-se esta indignação, quando observo as respostas insidiosas de similhantes desalmados = Isto não está seguro : ElRey não acceita a Constituição, e nesse caso adeos Brasil. Mas ainda quando a acceitasse, isso pouco influirá nos preços deste anno, porque os nossos correspondentes da Bahia, Rio, e Pernambuco acabão de nos escrever, que entrarão naquelles portos 400:000 pipas de vinho de Hespanha; 500:000 de França, e 100:000 do Cabo. Em fim attendendo a que Vm. He freguez, se quizer tanto? ... O = tanto = he huma odiosa bacatella, que põe o Lavrador na mais completa desesperação. Arredemos os olhos deste quadro desagradavel, e vamos patentear á Nação os tenebrosos mysterios do contrabando.

Por duas maneiras se tem principalmente feito o contrabando de aguardente. 1.° São avisados os Correspondentes de terra, do dia em que, pouco mais ou menos, deve chegar o navio; e então ensejão pequenos barcos, com que o esperão fóra da barra, para fazer a descarga. Este plano arriscado só vem a effeito, quando o mar he chão; mas se elle repentinamente se levanta, e os ventos se tornão ponteiros, corre o navio risco de se perder, e de não ser pago pelos seguradores. Por isso o que mais das vezes se pratica he o segundo plano = Depois do navio aproar a barra, entra para dentro (bem entendido) coberto com a capa de franquia, e muito a seu salvo ajusta a venda, e descarga daguardente, a qual se verifica na sahida do mesmo navio, havendo a cautela de se metter para dentro delle tantos barris cheios dagua saldada, quantos forão os que se deixarão em terra cheios daguardente, a fim de prevenir o perigo da visita. Em quanto se faz esta operação, as embarcações do corço, que estão peitadas, rondão por outros sitios diametralmente oppostos, de maneira que o roubo se executa no Sul, e elles navegão para o Norte. Se todavia se encontrão alguns Guardas honrados, o que he difficil, muda-se a manobra; escolhe-se para a sahida do navio hum dia sereno e mar bonança; e fóra da barra sã faz a descarga em pequenos barcos. Esta aguardente assim, tirada por qualquer dos methodos apontados, se recolhe toda, toda, toda nos lambiques, e armazaens das duas margens do Tejo, aonde immediatamente se lhe deita vinho para tirar a cor, sabor, e gráos, a fim, de que se não saiba , se he estrangeira. Ha ainda outro plano mais atraiçoado, que he o seguinte = Mandão os Contrabandistas levar pipas vasias de marca das Ilhas do Faial, e Pico para se encherem em França daguardente: voltão com ellas ao Faial, donde tirão despachos d'Alfandega; e cobertos com este passaporte dão entrada em Lisboa por aguardente das Ilhas.

E taes são os methodos mais geralmente practicados para dar cabo da Nação á face de todas as repartições publicas desta Capital. Pede com tudo a Justiça, que eu dê, perante esta Augusta Assembléa, os bem merecidos louvores ao Conselho da Fazenda? por haver feito quanto cabia em sua alçada, para

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atalhar este escandalosissimo contrabando: mas o genio do mal, que tem constantemente dirigido os nossos negocios de ha muitos annos a esta parte, lhe arrancou os dois Hyates Sacramento e Conceição, hum com 300, e outro com 700 e tantos barris daguardente estrangeira, que havião cahido na pena da Ley!

Tanto em mim cresce o desejo de denunciar á Nação factos desta natureza, que não posso dispensar-me de apontar mais outra especie de contrabando, se bem que não pertence directamente para este lugar. Saiba pois a Nação que ha especuladores bem conhecidos, que tem por alcunha o nome de Portuguezes (e que não nomeio, porque tenho mais pejo do que elles), os quaes mandão levantar em seus armazens pipas de marca Portuguesas para encherem de Vinho na Catalunha, donde a navegão depois em direita viagem para a nossa America. Outras vezes despachão 50, ou 100 pipas de vinho Portuguez para cobrirem com o despacho 200, ou 300 pipas de vinho Hespanhol, que introduzem no Brasil como nacional. Com esta especulação fazem estes benemeritos Cidadãos o seguinte = roubão a maioria de direitos, lançados aos vinhos estrangeiros para favorecer os nossos = emparão sobre maneira a sabida de nossos vinhos - desacreditão o vinho nacional, dando o nome de Portuguez ao vinho estrangeiro muito inferior em qualidade = arruinão os honrados Negociantes deste genero, que havendo pago direitamente os impostos, não podem competir no mercado com quem os não pagou. E eis-aqui porque maneira se fazem grandes, e rapidas fortunas, empobrecendo-se a Nação em geral para enriquecer cinco ou seis casas em particular. Se ao menos seus donos, para de alguma sorte legitimarem; essas fortunas escandalosas, offerecessem, alguma parte dellas em soccorro do Estado, quasi que me inclinava a perdoar-lhes, ainda que o sacrificio se não podia qualificar de donativo, mas sim de restituição. Porém de balde examino e torno a examinar a lista dos donativos; não encontro já seus nomes: nem a virtude energica do patriotismo se deve especar d'almas venaes, e corrompidas.

Tenho fallado dos factos, devo fallar agora do direito. O Projecto, que se discute, não constitue direito novo, mas restabelece o artigo do Alvará de 20 de Outubro de 1710, e 9 de Setembro de 1747. Prohibem-se as franquias dos generos defesos, porque as franquias dão azo ao contrabando; e he maior o perjuiso, que resulta das franquias, do que o proveito, que dellas nasce. Nem esta Augusta Assemblea deve ter o mais pequeno escrupulo em sanccionar o Projecto, tendo em vista o Alvará de 22 de Julho de 1801, que prohibe na Ilha da Madeira a franquia aos vinhos do Faial, e mais Ilhas dos Açores. Por quanto, se em terreno Portuguez se prohibe a franquia a generos Portuguezes com muito maior rasão se deve tolher a franquia em terreno Portuguez a generos defesos estrangeiros. Approvo por tanto a doutrina do Projecto contratada sómente a bebidas espirituosas, como acaba de observar o senhor Borges Carneiro.

O senhor Soares Franco conveio em que por agora sómente se tratasse dos liquidos, porem vá conveniente estabelecer o que os Francezes chamão Entrepôt, que he huma especie de deposito, e Porto Franco, o qual seria de muita utilidade e proveito ao Commercio, e á Fazenda Publica, attenta a situação geographica de Portugal; mas que para isso erão necessarias outras providencias, assim como para as franquias, que presentemente são de dez dias pelo foral da Alfandega.

O senhor Luiz Monteiro apoyou o senhor Soares Franco, e accrescentou que o Decreto de 14 de Fevereiro de 1782, e de 13 de Novembro de 1806 por consulta do Conselho da Fazenda admittem franquia para todos os navios indistinctamente, e para aquelles que entrarem nos portos de Portugal com o unico motivo de especulação e commercio, que o Porto Franco admitte tudo, com as duas unicas excepções de assucar e tabaco: apoyando a final o senhor Soares Franco sobre que o Reyno de Portugal por sua situação geographica, he o deposito geral; mostrando quão prejudiciaes erão os contrabandistas, e que por consequencia se devião tomar todas as medidas para acabar com similhante peste, sendo de parecer que a respeito das aguas ardentes se praticasse quanto fosse possível para contra elles se proceder, e serem castigados.

