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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 85.

Lisboa 22 de Maio de 1821.

SESSÃO DO DIA 21 DE MAIO.

Leo-se e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

O senhor Secretario Felgueiras leo hum Officio do Ministro Secretario d'Estado dos Negocios do Reyno, enviando a queixa de Antonio Fallé contra, o Desembargador José Antonio da Veiga, e contra Diogo Jacyntho, Escrivão dante o mesmo Magistrado, indicando no Officio o meio de serem julgados os Empregados Pubicos contra quem ha queixas, ácerca do que pede a prompta decisão do Soberano Congresso. - Sobre este assumpto disse

O senhor Serpa Machado. - Lembra-me por occasião desta Representação, que ha hum Projecto do senhor Borges Carneiro, relativo, segundo me parece, ao mesmo objecto: seria bom que se ajuntasse a esta Representação, e fosse remittido á Commissão de Legislação.

O senhor Soares Franco. - Seria melhor que fosse á Commissão de Constituição.

O senhor Castello Branco. - O melhor he que o Ministro tome medidas muito activas, e com muita brevidade. A Constituição ha de sahir e ha de fixar a forma de Administração de Justiça; mas quando conseguirá a Nação este grande bem? Quando se porá em practica a Administração de Justiça? Quando estará discutida a Constituição, quando estará approvada, e publicada? Isto longo tempo levará, e a Nação entretanto geme. He desgraçada a Nação que não tem Leys; mas he mais desgraçada a que as tem, e não se executão, ou que se fazem servir para opprimir o fraco ou o innocente. No pequeno circulo em que eu vivo, todos os dias fezem nos meus ouvidos queixas sobre isto, e eu declaro que hei de patrocinar, e hei de ser desde hoje hum declamador contra estes abusos. Para que havemos nós de acudir a methodos longos que desacreditão o mesmo systema Constitucional, e não offerecem continuamente senão meios de illudir as Leys? Ainda outro dia hum miseravel que veio de Lamego, e que está seguindo huma causa ha mais de 30 annos, recorreo a este Congresso, fez despesas na sua jornada, fez despesas na acumulação dos documentos, e depois de tudo isto, quando esperava que pela resolução do Congresso acabarião para com elle tantos transtornos, perde-se o Requerimento desta sorte informado, e já despachado pelo Congresso. Como se hão de dar providencias para isto? Para isto precisão-se medidas muito activas, e declaro que eu serei hum declamador eterno contra estes abusos.

Decidio-se remetter o Officio á Commissão de Constituição para dar o seu Parecer com a maior urgencia, tendo em vista o Projecto já impresso que a este respeito offereceo o senhor Borges Carneiro.

O mesmo senhor Secretario Felgueiras leo hum Officio do Ministro Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda, enviando as Consultas do Concelho de Fazenda sobre a isempção de direitos nas Alfandegas, de que devem gozar as materias, e effeitos do consumo das nossas Fabricas foi remettido á Commissão das Artes e Manufacturas. - E outros dous do Ministro Secretario d'Estado dos Negocios da Guerra: 1.° enviando tres Relações, que forão podidas á Regencia indicando as Praças dos Officiaes Inferiores de Cavalleria que tem 38 e mais annos de idade; forão remettidas á Commissão Militar: 2.° enviando o Mappa da despesa do Arsenal das Obras Militares, pertencente ao anno de 1820, e foi remettido á mesma Commissão.

O mesmo senhor Secretario deo conta de huma Representação do Senadora Camera desta Cidade sobre o estado do Hospital dos Lazaros, e pedindo prompta providencia: remetteo-se á Commissão de Saude Publica = da Carta de felicitação e prestação de homenagem ás Cortes - da Camera da Villa de

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Moura, pedindo tampem providencias sobre Coimas, e diminuição de Sisas; quanto á felicitação, mandou-se honrosamente mencionar; e quanto ás providencias pedidas, que desse o seu parecer a Commissão de Legislação = de outra Carta de felicitação do Cidadão José Ribeiro, que deseja saber o prazo de tempo com que deverá partir a Expedição para a Bahia; e ouvida a felicitação com agrado, mandou-se em quanto ao mais que se dirigisse á Regencia.

