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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 82.

Lisboa, 18 de Maio de 1821.

SESSÃO DO DIA 17 DE MAIO.

Leo-se e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

O SENHOR Secretario Felgueiras, leo dous Officios do Ministro Secretario de Estado dos Negocios do Reyno: 1.º enviando os papeis relativos á construcção de hum alpendre, de Antonio Joaquim, Ferreira por na Cidade de Viseu, e foi remettido á Commissão de Legislarão: 2.° enviando Consulta da Junta do Commercio sobre as Representações do Juiz e Mesarios do Senhor Jesus e Santissimo Sacramento do Convento de S. Domingos desta Cidade, e outra de valias pessoas da Classe de Mercearia, representada por aquella Irmandade, e foi remettido á Commissão de Commercio: 3.° do Ministro Secretario de Estado dos Negocios da Guerra, enviando o Processo do Quartel Mestre da Guarda Real da Policia Francisco Zacharias Ferreira de Araujo, e foi remettido com urgencia á Commissão de Legislação: 4.° do Ministro Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda, expondo alguns inconvenientes que encontra na execução do que deliberou o Congresso ácerca das Fabricas da Covilhan e Fundão, e foi remettido á Commissão das Artes.

O mesmo senhor Secretario deo conta das Cartas de felicitação, e prestação de homenagem ás Cortes das Cameras de = Niza - Ferreira, Comarca de Ourique - Penalva do Castello - Gulfar - Ocanha = E do Cabido de Coimbra = E do Coronel do Regimento de Infanteria N.° 8 em noite dos Officiaes do seu Regimento, das quaes se mandou fazer honrosa menção.

O mesmo senhor Secretailo1 mencionou tambem huma Memoria anonyma sobre Agricultura e Commercio, que foi remettida ás respectivas Commissões. E huma participação do senhor Deputado Xavier de Araujo, expondo a prolongação da sua molestia, e pedindo, para se restabelecer, licença por mais alguns dias que lhe foi concedida.

O senhor Soares Franco apresentou huma Memoria do Medico da Lousan, Sebastião José de Carvalho, sobre differentes objectos, relativos á Estatistica e Saude Publica, e foi remettida ás respectivas Commissões.

O senhor Bettencourt apresentou outra Memoria de João Bôtto Cavalleiro Lobo de Abreu, Capitão da 7.ª Companhia do Regimento de Milicias de Portalegre, sobre o Regulamento de Milicias, e foi remettida á Commissão Militar.

O senhor Peixoto, por parte da Commissão das Petições, lêo o Parecer sobre o Requerimento dos herdeiros habilitados de Catherina Pinto, que foi remettido á 1.ª Commissão de Legislação, para se informar com urgencia, avocando os papeis a que o mesmo Requerimento se refere.

O senhor Basilio Alberto, por parte da Commissão de Legislação lêo o seguinte:

PARECER.

A Commissão de Legislação encarregada de interpor o seu parecer sobre a intelligencia do Aviso das Cortes de 7 do corrente, a fim de se dar ao Ministro da Fazenda a explicação que delle pede no seu Officio de 12 do mesmo, julga que o referido Aviso comprehende na sua generalidade a suspensão provisoria de todos, os Juisos dos Tombos, ainda mesmo dos das Capellas da Coroa, que os Provedores fazião á custa dos Donatarios dellas; e longe de julgar que este Congresso tivera em vista exceptuallos, antes lhe parece que as rasões ponderadas para se estabelecer huma similhante medida forão então consideradas com applicação áquelles Tombos.

No emtanto pondera a Commissão que o repa-

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ro feito pelo Ministro na execução daquelle Aviso assim generico dá a entender, que elle lhe encontra alguns inconvenientes, e por isso julga prudente, que, antes de se dar ao dito Ministro aquella resolução generica, se lhe peça numa explicação dos motivos que derão occasião ao seu reparo; por quanto a Fazenda Nacional deve considerar-se como orfã, e desvalida para nos merecer o maior cuidado.

Sallão das Cortes em 16 de Maio de 1821. - Basilio Alberto de Sousa Pinto - José Homem Correa Telles.

O mesmo senhor Deputado apresentou redigidos os Decretos para - extincção dos Juizos de Administração das Casas Nobres - e abolição das Tenções em Latim, que forão approvados - e o dos Recursos á Coroa, que se mandou tornar á mesma Commissão para de novo o redigir com as seguintes emendas: no artigo 1.º em lugar de - Justiças Ecclesiasticas - Justiças e Auctoridades Ecclesiasticas: no artigo 2.° em lugar de - seu aggravo - os Autos: no artigo 3.° em lugar de - Carla - Sentença: no artigo 4.° depois de - mandar cumprir - o que couber nos limites da sua jurisdicção; e depois das palavras - que os exceda - dará parte ao Juiz da Coroa, para mandar proceder como entender - supprimindo-se o resto do mesmo artigo.

O mesmo senhor Deputado apresentou por escripto huma proposta para restituir aos seus Postos aquelles que por seus procederes e opiniões Politicas estavão presos, ou adstrictos a certos lugares antes de 12 de Março deste anno.

O senhor Secretario Freire leo o Decreto de prohibição da importação do Azeite, que se remetteo á Commissão de Agricultura, para de novo o redigir resumindo o preambulo, e especificando no artigo 2.° as penas dos transgressores - e leo por segunda vez o Projecto do senhor Sousa Machado sobre a educação do Clero que mandou imprimir-se para se discutir - e a seguinte Proposta de quesitos, que forão approvados:

PROPOSTA.

A Commissão especial encarregada de propor os quesitos que se devem remetter aos Ordinarios do Reyno, e Ilhas, sobre o estado das Parochias, e importancia, e applicação dos Dizimos, propõe ao Congresso que pela Regencia do Reyno se escreva aos mesmos Ordinarios, dizendo-se-lhes, que tendo as Cortes Geraes determinado extinguir para beneficio dos Povos, e restauração da disciplina Ecclesiastica os chamados direitos de Estola, e pé d'Altar, que até agora por tolerancia recebião os Parochos; e outrosim augmentar as Côngruas destes, de maneira que possão ter huma honesta subsistencia, e viver independentes dos seus Fregueses, como muito convem a seu santo Ministerio; assentarão, para proceder em tão importante assumpto com a necessaria madureza, e inteiro conhecimento de causa, de remetter aos Reverendos Ordinarios os quesitos que abaixo se transcrevem, a fim de que elles hajão de dar com a maior brevidade, e exacção possivel as informações nelles declaradas, e os arbitrios que dependerem da sua auctoridade, e jurisdicção; sendo de esperar que elles, antes de tomarem estes arbitrios, oução o parecer do seu Cabido, e tambem o dos Parochos do Bispado, ou immediatamente, ou por meto dos Arciprestes, e Vigarios da Vara, visto que he hum negocio em que todos estes são interessados.

E os quesitos approvados pela dicta Commissão especial são os seguintes:

1.° O numero de Parochias que ha em cada Bispado, e o numero de fogos de cada huma.

2.° Se se podem sem difficuldade unir as demasiadamente pequenas, tanto relativamente á povoação, como á extensão local, ou dividir as grandes; e se esta união ou divisão encontra obstaculos, para remover os quaes seja precisa a intervenção do poder Civil.

3.° Suppondo-se já mais bem reguladas as Parochias em quanto á sua povoação, ou extensão local, na fórma do artigo precedente; que numero de Clerigos serão necessarios em cada huma dellas; isto he, se bastará só o Parocho, e Thesoureiro (onde o costuma haver), ou se será necessario hum ou mais Coadjutores.

4.º Se convem que nas Cidades menos populosas haja huma só Parochia, que seja a Igreja Cathedral; o numero de Parochos precisos para a curarem; e se a este Ministerio se tem até agora destinado, ou podem destinar para o futuro os Beneficiados collados das ditas Cathedraes.

5.° Que Parochias se devem estabelecer nas Cidades, e Villas mais populosas, e em quaes pareça justo extinguirem-se as Collegiadas, e os Beneficios simplices destas; de tal maneira que nas Villas em que houver varias Collegiadas, fique para o futuro subsistindo huma só, com Beneficios que obriguem a residencia, e que sirvão para a honesta sustentação dos Beneficiados: com tanto porem que senão falte aos encargos pios, a que fossem sujeitas os Collegiadas que se extingem, que serão satisfeitos por aquelles a quem se applicarem os seus rendimentos em quanto não forem reduzidos, ou de outro modo alterados por authoridade competente.

6.° Em quanto importão os Dizimos de cada Arciprestado, e de que fructos se pagão, declarando-se em addições separadas os que pertencem a cada Parochia; qual he o seu destino; isto he, que parte pertence ao Bispo, ao Cabido, á Patriarchal, ao Clero, aos Commendadores, e a outras pessoas ou Corporações.

7.° Que porção de Dizimos ou de Côngrua percebe cada hum dos Parochos, Coadjutores, e Thesoureiros das Freguezias actualmente existentes; com as addições separadas de quanto rendem a cada hum delles os Passaes, e os direitos d'Estola, ou pé de Altar; formando-se de todas estas parcellas a somma total do seu rendimento.

8.° Que augmento de Côngrua se deva arbitrar aos Parochos e mais Clero das Freguezias, que delle necessitarem depois da desmembração, ou união men-

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cionada no artigo 2.° em attenção às circunstancias de cada lugar, e á extincção dos Beneficios: e donde possa sahir este augmento, para o qual devem concorrer todos os que percebem os Dizimos. Advertindo-se que naquellas Freguezias em que os Parochos apenas recebem o pé d'Altar, como ha algumas em Lisboa, he necessario hum particular arbitrio que designe d'onde possão tirar-se commodamente as Congruas, que elles devem perceber. Adverte-se tambem, que as Congruas que se arbitiarem devem ser calculadas em dinheiro, mas satisfeitas quanto possa ser pelos fructos dos Dizimos, avaliados estes pelo preço medio dos annos antecedentes. Declara-se expressamente que no augmento das Congruas dos Parochos pobres se deve unicamente attender ao que for necessario para a decente sustentação delles, e para que possão ficar fixa e permanente addidos às suas Igrejas, extingindo-se para o futuro quanto possa ser os Curas vagos e amovivei, o que fica reservado á prudencia, e auctoridade dos Ordinarios.

9.° Que se de conta dos costumes estabelecidos em cada Parochia sobre o modo porque se prestão os Dizimos pessoaes; qual he a sua importancia, e porque nome são conhecidos.

