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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 110.

Lisboa 25 de Junho de 1821.

SESSÃO DO DIA 23 DE JUNHO.

Leu-se, e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

O SENHOR Secretario Felgueiras leu um officio do ministro da Negocios do Reino, remettendo alguns officios recebidos da ilha, de S. Tiago de Cabo Verde, em que se participa haver aquella ilha jurado o systema constitucional. Estes officios forão ouvidos com especial agrado, e remettidos á Commissão do ultramar para dar sobre elles o seu parecer. - Outro officio do mesmo ministro submettendo ás Cortes o requerimento de João dos Santos Mendes, que pretende se crie na Academia da Marinha da cidade do Porto uma Aula de Gravura. Foi remettido á Commissão de Instrucção publica. - Outro officio do ministro da Guerra, consultando as Cortes sobre a pretensão do muitos officiaes demittidos, durante o commando do ex-marechal Beresford, os quaes pretendem ser novamente admittidos no Exercito; no que a Regencia acha grandes inconvenientes pelas razões no mesmo officio expendidas. Acabado de ler este officio disse

O senhor Miranda: - Não se deve tomar em consideração semelhante requerimento.

O senhor Soares Franco: - Eu sou da mesma opinião. Esfes officiaes forão demittidos ha muito tempo: o Exercito está formado, não podem nem devem vir alterar a ordem já estabelecida.

O senhor Macedo: - Parecia-me que fosse o officio e mais papeis a Commissão estabelecida.

O senhor Barão de Molellos: - A Commissão nada mais póde fazer do que a Regencia; o que se seguiria disto, seria uma discussão, que servisse sómente de tomar tempo. Determinou-se que ficasse approvado o parecer da Regencia, de não se admittirem outra vez no serviço os officiaes demittidos.

Leu o mesmo senhor Felgueiras outro officio do ministro da Guerra, transmittindo a relação de varios empregados da Repartição dos Arsenaes do Exercito, cujos Ordenados, tendo sido suspendidos, forão outra vez mandados metter em folha pela Regencia: e mencionou as cartas de felicitação e prestação de homenagem das Camaras da villa de Mertola, do Concelho de Baião, de S. Miguel d'Acha, e de Valdigem, de que se fez honrosa mensão; e as felicitações do juiz de fora de Moura, e do Abbade de S. João da Folhada, Francisco José de Carvalho, as quaes forão ouvidas com agrado.

Apresentarão-se as seguintes memorias: 1.ª sobre objectos de agricultura por João Martins de Azevedo Taborda; 2.ª sobre a reforma das Milicias e Ordenanças por Luiz Guilherme Peres Galvão: 3.ª anonyma, expondo o methodo de construir edificios incombustiveis: 4.ª com o titulo de Lyceo constitucional, ou casa d'Educação moral e scientifica, por Innocencio da Rocha Galvão: 5.ª sobre o pagamento dos officiaes reformados, e do Montepio militar. Forão remettidas as quatro primeiras ás Commissões respectivas; e a ultima á Commissão especial.

Leu-se o officio do Governador do Maranhão, Bernardo da Silveira, participando haver aquella provincia adherido á causa de Portugal, e jurado espontaneamente o systema constitucional. Neste officio refere circunstanciadamente aquelle honrado Governador os modos porque alli teve lugar tão plausivel acontecimento; e pede instrucções sobre varios objectos de administração publica. Feita a leitura, disse

O senhor Sarmento: - O Governador do Maranhão deve sor tratado do mesmo modo que o da ilha da Madeira, cujos serviços tenho ouvido differentes membros deite Congresso.

O senhor Franzini: - Quanto a mim acho uma muito grande differença. O digno cidadão de que ago-

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ra se trata, começou a mostrar o seu amor á patria, e a honra do seu caracter desde o primeiro dia em que entrou no governo: he um homem benemerito e extraordinario, que merece particular commemoração.

O senhor Borges Carneiro: - O officio está escripto com tanta modestia que eu desejara se mandasse imprimir.

O senhor Barão de Mollelos: - Pelo conhecimento que lenho, e sei que tem grande parte dos illustres Membros deste augusto Congresso, do honrado caracter do benemerito cidadão, o Capitão General do Maranhão, he do meu dever declarar que o seu leal, franco, e patriotico comportamento não data sómente desde que elle assumiu o governo daquella provincia. O seu comportamento civil, e militar tem sempre merecido elogios, desde o primeiro dia em que elle começou a servir a patria; e os seus bons serviços tem constantemente correspondido á extensão dos seus commandos, e ás occasiões que se lhe tem offerecido para desenvolver o seu excellente caracter. Não sei se elle tem excedido os outros capitães generaes na difficil sciencia do governo, mas creio que não cede a nenhum delles. A modestia, a franqueza, a dignidade, e o mesmo estilo do officio que elle dirige a este augusto Congresso, e que acabamos de ouvir suo uma prova de quanto em seu abono tenho proferido; e confirmão ao mesmo tempo o digno comportamento que tiverão o Povo, e Tropa daquella provincia. Peço portanto a este Soberano Congresso, e o exige a justiça, que se lhes confirão as mesmas distincções que se tem conferido áquelles que mais dignamente se conduzirão em identicas circunstancias.

O senhor Alves do Rio: - Senhor Presidente: roqueiro que V. Exa. profira a respeito do Maranhão as acclamações do costume. Declarou-se que o officio do Governador do Maranhão fora ouvido com especial agrado; derão-se vivas por todo o Congresso aos leaes habitantes daquella provincia, e a ElRei; e mandou-se que o mesmo officio com os papeis annexos fosse dirigido á Commissão do Ultramar.

O senhor Mauricio José Castello Branco defendeu o comportamento do Governador da ilha da Madeira, Sebastião Xavier Botelho, dando por mal fundadas as suspeitas que sobre elle existem.

O senhor Aragão confirmou quanto disse o senhor Mauricio José Castello Branco, e apresentou um requerimento com 132 assignaturas de pessoas bem qualificadas que depõem a favor do dito Governador; este requerimento foi remettido á Commissão do Ultramar.

O senhor Canavarro apresentou um requerimento da Camara e moradores da villa de Sandes, pedindo a conservação da Companhia dos vinhos do Alto Douro. Foi remettida á Commissão de agricultura.

O senhor Ribeiro Telles expoz a contradicção que achava nas decisões tomadas nas Actas de 29 de Maio, e 2 de Junho, relativamente á applicação da collecta ecclesiastica, vendo-se por conseguinte no embaraço de não poder redigir o Decreto que lhe fora commettido. Leu-se a este respeito a Acta de 29 de Maio; e entrando-se em discussão propoz o senhor Presidente, se se devia proceder a nova votação sobre o objecto de decisão tomada nas duas Actas? Venceu-se que não; e propondo o senhor Presidente qual das decisões deveria prevalecer, venceu-se que fosse a ultima tomada na Sessão de 2 do corrente, que applica o producto da collecta ecclesiastica para a amortização da divida publica preterita.

O senhor Pinheiro de Azevedo fez uma moção por escrito, para que se mandassem á Regencia os officios do Capitão General, Governador do Maranhão; a fim de que a mesma Regencia, pelo ministro respectivo, faça dar audiencia ao official portador dos referidos officios, sobre os requerimentos e instrucções que traz daquelle Governador, e que demandão promptas decisões para seu governo.

Fez-se a chamada nominal, e acharão-se presentes 93 dos Senhores Deputados, faltando os Senhores Moraes Pimentel, Pereira do Carmo, Sepulveda, Baeta, Queiroga, Pereira da Silva, Annes de Carvalho, Bastos, e Rebello da Silva.

O senhor Freire apresentou os requerimentos dos habitantes do Porto e de Villa Nova de Guia, pedindo a extincção do exclusivo das tavernas.

