O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 925

DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 81.

Lisboa, 17 de Maio de 1881.

SESSÃO DO DIA 16 DE MAIO.

Leo-se e approvoou-se a Acta da Sessão antecedente.

O senhor Secretario Felgueiras mencionou - duas Cartas de felicitação, e prestação de homenagem às Cortes: 1.ª do Provedor da Comarda de Moncorvo, Martinho Teixeira Homem, que foi ouvida com agrado: § 2.ª do Prior Geral de Santa Cruz de Coimbra, Cancellario da Universidade, por si, e em nome de toda a Congregação, a qual se mandou honrosamente mencionar - E huma Memoria de Jorge Frederico, Lecor sobre a cultura dos terrenos incultos de Portugal, que foi remettida às Commissões de Agricultura, e Guerra.

O senhor Sarmento apresentou huma Representação dos Moradoras de Villa Real, que foi remettida á Commissão do Commercio.

O senhor Castello Branco Manoel leo pela primeira vez hum Projecto de Decreto sobre a administração da Justiça, e Salarios dos Officiaes della na Ilha da Maderia.

Por occasião de alguns senhores Deputados apresentarem Requerimentos que devem dirigir-se pela Commissão das Petições, pedio o senhor Secretario Falcão que qualquer dos mesmos senhores, a quem se dirigirem Requerimentos de Partes, os mandem pôr sobre a Mesa, para se lhes dar pela Commissão de Petições a devida direcção. Foi apoyado.

O senhor Ararão leo hum Projecto ácerca do concerto, e reparo das estradas e pontes da Ilha da Madeira. Foi remettido á Commissão de Estatistica, á qual haveria de unir-se o mesmo senhor Deputado, para lavrar hum Projecto de Decreto sobre este assumpto.

O senhor Pereira do Carmo pedio que os senhores Deputados que houverem de fazer qualquer proposta a concebão o mais laconicamente possivel para evitar o desperdicio de tempo (foi apoyado).

O senhor Sousa e Almeida lembrou que tambem se tratasse das estradas da Provincia da Beira, expondo o seu estado de ruina.

O senhor Miranda ponderou que a Commissão de Estatistica tinha em mãos outros negócios mais urgentes, e carecia ide planos circunstanciados, pois que não tinha senão papelada sem nenhumas ideas.

O senhor Travassos, por parte da Commissão Especial, leo e foi approvado o seguinte:

PARECER.

A Commissão informada pelo Officio do Ministro dos Negocios do Reyno, dos inconvenientes que tem sido encontrados na execução do Decreto de 28 da Março, por não se haver creado huma repartição, ou pessoa unica que receba em Lisboa todas as Leys, Decretos, etc., e responda pela sua entrega em todos os Conselhos, não duvida reconhecer a necessidade desta creação de hum centro de responsabilidade na Capital, onde os Exemplares impressos de Legislação sejão preparados em sobrescriptos particulares para o Corregedor, para as Superintendencias, que existirem em cada Comarca, para o Provedor, e para cada Juiz de Fóra, ou Ordinario.

Não julga porém conveniente, que os Exemplares assim preparados sejão remettidos todos aos Corregedores, para estes fazerem a destribuição para os seus differentes destinos por meio d'Estafetas, com a vista de serem os Corregedores nas Provincias centros de responsabilidade da destribuição, e promulgação das Leis. Porque além de ser isto hum rodeio, que retarda a chegada das Leys a cada Conselho, que pode recebellas directamente, he exposto aos abusos que se teve principalmente em consideração evitar, de

Página 926

[926]

se poderem empregar algumas vezes caminheiros; não devendo, segundo o espirito do citado Decreto, recahir sobre os Concelhos qualquer despeza, por pequena que seja, pela recepção da Legislação.

Parece que se conseguirá a vantagem de serem os Corregedores nas Provincias centros de responsabilidade da promulgação das Leys nas Terras das suas respectivas Comarcas, se com o Exemplar, que lhe for dirigido, se lhe remetter juntamente huma guia, pela qual lhe conste terem sido enviados os Exemplares da mesma Ley directamente para todos os Concelhos da sua jurisdiccão; os quaes deverão fazer-lhe constar a sua recepção directa pelos Estafetas, a que, na fórma do Plano do Ministro, deverião passar os competentes recibos: E para se vir no conhecimento da falta de execução neste serviço, ou da distracção de algum Exemplar de Legislação, deverão estes ser successivamente numerados na Repartição central da Capital á medida que forem remettidos. Desta sorte pela interpelação do numero conhecendo algum Concelho que lhe faltou o numero antecedente deverá immediatamente participallo ao Corregedor para este o reclamar da Auctoridade central da Capital, e por esta ser logo supprida a falta que houvesse; ficando o Concelho, responsavel ao Corregedor pela ommissão, que nisto tiver.

Parece que se o Correio Geral for esta auctoridade central, ficará mais simples este systema de responsabilidade, do que introduzindo sem necessidade outra qualquer, a quem elle seja responsavel, e haja de dar cautela da entrega. Com effeito passando os Concelhos recibo das Estafetas, ou Correios, por cuja via receberem os Exemplais da Legislação, e sendo por estos Correios remettidos os ditos recibos ao Correio Geral, será assim esta Repartição o meio de fazer effectiva a promulgação das Leys em todo o Reyno, e ficará por isso responsavel pelas faltas de execução. E por esta occasião lembra a Commissão, que será mui conveniente que em todos os Concelhos, que o não tiverem, se crie hum Estafeta, que, huma vez por semana, se encarregue da correspondencia geral para o Correio mais proximo, que lho deve ser indicado pela Inspecção Geral de Correios: propende, ainda a Commissão para que seja o Correio Geral a Repartição central de Lisboa, por lhe constar que o Ministro dos Negocios Estrangeiros, Inspector dos Correios, tem já arranjado o methodo para facilitar este importante serviço.

