O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1391

DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA

NUM. 115.

SESSÃO DO DIA 30 DE JUNHO.

Leu-se e approvou-se a Acta da Sessão do dia antecedente.

O senhor Braamcamp apresentou por escripto para se lançar na Acta o seu voto pronunciado em Sessão do dia 28, e concebido nos termos seguintes: Peço que se lance na Acta a declaração do meu voto, contrario á decisão das Cortes na Sessão precedente, em quanto se autorisou a publicação de uma ley sem preceder leitura da sua ultima redacção. Sala das Cortes em 30 de Junho de 1821. = Hermano José Braamcamp do Sobral.

Por esta occasião se approvou, que a lei sobre a liberdade da imprensa voltasse ao Congresso para se ler depois da ultima redacção.

O senhor Pinto de Magalhães requereu tambem que na Acta se mencionasse o seu voto pronunciado na Sessão do dia 28, e reduzido aos seguintes termos: O Deputado Pinto de Magalhães foi de voto contrario a que aos beneficiados do santo officio se de pelo thesouro publico maior quantia, do que aquella que he necessaria para preencher com o beneficio a quantia annual de seis centos mil réis, se elle não render tanto.

O mesmo senhor Deputado apresentou uma collecção de mappas da receita, e despeza das minas de carvão de pedra do districto da cidade do Porto, que se mandou distribuir pelos senhores Deputados.

Por esta occasião indicou o senhor Miranda, que se ordene á Regencia mande perguntar á Camara do Porto a razão porque não tem remettido a informação em resposta a varios quesitos, que lhe forão indicados sobre as minas de carvão de São Pedro da Cova da referida cidade. Foi apoiado.

O senhor Secretario Felgueiras fez menção dos seguintes officios:

1.° do Ministro dos Negocios do Reino transmittindo os papeis de D. Leonor Victorina do Sacramento. Remettido á Commissão de legislação civil.

2.° do mesmo Ministro mandando uma informação do corregedor de Villa Real, sobre o requerimento dos moradores da mesma Villa. Remettido á Commissão de commercio.

3.° do Ministro de Guerra participando a applicação do §. 3.° do decreto de 14 de Março deste anno ao capitão de caçadores, Manoel Antonio Sobral. Declarou-se que as Cortes ficarão inteiradas.

4.° do mesmo Ministro sobre a multiplicidade de requerimentos, que diariamente se apresentão ao actual commandante das armas do partido do Porto, de pessoas que pertendem passar ao Reino do Brazil. Remettido á Commissão de Constituição.

5.° do Ministro da Fazenda, propondo o modo de se conceder a venda do edificio incendiado em papel moeda e titulos da divida publica; para que estes sejão publicamente queimados. Remettido á Commissão das artes e manufacturas.

Mencionou o dito senhor Secretario uma Felicitação da Camara de Santa Cruz de Cima Tamega, de que se mandou fazer honrosa menção; uma memoria de José Maria Grande sobre a maneira, porque póde ser concebida a importação do gado vacum em a provincia do Alem-Téjo, que se remetteu á Commissão de agricultura; e uma informação de Vicente Nunes Cardoso sobre uma carta geografica original da provincia de Tras-os-Montes, existente na Secretaria do Governo das Armas daquella provincia, e se approvou, que se expedisse ordem para a remessa da mesma.

Leu o mesmo senhor Secretario a ultima redacção do decreto sobre a intelligencia de outro de 17 de Maio do corrente anno, que foi approvado; ficando, por indicação do senhor Faria de Carvalho, deferida a sua expedição até segunda feira. Leu tambem á ultima redacção de outro decreto sobre os emolumen-

*

Página 1392

[1392]

tos dos officiaes da Secretaria dos Negocios do Reino, que foi approvado.

O senhor Pimentel Maldonado apresentou uma felicitação do brigadeiro José Maria de Moura, que foi ouvida com agrado.

O senhor Borges Carneiro apresentou uma memoria sobre lei agraria, pelo superintendente da Agricultura, Alberto Carlos de Menezes; e uma representação dos moradores das barracas das Sete-casas, sobre a ordem que foi dada pela Regencia para que deixem livre aquelle lugar no termo de 48 horas. Sobre esta representação disse o mesmo senhor Deputado: Pôr vinte e duas familias na rua em tão limitado espaço de tempo, e deixalás sem meios de subsistencia; parece-me uma medida violenta: peço por lauto que ella se suspenda até que o Congresso tome em considerarão esta representação.

Decidiu-se que a medida da Regencia era bom tomada, e que se o passo que tinha dado era curto, ficasse a seu arbitrio ter isto em consideração para o prolongar.

Apresentou tambem o senhor Borges Carneiro uma memoria do reitor da frequezia do Salvador do Bombarral, Joaquim da Silva, sobre a repartição das freguezias e sobre parocos. Remettida a Commissão Ecclesiastica. O mesmo senhor Deputado fez a seguinte arguição:

Como Deputado de Cortes vou fazer nova arguição ao Secretario Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, por infracção da lei; Como membro da Commissão de Constituição, e suas infracções, vou denunciar um gravissimo quebrantamento do direito de petição negado ao povo da cidade de Portalegre. Queixou-se este pelo seu juiz, de roubos que dizia commetter o juiz de fora daquella cidade (cuja pessoa e nome ignoro) no cofre das cisas, na má administração dos expostos, nos excessivos emolumentos, e na desigualdade dos lançamentos do cabeção. - O corregedor daquella cidade (ministro a quem tenho em conta de não ser capaz de dizer mentira ao rei, nem dar informações contra a verdade para encobrir malfeitores) remetteu á Regencia do Reino a sua informação sobre a representação do juiz do povo em Janeiro do presente anno tem decorrido cinco mezes sem haver despacho, bom ou máo} daquella petição, e o resultado tem sido (senão me enganão, e entendo que não, cartas de pessoas fidedignas) ter o juiz de fora continuado a praticar novas violencias, e despotismos.

Qual he um dos grandes objecios porque ora devemos trabalhar? He o de fazermos que a magistratura recobre o seu perdido esplendor, e que os povos amem, e respeitem como devem os magistrados. - E como o conseguiremos se se continuar a não premiar os bons, e castigar os máos? Porque razão tem hoje a Nação Portuguesa em execração os cortezãos, senão porque vendo-os sobrecarregados de malfeitorias, de roubos, de torpes lisonjas, de manhas, e enganos tendentes a escravizar a mesma Nação, etc., etc., vê com tudo que o nosso bom e sempre illudido Rei os acolhe, os encobre, e oh dôr! até os honra e premeia!

Peço por tanto que se ordene á Regencia do Reino, mande ao Secretario dos Negocios do Reino de a razão por que não tem despachado a petição do juiz do povo de Portalegre, informada ha cinco mezes. E no caso de pertender que da informação não resultou culpa, ao menos para suspensão, formação de culpa, ou alguma pena correccional (caso em que devia com tudo ter algum despacho a dita petição) remetia ás Cortes os papeis relativos a este objecto.

Tambem direi por esta occasião que a cidadã D. Maria Felisberta Carneiro Pereira Coutinho de Vilhena, por carta de 18 do corrente mez de Junho, me pede faça saber a este Soberano Congresso que havendo apresentado á Regencia do Reino, por seu procurador José Diaz, uma queixa contra o corregedor e juiz de fóra da cidade de Braga, e o escrivão daquella correição, por diversos despotismos, e arbitrariedades praticadas contra os povos daquella commarca, e especialmente contra ella supplicante, e seus filhos, pelo respeito e empenhes de seus contendores, accrescentando que geralmente falando ainda por aquellas terras estão os ministros e seus escrivães sendo ainda tão injustos, e despoticos como o erão até o dia 24 de Agosto do anno passado; que havendo, digo, feito apresentar a dita queixa no dia 7 de Abril, recebera do seu dito procurador aviso, em 13 do mesmo mez de Abril de ter sido remettida para o Desembargo do Paço; porem que sendo passados dois mezes depois desta remessa nenhum resultado tem havido, continuando por consequencia ella e seus filhos a soffrer as mesmas violencias. - Peço pois que o dito Secretario de tambem a razão desta negação do direito de petição; e diga outrosim porque continua a remetter ao Desembargo do Paço as petições contra os magistrados, e os mais negocios de justiça, quando por innumeraveis exemplos consta que naquelle tribunal se abafão as queixas, e se comteraporisa com as prevaricações daquelles que estão debaixo da clientella de algum dos seus desembargadores! - Borges Carneiro.

Decidisse que a Regencia fosse mandada informar sobre este negocio.

O senhor Peixoto, como membro da Commissão de petições, apresentou dois requerimentos que lhe parecião inseparaveis; um do Prior encommendado da freguezia de Carnide, em que felicita o Congresso, e offerece para as urgencias do Estado a terça parte do rendimento do seu beneficio; outro do povo da mesma freguezia pedindo que aquelle priorado se confira ao mesmo encommendado, dispensando-se-lhe o não ser da ordem de Christo, e allegando a offerta que elle fizera do terço do beneficio. Este requerimento não estava assignado pelo povo, mas tão sómente por um procurador, e ambos erão escriptos em letra do prior. Propoz por tanto o mesmo senhor Deputado que tendo inseparavel o destino delles, assim como ambos tinhão sido feitos em combinação, deverião dirigir-se tambem ambos á Regencia. Foi approvado.

O senhor Barroso fez uma moção dirigida a quase exigisse a responsabilidade a quem pertencia, poise não ter cindo cumprimento ao decreto das Cortes, em que se supprimem as revistas das milicias.

Leu-se o decreto, e achou-se que pelo seu con-

Página 1393

[1393]

texto se davão faculdades á Regencia para não seguir estrictamenle aquella resolução em algumas circunstancias, em que assim julgasse conveniente.

Decidiu-se que não havia lugar a votar sobre a moção do senhor Barroso.

Fez-se a chamada nominal, e acharão-se presentes 83 dos senhores Deputados; faltando os senhores Falcão Teixeira de Magalhães, Ferreira de Sousa, Girão, Moraes Pimentel, Canavarro, Pereira do Carmo, Bernardo Antonio de Figueiredo, Sepulveda, Araujo Pimentel, Jeronimo José Carneiro, Brandão, Ferreira da Silva, Annes de Carvalho, Rosa, Ferreira Borges, Rebello da Silva, Luiz Monteiro, Negrão, Couto.

O senhor Presidente: - Proponho ao Congresso para a discussão deste dia a dotação de ElRei: negocio que he tão urgente, que se não deve levantar a sessão sem se decidir.

O senhor Secretario Freire leu o parecer da Commissão de Fazenda a este respeito.