Continuando-se a discutir, segundo a ordem do dia, o parecer das Commissões de Agricultura e Commercio ácerca do exclusivo do vinho de ramo, de que goza a Companhia dos Vinhos do Alto-Douro, disse

O senhor Innocencio: - Vi que ontem apresentou um Illustre Deputado uma tabella, em que mostrava que a Companhia dos Vinhos do Alto-Douro havia exportado sómente 3000 pipas; mas não se lembrou que este vinho foi só para os portos da Grã-Bretanha; não se lembrou que a mesma Companhia comprou alem disso todo o separado e todo o ramo, o que montou a mais de 60000 pipas; e que ella de mais a mais mandou estabelecer oito alambiques em Trás-os-Montes, tres no Minho, e tres na Beira, de que resultou é numero de 5000 pipas de aguardente, as quaes renderão para o Thesouro Nacional cem contos de réis, o que não teremos este anno, porque ella não distillou um só quartilho. Ouvi tambem dizer que os negociantes da cidade do Porto não costumavão adullciar os bons vinhos, porque não erão tão nescios como os povos de que fala Anacharis: não digo que tal fação os grandes negociantes; mas os outros, de certo comprão vinhos inferiores, e os misturão com os bons.

Quanto ao exclusivo, se elle está abolido de facto, como aqui se tem dito, para que se empenhão tanto em que o Congresso decida este negocio? Aqui ha malicia: Latet anguis in herba. Tenho ouvido dizer que a Companhia dá aos habitantes do Porto muito mau vinho: a Companhia tem dado vinho de feitoria; se he mau podem queixar-se. Se este Augusto Congresso quer attender aos habitantes do Porto, tire-lhe os direitos, e elles beberão o vinho mais barato: e quando assim fosse necessario, auctorize-se a Camara do Porto para que ponha uma taxa naquelle vinho. Que importa que o exclusivo dure mais alguns dias? Nós temos assentado, e acho que este Augusto Congresso está de acordo em conservar a Companhia. Temos assentado que assim o pedem os

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interesses do Douro, e do Porto. O exclusivo existe ha tantos annos, que importa que exista mais sessenta dias? Para que havemos de estar com discussões importunas? Dizem que a Companhia não póde comprar por falta de numerario: isto não he assim. Se a Companhia não póde comprar, he porque a sua existencia está ameaçada: seguremos-lhe esta existencia, e ella terá dinheiro para si, e para seus amigos. Diz-se que o vinho do Douro soffre o mesmo empate que o das Ilhas, se soffre tal empate he em consequencia do projecto da extincção da Companhia pela abolição do exclusivo das aguas-ardentes. Tambem aqui ouvi dizer que a Companhia podia mandar distillar; e que o não tinha feito por dolo e malicia. Se a Companhia estava com 5:000 pipas de agua-ardente que era preciso consumir, como mandaria ella distillar mais, tirando-se-lhe o exclusivo? He uma contradicção manifesta querer que ella distille, e prohibir-lhe a venda. Dizer tambem que a Companhia prohibiu os seus alambiques aos Lavradores, não he exacto: ella deu licença a todos os Lavradores de Trás-os-Montes para distillarem: eu distillei o meu vinho. Assim a rasão por que os Lavradores tem deixado de distillar, não he a opposição que a isso faz a Junta; mas sim o estado em que se acha a lavoura, que não tem vintem para distillar uma pipa de agua-ardente: gastão-se ao menos 30:000 réis, e não ha dinheiro para tanto. Concluirei pois o meu discurso, dizendo: ou nós queremos ajudar os Lavradores, e remediar a miseria, em que se acha presentemente o Douro, ou não; se o queremos, o remedio está na nossa mão, que he prolongar o exclusivo das aguas-ardentes.

O senhor Presidente. - Esta materia está vencida: o privilegio das tavernas he a ordem do dia.

O senhor Innocencio. - Eu proponho isto, porque não se segue de estar vencida, que não se deva revogar. Venceu-se na boa fé: o Augusto Congresso deseja fazer bem; adoptou uma opinião, julgando ser amais acertada; agora conhece ter feito mal, assento que não deve persistir na mesma opinião por capricho. Logo que nós conhecermos o mal, havemo-lo de emendar; se não estamos no caso do Evangelho: Novissimus error peior priori. Se estamos pois na deliberação de fazer bem ao Douro, he necessario conservar o exclusivo nas tavernas: por tanto approvo o que propoz o senhor Ferreira Borges.

O senhor Pessanha. - O illustre preopinante, segundo os principios que estabelece, quereria que ninguem mais comprasse os vinhos do Douro senão a Companhia. Para que, perguntaria eu, se lhe concedem privilegios, senão para a exportação? Mas nós vemos que de 21 mil e tantas pipas só exportou tres mil. Se não havemos de tirar bem algum da Companhia, nem augmentar a exportação, para que serve então ella? só para negociar no paiz? O que agora digo, não he para que se lance já por terra o exclusivo: proceda-se com toda a madureza na reforma da Companhia; mas entretanto cumpre-me observar que os principios do preopinante não são admissiveis.

O senhor Sarmento. - Eu fui o Deputado curioso que trouxe a lista, que tanto encheu de indignação ao senhor Abbade de Medrões; e ella era muito importante para se ver a exportação relativa dos vinhos de feitoria despachados nas Alfandegas: duas casas de negociantes no Porto quasi exportão tanto Vinho como a Companhia. Isto são factos, e não invenção minha. Se a Companhia exporta para o Brazil, os Negociantes do Porto o fallão tambem, se lhes fosse anteriormente permittido exportar. A falta destas exportações, e a causa de se não fazerem he a Companhia. Já ontem expuz aqui o que me parecia conveniente fazer-se. Seria abusar da paciencia do Congresso, e tornar-lhe o tempo, o referir as mesmas razões, que ontem apontei, e que não forão destruirias pelo preopinante, nem pelo senhor Abbade de Medrões, e outros que falarão sobre esta materia. Os vinhos que se não exportarem pela barra, hão de ter consumo nas terras proximas do Douro e Minho; porque ainda que a população do Minho em geral seja pobre, e não possa comprar senão os vinhos mais baratos, com tudo a povoação do Minho he muito grande; e por isso havendo um meio franco e liberal de fazer a exportação dos vinhos do Douro para a provincia do Minho e cidade do Porto, ha de haver maior consumo do que havendo a exportação pelo systema de restricções da Companhia, Este parecer, que ontem dei, torno hoje a ratificar, porque não occorerão ideas algumas, que me fizessem mudar de opinião. Falo como um Deputado que não he lavrador do Douro: não tenho vinhos de alto, ou baixo cargo; a felicidade da minha patria he quem assim me faz falar; e tenho a maior satisfação de ver um illustre Deputado, o senhor Girão, que possue vinhos na parte do Douro, onde elles são menos reputados, e que havia de soffrer o maior golpe, se se realizassem as preoccupações, que existem sobre este objecto, advogar a causa dos lavradores. Estou bem persuadido que, segundo a medida por mim proposta, o vinho inferior ha de ter consumo não só no Porto, mas na provincia do Minho; uma vez que sentem estes tropeços, e que o commercio se faça com liberdade, que he alma delle, e sem a qual nem agricultura, nem commercio podem jamais prosperar.