O mesmo senhor Secretario deo tambem conta de huma Carta do senhor Deputado José Ribeiro Saraiva, participando que hum ataque de gota o priva de ser presente as Sessões, que frequentam logo que cesse aquelle impedimento. = E de hum Requerimento de Joaquim Machado, Estudante do 4.° anno de Canones, e empregado na Tachygraphia pelo Soberano Congresso, pedindo dispensa do Acto, ao que disse:

O senhor Bastos. - Que, como está fazendo serviço das Cortes, deve ser dispensado, posto que nenhum outro se dispense.

O senhor Camelo Fortes. - (Ouvi somente - diz o Tachygrapho Marti) A duvida he que está em 4.° anno, e não se admitte Procurador.

O senhor Felgueiras. - Só se lhe contarem a antiguidade do tempo em que elle devia tomar o gráo.

O senhor Macedo. - E assim deve ser, porque elle não póde attender áquella obrigação, devendo subjeitar-se primeiro á Ley, que o obriga a acudir á utilidade publica.

O senhor Felgueiras. - Pode-se remetter esta exposição á Commissão de Instrucção Publica.

O senhor Bastos. - Não ha necessidade. Para que hade pedir-se a huma Commissão hum informe, em que ella nada póde accrescentar ás luzes da Assemblea? A dispensa deve concedir-se, não por beneficiar o Supplicante, mas para utilidade da Nação, em cujo serviço está occupado.

O senhor Pinheiro de Azevedo disse, que se erão necessarias informações da sua aptidão, podia dizer que elle tinha sido hum bom Discipulo nos annos anteriores, e que no anno actual continuava a fazer iguaes progressos.

O senhor Camelo Fortes disse, que se mandasse ordem á Universidade, para que todos os que fizerem Acto assignem hum termo de não embaraçar Machado por não o ter feito.

Tomárão-se votos, e foi-lhe concedida a dispensa por se julgar de necessidade a continuação do seu serviço; e remetteo-se o Requerimento á Commissão de Instrucção Publica para redigir a Ordem, declarando-se-lhe conservada a sua antiguidade, desde o tempo em que pela Ordem da Matricula lhe tocava o fazer Acto.

O senhor Manoel Antonio de Carvalho apresentou huma Memoria de Antonio José da Cunha Salgado, Capitão de Engenheiros, sobre objectos Militares. Remendo-se á respectiva Commissão.

O senhor Ferrão apresentou huma Memoria anonyma, indicando providencias para os incendios. Foi tambem remettida á respectiva Commissão.

Fez-se chamada nominal, e achou-se faltarem os senhores = Antonio Pereira - Trigoso - Ferreira Borges - Correa Telles - Moura - Xavier de Araujo - Ribeiro Saraiva - Rebello da Sylva - Borges Carneiro - Paes de Sande = e estarem presentes 92 dos senhores Deputados.

O senhor Corrêa de Seabra, Macedo, e Secretario Mendonça Falcão apresentarão por escripto os seus votos na Sessão precedente, e são os seguintes:

Voto do senhor Correa de Seabra.

O abaixo assignado, tendo sido de opinião que nos abusos da Liberdade de Imprensa não devia ter lugar a pena de prisão, na Sessão de 19 votou pela prisão de 5 annos, determinando-se o maximo da pena nos abusos da Liberdade de Imprensa em materias de Religião, pela opinião que tambem tinha declarado de que o maximo da pena nos abusos em doutrinas de Religião, devia ser igual ao maximo da pena nos abusos contra o Estado; e por esta rasão unicamente he que votou na pena de prisão, e não porque estes fossem os seus sentimentos: tendo-se vencido na Sessão de 18 que o maximo da pena nos abusos contra o Estado era de 5 annos de prisão = Assignado = José Vaz Correa de Seabra.