O senhor Braamcamp: - Trata-se da dotação de ElRei: a Commissão de Constituição lembrou para este objecto destinar dois milhões, e a de Fazenda trezentos e sessenta e cinco contos. Qualquer destas dotações deve depender do systema que se adoptar; he preciso estabelecer primeiro este systema. O methodo seguido na Europa tem sido incluir nesta dotação as despezas dos corpos diplomaticos, como se, faz em Inglaterra; mas isto offerece grande complicação, por tanto o melhor he o methodo a que se accommodou a Commissão de Fazenda, o qual me parece digno de se adoptar. Diz a Commissão (leu o artigo) nesta parte não me conformo com o seu parecer; deixarmos os concertos do palacio a cargo do Thesouro Publico, parece-me sujeito a muitos inconvenientes. Uma vez o Thesouro não quererá dar bastante; outra vez parecerá que o Administrador da fazenda da coroa, pede mais do que deve, e que o que pede, póde ser applicado a outro destino. Por tanto parece-me preferivel nesta pai te o systema adoptado na Constituição dos Paizes Baixos, onde se designa e fixa uma quantia certa para o concerto dos paços, que estão destinados pertencerem a ElRei. Nesta parte não approvo o parecer da Commissão, e julgo se deve destinar uma quantia para este objecto. Em quanto a factura dos palacios, não pertence aqui; parece-me que se devem acabar por conta da Nação: o da Ajuda foi concebido n'um plano tão grandioso, que não he compativel com as rendas publicas, pelo qual julgo se deve abandonar o projecto de acabar inteiramente essa obra, continuando sómente o que está começado, e isto por conta da Nação, e pouco a pouco, para que não cessem de uma vez, e fiquem sem trabalhar todos os que ali estão empregados. Tornando á dotação d'ElRei parece-me necessario determinar, se fica incluida nella a administração da Casa de Bragança, e a do Infantado; isto não está designado, e me parece indispensavel. Em quanto á da Casa de Bragança, se esta passa para o Principe, e a do Infantado para o Infante, então póde fixar-se uma quantia certa pelo Thesouro Publico. Isto tambem se designa em parte na Constituição dos Paizes Baixos. Segue agora o artigo pertencente á Senhora Infanta D. Maria Thereza, e do Senhor Infante D. Sebastião. Nesta parte parece-me que he necessario ter conhecimentos dos contractos. O Senhor Infanta D. Sebastião pertence á Casa de Hespanha, he preciso proceder nisto com circunspecção, é ter em vista os contratos esponsalicios que eu por minha parte não tenho podido ver. Em quanto ás mesadas dos outros Senhores Infantes, não me parece bem que isto se conserve assim, não se deve deixar vago o meu entender, senão fixar-se qual ha de ser exactamente esta mesada. Estas são por ora as observações geraes que em parece devo fazer sobre este projecto.

O senhor Correa de Seabra: - A minha opinião he que a dotação d'ElRei seja de 40 contos de réis por mez; porque os Reis constitucionaes devera ter grande consideração, e convem muito que tenhão muito brilhantismo externo, e grande fausto. As razões são obvias, e os publicistas as lembrão.

Como a dotação he provisional, e segundo as leis desta Monarquia havia bens destinados para as despezas publicas, o que entre os Romanos se dizia Erario; e rendas para as despezas do Monarca, que entre os Romanos se denominava Fisco, e nós chamava-mos Patrimonio da Coroa, com administração particular, e separada, como se vê a cada passo da lição das nossass Cortes e he muito notavel a resposta que o Sr. D. João I deu nas Cortes de Coimbra ao povo que lhe fez algumas representações a este respeito: parece-me que se deve pedir informação ao Ministro da Fazenda, se haverá modo de apurar quaes erão os bens, e rendas assignadas para a sustentação d'ElRei; e nesse caso, em quanto se póde orçar o seu rendimento, e qual he de presente o destino desses bens; o que tudo se deve ter em vista quando definitivamente se determinar a dotação.

O senhor Maldonado: - Este projecto principiou-se a discutir, e já se venceu alguma doutrina: parece-me que se não deve tratar da doutrina vencida, e que se devo ler artigo por artigo, para discutir-se com ordem; pois de outro modo gastaremos o tempo inutilmente.

O senhor Presidente: - Parece-me que em quanto a isso ha uma equivocação, e que nada se venceu.

O senhor Sarmento: - Não tendo experiencia, nem uso de visitar os palacios reaes, não posso ajuizar das despezas necessarias para os estabelecimentos desta natureza, e por tanto me abstenho de fazer observação alguma, confiando nas luzes, e conhecimentos, e necessaria informação, que os illustres membros da Commissão da Fazenda havião de tirar, approvo nesta parte o projecto, e limito as rainhas observações ácerca da mesada, que ce destina para a Senhora Princeza D. Maria Thereza, e seu filho o Senhor D. Sebastião. Já um illustre membro, o senhor Braamcamp, fez a este respeito algumas reflexões, e eu accrescentarei mais algumas que me occorrem, e as quaes eu julgo do mais rigoroso dever propor á sabia consideração do Congresso. Este artigo parece-me injusto e inconstitucional. He injusto, porque se apre-

Página 1394

[1394]

senta á Senhora Princeza D. Maria Thereza, e seu filho em primeiro lugar, e com preferencia ás Senhoras Infantas, fazendo-se da Senhora Princeza menção espacial, e das outras Senhoras menção geral, o que me pareceu injusto, e indecoroso pelos motivos que vou apontar. A Senhora Princeza D. Maria Thereza casou com um Principe de Castella, e segundo a mesma Constituição de Hespanha, lá mesmo não podia ter o titulo de Infante seu filho, e se na sua patria não goza desta prerogativa, menos poderá em Portugal, donde não he Principe; porque segundo as nossas leis fundamentaes deve reputar-se Principe estrangeiro, visto que para este casamento não precedeu dispensa das leis de Lamego. Eu julgo, pelo que li no projecto da nossa Constituição, que nella se ha de determinar a descendencia Real, a quem pertencerá o titulo de Infante de Portugal, titulo mais politico do que sómente honorifico. Ha mais outra observação, e he que a Senhora Princeza D. Maria Thereza, em virtude das nossas leis fundamentaes, tendo casado com um Principe estrangeiro, acha-se em circunstancias muito differentes das tres Senhoras Infantas, porque não sómente pelas leis das Cortes de Lamego, como pelas que se fizerão depois da gloriosa lucta de 1640, em que despedaçámos o sceptro de ferro da Casa de Austria, e chamámos para o throno Portuguez a Dynastia da Serenissima Casa de Bragança, se decidiu que nenhum Principe estrangeiro viria por titulo algum a ser Rei de Portugal. A Senhora Princeza D. Maria Thereza, pelo seu casamento, passou a ser uma Princeza Hespanhola, e a cargo da Hespanha deve em direito ficar o seu apanagio, e estabelecimento. Eu não ignoro que em Hespanha se pozerão em duvida os direitos do Senhor D. Sebastião á successão da Casa, que fundou ElRei Carlos III para o Infante D. Gabriel, de quem he neto o Senhor D. Sebastião. Não nos pertence, nem quero intrometter-me em a decisão do processo, que está correndo sobre este importante negocio. Se a decisão final for favoravel, não sómente o Senhor D. Sebastião ganhará muito, como tambem diminuirá a despeza do Thesouro publico, e Sua Magestade não poderá deixar de annuir a que a Senhora Princeza D. Maria Thereza, e seu filho partão para a Hespanha, como he provavel que exija o Governo Hespanhol. Quando porem a decisão d este negocio fosse contraria ao Senhor D. Sebastião, a generosidade Portugueza ajudará ElRei a sustentar um seu descendente sem patria, e sem herança paterna. Quando eu notei este artigo como inconstitucional, fundei-me em a Commissão da Fazenda incidentemente tratar de um assumpto, o qual sómente poderia ter lugar na discussão da Constituição, e vem a ser das pretenções, que podem ter os Principes estrangeiros. Não me attrevo, nem me persuado que previno a opinião do Congresso nesta materia, porem a minha opinião será sempre contra as pretenções de Principes estrangeiros, e que conservemos as disposições das nossas leis fundamentaes, para continuarmos a ter uma independencia absoluta, como foi estabelecida pelo valor dos nossos antepassados, independencia que deve ser heroicamente mantida pela sua posteridade, e a qual eu não só defenderei com a lingua, mas com os meus braços e com todo o meu sangue.

O senhor Arcebispo da Bahia, observando que se não tinha incluido no projecto o Principe Real, herdeiro presumptivo da coroa, pediu se lhe desse a razão desta omissão.

O senhor Alves do Rio: - Principiarei, respondendo ao senhor Arcebispo. A Commissão quando fez este projecto estava bem informada de que Sua Alteza Real não vinha por ora para Portugal; e o não incluiu por essa razão, visto não ser esta uma lei pragmatica, mas só um regulamento provisional, como no mesmo projecto se expressa. Alem de que Sua Alteza Real tem a sua casa, que he a de Bragança, porque os Principes, chamados antes do Brazil, são Duques de Bragança. Esta casa está inteira para ser entregue ao Principe Real, quando tivermos a fortuna de o vermos entre nós. Nada se tratou da casa do Infantado, porque se querião conservar as coisas no estado em que estavão; e essa pertence ao Infante D. Miguel, por ser Infante de Portugal: pela mesma razão tão pouco se tratou da casa da Senhora Rainha; porque ha muitos annos que isto pertence ás Senhoras Rainhas de Portugal. Deixo respondidas estas objecções; vamos agora aos concertos dos palacios. A Commissão assentou que se não devião fixar rendimentos particulares para os concertos dos palacios, porque julgou que fazendo-se deste modo taes concertos, não se ferião a tempo. Os palacios são da Nação essencialmente, e devem conservar-se por decoro da mesma Nação. Para evitar pois que caissem em ruina, julgou-se que devião ser concertados, e como se viu que isto causaria muita despeza para o Estado não se quiz deixar a seu cargo. Pelo que pertence á Senhora Princeza D. Maria Thereza, como seu casamento foi feito no Brasil em tempo que não havia communicações entre Hespanha e Portugal, por se acharem os Francezes naquella Nação, e não podia haver licença d'ElRei de Hespanha, por isso se tem tido por agora essa consideração até ser a determinação daquelle Governo. Deve ser tratada como todos os outros Infantes; pois todos são Infantes de Portugal. Já se sabe que ha em Hespanha um processo existente a este respeito, mas ainda não ha resolução nenhuma, nem consta que a Senhora Princeza D. Maria Thereza, nem seu filho tenhão por ora coisa alguma de Hespanha: por isso se tomou essa determinação; mas em constando o contrario, nada mais facil que revogala. Quanto ao que se diz fazer-se com a Senhora Princeza, cumpre saber que a dita Senhora foi sempre mais contemplada que os Infantes: nos diplomas he sempre tratada com o titulo de Senhora Princeza, e as suas irmãs com o de Senhoras Infantas. Alem disso, parece que se deve ter alguma consideração á sua idade, pois as outras Senhoras não precisão de tanto. Por estas razões se fez essa separação, e nisto a Commissão deu o seu parecer: se o Congresso julga conveniente o contrario, póde resolver o que lhe parecer opportuno. A Senhora D. Maria Benedicta tem-se contentado até agora, por suas exemplares virtudes, com oitocentos mil réis todos os

Página 1395

[1395]

mezes, pelo que tem sido bem paga, e tem-se achado nas tabellas mensaes do Thesouro. He preciso ter isto em consideração.

