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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 134.

SESSÃO DO DIA 23 DE JULHO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do senhor Moura, leu-se e approvou-se a acta da Sessão antecedente.

O senhor Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios do Governo:

1.° Do Ministro dos Negocio do Reino, remettendo uma representação da Camara da cidade do Porto, sobre o plano que fez delinear para o monumento de pedra, que se ha de erigir na praça da Constituição da mesma cidade; que se remetteu á Commissão da Artes.

2.° Do mesmo Ministro, remettendo um requerimento de Theresa Maria Rosa, com a informação do Chanceller da Casa da Supplicação, que serve de Regedor; que se remetteu á Commissão de Legislação Civil.

3.° Do mesmo Ministro remettendo uma consulta do Conselho da Fazenda, e mais papeis relativos a pescarias; que foi remettida á Commissão respectiva.

4.° Do Ministro da Marinha, remettendo os seguintes papeis: 1.° as copias dos titulos, por que forão creados os lugares de director das fabricas resinosas, cultura, e sementeira dos pinhaes de Leiria, do thesoureiro, e escrivão dos ditos pinhaes; que se remetteu á Commissão de Fazenda, e depois á de Agricultura: 2.° uma relação dos navios de guerra, charruas, hiates, e mais embarcações pertencentes ao Estado, que actualmente se achão da Linha para o Norte, em a qual se nota a sua força, serviço a que podem ser applicadas, e prontificação em que se achão; que se remetteu á Commissão de Marinha. 3.º uma participação do estado actual do Conselho do Almirantado; que se remetteu á mesma Commissão: 4.° uma escalla dos Officiaes de Marinha, e uma relação dos que são mais antigos, que os promovidos em 24 de Junho do corrente anno; que se remetteu á mesma Commissão.

Apresentou o mesmo senhor Secretario quatro mappas, remettidos pelo Ministro da Guerra: um da força com que a Divisão dos Voluntarios Reaes d'ElRei partiu para o Rio de Janeiro; outro da força da mesma Divisão, segundo os ultimos mappas mensaes recebidos de Montevideo; outro da força com que o corpo expedicionario partiu para o reino do Brasil; e outro da força do mesmo corpo, segundo os ultimos mappas mensaes recebidos do Brasil: remettidos todos á Commissão de Guerra.

Mencionou igualmente uma representação (segunda via) enviada pela Camara da villa de S. Vicente da ilha da Madeira, que só remetteu á Commissão do Ultramar; e uma felicitação do Vigario em Capite dos freires de Palmella, por si, e em nome de toda a sua ordem; de que se mandou fazer honrosa menção.

O senhor Pimentel Moldonado requereu a sua demissão da Commissão de Redacção do Diario, que lhe foi concedida.

O senhor Francisco Antonio dos Santos indicou que se passasse ordem ao Governo para que as compras de generos cereaes pela repartição do Commissariado, Casa Real, Casa Pia, Hospital Real de S. José, e todas as mais repartições publicas se facão exactamente na proporção que se acha estabelecida para a venda do Terreiro publico desta cidade; e ficou adiado para a seguinte Sessão.

O senhor Gouvêa Durão apresentou uma moção escrita, em que propõe que o artigo 13 do titulo 1.° do Projecto de Constituição seja concebido pela seguinte maneira: - Todos os cidadãos poderão ser admittidos aos cargos publicos, sem outra distincção, que não seja a dos seus talentos, e das suas virtudes; quando porem concorrerem com igualdade de merecimento e direito a qualquer emprego civil ou militar

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um cidadão casado, e um solteiro, preferirá aquelle a este.

O senhor Serpa Machado apresentou uma addição ao artigo 7.° da Constituição, concebida nos seguintes termos - Os membros do Tribunal Especial para proteger a liberdade da imprensa, e cohibir os seus abusos, serão permanentes, bem como o forem os membros do Supremo Conselho de Justiça. Ambas estas moções tiverão primeira leitura.

O senhor Feio indicou, se ordenasse ao ex-Ministro da Guerra que remetia a este Congresso varias instrucções relativas a negocios da America; indicação que se leu pela primeira vez.

Fez-se a chamada, e faltarão os senhores Osorio, Sepulveda, Bastos, Xavier de Araujo; presentes 100.