O senhor Correa de Seabra. - Considero esta questão por um lado diverso daquelle por que atégora tem sido tratada. A provincia do Douro está dividida em duas opiniões, a saber: conservação da Companhia, e extincção da mesma; mas defendidas com tanto calor, que mais propriamente se podem chamar partidos que opiniões. Observo com tudo que a maioria dos habitantes do Douro pugnão pela conservação da Companhia; conservação que me parece necessaria para evitar que saião repentinamente do giro mercantil grandes sommas de numerario, e manter a reputação do nosso vinho. Julgo por conseguinte que se deve tomar uma resolução tal, que, não contrariando a opinião geral da provincia promova os interesses da lavoura e do commercio: e no supposto, a minha opinião he, que a Companhia se conserve no estado actual; que as Cameras do Douro nomeiem cada uma com a maior brevidade uru ou dois lavradores; que estes lavradores, retinidos em dia determinado, em lugar central, que poderia ser a Regoa, nomeiem uma commissão de lavradores pa-

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ra concertar o plano da reforma; e que os interessados no commercio de embarque dos vinhos nomeiem tambem uma commissão para o mesmo fim. Estes planos deverão ser entregues á Companhia para esta os offerecer ao Congresso com o seu parecer, como representante dos accionistas.

O senhor Ferreira Borges: - Antes de falar na questão, principiarei por dizer, a respeito do mappa apresentado, que a Companhia não he feita para negociar, mas para animar a Agricultura e o Commercio. Não são só duas casas, que exportão mais que o Companhia; só a casa de Brun no Porto tem exportado mais, que ella, em alguns annos; porem isto he exportar para Inglaterra,, e eu perguntaria: comprarão essas casas 35 mil pipas? nunca por certo: nem ainda vinte negociantes juntos comprarão jamais este numero de pipas, como faz a Companhia, para as exportar; umas para Inglaterra, outras para o Baltico, e quatro ou cinco mil pipas para o Brasil, porque a lei marca uma casta de vinho que a Companhia ha de comprar; não falando do consumo das Tavernas, o que faz subir a 40 ou 50 mil pipas de vinho compradas pela Companhia: eis a razão porque o mappa parece não dever ter lugar. Acabo agora de ver um requerimento dos habitantes do Porto e de Villa Nova de Guia: dos negociantes de vinho alli assignados só conheço dois, que são José da Costa Tauto, e João de Quil; não vem ali gente com intelligencia do que he Companhia; mas prescindindo disto, vejo que se pede a abolição do exclusivo de ramo para a distillação das aguas-ardentes: eis-aqui propriamente o que he exclusivo de ramo; convem que o não confundamos com a vendagem, a qual tambem se chama vinho vendido a ramo. St; abolirmos o exclusivo de ramo, isto he, aquelle exclusivo da demarcação dos vinhos de inferior qualidade, assim como o exclusivo de vender estes vinhos do districto da cidade do Porto, daremos lugar a que todos os vinhos de qualquer paiz possão concorrer ao Porto; ficará impedida a consumição dos vinhos do nosso paiz, e até mesmo os vinhos mais inferiores sejão misturados com os melhores; e não teremos o consumo do Brasil, por isso que se adulterão uns vinhos com os outros: e eis a razão que justifica o estabelecimento do exclusivo, isto he, da demarcação dos máos vinhos e dos bons. Destruido o exclusivo, destroe-se o commercio do Douro; destruido o exclusivo, não tem que fazer a Companhia, e torna-se por conseguinte uma sociedade de particulares. Mas consideremos que o Douro ficará perdido; por isso que ps vinhos bons daquelle terreno são muito poucos comparativamente com cem mil pipas de máo, que já he alguma coisa.

O senhor Girão: - Respeitando as leis deste soberano Congresso, não pude ontem, por ter falado duas vezes, combater as opiniões do illustre preopinante; e agora me julgo feliz em podelo fazer. Disse o illustre Membro que os Inglezes, no infeliz tratado de 1810, tiverão em vista lançar por terra a Companhia; ora eu conheço bem, e a fundo, Ioda a força deste argumento; sei o que se pretende dizer, e bem longe estou de o desfazer; antes confesso estar persuadido que elles pretendião destruir a Companhia, e talvez substituila por outra sua, que se não tivesse a mesma fórma, leria as mesmas obras: tudo isto póde ser; mas o perigo desappareceu, logo que ao antigo máo Governo foi substituido um tão bom, e vigilante, como o que hoje felizmente possuimos. Respondendo agora aos argumentos que hoje se fizerão, digo que he grande erro o dizer que todo o vinho de ramo he máo; pois ha algum muito bom: o risco da demarcação he o mais mal feito que póde haver; nenhuma attenção se deu ao local, e só parece que a houve com os donos das vinhas, como he bem notorio. He possivel que um marco de pedra, elevada com o mais doloso arbitrio, seja capaz de mudar a qualidade de um terreno? Para prova de que no Ramo ha muito bom vinho, dou a fumosa quinta de Sadovim, cujos vinhos são comprados todos os annos, por baixo de capa, pelos mesmos fiscaes do contrabando; e neste mesmo anno o forão, como todo o paiz o sabe: eu podia referir os seus nomes; mas sou modesto, e poupo a quem me não poupa a mim. Se ha no Douro vinhos por vender, não he coisa que admire; por toda a parte ha empate de fructos, por falta de capitães; e esse vinho que existe he muito máo e só póde servir para ser distillado; mas esse direito de 20$000 réis addicionado aos outros que já paga uma pipa de agua-ardente, paraliza a industria, desanima o agricultor, promove o contrabando, e he o mais mal posto tributo que tenho visto: até se está cobrando sem lei; sómente por uma portaria provisoria, cujo tempo já espirou. He um axioma em politica economica, que os tributos devem ser geraes, e que não devem pezar sómente sobre uma classe de cidadãos, e de cidadãos industriosos: he um erro tão palpavel o canelar de tributos um genero superabundante, que ninguem deixará de o reconhecer; mas eu me reservo para a discussão propria deste assumpto, e agora vou falar sómente do exclusivo das tavernas. Tenho declamado altamente contra elle, e declamarei sempre; porque vejo violadas as esperanças da Nação, isto he, as Bases da Constituição: e para que? Para sustentar um exclusivo odioso, e millo de facto; um exclusivo, que a mesma arteira Companhia não dissimula ser impossivel estabelecer! Já disse que a Natureza o tinha, vencido em grande parte, e que não tardaria a vencelo de lodo; uma cidade inteira, e a segunda do Reino, uma cidade a quem devemos a liberdade o vê com odio: por conseguinte não gastará vinho das tavernas; e todos os cidadãos se surttião de outro vinho, principalmente tendo toda a facilidade de o obter melhor, e mais barato: logo diminuirá o consumo; e se a Companhia já perdeu 6$000 pipas que se lhe estragarão, perde lá mais outras 6$000. Ella ficará com o seu exclusivo, mas nunca poderá obrigar a que lhe bebão; e por tanto os fautores dos monopolios, cuidando que lhe conseguem um grande bem, nada conseguem; correm fascinados atras de apparencias, e por fim só acharão entre seus braços uma nuvem, que com um sopro se desfaça. Por conseguinte o meu voto he e será sempre, que a reforma da Companhia deve principiar pela extincção do exclusivo; porque sem esta

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não ha reforma que boa seja; ficará odiada, combatida constantemente pelas opiniões do tempo, até que, arruinando seus fundos, cahirá por terra para nunca mais se erguer.