10.° Que rendimentos ha em cada Parochia applicados á Fabrica da Igreja, attendendo tambem aos rendimentos das Confrarias que a isso forem applicados, e além delles que porção de Dizimos será necessario para a conservação, e guizamento da cada Igreja, e da sua Capella Mor.

Sala das Cortes 12 de Maio de 1821. - Francisco Manoel Trigoso d'Aragão Morato - Joaquim, Bispo de Castello Branco - José Vaz Corrêa de Seabra - Manoel Gonçalves de Miranda. - Foi voto, o Senhor José Joaquim Ferreira de Moura.

O senhor Alves do Rio, por parte da Commissão de Fazenda, lêo e foi approvada a seguinte:

RESPOSTA.

A Commissão da Fazenda examinando o officio da Regencia do Reyno de 2 do corrente, em que participou às Cortes ter mandado apromptar o Palacio de Queluz para a recepção de Sua Magestade, e fazer a necessaria despesa do preparo pelo Cofre da Casa do Infantado, a que o referido Palacio pertence; e isto interinamente em quanto as Cortes não determinão se pelo Thesouro Publico se hão de satisfazer todas as despezas necessarias, e o modo de as classificar e além disso a porção de rendas, que deve ser applicada para este fim, visto o actual estado do Thesouro.

Parece á Commissão, que merece approvação das Cortes o expediente que tomou a Regencia em mandar preparar o Palacio para receber a Sua Magestade, e Sua Real Familia, vista a participação, que de ordem de Sua Magestade fez á Regencia o Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros e da Guerra, Silvestre Pinheiro Ferreira.

Que igualmentente merece approvação mandar a Regencia fazer as despezas pelo Cofre da Casa do Infantado: e quando este não não seja sufficiente, que se continuem pelo Thesouro Publico, conciliando porem o explendor da Magestade corri as urgencias publicas, tendo-se por base, que o verdadeiro ornamento de hum Throno Constitucional são as virtudes do Rey, e que he vão huma pompa e luxo aparatoso mantido á custa das venças publicas, quando se não pagão as dividas da Nação, nem mesmo os ordenados aos Empregados.

Que esta despeza seja classificada juntamente com as mais da Casa Real, que ainda se estão fazendo pelo Thesouro Publico; e isto em quanto as Cortes não tem os elementos necessarios para poderem calcular as rendas futuras Nacionaes, para conforme elas, estabecer a Dotação d'ElRey? na conformidade do artigo 32 das Bases da Constituição.

Salla das Cortes em 7 de Mayo de 1822. - Manoel Alves do Rio - José Joaquim de Faria - Francisco Oavies Monteiro - João de Sousa Pinto de Magalhães.

O senhor Vanzeller propoz a necessidade de tratar-se do Decreto das Lans, por ser chegado o tempo de se poder com utilidade dar providencias a este respeito, e determinou-se o dia Sabbado para a discussão.

Fez-se chamada nominal, e achou-se faltarem os Senhores. - Antonio Pereira - Bernardo Antonio de Figueiredo -- Bispo de Beja - Gouvea Durão - Trigoso - Brandão - Rodrigues de Brito - Guerreiro - Ferreira Borges - Moura - Xavier de Araujo - Ribeiro Saraiva - Borges Carneiro - Sylva Corrêa = e estarem presentes 39 da Senhores Deputados.

O senhor Ribeiro Telles apresentou dous Projectos: 1.º para a abolição do Officio de Escrivão do Registo Geral dos Testamentos: 2.° sobre a extincção dos Medicos intitulados do Exercito.

Seguio-se a Ordem do Dia e discutio-se o Projecto sobre a introducção dos Porcos, e gado vaccum.

O senhor Annes de Carvalho. - Se acaso quizermos ser consequentes com os Deerelos que temos feito a respeito dos Cereaes, e a respeito do Azeite, penso que esta discussão será muito breve, e que este Projecto será approvado por acclamação. Os principios em que nos fundámos para diminuir a importação dos Cereaes, e Azeite estrangeiro, forão os seguintes: primeiro haver abundancia sufficiente no Paiz; segundo não convir muito que se barateie o preço, a fim de animar a Agricultura naquelles dous ramos. Ora estes dous principios creio que quadrão exactamente á maioria que tratamos, isto he, a respeito de se não admittirem dentro do Paiz porcos ou gordos ou magros; porque convem não baratear demasiado este genero, a fim de promover os interesses da classe productora quanto for possivel combinados com os da consumidora. Que haja abundancia deste genero no Paiz, não se póde duvidar; o Alemtejo subministra bastante carne de porco para Lisboa; isto he, toucinho, e carne ensacada: as outras Provincias tambem ajudão com sufficiencia em presuntos; por isso devemos suppor o Paiz suficientemente provido a este

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respeito, e assim quadrarem aqui os principios de que nos servimos para prohibir o azeite, e os generos cereaes. Este ramo importantissimo, se acaso se não prohibir a importação dos porcos estrangeiros, creio que se tomará tão barato entre nós, que acabará a criação dos porcos inteiramente: eu ouvi dizer a muitas pessoas capazes, e que sabião disto perfeitamente, que a maior parte dos Lavradores do Alemtejo tinhão perdido muito em consequencia da barateza: se continua a importação, perderão mais, e acabará este importantissimo ramo. Lembremo-nos de que a Provincia do Alemtejo he vastissima, que nella ha abundancia de pastos para os nove mezes em que elles são precisos para sustentar os porcos, e que ha montados sufficientes, e necessarios com que possão ser engordados nos outros tres mezes, animando com esperanças reaes os Lavradores. He principio de Economia Politica que não convem forçar os capitães, porque huma, vez que se forçarem, ou directa ou indirectamente se perde o equilibrio de generos, que deve resultar da espontanea liberdade das classes productoras. Nós já procurámos promover o adiantamento dos dous ramos de Agricultura, e puzemos o meio da prohibicão; se acaso se não prohibirem as entradas dos porcos ou gordos ou magros, por força os capitães se empregarão naquelles dous ramos, e por consequencia vem a perder-se o equilibrio que deve haver; e assim haverá muitos generos cereaes, e muito azeite, mas poucos porcos: pelo contrario, se as medidas que se applicárão aos dous ramos se applicarem a este terceiro, haverá o equilibrio, e os productores terão a liberdade plena que convem haver nestas materias. Isto relativamente ao primeiro artigo do Projecto. Quanto ao segundo não estou tão esclarecido como a respeito do primeiro, porque me faltão os dados necessarios para interpor o meu parecer. Diz-se no segundo artigo que se permittirá a importação do gado vaccum, impondo-se hum cruzado por arroba: o que se quer he produzir a carestia artificial, afim de que se promova mais este ramo entre nós; mas eu julgo que esta medida não he combinavel com os interesses dos consumidores, que se attende demasiadamente ao interesse dos productores, e muito pouco ao dos consumidores; interesses que devem andar enlaçados. Para isto basta ver que o preço da vacca em Lisboa são 80 réis por arratel, e em geral no Alemtejo e Estremadura vem a ser 60 réis. Ora o preço da Capital e Provincia parece bastante forte, e não está em proporção com os preços dos outros generos: a saber, com o preço do azeite e trigo. Se acaso se augmentar mais hum cruzado por arroba, vai a haver mais falta, e por consequencia a subir mais o preço, e assim a perder-se mais a proporção que deve haver entre este genero, e os outros; e alem disto a favorecer mais a classe productiva á custa da classe consumidora. Por isso, resumindo digo, que a respeito dos porcos se prohiba inteiramente a sua importação, e que a respeito do gado vaccum fique no mesmo pé.

O senhor Gomes de Brito. - Depois de ter ouvido tão sabiamente desinvolver a doutrina que se comprehende neste Projecto, não teria eu necessidade alguma de fallar, pois que o illustre Preopinante disse o que havia. Entretanto seja-me licito accrescentar algumas reflexões sobre o prohibir-se a entrada dos porcos assim gordos, como magros. A introducção dos porcos estrangeiros no Reyno, e com especialidade no Alem-Tejo he do maior prejuiso que póde considerar-se, tanto para os particulares, como para o Estado, o que mostrarei fazendo differença dos magros e dos gordos. Da introducção dos porcos magros tem resultado que muitos lavradores se tem deixado da creação deste gado, e que podendo todos os lavradores daquella Provincia, ou pelo menos huma grande parte delles, ser criadores, de fado o não são, por isso que nenhuma utilidade tirão, e muitas vezes nem a despesa que fazem. Na feira de Beja, e outras daquella Provincia, tem havido anno de entrarem 3$ porcos de Hespanha, e sei por informações particulares que o anno proximo passado entrarão neste Reyno por diversas estradas 4$ cabeças magros e gordões; o que tudo abate os lavadores, e os arruina inteiramente. Os Hespanhoes vem a Portugal vender os seus porcos, e levão o nosso numerario; ora prohibindo-se aquella entrada, este numerario não sahirá, e os lavradores serão creadores, donde resultará a abundancia em que desejamos viver, e por conseguinte o interesse do Estado. Em quanto aos porcos gordos digo, que he de igual, ou ainda maior prejuiso a entrada delles, e que por isso deve ser prohibida. O anno proximo passado chegarão até a Borda d'Agoa, Riba-Tejo, immensos porcos gordos de Hespanha, com o que os lavradores soffrêrão grande prejuiso. As herdades naquella Provincia tem chegado a hum preço excessivo em suas rendas, e como os lavradores, vendendo os seus porcos em competencia com os da Hespanha, necessariamente os hão de vender mais baratos do que os venderão se não houvesse aquella concorrencia, segue-se não poderem então com as rendas, e ficarem arruinados. Alem disto hum porco para engordar he necessario que tenha dous annos de idade, e para chegar a este ponto faz de despesa 8$ réis, e para se engordar outros 8$ réis, e para os guardar 1$200, o que tudo faz a somma de 17$ réis: ora o peso regular de huma vara de porcos he de 200 arrateis cada hum porco, vendido pois cada arrotei a 60 réis, como ultimamente se vendeo, que faz a somma de 12$, tendo o lavrador despendido 17$, como fica dicto, vem a perder 5$ e tantos réis. Isto supposto, digo, que a prohibição absoluta da entrada dos porcos, ou elles sejão gordos ou magros, he de extrema necessidade, e não só devem ser prohibidos, mas devem ser reputados como contrabando. He de notar que alguns lavradores do Alem-Tejo costumão hir a Hespanha comprar porcos magros, e misturando-os com os da sua criação, os vão vender nas feiras a titulo do serem seus; ora ainda que se prohiba a entrada, elle com tudo não deixarão de hir fazer aquella compra, e por isso digo que sejão reputados como contrabando, estabelecendo-se a mesma pena que a acha estabelecida no § 2.° aos que introduzem vaccas, e não pagão os Direitos nas Alfandegas. Ha ainda huma cousa que se póde tambem aqui notar, e que prejudica muito os lavradores, e vem a ser o abuso

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introduzido pelos chamados chacineiros, que são aquelles que comprão os porcos e os matão, os quaes comprando-os a peso lhe roubão muita carne a titulo de costume ou uso da terra, e que chega a tal ponto que pensando o lavrador muitas vezes que os seus porcos lhe darão de peso cada hum sete ou oito arrobas, algumas vezes não dão seis em rasão do dicto roubo; em tal caso pois quereria eu que, para evitar hum tal abuso, não fosse permittido vender os porcos a peso, e que sómente se vendessem a olho; porém no caso de não ter lugar esta venda a olho, então seria de parecer se vendessem a peso, mas que fossem pesados vivos, no que não encontro difficuldade, pois que em alguns lugares da Hespanha se practica isto mesmo.