O senhor Sarmento: - Não posso deixar passar o principio de que todas essas senhoras são infantas portuguezas, inferindo-se daqui que o senhor D. Sebastião he principe portuguez. Os principes achão-se em circumstancias muito diversas dos outros homens, e o senhor D. Sebastião acha-se no caso, de que não falando castelhano, he Castelhano, e não he Portuguez, tendo nascido em territorio portuguez. Os principes não seguem a sorte dos outros homens, senão a sorte politica das nações, e o que o interesse gera! destas exige. Todos os réis da Europa descendem do senhor Rei D. Manoel, e apezar disso não são Portuguezes. Torno a dizer pois que o senhor D. Sebastião he um principe hespanhol, se o não querem considerar como tal, será um principe desgraçado com quem a todo o tempo terá consideração a generosidade da Nação portugueza; e se esta generosidade tem tido lugar com inimigos, com quanta maior razão senão exercerá com um neto de S. Magestade.

O senhor Alves do Rio: - O senhor Preopinanle quer tirar ao infante D. Sebastião uma qualidade que da a Constituição a todo o Portuguez. He Portuguez todo o que he filho de Portuguezes, nascido em territorio portuguez, e ainda que pela qualidade de seu nascimento, o não seja em todo o rigor, o senhor infante D. Sebastião entretanto he Portuguez pelo systema da Constituição.

O senhor Presidente: - Parece-me que he melhor discutir por sua ordem cada artigo, e tomar votação sobre cada um delles, para proceder com mais ordem.

O senhor Franzini: - Julgo necessarias algumas explicações anteriores, para poder votar. Parece-me necessario saber se a casa do Infantado, tal qual se acha presentemente, fica pertencendo a S. Magestade, ou a algum dos senhores Infantes; porque estas casas vão ter algum destino, segundo a nossa Constituição: e como disto não se fala, nem uma só palavra, no projecto do decreto, julgo indispensavel esta explicação.

O senhor Presidente: - Por isso mesmo que se não fala, entende-se que as casas ficão pertencendo a quem anteriormente pertencião.

O senhor Franzini: - Por consequencia fica tambem entendido que os rendimentos são juntos ás dotações que se vão dar.

O senhor Alves do Rio: - ElRei não póde ter senão o que he da causa publica; o que he das casas particulares, pertence aos donos particulares: mas S. Magestade como legitimo administrador de seus filhos he quem percebe os rendimentos dessas casas.

O senhor Barroso: - Na explicação do senhor Preopinante ha uma equivocação. A casa de Bragança está unida á Coroa, e S. Magestade a administra como sua.

O senhor Bastos: - O Preopinante está enganado: a casa de Bragança he do Principe Real, como duque de Bragança: uniu-se para a administração, mas nunca para o dominio.

O senhor Barão de Molellos: - Parece-me que para não adiantar a discussão que tenho ouvido a respeito do infante D. Sebastião, devia declarar-se que o rendimento que se lhe arbitra, he porque consta que à Nação hespanhola lhe não dá coisa alguma para a sua subsistencia, porque deste modo se lhe não tira o direito, que elle justamente tem a ser considerado Infante hespanhol. Declarar que he principe portuguez, não convem, porque esta declaração lhe póde tirar muito do direito que tem a ser declarado principe hespanhol. Sobre este ponto essencial versa a justiça. Fundado nestes principios, julgo se não deve por agora fazer esta declaração, porque antes de um mez talvez se dará sobre este particular a sentença definitiva pelo Conselho de Castella, e se esta declaração se faz antes de que seja pronunciada essa sentença, talvez façamos algum mal ao senhor infante D. Sebastião. (Apoiado, apoiado.)

O senhor Presidente: - Quando chegarmos ao nome da senhora D. Maria Thereza, e de seu filho o senhor infante D. Sebastião, então trataremos se esta dotação ha de ser provisoria em quanto está pendente a decisão de Hespanha sobre este particular.

O senhor Alves do Rio: - Tudo he provisorio.

O senhor Presidente: - Vamos em primeiro lugar a tratar da dotação de ElRei.

O senhor Macedo: - He preciso declarar se ha de ser tambem provisoria.

O senhor Maldonado: - Parece-me que isso está decidido: parece-me que esta he uma das doutrinas vencidas. Peço que seja lida a acta.

O senhor Presidente: - Está decidido na acta que esta medida he provisoria, conseguintemente vamos a discorrer sobre cada uma das dotações.

O senhor Braamcamp: - Pois digo que parece-me que he impossivel votar a quantia que se deve designar a ElRei, sem saber primeiro se ficou com a administração das casas de Bragança, e do Infantado; porque se estão unidas á Coroa, estão unidas effectivamente ao Thesouro publico. He necessario saber se ha de perceber os rendimentos dessas duas casas, ou para os supprir, senão os percebe; ou se os percebe, para não ter tanto que augmentar.

O senhor Alves do Rio: - O projecto da Commissão não entra absolutamente na consideração da casa do Infantado, porque se sabe que esta está separada, e tem outra administração. A respeito da casa de Bragança a administração está no Thesouro: esta pertence ao Principe, e a elle he que se deve entregar.

O senhor Bastos: - Entra no Thesouro o rendimento, mas tem cofre separado.

O senhor Presidente: - Relativamente a este objecto, a questão seria se ha de continuar a entrar no Thesouro.

O senhor Braamcamp: - Pelo que vejo, o parecer da Commissão he, que ElRei não tem por agora a administração da casa de Bragança; logo he necessario que a sua dotação seja maior em consideração aos rendimentos que se lhe tirão.

O senhor Alves do Rio: - ElRei não linha nisto uma administração particular: S. Magestade tinha

**

Página 1396

[1396]

estes rendimontos, como uma applicação. Mas em fim elle dispunba desses rendimentos como dos mais, confundidos com os do Estado. Era um rendimento geral.

O senhor Presidente: - O que quer dizer a Commissão he que a dotação assignada ao Rei, são trezentos e sessenta e cinco contos, e só lhe fica separada a casa do Infantado, porque a casa de Bragança ha de entregar-se a sua administração ao Principe Real em se restituindo a este Reino.

O senhor Braamcamp: - Pois então parece-me pouco o que designa a Commissão de Fazenda, e muito o que propõe a de Constituição. Eu votaria por quatrocentos e oitenta contos de réis.

O senhor Franzini: - Sem sabermos quaes são os rendimentos da casa do Infantado, não podemos votar na dotação de ElRei. Eu tenho ouvido dizer que são consideraveis, e he preciso que haja uma justa proporção, porque não deve ser, que o Soberano tenha uma renda quasi igual á do Infante. Ha de haver uma proporção entre a renda do Monarca, e a do filho segundo. He necessario pois para votar na dotação de ElRei, ter alguns conhecimentos nesta materia.

O senhor Presidente: - Mas os rendimentos dessa casa hão de ter muitas alterações com as reformas.

O senhor Macedo: - Em apoio o parecer do senhor Franzini: he necessario para votar sobre isto ter aquelles conhecimentos, como tambem discutir, e votar, os objectos a que se deve acudir com essa dotação; qual ha de ser a despeza que ElRei ha de fazer, etc. senão, não se póde votar com conhecimento de causa.

O senhor Presidente: - Para proceder com ordem he melhor que as reflexões se vão cingindo aos §§ do projecto, e que estes se vão discutindo, cada um de per si.

Leu o senhor Costa o § 1.°

O senhor Presidente: - Agora he a primeira questão, se deve entrar aqui o concerto dos palacios.

O senhor Soares Franco: - Sou de opinião que fique separado o concerto dos palacios a cargo do Thesouro nacional, segunda o parecer da commissão.

O senhor Presidente: - Proponho pois se se approva o parecer da commissão, em quanto á primeira parte do paragrafo, até á palavra = todas as ordens, do paço. (Foi unanimemente approvado).

O senhor Presidente: - Trata-se agora, da factura e reparo dos palacios.

O senhor Braamcamp: - Peço que se separe a factura, dos reparos.

O senhor Borges Carneiros: - A respeito de factura, a minha opinião he que ainda por uns poucos de seculos, não haverá necessidade de tratar disso.

O senhor Presidente: - Proponho, se o reparo dos palacios reaes, deve correr provisionalmente pelo Thesouro publico, ou a cargo de ElRei, do mesmo modo.

O senhor Borges Carneiro: - Mas, nesse caso he preciso que as folhas sejão liquidadas pelos mestres das obras, porque se póde dizer que se gastão grandes quantias em concertos, e gastalas em utras coisas.

O senhor Sarmento: - Esse escrupulo está bem entendido; mas ninguem duvidará que ao principio de cada legislatura se ha de apresentar ao congresso o orçamento das despezas, e ha de ser examinado para sua approvação.

O senhor Braamcamp: - Sim senhor; mas então fica o ministro da fazenda debaixo da influencia de ElRei, e vamos a ser obrigados, ou a sanccionar este defeito, ou a entrar em fiscalisações pouco decorosas. Eu voto por uma quantia certa.

O senhor Borges Carneiro: - Não senhor; nada de quantia certa, porque póde-se gastar em outra coisa, e dizer-se que se gastou nisso. Alem de que em alguns annos essa quantia seria nulla, e em outros annos poderia ser exorbitante.

O senhor Presidente: - E muita particularmente, porque não se podem tomar contas a ElRei.

O senhor Xavier Monteiro: - A quantia certa, não tem esse inconveniente, ficando o reparo a carga do Thesouro, com tanto que se fixe o maximum, para o concerto; dizendo-se por exemplo, nunca poderá passar de 20 contos de réis, se um anno for necessario gastar 30 descontar-se nos outros anãos em que se não gastão senão 10. Assim ha a commodidade de não admittir arbitrario. Diz-se, que ElRei póde gastar em outra coisa: mas não se dando a ElRei, não o poderá gastar. A quantia certa tem a conveniencia de saber-se o que annualmente se gasta, e não tem o inconveniente apontado, não a entregando ao mordomo de ElRei. (Apoiado).

O senhor Alves do Rio: - Pois bem; está acabada a questão, dizendo-se cada anno para concertos = tantos contos de réis.

O senhor Presidente: - Em consequencia a questão he, se ha de haver uma quantia destinada expressamente para essa despeza, e qual ha de ser.

O senhor Alves do Rio: - Eu era de opinião que quando se apresentasse pelo ministro, o orçamento das despezas do anno, incluisse para o anno futuro um artigo de = tanto para os palacios; e as Cortes tomavão conhecimento e vião se o tinhão de approvar.

O senhor Miranda: - Parece-me que se podião, conciliar as duas opiniões, sendo ElRei obrigado ao concerto dos palacios, e designando-lhe para isto uma ajuda de custo.