He muito bem combinado tudo o mais que o Ministro dos Negocios do Reyno indica sobre a encadernação da Legislação de cada anno, e sua conservação no Archivo do Concelho.

Permittidas estas modificações, ou alterações no artigo 2.º do Decreto de 28 de Março, necessarias para a util, e facil execução do mesmo Decreto, todos os mais artigos devera ser rigorosamente observa- dos, e ficar em inteiro vigor; e conseguintemente por sua natureza escusada a offerta dos Officiaes de Secretariados Negocios da Fazenda. Salla das Cortes, em 16 de Maio de 1821. -Francisco de Paula Travassos. - Agostinho de Mendonça Falcão. - José Antonio de Faria Carvalho. - Carlos Honorio de Gouvêa Durão.

O senhor Secretario Freire requereo que pelo mesmo expediente da remessa dos impressos se mandasse a todas as Cameras das Cidades, Villas, e Concelhos do Reyno o Diario das Cortes.

Discutida a proposta, tomarão-se votos:

1.° Sobre se todas as Cameras serião obrigadas a subscrever para o Diario das Cortes? e decidio-se que não.

2.º Se serião obrigadas a- subscrever sómente as que tivessem maiores rendimentos, e se estas serião classificadas? e decidio-se que não.

3.° Se o Diario seria gratuitamente remettido a todas as Cameras? e decidio-se que não.

4.º Se se remetteria sómente áquellas que tem menos rendimentos? e decidio-se que nem gratuitamente, nem pagando ellas o seu importe de nenhum modo se lhe remettessem, nem do Diario das Cortes se tratasse mais no Congresso durante esta Legisladura.

Fez-se chamada nominal, e achou-se faltarem os senhores = Antonio Pereira - Sepulveda - Trigoso - Vanzeller - Guerreiro - Ferreira Borges - Xavier d'Araujo - Castro e Abreu - Borges Carneiro - Queiroga - Ribeiro Telles - Sobral = e estarem presentes 91 dos senhores Deputados.

Seguio-se a Ordem do dia, e discussão do Projecto de Decreto sobre a importação do azeite, ao o que disse:

O senhor Barão de Molellos. - Eu não tencionava dizer cousa alguma sobre esta questão, porque a julgo mui bem discutida: porem a obsenação que fez o illustre Preopinante merece tanta attenção, que deve olhar-se a questão tambem por este lado. Isto he = que convem, muito promover, e proteger a cultura das Oliveiras; até mesmo porque ellas produzem nos terrenos, que não podem aproveitar-se vantajosamente em outras plantações.

He huma verdade incontestavel, que hum governo sabio, previdente, e bemfazejo deve empregar todos os meios mais justos, e convenientes para se cultivarem as maiores porções de terrenos; e principalmente aquelles que estão mais desprezados, e de que se podem tirar maiores utilidades.

Aquelles que pela sua bem proporcionada combinação das differentes terras são naturalmente mui productivos; que tem huma feliz exposição; que tem huma inclinação conveniente, que podem ser regados, que estão em huma situação mais commoda para a sua cultivação, e colheita; em fim aquelles que pela sua natureza, posição, e configuração reunem muitas circunstancias, que os tornão ferteis, e os cultivadores tirão delles grandes interesses; estes terrenos sempre se cultivão. E só huma tão desastrosa decadencia como aquella, raras vezes vista, a que tem chegado a nossa tão desprezada agricultura, he que póde desanimo e o cultivador ao ponto de os desprezar. Mas não acontesse assim áquelles, a que faltão quasi todas estas boas qualidades: e he indispensavel que o Governo proteja directa, e indirectamente a sua cultivação, e a plantação dão arvores que medrão nestes terrenos menos ferteis; mas de que por este meio se póde tirar grandes utilidades.

He pois o que acontesse em Portugal a respeito

Página 927

[ 927 ]

das Oliveiras: ellas produzem muito bem nos terrenos que tem huma tão grande inclinação que não podem ser lavrados, e até nem mesmo cavados sem muita dificuldade. E com tudo não exigem os immensos, e são dispendiosos batoreos, que exigem as vinhas, e a cultura doutras quaesquer plantas; porque as Oliveiras não precisão que se cave tantas vezes, nem tão profundamente a terra; e he-lhes bastantes que se mondem, e destruão as plantas damninhas. E além disto estas arvores lanção, além d'outras, tantas raizes á superficie da terra, e formão hum tecido tal, que segura muito a terra, por mais íngreme que seta o terreno. Produzem muito bem nos terrenos pedregosos; e até mesmo sobre fragas -, corri tanto que haja alguma terra, e que estas tenhão aberturas, a que vulgarmente chamão lezins, por onde possão introduzir as suas raizes. Produzem nos terrenos seccos, e fracos; nos argilosos, humosos, e areentos, isto he, onde predominão mais estas terras. Produzem finalmente, e muito bem em terrenos, que pela sua temperatura demasiadamente fria não são proprios para vinhas, nem para outras plantações. E são nestes, segundo o meu parecer, onde mais se deveria promover a plantação das Oliveiras, pois he onde estão mais livres da doença a que chamão ferrugem, e que tantos estragos tem feito. São só os gêlos, e os grandes frios o verdadeiro remedio a este mal, pois matão os insectos que occusão, segundo a opinião mais geralmente seguida; ou evitão que se desinvolva o dicto mal, que segundo outras opiniões, faz que propaguem estes insectos. Nas fraldas da Serra da Estrella, principalmente da parte do Norte, não tem esta fatal doença atacado ainda os Oiivaes que estão em certa altura, onde a temperatura he muito mais fria; ao mesmo tempo que aquelles que estão mui proximos, mas em terrenos baixos e abrigados, tem tido estragos pela ferrugem, e alguns ainda o estão. O mesmo digo dos Olivaes ao Sul da mesma Serra, daquelles de Sima-Coa, de muitos da Provincia de Tras-os-Montes, em fim daquelles que estão em climas mais frios, e improprios para a maior parte das plantações.- Do que tenho exposto se conclue evidentemente o grande interesse que a Nação tem de que se reduzão a Olivedos, extensos terrenos que presentemente só produzem pinhaes e matos, devendo produzir optimas Oliveiras. E póde afiançar-se que a sua producção será muito mais regular nos terrenos mais elevados, não só pelo que já disse a respeito da ferrugem, mas porque se demorão alli menos os nevoeiros; e tambem porque os calores são menos intensos. E he bem sabido que no tempo da efforecencia são os nevoeiros quem mais se oppõe á frutificação; e os grandes calores quem destroe os fructos em quanto são mui tenros.