O senhor Bettencourt. - Nada tenho a accrescentar ao que tão luminosamente disse o Illustre Preopinante. A Materia está assás desinvolvida, entretanto só direi, que em Lisboa a carne se come mais barata que nas Provincias, o que á primeira enunciação parece hum paradoxo. A carne em Lisboa paga direitos, e estes são applicados a conservação de commodidades, e sustentação de estabelecimentos só uteis aos seus habitantes, como são a illuminação da Cidade, limpeza das ruas, reparo das calçadas, Guarda Real da Policia, Agoas livres, e Cofre da Administração do Senado; para cujos fins paga cada arroba de carne estando presentemente a 75 rs. o arratel, 470 rs. vindo desta sorte a ficar por menos de 60rs, o que não acontece nas Províncias que está por mais; pois que os direitos que paga a carne em Lisboa são pela fruição de bens só peculiares dos seus moradores, de modo algum pelo custo intrinseco do genero, que deduzidos do total do seu preço, vem a ficar mais barata, do que fóra da Capital. Em quanto ao § 2.° do Projecto, eu direi que he de toda a Justiça, que o gado vaccum estrangeiro deve pagar algum direito, pois he de necessidade differençallo do Nacional. Aquelle, não entrando em Lisboa, nenhum direito paga em Portugal; e, se entra em Lisboa, paga tanto como o Nacional: que fomento se dá desta sorte aos criadores de Portugal? Quem duvida que as producções do Paiz devem ser mais favorecidas do que as dos Estrangeiros? quem duvida que se o gado vaccum Estrangeiro pagar algum imposto, ou por arroba, ou por cabeça, o Criador, Lavrador, e Proprietário se animará mais a promover este ramo de criação, de que tanto interesse resulta ao Publico? O Lavrador deve ser criador, só assim póde ter algum lucro. Desenganemo-nos senhores, he preciso tirarmos todo o partido do nosso território, e tirar delle as nossas subsistencias da primeira necessidade. Por se ter alequi despresado os domesticos interesses, temos estado na dependencia dos Estrangeiros: a isto he que eu chamo escravidão, de que ainda não estamos resgatados. Chamo a vossa attenção para este objecto. Se o gado Estrangeiro, deve ou não pagar algum imposto?... e se o gado vaccum Nacional não deve ter alguma differença ? Este he o estado da questão.

O senhor Alves do Rio. - Não posso deixar de louvar as luzes, e conhecimentos do Illusfre Preopinante, e eu me confesso muito inferior a elle, mas não posso deixar de observar que neste Augusto Congresso só se falla muito das Provincias, e Classes. Falla-se na Provincia do Douro, tem-se fallado na Companhia dos vinhos, na Universidade de Coimbra, no Commercio, e Industria, e interesses dos Povos das Provincias; de sorte que parece sermos mais Deputados de Provincias do que da Nação. Eu quero fallar da Nação inteira, e por isso opponho-me ao presente Projecto de Ley. Eu estou persuadido que a Nação Portugueza não póde deixar de tornar aos annos de 1785, em que os preços erão baratíssimos; porém hoje a grandissima differença que houve nestes tempos, por huma guerra tão duradoura que fez chegar os generos a hum preço tão inaudito, costumou os Criadores, e Lavradores a preços tão exorbitantes que não he possivel continuarem a existir. Se naquelles tempos nadando Lisboa em dinheiro tinha o monopolio de todos os productos da America, e Brasil, e todos os productos da Nação Portugueza erão differentes em preço, posso attestar que o Povo come mais caro que comia nessa epocha: nessa epocha a vacca não passava de 50 reis: o azeite era hum preço constante (havia lacuna) 800 reis por alqueire: he verdade que vierão direitos posteriores e novos; os direitos são quatorze vintens, assim mesmo he cousa muito desproporcionada. O preço medio da vacca he 80 reis: ora se assim mesmo, havendo a addição do gado estrangeiro se come a 80 reis, prohibindo-se a que preço hade ella chegar? Isto merece a maior consideração. Aqui se disse que paga de direitos hum cruzado, são 13 reis por arratel: o real dagoa, real até não póde deixar de se pagar: ora se antigamente havia tantos recursos, e tantos meios, e a carne era barata; agora quando os recursos são menos, e se quer prohibir a sua entrada o que bem! A carne de vacca não a ha para o consumo, sempre a mandar buscar. Em quanto aos porcos direi: ha hum anno de grande fartura, outro anno de muita falla; o anno passado custou muito cara, a 6$000 reis a arroba. Ora por hum anno haver grande fartura segue-se que se hão de tomar sempre estas medidas? Não o sei, he preciso contemplar o Commercio, a Industria, e a Agricultura collectivamente, he preciso ter em vista tudo em geral: limitar a huma Provincia, a hum Listado particular, parece-me que não são boas medidas em materia de Administração. Nós tratamos de medida geral, que comprehenda o Reyno inteiro; sem Agricultura he certo que não ha Industria, deve ser promovida a Agricultura, mas não á custa da classe consumidora: he necessario que todos comão, e que todos vivão igualmente; mas querer prohibir absolutamente a entrada de todos os generos de fóra, não me parece bem; parece-me que se hirá opprimir o Povo. Por isso, em quanto á carne o que digo he, que deve conservar-se tudo no mesmo estado em que estava.

O senhor Bettencourt. - O Illustre Deputado está mal informado quando diz que a arroba de carne em Lisboa só paga 280 reis. Eu me incumbo de esclarecer este objecto. Os direitos que a arroba de carne paga são, para as Agoas Livres 160 reis; este imposto entra porém no Erario com applicação da

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illuminação da Cidade, e Guarda Real da Policia; paga mais por arroba para reaes, e realetes, cofre de Administrarão do Senado, e Intendencia, que he para reparo de calçadas, e limpeza das ruas 96 réis; e paga a Sisa do preço corrente do Açougue, o que tudo somma 170 réis por arroba. Isto em quanto ao gado vaccum, que tem de mais a despesa no Campo de Santa Anna, e a Sisa dos Couros. A' vista de tanta despesa, tributos, e ganho que deve tirar o Marchante, que preço fica para o Criador? Os Porcos pagão em proporção com differença de pouca entidade, se são vendidos vivos ou mortos. Não me posso conformar com a idea avançada pelo Illustre Preopinante, de fazer persuadir que os preços dos generos devem ser hoje os que tinhão em 1785, e que o Povo o deve pagar nessa proporção, sendo os Productores, os Lavradores, Criadores, e Propretarios obrigados a vender hoje os fructos da terra pelo mesmo preço que então os compravão os Consumidores desta Capital; e já que o Illustre Preopinante se faz tão protector do Povo contra a classe productora, porque não diz que os preços dos trabalhos do jornaleiro, dos officiaes mechanicos, e dos materiaes das obras, se reduzão ao mesmo pé em que se achavão em 1785? Então se quizer ser justo, dirá que o trabalhador que ganha hoje 320 deve só ganhar o que ganhava em 1785, 100, ou 120 réis; que huma apanhadeira de Azeitona que ganha 180, 200 réis, deve só ganhar 60 réis; que o Carpinteiro que ganha 600 réis deve só ganhar 240, 300 réis; o Pedreiro o mesmo, o Ferreiro o mesmo; que o Alfayate que leva hoje de feitio 3$000 a 3$600 réis, leve o que então levava 1$200 réis a 1$440; que hum Çapateiro, que leva por humas botinas 6$000 réis a 6$400, leve 3$000 réis, etc. Querer comer o pão baratissimo, a carne, e vinho, e ganhar hum jornal, hum salario grande como se paga presentemente, he huma contradicção, he huma injustiça; he huma illusão, da qual a experiencia está mostrando ser a primeira victima esse mesmo Povo que tanto se quer contemplar, e de cujos interesses reaes se não cuida desta sorte. O mesmo Povo está convencido pela experiencia de que quando os fructos tem preço e consumo, os Proprietarios lhe dão que fazer, e melhor pagão a sua mão de obra; todos os Officiaes mechanicos, Jornaleiros, Mercadores, Merceeiros; todos os Artistas, todos os Industriosos eu tomo para serem testimunhas desta minha proposição; e eu a todos dou como prova desta verdade. E acaso não são elles, e não fazem elles esse Povo em que tanto aqui se falla? Eu não faço menção particular de classes, folio em geral da Nação, da relação intima em que estão todos os individuos que a formão, e do justo equilibrio que deve haver entre a classe productora, e a classe consumidora; da desigualdade e falta deste equilibrio he que tem nascido o estado fatal da miseria publica, que o ricco passou a ser pobre, o pobre passou a ser mendigo, e o Estado a ter a mesma sorte. Nós não temos braços mesmo para a nossa acanhada Agricultura; ha trabalhos que todos se luzem ao mesmo tempo, e que desgraçadamente he preciso fazerem-se em certo prazo; como a sacha da milhos, a ceifa, a vindima, o apanho da azeitona etc. os jornaleiros ajustão-se, põe o preço, e não trabalhão por menos, ao mesmo tempo que os Proprietarios Lavradores não o podem conseguir; daqui vem a mão dobra cara, e como podem ser os generos baratos? Os Funccionarios publicos que vivem de seus ordenados, e os Officiaes Militares que tem os seus soldos, estes são hoje sem duvida os que tirão algum partido momentaneamente da barateza dos fructos; porem podem elles esperar que o Estado tenha rendas para lhe pagar com exactidão não se restabelecendo a Agricultura? Os Proprietarios, e Lavradores não podem liquidar hum rendimento para a sua subsistencia porque são tantos os colonos, e os onus que pesão sobre a propriedade territorial, a carestia do costeamento, a barateza dos fructos, que quasi he nulla tal propriedade. Eu tenho sempre em vista o bem estar do Povo, porem não me illudo com bens apparentes, e passageiros; eu ha muitos annos que advogo a sua causa, tendo-se desgraçadamente realizado os males que prognostiquei, e que se podião ter evitado!.... Torno a dizer, não nos illudamos: eu repito o que diz hum grande Economista, que a fabrica do pão he a fabrica dos Homens. Temos huma superficie de terreno grande, e a população não he proporcionada, he preciso primeiro sermos Agricultores: do augmento da Lavoura he que resulta o augmento da população, e quando tivermos esta, então teremos Commercio, Marinha, Artes, Fabricas, e Industria: querer ter tudo isto sem ser gradualmente, he não querer nada, tiremos todo o partido do nosso fertil terreno, cuidemos em levar a Agricultura ao seu perfeito estado, e então sem serem precisas outras medidas, veremos como o Commercio, e Artes prosperão. Nós somos muito pequenos para nos querermos dividir, e ser grandes em todos os ramos da prosperidade publica: tomemos o exemplo das grandes Nações que são as que deveremos seguir, e veremos que a França será sempre grande pela sua riqueza territorial, que lhe dá origem a todas as outras fontes da felicidade publica, e que he o principal principio da sua grande população, e da sua independencia. A mesma Inglaterra primeiro foi Agricultora que Commerciante, e ainda hoje tem muito em vista a conservação da sua Agricultura, como primeira base da sua felicidade. Se formos Agricultores, seremos Nação, se não formos Agricultores seremos Escravos.