O senhor Guerreiro: - Parece-me que he absolutamente necessario fixar uma quantia certa e determinada para concertos dos palacios. Para não repetir as razões ditas, algumas, das quaes me parecem ponderosas, somente, direi uma e he, que se se não determinar uma quantia certa, e depender dos orçamentos teremos um pouco de discordia entre os dois poderes. Eu não quero entrar em detalhes, e deixo as consequencias á consagração do Congresso. He necessario lembrar-mo-nos sempre de que a choque dos poderes, legislativo, e executivo, he quem constitue a vida do governo constitucional; mas he necessario evitar que este choque só faça tão violento, que venha a causar a morte (Apoiado apoiado).

O senhor Braamcamp: - Nesta parte estou, pela constituição dos Paizes Baixos, na qual se determi-

Página 1397

[1397]

não 30, ou 40 contos para concertos dos palacios do rei, e elle determina os que se hào de fazer. (Nada, nada exclamarão alguns dos senhores Deputados).

O senhor Presidente: - Parece-me que no que se acha de acordo a maior parte da Assembléa, he em que haja uma quantia certa para este objecto: se o Congresso o julga conveniente, proporei esta parte a votação para adiantar alguma coisa. Os que approvão que se fixe uma quantia para o concerto dos palacios reaes, deixem-se ficar sentados; e os que julgão que para este objecto se apresente um artigo no orçamento annual, queirão-se levantar.

Venceu-se que se fixasse uma quantia certa.

O senhor Presidente: - Resta agora saber que quantia ha de ser esta.

O senhor Guerreiro: - Está vencido que se deve assignar uma quantia fixa, agora para fixar esta quantia, nenhum de nós tem os dados necessarios: parece-me pois que se poderia encarregar aos membros da Commissão de fazenda, que redigirão o decreto, que tomem os conhecimentos necessarios sobre este objecto, e os apresentem no primeiro dia á deliberação do Congresso.

O senhor Presidente: - Isto só se póde calcular aproximadamente.

Poz o senhor Presidente a votos a moção do senhor Guerreiro, e ficou approvada.

O senhor Presidente: - Agora ha outra questão; se esta quantia se ha de entregar ao Rei, ou se ha de ficar a cargo do ministro.

O senhor Freire: - Está decidido que as obras são da nação, por tanto a cargo da nação he que devem ficar. A direcção das obras publicas he uma mesma repartição, e aquella a quem me parece que compete até que se forme o projecto de sua reforma. (Apoiado).

O senhor Braamcamp: - Eu voto pelo contrario: se a repartição he a mesma, e são os meamos os empregados, sempre teremos os meninos empates. Parece-me que o essencial desta medida, he separar isto, e incumbilo ajunta da fazenda, mas de modo nenhum aos membros das obras publicas.

O senhor Guerreiro: - Creio que só os que vivem em casa de aluguel, estão condemnados a não poderem calcular as despezas das casas que habitão. Os reparos devem ser feitos a gosto de quem habita as casas: por tanto julgo impolitico, e até um pouco duro, querer estabelecer o manejo e governo de similhantes reparos. Desde que se acordou, que se ficasse uma quantia, parece que o mais justo que se deve observar a este respeito, he deixar ao Rei o livre uso dessa quantia para o fim indicado. Se ElRei, ou os empregados de sua casa forem exactos no emprego da quantia que se designa, os palacios estarão decentes; e senão a sua mesma indecencia os obrigará a fazerem os reparos. Por tanto eu voto que neste particular se não prescrevão regras algumas.

O senhor Freire: - Eu não digo que pertença á fazenda, nem ás obras publicas, o que digo he, que os empregados nestes reparos, e sejão debaixo da inspecção das obras publicas, e sejão pagos por aquella mesma repartição. Não são os reparos os que devemos ter em vista; estes, cada um os póde fazer como quizer; mas os que fazem os reparos ou concertos, cumpre que serão pagos; do mesmo modo que os das obras publicas. A não ser assim talvez a porção de dinheiro designada, para esse fim, seja empregada em outro differente: resultando daqui, chegarem os palacios a tal estado de ruina, que se tenha que ver a Nação obrigada, a tratar do seu concerto, por um decreto extraordinario. Pois eu julgo que não he da intenção do Congresso, que a quantia designada deva servir para reparar os palacios, quando se achem inteiramente destruidos, ou quando sejão arruinados por um incendio, por um terremoto, ou por outro caso extraordinario.

O senhor Trigoso: - A mim me parecia achar um arbitrio, para a fiscalisação, nesta parte da administração do Thesouro nacional. O meu arbitrio he, que se conservasse o lugar de provedor das obras da Casa, e que quando este procede-se a algum reparo das obras, fizesse o seu orçamento, ou sua conta de despeza, feita ou por fazer, legalizada pelos mestres respectivos. O Ministro do Thesouro diveria, ter a obrigação de remetter o dinheiro, que elle pedisse, e o provedor das obras da casa não deveria pedir senão o que estivesse estabelecido para os reparos dos palacios. Deste modo, e legalizadas as contas, não me parece que devesse haver duvida, em entregar ao provedor a dita quantia; alem de que, sendo um chefe este provedor, não me parece que ha de ser um prevaricador... Deve ficar a elRei o arbitrio de fazer os reparos que julgue convenientes; com tanto que não exceda a quota estabelecida; e esta quota deve evitar o cofre nacional para se não entregar, senão em, virtude de um officio do provedor, e assim não me parece que haja algum inconveniente.

O senhor Borges Carneiro: - Julga-se que o provedor das obras da casa ha de pedir só o dinheiro preciso, e o tem de gastar juntamente como deve, e eu pela experiencia desconfio, e penso que succede o contrario. No juizo dos males, quem desconfia o peior, quasi sempre aceito. O concerto dos palacios de elRei não são obras publicas? Pois porque não ha de entrar na mesma repartição? Parece-me por consequencia, que ao provedor geral das obras publicas, he que deve pertencer do mesmo modo a inspecção destas.

O senhor Presidente: - Alem disso, porque não póde competir isso mesmo ao Ministro da Fazenda? Assim escusamos crear um novo officio.

O senhor Braamcamp: - Não he um officio novo; he uma coisa antiquissima no Reino. Esta observação me parece util, e peço ao Congresso, que a tome em consideração.

O senhor Alves do Rio: - He na verdade que o provedor da casa das obras, era um dos officios maiores da casa Real; mas isto era no antigo regimen, e para o serviço de que se trata, não me parece necessario.

O senhor Franzini: - Encarregando-se do concertio dos palacios, ao provedor da casa das obras, era necessario uma repartição composta de escrivães, pagadores, fiscaes etc. Quando pelo contrario unindo-o

Página 1398

[1398]

ás obras publicas, poupa-se tudo isto, porque aquella repartição proverá a tudo; e unicamente por isso acho de mais vantajem, que seja encarregada á inspecção das obras publicas.

O senhor Presidente: - Está determinado que ha de haver quantia fixa, não resta senão saber a cargo de quem ha de ficar, o distribuir e empregar esta quantia: se ha de ser a um empregado a quem se de qualquer nome, ou ao inspector das obras publicas. Proponho pois á votação.

O senhor Freire: - Peço que se não confundão as idéas; não ha de ser a cargo do inspector, porque póde ser que isto varie, e que não seja, depois o ministro da Fazenda; mas sim a cargo da inspecção das obras publicas. (Apoiado).

O senhor Presidente: - Se ha de ficar o concerto dos palacios reaes a cargo da inspecção das obras publicas, com a competente fiscalização, entregando-lhe a quantia que se determine. (Resolveu-se que sim)

O senhor Trigoso: - Mas quem ha de dizer que he precisa tal obra?

O senhor Presidente: - ElRei. Nós não nos cingimos a idea de reparos senão de pura conservação. Vamos agora a tratar da factura do palacio actual. Se deve haver quantia determinada para esta obra; se deve continuar; e até que ponto?

O senhor Braamcamp: - Como está principiada, e feita quasi ametade do edificio, seria nocivo, e até indecoroso não continuar a obra do palacio d'Ajuda. Seria nocivo abandonar-se uma obra daquella magnitude, deixar arruinar os preparos, e abandonar tanto numero de empregados.

O senhor Borges Carneiro: - Em quanto ás pessoas que trabalhão, devem certamente ser empregadas no que pareça mais conveniente, e em coisas que sejão uteis á Nação. Ha por exemplo, muitas estradas arruinadas que devem ser attendidas com preferencia; até agora tem-se considerado exclusivamente os Reis; desde agora he necessario que se considere tambem a utilidade da Nação. He maxima bem sabida, que os Reis pertencem ás Nações, e não as Nações aos Reis. Se até agora não, se tem olhado a isto, e se tem commettido muitos erros, a nova ordem de coisas se dirige essencialmente a emendar as desordens, e os erros passados. Um destes erros foi, como já tenho dito em outra occasião, emprehender um palacio de uma magnificencia tal, que só poderia pertencer a Salomão quando era senhor de todo o mundo. Deixe-se pois abandonado ao tempo, que o tempo reduzindo-o a ruinas, irá emendando os erros do governo passado. Que! porque aquelle governo cometteu a imprudencia de emprehender uma obra tão ruinosa, e tão dispendiosa para o Estado, temos nós de sacrificar a Nação para continuar a mesma imprudencia? continue-se o que for absolutamente preciso, para que o que está feito não se arruine; porem o mais, de modo nenhum. He um grande erro dar tudo á cabeça, e deixar o corpo sem nada. Esse eiró deve-se ir emendando. A Nação he o todo: ElRei he o supremo magistrado que deve haver, porque o pede o bem da Nação. Toda a consideração he justa, e devida para com este supremo magistrado, mas nem por isso se ha de descuidar a primeira lei, que he o bem geral da Nação. (Apoiado, apoiado).

O senhor Sarmento: - As nações civilizadas tem despezas mais extraordinarias do que as que vivem no estado de barbaridade, assim como os principios dos grandes imperios são assignalados com o estabelecimento de monumentos que exigem das gerações futuras o respeito e admiração. Nada concilia tanta veneração aos povos como aquellas instituições onde a par da politica florecem as bellas artes: Virgilio celebrando na fundarão de Carthago o nascimento de um povo, cuja historia he um objecto de admiração na posteridade diz

.... immanesque columnas
Rupibus excidunt, scenis decora alta futuris.

Eu contenho em que o palacio de que se trata he uma empreza de extraordinaria grandeza, porem he fora de tempo o alterar o plano começado. Eu nada entendo de arquitectura, porem persuado-me que depois de começada uma obra similhante, qualquer alteração destruiria as proporções, e o systema adoptado pelo arquitecto. Eu sou informado que esta mesma obra já padeceu alguma coisa na censura despotica, feita pelo conde de Linhares, e sofreu uma pequena mutilação. Parece-me que se esta obra fosse abandonada commetteriamos maior erro do que o de se emprehender um edificio de tão extraordinaria sumpluosidade; he por esta razão que me persuado que esta obra deve continuar, porem sem esforço extraordinario; se ella se não puder acabar em trinta annos, seja em quarenta, ou oitenta: convem mesmo considerala como uma escola pratica de arquitectura, e que sirva para alimentar em o nosso paiz o estudo, e o gosto por esta arte tão estimada, e protegida em as mais nações: os dinheiros que o Thesouro gastar ficão entre nós, e se não desperdição em consumo de generos de fora, ao mesmo tempo que mantem a industria de classes necessitadas.