Além destas ha outras muitas rasões que comprovão o que digo, mas não as expendo por não ser muito extenso.

A facilidade com que se multiplicão estas preciosas arvores, a pouca despeza, e cultura que exigem, as vantagens que se tirão dos terrenos que ellas occupão em quanto crescem, e as assombrão muito, a pequena despeza que se faz na conservação do azeite, a certeza que tem seu dono que nem a diutornidade do tempo, nem a mudança das estações, nem finalmente doença alguma damnifica este genero tão util, o que acontece a todos os outros: estas, e outras matas vantagens parece que convidarião, sem duvida, os Agricultores a darem grande preferencia a este ramo de cultura, porém não acontesse assim. Todos sabemos que não só se desprezão immensos terrenos, os mais proprios para Olivaes, e que estão reduzidos a pinhaes, e a charnecas, das até que se abandonarão, e abandonão muitos e extensos Olivedos, os mais bellos, e quando estavão na força de darem fructo. Eu tenho visto, e com bem magoa minha, muitos, e muitos cheios de matos quasi tão altos como as Oliveiras, e de pinheiros muito mais altos. E as causas verdadeiras deste pasmoso acontecimento são a ferrugem, o baixo preço do azeite, é a desproporcionada carestia dos jornaes. Transformados assim por estes motivos, preciosos Olivaes em espessas matas, lançarão-lhes o fogo, porque servião de asylo aos lobos, e outros animaes damninhos, que devoravão os gados, e as sementeiras naquellas visinhanças.

Não se pense que isto he exagerado; he muito menos do que tenho observado ; e não o relato porque parecerá incrivel. Não preciso recorrer às Provincias do Norte, onde estes acontecimentos horrorizão, e ainda mais aos Agricultores,- na Provincia da Estremadura tambem se observão. Quando passei na estrada de Leiria para a Figueira, não me recordo agora bem á quantos annos foi, eu mesmo observei muitos, e extensos olivedos que acabavão de arder, e outros, que ainda estavão ardendo. Doe o coração de ver ainda agora o resto destes estragos; e o miseravel abandono em que estão ainda aquelles que escaparão á mais barbara providencia, e ao mais mortal remedio, que se tem applicado em todo o mundo civilizado; e que desacredita tanto a quem o applicou, como a quem o consentio. Tal he, senhores, o estado da nossa Agricultura em geral, e particularmente das oliveiras! Eu o repito não he só a ferrugem, que tem feito esmorecer os Cultivadores, he tambem asfalta de protecção, o abandono, e a indifferença com que o Governo tem olhado para este tão interessante ramo da agricultura. Em alguns annos de colheitas regulares, tem sido tão baixo o preço do azeite, e tão alto o dos jornaleiros, que o valor do genero não chega para a despesa da colheita. E o Cultivador que desde largos tempos ficava todas as suas esperanças naquelle fructo, de que a natureza, ha annos lho tinha negado, agora lho offerece: mas que elle por falta de meios não pode colhe-lo. Que desgosto não será o seu! E quaes serão as suas reflexões!!!

He hum principio claro, e incontestavel que o preço regular dos Generos, isto he, a proporção bem guardada entre a despeza do Cultivador, e o preço porque elle os vende, e ainda mais a facilidade de os vender, são os mais fortes incentivos que convidão, e decidem o cultivador a cultivallos. Nós temos, infinitos terrenos abandonados, pouco proprios para outras plantações, mas na minha opinião os melhores para olivaes, e mais idoneos que a maior parte dos

Página 928

[ 928 ]

que estão plantados. Dê-se pois ao Azeite hum valor proporcionado às despezas da cultura, facilite-se a sua venda, não só prohibindo a importação, mas tirando todos, e quaesquer obstaculos á exportação, e promovendo-a até com premios; e então nós obteremos em Portugal, e muito mais depressa, e com muita mais facilidade a respeito do Azeite, o que os Inglezes obtiverão na Inglaterra a respeito dos Cereaes, e no Cabo da Boa-Esperança a respeito o Vinho; e o que outras muitas Nações tem obtido a respeito dos Generos que se produzem bem no seu clima. Propaguem-se entre os Cultivadores, principios verdadeiros de economia rural, facilitam-se-lhes machinas, e meios de os pôr em pratica; alliviem-se dos pezados encargos com que estão vexados, proporcionem-se os preços dos Generos aos jornaes dos trabalhadores, e mais despezas da cultura, e ao valor dos terrenos que os produzem: E em mui breve veremos reinar a abundancia, a satisfação geral, e a boa ordem; veremos augmentar-se a população, florecerem as Sciencias, as artes, a industria, o commercio; veremos até reformarem-se os costumes, e tudo quanto pode fazer a segurança, a prosperidade, e felicidade da Nação.