Voto do senhor Macedo.

Na Sessão do dia 19 de Maio fui de parecer, que a grandeza das penas se não deve decidir por maioria relativa de votos, nem tambem por meio de segunda votação, em que precisamente se haja de votar em hum dos dons gráos de pena, a favor dos quaes tivesse havido maior numero de votos na votação primeira: mas que tanto neste caso, como em iodos aquelles em que o objecto da votação consista em fixar huma certa quantidade, deve ler lugar a reducção do votos, accrescendo successivamente os votos das quantidades maiores aos que lhos são immediatos, até constituirem huma pluralidade absoluta: vindo por esta fórma a prevalecer a menor quantidade das maiores em que recahio o numero de votos necessario para obter vencimento. = Assignado = Caetano Rodrigues de Macedo.

Voto do senhor Secretario Mendonça Falcão.

O meu voto, dado na Sessão de 19 do corrente, foi que o maximo da pena para os cumes de abuso da liberdade de Imprensa em materias de Religião fosse o mesmo que tinha vencido para os crimes contra o Estado commettidos pelo abuso da mesma liberdade, a saber: 5 annos de prisão, 600 mil réis em dinheiro, privação dos cargos publicos, e procedimento ás temporalidades, sendo Ecclesiastico o delinquente. = Assignado = Agostinho de Mendonça Falcão.

Seguio-se a Ordem do dia: lêo-se o artigo 13.° da Ley da liberdade de Imprensa, e depois de breve discussão, ficou approvado tal como está concebido.

Lêo-se o artigo 14.°, no qual

O senhor Basilio Alberto notou que havia hum erro de impressão.

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O senhor Bastos, combinando este artigo com o artigo 16 disse. As imputações contra os Empregados publicos ou tem por objecto a sua conducta particular, ou as suas operações publicas. No primeiro caso tem lugar as penas: no segundo não, mas sómente a justificação do accusado, a declaração da sua innocencia, e da falsidade da accusação. A Nação não impressa em que se lhe denunciem defeitos particulares: punão-se pois embora estas denuncias, quando são calumniosas. Ao contrario interessa muito em que se lhe denunciem os abusos do poder: convem por tanto deixar aos Escriptores toda a liberdade a este respeito. O maior benefico da Imprensa, he o de vigiar os Funccionarios publicos, desmascarallos, e advertir a sociedade dos perigos que ella corre. Punido hum Escriptor, por algum excesso commettido no exercicio deste direito, ou antes deste dever, os outros se absteceo de escrever, e a liberdade de imprensa, que nós tão solemnemente jurámos, e fizemos jurar, ficará reduzida a huma absoluta nullidade. Alem de que: se nós vamos subjeitar os Escriptores ás perseguições dos Empregados, pelas imputações que lhes fizerem nesta qualidade, vamos auctorizar huma luta mui desigual, huma luta entre homens sem outra imfluencia mais que a de huma penna, que se lhes pertende innutilizar, e homens armados de hum grande poder, cheios de relações, e fortes pela influencia dos seus cargos, e cooperação de seus Collegas, que não deixarão de fazer causa commum com elles. Tachar-se-me-ha de que eu intento sacrificar a honra dos Empregados publicos, á liberdade dos Escriptores? Pelo contrario eu concilio os interesses e os direitos de huma com os de outros, pois dou a huns a faculdade de se justificarem, e de fazerem julgar a falsidade das impurações com que se quiz maculallos; e a outros a de exporem francamente os seus pensamentos, sem serem retidos a cada paço pelo terror. Se se me obejecta que assim perderão os Empregados publicos grande parte da consideração e respeito, que lhes he devido, e de que muito depende a obdiencia; respondo: 1.° que o recurso que se lhes concede de se justificarem pela exposta maneira he muito mais coherente com essa consideração, com esse respeito, e muito mais proprio para o reivendicar, do que aquella perseguição, que denota espirito de vingança, e baixeza; 2.º que hum Povo livre deve raciocionar sua estima; e que o respeito que se deriva do silencio da ignorancia, ou do medo, he só proprio de Escravos. Se se diz em fim, que a denegação de acção aos Empregados contra os Escriptores, fará que ninguem mais procure os Empregos publicos, respondo: que o poder tem taes encantos, que os Empregos publicos serão sempre procurados, a pesar de todos os seus inconvenientes. Mas supponhamos que deixavão de o ser; tanto melhor. Então não virião os pertendentes, obstruindo as Ruas da Capital, sollicitar os Empregos com impostoras preces, mas hirião os Empregos procurar o merecimento aonde quer que elle se achasse.