O senhor Miranda: - Não me conformo nesta parte com o parecer do illustre Preopinante. Diz que o progresso das artes, consiste em grandes edifficios. Não senhor, isto não he certo. Compare-se Paris, com Londres. Que monumentos de arquiletura se vem em Londres? Em Londres vem-se grandes fabricas, mas não ha obras de luxo. As artes, e as manufacturas tem chegado quasi ao maximo da perfeição, e não se acha apenas miseria publica. Pelo contrario em Paris ha grandes palacios, magnificas fachadas, mas tambem ha muita miseria. O que diz o senhor Borges Carneiro, he da maior utilidade. Deve-se trabalhar em obras, não de luxo e magnificencia, senão em obras uteis, e necessarias. Em outro tempo todo o nosso cuidado, era construir grandes templos, e grandes palacios, porem quando se entra em Portugal, vindo das nações cultas da Europa parece que se entra nos paises mais incultos da America. Eu desejaria que se não continuasse mais esta discussão, porque he fora do objecto de que tratamos. Nós não tratamos da direcção das obras publicas, se não da dotação de ElRei. Peço que se suspenda esta discussão.

O senhor Sarmento: - Entretanto, como se me

Página 1399

[1399]

tem refutado o que disse, devo responder. Diz-se que na Inglaterra não ha obras de luxo. A Inglaterra está coberta dos mais sumptuosos monumentos de arquitectura. Não importa que o rei faça a sua Corte em uma Bicoque, como alguns viajantes appelidão o palacio de São James. As habitações das familias opulentas de Inglaterra ostentão uma riqueza espantosa. Nós devemos conservar por decoro da Nação os edificios que existem, e acabar os que estão começados. Não ha outro remedio, senão que o Thesouro publico faça algum sacrificio, porque os particulares não possuem as riquezas, que exige a creação, e o progresso das bullas artes. Alem disso os trabalhadores do palacio da Ajuda, não são trabalhadores, que possão servir para as estradas; não sei como nas pontes e nas estradas hajão de servir, e possão achar empregos os abridores de relevos, e de artificiosos lavores.

O senhor Presidente: - Proporei se ha de haver consignação para a obra actual do palacio d'Ajuda, e se esta quantia se ha de deixar ao cargo do Thesouro, ou ao do Rei.

O senhor Soares Franco: - He melhor, segundo tem dito o senhor Miranda, que esta questão fique adiada: porque não he daqui, e póde tratar-se quando se regulem as despezas publicas.

O senhor Presidente: - Os que approvarem que esta questão deve ficar adiada para quando se trate de regular as despezas publicas, deixem-se ficar sentados. (Decidiu-se que sim).

O senhor Piesidente: - Passemos ao artigo da dotação de El Rei. A Commissão de Fazenda designa 1:000$ réis por dia.

O senhor Leite Lobo: - Julgo que não está decidido a quem pertence a casa de Bragança.

O senhor Presidente: - Sabe-se que pertence ao Principe Real.

O senhor Alves do Rio: - He necessario que se faça uma advertencia: a Commissão de Fazenda não he menos generosa que a Commissão de Constituição; mas tendo em vista a curta receita deste anno, achou que só á força de economia, se poderia chegar a dar a quantia dos 365 contos. Já se tem falado das grandes despezas da marinha, e do exercito; mas neste anno ainda a receita he menor, e só a actividade do Ministro da Fazenda, tem podido produzir até agora alguns saudaveis resultados. Tambem he necessario ter em vista que esta medida he provisoria, e que quando o Reino-Unido se ache totalmente debaixo do mesmo governo e se saibão os rendimentos do Brazil, então se poderá alterar como melhor parecer.

O senhor Presidente: - Não he preciso fazer comparações de generosidade com generosidade, nem de Commissão com Commissão: aqui não ha generosidade, nem miseria, aqui não ha senão justiça. He melhor evitar discussões desta natureza, que nos podem levar a coisas, sobre as quaes he necessario lançar um veo. (Apoiado, apoiado, apoiado,)

O senhor Braamcamp: - A Commissão de Constituição não applicou 2 milhões exclusivamente para a dotação de ElRei: applicou-os, na totalidade, para as dotações, de ElRei, Rainha, Princesas, etc. Vejo por outra parte, que este augmento de dotação não carrega todo absolutamente sobre o Thesouro publico. Quero dizer na sua totalidade, porque no orçamento já dado para as despezas deste anno, apparecem 248 contos para as despezas da Casa Real. Já isto faz parte da dotação que se vai estabelecer; o que diminue parte daquella despeza. He necessario aclarar as idéas do Congresso sobre este particular.

O senhor Xavier Monteiro: - Vamos ao ponto de que tratavamos. Tratava-se da dotação da Casa Real, e se julgava ter-se achado um termo medio entre os pareceres das duas Commissões, mas aquelle termo medio não existe. A commissão de Constituição propunha 2 milhões para o total das dotações, a Commissão de Fazenda vem a propor mais, porque exclue as casas do Infantado, e da Rainha.

O senhor Pinheiro de Azevedo: - Senhor Presidente, quando a Commissão da Constituição deu o seu parecer sobre a dotação de ElRei, ficarão sem duvida de parte as casas de Bragança, da Rainha, e do Infantado, como era razão e justiça, que ficassem; porque estas casas assim se devem considerar propriedade particular, como todas as outras pertencentes a uma infinidade de donatarios grandes e pequenos: com esta só differença, que as primeiras são maiores, são de Membros da Familia Reinante, e são de altos donatarios com grandes privilegios, principalmente em sua administração. O mesmo se assentou a respeito do apanagio da princeza a Senhora D. Maria Francisca, pelas mesmas razões, e por serem bens dotaes.

O senhor Soares Franco: - Deixemo-nos de qual he a opinião de cada uma das Commissões. Eu voto pela de Fazenda tal qual está.

O senhor Trigoso: - Parece-me que a justiça exige, que a dotação decretada pelo Congresso, deva ser tal, que se possa ajuntar com o rendimento da casa de Bragança. Esta casa até agora, estava administrada por ElRei, como legitimo Curador de seu filho; mas tinha uma administração separada. Parece-me injustiça tirar não só a administração, mas o" rendimentos. A dotação de ElRei deve ser concedida sobre os rendimentos desta casa. Actualmente deve estar a casa de Bragança unida á administração de ElRei, e uma vez que o Principe Real volte do Brasil para Portugal, se lhe deve dar a administração dos rendimentos da dita casa; e achando-nos já, nesse caso, em estado de saber os rendimentos do Brazil, então podemos pôr á dotação de ElRei um artigo addicional. A casa de Bragança não se lhe póde tirar sem injustiça, porque he patrimonial; e a dotação ainda que pareça pequena, como he provisoria somente, não acho duvida em que as Cortes a concedão deste modo.

O senhor Borges Carneiro: - Por ora tratamos da dotação de ElRei, na supposição de que continuem as coisas como estão, mas quando se tratar, tanto da casa de Bragança, como da do infantado, he necessario considerar que os bens nacionaes devem: inteiramente separar-se dos bens da Casa Real.

O senhor Guerreiro: - Os principios que acabão de expôr-se, a respeito da casa de Bragança, e do Infantado, parece que não são demasiadamente cla-

***

Página 1400

[1400]

tos, e nos podem induzir em erros. He verdade que eu tenho poucas ideas a respeito da natureza dos bens, que compõem estas Casas; mas meu dever me obriga a falar. Peço desculpa, se disser alguma coisa que for menos exacta. He verdade que a casa de Bragança he patrimonio da Familia Reinante de Portugal; o que não acontece á casa do Infantado; mas os seus bens em grande parte consistem em bens nacionaes, que tinhão sido já doados, antes de ser levada aquella casa ao Throno portuguez, ou que lhe forão dados depois pouco a pouco, ou que pertencem a commendas pingues, uma das quaes sei que rende 25 mil cruzados, pertencentes a uma confiscação que se fez ao duque de Aveiro, no tempo da extincção da sua casa; e comtudo isso não tem os seus bens a natureza de bens patrimoniaes; mas sim em grande parte a natureza de bens nacionaes, que se achão nas mãos de donatarios da Coroa, e por isso não estão fora do alcance de regulamentos financeiros deste Congresso. E ainda que o seu proprietario tinha sobre elles o mesmo direito que tem qualquer cidadão sobre os seus, nem por isso he menos verdade que a Nação deva tomar em conta os seus rendimentos, quando trata de estabelecer a dotação de ElRei: porque a obrigação que tem a Nação, he de dar ao Monarca, e á Familia Real uma dotação, tal, qual se julgue necessaria para que se sustentem com a decencia e esplendor, digno do throno. Ora se El Rei, e a Familia Real tem já por seus bens parte para preencher este objecto, a dotação que se assentar, deve ser restricta á parte que falta; e por tanto sou de opinião que assim os bens nacionaes, que se cederão por doação, como até mesmo os patrimoniaes, não devem deixar de ser tomados em conta, para se rebater nesta dotação, que seria aliás necessaria prescrever mais extensa, se não tivesse aquelles bens a dita Familia. Em quanto á casa do Infantado, não me parece que se póde dizer, que seja effectivo patrimonio, senão um estabelecimento politico, feito pela Nação, para estabelecer uma successão ao throno de Portugal, e não nos tornar-mos a achar em tempo algum, como depois da catastrofe acontecida em Africa, onde perdemos nosso Rei, e nos vimos em poder de principes estrangeiros. Por isso considero a tal casa, como um estabelecimento politico, instituido a bem da Nação: e o qual está debaixo do poder da legislação nacional, para fazer nelle aquellas alterações, que se julgarem convenientes ao maior beneficio publico: e estes rendimentos longe de serem perdidos de consideração, quando se trata de estabelecer uma dotação a ElRei, devem ser considerados como uma parte dessa dotação, e como bens nacionaes, que para o futuro talvez exijão outra applicação diversa.

O senhor Trigoso: - O illustre Deputado não fez differença entre as duas casas: em quanto á casa do Infantado tem razão, mas respeito a casa de Bragança ha muita differença. A familia de Portugal anteriormente erão Duques de Bragança, e tinhão uma casa que lhes pertencia: e quando passarão a ser Reis de Portugal, trouxerão comsigo esta propriedade. He differente certamente a casa do Infantado, que foi estabelecida para o fim politico, ponderado pelo senhor Preopinante. Nesta casa na bens de coroa, e ha de ordens, e estes devem correr a mesma sorte, que os mais de igual classe: mas não he o mesmo, a respeito dos bens patrimoniaes. Dizer-se, que porque tem poucos bens patrimoniaes, devem ficar extinctos, não o posso soffrer; porque como ainda se não declarou que todos os bens de corôa e ordens dos donatarios ficão extinctos, nem isto se declarou a respeito de qualquer portuguez, tambem não se póde declarar neste caso. Por isso julgo, que a casa de Bragança deve ser considerada como outra qualquer casa, com a differença que a parte que tem de bens de corôa e ordens, deve estar sujeita aos regulamentos, que a respeito disto se fizerem. (Apoiado.)