O senhor Sarmento.- O Illustre Deputado acaba de expor com a maior exactidão a importancia do objecto de que tratamos, e eu sómente a acrescentarei às sabias, e judiciosas reflexões dos Illustres Preopinantes o que me occorre do conhecimento practico, que tenho de alguns districtos das Provincias do Norte. Já em huma Sessão anterior toquei neste ponto, porque me pareceo assim fazer a bem do interesse, e augmento da riqueza nacional. A medida, que he hoje submetida, para a adopção do Congresso não me parece sómente digna de consideração nas actuaes circunstancias, mas deve tambem ter referencia ao futuro da Nação. Ou eu me engano, ou descubro a mais lisongeira perspectiva, para dilatação do nosso commercio. He sabido que nos terrenos proximos ao Rio Douro de hum, e outro lado, e pertencentes às Comarcas de Trancoso, e Moncorvo existem ainda grandes pedaços por cultivar, onde se podem dispor riquissimas plantações de olivedo. Eu chamo a attenção dos senhores Deputados, que tem informação daquellas localidades, que passem pela sua lembrança os importantes olivaes situados em Labazim, e Val de Villa Nova de Fascôa, e outros pontos, para lastimarem que aquellas importantes ribas do Douro não só não sido trazidas ao gráo de cultura, do qual ellas são susceptiveis, mas continuem sem cultura alguma ao ponto de metter dó o vellas no estado de abandono, e despreso, em que se achão. Eu sei por experiencia as dificuldades, que se encontrão em similhantes plantações, não sendo pequena o costume estabelecido dos pastos communs, a extraordinaria despesa de tapagens, que não só absorvem, mas excedendo as forças dos Lavradores, os fazem desanimar de emprezas, que accumularião em a Nação huma somma de producções, para exportação. A navegação do rio Douro, além de embaraços fisicos tem obstaculos moraes talvez mais consideraveis, nascidos de certos regulamentos, e restricções derivadas do estabelecimento da Companhia dos Vinhos. Dando-se o devido impulso, parece-me que não poderá deixar de nos pertencer grande parte do commercio futuro das Provincias não só da Nova Hespanha como da Terra firme. Sejão quaes forem os regulamentos mercantis, que alli se adoptem, ou ellas se emancipem da metropole, ou continuem na união politica, he impossivel que principios liberaes de commercio não abrão os portos às nações do mundo. Aquellas regiões são habitadas por povos, que tem os mesmos habitos, e costumes que os da Peninsula, e por isso hão de precisar das nossas producções, por maior abundancia, que o seu proprio terreno lhes offereça de generos de primeira necessidade. Passando pelos olhos os pontos da Peninsula para a communicação mercantil com as regiões da America Hespanhola não descubro nenhum tão importante como o Porto, porque pelo Douro podem ser levados os generos, não só de Portugal, como os do interior de Hebpanha. As communicações entre os pontos do Golfo do Mexico, e a Galliza são mais breves do que se imagina, o que não escapou às observações politicas do sabio Barão de Humboldl. Divaguei alguma cousa do objecto da discussão, porém eu creio que offerecendo á sabia consideração deste Augusto Congresso, que tanto se desvella em procurar os interesses da Nação, quanto imporia favorecer não só alavoura em geral, porém com particularidade aquellas producções, que podem augmentar as nossas exportações, demorei-me neste objecto, porque não desejo que se facilite sómente o consumo no Reyno das colheitas do azeite, adianto mais, pertendendo que se dêem decididas providencias agrarias, afim que se augmentarem as plantações de Olivedos, os quaes, depois das Vinhas, eu considero a mais importante producção do nosso paiz. Para se fazerem taes plantações ha mister interessar nellas o Lavrador; não he preciso enriquecello, basta que elle não tenha perdas, porque o campo não offerece outro emprego, nem outro recreio, senão o prazer das plantações, e da cultura; ellas desanimão quando não só não pagão o trabalho, mas causão ruina a quem se mette em taes empresas.

O senhor Baião de Molellos. - Devo responder a algumas reflexões que ouvi; e aclarar algumas que fiz, que talvez poderão por alguma utilidade, porque são fundadas na experiencia, mestra que deve sempre guiar-nos, e muito mais em agricultura.

Disse hum Illustre Deputado que o preço actual do azeite nesta Capital he mui alto, e que devem procurar-se todos os meios para que seja barato. Não devo duvidar do que elle tão positivamente affirma; mas devo tambem affirmar que nas provincias está tão barato, que não corresponde às despezas dos cultivos.

Não sou de opinião que o preço medio que deva regular-nos em todas as nossas deliberações, deva ser calculado só pelos preços correntes de Lisboa. Creio que deverá ser pelo preço medio de todas as Províncias; e as razões em que me fundo são obvias; e além de que, já isto mesmo se decidio a respeito dos cereaes,

Página 929

[ 929 ]

Eu sei muito bem que ha duas classes a attender, a productora, e a consumidora; e que sendo esta a mais numerosa, e alguma parte della indigente, merece todas as nossas attenções, e ser muito mais contemplada que a productora; e particularmente nos generos da primeira necessidade.

Sei que devem tomar-se as mais sabias providencias para que elles sejão baratos, para que jamais possão faltar, e até para que não possa haver receio de que faltem, pois que até o mesmo receio póde ter funestos resultados.

Mas tambem sei, pois o tenho ouvido asseverar nesta Augusto Congresso, que temos azeite para mais de hum anno, e que a maior parte das oliveiras estão livres de ferrugem, e permittem huma abundante colheita. Só debaixo desta certeza he que sou de voto que se prohiba a importação de azeite; e porque estou certo que esta prohibição he temporaria, e que semelhantes deliberações nunca podem deixar de o ser.

Devemos tambem attender que as sabias providencias que se esperão a respeito das Pescarias, tanto em Portugal como no Brazil, nos proporcionarão grande abundancia de azeite de peixe. E finalmente que sendo provavel generalisar-se mui bveve a Bulla para se comer carne em quasi todos os dias do anno, haverá muito menor consumo de azeite.