O senhor Vaz Velho: - Não tenho sufficientes luzes sobre a Companhia; mas pelo que tenho ouvido vejo-me em termos de não poder decidir esta materia. Parece-me que a questão se reduz em ultima analyse a sabermos se devem ou não existir os exclusivos: porque existir a Companhia, sem existirem aquelles, he coisa que não posso admittir; darei a razão desta minha proposição. Quando se instituo uma destas corporações chamadas Companhias, sempre ha um fim util e geral, um fim vantajoso á Nação, o qual não foi buscado pelos particulares; e por isso he que se chamarão de proposito certos homens para poderem satisfazer a este fim, porque se o quizessem fazer os particulares não se chamava a Companhia: logo esta que he chamada necessita que se lhe de algum premio, e este premio he o exclusivo, o qual não he dado de graça á Companhia, mas sim pelo bem geral que vai fazer á agricultura do Douro. Agora pergunto se tirado o exclusivo póde existir Companhia com condições e obrigações onerosas? parece que não; porque nesse caso ficaria ella reduzida a uma simples Companhia de negociantes particulares, sem attender ao bem geral; e necessariamente ha de decair e acabar de todo, uma vez que se lhe tire o privilegio exclusivo que ella tem como beneficio, e apoio da sua existencia. Dizem alguns que he de facto o ella poder subsistir sem exclusivo, porque de facto já não existe tal privilegio; mas se elle está tirado de facto, para que exigem que se abula? Eis a razão porque eu disse, que o que tenho ouvido, mais metem confundido, que illustrado sobre esta materia. Eu considero todo o exclusivo como contrario ás Bases da Constituição, contrario á liberdade; mas isto não he regra tão geral que quando haja um caso particular se não possa alterar, e este he ocaso da Companhia; como porem não tenho sobre este negocio as idéas e conhecimentos necessarios, a fim de decidir se ella se deve conservar ou deitar abaixo, sou de opinião que se adopte orneio já indicado aqui por alguns dos senhores preopinantes: cada um dos lavradores diga de sua justiça, a Companhia diga de sua justiça, os negociantes digão de sua justiça; e então poderei dar o meu voto com conhecimento de causa. Apoiado, apoiado.

O senhor Miranda: - A existencia da Companhia está intimamente ligada com a existencia do privilegio exclusivo; supprimido este, fica transtornada toda a ordem da venda; os que opinão contra a Companhia não podem deixar de reconhecer esta verdade: todos os accionistas reclamarão logo as suas acções, o que o Congresso lhes não póde negar; e assim com a abolição do exclusivo viremos a fazer a desgraça do Douro, e do Porto, porque, eu não sei separar os seus interesses da continuação daquelle privilegio.

Ha aqui dois partidos: uns querem que a Companhia acabe já, e estes, fundados nos luminosos principios da liberdade de industria ponderão os seus grandes inconvenientes. Outros querem que ella não acabe já, dizendo que a Companhia he util, e que por consequencia deve existir para o futuro. Eu não sou nem, de uma, nem de outra opinião: não reconheço a Companhia como necessaria á conservação da bondade dos vinhos do Alto Douro; assento que quando o Commercio for livre, tudo terá uma mudança natural. Muitos paizes ha, onde os vinhos conservão a sua pureza, onde os habitantes fazem um Commercio muito mais livre, e vantajoso, sem a admissão de Companhias. Não reconheço, torno a dizer, a utilidade da Companhia para o futuro; reconheço porem o mal de uma extincção repentina, que a reduziria a uma simples sociedade mercantil. O meu voto portanto he que as Camaras nomeiem uma commissão de lavradores, e que se nomeie outra de negociantes; e então informe a Companhia sobre uma, e outra coisa.

O senhor Pinheiro de Azevedo: - A respeito do exclusivo da Companhia, prescindindo das razões de utilidade, falarei brevemente das de justiça. A Junta da Companhia segura (como devia estar) nas leis que lhe prorogarão todos os seus privilegios até o anno de 1836 fez grandes empregos de seus fundos empatando muitos milhões de cruzados, como he notorio; e fez isto em cumprimento de suas obrigações, e em boa fé: he por tanto de rigorosa justiça, que uma vez que se lhe tirou o privilegio do Brazil, e da agua-ardente. lhe conservemos por alguns annos esse unico que lhe resta, para que ella possa sem maior prejuizo, não só negociar os vinhos que tem, mas realizar e liquidar os seus fundos. O meu voto pois he, que se conserve por algum tempo o exclusivo das tavernas do Porto, ou do modo que tem estado até ao presente, ou segundo o parecer dos Membros da Commissão que votarão separadamente; porque isto he o que se póde fazer de mais util áquella cidade e ao Douro.

O senhor Peixoto: - A extincção do exclusivo das tavernas, se fosse adoptada, teria para a extracção dos vinhos empatados no Douro, igual resultado ao da extincção do exclusivo das aguas-ardentes. Propoz-se esta extincção com urgencia, como recurso em favor dos lavradores do ramo, suppondo que elles darião saida aos seus vinhos distillando-os; e decretou-se essa extincção: qual foi porem o resultado? Nós o temos visto: nem os lavradores distillarão os vinhos empatados, nem os Commerciantes lhos mandarão comprar para esse effeito; e a razão não he escura. Por mais barato, que seja o vinho do Douro, não se póde fazer delle uma pipa de agua-ardente, para vender-se por menos de 130$000 rs.; quando no Minho se tem vendido agua-ardente de igual força por 70$ rs.: em consequencia nada aproveitou para o Douro o pretendido beneficio. Deite-se abaixo o exclusivo das tavernas, e acontecerá o mesmo. No Porto, as pessoas abastadas gastão vinho, ou de sua lavra, ou encommendado donde mais lhes convem; para o que a Companhia lhes flanqueia as necessarias guias: o Povo he quem consome o vinho das tavernas; e como os taverneiros comprão á vontade do consumidor, não vão buscar o vinho mais caro, tendo-o á porta por preço muito inferior.´

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Cada pipa de vinho do Douro, por mais barato que seja em mão do lavrador, não póde ficar em casa do taverneiro depois de pagos os direitos e transportes, por menos de 20 até 30 mil réis. Uma pipa de vinho do Minho custa-lhe presentemente oito mil réis quando muito. O povo com tal differença de preço dá a preferencia a este; e em consequencia a extincção do exclusivo aproveitaria tanto aos lavradores, como aproveitou a extincção do das aguas-ardentes. Trate-se por tanto da reforma da Companhia, e ao resolvela entrará em consideração esta materia. Falou um illustre preopinante no muito vinho do Douro, que toda a Provincia do Minho poderia consumir, se a saida lhe fosse livre. A estrada não póde estar mais franca: ninguem o embarga; mas falta quem o compre. Houve tempo, em que para o Minho se extrahia muito vinho do Douro; mas então o dinheiro era muito, e o vinho da propria Provincia vendia-se por preço alto. Eu o vi vender a 70$000 rs. a pipa. Isso acabou: o dinheiro falta, como acontece por toda a parte; e no Minho acha-se vinho a meia moeda a pipa; não passando o melhor de 8$000 rs.: por tanto, á excepção de poucas pessoas, vai-se cada um remediando com aquelle, que está mais ao seu alcance; e o consumo do Douro está muito reduzido.

O senhor Girão: - Pelo que vejo, está o Congresso a ponto de adoptar as meias medidas indicadas por alguns dos illustres preopinantes: nada mais facil, nem tambem mais inutil. Eu já mostrei os males que resultão do exclusivo: illustres Membros seguirão a minha opinião, mas tudo parece que vai ficar baldado. Tem-se divagado da questão; tem-se falado muito, e os principaes argumentos, que tenho expendido, ficão em pé; por tanto escuso repetilos, e só peço que não se desviem do ponto principal da discussão.

O senhor Peixoto: - Ninguem mais do que eu reprova as meias medidas, quando a importancia do caso as pede geraes e decisivas. He por essa razão que reprovo o plano de destruir por partes a Companhia, e pugno pela sua reforma definitiva.

O senhor Barreto Feio: - Que os privilegios exclusivos são intoleraveis; que elles estão abolidos pelas Bases da Constituição, he uma verdade que ninguem ignora. Aquelles que pugnão a favor dos exclusivos da Companhia, oppôem-se á razão, e á justiça, e vão contra os principios liberaes que havemos adoptado. Alem disso os habitantes da cidade do Porto pedem a extincção deste odioso privilegio; se nós os deixamos ainda entregues ao despotismo deste corpo monopolista, pomo-los nas circunstancias de tomarem elles mesmos por suas mãos o que negamos ás suas supplicas.