Passou-se a discutir o Projecto de Constituição, segundo a ordem do dia; e lido pelo senhor Secretario Freire o § 16, disse

O senhor Macedo: - Parece-me que seria mais a proposito inserir este artigo no titulo 4.°, depois do § 8, artigo 105, porque ali se trata da autoridade que tem ElRei para nomear empregados publicos... Ora como o objecto deste; artigo he estabelece outra restricção a este respeito, parece que ali devia ser o seu lugar.

O senhor Presidente: - Não se trata senão de expressar que quem fez serviços á patria tem direito a ser por ella recompensado.

O senhor Alves do Rio: - Acho que este artigo he muito inexacto, e que deixa lugar á arbitrariedade. He preciso que seja redigido de modo que tire á arbitrariedade que póde haver na classificação dos serviços; se não estamos peior que d'antes. Para isso creio que he necessario uma lei particular.

O senhor Macedo: - Essa- arbitrariedade está tirada com o que se diz no titulo 4.°, artigo 105j § 8.º: por isso mesmo digo que ali he que se deve collocar a doutrina do artigo em questão.

O senhor Presidente: - Torno a dizer que este artigo não vem collocado aqui senão para estabelecer por principio que toda a pessoa, que serve a patria, tem direito a ser recompensado por ella.

O senhor Xavier Monteiro: - Eu digo que o artigo não se deve omittir, senão que se deve explicar com mais clareza, e tudo consiste talvez numa palavra, que se deve accrescentar; e vem a ser pelas Cortes a titulo de serviços, etc. Feita esta addição fica o § com a devida clareza; por quanto dispor do dinheiro publico, só os Representantes da Nação o podem fazer; pois he isso uma das faculdades do Poder legislativo. Sabidos os serviços, as Cortes dirão se são ou não susceptiveis de recompensa, e qual ha de ser essa recompensa. (Apoiado, apoiado).

O senhor Leite Lobo: - Eu vou com o que diz o illustre Preopinante, mas quizera que se explicassem aqui os casos em que se deve dar essa recompensa. Acho que este artigo deve existir, porque não se comprehende nada disto no § 8, titulo 4.°; mas seria melhor que se determinassem esses casos de recompensa pecuniaria, para evitar qualquer choque ou collisão de autoridades.

O senhor Pereira da Silva: - Parecia-me que a sanccionar-se este artigo, seria necessario fazer-lhe alguma ampliação ou modificação, porque não me parece que póde passar tal qual está; pois ainda que se accrescente a declaração proposta pelo senhor Xavier Monteiro, as Cortes não poderão conceder recompensas senão por serviços feitos anteriormente, e ha alguns casos em que se poderão fazer algumas recompensas pecuniarias, ou se terão que dar para objectos posteriores como por exemplo para promover a industria, para fazer progredir qualquer invento, etc. Agora me occorre um facto bem recente: não assentámos o outro dia que se desse ao General Pepe uma gratificação? Se isto estivesse já sanccionado não se poderia ter feito. Parece-me portanto que este artigo tal qual está, não póde passar, porque se poderia inferir ou destas recompensas não se deverião dar senão por serviços anteriores.

O senhor Serpa Machado: - Diz-se que este artigo he inutil, visto que sua doutrina está no artigo 105; mas acho que aqui ha uma clausula muito importante que não se acha naquelle §, e vem a ser que as recompensas hão de ser dadas por serviços feitos á patria; e se não se consagrasse esse principio, seguir-se-hia que se podião dar sem ser por serviços feitos a patria. Por isso deve ficar tal como está, porque inculca esta circunstancia que não se acha no outro artigo.

O senhor Pereira da Silva: - Eu não me opponho a que exista o artigo, o que desejara era alguma declaração.

O senhor Guerreiro: - Os illustres Preopinantes que tem impugnado o artigo, o tem feito especialmente por este se não achar no lugar competente e por assentarem que o § 105 he o lugar mais proprio para estabelecer as regras desta materia. Eu entendo o mesmo, porque tratando-se neste capitulo dos direitos e deveres individuaes do cidadão, está fora do seu lugar um paragrafo em que não se trata senão do modo por que se ha de dispor da fazenda nacional; por tanto considero que o artigo, tal qual está, se acha fóra do seu lugar, mas envolve uma doutrina que he propria deste lugar, e que se deve declarar, a saber: o direito que tem cada um de ser recompensado pelos serviços que fizer. Não entro na questão theorica se algum cidadão tem ou não direito a recompensa dos serviços que faz á patria, ou se estes serviços não são mais que a paga de uma divida que o cidadão tem contraindo com a sua patria no momento em que nasceu nella: torno a dizer que não entro nesta questão, que talvez me levaria muito longe, e não he para aqui. Mas entretanto nós temos estabelecido desde os antigos tempos uma regra fixa para a remuneração decretos serviços; por conseguinte neste estado de cousas cada um dos individuos que fez algum dos serviços designados naquella lei, tem um certo direito á remuneração que a lei determina. Creio que não será da mente do Congresso entregar-se a theorias abstractas, e fazer variações desta regia, que se vê tem tido certa influencia, pois muitos homens tem abandonado os seus interesses particulares para acudir ao serviço publico, com a esperança de que isto proporcionaria no futuro á sua familia um