E ainda mesmo que fosse necessario agora comprar-se alguma cousa mais caro, até se restabelecer hum pouco a sua cultura, deveriamos fazer este sacrificio para depois o comermos mais barato, e até podermos exportar grandes porções.

Ouvi a outro Illustre Deputado instar de novo sobre as grandes vantagens que tinha havido ha muitos annos em favor do nosso Commercio na importação, e exportação do azeite. E como outro Illustre Deputado o senhor Soares Franco acaba de responder sobre este assumpto; limito-me só a dizer que no mappa, que se apresenta, esqueceo fazer-se entrar em linha de conta a mui notavel differença entre a bondade do azeite Portuguez, e o azeite Estrangeiro; e por conseguinte a grande differença dos preços. E esqueceo tambem notar a enorme quantidade de azeite que entra por contrabando, principalmente pela Raiasecca, que he muito maior que aquella que entra pelas alfandegas. Omittindo-se pois estes, e outros dados que tem huma tão grande influencia no resultado do mappa, não merece a importancia que o Illustre Deputado lhe quer dar. E ainda merece menos attenção huma observação que ouvi; dizendo-se que pouco interessava a plantação das oliveiras, porque o fruto viria só para os netos. Esta proposição he diametralmente opposta aos mais solidos, e claros principios de economia, rural, e de interesse Nacional; e até totalmente falsa. Ninguem ignora que nas Provincias do Noite começão as oliveiras a produzir antes dos quinze annos, e nas Provincias do Sul muito mais cedo.

Se este principio, destruidor dos mais solidos e verdadeiros de economia rural, pudesse admittir-se, em breves tempos bem poucos frutos teriamos, nenhumas madeiras, nenhumas lenhas, etc. Hum Governo sabio, e providente anima sempre, e com muita mais preferencia, as plantações que dão fructos para os netos, do que aquellas que os dão para os que as plantão; e as razões são bem claras.

Porem voltando á questão principal devo lembrar a este Augusto Congresso a desconsoladora idéa da grande falta de numerario; e que augmentará muito se continuarmos a desprezar a cultura dos fructos que podemos vender aos Estrangeiros, e a comprarmos-lhes os que elles nos importão, e que muito bem podemos ter no nosso Paiz. Aprendamos com as Nações mais illustradas, e pratiquemos com ellas, o que ellas praticão comnosco. Lembrerão-nos que a agricultura foi sempre em todos os tempos hum manancial inexgutavel de riquezas Nacionaes, que alenta, e vivifica todas as classes; os pobres, os ricos, os velhos, e os novos. Lembremo-nos que se os agricultores não tiverem dinheiro, nada poderão comprar aos artistas, aos fabricantes, e tis mais classes, e por conseguinte estas tambem não poderão existir. Lembremo-nos que sobre os agricultores pezão os maiores tributos; não fallo só dos pecuniarios, fallo tambem dos filhos que elles dão para o serviço da Patria, dos seus transportes, dos seus generos, em fim de tudo quanto elles tem, e que de muito boa vontade o promptificão, sempre que he necessario para a defeza, e felicidade da Nação, como tantas vezes temos observado. Da agricultura dependem directamente o augmento da população, a abundancia do pão, e do trabalho, a saude publica, a independencia, a boa ordem, em fim, a felicidade Nacional.

Todos os bens, e riquezas que procedem da agricultura, são sempre os mais solidos, reaes e independentes das continuas alterações politicas, e economicas das outras Nações, e até mesmo da nossa. Nada he menos precario que a agricultura. Quanto he facil destruir-se hum Exercito, e por conseguinte a segurança interna, e externa! Quanto he facil destruir-se a Marinha, e por conseguinte o Commercio! Quanto he facil destruirem-se as fabricas, a industria, e outros muitos semelhantes estabelecimentos! E que impossibilidade não haverá em os estabelecer, principalmente não havendo abundancia de população, e de generos para a sua subsistencia! Huma Nação agricula he sempre a mais independente, a mais frugal, e quasi sempre a mais virtuosa. E desprezaremos nós hum paiz que produz quasi todos os frutos, hum terreno o mais fertil, hum clima o mais temperado, tantos e tantos bens que nos prodigalisa a natureza!

Concluo pois que será do maior interesse para Portugal aproveitar todos os terrenos proprios para a plantação das oliveiras, e que presentemente estão abandonados; e que se deve prohibir a importação do azeite, e promover, proteger, e premiar a exportação.

O senhor Bettencourt. - Eu confirmo com todas as minhas forças, o que acaba de expender o Illustre, Deputado, pois tenho viajado pelas Provincias do Norte, e então conheci, que a agricultura do Azeite, faz a principal riquesa daquelles sitios, e que

Página 930

[930]