O senhor Pessanha: - Tem-se proferido principios, que julgo falsos; suppõe-se que a Companhia tem obrigações segundo as leis de sua instituição, mas não he assim: ella concorre com os negociantes a exportar os vinhos; e este só póde ser o principal objecto, por que devera consentir-se o exclusivo no paiz. Não tem, digo, obrigação de comprar vinho, nem o que he propriamente de ramo, conforme a mesma instituição, sendo esta qualidade de vinho do districto marcado para esse fim; nem tão pouco a tem de comprar aquelle que se chama de ramo separado, que he o que se destina para o commercio do Brasil: da mesma sorte não tem ella obrigação de exportar vinhos para a nossa America, porque pelo Alvará de 30 de Maio se lhe tirou o privilegio de exportar os vinhos de ramo; e depois se fez uma consulta a Sua Magestade porque queria desistir do commercio dos vinhos do Brasil, logo não tem obrigação nenhuma. Relativamente á extincção peremptoria do exclusivo das tavernas, se eu tivesse a certeza que adoptada esta medida, os lavradores do Douro vendião os seus vinhos; votaria pela extincção do privilegio, porque acho que não ha coisa mais alheia da justiça, do que beneficiar poucos á custa de muitos; mas isto he que eu duvido: quanto a este anno já demos grande passo franqueando as aguas ardentes, e esta franqueza deve subsistir. Dizer que só a Companhia sabe fazer aguas-ardentes, he coisa que não posso acreditar. Se eu visse que ella comprava o segredo de Fletcher, o ia estabelecer alambiques no Douro, bem estava: em tal caso votaria que se lhe concedesse privilegio por certo tempo para esses alambiques; mas vejo que a Companhia tem alambiques informes, do tempo dos Árabes. Por tanto aquellas razões são especiosas. O Soberano Congresso já deu tambem um grande passo relativamente ao commercio dos vinhos d'America, sobre comprarem os negociantes os vinhos separados. Pensava eu que se compraria todo o vinho separado, mas por fim ficou muito por vender. Se eu tivesse a certeza que o vinho se vendia, e se gastava, torno a dizer que seria o primeiro que votasse pela extincção do privilegio; porem não posso acommodar-me a que se extinga o exclusivo sem procedermos com a madureza possivel, a fim de que conheção os lavradores do Douro que se tomou uma medida de justiça, e não de capricho.

O senhor Soares Franco: - Creio que todos são de opinião que a Companhia deve existir reformada; creio que se querem ouvir as Commissões compostas de tres classes, ainda que parecia mais corrente uma só; por isso vem a reduzir-se simplesmente a questão, se acaso o exclusivo de que se fala agora, está ligado com a existencia da Companhia, e se a sua abolição he necessaria para que os lavradores vendão agora os seus vinhos. Devo notar que quando se estabeleceu que em todas as terras se abolisse o relego, estabeleceu-se que em algumas terras era isto uma coisa muito particular; mas todavia não se teve contemplação nenhuma; de maneira que Alcacer do Sal, que podia vender os seus vinhos... respondeu-se-lhe que não se tinha em consideração a razão allegada. Siga-se pois esta lei da liberdade do Commercio: aboliu-se para a Golegã, para as Caldas, e outras terras que pelas antigas posturas tinhão este exclusivo, e não se ha de abolir o da Companhia? Deve abolir-se; e o exclusivo de certo não póde ter lugar este anno. Diz-se que a Companhia não póde comprar os vinhos; então como ha de ser? O augmento do Douro, a bondade dos vinhos não se devem á Companhia; tem outras causas mui diversas. Por

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ventura Lisboa para ser reedificada depois do terremoto teve alguma companhia? não. Os vinhos de Bour-onha, e Champagne não perderão o seu credito, assim como o não tem perdido os da Madeira, apezar de não terem Companhia. Alem de que o Marquez de Pombal, quando deu o exclusivo á Companhia disse-lhe que esse exclusivo devia ser alem do mar; e deu-lhe as quatro Capitanias, encarregando-lhe que comprasse muitos vinhos de ramo, mas o encargo vem a ser compensado com 1 ou 2 por 100.

O senhor Vanzeler: - As grandes compras forão a desgraça do Douro. A Companhia se arrumou, mandando vir aguas-ardentes estrangeiras. Em 1819 comprou 3$ pipas d'aguas-ardentes de Hespanha, dando assim aos estrangeiros dinheiro que ficaria na Nação, promovendo a distillação das nossas aguas-ardentes.

O senhor Borges Carneiro: - Todo o mal nasce da falta do consumo do vinho do Douro; todo o mal provem dos erros da nossa administração, do meio que se tem tomado. Começou-se por carregar cada pipa de vinho de immensos direitos; direitos para as negociações do vinho do Douro; direitos para as estradas do Douro; direitos para isto, e para aquillo; de maneira que cada pipa de vinho paga grandes direitos antes da exportação; e no acto desta mais ainda. A aduela que vem do Brazil está gravada com pesadissimos tributos: as pipas que levavão vinhos para aquelle Estado, e que tornavão a ser reconduzidas, essas mesmas se prohibirão, que podessem entrar francas, sob falsos e frivolos pretextos; de maneira que por todos os modos se procura augmentar os tributos. Se pois, contra todos os principios de economia politica, se põem estes obstaculos, que podemos esperar? Portanto a falta de consumo está em se ter gravado o vinho com tributos exorbitantissimos; estes grandes erros devem acabar; por isso o meu parecer he que o exclusivo deve ser desde já tirado, e assim se facilitará aos negociantes, e lavradores do Douro o consumo e exportação: e para que isto se facilite, comecemos por abolir já esses monstruosos tributos.

O senhor Piesidente: - Como he objecto de duvida o methodo da reforma, uns dos senhores Deputados lembrarão que a mesma Companhia propuzesse o plano dessa reforma; outros que houvesse duas commissões, uma de negociantes, outra de lavradores de vinhos; ouvindo as Camarás do districto. Depois de se votar sobre cada uma destas materias, pôr-se-ha a votos se o exclusivo da Companhia deve já ser abolido, ou persistir ainda.

O senhor Maldonado: - O essencial da discussão he o exclusivo das tavernas, o acidental he a reforma da Companhia; por isso deve começar a votação pelo exclusivo, e não pela reforma.

O senhor Fernandes Thornaz: - Eu ainda não falei sobre este objecto, mas sou do voto do senhor Maldonado, em quanto deve preceder a votação sobre a extincção do exclusivo; porque uma vez que o Congresso se delibere pela extincção deste, então deixemo-nos de mais votação, pois a Companhia acabou. Ella já principiou a arruinar-se pela extincção do privilegio das aguas-ardentes; todo o mundo sabe isto, todo o mundo vê que os empates do vinho existente no Douro são resultados dos ataques que se tem feito á Companhia. O que eu observo he que se tem procurado extinguir a Companhia; que se tem procurado tirar-lhe estes privilegios, sem se mostrar evidentemente que da sua extincção se seguia um bem mais real do que aquelle que se gozava.