Arguido pelo senhor Macedo, o qual disse, que o Empregado Publico tinha igual direito que outro qualquer para conservar illesa a sua opinião, e que o interesse publico pede que a auctoridade constituida não seja offendida, nem atacada, porque isso seria promover a anarchia; redarguio

O senhor Bastos. - Tem-se combatido os meus principios; porem os meus principios estão ainda em pé. Elles não são novos, nem he pela primeira vez que similhante doutrina apparece em Assembleas Legislativas. Não são anarchicos, antes nada mais contrario á anarchia. Que he o que póde mais efficazmente concorrer para esta do que a prevaricação dos Empregados publicos? E que he o que póde mais efficazmente conduzir ao conhecimento dos remedios, que se devem applicar a esta prevaricação do que a maior plenitude possivel na liberdade de imprensa? Que he o que eu nego aos Empregados, senão huma perseguição, huma vingança fatal para o Publico, e para elles? E que he o que lhes concedo senão aquillo que concilia a sua reputação, com a felicidade dos Povos? Permittir aos Funccionarios Publicos o perseguir como calumniador quem ousa accusar sua conducta publica, he fornecer-lhes hum instrumento com que cortem pela raiz, a Arvore nascente da Liberdade. A liberdade de Imprensa, sendo hum dos maiores sustentaculos da liberdade dos Povos, não pode ser limitada, senão nos Governos despoticos" Diz a Constituição da Virginia, artigo 14 da declaração dos direitos. Nós não a temos já limitado pouco. Se vamos agora limitalla mais ainda, naquillo em que convem que ella mais livre seja, não chamemos á Ley que estamos fazendo, a Ley da liberdade, mas da escravidão, ou da morte da imprensa. O eximir os Escriptores das penas, quando elles provão a verdade das imputações, he hum presente demasiadamente mesquinho, ou talvez hum laço armado á liberdade dos mesmos Escriptores. Ha muitas prevaricações, que são verdadeiras, que o Publico deve saber para se prevenir, e o Governo para as remediar, e que com tudo são mui difficeis, ou talvez impossiveis de provar. Subjeitar os Escriptores a penas por as haverem denunciado, e as não provarem, he subjeitallos a serem punidos por terem feito á Nação hum bom serviço, he confundir todas as ideas do merecimento, e do crime. Nós em vão trabalharemos por levantar o grande Edificio Social, e por dar-lhe a necessaria firmeza, se huma das suas principaes bases não for huma amplissima liberdade de Imprensa. A Inglaterra a tem, e a Inglaterra he feliz. Tem-na a America Septentrional, e a America Septentrional prospera. Teve-a a Prussia no tempo do grande Friderico, e essa foi a epocha mais feliz da Prussia. Teve-a a Dinamarca por muito tempo, e esse foi o tempo domado desta Nação. Ao contrario a Convenção Nacional de França armou-se de rayva, e de furor contra os Escriptores; não houverão males que a França não soffresse. A Convenção mesma cahio. O Directorio deportou n'hum só dia 120 Jornalistas, os males se aggravarão, e o Directorio cahio. Bonaparte não só fez calar a França, mas pertendeo fazer calar a Europa inteira; a França foi victima de huma multidão de desgraças, e Bonaparte cahio. (Apoyado, apoyado, apoyado.)