O senhor Peixoto. - Sobre o que disse o Senhor Soares Franco terei a observar, que nós temos actualmente o Entrepot que elle deseja. Não devemos confundir este estabelecimento com o do Porto Franco; os Portos Francos costumão ser restrictos, guardados por fora para estarem as fazendas dentro delles á disposição de seu dono, que pode re-exportallas sem Direitos: nós o tivemos na Junqueira, criado pelo Alvará de 13 de Mayo de 1796 e abolido pelo de 6 de Agosto de 1806; e as Fazendas que delle se re-exportavão não pagavão mais que hum por cento. O Entrepot he a franquia das Fazendas depositadas debaixo da chave da Alfandega. Esta franquia acha-se estabelecida no Farol da Alfandega: esteve por desnecessaria, suspensa em quanto durou o Porto Franco, e foi expressamente restabelecido o céu uso pelo Alvará que o abolio, e tomou ultimamente huma fórma que parece mais regular pelo Alvará de 26 de Mayo de 1811: este Alvará teve principalmente em vista regular os Direitos da re-exportação das Fazendas Inglezas, admittida a Franquia e pelo artigo 21 do Tratado, e que forão isemptas de imposição pelo Aviso de 4 de Novembro de 1810, o qual se fundava na ignorancia em que só estava dos Direitos que as nossas Fazendas pagavão por igual motivo nos Portos da Grão Bretanha: entre tanto as suas disposições estenderão-se a todas as Nações com quem tivemos paz:, para todas ellas se declararão franqueados os Portos deste Reyno em que houver Alfandegas; com a differença unicamente que as Fazendas Inglezas forão taxadas para a re-exportação em quatro por cento de avaliação da Pauta, afora armasenagem, e das outras Nações em cinco: e pelo Paragrapho 5.º do dito Alvará póde este deposito durar sendo das Fazendas sêccas por dois annos, e das molhadas por seis mezes, Bem se vê que esta Franquia das Fazen-

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das he absolutamente differente da dos Navios que o Farol da Alfandega concedia por tres dias, e o Alvará de 13 de Dezembro de 1806 ampliou a 10 dias; nem huma nem outra deverá daqui em diante facultar-se às Bebidas espirituosas, sem com tudo alterar a legislação em todo o resto.

O senhor Pereira do Carmo. - Peço a palavra para fazer huma observação. No systema da nossa Legislação nenhuma Ley "e julga revogada, sem que haja outra que della faça expressa e declarada menção. Ora não ha nenhuma que derogue por esta maneira o Alvará de 1710, logo he este que deve existir. Eu não sei se no meu discurso me escapou alguma palavra que pudesse offender o illustre e honrado Corpo dos Negociantes, mas eu protesto e declaro que os respeito tanto quanto aborreço, e odeio os infames Contrabandistas.

O senhor Luiz Monteiro asseverou que não dissera cousa alguma contra os Negociantes: que elle distinguia os Negociantes da classe dos Contrabandeias, que a divisa daquelles he a honra e a obediencia às Leys, e que estes são huns monstros que offendem constantemente a Religião, o Estado, e os particulares.

O senhor Vanzeller. - Tudo está dicta, só me resta dizer que quatro ou cinco Contrabandistas não devem causar terror á Assemblea, ou á Nação; deve porém recommendar-se ao Governo que fiscalize sobre este objecto.

Declarou-se o artigo bastante discutido, e

O senhor Presidente propoz:

1.º Se a doutrina se approvava na forma da emenda de seu Auctor? e foi geralmente approvada.

2.° Se desta regra devia exceptuar-se a Ilha da Madeira, onde ficava permittida a importação das agoas ardentes de França por espaço de tres annos, e com o augmento de direitos que regular a Commissão de Fazenda com os senhores Deputados da mesma Ilha? decidio-se que sim.

O artigo 2.° com pouca discussão foi approvado na fórma da emenda do antecedente. Discutio-se o artigo 3.°, e disse

O senhor Bettencourt: que não podia conformar-se com a modificação das penas pecuniárias, porque aquelles que fazem o contrabando empregão com antecedência todos os meios para sahir bem, e tem lugar a todas as reflexões para saber o que fazem: que se póde desculpar huma acção practicada por hum homem apaixonado e que obra sem consideração; mas nunca a hum homem que de proposito infringe a Ley, e que tem premeditado infringilla: que hum Contrabandista he hum inimigo declarado dos Negociantes honrados, que tem por base a boa fé: e como podem estes concorrer com os de má fé, e que suhtrahem os direitos? que estes são huns assassinos do Estado, pois com a capa de homens de bem, e pertencentes a huma classe tão respeitavel como he o Commercio, tirão todas as vantagens das Leys, sem concorrer para a Sociedade com os direitos que as mesmas Leys prescrevem, atraiçoando assim o Publico e os seus Collegas: em fim que era de parecer que se devião impor penas de infamia aos Contrabandistas? e até a desnaturalização.

O senhor Brito. - Sou de parecer: que aos Contrabandistas se imponha a pena de prizão, mas não approvarei que se destruão as riquesas e generos. Aquella riqueza serve para muitas cousas ainda que seja para se darem aos pobres.

O senhor Borges Carneiro. - Todas as leys do Reinado do Senhor D, José trazem o derramamento pelo mar. Os liquidos facilmente se encobrem, e por isso he necessario huma providencia decisiva. Agora o que será preciso decidir he, se deverão ficar comprehendidos os botes, as fragatas, e Arraes delles? Em quanto aos líquidos, agoas-ardentes, etc. que estiverem de venda tambem será preciso decidir, se o vendedor, em qualquer loje ou casa, ha de ser comprehendido?

Sobre estes quesitos seguio-se huma breve discussão.

O senhor Borges Carneiro approvou que os Fragateiros devem ser castigados como cumplices, porque o nosso systema de Legislação Econóomica sempre castigou os conductores do trigo de Hespanha, apprehendendo os transportes: que quanto os vendedores o seu voto he que sejão tambem castigados.

O senhor Bettencourt sustentou que não só os primeiros motores do Contrabando, mas tambem os cooperadores secundarios como Arraes, etc. devião ser punidos.

O senhor Santos. - Não he a gravidada da pena que produz o effeito, he a applicação della, e numa, applicação prompta, ainda que sejão mediocres as penas; pois que por este modo sempre se poderão applicar, e sendo grandes, muitas vezes senão applicavão.

Deliberou-se que o artigo tornasse á commissão para indicar as penas dos transgressores, sem referencia a Ley alguma anterior: e

O senhor Presidente propoz:

1.° Se nas mesmas penas devião incorrer os Arraes e Conductores dos Contrabandos? e decidio-se que sim.

2.° Se encorrião tambem os vendedores dos mesmos contrabandos? e decidio-se que sim.

Discutio-se o artigo 4.°, e propoz

O senhor Presidente, se se approvava, com o additamento de que as Auctoridades o comprimo debaixo da mais restricta responsabilidade? e dicidio-se que sim.