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modo honesto de subsistencia. Ora se se tratasse de destruir este artigo, parece-me que se deveria substituir outro em seu lugar, concebido pouco mais ou manos nestes termos (leu o artigo, accrescentando, nos casos, e pela fórma que a lei determinar.)

O senhor Mauricio: - Eu apoio a opinião do illustre Preopinante, o senhor Guerreiro, e do outro senhor que disse que as recompensas, ou gratificações se não devem limitar sómente a serviços feitos, mas que da mesma fórma se devia estender a promover estabelecimentos, ou inventos, de que podesse resultar á patria uma utilidade manifesta. Em quanto á primeira opinião he certo que este § não está concebido, como deve ser, para a sua disposição quadrar ao titulo, e lugar em que se acha collocado. Trata-se na primeira parte deste §, em que estamos, dos direitos que compelem a qualquer cidadão: estes direitos são muitos, e certamente entre elles he o de exigir recompensas e satisfação dos serviços importantes que se tem feito á patria. Estabelecer e sanccionar (digamos assim) este direito, he certamente proprio deste lugar; agora designar o modo, o como, e em que moeda se ha de fazer esta satisfação, na verdade parece alheio delle; e sómente se poderá admittir como consequencia porque não repugna á ordem natural o determinar o modo porque se ha de pôr em execução um principio estabelecido; donde concluo que o § deve primeiramente conceber-se desta fórma = Todo o cidadão tem direito a exigir recompensas e gratificações pelos serviços importantes, que fez á -patria. E continuar - assim como estas se poderão dar, quando se verifiquem vantagens á mesma, e por inventos, ou estabelecimentos nella introduzidos.

O senhor Annes de Carvalho: -Este artigo tem sido considerado por varios modos: eu vou considera-lo debaixo de outro ponto de vista. Aqui fala-se das pensões, e de quaesquer recompensas pecuniarias; eu quizera que se fala-se tambem das recompensas honorificas. Não só as recompensas pecuniarias devem ser á porporção dos serviços feitos á patria, mas tambem as honorificas. Trata-se dos serviços, e he preciso que este principio seja o mais geral que possa sor. Nós, por meio deste artigo, tratamos de reformar os abusos que tem havido anteriormente nas recompensas pecuniarias; alem disso devemos fazer o cidadão sensivel á honra: a moeda da honra he superior a toda e qualquer outra. Por todas estas razões julgo que o principio estabelecido neste artigo se deve ampliar mais, dando-lhe esta latitude.

O senhor Castello Branco Manoel: - Tenho ouvido differentes opiniões a respeito deste artigo. Em quanto á sua doutrina, acho que está no seu verdadeiro lugar, por quanto trata-se dos direitos que competem ao cidadão, e não ha duvida que um dos direitos que lhe competem he que se lhe recompensem os serviços feitos á patria. Neste sentido apoio o senhor Guerreiro, e digo que o artigo deve ser redigido na fórma que elle propõe.

O senhor Vaz Velho: - Digo que o artigo não me parece estar em lugar improprio, por isso que tratando-se aqui do direito do cidadão, e sendo um dos seus direitos o serem-lhe recompensados os serviços que fizer, trata-se propriamente aqui desta materia... Em quanto ao dizer-se que está repelido, digo que não está repetido; e a razão he porque aqui se estabelece o principio, que vem a ser o direito que elle tem a ser recompensado, mas não se trata do modo porque o ha de ser; isso está no outro paragrafo. Logo não está repetido; logo parece-me que o paragrafo deve passar, e que está no seu lugar competente.