O senhor Pinheiro de Azevedo: - Accresce ao que fica dito, que o primeiro e principal fundo de bens da corôa que possue a casa de Bragança, foi dado ao maior capitão deste Reino; a um dos maiores homens de estado; e em remuneração de serviços singularissimos, e distinctissimos em si; e pelos seus immediatos effeitos ulteriores resultados, e forca de circunstancias as maiores, e quaes nunca nenhum cidadão fez até ao presente, nem por ventura será possivel que faça para o futuro.

O senhor Guerreiro: - Eu creio que infelizmente não expliquei bem aquillo que sentia, a respeito do rendimento da casa de Bragança. Eu não queria dizer, que se incorporasse o seu rendimento no Thesouro nacional; senão que se descontasse da dotação de ElRei (Apoiado); e me reservo fazer uma moção a esse respeito, reduzida a que primeiramente decida o Congresso, qual he a quantia que necessita ElRei para sustentar o decoro do Throno, e que depois de assiguada esta quantia, se descontem em certos casos certos rendimentos. Supponhamos que uma casa tinha 12 milhões de renda: a nação havia de dar ainda uma dotação ao proprietario dessa casa? De modo nenhum. Todos os que pertencem a uma nação, tem obrigação de acudir ao serviço dessa nação, sem recompensa nenhuma; mas como os seus serviços fazem que algumas vezes não possão ganhar o que precisão para si, ou como suas propriedades não sejão sufficientes para sustentar-se á sua custa, com o decoro correspondente ao emprego que exercem, eis-aqui o principio que obriga a ter que dar ordenados. Mas se os empregados fossem tão ricos, que não precisassem delles, não julgo que haveria nação alguma, que se lhes assignasse. Tambem pois quando tem riqueza moderada, seria necessario que se tomasse isso em conta.

O senhor Correia de Seabra: - Os Reis constitucionaes devem ter um grande aparato..... Em quanto á dotação de ElRei, devem tomar-se informações do Ministro da Fazenda...

O senhor Barreto Feio: - Diz o illustre Preopinante que a um Rei constitucional he necessario um grande fausto. Eu opino pelo contrario. Até agora reinava a força, e o homem era mais ou menos respeitado, segundo era maior ou menor o gráo de poder que tinha, ou a pompa com que se tratava: agora reina a razão, e a justiça. Todos os cidadãos são iguaes diante da lei? e não he dado aspirar a outra

Página 1401

[1401]

preferencia que não seja a que dá a virtude, o merito, e o talento. Fica portanto sendo inutil, e irrisorio esse apparato vão de palacios, de innumeraveis jerarquias de servos, de coches, cavallos, etc. que não são necessarios nem para servir, nem para conduzir um homem que não tem fisicamente, nem mais precizões, nem mais pezo, que outro qualquer. As riquezas extraordinarias, são a fonte da corrupção dos costumes; e o luxo, de quem Filangieri, e outros publicistas tem feito tão grandes apologias, he na minha opinião a causa da corrupção dos povos modernos. Esses escravos tanto mais enquanto mais graduados, que cercão os Reis absolutos, e afastão para longe do throno, a virtude, a verdade, a justiça, e a innocencia opprimida, esquecidos da dignidade do homem, amão o despotismo, que os nutre no ocio, e regalo, e não querem outra especie de governo: e o povo condemnado a um continuo e enormissimo trabalho para os sustentar, não tendo tempo para reflectir na sua triste, e miseravel situação, deixa-se reger, e devorar como um rebanho. Em quanto elle não abre os olhos no resto da Europa, gozem os seus senhores desse falso esplendor, que não serve senão para occultar aos olhos dos outros a sua nullidade. E nós, se queremos ser livres, desterremos o luxo: mandemo-lo para a Asia donde e estabeleçamos, ao nosso Rei, uma dotação conveniente ao decoro da Magestade, mas não excessiva. Quanto a mim, julgo muito bastante para o decente tratamento de ElRei, metade da quantia destinada pela Commissão.

(Alguns dos senhores Deputados: votos, votos.)

O senhor Presidente: - Pergunto se a dotação se deve assignar na fórma que propõe a commissão de Fazenda, com separação destas casas.

O senhor Macedo: - Não se póde deixar de ter em consideração as reflexões, que aqui se tem exposto.

O senhor Sarmento: - Ha uma razão para que estes rendimentos fiquem no Erario, e he que o Principe Real está no Brazil.

O senhor Baeta disse que a Commissão de Fazenda, tinha sido muito generosa, e comparando as rendas de Hespanha com as de Portugal, e a dotação que as Cortes daquella nação, tinhão assignado ao seu Rei, com a dotação que propunha para ElRei de Portugal a Commissão de Fa

O senhor Sarmento: - As dotações devião ser relativas ás rendas dos particulares de cada paiz. Em Inglaterra, segundo o testemunho de Sir Francis d'Ivernos existem quinhentas familias de maior rendimento que a dotação dos Principes; e apezar das forças do Thesouro, a riqueza dos particulares he tão extraordinaria que não he possivel estabelecer apanagios maiores para a Familia Real, porem em Portugal não ha familia alguma que tenha, tanto rendimento como a dotação proposta, póde por conseguinte com ella existir o esplendor do throno, sem receio de que elle seja ecclipsado por ninguem.

O senhor Presidente: - Os que approvarem o parecer da commissão de Fazenda relativo á dotação de ElRei, que são 365 contos de réis annuaes, não comprehendendo os rendimentos das casas de Bragança, á Infantado, provisoriamente, e até a união das rendas do Brazil, queirão ter a bondade de se deixarem ficar sentados e os que não approvarem, levantem-se. (Foi approvado.)

O senhor Secretario Freire leu a moção do senhor Guerreiro de que faz menção o seu voto anterior e que já tinha dado por escripto.

O senhor Sarmento: - Eu não approvo esta moção: he fazer uma lei para a Nação, e outra desfavoravel para ElRei. ElRei como pai póde ser administrador de seu filho.

O senhor Baeta: - Se qualquer empregado póde gozar de seus bens, porque não hade gozar delles, o primeiro dos magistrados? (Apoiado, apoiado.)

O senhor Guerreiro: - Eu tinha dito, e agora repito por ser aqui mais proprio, que a casa do Infantado, não he patrimonial, que foi um estabelecimento politico e por conseguinte nacional, de que a Nação póde dispor como lhe parecer justo. Este não passa de pai a filho, e não póde decidir-se pelos mesmos principios applicaveis aos cidadãos portuguezes.

O senhor Sarmento: - Na casa do Infantado ha bens patrimoniaes. O Senhor Rei D. Pedro segundo deixou bens patrimoniaes, e ha substituições desses mesmos bens, em favor do Duque de Lafões. Existem tambem heranças deixadas por outras pessoas Reaes.

O senhor Presidente poz a votos a moção do senhor Guerreiro, e não foi admittida.

O senhor Franzini: - Parece-me que em vez de trezentos e sessenta e cinco contos, se estendesse a dotação, a quatro centos contos que he um numero mais redondo.

(Alguns senhores Deputados: nada, nada, já está decidido.)

O senhor Serpa Machado: - Alguns dos senhores Deputados que tem votado a este respeito, duvidavão se haveria outra votação a respeito dos rendimentos da casa de Bragança. Por tanto será bom que se ponha a votos, se devem pertencer ao Principe Real ou se hão de entrar no Erario.

O senhor Baeta: - Se o Principe Real ha de ter a sua dotação no Brasil, e alem disso os rendimentos da casa de Bragança, comerá então por duas bocas. Isto não deve entrar em votação.

O senhor Presidente: - Se parece ao Congresso que se tome alguma votação especial a respeito da casa de Bragança, e se hade entrar o rendimento no Erario como até agora, restituindo-se ao Principe Real quando vier a Portugal, vai propor-se á votação.

Resolveu-se, que sim, e approvou-se igualmente que os rendimentos da dita casa continuem a estar no Thesouro, e que se deixe a posse delles ao Principe Real quando vier a Portugal.

O senhor Secretario Freire leu o artigo segundo do mesmo projecto.

O senhor Sarmento: - Peço que se expresse que se dá á senhora D. Maria Thereza e seu filho esta pensão por não receber coisa alguma de Hespanha, mas não por obrigação; e que a pensão não seja mais consideravel que a das outras senhoras Infantas, porque o contrario parece injusto, e inconstitucional.

Página 1402

[1402]

O senhor Serpa Machado: - Deve considerar-se que esta pensão se dá mais a titulo de alimentos que de outra coisa. De Hespanha não vem nada para esta senhora nem para seu filho: ou se lhe ha de dar uma penção separada, ou ha de ficar a cargo de ElRei; o qual pela dotação que agora tem não poderá sustentala, e parece que seria isto uma coisa muito injusta. Assim parece-me que em quanto não se decide nada de Hespanha a este respeito, se deve estar pelo parecer da Commissão.

O senhor Sarmento: - Mas não sé podem chamar alimentos temporarios, neste sentido. A minha opinião já tenho dito, e he escusado repetila. Eu peço que se ponha á votação, se se devem considerar estas tres Princezas da mesma maneira, ou se o que se conceder á senhora D. Maria Thereza deve ser considerado como effeito de generosidade; e sendo por generosidade não se lhe deve dar mais que ás senhoras Infantas.

O senhor Presidente: - Eu proponho primeiro o parecer da Commissão, e depois proporei, o do senhor Deputado.

O senhor Franzini: - Eu acho que a quantia he tão pequena, que não me parece conveniente se discuta sobre isto: a final a differença são cem mil réis. Antes eu opinaria que se dessem estes cem mil réis mais ás outras senhoras Infantas.

O senhor Sarmento: - Nisso convenho: pelo menos seja a pensão igual.

O senhor Barão de Molellos: - Tenho ouvido as differentes opiniões relativas á porção de dinheiro que a generosidade da nação portugueza deve arbitrar para o decoro da princeza a Senhora D. Maria Thereza, viuva do Senhor D. Pedro Carlos, infante de Hespanha, e de seu filho o Senhor D. Sebastião.

Não posso de modo algum deixar passar a opinião de um illustre Deputado, quando disse que o Senhor D. Sebastião devia ser considerado como Portuguez, pois que as nossas leis determinão que os filhos das senhoras portuguezas, nascidos em Portugal, ainda que de pais estrangeires, sejão considerados Portuguezes.

Eu não sou da profissão da magistratura, mas estou bem persuadido que a Ordenação, e mais leis porque nos governamos determinão positivamente o contrario; e até declarão que só deverão ser tidos por naturaes, isto he por Portuguezes, aquelles que tiverem bens no Reino, o que senão verifica no Senhor D. Sebastião. E estou tambem certo que nas Bases da Constituição que juramos, e no projecto daquella que está já distribuida para se discutir, se declara isto mesmo mui expressa, e positivamente, e em mais de um artigo.