Discutio-se o 5.° e ultimo artigo, e approvada a materia, foi remettido á Commissão para o redigir attendendo, em quanto ao tempo, o Decreto a este respeito já expedido.

Proseguio-se em discutir o artigo 9.° da Ley da liberdade da Imprensa, que ficara adiado, e disse

O senhor Castello Branco. - Outro dia pedi que este artigo ficasse adiado, porque não me parecia conforme; e por tanto repetirei as minhas rasões. Vejo neste artigo a gradação das penas, e dahi concluo, que se olha para o delicto em si, para as diffentes classificações do delicto, e não para a Influencia que elle tem na Sociedade; quando eu penso que se deve olhar para à influencia que elle tem na Sociedade, prescindindo da classificarão do delicio.

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Trata-se de abusos de Imprensa em materia Religiosas. Está estabelecido que os Bispos são os verdadeiros Juises nestas materias, que elles podem pela sua compettencia impor as penas espirituaes que sabem na alçada do poder Ecclesiastico, e que só em certas casas a autoridade Civil entra no conhecimento destes delidos, para impor a pena Civil nos termos que julgar necessarios: por consequencia a auctoridade Civil nunca entra no conhecimento destes crimes senão subsidiariamente, ou para melhor dizer, não deve entrar no conhecimento destes delictos senão quando a influencia que delles provem he propria a atacar a segurança publica. Ora eu já referi que não vejo que a segurança publica seja ameaçada por crimes leves nesta materia. Não póde ser ameaçada senão por crimes capitaes contra a Relligião quando a Religião he atacada directamente, e se tende a destruilla; e por isso he unicamente neste caso que a auctoridade Civil deve entrar. Pela parte que toca aos crimes leves, e de menor qualidade, tem os seus Juises natos, tem as penas que lhe competem, quaes são as penas espirituaes. A auctoridade Civil nada deve entrar na classificação destes delictos, porque elles estão já castigados he só no caso indicado que a auctoridade Civil deve entrar; logo não deve haver gradação de penas, e ella deve ser huma unica.

O senhor Moura. - Este §. 9.° diz que a pena imposta aos delictos de que se trata no §. precedente deve ser medida pela maior, ou menor gravidade da culpa. Mas estabelecido o processo por Jurados quem ha de graduar esta gravidade? ha de ser o Jurado ou Juis de facto, ou ha de ser o Juis de Direito? E depois com que methodo ha de ser feita esta gradação, e de quantos gráos deve constar. Tudo isto deve ser exactamente defenido, porque se não acontecerá ficar ao Juis de Direito aquelle pernicioso arbitrio, que com o processo por Jurados se quis evitar, pois tendo de escolher huma pena pecuniaria entre 90, e 900 mil réis póde escolher o maximum desta pena para hum delido menor, e o minimum para hum delido maior.

O senhor Castello Branco. - Não se podem seguir os inconvenientes, que o illustre Preopinante apontou. Porque a dignidade da Religião na sua essencia está intimamente connexa com a segurança da Sociedade, não se póde dar o caso de se applicar huma pena maior a hum delicto grave em materias de Religião que influa menos na Sociedade: eu não admitto casos em que a auctoridade Civil deva intervir neste genero de crimes, setimo quando a Religião he essencialmente atacada, digo quando he atacada em todos os seus Dogmas: atacando-se a Religião he atacada a, tranquilidade publica he atacada a segurança da Sociedade. Tenho outra reflexão a fazer: se nós admittirmos a gradação das penas nestas materias, quero dizer, se nos admittirmos que em casos, leves a Authoridade Civil deve entrar nessa gradação, teremos em resultado o absurdo maior que nestas materias se póde imaginar. Ha obras, mesmo obras classicas em Sciencias que influem alguma cousa contra a Religião, e que não tratão da Religião ex professa, mas que por incidencia de outras materias fallão contra a Religião levemente. Eu julgo que huma das consequencias da imposição das penas civis neste genero de delidos he a prohibição das obras.... (havia lacuna) Os Prelados acharão motivo para censurar huma obra em huma pequena parte que ella influa contra a Religião (não fallo em essencia da Religião) e a censurarão. Pela sua parte os Jurados, depois de verem a obra censurada pela auctoridade Ecclesiastica, naturalmente se guiarão por ahi, mesmo imporão as penas segundo as gradações marcadas na Ley, e a consequencia será que a obra não possa correr. Digão todos os illustres Membros deste Congresso se as principaes obras em todas as Sciencias existem neste caso? Montesquieu he prohibido, Filangieri he prohibido, outras muitas obras são prohibidas, são livros classicos porque nós aprendemos, seremos condemnados á ignorancia.

O senhor Moura. - O senhor Castello Branco não reflectio na força-las minhas reflexões, por isso não lhe deo resposta. Eu explico os meus argumentos. Não tratei dos casos em que a Religião se offende em cousas leves, tratei dos casos graves: ha hum escripto em que se negão parte dos Dogmas definidos pela Igreja, ha hum escripto em que se estabelece hum Dogma falso, diz o Jurado "Neste escripto abusou-se da liberdade da Imprensa, porque se negarão todos os Dogmas, ou se negou hum Dogma" Aqui está o abuso, aqui está o delido, acabárão-se as funcções do Jurado, começão as funcções do Juiz: elle está perplexo, porque não sabe se he grande o crime se he pequeno pelo lado da influencia na ordem publica; porque creio que por este lado he por onde politicamente se deve olhar; não sabe os fundamentos que o Jurado teve para classificar aquelle delicto no primeiro gráo nem no segundo, nem no terceiro, e ahi está o Juiz de facto sem saber se ha de applicar a pena de novecentos mil réis, ou se outra; e deixando-se ao seu arbitrio poderá applicar a de novecentos mil réis a hum delicto menor: e por tanto ou ha de limitar-se ás declarações simplices que alli vê, ou ha de transcender estas, ou se ha de deixar ao Juiz de direito toda a latitude que nós lhe queremos tirar; porque já temos dito muitas vezes, que a importancia da funcção dos Jurados e a principal utilidade, que havia nestas instituições era cortar o arbitrio do Juiz e substituir a prova moral á legal, e ficar o Juiz reduzido a tal estado que não tenha nada mais a fazer do que applicar huma tal pena fixa, e determinada a hum, delicto tal fixo e determinado. Aqui não temos isto, porque o paragrapho diz, que se ha de impor huma pena segundo a distincção da sua maior ou menor importancia: a distincção não póde pertencer ao Juiz, ha de pertencer ao Jurado; logo he preciso huma declaração por onde o Jurado se possa guiar, senão dirá simplesmente "Ha abuso, porque o culpado abusou, porque commetteo este crime; mas este crime he susceptivel de gradação, porque a pena que está applicada ou a havemos deixar ao arbitrio do Juiz, ou fixar-lhe regras.

O senhor Castello Branco. - O Jurado não tem mais que declarar se a obra está no caso unico era que a auctoridade Civil deve tomar conhecimento.