Como he que reputão que isto he melhorar a agricultura do Douro? Eu não sei se será possivel fazer com que ella chegue a melhor pé; mas suppónhamos que he possivel: por ventura faz-se isto abalando pelos seus alicerces este edificio? Diz-se que póde existir sem exclusivo; para mim he idéa nova. Eu sei que não ha companhia alguma de commercio que tenha estatutos, e regulamentos dados pelo Governo, que não tenha algum exclusivo; porque de outro modo he companhia particular, que não precisa desses auxilios: devem portanto lembrar-se que, tirado que seja o exclusivo á Companhia, vamos desfazer um um contracto que havia entre os accionistas e o Estado: o Estado propoz aos accionistas a existencia da Companhia; deu-lhes os seus estatutos; os accionistas entrarão com as suas acções no principio, outros comprarão depois, e comprarão com a certeza de que a Companhia havia de durar um numero certo de annos. Pergunto: he da mente do Congresso revogar este contracto? he da mente do Congresso tirar a esses particulares o direito que elles adquirirão? O Congresso o decidirá. Tem-se gritado contra o exclusivo da Companhia nos vinhos do Douro, dizendo que o povo do Porto, é do districto de ramo bebem vinho muito máo. Eu não sou medico; mas não sei que no districto da Companhia haja mais moléstias que nos outros portos de Portugal; nem os livros dos mortos são mais volumosos nesta parte do Reino, O povo bebe máo vinho, pois beba-o bom; se a Companhia dá máo vinho, nada mais facil do que averiguar isto. A Camara do Porto tem o seu regimento; ella veja quando o povo se queixa da péssima qualidade do vinho nas tavernas, e faça com que a Companhia o de bom. Diz-se que este exclusivo está extincto de todo: o grande empenho que observo em o extinguir, me faz suppor o contrario; mas suppónhamos tambem que de facto existem algumas relaxações a este respeito; já se temia aqui que houvesse duvidas e embaraços para se tornar ao que se pretendia: por todas as partes nesta crise se tem relaxado a administração da justiça, resultado das circunstancias actuaes. Estas hão de melhorar: um governo energico, um povo bom ha de sugeitar-se ás leis e ás authoridades que nos governão. Quer-se atirar por terra com o privilegio: faça-se; mas que o Congresso que não tira os arruamentos aos moradores de Lisboa; que não extingue os vendilhões, não ha de reparar em tirar o exclusivo á Companhia. Todos convem em que ella deve ser reformada: havemos porem de começar por dar-lhe a morte? Mate-se o homem e ponha-se depois em dieta. Faça-se com que ella observe estrictamente o seu regimento; reforme-se; mas não principiemos pelo que deve ser objecto da mesma reforma. Em todos os paizes tem havido Companhias de Commercio, e ainda

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as ha: he preciso olhar para isto com muita consideração. Eu desejara que os senhores que opinão pela extincção do privilegio da Companhia, entrassem na verdadeira razão porque ella foi instituida: desejara que attendessem a legislação particular, e aos motivos que teve em vista o seu grande creador. Concedo que della, resultem males; porem vejo que o Douro prosperou com ella; e advertirei tambem que quando a Companhia existia com a sua liberdade não ouvia-mos aos lavradores do Douro queixarem-se de ter as suas adegas atulhadas, e carecer de dinheiro para a cultura dos vinhos. Digo pois que he um grande mal arruinar a Companhia, e arruinala de repente: se deve ser reformada, reforme-se; mas não principiemos por extinguir o privilegio, porque isso he o mesmo que acabar com ella de uma vez.

O senhor Presidente: - Proponho a votação. Os senhores, que forem de opinião que este privilegio exclusivo do vinho do ramo não deve ser por hora extincto, mas sim prorogado até á reforma, levantem-se. Decidiu-se que a Companhia do Alto Douro continue a ter o exclusivo dos vinhos de ramo até o tempo, em que se effectue a reforma da mesma Companhia.

Propoz mais o senhor Presidente, se o methodo da reforma ha de ser proposto pela mesma Companhia ao Congresso para que neste se discuta; ou se o ha de ser por Commissões de negociantes, e lavradores do Alto Douro de 25 pipas para cima, havendo tambem a Companhia de dar a sua opinião. Decidiu-se que o methodo da reforma seja o que propuzerem duas commissões, uma de agricultores, e outra de negociantes; ouvindo aquella os lavradores, que colherem de 25 pipas para cima; e esta os negociantes de vinhos: sendo igualmente ouvidos os moradores da cidade do Porto.

Passou-se a discutir quem havia de fazer a eleição das Commissões.

O senhor Girão propoz que fossem feitas nas Cortes.

O senhor Ferreira Borges: - Quando dei o meu voto, foi concebido desta maneira: a Commissão dos lavradores deve ser da eleição das Camaras do Douro: assim como as Camaras para o estabelecimento da Companhia forão ouvidas, assim tambem o devem ser para o acto da reforma.

O senhor Sarmento: - Sou de opinião que a eleição se faça por todos os lavradores do Douro; as Camaras são uns autómatos, só se movem pelo impulso, que lhes dá a Companhia.

O senhor Franzini: - O voto do senhor Sarmento he o melhor, por tanto deve aproximar-se o mais possivel á escolha dos eleitores paroquiaes, porque pelas Camaras nada se verifica.

O senhor Miranda: - Apoio este parecer.

O senhor Borges Carneiro: - Tambem o apoio; mas quererei, que se ponha um termo para que as Commissões apresentem este plano.

O senhor Girão: - A cidade do Porto merece alguma attenção: quererei tambem uma Commissão daquella cidade.

Procedeu-se á votação, e ficou decidido que as duas Commissões de Commercio e Agricultura proponhão o plano de como se hão de formar as duas Commissões indicadas para a refórma da Companhia.

O senhor Castello Branco: - O Congresso acaba de sacrificar os interesses dos consumidores do vinho de ramo, aos interesses dos lavradores; entre tanto he preciso que se verifiquem realmente os interesses dos lavradores, porque não sendo assim seria o acto de maior injustiça possivel; seria sacrificar interesses reaes dos consumidores, aos interesses dos lavradores. A Companhia tem, pelas leis da sua instituição, obrigação de comprar os vinhos ao lavrador; por isso requeiro que se determine á Companhia que compre os vinhos, e que no caso de o não fazer, não tenha lugar a existencia do exclusivo. Apoiado, apoiado.

O senhor Canavarro: - O illustre preopinante diz que a Companhia tem obrigação de comprar estes vinhos; e que por consequencia, se mande que ella os compre. Eu sou de voto que compre á avença das partes.

O senhor Borges Carneiro: - A Companhia deve ser obrigada a comprar os vinhos, para que o resultado da negociação não seja contra os lavradores.

O senhor Peixoto: - Quando as Camaras do Douro requererão, que se mandasse á Companhia, que ficasse com todo o vinho separado; as duas Commissões forão de voto contrario, por considerarem, que seria uma injustiça obrigala a fazer este sacrificio, principalmente faltando-lhe os fundos effectivos, como dia tinha confessado. O Congresso approvou este voto: não póde por tanto agora, sem contradizer-se, tomar differente resolução: e se então haveria nisso injustiça, muito maior seria presentemente, já fora de tempo, depois de escolhidos pelos negociantes os vinhos melhores; e quando em mão dos lavradores existe grande quantidade de vinho, que só para distillar serve: ao qual a Companhia, depois de perdido o exclusivo das aguas-ardentes, não póde dar saida.

O senhor Castello Branco: - He preciso que falemos claro por uma vez sobre, este objecto: todos querem Companhia reformada, porque não podem dizer que a querem com abusos; mas dentro do seu coração desejão os abusos. = A Ordem. = A Companhia he um grande colosso (he um monstro, disse o senhor Borges Carneiro): a Companhia maneja milhões; são muitos os interessados na sua existencia; são muitos os interessados nos seus abusos: esta he a razão porque de fora do Congresso vem esse montão de requerimentos, pedindo a existencia da Companhia, requerimentos assignados por alguns daquelles mesmos que devem ser mais interessados na sua destruição. No meio deste labyrintho não posso fixar as minhas ideas. Vejo uma lucta perpetua de interesses: interesses contra a rasão, contra a Justiça; e interesses contra os principios do Systema Constitucional. Entre tanto requeiro por ultimo recurso, e requererei sempre, que pois se sacrificarão os interesses dos consumidores, aos do agricultor, se fação effectivos estes sacrificios; porque de outra maneira, seria a decisão mais injusta que se poderia imaginar, e o Congresso não deve dar decisões injustas.