Opponho-me igualmente ao que opinou o mesmo illustre Deputado, dizendo que nem a Senhora princeza D. Maria Thereza, nem seu augusto Filho tem bens alguns em Hespanha, dando como uniras, mas convincentes razões, que o cazamento da dita Senhora Princesa fora feito quando os Francezes occupavão aquelle Reino, e sem o consentimento d'ElRei de Hespanha; e porque existe um processo sobre a casa que se diz pertencente ao Senhor D. Sebastião, e sabe que já houve uma sentença contra elle. Dos mesmos principios do illustre Deputado, concluo eu o contrario do que elle quer concluir. Se a Hespanha estava em poder dos Francezes, e por isto era impossivel que El Rei desse ao infante D. Pedro Carlos o consentimento para cazar, como argumenta agora o illustre Preopinante que era indispensavel este consentimento, confessando ao mesmo tempo que não era possivel conceder-se? Confessa tambem que existe um processo pendente sobre a casa pertencente ao Senhor D. Sebastião; e porque já houve uma sentença contra elle, conclue, que nada tem em Hespanha. Eu porem concluo que por isso mesmo que ha uma causa pendente, tem todo o direito que tinha, e que terá em quanto senão sentencear a final.

Alem de tudo isto eu tenho motivos para dizer que o Senhor D. Sebastião tem um direito mui forte, e claro áquella casa; e por isso creio que os Tribunaes de Hespanha, fazendo-lhe justiça, sentencearão a seu favor.

Tambem posso affirmar que não he da competencia deste augusto Congresso ventilar esta questão; e que me parece injusto, e impolitico tomar deliberação alguma que possa vir a ser prejudicial á justiça do Senhor D. Sebastião.

E por isso sou de parecer que esta pensão não seja concedida a titulo de dotação, nem de alimentos; porem sómente para decoro da senhora Princeza, e de seu augusto Filho, por nos constar que por ora nada percebem da sua casa de Hespanha: e que se declare que a concessão desta pensão nunca poderá influir para que o senhor D. Sebastião possa ser considerado de outro modo, que não seja como principe hespanhol que he na qualidade de filho do senhor D. Carlos infante de Hespanha. Lembro a este augusto Congresso que seria muito regular, e conveniente fazer-se um decreto separado sobre este objecto, redigido debaixo dos principios que acima digo; porque convem sempre em tudo, e particularmente em legislação evitar toda a confusão, e complicação de especies. Ouvi opinar a outro illustre Deputado que as pensões que se dessem ás senhoras infantas deverião ser iguaes á que se desse á senhora princeza D. Maria Thereza; parece-me justo, com tanto porem que senão diminua a que está arbitrada á senhora Princeza e antes eu sou de voto que esta se augmente, pois he demasiadamente diminuta para o decoro de duas personagens de tanta representação, e tão alta jerarquia.

O senhor Guerreiro: - Parece-me que este artigo he dos mais melindrosos que temos a decidir pelas consequencias que daqui se podem tirar. Póde-se tirar da resolução destas Cortes, argumentos para dizer que o Senhor infante D. Sebastião se reconheceu como parte da Familia Real, e com os direitos que daqui se derivão, e isto póde trazer máos resultados e tanto para os direitos que esse Senhor póde ter noutra nação, quanto pelas leis fundamentais do Reino. Eu não me opponho a que se conceda esta dotação, e até mais se he necessario; não devemos ser mesqui-

Página 1403

[1403]

nhos a este respeito: mas desejo que deste artigo se tirem todas aquellas palavras que possão dar lugar aquellas consequencias; e que se conserve este artigo era termos taes que não possa contrariar, nem as leis fundamentaes da monarquia, nem os interesses do Reino.

O senhor Barão de Molellos: - A respeito deste artigo reproduzo a minha opinião. Trata-se aqui dos interesses do infante D. Sebastião. Os Hespanhoes dizem que não he infante hespanhol, se não portuguez; nós dizemos o contrario: o processo está a resolver-se difinitivamente no concelho de Castella; se nós ratificar-mos a opinião dos Hespanhoes com a dotação que aqui se lhe der, e com as expressões que se usarem nella concessão, vamos fazer um mal terrivel ao senhor infante; mal de que talvez resulte não ficar pertencendo á casa de Hespanha. Por isso peço que se declare, que estes alimentos lhe são dados, porque não recebe nenhuns de Hespanha, e não porque seja infante portuguez, sendo pelo contrario hespanhol, como filho que he do infante D. Pedro. (Apoiado Apoiado)

O senhor Presidente: - Proponho ao Congresso se se approva nesta parte o parecer da Commissão, fazendo-se a declaração proposta.

O senhor Braamcamp: - Podem-se dizer estas palavras - a Senhora D. Maria Thereza viuva do infante de Hespanha D. Pedro.

O senhor Maldonado: - E que se accrescento - e seu filho o Senhor D. Sebastião.

O senhor Presidente: - Se ao Congresso parece conveniente, será melhor que para este objecto se faça um decreto separado cuidando de incluir estas declarações na sua redacção. (Apoiado apoiado: e assim se approvou).

O senhor Sarmento: - Ha outra indicação minha que tomo a liberdade de lembrar a V. Exa. e he que a dotação das senhoras infantas não seja nunca menor que a da senhora D. Maria Thereza. Ou igual, ou maior; mas nunca menos.

O senhor Presidente: - Os que approvão o parecer da Commissão a respeito da dotação dos senhores infantes, queirão ter a bondade de ficar sentados, os que votarem por mais ou menos, queirão-se levantar. (Foi approvado o parecer da Commissão).

O senhor Sarmento: - Peço licença para apresentar o meu voto differente, sobre esta resolução relativa á senhora princeza D. Maria Thereza. (Concedido).

Foi lido pelo senhor Secretario Freire o artigo 3.° do projecto, o qual sem discussão foi approvado em toda a sua doutrina.

O senhor Braamcamp reclamou que se designasse tambem a quantia a respeito da mesada do senhor infante D. Miguel.

Designou o senhor Presidente para a ordem do dia da seguinte Sessão, o escrutinio dos propostos para conselheiros de Estado.

Forão propostos diversos methodos para o escrutinio, e ficou approvado o do senhor Travassos, reduzido a que se apresentassem por primeira vez listas de 24 individuos, por cada um dos senhores Deputados; e se fossem apurando aquelles que tivessem pluralidade absoluta, apresentando-se novamente listas dos que mais se aproximassem até ter apurado o nomeio competente.

O senhor Sarmento fez a indicação, se se podião propor tambem regulares, para conselheiros de Estado.

O senhor Bastos ponderou quão grande absurdo seria que em Portugal, e no seculo vinte e um, se, admittissem frades para conselheiros dos Reis.

Aqui foi interrompida a discussão pelo senhor Felgueiras para dar parte de um officio que se acabava de receber do ministro dos Negocios da Marinha, pedindo se designasse o lugar onde devia estar o escaller para conduzir a Deputação das Cortes a bordo da nau em que viesse S. Magestade.

O senhor Presidente disse, que poderia indicar este lugar o Presidente da Deputação; e assim se decidiu.

O senhor Bastos: - Peço que se tome em consideração a moção do senhor Sarmento.

O senhor Fernandes Thomaz: - Senhor Presidente, eu desejo que haja discussão sobre isto, e que se saiba se a Nação ha de ser governada por frades. Sei que os frades morrerão para o mundo: mas entretanto fale-se disto, e saiba a Nação o que se diz pró, e contra.

O senhor Sarmento: - Eu apoio o parecer do senhor Fernandes Thomaz.

O senhor Gouvea Osorio: - Para mim, os frades são sempre suspeitos de espirito de partido.

O senhor Borges Carneiro: - Que os frades morrerão para o mundo, he uma figura de rhetorica. Em quanto a seu merecimento ha muitos que são versados não só nas sciencias ecclesiasticas, senão nas civis e politicas; e segundo os bons principios constitucionaes, não me parece que devão ser excluidos de serem conselheiros.

O senhor Pinheiro de Azevedo: - Senhor Presidente ha graves razões para se decidir que os monges e religiosos são muito elegiveis para conselheiros d'Estado. Primeiramente o governo de todas as congregações religiosas deste Reino he e foi sempre constitucional, e por tanto os religiosos assim em theoria como principalmente em pratica sabem mais do Systema constitucional, que os mesmos seculares; e já por isto somente são elles idoneos e muito proprios para conselheiros. Alem de que, observarei tambem, que se nos os declararmos elegiveis, não faremos novidade; mas antes nos conformaremos com as nossas instituições, que vem desde tempos antiquissimos. Segundo estas os monges erão donatarios, conselheiros, com assento em Cortos, e exercicio de grandes direitos civis e politicos. Finalmente em todas as epocas, e já de tempos mais antigos que a monarquia, os monges forão nomeados e eleitos bispos, arcebispos, e prelados; e todos os bispos do Reino são conselheiros natos, grandes do Reino natos e erão noutro tempo membros natos do primeiro Estado do Reino. Pelo que, tanto faz nomear um, monge bispo ou arcebispo, como fazelo conselheiro e grande do Reino com muito notaveis direitos civis e politicos. Donde julgo que neste ponto nos devemos conformar inteiramente com os nossos costu-

****

Página 1404

[1404]

mes antigos e modernos, e com as antigas leis deste Reino.

O senhor Guerreiro: - Não seria inutil para decidir esta questão ter em vista os votos dos frades. Sabia o conhecimento destes votos, para conhecer a incompatibilidade de ser com elles cidadão, e cidadão livre. Eu não entro na questão de se os frades são ou não cidadãos; mas quando o sejão não estão no exercicio de seus direitos, e não estando neste exercicio, não podem ser conselheiros de Estado. Farão-se embora elogios ao liberalismo das ordens monasticas; mas em geral os regularei, fazem-se suspeitos na nova ordem de coisas em quanto não se costumão a ellas. A sua ordem de vida, e o modo de obedecer dentro do claustro, he contraria ao systema constitucional. Todos elles são tendentes a uma cega obediencia, seja a qualquer mandado despotico; por isto tem contraindo habitos que os tornão incapazes de aconselhar a um lei constitucional. Entendo portanto que devem ser excluidos. (Apoiado, apoiado.)

O senhor Braamcamp: - Os regeneradores do Reino não tiverão duvida de lançar mão de um regular, e pólo á testa do seu governo; agora põe-se em duvida se os regulares podem ser conselheiros: não entendo.

O senhor Freire: - Esse homem he differente, nelle concorrem taes circunstancias que se se tratasse de fazer uma excepção a seu favor, não hesitaria; mas contagiar neste sujeito, numa Assemblea constitucional, o principio de que os regulares podem ser levados á administração do Estado, não me parece conveniente. (Apoiado.)

O senhor Sarmento: - Se esse illustre, e sabio Portuguez, pretende ser candidato em empregos da administração publica, deixe a cogula de S. Bento, e vista a casaca de cidadão portuguez.