O senhor Abbade de Medrões. - Isso parece hu-

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ma cousa muito simples, está dicto em duas palavras; que ninguem possa escrever, ou imprimir, sejão aquillo que poder provar. Seja contra quem for, se o facto he publico, e póde provar-se, escreve-se, senão não se deve escrever. Ale agora se praticava isto, e he o que entendo que se deve practicar; porque nós pela mesma Ley Christan temos obrigação de não descobrir facto algum occulto, ainda que seja verdadeiro.

O senhor Presidente tomou votos, e ficou approvado o artigo accrescentando-se a palavra = pessoa = depois das palavras - alguma Corporação - que por erro Typographico se omittira; e substituindo-se = Termos = onde no mesmo artigo se lê - palavras - deliberando-se outro sim não se fazer novo artigo que comprehenda as estampas injuriosas.

Leo-se e discutio-se o artigo 15.° ácerca do qual se tomarão as seguintes resoluções:

1.º Que fica salva ao injuriado a reparação civil da injuria.

2.° Que se conheça e julgue desta reparação civil no mesmo Juizo dos Jurados.

3.° Que o maximo da pena no caso deste artigo seja de 100 mil réis: o que se decidio por 57 votos em votação nominal.

Tambem se leo e discutio o artigo 16.°, e se deliberou supprimir-lhe a ultima clausula, desde as palavras = e nos outros casos = até ao fim: mas por não se julgar sufficientemente discutida toda a materia do mesmo artigo, ficou adiado, e determinado o mesmo Projecto para a Ordem do dia seguinte.

Levantou o senhor Presidente a Sessão á huma hora da tarde. - Agostinho de Mendonça Falcão, Secretario.

OFFICIOS.

Illmo. e Excmo. Senhor = A Regencia do Reyno, tomando conhecimento das queixas de Antonio Fallé contra o Desembargador José Antonio da Veiga, e contra o Escrivão Diogo Jacintho, e achando-se em grande embaraço entre a opinião publica, que os condemna, e a Justiça, que não permitte castigo sem provas claras e legaes: me ordena em nome d'ElRey o senhor D. João VI., que leve á consideração do Soberano Congresso o estado desta accusação nos papeis, que se tem processado para liquidalla, expondo os reflexões, que á Regencia occorrem neste caso, igual a outros semelhantes, que pendem de decisão.

Se o Accusador se desfaz contra o Desembargador Veiga, e contra a Magistratura em generalidades terriveis e expressões escandalosas, sem deduzir facto algum, que possa fazer objecto de indagações particulares; o delicto do Escrivão não está provado modo que fosse ser punido, segundo as Leys de qualquer Nação culta; sendo necessario reconhecer a impossibilidade de existir boa prova as acções que se praticão occultamente, e por meios estudados para occultallas: Mas a opinião publica está contra os accusados, e espiritos inquietos e sediciosos esperão a decisão da Regencia, talvez mais com animo de increpala, do que de reconhecer a difficuldade do julgado, e as boas e justas intenções da Regencia: no final do N.º 141 do Astro da Lusitania se apresenta huma decisiva prova desta verdade.

Na facilidade de commetter delictos, e na outra maior de imputallos, e da difficuldade de serem provados está o grande encolho de sciencia de governar. Reconhece a Regencia que os meios em pratica, de informações particulares, ainda que ajudadas de algumas formalidades juridicas, não são sufficientes para aclarar factos, que decidem da sorte dos Empregados Publicos: reconhece a perigosa situação depor aos meios julgar innocentes aquelles, que não se provando culpados, são pronunciados por taes na opinião geral, ou de julgar culpados os que não tem provas legaes contra si: e posto que tenha bem firme o principio de que o homem de probidade he superior a todos os riscos para que nunca seja injusto, não póde deixar de attender á grande influencia que a confusão de ideas neste artigo póde ter na tranquilidade publica, quando se põe em jogo as armas da maledicencia, da perversidade e da intriga.