aquelles terrenos não podem ter outra producção mais fecunda, entre tanto he preciso animar este ramo, tantos, quanto elle he susceptivel de augmento: he huma verdade demonstrada que temos Azeite no Paiz, e que a natureza benigna, tem afugentado o grande mal da ferrugem, e que se promette huma futura colheita muito abundante: as mesmas causas, que deo occasião á Ley de 20 de Setembro de 1710, estão hoje exigindo igual providencia; accrescendo ser então só admittido o Azeite Portuguez em todo o Brazil, o que hoje desgraçadamente não acontece, o que he hu dos fataes resultados do pessimo tractado de 1810: a importação do Azeite pelos Portos seccos, deve ser absolutamente prohibida, pois he incalculavel o damno, que causa nas Provincias o Azeite Estrangeiro: em quanto aos Portos do mar eu seria muito a favor da entrada, só a titulo de Deposito, se me persuadisse que se podia já cohibir o inveterado systema, e pernicioso uso do Contrabando; como porem não vejo por ora bem encaminhados os meios de o evitar, voto pela sua absoluta prohibição mesmo nos Portos molhados; e conheço, que podiamos tirar muito partido da entrada por Deposito, e franquia de todos os Generos Estrangeiros; eu sou o primeiro a desejar esta marcha Commercial, e já aqui tenho fallado sobre os bens de hum Porto Franco, a exemplo das Nações mais Civilizadas; porem males de seculos, não se podem evitar em dias; os Contrabandistas, estes assassinos do Commercio, Ladrões publicos, tem ainda muitos meios de illudir a vigilancia de hum Governo Constitucional nascente; pois ainda muitos Subalternos não tem a convicção de obrar virtuosamente, pela bondade da acção, cumprindo deveres; tendo só em vista ser o premio da virtude, a mesma virtude: alem disto alguns Encarregados não ganhão o bastante para se porem a cuberto das tentações que de prevaricador Contrabandista lhe offerece para os fazer corréos nos extravios = Accresce no meu modo de pensar, que o Porto-Franco he muito preciso, até para se dar uso ás muitas Tercenas, e Armazens que estão á beira do mar, no que muito interessão os Proprietarios, petas rendas que delles recebem; o Estado pela competente Decima; e pelos tantos por cento, que os generos por deposito, sem franquia devem pagar; e pelos salarios que devem receber todos os que trabalhão na descarga, guarda, e mais objectos relativos, nem como são as Commissões, e Consignações. Estas são as minhas ideas Commerciaes, e que de mãos dadas com a agricultura, podião fazer a nossa felicidade; porem tudo depende de medidas ulteriores, e que não podem ter lugar para o momento em que he preciso acudir ao mal imminente.

O senhor Barão de Molellos. - Devo acclarar as minhas opiniões. Eu disse que o preço medio porque deveremos regular-nos, não deve ser, calculado somente, pelo preço do Lisboa; mas sim pelo de todas as Provincias, e ainda que esta verdade não fosse da maior evidencia, já o Congresso assim o tinha decidido a respeito dos Cereaes. Disse mais que havia duas Classes huma productora, outra consumidora, que se devia attender muito mais a esta; que os generos da primeira necessidade deverião ser sempre baratos; e nunca jamais haver hum sequer receio do poderem faltar. Ora quem estabelece taes principios, não póde deduzir consequencias similhantes ás que o Illustre Preopinante impugnou.

Eu fui o primeiro que a este Augusto Congresso ponderei as justas razões porque convinha que Elle, em todas as suas deliberações, tivesse ajusta, e devida atenção com as Provincias. E tenho muito prazer em ter sido desta opinião, porque estou persuadido que ella he fundada na razão, na justiça, e no verdadeiro interesse da Nação, que será sempre o meu.

Não he só como Deputado da Provincia da Beira que sou, (e em que tenho muita honra, e desvanecimento) he ainda muito mais como Portuguez, que declaro, e affirmo que não deve tratar-se sómente dos interesses, e commodidades da Capital, mas tambem dos das Provindas, e da Nação inteira. Todos nós formamos huma só familia, todos somos irmãos, e vinculados pelos, mais reciprocos interesses, e mais sagrados laços; estreitemo-los quanto for possivel, e serão indissoluveis. Que serão as Provincias sem a Capital? O mesmo que a Capital sem as Provincias. Quem he que produz huma grande parte dos geneneros precisos á Capital? Quem prehenche o Exercito, a Marinha, e as outras corporações? Que será da Patria sem população? Que será da segurança da Nação sem Exercito? E que será do Commercio sem Marinha? Não he esta a occasião de fazermos reflecções sobre o Commercio: e se algumas Cidades, ou pequenas Nações se limitarão a elle, foi porque as suas circunstancias e politicas lhes não premitião combinar esta fonte de riquezas com as outras não menos abundantes, e quasi sempre mais seguros, e independentes das continuas mudanças, e inesperados acontecimentos policos. Sei muito bem que a feliz, e incomparavel situação topografica do porto de Lisboa a destinou porá ser o principal Emporio do Mundo, e o interposto entre as Nações mais commerciantes. Mas para que o seja, he que eu desejo que se augmente a agricultura, porque della dependem, como já disse, a população, o Exercito, a Marinha, as Sciencias, as artes, a industria, e por conseguinte tudo quanto póde coadjuvar para a prosperidade do Commercio.

A propria experiencia fios faz conhecei bem evidentemente que a situação, e bondade do Porto de Lisboa não basta; e que são indespensaveis sabias instituições, e bem organizados estabelecimentos; e e sobre tudo Marinha, e Exercito que fação respeitar os mares, e os tratados. Eu jamais desejarei attrahir a attenção de pessoa, ou Classe alguma; fallo com a maior franqueza, e com ella já aqui declarei os verdadeiros sentimentos que professo por todos os habitantes de Lisboa.

Poderá haver que tenha por elles tanta veneração, porem mais do que eu ninguem; e ninguem deseja mais do que eu zelar os seus interesses. As minhas expressões nunca são ambias, e muito menos as minhas intenções; porque só desejo, e desejarei sempre ser justo, imparcial, e util á minha Patria; e nada mais desejo.

Página 931

[931]

O senhor Peixoto. - Apoyo o voto do Illustre Preopinante o senhor Rio: nem vejo meio mais economico para a Nação, é mais proveitoso á Lavoura do Azeite, do que o da facilidade da exportação: ao mesmo tempo, que não posso approvar a prohibição da sua entrada, principalmente pelos Portos molhai dos; e talvez com boa rasão.