O senhor Vanzeller. - As Provincias não tem pastos bastantes para as criações dos gados, eu não digo que se não imponha direito, mas acho este direito excessivo. No Porto a carne de vacca tem sido arrematada: a Camera arremata até á Paschoa, da Paschoa até ao fim do anno. Estes Arrematantes fizerão as arrematações em boa fé, contando com o gado de Hespanha, que havia entrar. He preciso pois ter alguma contemplação com isto, ou dar-lhe indemnização, ou dar-lhe a arrematação por finda.

O senhor Bastos. - Nós estamos legislando para o estado actual das cousas: presentemente temos pouco gado, carecemos que elle entre de Hespanha: por isso não devemos prohibir-lhe a entrada, ou im-

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pôr-lhe hum tributo tão grande que equivalla a huma prohibição. A vacca he o sustento geral dos Povos, he de absoluta necessidade: se nós formos agora a impôr-lhe 400 réis de tributo por arroba, o que equivale a doze reis e meio por arratel, em lugar de hum bem, faremos hum mal gravissimo á Nação.

Julgou-se a matéria bastante discutida, e

O senhor Presidente propoz:

1.° Se ficava prohibida a entrada dos Porcos na forma do artigo 1.º? e unanimemente se decidio que sim.

2.° Se as penas dos transgressores devião ser as mesmas que se estabelecerão para os dos generos cereaes e decidio-se que sim.

E quanto ao artigo 2.°, se havia de impor-se algum tributo ao gado vaccum que entrasse em Portugal? decidio-se que não, e que devia excluir-se o artigo.

Proseguio-se em discutir o artigo 11.° da Ley da liberdade da imprensa, e disse:

O senhor Armes de Carvalho. - Parece-me que a escala das penas que se propõe neste artigo, comparada com a escala dos crimes designados no artigo antecedente, não tem entre si a proporção que devem ter: por huma parte as penas são excessivas, e por outra serão diminutas: eu o vou demonstrar. Vemos no artigo antecedente tres qualidades de crimes: examinemos o minimo, e maximo destes crimes: na minha opinião o minimo dos crimes he combater o Systema Constitucional: julgo o minimo dos crimes, porque estou persuadido de que o arguir contra o Systema Constitucional não lhe fará mal nenhum, ou que esse mal, se o houver, se remediará com o uso da mesma Imprensa. Vimos que no Congresso houve discrepancia de votos a este respeito, e em muitas Nações não ha este crime. O crime maximo julgo eu excitar os Povos directamente á rebellião; e com effeito não conheço crime que seja superior a este, pela rasão de que ataca a existencia da Sociedade, e traz os maiores males possiveis. Acho na escala dos crimes os dous extremos: o minimo vem a ser atacar o Systema Constitucional, e o maximo vem a ser excitar os Povos á rebellião: vejamos agora a escala das penas. Quem abusar da liberdade da Imprensa, em alguns dos casos do artigo precedente, será condemnado em 6 mezes até 5 annos de trabalhos publicos, e em 60 até 600$000 réis: por consequencia a minima das penas vem a ser 6 mezes de trabalhos publicos, e 60$000 réis em dinheiro, e a maxima das penas vem a ser 5 annos de trabalhos publicos, e 600$000 réis de pena pecuniaria. Ora examinando nós a escala, vê-se que por hum crime tão pequeno como he, a meu ver, atacar o Systema Constitucional, sempre 6 mezes até 5 annos de trabalhos publicos, e 60 até 600$000 réis de pena pecuniaria, que he o mesmo que dizer impõe-se a maior pena para hum crime muito leve. Por consequencia parece-me muito dura a legislação que se estabelece. Haverá hum crime maior do que o de provocar á rebellião? estabelece-se para este crime 5 annos de trabalhos publicos, e 600$000 réis em dinheiro, mas será esta a pena? este he o maior crime, eu não conheço outro maior do que empregar todos os meios possiveis para excitar á rebellião: por consequencia a pena deve ser a maxima que huma Sociedade possa estabelecer contra este crime. Se acaso se assenta que entre nós não se possa estabelecer pena maior contra qualquer crime do que 5 annos de trabalhos publicos, e 600$000 réis de pena pecuniaria, então como he a maior pena que nós podemos estabelecer, e estamos na tenção de decretar, não importa; mas como provavelmente o Congresso, quando tratar do Codigo Penal, haja de estabelecer penas superiores a estas, porque só com estas não poderá remediar todos os males, e desempenhar o fim da legislação criminal, tenho que esta pena he muito pequena rotativamente ao crime; e por consequencia que esta pena deve ser maior em quanto aos crimes de rebellião, e deve ser muito menor relativamente aos outros contra o Systema Constitucional.

O senhor Carvalho. - Não he possivel que para crimes de differentes naturezas se imponhão penas iguaes, e he sabido por todos que as penas devem ser proporcionadas aos delidos: o crime de excitar os Povos á rebellião no pensar de todos os criminalistas he maior de todos os crimes, em consequencia a pena deve ser a maior que a Nação possa e deva impor a hum tal delicto. Eu talvez achasse 5 annos de condemnação aos trabalhos públicos ainda huma pena dimimua para o delicto, e se fosse possivel queria que esse homem não fosse Cidadão Portuguez, porque se elle quer destruir esta Nação ou este Governo, se elle quer metter n'huma guerra civil e destruidora toda a Nação, e distruir assim os fundamentos da sociedade civil, esse homem he indigno de ser Cidadão Portuguez, e eu não acho huma pena proporcionada se não que seja expulso desta mesma Nação que elle quer destruir. Os castigos, quaesquer que se lhe dêem, são muito pouco proprios para cohibir este delicto, e assim assentava eu que todo aquelle que não quizesse estar na sociedade, e pé o contrario quizesse destruir esta mesma sociedade se julgasse indigno della, e em consequencia fosse separado desta mesma sociedade. Eis a pena proporcionada a esta delicto.

O senhor Basilio Alberto. - Eu desejaria que o Illustre Preopinante que achava estas penas pequenas, houvesse de indicar huma pena mais conforme, porque dizer-se simplesmente "Esta pena he pequena, ou grande" não me parece bem.

O senhor Soares Franco. - Sigo a opinião da ultimo Preopinante. Hum delicto tal como o de excitar os Povos á rebellião não deve sen punido corre a pena pecuniaria, mas sim pena, corporea; e a pena de ser mandado para fóra do Reyno. Para os outros tres artigos bastaria marcar a pena pecuniaria de trinta até sessenta mil rs., mas no primeiro, absolutamente differente dos outros, quizera que não pudesse ser recebida a pena pecuniaria, quereria a pena corporea.

O senhor Sarmento. - Eu faço differença, se a publicação do escripto deo causa, e principio á rebellião, ou se instigou sómente. No primeiro caso he cumplice do delicto, e este ha de ser castigado pelo

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Codigo criminal; se elle instigou somente, se a sua instigação não produzio consequencias, então deve applicar-se-lhe a pena pecuniaria, e a minha opinião he que seja hum conto de réis.

O senhor Ribeiro Telles. - Excitar os Povos á religião, creio que não he estar em melhores circunstancias do que deixar de jurar as Bases da Constituição: os que excitão os Povos á rebellião no meu pensar ainda estão em circunstancias mais graves, porque suppõe-se que elles jurarão já estas Bases da Constituição. Inda mesmo aos que atacão o Systema Constitucional quizera impor a mesma pena do Decreto de 10 de Março: elles mostrarão theorica, e graficamente que não seguião o Systema Constitucional; por isso não me contento só com a pena de desnaturalização; mas pena pecuniaria; pois faço consistir differença, e differença grande; porque os que deixão de jurar as Bases da Constituição tem imposta a pena de desnaturalização. Ora o crime daquelles que excitão os Povos á rebellião he maior, o mais grave; por isso sigo a respeito delles não só a desnaturalização, mas pena pecuniaria.

O senhor Serpa Machado. - Sinto differir do Illustre Preopinante sobre a pena que quer que soffrão aquelles que convidão os Povos á rebellião, por meio do abuso da Liberdade da Imprensa. Diz hum Illustre Preopinante que deverá impôr-se a maior pena que póde impôr-se no Codigo Criminal; eu não reconheço este delicto em tal gráo de gravidade. O consular os Povos á rebellião por meio da Imprensa he diferente de excitallos por meio de algum outro facto. Os delictos, independentemente do maior dolo com que são perpetrados, augmentão ou diminuem de gravidade, segundo os seus máos effeitos proximos, ou remotos. A rebellião em acto tem em si huma gravidade manifesta; porem a provocação á rebellião pela Imprensa he delicto, ainda que grave, de ordem muito inferior: e por isso a pena deve ser muito menor. Tambem não me parece bem a pena de ser expatriado, como se faz áquelles que não jurão adherir ao pacto social. A pena de expatriado póde ser olhada debaixo de dons pontos de vista, ou como pena, ou como meio de remover os Cidadãos que não querem adherir ao dicto pacto social. Quando se estabeleceo que todo o que não jurasse fosse expatriado, não consideramos isto como pena, porque he livro a cada hum livrar-se della jurando: aqui já o consideramos debaixo de outro ponto de vista, por isso não póde valer a paridade da pena para agora que se considerão os homens como Cidadãos; por consequencia a pena deve ser entre os abusos da Liberdade da Imprensa a maior, mas não tão grande como se imporia aquelle que convidasse os Povos á rebellião por outro meio que não fosse o da Imprensa.