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A auctoridade Civil não deve tomar conheci mento se não quando a Religião he isseuciaímente atacada, por consequencia o Jurado não tem que declarar o gráo em que he atacada a Religião, o Jurado não tem mais que dizer. Esta obra, que ataca essencialmente a Religião,tem a pena estabelecida pela Ley. Não ataca a Religião essencialmente, he absolvido porque em todos crimes lá está o Juiz nato, que he o Bispo. De outra maneira se vai a implicar mais esta materia, cahimos nos abusos debaixo dos quaes temos gemido atégora. A auctoridade Ecclesiastica, ciosa em excesso de censurar toda a sombra que possa offender na imaginação dos homens, não essencialmente a Religião, poucas obras haverá que ella não censure, e por isso poucas obras virão ao conhecimento dos Jurados que não venhão a ser prohibidas. Esta he a minha opinião, e será sempre: poderei ser vencido, mas ámais deisistirei della.

O senhor Moura.- Tudo he muito bom se a pena fosse só huma. (Não percebi bem este inciso - diz o Taciygrapho Machado.)

O senhor Castello Branco. - A pena he huma. Eu digo que a auctoridade Civil não deve reconhecer do crime, senão quando a Religião he essencialmente atacada: o Jurado tomando conhecimento do crime não tem outra decisão senão esta " Esta obra ataca essencialmente a Religião, tem a pena declarada na Ley. " Não ataca essencialmente a Religião, não tem a pena; porque a outra ordem dos delictos em materias de Religião pertence ao Bispo, e não á Auctoridade Civil, Tambem não espero que o Congresso estabeleça huma pena sanguinaria, ou pecuniaria que haja de destruir a fortuna de hum homem. Deliberou-se que o artigo tomasse á Commissão, para estabelecer a gradação da pena, attendendo a que o maximum designado no artigo he excessivo.

Passou-se a discutir o artigo 10.°, e disse

O senhor Basilio Alberto. - Já hontem se provou evidentemente que nas circumstancias actuaes he huma medida imprudente conceder a liberdade absoluta de combater o Systema Constitucional: elle, por desgraça, não está radicado entre nós, nós conhecemos que muitas pessoas olhão para elle como não o melhor; e por consequencia dar a liberdade de o poder combater, será abrir huma porta para não ir adiante o Systema Constitucional que temos estabelecido: por isso, em geral, he util que não se possa combater; agora em particular que se possão dizer os defeitos da nossa Constituição, parece que se deve admittir.

O senhor Santos foi de opinião contraria.

O senhor Moura. - Este paragrapho precisa de alguma declaração no que toca ao segundo requisito; porque a ambiguidade tal, ou qual de suas expressões = Combatendo o Systema Constitucional = pode levar-nos a hum de dous extremos, primeiro que com esta prohibição se quer impor silencio, e tapar a boca a todos os que quizerem escrever sobre formas de Governo politicas. = Segundo que se hão de tolerar todos os ataques malignos, e desorganisadores contra o feliz Systema, porque pertendemos reger-nos daqui em diante. Mas não se deve consentir nem huma nem outra - Medio tutissimus ibis - Eu sou de opinião que entre estes dous extremos deve haver, e ha realmente hum termo medio, o qual deve ser occupado pela prudencia do Legislador. Neste sentido vou portanto expor a minha opinião com o fim tão sómente de que a doutrina do § mereça alguma declaração, para não dar azo a qualquer das duas illações, que delle se podem tirar, o que tanto he mais facil, quanto he certo, que a opinião deste Congresso, exprimida por alguns de nossos mais insignes Collegas, estava neste sentido devidida em huma das precedentes Sessões.

Está bem longe de mim restringir de tal modo a faculdade de pensar, e de escrever, que não seja permittido expor, e analysar a theoria da organização dos poderes politicos, examinar qual he o melhor methodo da sua divisão, e indagar qual deve ser o genero, e qualidade de garantias a que devem estar subjeitos aquelles, a quem se confia o exercicio destes poderes. Jamais seria de opinião que a minha Patria fosse subjeita á tyrannia, a que tenho visto submettida a França desde 1789 , em que alli rompeo o desejo das reformas políticas.
Destruido alli o poder do Rey, ninguem pode escrever mais sobre a monarchia absoluta. Estabeleceo-se a Republica huma, e indivisivel, e forão logo mandados á guilhotina os que fallavão em Republica federativa. Estabelecido o Directorio com os seus Conselhos de Anciãos, e dos Quinhentos mil processos forão intentados, mil assassinatos politicos se perpetrarão contra os que escreverão, criticando esta descompassada organização politica; veio por fim a tyrannia Consular, e Imperatoria de Bonaparte, e ninguem póde mais escrever, ou abrir a boca a respeito de hum Corpo Legislativo, que era mudo sobre theorias de governo, e destribuição de poderes publicos, e ninguem fallou mais, senão para adular hum Senado composto dos Parentes, e Creaturas do despotico Chefe do Governo. Longe de mim está o pensar que no meu paiz, em que se planta pela primeira vez a liberdade de escrever, hajamos de imitar este abominável Servilismo.

Mas tambem estou longe de annuir a que se devão tolerar ataques malignos, e violentos contra o Governo Constitucional em todas as suas partes, e que não deve restringir-se a malevolencia dos amadores do antigo Systema, a quem, se não fosse esta restricção, ficaria sendo permittido dizer, v. g., que os Poderes políticos na mão de hum só homem estavão melhor do que na mão de muitos; que he mais conveniente fazer as Leys às escondidas, ouvindo só dous Ministros, e dous Validos parciaes e corrompidos, da que fazellas n'huma Assemblea de cem indivíduos no meio d'huma discussão política, â vista da Nação inteira; em fim poderião até dizer, que o poder de hum só, que a Monarchia absoluta he systema preferivel da Monarchia temperada, ou Constitucional. Poderíamos tolerar então, que circulassem escriptos, em que vissemos estampadas estas heresias politicas? Quem se não revolta com a idéa de que não se hade castigar similhante abuso?

Disserão alguns de nossos honrados Collegas, que não havia risco em se escreverem semelhantes inepcias ; que em Inglaterra ha esta liberdade absoluta,