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O senhor Braamcamp: - Quer-se que a Companhia seja obrigada a comprar o vinho de ramo, julgando-se ser isto uma das suas obrigações; mas como se lhe tirou o meio de dar extracção a estes vinhos, fixou-se até ao fim deste anno para ella consumir as agoas-ardentes que já existião; obrigão-na agora a comprar o vinho que era obrigada a consumir em aguas-ardentes: isto longe de ser justo, he muito injusto.

O senhor Innocencio foi de voto que a Companhia podesse comprar os vinhos á avença das partes.

O senhor Fernandes Thomaz: - A moção do senhor Castello Branco he uma moção nova, por isso proponho ao Congresso que seja adiada até segunda feira, para pensarmos sobre isto mais maduramente. Eu decerto não sei o que faremos em obrigar a Companhia a comprar os vinhos: fique por tanto adiada esta questão até segunda feira, visto ter dado a hora, para que todos possamos colher sobre esta materia as informações necessarias.

Determinou-se que a moção ficasse adiada para se tratar em Sessão extraordinaria, depois da Sessão ordinaria do dia segunda feira.

Declarou-se que a approvação do officio do ministro da Guerra, consultando o Congresso sobre serem novamente admittidos ao serviço os officiaes demitidos, he extensiva aos ofiiciaes reformados de que trata o mesmo officio.

Levantou o senhor Presidente a Sessão ao meio dia. - Agostinho de Mendonça Falcão, Secretario.

AVISOS.

Para o Conde de Sampayo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, determinão que a Regencia do Reino exija do Provedor da Casa da India, e remetta com a possivel brevidade a este Soberano Congresso as seguintes declarações: 1.º quanto coube distinctamente a cada um dos interessados nas importancias totaes das miudas, separadamente em cada um dos annos de 1816 a 1820, de que já mandou relação, mas que o não dão a conhecer: 2.ª que mande mais duas relações, com igual clareza, e individuação das miudas relativas aos dois annos (depois do terremoto, em que parece se queimarão os papeis da mesma Casa) em os quaes tiver havido o menor e o maior rendimento das miudas: 3.ª e finalmente tres outras relações mais igualmente claras e individuaes, das importancias dos emolumentos do Porteiro, Guarda-Mór, e Escrivão da carga, e descarga, em os dois annos de menor e maior rendimento, como acima, e no ultimo anno de 1820. O que V. Exca. fará piesente na Regencia para assim se executar.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes, em S3 de Junho de 18$1. = João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza Tomando em consideração o officio da Regencia do Reino, expedido em data de 22 do corrente mez pela Secretaria dos Negocios da Guerra, sobre a pretensão de varios Officiaes militares, que havendo sido reformados, ou demittidos, durante o cominando do ex-Marechal General Lord Beresford, requerem agora justificar-se em Conselhos de Guerra para o fim de serem restituidos a seus postos, e antiguidades: attentos os ponderosos inconvenientes, que de semelhantes reversões resultarião á boa disciplina, e regularidade do Exercito: Tem resolvido approvar o parecer da Regencia do Reino, para que fiquem inadmissiveis taes pretensões dos sobreditos Officiaes, e que não possão entrar no Serviço aquelles mesmos a quem se achão já concedidas as justificações, ainda mesmo que o seu resultado lhes tenha sido favoravel. O que V. Exa. fará presente na Regencia para sua intelligencia, e execução.

Deos guarde a V. Exca. Paço das Cortes, em 23 de Junho de 1821. = João Baptista Felgueiras.

OFFICIOS.

Illustrissimo e Excelientissimo Senhor. - A Regencia do Reino, em Nome d'ElRei o Senhor D. João VI, manda remetter a V. Exca., para que se apresente ao Soberano Congresso, o requerimento de João dos Santos Mendes, que pretende se crie na Academia Real da Marinha e Commercio, estabelecida na cidade do Porto, uma Aula de Gravura, nomeando-o para Lente della; e a informação do Director literario, e resposta da Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, sobre esta pretensão; abonando o Director literario a aptidão do pretendente, e expondo a Junta a falta de meios para a actual despeza da Academia. Um e outro objecto excede as attribuições da Regencia, que por isso o offerece á sabia consideração do Soberano Congresso.

Deus guarde a V. Exc. Palacio da Regencia em 22 de Junho de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras. - Joaquim Pedro Gomes d'Oliveira.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tendo muitos Officiaes, que forão reformados, ou demittidos no tempo, que commandou o Exercito o ex-Marechal General Beresford, pretendido justificar em Conselho de Guerra ser falsa, ou não ser justa a causa, que serviu de fundamento á demissão, ou reforma, a fim de entrarem novamente no Serviço: a Regencia do Reyno, em Nome d'ElRei o Sr. D. João VI, ponderando os muitos, e mui attendiveis

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inconvenientes, que resultão de se lhes conceder esta Graça; 1.° pela difficuldade, ou mesmo impossibilidade de se liquidar agora a legitimidade, ou ilegitimidade, com que muitos delles forão reformados ou demittilos, por faltarem uma grande parte dos Commandantes dos Corpos, que os promoverão áquelle destino, e o feito ex-Marechal General, que talvez propuzesse alguns por motivos, que só elle conhecesse: 2.º peto transtorno, que faria na disciplina dó Exercito a admissão de taes Officiaes, e o desgosto, que causaria áquelles, que estão servindo, e fizerão toda a Campanha, Vendo-se agora excedidos, e atrazados por outros, que deixarão o Serviço no principio da Guerra, ou antes do fim della: a mesma Regencia do Reino me ordena de assim o communicar a V. Exca., a fim de serem presentes a esse Soberano Congresso Nacional as razões acima expendidas, segando as quaes parece ser inadmissivel a pretensão de taes Officiaes serem admittidos a se justificarem em Conselho de Guerra; e que os poucos, a quem se tem concedido essa justificação entrem de novo para o Serviço, ainda mesmo quando o resultado della lhes tenha sido favoravel.

Deus Guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 22 de Junho de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras. - Antonio Teixeira Rebello.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. = Havendo a Regencia do Reino mandado informar o Contador da Contadoria dos Arsenaes do Exercito,, Joaquim Zefirmo Teixeira, sobre o requerimento de Fernando Dauphin, Official da Secretaria da Junta da Fazenda dos ditos Arsenaes, actualmente empregada na Commissão do ramo da Saude Publica, em que pedia a continuação dos vencimentos que percebia, e lho tinhão sido suspensos, em consequencia do Decreto das Cortes Geraes, e Extraordinarias de 13 de Março ultimo; e constando da informação do dito Contador que não só ao Supplicante, mas tambem a outros empregados, de que remetteu a relação, se tinha igualmente suspendido os vencimentos pelo mesmo motivo, declarando o referido Contador que um e outros se empregavão effectivamente do serviço, é que erão indispensaveis para a escripturação e contabilidade; a mesma Regencia do Reino, em Nome d'ElRei o Senhor D. João VI, tomando em consideração que áquelles vencimentos não erão pensões, mas sim ordenados, que se lhe estavão conferido em razão dos seus exercidos, determinou que se continuassem áquelles empregados, cujos nomes se declárão na relação inclusa, assignada pelo Official Maior desta Secretaria d'Estado, Gregorio Gomes da Silva, os vencimentos que tinhão, e que constão da mesma relação o que a dita Regencia me ordena communique a V. Exca. para que se sirva de levar ao conhecimento desse Soberano Congresso Nacional esta sua deliberação.

Deus guarde a V. Exa. Palacio da Regencia em 22 de Junho de 1821 = Sr. João Baptista Felgueiras = Antonio Teixeira Robello.