O senhor Sarmento. - Eu não penso que possa convidar-se melhor os Povos á rebellião do que por hum crime da Liberdade de Imprensa, até mesmo porque no Povo a letra redonda tem hum peso addicional. Toda a questão se reduz pois a saber se os Povos provocados estivarão por aquellas doutrinas, e se as puzerão em efeito, porque se não as puzerão em e licito não vem a ser tão culpado.

O senhor Serpa Machado. - Digo que he horroroso o crime de excitar os Povos á rebellião, mas não he o maior crime. Por ventura aquelle que com armas se apresenta á testa de huma multidão de Povo, não ataca, não convida mais do que aquelle que espalha doutrinas que excitem á rebellião por meio da Imprensa? Ha differença pois nos delidos, hum merece castigo, mas o outro merece ainda hum castigo mais grave.

O senhor Sarmento. - Esteja não provoca, já se armou para atacar, o promover a rebellião.

O senhor Castello Branco Manoel. - Estou persuadido que as penas devem ser proporcionadas aos delictos, e estes delidos são gravissimos, e devem ter penas asperrimas. Não sou de opinião que seja o exterminio, e isto por muitas rasões, porque nós sabemos que as penas não se dirigem a exterminar os delictos, mas a reprimillos. Hum homem que he esterminado não está sempre á face do Povo, em consequencia desapparecem as lembranças do castigo; e por isso quereria eu que estas penas que se impuzessem fossem as dos trabalhos publicos. Eu estou persuadido que as penas dos trabalhos publicos são as mais proporcionadas. Os homens punidos desta sorte estão sempre punidos, todos os dias vem á lembrança dos Povos que os veem constantemente; por isso acho que a pena a mais proporcionada he a dos trabalhos publicos. Agora de quanto tempo hade ser esta pena? Eu julgaria que a pena de 12 annos de trabalhos publicos era muito sufficiente, e a mais proporcionada para este crime.

O senhor Bastos. - Tambem me parece muito a proposito a condemnação aos trabalhos publicos, mas para outros delictos. Em quanto aos da Liberdade da Imprensa, não. Os Escriptores são os homens menos proprios para os trabalhos publicos, condemnallos a isso seria impôr-lhes huma pena que talvez equivalha á de morte: por isso voto contra a pena dos trabalhos publicos.

O senhor Camelo Fortes. - A pena dos trabalhos publicos não póde ter lugar: supponhamos que he hum homem doente, hum Escriptor carregado de molestias adquiridas pela muita applicação, como he que póde ser condemnado este Escriptor a trabalhos publicos?

O senhor Castello Branco. - Trata-se de abusos da Liberdade de Imprensa para o Crime de excitar os Povos á rebellião: ha muito varios modos de excitar os Povos á rebellião, por consequencia todas as acções de homem que podem tender a este fim depravado, devam ter, segundo a sua classificação, differente imputação. He differente excitar os Povos á rebellião por hum mero escripto donde poderá, ou não seguir-se este effeito. He differente excitar os Povos á rebelião appresentando-se armado á testa dos mesmos Povos, e por consequencia induzindo mais proximamente no effeito. São differentes outros muitos modos de excitar os Povos á rebellião, e cada hum deve ter differente imputação. O meio do excitar os Povos á rebellião por hum escripto he menor crime do que excitar os Povos á rebellião por outro meio, como de se appresentar armado atesta dos mesmos Povos; por consequencia não deve ter huma pena tão grande co-

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mo a que se deve impor a hum réo, quando elle usa de meios mais efficazes. Nós não queremos sustentar a desgraçada Legislação que precedeo ao nosso Governo, e com que forão punidos os desgraçados de 1817, no Campo de Santa Anna, onde vimos homens condemnados á pena ultima por hum simples juramento sobre cousas vagas, donde não se podia concluir, nem pôr-se em practica rebellião de genero algum. Não queremos, digo, sustentar essa barbara Legislação, he preciso fazer muita differença entre as varias acções que podem influir para excitar os Povos á rebellião: fazello por hum simples escripto he hum modo o mais simples, deve haver huma gradação.... (havia lacuna) dahi a pôr-se por obra em rebellião hum Povo. Por isso, sendo este o primeiro gráo, as penas devem ser muito moderadas; e por isso a pena de cinco annos he excessiva, e a considero só applicavel a hum crime de que tem resultado pelos effeitos grandes males á Sociedade. O homem condemnado por cinco annos aos trabalhos publicos, a trabalhos excessivos, com huma sustentação muito parca, seria o mesmo que sacrificar-lhe o resto da vida o mesmo que tornallo inteiramente inutil para o futuro: e poderá alguem que tenha humanidade: considerar inalteravel esta Scena? Poderá ainda consideralla pequena para hum crime que, relativamente aos outros deste genero, he de primeira especie, e menor! Por tanto quando se tratar de proporcionar estas penas darei o meu voto.

O senhor Presidente. - Creio que he occasião de dar o voto.

O senhor Castello Branco. - Então voto em hum anno só.

O senhor Falcão. - Creio que a pena dos trabalhos publicos he inadmissivel. Eu não posso suppor que hum Escriptor, que hum homem que se delibera a publicar hum escripto sobre qualquer materia, seja hum homem de condição plebea; e segundo o systema das nossas Leys a pena dos trabalhos publicos só póde applicar-se áquelle que he peão. Aquelle que tem a qualidade de nobreza civil, por isso está fóra da circunstancia de se lhe applicar a pena dos trabalhos publicos: por consequencia o Juiz quando quizer applicar a Ley.....

O senhor Fernandes Thomaz. - (interrompeo) A Ley he igual para todos.

O senhor Bastos. - A applicação das penas dos trabalhos publicos aos homens de letras, seria hum meio de promover o suicidio. Creio que a maior parte da Escriptores condemnados a trabalhos publicos quererião antes morrer, ou matar-se do que soffrer similhante pena.

O senhor Basilio. - Para cortar a discussão seria melhor Decretar qual deverá ser a pena em geral, e depois estabelecer qual he o maximo, e minimo; porque cada hum diz huma pena segundo a natureza que lhe quer dar; por isso he melhor votar sobre a natureza da pena.

O senhor Miranda. - Não admittlo a pena dos trabalhos publicos. A Ley he igual para todos, a pena o deve ser; mas por onde se mede a penal a pena mede-se pelo sentimento doloroso que causa ao Réo. Eu pergunto aos Preopinantes se se impuzesse a pena dos trabalhos publicos a hum Escriptor, se não preferiria a de 30 annos de prisão? Hum lavrador de campo condemnado a fazer aquillo que faz todos os dias, não he esta a pena sem duvida que lhe convém; por isso a pena se deve reduzir ou a pecuniaria, ou á de prisão. Torno a dizer a pena não se mede pela explosão nominal da pena, mas pelo sentimento doloroso.

O senhor Baeta. - Levantámos hum principio eterno que a Ley he igual para todos. Sou de accordo, que só deve ter muita attenção relativamente á Constituição physica no modo de impôr as penas, mas não admittire para a imposição dellas a distincção de Nobre a Plebeo.

O senhor Falcão. - Eu fundo-me na legislação actual. Eu fui Auditor huns poucos de annos, appliquei muitas vezes a pena, houve muitos Conselhos em que havia réos Offciaes, a quem pelo juramento e artigos de guerra será applicavel a pena dos trabalhos publicos; entretanto havia o Regulamento que dizia que a pena vil não devia pôr-se a hum Official; digo, segundo o systema da Legislação Militar, a hum Official não se póde impor a pena vil; não acho pois mas rasão para que se não possa impor a hum Official, e se possa impor áquelle que goza da Nobreza Civil.

O senhor Castelío Branco. - Depois que fallei, porque me abstive de dar o meu voto (e me abstive principalmente porque não admittia a pena dos trabalhos publicos em similhante materia) fui perguntado sobre o meu voto; e para me conformar com a letra do paragrapho, e esperando qual pena nelle houvesse, de subsistir, votei em hum anno de trabalhos publicos. Houve hum Preopinante que disse que a Ley era igual para todos, e que isto estava sanccionado nas Bases da Constituição, e que depois o será na mesma Constituição. Convenho, mas eu quereria que lembrasse outro artigo das Bases da Constituição, onde se decreta a forma do nosso Governo, e se diz que he huma Monarchia moderada. Cuido que ninguem (quando todos devem estar certos dos meus principios, e meu modo de pensar) me terá por Aristocrata furioso, e por tanto fallo com toda a segurança. Eu não sei que possa entender-se huma Monarchia mesmo Constitucional, sem que haja gradação de condições, isto he talvez o que constitue essencialmente a Monarchia. He preciso que haja gradação de condições, essa gradação de condições, que traz comsigo a gradação de fortunas, está inteiramente annexa á gradação de adquisição. Ha huma adquisição mais moderada, ou mais grosseira, segundo a condição, mais ou menos distincta de cada hum. Ora sendo estes principios, que se não podem negar, como he que nós podemos applicar a pena dos trabalhos publicos indistinctamente a todos os Cidadãos, querendo verificar ahi que a Ley he igual para todos? A Ley he igual para todos com as modificações que a mesma Constituição deve sanccionar: quando se diz que as penas devem ser differentes segundo as condições, não quero dizer que a Ley he desigual para todos, mas que todos devem subjeitar-se á mesma pe-

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na relativamente á sua condição; esta he a intelligencia do principio, que a Ley he igual para todos. Pelo contrario quando fossemos a estabelecer a mesma pena, e huma pena corporal tão dura para todas as condições, ainda que no mesmo delicto, então he que se inverteria o principio das Bases da Constituição, e então he que haveria a desigualdade da Ley para tordos. Por ventura hum anno de trabalhos publicos para hum homem duro, costumado ao trabalho rigoroso do campo, e a outra qualquer profissão que exija este trabalho duro, he igual á pena de hum anno de trabalhos publicos para hum homem que não teve esta educação, que teve huma educação muito delicada? He certamente a differença como de hum para cem. Por consequencia, como posso achar nisto igualdade de Ley para todos? Ella vem a ser muito mais pesada para hum do que vem a ser para outro, sendo o mesmo delicto: logo para verificar a igualdade da Ley para todos, he preciso que se de a gradação das penas segundo a gradação de condições; gradação que já mostrei que não ataca o Systema Constitucional, gradação que he mesmo essencial na forma de huma Monarchia Constitucional, tal qual he a fórma do Governo que sanccionámos nas Bases da Constituição, e havemos sanccionar na mesma Constituição.