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e que o Systema Constitucional he de tal modo evidente na sua utilidade, que pouco podem importar os ataques, que lhe forem feitos. Eu não tenho tanta facilidade em admittir taes principios. - Primeiramente, o exemplo da Inglaterra não he analogo; alli está já radicado o Systema Representativo, e Constitucional, e não pode temer os furacões dos partidos; he diverso entre nós, onde este Systema acaba de ser plantado, e bem como a planta acabada de pôr soffrerá com a mais pequena concussão. Não ha cousa mais perigosa, do que applicar indistinctamente a todas as Nações, as theorias políticas adoptadas por huma. Alem disto: eu nunca vi que em Inglaterra se tolerasse hum escripto, onde se dissesse que o Governo arbitrario de hum só homem, que acumula ás vezes em si todos os tres poderes, fosse huma foi rua preferivel á forma Constitucional, e Representativa. Tanto mais adopto a opinião de que devem ser castigados os abusos nesta parte, que os Etilicos do Rio de Janeiro (para me servir de huma expressão muito usada pelo Illustre Deputado, e meu amigo, o senhor Borges Carneiro) todo o seu esforço (em quanto Sua Mageslade os não afastou de seu lado) era inculcarem a todo o mundo, que em Portugal sempre houve Constituição; e que o querer estabelecer, hoje era huma innovação perigosa, e desorganisadora. Dous Illustres Membros deste Congresso, meus honrados Collegas na Junta Provisional, que estão presentes, occasionalmente observarão comigo que entre as advertencias, que fazia o Ministro Villanova aos Ex-Governadores de Portugal, para acalmarem a patriotica expolsão de 24 d'Agosto passado, era que persuadissem os povos, como a palavra Constituição não era planta exotica em Portugal, onde sempre tinha havido Constituição, e que o vicio não estava na forma do Governo, mas sim em alguns erros de Administração publica, os quaes ElRey promettia remediar. (Ainda bem que elle mesmo o contestava...) Miseravel Jurisconsulto. Que entenderia elle por Constituição? Quereria elle dizer por ventura com Mr. Bonald, que em todos os Estados da Europa, e da Asia na Constituição, e que por isso até mesmo em Marrocos, e em Argel se pode dizer que ha esta forma politica? Deste modo convenho que a houvesse em Portugal! Hum paiz, onde o Rey faz as Leys, e as executa; hum paiz onde hum homem só organiza as mesmas Leys, consultando unicamente o voto de dous Ministros ignorantes, e de dous Validos parciaes, onde apenas se ouve o dictame de hum Tribunal, cujas ideas de facto são apenas transmittidas pelo vehiculo da informação corrompida, ou ignora de hum Corregedor, ou de hum Provedor; hum paiz onde muitas vezes o Rey Legislador, o Rey Executor era o mesmo que applicava as Leys, erigindo Tribunaes especiaes, e convocando juntas camerarias para julgar os Cidadãos sem os ouvir, he por ventura hum paiz Constitucional? Miseravel Constituição! (Tornando porém ao ponto de que me tinha affastado a Recollecção de tão indiquantes abusos) Se ainda, apezar disto, havia quem dissesse que não era necessario que se estabelecesse Constituição em Portugal; a havia, que não dirião os Coripheos do Despotismo sobre esta que se está formando, se acaso a egide da Liberdade da Imprensa lhe offertasse a impunidade de seus perigosos desvairos? Os illustres Membros que os não temem, contão com a illustração de seu entendimento, e com a rectidão de seus principios, mas os ignorantes, e os incautos poderião estar seguros de semelhantes seducções? Ah! Não tenhamos esta imprudente generosidade, sejamos mais acautelados, e previdentes. - Tomo em fim, Senhores, á minha primeira idea. O segundo requisito deste § he preciso consagrallo como Ley, mas he preciso mais clareza, e por tanto eu diria que ha abuso da Liberdade da Imprensa, quando se combate o Systema Constitucional, mostrando ou pertendendo mostrar, que o Governo Representativo he contra a boa ordem das Sociedades politicas.

O senhor Fernandes Thomaz. - Senhor Presidente, a nossa Regeneração tem custado a fazer-se por este modo: posto que os estorvos não tenhão sido demasiadamente grandes, todavia para se conseguir tão felizmente, tem sido precisa muita habilidade, e ao mesmo tempo muita felicidade nossa; não he justo portanto que agora vamos pôr as cousas em termos de se transtornarem, e de causar desposto. A liberdade de imprensa foi proclamada nas Bases, como medida essencial para sustentar o systema constitucional; por tanto parece que nós não devemos dar aos nossos inimigos esta arma para sustentar o contrario: he certo que nos paizes em que as luzes se achão em outro estado, em que os espirites se achão convencidos a verdade (que posto seja muito clara e evidente, malicia, a superstição, e outras paixões não a deixão por ora conhecer) todos sabem que a liberdade absoluta da imprensa não produz os males que nós por ora receamos; porém neste principio são elles muito para temer, e he da deliberação do Congresso evitallos. He evidente que a liberdade da imprensa deve ser o mais ampla possivel, porque com effeito n'hum paiz livre não se póde viver sem ser tambem livre a imprensa, mas devemos em quanto for possivel reparar para o exemplo das Nações que nos cercão, e das que olhão com mais cuidado para a sua conservação. Olhemos para a Inglaterra, onde tem florescido a liberdade: ahi ha a Ley do habeas corpus, entre tanto, quando o bem da Nação o pede, suspende-se a applicação da Ley por algum tempo: façamos o mesmo á liberdade da imprensa. Não estabeleçamos agora e para sempre, que nunca ha de ser permittido o escrever contra o systema, constitucional, mas por ora digamos que he prohibido; porque seria dar aos nossos inimigos huma arma tão poderosa que nós não poderemos ter outra de certo com que os possamos debellar. Está demonstrado que o poder da opinião he maior que o poder da força; e que o poder da opinião, para ser bem conduzido, ha de ter a seu favor a imprensa, porque he permeia della que se conduz e guia a opinião. Se com effeita nós damos aos nossos adversarios a liberdade de levantar a opinião de que quanto nós fizemos he opposto aos principios geraes da felicidade da Nação, e bem dos Portuguezes, que quanto nós temos feito he contrario aos interesses geraes da Nação; necessa-

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vamos pôr em risco a Regeneração de Portugal, e vamos dar causa pelo menos a que haja desgostos, dissenções, e discordias entre os Povos, quando a Causa he santa e justa. Se entre os do partido contrario houver homens habeis, que saibão aproveitar-se de escrever francamente tudo quanto for permittido; se por hum principio constitucional não for prohibido o escrever n'hum sentido contrario ao que actualmente se está praticando, então podemos ter a certeza de que a Regeneração não ha de hir adiante, ou ha de ser maculada com desordens, e he deste Congresso o evitar estes males.