Não he porem compativel com o modo de deliberar da Agencia huma accusação e defesa publica; e a falta das formulas judiciarias deixão quasi sempre equivoca a justiça da decido: no procedo, que todos podem vir, e na accusação, e defesa, a que todos podem assistir, tem os julgadores num antemural seguro contra a perversidade dos sediciosos e maledicentes; mas os fundamentos das decisões da Regencia ficão occultas no secreto de seus archivos, e cada hum avalia a seu sabor do espirito, que dirige a deliberarão, e faz acres investiveis contra crimes existentes, ou não provados, o que equivale quanto á acção de julgar.

Neste melindroso conflicto receia a Regencia menos o mal de cada hum de seus membros do que a concussão publica que delle póde resultar: he menos consequente que o Publico opine mal de huma sentença, dada por Juizes, de que das decisões da Regencia: no primeiro caso se o povo rompe a obediencia ao julgado ainda resta hum degráo para subir á perfeita anarquia; mas se as decisões são do Governo, e o Povo se auctorisa a obrar contra ellas, fazendo a justiça, que entende lhe fora negada, os ultimos excessos se practidão, e só á custa de grandes males a ordem torna a apparecer.

Alem disto a acção de declarar culpados, e impor pena, não he do Poder Executivo, mas do Judiciario: e he preciso que quando tratamos de separar os Poderes na Ley, não continuemos a confundillos no seu exercicio. Cónclue a Regencia que a explicação da vontade geral, e a sua reducção a regras, que dirijão as acções dos Cidadãos, he o destino do Congresso: que dar impulsões geraes a essas regras, communicando-lhes huma acção vigorosa, he o dever da Regencia; e que applicar essa mesma acção aos casos particulares, ou ás divergencias do systema legal, ou vontade geral, he do officio dos Juizes. São estes principios seguros, adoptados nas Bases da Constituição, que hão de produzir bens, quando forem bem pronunciados, e melhor executados: mas no interval-

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lo, era que não exista a divisão de Poderes exactamente formada, em que não estão creados os empregos conducentes á nova ordem de cousas, e em que não estão exactamente assignadas as attribuições de cada hum delles; os defeitos do antigo systema operão, e as regras que ainda não existem fixas, não podem evitar totalmente os males que da confusão dimanão.

Nas raias que por agora os dividem, não são bem visiveis os marcos: se elles parecem distinctos, a Regencia bem os conhece confusos, á proporção que descobre especies que não estão classificadas.

Em quanto se attribue á Regencia o Poder de demittir Empregados, parece que se segue o principio de que deve tirar poderes, quem dá poderes, e punir quem póde premiar: mas he tambem outro principio, que nenhum Empregado póde ser removido ou punido sem delicto provado, e julgar sobre huma prova, he tomar conhecimento de hum facto particular; he fazer applicação de huma regra geral, he julgar; e isto he faculdade judiciaria, em que não deve intrometter-se o executivo.

Pouca reflexão basta para conhecer que não he o mesmo declarar hum Cidadão capaz de emprego publico, ou julgallo incapaz do que esta exercendo: a escolha não póde deixar de correr o risco do engano, mas he fundada na presumpção das habilitações geraes, e sustida pela distincção de que dar hum emprego não faz ao excluido tão grande mal, como faz a demissão ao que foi preferido.