Os Illustres Preopinantes, que promovem esta prohibição affirmativa, como era necessario; que nós já não podemos consumir o azeite, que temos da propria lavra; e ainda estamos ameaçados de huma colheita abundantissima. He certo, que nesse caso devemos exportar todo o remanecente do consumo dó Paiz, e sujeitallo ao preço das Praças, em que houvermos de vendello: é essas Praças, taxando-o, por assim dizer, na exportação virão a taxar igualmente áquelle, que se vender no Reino, para o uso dos Particulares, sem influenfcia do azeite estrangeiro que exista nos nossos Portos.

O azeite que superabunda nas outros Nações, hade por força hir concorrer com o nosso: e então, ainda nos será mais vantajoso, que elle faça escalla pelos nossos Portos, do que seja conduzido em direitura.

Por outra parte: o Azeite pela commodidade com que se Conserva, he hum genero mui proprio para especulação: e se os nossos commerciantes no tempo da Çafra o mandão comprar pelas Provirfcias, para deposita-lo nesta Cidade, e na do Porta, com e a esperança de beneficio; não descubro o motivo, porque haja de ser-lhes defeza esta mesma negociação com azeite comprado em Cadiz, e nos Portos do Mediterraneo, que depois de depositado por algum tempo neste Reino, possão re-exportar com lucro?

Ouvi dizer, que havia Proprietarios, e Contractadores, que tinhão novidades sobrepostas: não duvido; mas foi por erro de calculo.

Houve annos successivos, em que pólo recurso de colheitas escaças com a circulação de grande quantidade de numerario, teve o azeite hum preço mui subido: cessarão nestes ultimos annos ambos esses agentes dos preços extraordinarios e os depositarios de azeite, por desconhecerem que devião sujeitar-se ás vicissitudes do tempo, acumularão novidade sobre novidade, e se virão cada vez mais embaraçados em meio da abundancia.

Na minha Provincia não se vendeo em todo o anno passado almude de azeite a menos de 5$6000; e agora mesmo, pouco descerá de moeda de ouro em metal; preço este, que nas circunstancias presentes, he ainda mui alto, em proporção dos outros generos: o que se patentea comparando-o com o dos Cereaes, que são o typo mais firme.

Em liquidação tenho visto mappas de muitos annos, feitos nas Recebedorias de Reguengos, é corporações para os preços aunuaes dos generos, que os Pensionarios são obrigados a pagar naquellas estações. Por elles consta, (fallo da Provincia do Minho) que nos annos de setenta e tantos em que o preço do alqueire de meado se calculava entre trezentos, e quatrocentos réis; andava a par delle o almuda de azeite entre dois e tres mil réis, o meado voltou nos tres ultimos annos ao preço antigo, e o azeite sustenta-se pelo dobro do que era.

Concluo por tanto, que estou pelo voto, de que se promova a exportação do nosso azeite, isentando o de direitos, e dos mais obstaculos, que lhe estorvão a livre sahida; com a restricção somente, lembrada pelo Illustre Preopinante o senhor Luiz Monteiro: é reprovo a prohibição proposta.

Tomárão-se as seguintes resoluções:

1.ª Que fica prohibida a entrada do azeite de Oliveira e Nabo de producção estrangeira pelos portos seccos e molhados.

2.ª Que a execução desta prohibição só terá lugar hum mez depois da data do presente Decreto.

3.ª Que ao contrabando do azeite estrangeiro sejão applicaveis as penas sanccionadas no Decreto dos Cereaes.

4.ª Que fiquem reservadas para outro Decreto as providencias, e regularidade da exportação do azeite portuguez:

Proseguio-se na discussão do artigo 10.° do Projecto sobre a liberdade da Imprensa, e disse:

O senhor Moura. - Nunca me cançarei de insistir em que as Leys sejão claras, e muito mais o devo fazer quando se trata de estabelecer huma Ley destinada a marcar os abusos da liberdade da Imprensa á face de huma Constituição, é de hum Governo liberal: Sem liberdade de Imprensa não ha nem liberdade politica, nem liberdade civil: este he o primeiro dogma politico que devem erigir em Ley fundamental os Governos Constitucionaes. Diz Del Olme que só com esta Ley hiria viver em Constantinopla se alli lhe affiançassem, ou garantissem esta faculdade de escrever livremente os seus pensamentos. - A par deste dogma está porem outro não menos essencial á ordem publica, e he que os máos podem atrasar desta salutifera faculdade, e que he preciso castigar estes abusos: Ninguem o duvida. Então que deve fazer a Ley paira marcar estes abusos? Deve conservar illesos aquelles dous dogmas, porem isto he o mesmo que resolver huma grande difficuldade; traçar esta linha divisoria entre o uso, e o abuso he intricado problema de politica. Nos paizes, onde se tem legislado a este respeito acontece o serem as Leys ou nimiamente severas, ou nimiamente benignas; aquellas frustrão o destino da liberdade da Imprensa, e estas frustrão o seu proprio destino, poique não reprimem os abusos, antes os vem a auctorizar. E quando o Legislador quer evitar estes dous extremos que acontece? Limita as suas determinações a regras geraes, vagas, obscuras, e por consequencia subjeitas a interpretações arbitrarias.