O senhor Sarmento. - Tenho ouvido as opiniões dos illustres Preopinantes com aquella attenção, que exige a importancia da materia, e o interesse que excitão seus vastos conhecimentos, e sabedoria. Ouvi a opinião do illustre Deputado senhor Santos; ella me fez conceber a idea de hum governo, o qual fiado na solidez das suas instituições, á maneira de hum valentão desafia as forças de quem o quizer combater. Discorrendo pela historia do mundo não sei que tenha havido governo algum que atirasse com a luva para fazer duello; pelo contrario todos os governos sempre ciosos da sua existencia procurão pôr a segurança publica a coberto dai tentativas dos que os intentão derribar. Ainda não houve governo algum que permittisse o excitar os povos á rebellião, á guerra civil, a insultar o chefe da Nação: os libellos ou escriptos incendiarios não pertencem ao dominio da liberdade da imprensa, são producções sómente protegidas por huma licença illimitada. Eu julgo ser esta a mente do auctor do Projecto; porem convem que eu me explique mais, afim de me fazer mais bem entendido. Ha huma differença muito grande em deixar em liberdade os pensamentos, e as opiniões em politica, e entre os escriptos cheios de veneno, e maldade, e que se dirigem a hum fim certo, e determinado. Huma causa he pertender alienar o espirito dos povos, inculcar-lhes odio pela fórma de governo estabelecido, aviltando-o, e inssinuando-o a recorrer a meios illegaes, outra causa he censurar as operações do governo com aquelle interesse, que todo o bom Cidadão deve ter pela conservação desse mesmo governo. Estamos naquella linha inperceptivel de demarcarão, aonde só o juiso dos Jurados poderá estremar o que he criminoso do que não he. Tomo a repetir que não existe outra garantia, que afiance a liberdade da imprensa sendo os Jurados: são elles os que hão de discriminar só o escripto pertence ao largo campo dos pensamentos, e da imaginação, ou se se deve reputar verdadeiro libello. Em França pertendeo-se em 1819 tratar da repressão dos delictos commetidos pelo abuso da liberdade da imprensa. Encarregou-se o projecto de Ley a huma Commissão especial, e forão escolhidos na Casa dos Pares o celebre Marquez de Laplace, Tracy e dous caracteres mais conhecidos, porem o trabalho principal tocou ao Duque de Broglio, cujas luzes, e principios liberaes são muito elogiados. Veio no relatorio da referida Com missão que se argue a Legislação Ingleza de ser indefinida nesta parte que faz hoje o objecto das nossas deliberações: apesar da opinião preferida naquelle relatorio não me posso acommodar a possibilidade de se estabelecer em limites, e demarcações, e fora a impressão que similhantes escriptos deverão fazer nos animos dos Jurados, os quaes pesando bem as circunstancia, e tendencia delles he que deverão pronunciar hum juiso seguro em similhante materia. Eu conto com a moral, sisudeza, e costumes da nossa gente; póde ser que em Fiança sejão necessarias essas demarcações, eu não as considero precisas em Portugal. Essa impunidade, que os Legisladores Francezes, no citado relatorio, notão em Inglaterra, aonde elles mencionão que no curto intervallo de tres annos o Attorney-General, que corresponde ao nosso Procurador da Coroa, foi obrigado a deixar de seguir quarenta e duas accusações por elle intentadas por motivo de libellos, eu reputo tantos triumphos da liberdade da Imprensa, e folgaria de ver iguaes regulamentos na minha patria, porque estou firmemente convencido de que, sem liberdade de imprensa, nunca poderá existir a liberdade civil. He mais facil o estabelecimento de leys, que contenhão os abusos da imprensa, do que de leys, que possão obstar aos abusos das administrações publicas. Entregarei sempre ao juiso de doze homens bons, e interessados na conservação da ordem publica a decisão em similhantes pontos, do que permittirei que se estabeleção restricções. Parece-me combinar por este modo as opiniões dos sabios Preopinantes, dos quaes, huns com justa rasão receão o resultado de huma licença desenfreada, que he a anarchia, a rebellião, e outros males do despotismo, que se podem recear, multiplicando-se as restricções nesta materia.

O senhor Borges Carneiro. - Parece que se concilião todas as opiniões huma vez que se diga, que fica provisionalmente prohibido o combater o Systema Constitucional; não se intendendo nesta prohibição o arguir ou mostrar injustas estas ou aquellas decisões do Governo.

O senhor Castello Branco. - Eu faço differença entre combater o Governo, e combater a fórma do Governo: combater o Governo, entendo eu combater os individuos do Cimorno, combater as operações administrativas do Governo, combater mesmo as Leys particulares: combater os individuos não póde ser prohibido, de outra maneira como he que se poderá manifestar a opinião publica contra hum dos Empregados do Governo que deve ser castigado, e deve ser escuso? Se os Cidadãos não podem fallar, e por consequencia não podem escrever contra isto, esse homem apesar dos males com que está calcando o innocente será conservado, porque a opinião não se poderá manifestar contra elles; e por consequencia teriamos estabelecido o Despotismo. Não póde ser prohibido combater as operações do Governo: muitas vezes hum Governo o mais illustrado faz huma Ley má, que se não he injusta, he prejudicial á Nação: e como he que elle poderá emendar essa Ley, e indemnisar os Povos do mal que se lhe fez com aquella Ley, se por a opinião publica elle não aprende a boa Ley que deve fazer, em luctar daquella? Por consequencia, se se entende por combater o Systema Constitucional, combater os individuos do Governo, não

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posso admillir, porque então não teriamos Liberdade de Imprensa, e nós não gosariamos dos bens que devem resultar da Liberdade da Imprensa. Convirei em que deva ser prohihido o atacar a forma do Governo; para isto não he preciso providencia provisoria, e devo ser huma resolução eterna e perpetua. Se não he feito a hum Cidadão provar o não convir na forma do Governo estabelecido, e quando elle se não quer subjeitar, nós sanccionámos que elle deixa de ser Cidadão, e que deve sahir do Paiz; como he que devemos admittir e escrever, que he mais do que fallar contra a forma do Governo não he boa? Isto he contra a essencia da Sociedade. Nós temos solemnissimamente sanccionado o contrario: por tanto não he preciso o que acaba de dizer o Illustre Preopinante, huma providencia interina e provisoria paia prohibir isto; isto devo ser sempre prohibido. Por tanto, partindo destes principios, diria eu, que este artigo deveria ser ennunciado de outra maneira mais clara, e diria "Combatendo, ou reprovando a forma do Governo Representativo." Então entendia-se que era fallar directamente contra a forma do Governo que a Nação adoptou geralmente, e que he a unica que admitte para sua felicidade.

O senhor Basilio Alberto. - (Entendeo-se só o seguinte, diz o Tachygrapho). Quanto á forma, notar os defeitos daquella forma de Governo, isto não faz mal; o que queremos evitar he que se fatie contra o Governo em geral, porque isto não convida a reformar, convida a destruir; aquele que falla contra o Systema Constitucional, convida a que se destrua o Systema: agora fallar em participar, poder dizer os defeitos da nossa Constituirão, isto não deve ser prohibido, porque daqui resulta a utilidades de conduzir ao melhor Governo.

O senhor Castello Branco. - Huma cousa he contravir ás resoluções do Governo, outra he a fórma de Governo: a fórma de Governo he o que constituo essencialmente tal ou tal Governo, isto he, o que distingue o Governo Aristocratico do Monarchico, e do Democratico etc. isto he que eu entendo a forma do Governo, o mais são operações do Governo, são os meios porque elle se desinvolve.

O senhor Basilio Alberto. - Se se dissesse "aquelle que atacar a forma do Governo" era o mesmo que dizer, que não poderá haver ninguem que possa apontar os defeitos das nossas Bases da Constituição, isto he que eu não admitto: agora em geral, sim, mas apontar os defeitos das nossas Bases da Constituição, isso a qualquer ceve ser permittido fazer. (O mais não se entendeo, diz o Tachygrapho.)

O senhor Castello Branco. - Diria eu "Quem combatesse, ou reprovar-se as Leys Constitucionaes do Paiz porque ha Leys Constitucionaes contra as quaes todo o Cidadão deve ter a faculdade de escrever: ha muitas Leys nas nossas Bases que podem ser combatidas, huma he a forma das Eleições: talvez que não adoptámos a mais propria, e não se deve privar a Sociedade de escrever, de combater as Leys Constitucionaes. Então diria eu, para não cahir nos inconvenientes "fórma do Governo" porque as Leys Constitucionaes são operações desta forma.