O senhor Baeta. - A hum discurso tão brilhante responderei em duas palavras. Quanto disse o Illustre Preopinante confirmou o que eu já havia dito: a gradação de condições que elle quer considerar he a que estabelece a differente condição physica dos individuos, e que eu considerei. (Diz o Tachygrapho Machado que não ouvio o resto do discurso deste senhor Deputado.)

O senhor Fernandes Thomaz. - Não deve pasmar de modo nenhum que haja differença e desigualdade entre os homens, depois de termos estabelecido nas Bases da Constituição que a Ley era igual para todos. Trata-se de estabelecer huma pena que abranja todos os Cidadãos: querer buscar differença entre Cidadãos pela educação mais delicada que tiverão, parece huma cousa muito impropria para o estabelecimento das penas: agora não se trata de estabelecer penas contra os delictos em geral, trata-se de estabelecer penas contra os que abusão da liberdade da Imprensa: todos os senhores Deputados podem dar o seu voto como lhe parecer, mas nunca contra os principies das Bases da Constituição.

O senhor Sarmento. - Quando eu dei o meu parecer excluindo a pena dos trabalhos publicos, por me persuadir nunca poder ter applicação aos delicto commetidos por abuso da Liberdade da Imprensa, de modo algum a fundamentei no principio da desigualdade de direitos, similhante principio, alem de injusto, he opposto ás Bases da Constituição. Certas penas não poderião ser applicadas a certos individuos com a mesma igualdade que a outros. O homem de vida sedentaria, aquelle que foi criado com mimo, aquelle que no decurso da vida gozou das commodidades da abundancia, e dos regados da fortuna, se fosse condemnado aos trabalhos publicos, seria o mesmo que ser condemnado a huma morte a passos lentos: não poderia deixar de me oppor a estes principios, e até os reputo anarchicos; elles trazem á minha lembrança as emphaticas palavras de Vergniaud, o mais eloquente orador de França no principio da revolução, e cujo amor pela liberdade só foi suspeito á ferocidade de Robespierre; lembra-me recorrer elle á fabula de Procrustes, esse tyranno da antiguidade, que no seu leito de ferro estendia as victimas, mutilando humas, e deslocando os membros daquellas que não chegavão á marca, que sua sanguinaria violencia havia estabelecido. Essa cama de ferro he justamente a igualdade com que os tyrannos engodão os mal avisados: eu a detesto, e nunca poderei considerar outra liberdade senão aquella que tem por base a igualdade de direitos. Estes são os meus principios, e os de quem não cede a ninguem no amor pela verdadeira liberdade, e pele nossa Constituição.

O senhor Castello Branco. - Eu jurei as Bases da Constituição, e para as guardar não seria preciso jurallas, ha muito que respeito os principios sanccionados nas mesmas Bases. Tornarei a explicar outra vez o sentido em que entendi a igualdade da Ley para todos....... (havia lacuna) quando todos commettem igual delicto, estão subjeitos a igual pena, mas para que seja igual he preciso que seja relativa ás circunstancias de cada hum. Hum Illustre Preopinante, que fallou contra mim, fallou em sentido diverso do que queria enunciar: eu disse, e torno a dizer, que hum anno de trabalhos publicos não era igual para todos, que a mesma pena vem a ser como de hum para cem: por isso, como per tende o Preopinante que fallou contra mim achar aqui igualdade, quando todos veem manifestamente a maior desigualdade? Deve fazer-se a gradarão das penas segundo as condições, e achar então ahi a igualdade: estabeleça-se a hum homem de educação dura hum anno de trabalhos publicos, e a outro estabeleção-se 10 annos de prisão simples. He desta maneira que eu acho igualdade de penas, e he desta maneira que eu posso verificar o principio de que a Ley he igual para todos.

O senhor Pinto de Magalhães. - resta por consequencia a pena pecuniaria, de prisão, e exterminio; por tanto temos a ver se devem admittir-se todas ou sómente algumas. Esta Ley vai seguindo os mesmos passos que tem seguido em outras Noções. Os mesmos Legisladores tem reconhecido a difficuldade que ha de fazer huma boa Ley sobre a liberdade de imprensa que abranja todos os casos e todas as especies: por consequencia eu lembraria algumas, e mesmo assento que nos veremos obrigados afazer novas addições á proporção que forem apparecendo novos casos. Em primeiro lugar eu digo, que o crime maximo he excitar os Povos á rebellião, por consequencia assento que elle deve ter huma imputação á proporção do estado da pessoa e das circunstancias: supponhamos que hum Bispo, hum Magistrado, hum Pensionario do Estado, hum Empregado Publica faz huma Proclamação em que excita os Povos á rebellião; digo eu, que pelo que toca ao seu emprego deve ser removido delle, porque o Estado não póde ter confiança n'hum homem tal, era huma pessoa que

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mostra querer atacar as Auctoridades. Hum Pensionario publico tambem deve ser privado dos bens de que goza, porque practica o maior acto de ingratidão. Pelo que pertence aos Parochos o seu delicto he ainda muito maior: huma Pastoral de hum Bispo, publicada e repetida na sua Diocese, fazendo ver aos Povos que o systema Constitucional he incompativel com a Religião, e valendo-se dos meios do que por desgraça se tem valido alguns, produz effeitos muito maiores. Os Hespanhoes quizerão emendar as suas Leys, e Legislarão que os Empregados fossem removidos dos seus empregos, que os Pensionarios, que os Ecclesiasticos fossem removidos dos seus destinos, e suppridos por pessoas que não fossem desaffectas ao systema Constitucional; e em certos casos mandarão até proceder ás temporalidades: por isso deve-se ter este como maximo dos delictos; o como não ha outra Ley que regule os delictos da liberdade da imprensa, esta Ley deve hir completa; por tanto devemos.... (havia lacuna) Pelo que respeita á prisão assento que esta pena se deve admittir, e não à pecuniaria, porque parece que seria vergonhoso remir por dinheiro o attentar contra a segurança do Estado, e tambem porque poderá arriscar-se repetidas vezes, huma somma de 600 mil réis pelo especial gozo de affixar huma Proclamação que qualquer julgasse surtir effeitos por tanto queria que houvesse toda a segurança neste crime de excitar os Povos á rebellião,... (outra lacuna) e não queria que se admittisse a pena pecuniaria, mas sim outra; porém qual? O exterminio, ou pena de prisão. Eu assento que a pena de prisão poderá ser admittida, porque a do exterminio he demasiadamente forte. Agora quando se trata de outro meio alem deste, quero dizer, quando hum Cidadão, alem de imprimir huma Obra, se vale de outros meios como o de comprar Cidadãos para se armar contra o Estado, neste caso devem estar subjeitos a outra Ley criminal differente desta.

O senhor Castello Branco. - Eu não me envergonho de dizer que pensando sobre esta materia, não pude fazer na minha imaginação hum systema: eu não reconheço Liberdade da Imprensa por.... (mais outra lacuna) não sei que haja em nação alguma, a pesar de ter trabalhado sobre esta materia, huma Ley sobre a Liberdade da Imprensa bem feita: eu faço muita differença entre publicar simplesmente hum escripto em que se traz alguma proposição, que possa excitar directamente os Povos á rebellião, e fazer hum Libello contra o Governo desacreditando-o, e espalhallo de proposito pelo maior numero de pessoas que podem ler; a primeira cousa parece que pertence á Ley da Liberdade da Imprensa, mas a segunda parece que não deve pertencer a esta Ley, e sim ao Criminal; aliás hiamos confunda todos os factos, seriamos obrigados por huma Ley da Liberdade da Imprensa estabelecer.... (ainda mais outra lacuna) a pena ultima, porque ha casos em que a Junta Criminal poderá impor a pena ultima. Ora estabelecer os limites do que pertence propriamente á Ley da Liberdade da Imprensa, e o que fica pertencendo ao Codigo Criminal, estabelecer estes limites he que não poderemos, principalmente quando vejo auctorizados por esta Ley casos que necessariamente devem pertencer ao Codigo Criminal; e dahi vem o querer-se impor penas mais fortes, que se devem fazer objecto do Codigo Criminal, e não da Ley da Imprensa. Sobre isto he que eu chamo a attenção do Congresso.

O senhor Innocencio Antonio de Miranda. - O primeiro artigo trata dos que atacão directamente o Systema Constitucional, e não de proposições que sejão destacadas: trata-se de papeis impressos que excitão directamente os Povos á rebellião, este he hum crime dos maiores que poderemos ter na Sociedade; o crime porem deste homem não deve ser reputado tão grande como o daquelle que vai com a espada na mão excitar os Povos á rebellião: este crime deve ser punido com grandes penas, seja primeiro o perdimento do seu officio, segundo 5 annos de prisão, terceiro a pena pecuniaria de 400J$000 réis, porque este crime he de Lesa-Nação.

A final da discussão,

O senhor Presidente propôz. - Se ha de admittir-se nos delidos de abuso da Liberdade de Imprensa a pena de trabalhos publicos? Geralmente se decidio que não, e ficou adiado o restante da materia, por ser findo o tempo da Sessão.

Alguns dos senhores Deputados lembrarão que este assumpto de tanta utilidade devia, para se acabar, ser preferido a qualquer outro, e discutir-se consecutivamente até nos dias destinados para as discussões de Fazenda: o que unanimente se apoyou.

Determinou-se para a Ordem do dia a discussao sobre a Liberdade de Imprensa.

Levantou o senhor Presidente a Sessão á huma hora da tarde. - Antonio Ribeiro da Costa, Secretario.

DECRETOS.

As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação Portuguesa, considerando os graves prejuisos, que resultão do estabelecimento dos Juizes de Commissão e de Administração de Casas particulares, incompativel com as Bases da Constituição, Decretão o seguinte.

1.° Desde a publicação do presente Decreto ficão extinctos todos os Juisos de Commissão, ou de Administração, concedidos a favor de Casas Nobres, ou de quaesquer outras pessoas particulares; revogados em tudo, e por tudo os Decretos, que os concederão.