Tendo isto tudo em vista, devemos assentar em que, quanto mais claro fallar esta Ley, mais nos aproximaremos á perfeição. Entro na materia do paragrapho, e digo que não se abusa da liberdade de Imprensa contra o Estado tão sómente pelos tres modos apontados no paragrapho, mas tambem se abusa, a meu ver, provocando os povos directamente a desobedecer ás Leys, e ás Auctoridades legitimas. - Dirão agora que esse modo está incluido no primeiro,

Página 932

[932]

em que se trata de excitar os povos directamente á rebellião. Respondo que não he claro; porque propriamente rebellião he o crime, que se encaminha a destruir todo o Governo, e a substituir-lhe outra fórma, e o Escriptor, que diz aos povos que não obedeção a huma Ley, porque he injusta ou a huma Auctoridade porque prevarica, ou obra no sentido inverso do seu dever, póde pertender que não he rebelde, e mie usa só do direito de censurar as Leys, e os agentes inferiores da sua execução, como lhe he permittido. Esta pertenção não será de todos inconcludente, e isso basta para que o Jurado se ache em perplexidade: não póde haver duvida em que o provocar, e excitar os povos a que desobedeção ás Leis, e as Auctoridades Publicas he hum crime da maior importancia, e que deve ser castigado, e como não he claro que elle esteja incluido na generalidade, com que o §. se explica, deve accrescentar-se esta declaração. Fica por tanto sendo permittido ao Escriptor censurar a Ley, e mostrar o lado por onde ella traspassa os limites da justiça, ou desacerta o fim da Publica utilidade; he igualmente permittido ao Escriptor censurar o Poder Executivo, e seus Agentes, quando não executão com presteza, ou quando executão com inhabilidade, prevaricação, ou peculato; porem nunca daqui deve o mesmo Escriptor inferir que os povos não lhe devem obedecer, e a unica illação, que lhe he permittido deduzir da sua censura he, que as Leys más se devem revogar, e abolir, e que os Ministros máos, que tiverem delinquido, se devem enforcar, ou desterrar. He por tanto a minha opinião que se deve declarar a determinação do §. em quanto ao primeiro caso, dizendo assim = Excitando os povos directamente á rebellião, ou a desobedecerem ás Leys, e ás Auctoridades legitimas.

O senhor Sarmento. - Ninguem lerá mostrado nas suas opiniões maior receio de que a liberdade da imprensa não degenere em licença, do que eu tenho, todavia opponho-me a que ella se enrede demasiadamente com restricções multiplicadas. - Torno a repetir o principio geral, que estabelecem os melhores escriptores politicos, que estão persuadidos dos grandes beneficios da liberdade da imprensa: os delictos que se commetem pelo abuso della não consistem absolutamente de facto positivo; he preciso olhar para o resultado do escripto publicado, e examinar a intenção de quem o publicou. Eis a rasão parque o Juiso dos Jurados he o expecifico para declarar se ha complicidade entre o escriptor, e o criminoso de sedição; se houve tenção de excitar-se a rebellião, e se ella se effeituou, he o escriptor complice daquelle crime, e não deverá ser castigado como libellista, sim como hum rebelde. He impossivel prescreverem-se restricções amiudadas sem ameaçarmos a liberdade; sou por este motivo de parecer que aos Jurados, e á prudencia delles he que se deverá entregar similhantes decisões. -Huma indicação similhante teve lugar na Casa dos Deputados de França, porem nós pertendemos os beneficios de huma liberdade de imprensa, e não similhante della, como existe em França.

O senhor Correa de Seabra. - Não estando sancionada a Liberdade da Imprensa, votei pela Censura previa ristricta, e limitada ás doutrinas da Religião, e Moral, e aos Libellos famosos: sancionada já nas Bases da Constituição a Liberdade da Imprensa seria bem incoherente se a ristringisse nas materias politicas, e na censura dos Empregados Publicos. Não mortificarei o Congresso produzindo os argumentos a favor da liberdade nas materias politicas, e na censura dos Empregados Publicos inclusivamente dos Deputados em Cortes; porque já forão lembrados por alguns Illustres Preopinantes, e só reflectindo no que disse hum illustre Deputado de que só podiamos fazer argumento da pratica da Hespanha, e não das outras Nações, por que estamos em circunstancias mui differentes: noto que os acontecimentos da Hespanha me convencem ainda mais da Liberdade da Imprensa. Que tem conseguido, ou conseguirão as Cortes de Hespanha em ristringir a Liberdade da Imprensa, e prohibir os Periodicos Hespanhoes escriptos em Paizes Estrangeiros, o exito o mostra. Que fez Fernando 7.°? Que effeito teve a prohibição tão rigorosa feita pela antiga Regencia do Reino? A minha opinião he que o artigo seja supprimido, ou emendado de maneira que só os folhetos sediciosos se declarem abusos da liberdade.

Deliberou-se: 1.° que ás palavras - excitando os Povos directamente á rebellião - se accrescentem est'outras - ou provocando directamente os Povos a desobedecer ás Leys, ou ás Auctoridades Constituidas.

2.º Que seja supprimido o vocabulo - desacreditando - e se lhe substitua - infamando, ou injuriando.

3.° Que ás palavras - infamando, ou injuriando o Congresso Nacional, ou Chefe do Poder Executivo - se não ajunte a palavra - acinte.

Os senhores Deputados encarregados de redigir a Constituição, para poderem concluir a tarefa, pedirão ser dispensados de assistir ás Sessões de 17, 19, e 21 de Maio. Concedeo-se-lhe.

Determinou-se para Ordem do dia o progresso da discussão sobre a prohibição da entrada dos porcos de Hespanha - e do Projecto de Ley sobre a Liberdade de Imprensa.

Levantou o senhor Presidente a sessão á huma hora da tarde - Agostinho de Mendonça Falcão, Secretario.

AVISO.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, tomando em consideração a Conta da Regencia do Reyno, communicada pelo Ministro Secretario da competente Repartição, em data de 9 do corrente mez, sobre os inconvenientes suscitados na execução do Decreto de 28 de Março passado, ácerca da remessa gratuita dos Exemplares impressos de Legislação a todas as Auctoridades Civis do Reyno, Approvando plenamente o parecer da Commissão especial creada para este objecto, o qual consta da Copia inclusa por mim assignada, Mandão remetter o mesmo parecer á Regencia do Reyno, para que se cumpra, como nelle se contem.

Deos Guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 16 de Março de 1821 = João Baptista Felgueiras.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×