Quem não póde obter empregos não faz hum ganho, masquem, por declaração de indigno, perde os que tem, faz huma perda; sendo consequencia disto que a acção de escolher costuma ser menos circumspecta e miuda, que a de regeitar. Aquella póde ser filha de habilitações geraes, e entra no plano das attribuições executivas; esta consiste na applicacão de regra particular, e he hum rigoroso julgado, dependente de exame individual, miudo, e repetido, e de huma completa analyse de muitos factos, moralidades, e provas, sem que por isso possa existir a par da expedição das generalidades, que formão as attribuições do executivo.

E porque, perante os melhores julgadores, se podem formar juisos errados, parece bom conservar o systema dos lugares temporarios, e até entende-lo: o seu estabelecimento teve por motivo o receio de ser prevaricadora huma residencia prolongada; e posto que não seja conforme á experiencia semelhante razão, antes seja muito provado que o genio parcial exista, ou não exista, obra desde logo ou nunca, todavia póde ser assignado outro motivo para se conservar periodica a duração dos Empregados, a qual consiste em deverem aquelles, que conferem empregos, ter sua maneira de se fazerem sem estrondo, dos que sahem indignos de continuar nelles. Esta maneira sendo desde logo compativel com o respeito que os Povos devem ter pelos Magistrados, consola os mesmos Povos, quando elles são máos, e sem cobrir algum de vergonha, póde hum Governo justo ter os melhores Empregados. Deixar acabar u maior parte os seus periodos, nunca mais empregar os que se mostrárão indigjios, e ellevar os dignos, sem os forçar a serem dependentes; he a medida que parece mais prudente, e que se huma ou outra vez produz males, atalha outros maiores: e póde contar-se com a certeza, que se o resultado parece vagaroso, elle nunca se obterá de repente.

Tudo isto, e mil outros principios que seria longo referir, fazem a sciencia executiva bem difficultosa, e ainda mais dificultosa se torna a sua applicação: e posto que seja certo que o Soberano Congresso hade classificar todos os empregos para os fazer concorrer ao fim da armonia administrativa, e judiciaria com regularidade, e firmesa em seus movimentos; com tudo, isso não está feito ainda, e em quanto a mudança se estima, não póde chegar a época da boa execução.

Existe por tanto hum mal temporario, que necessita remedio, e remedio que faça conhecer á Nação, que o Governo considera em muito a pessoa de cada individuo, em quanto não tem provas contra a sua conducta; e considera em muito mais o bem publico, para não consentir que algum individuo o transtorne.

Em taes circunstancias occorre á Regencia que se o Soberano Congresso fizer huma Ley, pelo menos temporaria, sobre as accusações dos Empregados Publicos, provem á tranquilidade Publica, assignalla a este respeito a verdadeira raia entre o executivo, e o Judiciario, e deixa a Regencia livre de imputação por acções improprias das suas attribuições, habilitando-a para se empregar na direcção geral do Systema adoptado, o que deve hir ficando de parte á proporção que vão cada dia crescendo as accusações, bem como se vai exaltando o espirito dos accusadores com a impunidade da malidicencia.

Accusadores publicos, que recebão a exposição dos crimes, que praticar a Auctoridade do seu destricto, e forem enunciados em papeis assignados: Sessão previa, citados o Accusador, e o Accusado, sem obrigar aquelle a menor despesa, ou incommodo, para decidir-se se deve proseguir a accusação: Juizes qualificados com a opinião publica, decidindo em Sessão aberta para o Accusador, para o Accusado, para os Advogados de ambos, e para o Accusador publico: penas estabelecidas para o Accusado, e tambem para o Accusador, no caso de não provar a accusação; são os principios que devem seguir-se para qualificar de criminoso hum Empregado publico, e punir o seu delicto: de taes e similhantes principios he que póde nascer a ordem, sem que as generalidades affectem, e por que o Publico tenha de formar guias vagas, nem que soffrer injustiças. A Regencia levando ao conhecimento do Soberano Congresso os seus embaraços, e propondo hum meio de ser respeitado cada Juiz, e cada homem não offerece sua lembrança como plano, mas antes como meio de exercitar na factura de outro melhor a sabedoria do Soberano Congresso, ao qual espera que V. Exca. faça presentes estas reflexões, e ao mesmo tempo os papeis dos queixumes de Antonio Falle, como huma prova decisivo de quanto fica ponderado.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Regencia, em 19 de Maio de 1821. = Senhor João Baptis-

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ta Felgueiras. = Joaquim Pedro Gomes de Oliveira.