PARECER.

(Adiado da Sessão de 18 do corrente).

As Commissões reunidas de Agricultura e Commercio examinarão a resposta, que a Companhia da Agricultura dos Vinhos do Alto Douro deu ao quesito, que se lhe fez por Ordem deste Soberano Congresso, sobre a possibilidade de comprar, ou não, o vinho de ramo da proxima passada colheita, e da demarcação respectiva; a que ella respondeu negativamente pelas seguintes razões:

1.ª Porque o vinho de ramo, capaz de entrar em lote, está vendido, e introduzido no Porto; restando sómente um vinho inferior, que ninguem póde beber, e que só póde ser distillado.

2.ª O discredito em que se acha pala incerteza de sua existencia futura, e pelo odio geral, que francamente confessa estar contra ella, pela falta da indispensavel reforma; ainda que judiciosamente pondera, que não tem culpa, visto não se poder reformar a ai mesma, e pede esta graça necessaria, ao Soberano Congresso, a fim de poder continuar a administração de seus grandes fundos, com restabelecido credito, e fórma estavel.

3.ª Porque o exclusivo das tavernas está nullo de facto, e a mesma Companhia affirma ser impossivel evitar o contrabando numa cidade aberta, e nas presentes circunstancias, chegando as coisas a tal estado que se vende publicamente triplicada quantidade de vinho por este modo, mais do que pelo legal.

4.ª Porque em razão da grande compra que fez o anno passado, lhe falta o preciso numerario.

As Commissões reunidas estão informadas, que ainda existe no Douro grande quantidade de vinho por vender, e sentem o maior desgosto em não poderem indicar seguros meios de lhe dar extracção.

He uma calamidade geral a estagnação de todos os fructos; pão, vinho, azeite por toda aparte abunda, e não se vende: do que se vê que as causas são geraes, e tão imperiosas, que não he possivel removelas.

Uma guerra assoladora, as enormes perdas do Commercio, falta de capitães, e diminuição de giro nos poucos existentes, são sem duvida os agentes poderosos que fazem a infelicidade do agricultor, pobre no meio da abundancia.

Os Legisladores podem encaminhar a torrente das circunstancias, mas não releias, e só do tempo, e da nova ordem de coisas, se deve esperar o allivio de nossos males actuaes.

Tendo porem o Soberano Congresso de diferir ao requerimento dos Cidadãos benemeritos da cidade Regeneradora, e dos lavradores do districto de Ramo, em que pedem a extincção do exclusivo odioso das tavernas (nullo já de facto), as Commissões assentão que se deve declarar extincto de direito, até porque implicitamente já o está nas Bases da Constituição, sendo, como he, opposto ao direito de propriedade.

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São bem conhecidas as grandes vantagens dos pequenos negocios, que multiplicados, e repetidos equivalem aos feitos em grosso; por conseguinte os lavradores do Douro achai ao na extincção deste exclusivo a possivel extracção de seus vinhos; os taverneiros e outros pequenos especuladores lucrarão nas suas tentativas; o Estado aproveitará os immensos Direitos que está, perdendo pelo contrabando; e terá finalmente o Porto o Direito de que deve gozar, de não ser condemnado a beber um vinho pessimo, que até estraga a saude, e de mais a mais fornecido por estanque, coisa que já não existe em parte alguma do Reino Unido.

Pelo que pertence á precisa reforma da Companhia, reforma que deve ser compativel com a Constituição, e regulada por leis que sejão adequadas ao estado presente, sem nenhum exclusivo; ás Commissões parece que a Companhia deve ser autorizada para propor um plano, ouvindo a pluralidade dos accionistas, as Camarás do Douro, e os lavradores que tiverem mais de 25 pipas de vinho, tanto na Feitoria, como no Ramo; e depois subirá este plano, e os Pareceres das Camaras, e lavradores ao Soberano Congresso, e as Commissões interporão e seu Parecer definitivo.

Sala das Cortes 10 de Junho de 1821. - Antonio Lobo de Barbosa Ferreira Teixeira Girão. - João Rodrigues de Brito. - José Joaquim Rodrigues de Bastos. - Francisco Antonio dos Santos. - Francisco de Lemos Bettencourt.

VOTO.

(Adiado da Sessão de 18 do corrente).

Os abaixo assignados examinando o requerimento dos moradores da cidade do Porto, que pedem a extincção do privilegio exclusivo das tavernas da mesma cidade, que tem a Companhia dos Vinhos do Alto-Douro; e bem assim a resposta da Junta da mesma Companhia, e mais documentos que forão presentes ás Commissões de Agricultura e Commercio, são de parecer que aquelle privilegio exclusivo deve ser desde já extincto, não só por pouco conforme ao actual systema, mas porque a Companhia não está em circunstancias de satisfazer ás condições com que lhe foi concedido.

Observão porem, que pois a Junta da Companhia segura no Alvará de 10 de Fevereiro de 1815, e declaração da Junta Provisoria, que na feliz época da nossa Regeneracão lhe prorogou os seus privilegios até ao anno de 1836, empregou, e empatou muitos milhões de cruzados com boa fé, e em desempenho de suas obrigações; pede agora, não só a equidade, mas a rigorosa justiça, que se lhe de uma indemnisação, ou subsidio, compativel com as presentes circunstancias; e que, alem disso se lhe conceda em todo o caso o tempo sufficiente para liquidar os seus empregos, e realisar os seus fundos.

Esta medida, que se deve reputar de rigorosa justiça, se torna de absoluta necessidade, considerando que a repentina extincção da Companhia causaria gravissimos, e irreparaveis males á lavoura, aos accionistas, aos inumeraveis empregados que a Companhia sustenta, e um geral descontentamento no Alto-Douro.

Julgão por tanto os mesmos abaixo assignados:

1.° Que a Companhia deve ficar substituindo debaixo da protecção do Governo até ao fim do anno de 1825, com as mesmas Commissões, incumbencias, e fiscalisações de que ao presente se acha encarregada.

2.° Que durante este tempo receberá uma indemnisação, ou subsidio de 2:400 réis em cada pipa de vinho que se consumir nas tavernas da cidade do Porto, e districto do extincto exclusivo; o qual subsidio he muito menos que os lucros que a Companhia tirava do dito exclusixo, e he juntamente pago pelos productores, e consumidores, que ficão pagando muito menos do que até aqui.

3.° Que ficão abolidos todos os seus privilegios, como se de cada um delles se fizesse expressa menção.

4.° Que ao Provedor, Deputados, e Officiaes se estabelecerá ordenado conveniente, extinctos os seis por cento de commissão, e quaesquer outros premios desta naturesa.

5.° Que conservado, por ora, o districto da feitoria legal de embarque para o consumo da Inglaterra, e ilhas adjacentes, e bem assim o districto de ramo, ficão com tudo nos mesmos districtos as compras, e vendas inteiramente livres de toda a coacção, força, e taxas; extinctas por tanto as provas, e qualificações legaes, porque os que comprão, e os que vendem são os melhores qualificadores.

Finalmente que a Junta da Companhia proceda sem perda de tempo pela pluralidade de votos dos accionistas a eleição dos seis conselheiros na fórma dos paragrafos 1.° e 3.° da sua instituição, os quaes com a Junta formarão novos capitulos, e condições, com que a Companhia haja de subsistir, e regular-se, não só até o anno 1825, mas ainda para o futuro, se se julgar que he util á lavoura, e ao commercio, remettendo a Junta os ditos capitules e condicções a este Congresso, para serem ou modificados, ou confirmados segundo for conveniente. Cortes em 19 de Junho de 1821. - Antonio Pinheiro de Azevedo e Silva. - Francisco Vanzeller. - Manoel Alves do Rio. -

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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