O senhor Moura. - Eu sou de huma opinião que ainda concede mais latitude ao Escriptor, porque julgo que he não deve ser prohibido senão injuriar, e de nenhum modo desacreditar ou os individuos, ou as Corporações, a quem estiver confiado o exercicio dos poderes politicos, com tanto que prove as prevaricações, que exproba. Sim, a primeira vantagem da liberdade da Imprensa he descobrir os vicios da Legislação, e os vicios da execução, e da administração; por consequencia deve ser permittido a qualquer Escriptor não sómente o censurar as Leys e as opiniões publicadas na sua discussão, mas tambem revelar, e denunciar ao publico os erros práticos cominou todos na execução das mesmas Leys, e mostrar ou a inaptidão dos expedientes governativos ordenados áquella execução, ou a parcialidade dos ministros, e de todos os agentes inferiores, que executão, e que administrão. Tudo isto deve ser permittido; o que só deve ser punido, e castigado severamente he injuriar com termos insultantes, e com expressões grosseiras, e lavernarias; porque estas injurias e insultos não tem fim util, e pelo contrario accendem a discordia entre os Cidadãos, preparão vinganças, e tirão a dignidade, e o respeito, que n'huma sociedade bem organisada he necessario que tenhão as Auctoridades publicas. Por tanto, eu ainda quero mais do que parece querer sobre este ponto o meu respeitavel Collega, e amigo o Senhor Soares, que acabou de fallar. Sim; diffamem e desacreditem muito embora os Folhetistas a quem quizerem, mas não injuriem, porque eu faço esta differença: desacreditar, e infamar he fazer a imputação de hum farto, que ataca a honra, e a considerarão do homem (publico ou particular) que o praticou: Injuria he dizer contra hum individuo expressões, ou invectivas ultrajantes, que não comprehendem imputação de facto algum. No primeiro caso tira o publico a grande vantagem de saber como e quando hum Empregado publico praticou aquelle facto, que he contra o seu dever; no segundo porem não ha senão o interesse maligno do Escritor, que vomita a sua colera, ou que prostituo a sua pena á vingança de hum terceiro. Não ha cousa mais facil do que dizer por exemplo = Os Ministros do Rey, os Administradores da Fazenda pubica, os Juizes são parciaes, são inaptos, são tupicos, são ignorantes, são ladrões; os Deputados da Assemblea Legislativa, os Conselheiros do Rey são incapazes, vendem o seu voto = Mas o que he difficil, e mete em grandes embaraços a quem o diz, e muito mais a quem o escreve, he accrescentar os factos, que comprovão estes vicios, e estas incapacidades, porque; quem o diz deve provallo, e a utilidade publica consiste então em que - se o prova, o empregado publico deve ser castigada e expulso do emprego, e se o não prova deve o Escritor hir para o Limoeiro, e receber o castigo correspondente á sua calumnia. Por tanto, Senhores, ha a embora quem revele ao publico os defeitos theoreticos, e practicos da Legislação; haja quem revele ao publico os vicios introduzidos na execução da Ley pela incapacidade, ou prevaricação dos executores; haja quem revelo ao publi-

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co, e castigue desde logo com a mais severa, e vehemente critica os abusos, e enormidades praticadas na administração da Justiça, mas ha de ser fazendo imputações de factos, que demonstrem tudo isto, e não ha de ser com injurias, com invectivas vagas, dictos gratuitos, sarcasmos, e expressões de mordente scurrilidade. Quando se imputa hum crime, tem o infamado o direito de mostrar a falsidade da imputação, o calumniador fica descoberto para pagar a calumnia, e a opinião publica fica satisfeita; quando se diz auma injuria, quem fica satisfeito he tão sómente o maldizente, com que direito hade o jornalista accender o facho da perturbação publica para hir abrazar o credito da familia honesta, do Cidadão pacifico, e do Empregado publico, começando por chamar a huns viciosos, a outros stupidos, e prevaricadores? Com que direito pode dizer que o Ministro do Rey he hum ladrão, que o Juiz vendeo a Justiça, que o Congresso he parcial, que na discussão das Côrtes se faz bulha como nos açougues, e outros mil dicterios não só vagos, mas insulsos? Que fim podem ter estas imputações vagas sem hum facto determinado, em que se apoyem? Nenhum, a não ser o de contentar a malignidade (os que desejão ver manchado o credito de seus Concidadãos ainda á custa da verdade; porque em fim a influencia espalha-se, e os que pavão só na superficie das cousas dirão que alguma cousa haverá na materia, pois que hum Escriptor se attreveo a estampallo. Eu fallo deste modo, não só porque assim o entendo, mas tambem porque desejo ter a que me torne quando alguem escrever contra a minha reputação; quero defender-me, e ninguem se pode defender de imputações vagas: Eu quero ser censurado; porque das censuras eu me defenderei; mas não quero ser motejado; porque não sei responder a motejos, nem me nosso occupar nessas baixelas. As minhas opiniões, e os meus costumes soffrão muito embora a censura, quando aquellas não forem luctas, e quando estes não forem ajustados ás Leys divinas, ás Leys humanas, ao decoro, e á decencia publica. Isto o digo com todo o desembaraço, e o diria perante toda a Nação Portugueza, se toda ella coubesse neste recinto.

O senhor Castello Branco. - Eu não me seria permittido fallar outra vez, se não se tirasse do meu discurso huma tal opinião. Dizer que todos os Estados tem Constituição. O Grão Turce he hum Déspota, faz huma Constituição, he hum Déspota Constitucional. Mas por ventura todas as Constituições admittem a formado Governo Representativo, que demonstra que a Soberania reside na Nação, e que, não podendo exercitalla, ella a delega nos seus Representantes? Certamente só a nossa fórma de Governo tem esta prerogativa. Depois advirta-se que a emenda que substitui não foi a respeito da forma da Junta Constitucional: para não cahir neste absurdo, he que eu disse "Combater, ou reprovar a forma do Governo Representativo" A fórma do Governo Representativo he muito especifica, e não pode ter applicação senão á forma de Governo que nós adoptamos; não he vaga como a forma do Governo Constitucional, porque por esta viriamos a cahir em absurdos, pois que todos os Estados tem Constituição. Diz hum Illustre Preopinante que estabelecida a minha doutrina, será licito escrever o mesmo, porque nós já decretámos que fosse severamente castigado o Bispo de Villa viçosa, peias acções que havia praticado. Quando os individuos se tem subjeitado á Ley, e tem jurado, então devem obedecer. Entretanto huma vez que elle não desobedecêo, dizendo ser licito fazer reflexões a respeito da Ley como entendesse, poma antes de jurar, então nós declarámos a alternativa. He huma Ley estabelecida de novo entre nós: quem a jura, e se subjeita, fica obrigado a ella: quem não jura ou em parte, ou em todo, deixa de ser Cidadão? O que nós decretámos a respeito do Cardeal Patriarcha he o caso do Bispo de Villa viçosa. Se além de elle não Jurar as Bases da Constituição em toda a sua plenitude, perpetrou hum crime de outra natureza; então entra na linha daquelles que estão no Reyno provocando os Povos á rebellião. Muito embora se diga que elle deixou de ser Cidadão, porque não jurou as Bases, ou jurou com restricção. A falta do direito de Cidadão não o priva da applicação das penas em que incorre, como querendo sublevar a Nação; porque nessas incorre todo o Estrangeiro, que entrando na Sociedade provoca os Povos á rebellião, elle deve estar subjeito ás Leys do Paiz relativamente a este crime. Por tanto o Bispo de Villa viçosa se não tem Jurado as Bases deixa deixa de ser Cidade, e se provóca os Povos á rebellião, apesar de deixar de ser Cidadão deve estar subjeito á Ley. Por consequencia o caso particular do Illustre Preopinante não póde ter lugar para a doutrina. Torno á mesma doutrina, e digo, que o que jurou a Constituição deve obedecer; inda que não seja esse o seu modo de pensar, está obrigado a obedecer, mas deve-lhe ser licito fazer as reflexões que julgar que podem ser uteis á Nação contra essa mesma Constituição. He nossa Ley Constitucional a Liberdade da Imprensa, e não poderemos dizer depois de decretada que o Congresso não decretou com toda a madureza a liberdade delia, porque póde ser perigoso á Nação em taes, e taes circunstancias. Poderá ser castigado, o que escreve nestes termos, com tanto que escreva com moderação? N'huma palavra eu desejaria que este Congresso applicasse a todas as materias tanto politicas, como de outra qualquer natureza os mesmos principios que muito sabiamente applicou á liberdade de Imprensa em materias Religiosas. Nós dissemos, que a Religião nada deveria temer dos ataques que se lhe fizessem; não só porque a sua verdade era eterna, e evidente, mas porque desses escriptos nenhum mal lhe poderia resultar. Porque rasão pois seremos parciaes, e não admittiremos estes principies em materias politicas? O Governo Constitucional deve prevalecer; em quanto os Povos não forem fascinados, a Constituição permanecerá sempre; mas havendo a liberdade de escrever contra as operações deste Governo, porque se estabelecerá melhor a sua força, e se dilucidirá melhor a verdade. Se hum Revolucionario tentasse escrever contra as Leys Constitucionaes muitos homens de rasão mostrarião o erro da sua doutrina, e o mostrarião digno de despreso.