Para José Ribeiro Saraiva.

As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Attendendo á necessidade que V. S. lhes representou em data de hoje, de tratar da sua saude, Concedem a V. S. a licença necessaria, Esperando do seu zelo, que apenas seja possivel, V. S. hão deixará de vir immediatamente occupar o lugar que dignamente lhe está confiado.

Deos guarde a V. S. Paço das Cortes, em 21 de Maio de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, Mandão remetter á Regencia do Reyno o incluso Requerimento dos moradores de Villa Real, no mesmo assignados, ácerca da extincção da Feira, que alli tem lugar no dia 13 e seguintes de Junho; para que mandando-se informar com urgencia o Corregedor daquella Villa, ouvindo quem lhe parecer necessario, reverta logo com a informação a este Soberano Congresso. O que V. Exca. fará presente na Regencia, para assim se executar.

Deos guarde a V. Exca. Paço das Cortes, em 21 de Maio de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Illmo. e Exmo. Senhor. = Remetto a V. Exca. por Ordem da Regencia do Reyno, as Consultas inclusas na data de 7 do corrente, para serem presentes ao Soberano Congresso, porque ainda que á mesma Regencia pareça que he ao Conselho da Fazenda a, quem pela sua instituição e attribuições pertence fiscalizar tudo que respeita a isempções de Direitos, muito principalmente porque debaixo da inspecção do Conselho estão, e devem só estar sujeitas as Alfandegas, sendo muito differente o objecto e attribuições da Junta do Commercio, a quem só pertence promover a prosperidade geral das Fabricas, sem com tudo se arrogar o Direito de conceder Privilegios com isempções de tributos, e nesta intelligencia tinha já a Regencia defirido em casos particulares; com tudo parece que, dirigindo-se esta Consulta a marcar as raias de hum e outro Tribunal, e conceder ou não isempções de Direitos, e determinar ao justo quaes são as fabricas e os generos, ou materias primas, he ao Soberano Congresso a quem pertence decidir para formar huma regra firme e legal.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Regencia, em 19 de Maio de 1821. - Illmo. e Exmo. Senhor Hermano José Braamcamp de Sobral. - Francisco Duarte Coelho.

Illmo. e Excmo. senhor. = Em ohservancia do Aviso, que de ordem das Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação Portuguezas, V. Exa. dirigio á Regencia do Reino, em data de 14 de Maio corrente, a mesma Regencia, em nome d'ElRey o senhor D. João VI., manda remetter a V. Exa., para ser presente no Congresso Nacional, as tres Relações inclusas datadas a 18 do dito mes, com os numeros 1, - 2, - e 3, sendo esta ultima das praças, que existem na Relação N.° 2, e não se achão na de N.° 1, incluindo-se nesta todas as mais de N.º 2.

Deos Guarde a V. Exa. Palacio da Regencia, em 19 de Maio de 1921. - Senhor João Baptista Felgueiras. - Antonio Teixeira Rebello.

Illmo. e Excmo. senhor. = A Regencia do Reyno em Nome d'ElRey o senhor D. João VI., Manda remetter a V. Exa. para ser presente nas Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação Portugueza, o mappa incluso da despesa do Arsenal das obras Militares do anno de 1820, assignado pelo Intendente Geral, e Fiscal da mesma Repartição, em data de 17 de Maio corrente.

Deos Guarde a V. Exa. Palacio da Regencia, em 19 de Maio de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras. - Antonio Teixeira Rebello.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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