2.° Toda a jurisdicção dequelles extinctos Juisos reverterá para os Juises competentes, quanto ao conhecimento das causas; e para elles passarão immediatamente os processos findos, e pendentes. Quanto ás administrações das Casas tomarão entregue dellas seus donos, tutores ou curadores.

A Regencia do Reyno o tenha assim entendido, e faça executar. Paço das Cortes em 17 de Maio de 1821. - Hermano José Braamcamp do Sobral, Presidente - João Baptista Felgueiras, Deputado Secretario - Agostinho de Mendonça Falcão, Deputado Secretario.

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As Cortes Geraes, Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza convencidas de que o uso das Tenções em Latim, practicado nas Relações deste Reyno sómente serve de demorar a prompta Administração da Justiça, que com maior facilidade, e exactidão se póde explicar na Lingua Portugueza, Decretão o seguinte.

Fica abolido o estyllo das Tenções em Latim, practicado nas Relações deste Reyno: devendo aquellas ser escriptas em Lingua Portugueza. A Regencia do Reyno o faça cumprir, e executar.

Paço das Cortes em dezasete de Maio de 1821. - Hermano José Braamcamp do Sobral, Presidente - João Baptista Felgueiras; Deputado Secretario - Agostinho de Mendonça Falcão, Deputado Secretario.

AVISOS.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Havendo plenamente approvado o Parecer da Commissão da Fazenda, constante da copia inclusa por mim assignada, ácerca da materia do Officio do Ministro dos Negocios da Fazenda, era data de 2 do corrente mez, relativamente ás despesas, e preparativos necessarios para a recepção de Sua Magestade e Real Familia: Mandão remetter o mesmo Parecer á Regencia do Reyno para que se cumpra como nelle se contem: O que V. Exa. fará presente na Regencia do Reyno para sua intelligencia.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 17 de Maio de 1821. = João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Ordenão que com a brevidade possivel sejão satisfeitos os quesitos constantes da copia inclusa, por mim assignada, e remettidas a este Soberano Congresso todas as Informações que nelles se exigem ácerca do citado das Parochias, importancia, e applicação dos Dizimos deste Reyno, e Ilhas adjacentes. O que V. Exa. fará presente na Regencia para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 17 de Maio de 1821. = João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Ordenão que a Regencia do Reyno, remetta a este Soberano Congresso com a maior brevidade, a Consulta da Junta do Commercio, com as Informações, e mais Documentos relativos ás Fabricas Nacionaes da Covilhan, Fundão, e Portalegre, que acompanharão a Resolução de 31 de Março do presente anno. O que V. Exa. fará presente na Regencia do Reyno, para que assim se execute.

Deos guarde a V. Exa. Paço das Cortes, em 17 de Maio de 1821. = João Baptista Felgueiras.

OFFICIOS.

Illmo. e Exmo. Senhor. = A Regencia do Reyno, em Nome d'ElRey o Senhor D. João 6.° me Ordena remetta a V. Exa. para serem presentes ao Soberano Congresso das Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação Portugueza os papeis inclusos, exigidos em data de 16 de Abril proximo passado, relativos á construcção de hum Alpendre a favor de Antonio Joaquim, na Cidade de Viseu.

Deos guarde a V. Exa. Palacio da Regencia, em 14 de Maio de 1821. = Senhor João Baptista Felgueiras = Joaquim Pedro Gomes de Oliveira.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Em cumprimento da Ordem das Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação Portugueza, datada em24 de Abril proximo passado, foi consultada a Junta do Commercio sobre as representações do Juiz, e Mesarios da Irmandade do Senhor Jesus, e Santissimo Sacramento do Convento de S. Domingos de Lisboa, e outra de varias pessoas da Classe de Merciaria, representada por aquella Irmandade; e me Ordena a Regencia do Reyno em Nome de ElRey o Senhor D. João VI., que remetta a V. Exa., para ser presente ao Soberano Congresso, a Consulta da Junta, e as dictas Representações originaes; o que cumpro.

Deos guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 14 de Mayo de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras. - Joaquim Pedro Gomes de Oliveira.

Illmo. e Exmo. Senhor. = A Regencia do Reyno, em Nome de ElRey o Senhor D. João VI. Manda remetter a V. Exa. o incluso Processo, feito ao Quartel Mestre do Corpo da Guarda Real da Policia, Francisco Zacharias Ferreira de Araujo; isto em satisfação á determinação do Soberano Congresso Nacional, que V. Exa. me communicou.

Deos guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 15 de Mayo de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras - Antonio Teixeira Rebello.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Ha pouco tempo que, como particular, soube do Contracto de Emprestimo

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de vinte e quatro contos de reis, e alienação da Fabrica da Covilhan, que Antonio Pessoa de Amorim, fez com o Soberano Congresso Nacional; e haverá oito dias que o dicto Amorim requereo já a primeira prestação de quatro contos de reis ao Thesouro Publico, de que tenho a honra de ser Presidente, e ha quatro, que officialmente se me entregou a Consulta, que remetto da Junta do Commercio, assignada a 7 do corrente, que só tem por objecto o destino que se deve dar á Fabrica de Portalegre.

Como Cidadão, e muito mais como Secretario da Repartição da Fazenda, julgo ter direito, e talvez dever, para fazer algumas reflexões sobre a Contracto feito com Amorim, muito principalmente porque o Soberano Congresso por Aviso de 4 do corrente, cumprido a 9, ordena sobre Requerimento de D. Rosa Jacyntha Larché (que pertende arrematar a Fabrica de Portalegre) que a Regencia do Reyno se regule quanto seja possivel pelas Condições admittidas já para a Fabrica da Covilhan.

Duas cousas se devem ter em vista sobre Fabricas Nacionaes, ou o interesse immediato do Thesouro, ou o interesse geral da Nação. Se se attender sómente aquelle, creio que ninguem duvidará, que o maior interesse será sempre vender, aforar, arrendar, e nunca administrar por conta da Nação; por isso mesmo, que por desgraça os administradores, tendo em vista os seus maiores lucros, não põe o zelo necessario, e sacrificão quasi sempre aos seus particulares interesses os direitos da Nação.

Quando porém se trata das vantagens remotas, isto he, quando huma Nação, ou pela sua decadencia natural, ou proveniente de tratados funestos, se acha em grande atrazo, e sacrificada pelos mesmos Tractados a importar generos estrangeiros, que ou por barateza, ou por qualquer principio tem desanimado a nossa industria, e esgotado o nosso ouro, então parece que a Nação opprimida deve disputar com a Nação oppressora, e o unico recurso, não faltando á fé dos Tractados, será perder o Thesouro por algum tempo, caminhando por modos indirectos relativos ao consumo, e por modos directos relativos ao fabrico.

Arrematadas as Fabricas da Covilhan, e Portalegre com as Condições, que vejo approvadas, e reduzidas a Contracto, eu julgo que nem hum, nem outro fim se póde conseguir; ao contrario me parece que o prejuizo contra o Thesouro he tal, que se póde considerar haver numa lesão enormissima; e que destes prejuizos causados ao Thesouro, se não possa tirar a vantagem de se animar a industria, e fazermos face aos Generos Estrangeiros, será facil demonstrallo; porque nem considero nos arrematantes tal patriotismo, que os leve ao ponto de sacrificarem os seus interesses, particulares pelos da Nação, nem seria possivel, porque estes sendo muito remotos, demandão empates, e perdas temporarias, a que não póde chegar o patrimonio de hum particular o mais opulento: pelo contrario temos visto que as Nações estranhas, procurando desanimar a nossa industria nascente, tem sacrificado sommas, e com ellas comprado interesses, e patriotismo, e por fica causado a ruina, e morte de algumas de nossas Fabricas de dominio particular.

Eu não ouso com as minhas reflexões convencer o Soberano Congresso contra huma medida já tomada, e que o não foi sem maduros exames, feitos por Pessoas de abalizados talentos: limito-me ao que toca ao meu Emprego, isto he, mostrar que o Contracto foi lesivo contra a Fazenda, e que se o Soberano Congresso tem em vista os interesses do Thesouro, este he muito lesado; se tem os da Nação, duvido que os particulares tenhão forças, animo, e patriotismo para se sacrificarem em beneficio della, o contrario, ,e parece se prova já do seu mesmo Contracto.

E para que eu demonstre o que só me incumbe com a possivel evidencia, e quanto mo permittir a escacez do tempo, e as instancias do Procurador de Larche, eu o vou a fazer, entrando na analyse dos artigos do Contracto; não podendo deixar de advertir, que tratando-se de alienação de Bens Nacionaes, eu penso que deveria ser o Conselho da Fazenda, e não a Junta do Commercio por onde; elle se devia celebrar.

Diz o 1.° artigo, que o Edificio, e utensilios deverão ser avaliados por Louvados nomeados por parte da Fazenda Nacional, e do Supplicante. A fabrica he da Fazenda Nacional, e os utensilios pertencem, aos antigos Administradores; seja o que for, ha cousas a avaliar, que são propriedade alhea: ora como pôde, ou deve deixar de ser ouvido seu Dono, quando se tratar de se avaliar, e pagar pela avaliação o que he seu? Que se disponha da propriedade contra a vontade, isto póde depender do Contracto antigo, mas que não seja ouvido, só póde depender de huma dispensa no direito natural: tanto este se offende por aquella condição, que hontem os Proprietarios dos utensilios requererão o ser ouvidos, e a Regencia do Reyno mandou remetter o seu Requerimento ao Soberano Congresso.

Passarei do 1.° artigo ao 6.° por serem annexos; diz-se neste que os Edificios serão avaliados antes de findos cinco annos. Não me parece regular a avaliação dos Edificios neste prazo, porque, que inconveniente póde haver para que se faça immediatamente? Quem responde por qualquer incidente, e pela ruina naquelle espaço de tempo? Quem deve fazer os reparos de que precisarem, como he natural? No principio de hum Contracto tudo são facilidades, depois vem os inconvenientes, e os deste caso só se podem evitar procedendo immediatamente ás avaliações por Louvados nomeados por quem direito tiver.