O senhor Pessanha: - Eu estou certo que o illustre regular a que allude o senhor Preopinante não tem pretenção alguma: a Nação que o chamou para o alto emprego que occupa na Regencia, he que dificilmente póde dispensar os seus serviços.

O senhor Arcebispo da Bahia: - Esse Membro he uma excepção gloriosa, e digna da attenção do Congresso, tem havido regulares muito sabios e distinguidos: um Franciscano Ximenez confirma esta verdade, e muitos outros.

O senhor Saimento: - Senhor Presidente: eu espero que nos não illuda a eloquencia do illustre Preopinante o Excellentissimo senhor arcebispo da Bahia. Ximenez de quem o sabio Preopinante faz menção foi o assassino da liberdade castelhana; se aquelle tyranno não tivesse existido não teria o immortal Padilha acabado no patibulo. A politica de Ximenez lançou os fundamentos, para em 1538 se realisar em Toledo o acabamento dos antigos foros de Castella; porque as Cortes, que até áquella época erão á verdadeira representação nacional, ficarão sendo apenas uma sombra do que tinhão sido anteriormente. A destruição da liberdade em Castella teve a mais desgraçada influencia em toda a Peninsula. Não se deve por tanto apresentar diante dos Representantes de uma Nação livre o exemplo de um homem, que foi o inimigo da sua patria.

O senhor Santos: - Meu voto he que se não restrinja classe nenhuma, e que se vá buscar o merecimento onde quer que elle se ache.

O senhor Peixoto: - Não concordo na excepção; porque admitto a regra. E perguntaria: quem ha de propor ao Rei os conselheiros de Estado?.... Penso que o Congresso por uma maioria absoluta dos votos dos seus membros. Pois em tal caso, para que havemos de prender-nos de antemão, restringindo a liberdade da nossa propria escolha? Se algum se propozesse a escolher mal, esse teria em todas as classes muita da sua gente: pelo contrario, para escolher bem a nenhum sobejará o campo. Procure-se o merecimento, qualquer que seja a roupa, que o envolva.

O senhor Fernandes Thomaz: - Se eu podesse votar, votaria que ElRei nem podesse confessar-se com frades, quanto mais aconselhar-se com elles? Convenho em que sejão conselheiros, mas deixem o seu habito, e passem a ser cidadãos como outro qualquer.

O senhor Peixoto: - Se as razões, que tenho ouvido ponderar justificassem a exclusão de uma classe; não seria difficil applicalas a algumas outras, para serem igualmente excluidas. Não sei que fossem os regulares, os que conduzirão- a Nação á sua ruina. O senhor Bispo de Beja e o senhor Pinheiro de Azevedo perguntarão se os Maltezes ou os cavalleiros das outras Ordens militares não podião ser conselheiros d'Estado.

O senhor Guerreiro pertendeu mostrar a differença que existe entre os cavalleiros das Ordens militares e religiosas, e os regulares. Os mesmos cavalleiros de Malta (disse o orador) ainda que facão os tres votos, não tem a mesma educação que os regulares: são criados no mundo, e nos negocios publicos; são aptos para exercerem os empregos mundanos; mas os regulares tem uma educação separada do mundo: como hão de poder neste caso aconselhar ao Rey? Eu acho extraordinario, que tenhão votado a favor dos regulares pessoas que estão versadas em doutrinas canonicas, pelas quaes se prohibe aos regulares tomarem parte em taes negocios.

O senhor Presidente ia propor a votação, quando disse

O senhor Maldonado: - Penso, que se devia propor em geral, se os regulares podem ser ou não conselheiros de Estado; e vencido que não, propor a excepção da regra, porque julgo que ha muitos membros da Assemblea que querem votar que deve haver excepção.

O senhor Presidente: - Os que forem de opinião que os regulares podem ser propostos para conselheiros de Estado, deixem-se ficar sentados; os que não, queirão-se levantar. (Decidiu-se que não.)

O senhor Castello Branco: - Alguns votárão que o podião ser com a condição de deixarem o habito.

Então já são seculares (disserão varios dos senhores Deputados.)

Página 1405

[1405]

O senhor Peixoto: - Se algum com esse intuito abandonasse o seu habito, seria no meu conceito indigno de propôr-se.

Não se julgou necessario votar sobre a excepção...

O senhor Borges Carneiro: - Pois peço que se mande á Regencia cumpra o que se determinou a respeito do reitor da Universidade de Coimbra, e que se mande para lá o senhor Fr. Francisco de S. Luiz.

O senhor Secretario Felgueiras fez a leitura da ultima redacção de todos os artigos da lei sobre a liberdade da imprensa, a qual não passou por uma emenda que fez num delles o senhor Sousa Magalhães, e por ter pedido o mesmo senhor se não discutisse a sua moção naquelle momento, por não se achar completo o numero de Deputados presentes, que determina o regulamento.

O senhor Presidente designou para ordem do seguinte dia os pareceres das Commissões; para o successivo, a proposta dos conselheiros de Estado; e levantou a Sessão ás 2 horas da tarde. - João Alexandrino de Sousa Queiroga, Secretario.

AVISOS.

Para o Conde de Sampayo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, mandão remetter á Regencia do Reino os dois requerimentos inclusos; um do prior encommendado da freguezia de Carnide, para ser competentemente verificado o offerecimento que faz da terça parte do rendimento do seu beneficio pura as urgencias do Estado; e o outro do povo da mesma freguezia, em que pede que o priorado se confira ao dito encommendado. O que V. Exca. fará presente na Regencia.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes, em 30 de Junho de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, ordenão que a Camara da cidade do Porto de a razão porque não tem cumprido a ordem emanada deste Soberano Congresso em data de vinte um de Marco do presente anno, sobre informações relativas ás minas de carvão de S. Pedro da Cova. O que V. Exca. fará presente na Regencia do Reino, para que assim se faça executar.

Deus guarde a V. Exa. Paço das Cortes, em 30 de Junho de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampaio.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, ordenão que a Regencia do Reino remetta a este Soberano Congresso a original carta geografica da provincia, de Trás-os-Montes, que foi composta pelo engenheiro José Joaquim de Freitas Coelho, e consta existir na secretaria do governo das armas da mesma provincia. O que V. Exca. fará presente na Regencia, para que assim se execute.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 30 de Junho de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o Conde de Sampayo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, ordenão que a Regencia do Reino remetia a este Soberano Congresso resposta do ministro secretario de Estado dos Negocios do Reino, ácerca do conteudo na indicação constante do incluso, em que se accusa denegação do direito de petição ao povo da cidade de Portalegre sobre uma queixa contra o juiz de fora da mesma cidade por violencias que havia perpetrado, da qual se em demorado o despacho por espaço de cinco mezes; bem como sobre outra queixa de D. Maria Felisberta Carneiro Pereira Continho de Vilhena, contra o corregedor o juiz de fora da cidade do Braga, e o escrivão daquella correição, cujo deferimento tem sido tambem demorado ha já dois mezes. O que V. Exca. fará presente na Regencia, para que assim se execute.

Deus guarde a V. Exa. Paço das Cortes, em 30 de Junho de 1821. - João Baptista Felgueiras.

OFFICIOS.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - A Regencia do Reino, em Nome d'ElRei o Senhor D. João VI, manda remetter a V. Exca. para serem presentes ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza os papeis que dizem respeito a D. Leonor Victorina do Sacramento, o existião na Junta do exame do estado actual, e melhoramento temporal das Ordens Regulares, ficando assim satisfeito o determinado no aviso de 6 do corrente, que ordenou esta remessa.

Deus guarde a V. Exc. Palacio da Regencia em 27 de Junho de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras. - Joaquim Pedro Gomes da Oliveira.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - A Regencia do Reino, em Nome d'ElRei o Senhor D. João VI., manda remeter a V. Exca. para ser presente ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, a informação do Corregedor da Camara, de Villa Real, que diz respeito ao requerimento dos moradores de Villa Real, ficando assim satisfeito ao determinado no aviso de 21 de Maio proximo passado, que determina esta remessa.

Deus Guarde a V. Exca. Palacio da Regencia em 28 de Junho de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - Joaquim Pedro Gomes de Oliveira.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - A Regencia do Reino tendo presente o aviso de V. Exca. de 25 do corrente, pelo qual as Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão que se

Página 1406

[1406]

faça competentemente applicar o paragrafo terceiro do decreto de indulto, datado em 14 de Março deste anno, a Manoel Antonio Sobral, capitão do Batalhão de Caçadores N.° 8, prezo no forte de N.º Senhora da Graça da Praça d'Elvas; manda participar a V. Exca. para conhecimento das Cortes, que em consequencia de outro requerimento do supplicante sobre que foi ouvido o Auditor Geral do Exercito, já a Regencia tinha ordenado que se pozesse em liberdade o dito capitão, pelo ter julgado em circunstancias de merecer a sua soltura, em virtude do citado decreto.

Deus guarde a V. Exca. Palacio da Regencia, em 28 de Junho de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras. - Antonio Teixeira Rebello.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Constando á Regencia do Reino que ao actual commandante das Armas do partido do Porto, se lhe estão apresentando diariamente innumeraveis requerimentos de individuos que pertendem se lhes mande passar certidões em como se não achão recrutados para a 1.ª ou 2.ª linha, a fim de se transportarem para os estados do Brazil, o que nas actuaes circunstancias causa grande detrimento á população do Reino. Manda-me em Nome d'ElRei o Senhor D. João IV. levar ao conhecimento de V. Exca. este objecto, para que, servindo-se de o fazer presente ao soberano Congresso, haja de decidir o que se deve praticar a semelhante respeito.

Deus guarde a V. Exca. Palacio da Regencia em 28 de Junho de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras - Antonio Teixeira Rebello.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Segundo as soberanas resoluções das Cortes, o terreno incendiado, e os restos salvados que ficão para o lado do norte entre o Terreiro do Paço, e a rua dos Capelistas, deve ser arrematado, e o seu producto applicado ao reparo e construcção da parte que fica para a parte do sul. A Regencia cumpriu logo, ordenando ao Conselho da Fazenda para que assim o execute. Eu porem tomo a liberdade de rogar ao soberano Congresso haja de permittir, que sendo o preço pago cai moeda papel, e titulos de divida puplica, estes se queimem publicamente, e o Publico veja que as mesmas chammas que destruirão tão bello edificio, e tào preciosos documentos hão de pôr termo a um flagello que tão graves prejuizos tem causado. Esta he a sorte que por ordens superiores hão de ter os bens nacionaes.

Espero que por meio de boas economias nas obras publicas e militares, se conseguirá o fim que as Cortes desejão. Entretanto, sem ordem contraria nada se alterará do que está decretado. Queira V. Exca. fazer tudo presente.

Deus guarde a V. Exca. por muitos annos. Lisboa 28 de Junho de 1821. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor José Joaquim Ferreira de Moura. - Francisco Duarte Coelho.

Redactor - Galvão.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×