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O senhor Borges Carneiro. - Huma cousa he combater o systema Constitucional, outra cousa he combater as operações do Governo. Já se ponderárão rasões fortissimas a esse respeito. Mas que cousa he combater o systema Constitucional! He combater as bases, e fundamentos desse systema, não he combater tudo o que estiver na Constituição. Na Constituirão ha de estar que as eleições hão de fazer-se deste ou daquelle modo que as eleições serão feitas por listas triplicadas ou duplicadas, etc. Isto póde combater-se, póde qualquer dizer: He melhor que as eleições sejão por este modo reguladas, etc.; porque isto não são as bases capitães do systema constitucional. Não se póde combater o systema, isto he, as bases do systema, mas póde arguir-se muita cousa da constituição. Quem entrasse a combater que a Soberania irão está na Nação, e outros pontos capitães, não podia ser tolerado, e não poderá jamais ser permittido; mas outros objectos porque não poderá qualquer combatellos? Por isso a emenda será que se diga: - Fica prohibido combater o systema Constitucional, ou as bases delle, e seus principios capitaes, não ficando prohibido o arguir com moderação os outros pontos.

O senhor Bispo de Beja. - Parece-me que se diria bem = A fórma do Governo adoptado pela Nação.

Ultimamente ficou adiada a discussão.

O senhor Fernandes Thomaz pedio ser dispensado de assistir ás Sessões, por haver mister de cuidar da sua saude, protestando comparecer áquellas que lhe fosse possivel. Concedeo-se-lhe.

O senhor Moura propoz, que tendo sido com o senhor Borges Carneiro encarregado pela Commissão de Constituição de redigir os trabalhos de que havião dado conta os demais senhores da mesma Commissão, a fim de poderem dar-se áquella occupação precisarão ao menos de ser por tres dias dispensados de assistir ás Sessões. Forão-lhe concedidos.

Determinou-se para Ordem do dia os Pareceres das Commissões.

Levantou o senhor Presidente a Sessão ás duas horas da tarde. - Antonio Ribeiro da Costa, Secretario.

AVISO.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Mandão remetter á Regencia do Reyno o incluso Auto do Juramento que se diz prestára o Reverendo Deão Prelado do Isempto de Villa Viçosa ás Bases da Constituição Politica da Monarchia Portugueza: E Ordenão, que a Regencia mande immediatamente conhecer do caso de que se diz serem testimunhna as referidas em a relação inclusa, por mim assignada. E por quanto o facto involve circunstancias particularmente aggraventes, facilmente conhecerá a Regencia que entra em o numero daquelles, que auctorisão, e exigem a captura do culpado ainda antes da culpa formada, a fim de que averiguada a verdade pelos meios competentes, não só se lhe applique o Decreto de 2 de Abril sobre os que recusão acceitar a Ley fundamental da Sociedade Politica Portugueza, mas igualmente se lhe inflijão as penas applicaveis aos sediciosos e perturbadores da Ordem Publica.

Ordenão outrosim as Cortes, que esta diligencia seja encarregada a Pessoa da maior confiança, e por tal modo, que comece a ter execução ainda antes da chegada do Correio ordinario, que desta Capital deve hoje sahir para áquella Villa. O que tudo V. Exca. Ana presente na Regencia do Reyno, para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 12 de Maio de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Relação das Testimunhas, de que faz menção o Aviso da data desta.

Juiz de Fóra de Villa Viçosa, o Dr. Marianno José da Sylva, Manoel Bernardo de Brito, o Prior Fr. José Vaz Touro, José Antonio Nunes, Cónegos da Collegiada Joaquim José da Motta, e Venancio José da Sylva, que se diz copiara o Auto de Juramento.

Paço das Cortes, em 12 de Maio de 1821. = João Baptista Felgueiras.

OFFICIOS.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Ordena a Regencia do Reyno em Nome d'ElRey o Senhor D. João VI, que eu remetta V. Exca., para serem presentes ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portuguesa, os papeis por que se expedio o Aviso de 8 de Março proximo passado para a demolição da propriedade pertencente a José do Gouto Leal, sendo manifesta a equivocação de dizer este que se mandava proceder sem avaliação, nem indemnidade, não obstante serem omissas no dito Aviso estas necessarias antecedencias: E que tendo o Governador das Justiças representado a este respeito fica tal representação indecisa, em quanto as Cortes não differem no Regimento do mesmo José do Couto Leal.

Deos guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 10 de Maio de 1821. - Joaquim Pedro Gomes de Oliveira - Senhor João Baptista Felgueiras.

Illmo. e Exmo. Senho = A Regencia do Reyno, em Nome d'ElRey o Senhor D. João VI, me ordeno communique a V. Exca. em resposta ao Aviso que determina a remessa de Decretos, e mais papeis para as Ilhas de Cabo Verde, que pelo Correio maritimo = Infante D. Sebastião = que hontem pela manhã sahio deste Porto, se remetteo para aquellas Ilhas huma collecção de todos os Decretos das Cortes Bases da Constituição, e Impressos dos ultimos successos do Rio de Janeiro; ordenando ao Governador das referidas Ilhas os ponha em execução.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Regencia, em 10 de Maio de 1821. - Illmo. e Exmo. Senhor Hermano José Braamcamp de Sobral. = Francisco Maximiliano de Sousa.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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