Supponhamos que ficão por conta do arrematante os melhoramentos: ou elle os faz, ou não; se os faz confunde o valor presente com o valor adquirido, e augmenta a difficuldade de huma vasta avaliação; se os não faz soffrerá a Fazenda Nacional a diminuição, e a perda relativa a cinco annos de uso. Além disso cinco annos de uso gratuito de huma propriedade equivale á doação de hum quarto do seu valor, augmentada esta doação com a facilidade de ter fructo sem capital empregado. E não se espere que ha de succeder em Portugal o que nunca mais succederá na Europa, e he que os fundos temtoriaes augmen-

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tem de valor nominal, porque todos reconhecem, que o representativo, que he o dinheiro, fazendo-se mais raro augmenta o seu valor, e diminue o daquelles, e que por tanto os Edificios, de que se trata, no fim dos cinco annos, em vez de crescerem, terão diminuido de valor, até por este principio.

Em quanto ao modo de pagamento, de que trata o artigo 6.°, este segundo o mesmo artigo, só deve principiar depois de extincta a divida dos 24j:000$000 de réis, segue-se que o dicto pagamento só vem a principiar no sexto anno do Contracto, e unicamente pela duodecima parte (ou seja 8 e hum terço por cento) da importancia das fazendas, que se entregarem. Mas qual será a importancia destas entregas, e qual a dos Edificios? Suppondo estes no valor de 300:000$000 de réis, e aquelles em 60:000$000 de réis, seria o pagamento por conta annualmente 5:000$000 de réis, e para a extincção desta divida se fazião necessarios 12 annos, ao que ajuntando 5 annos de morto, fórma hum intervalo extraordinario para se finalizar o Contracto. Ora a este calculo de tempo ainda se deve accrescentar aquelle, que segundo a condição deve decorrer para o total pagamento dos 24400$000 de réis, como acima ponderei; e então a amortização do Capital valor dos Edificios só principia a fazer-se depois do duas epochas; 1.ª os cinco annos de morto, e 2.ª = depois de pagar aquelles 24000$000 de réis = palavras do 6.° artigo.

A anticipação gratuita dos 24:000$000 de réis de que trata o artigo 2.°, e dentro de seis mezes, me parece até escandalosa. Pede os Edificios para pagar tarde e más horas; póde os utensilios para pagar em deus e quatro annos, e a final pede hum Capital de 54:000$000 de réis para satisfazer por prestações mensaes de 400$000 réis, em que deve levar o espaço de 5 annos!!! Que vantagens apresenta para compensar parte do que recebe.

Lá vem o artigo 3.º era que offerece os pannos ordinarios pela mesmo preço que os anteriores Contractadores, com o abatimento de 50 réis por covado na Ley, denotando esta maliciosa clausula que os outros pagamentos dos pannos deve ser feita em metal, muito; principalmente quando o typo que os arrematantes offerecem he o de 540 réis, porque vendem os Paneiros o panno em branco, e este preço, segundo elles mesmos declarão na condição 4.ª he feito em metal, sendo para advirtir que nos pannos interfinos, o serafinas nenhum favor fazem, porem Brasão he evidente, e vem a ser porque nestes, seguro e preço, está seguro o lucro, o nos outros que depende de hum valor incerto, e esta depende que circunstancias, se quizerão segurar com o augmento, ou diminuição de preço, que todo depende da sua mão, porque sendo elles os unicos consumidores de pannos brancos, por isso podem estabelecer o monopolio, e levar sempre seguro o lucro, muito principalmente reduzindo-se a meros tintureiros de pannos, que os miseraveis fabricão, e nos quaes elles apenas tem de por a má tinta, e pouca mão de obra, sendo por ella o exesso em cada covado o que vai de 540, a 800 e tantos réis, isto he pelo menos 360 réis por covado.

O Arrematante parece que nada mais teve em vista do que os seus particulares interesses, porque para nada omittir em seu favor, declara na condição 10.ª que os fornecimentos em cada mez se lhe devem fazer no fim delle, e faltando-se-lhe, logo se considera desligado do Contracto, querendo porem ser indemnisado com 1/3 por cento ao mez pelo tempo do seu desembolço. Se esta proposição se fizesse por hum Contractador, que entrasse com o seu cabedal, e não recebesse antecipações pecuniarias, poderia merecer attenção, irias por hum homem, que pertende 24:000$000 de réis adiantados, e só falla em receber Juros no caso apontado, he cousa pasmosa! Suppondo o caso de rompimento de Contracto no 1.° ou 2.° anno a Fazenda deveria pagar o Juro de 1/3 por cento de qualquer quantia, que ficasse a dever, e o Contractador quando deveria pagar o resto dos 24:000$000 de réis antecipados?

Voltarei ao artigo 5.° que á meu ver, he de todos o mais fatal; determina elle 540 réis metal por cada covado de panno em branco, e por consequencia qualquer augmento ou diminuição he lucro em prejuiso da Fazenda Nacional; mas se os reguladores desces praças são os preços dos Fabricantes, e estes panos são particulares para as Tropas, quem regularia estes preços senão os proprios arrematantes? Quem hade fiscalizar o interesse da Fazenda? O Superintendente.... Praza aos Ceos que eu veja hum dia estinctos todos estes Officios de privilegio, que quando não servem para opprimir directa, opprimem indirectamente. Vigiarão elles os preços; mas quem vigiará a manobra occulta da tinturaria, unica operação, que resta aos Contractadores, que neste caso lucrão o beneficio, que pelo emprestimo lhe faz a Fazenda, lucrão o suor do miseravel Panneiro, e por fim, ainda ganhão com o prejuiso na má qualidade, senão dos pamios, ao menos da tinta; desgraçado Exercito, que por este modo nunca poderá dizer: nós seremos mais bem vestidos pois hoje se reconhece que o typo que se acceita para os nossos panuos, he o typo, ou padrão antigo.

Neste Contracto não foi menos atacada o interesse geral do Publico, que o da Fazenda, porque nelle foi estabelecida huma taxa rigorosa de preço e de imperfeição, e tendo por ella o emprehendedor assegurado hum certo, e grande consumo, não necessita por meio da perfeição, e barateza desafiar a venda a particulares, e deve por seu proprio commodo não lazer alguma destas tentativas, para entreter a idéa de ler obrado sem dolo.

A respeito do geral interesse publico tambem se deve notar que tendo o preço dos pannos para o Estado sido regulado na base do valor do dinheiro de huma épocha tão abundante nelle, como abundante em o distrahir, e tendo a nossa industria deminuido tanto, quanto augrnuntado a dos Estrangeiros, segue-se infallivelmente, que dado tal monopolio, desaparecerão as esperanças de podermos fazer face áquelles. Mas supponha-se que a taxa chegaria a ser inferior ao preço natural dos pannos, seguir-se-hia então que o Fabricante não cumpria o tractado, porque necessariamente se viria a arruinar de todo, e se ella continuar a ser

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superior a esse preço, ha de por ventura o Estado mantello! Disigualdade monstruosa, que existe encoberta no Contracto, e que foi comprada a peso de ouro; taxa rigorosa, que tira todo o desejo de melhoramento, que paga a inacção antiga, e que arrasta o abandono no fabrico, o que sobre tudo se deve evitar.

Todos os artigos, que involvem privilegios, e que não são geraes concedidos a todas as Fabricas, eu os julgo como oppressivos aquellas que os não gozão, por isso que esmagão por assim dizer a concorrencia.

Não posso deixar de lembrar o Artigo 10.° o unico de penas contra o Arrematante, em que elle tão cautelosamente andou que logo poz a condição = havendo motivo urgente = que vale o mesmo que dizer nunca soffrerei a pena.

A' vista do que deixo ponderado, não só me parece lesivo, nullo, e insubsistente o Contracto feito sobre a Fabrica da Covilhan, mas que por virtude de hum calculo bem facil de fazer, se mostra que seria mais proficuo dar-se gratuitamente a Fabrica ao Arrematante, ou para sempre, ou por hum tempo determinado, e comprarem-se-lhe os pannos quando no preço, e qualidade elle fizesse igual, ou maior interesse ao Publico do que qualquer outro Fabricante. Segundo a proposta da Viuva Larché me parecem as condições que offerece muito mais vantajosas para a Fazenda Nacional.

Não posso deixar de levar ao conhecimento do Augusto Congresso, que o Arrematante offerecêo fiadores, e que se lhe acceitárão, mas que estes não mostrarão, como devião estar quites, e desembaraçados perante o Thesouro Publico Nacional.

Tambem devo advertir (e o Soberano Congresso não o ignora) que o miseravel estado do Thesouro Publico não pôde, sem faltar ás despezas de urgentissima necessidade, fazer empresamos, que pelo que deixo ponderado, todos se converterião em beneficio de hum Particular, e quando por outras considerações politicas se entendesse que estes esforços do Thesouro erão absolutamente necessarios em beneficio da classe industriosa, então seria talvez mais util convertê-los em, utilidade publica, fazendo administrar as Fabricas temporariamente por conta da Fazenda.

Remetto a sobredita Consulta, o Requerimento de Larché, e mais Papeis relativos, para que o Soberano Congresso resolva positivamente o partido, que deve tomar a Regencia do Reyno, a quem fiz presente este negocio; e se nesta Representação parecer que ha algum excesso da minha parte, elle me seja desculpavel pelo amor que tenho á Causa Publica.

Queira V. Exa. fazer tudo presente, e se me he permittido pedir desculpa por qualquer falta, eu a mereço pela pressa que me dei em procurar a Soberana Resolução.

Deos guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 16 de Maio do 1821. - Illmo. e Exmo. Senhor Hermano José Braancamp de Sobral - Francisco Duarte Coelho.

Errata:

No Diario das Cortes N.º 74 ha duas observações sobre a Ley da Collecta dos Ecclesiasticos, ambas lançadas em nome do senhor Serpa Machado: a 1.ª a pag. 833, a 2.ª a pag. 835; porém esta pertence ao senhor Sousa Machado - A mesma equivocação do nomes se nota em o N.° 76, onde as observações sobre a Liberdade de Imprensa, que vem a pag. 859, 861, e 862 lançadas em nome do senhor Serpa Machado, pertencem ao referido senhor Sousa Machado - Note-se mais que muitas das observações e discursos do senhor Serpa Machado sahirão essencialmente alteradas, como succede no mesmo N.° 76 a pag.º 863, em que a troca da palavra = crime = por = culpa = no penultimo periodo, e a falta do adverbio = só = ou = sómente = no ultimo periodo, detriorão o seu verdadeiro sentido = Nem he menos notavel o erro com que na discussão dos generos Cereaes se escreveo = as Leys são differentes nas Provincias do Reyno = devendo ler-se = as medidas são varias nas differentes Provincias do Reyno = E na discussão na Ley sobre a Liberdade da Imprensa = em lugar de = Tribunal Ecclesiastico da Imprensa = deve ler-se = Tribunal especial da Liberdade de Imprensa.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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