O senhor Braamcamp: - Vou dizer uma palavra a respeito do que tenho ouvido a um illustre Deputado, de que se tratava só das recompensas pecuniarias, e que queria o mesmo Deputado que se fizesse menção das honorificas. Peço a attenção do Congresso, sobre o § 8.°, de que aqui se tem falado, e onde se especificão os modos por que hão de ser concedidas essas recompensas honorificas. Por tanto julgo que o paragrafo está bem, ajuntando-se-lhe a emenda proposta pelo senhor Guerreiro.

O senhor Annes de Carvalho: - Mas vejo que no paragrafo 8.º, fala-se tambem de tenças, pensões, e gratificações; por conseguinte, se acaso não deve ter lugar a ampliação que proponho, porque della se fala no § 8.º, tambem não se deve tratar aqui de recompensas pecuniarias, porque ali se fala de tenças, pensões, e gratificações.

O senhor Brandão: - Diz-se que este § está bem collocado, porque se trata aqui do direito que os cidadãos tem de serem recompensados pelos serviços que fizerão á Patria; entretanto he um direito que se póde inferir do §, mas não está nelle estabelecido. Denotão-se as circunstancias em que deve estar o cidadão para receber esta recompensa, mas ainda não se diz que elle tem este direito. Tambem me parece que o § está diminuto, em quanto diz, por serviços importantes que houverem sido f eitos á Patria. Eu convenho que os serviços feitos á Patria devem ser recompensados; mas não quizera que ficassem as Cortes com as mãos atadas para não poderem recompensar serviços feitos á humanidade, em liberdade. Não ha muitos dias que decretámos uma somma destinada para o General Pepe. Supponhamos que um defensor da liberdade he prescripto do seu paiz, e que se vê obrigado a refugiar-se em Portugal: prohibirá a nossa Constituição que se de a este illustre prescripto algum soccorro? Por isso quereria eu que se accrescentasse depois de - serviços importantes que houverem sido feitos á Patria: - á liberdade ou á humanidade.

O senhor Presidente: - As duvidas são, sobre a collocação, e a redacção do artigo; se este está suficientemente discutido será melhor restringir a votação ao que diz respeito á collocação, e depois iremos á redacção.

O senhor Baeta: - Nesse caso he necessario annunciar aqui o principio em geral, e então aquelle principio deve envolver não só a idea das recompensas pecuniarias, senão tambem das honorificas; e alem disso devem ser concedidas tambem estas recompensas a serviços feitos á humanidade, e á liberdade.

O senhor Borges Carneiro: - A respeito da collocação, os Redactores não tiverão sempre em vista o principio, senão estabelecer regras geraes para os le-

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gisladores futuros, e para isto não se achou um titulo melhor que este, em que se determinavão principios geraes. Ou se havia de fazer como na Constituição hespanhola, que inclue principios geraes entre os particulares, o que seria maior absurdo; ou se havia de fazer deste modo ....

O senhor Ribeiro Saraiva: - A doutrina deste artigo he conforme á justiça, e á razão, e deve ficar como está. Se n'outro paragrafo se trata do mesmo, quando se chegue a discutir, então se verá se se hade tirar dali.

O senhor Miranda: - Trata-se de estabelecer neste artigo, a doutrina de que todo o cidadão tem direito a ser recompensado pelos serviços que faz á Nação; não ha nada mais verdadeiro,, mas hc necessario saber quaes são estes serviços. Se estabelecemos que qualquer serviço ordinario hade obter esta recompensa, teremos que pagar duas classes de empregados numa mesma geração; os que servem os empregos, e os seus filhos, ou os seus herdeiros. Sou pois de parecer que se recompensem os que fazem serviços á Nação, porque nada ha mais justo: masque estas recompensas sejão para serviços extraordinarios. Para que isto fosse exacto, seria necessario classificar esses serviços; o que alem de ser muito extenso, não seria proprio de uma Constituição; de outro modo não seria exacto o principio, e tambem então não seria proprio da Constituição, porque nella não se devem incluir artigos que deem lugar a interpetrações; accrescendo a isso que quanto mais economia houver nos principios constitucionaes, tanto melhor será. Portanto o meu parecer he que o artigo, tal qual está, não he necessario, porque o principio que estabelece, he um principio demasiadamente geral, e um principio eterno gravado no coração de todos os homens.

O senhor Annes de Carvalho: - Eu julgo que o artigo he constitucional .... (foi interrompido pelo senhor Presidente, dizendo-lhe que já era a terceira vez que falava.)

O senhor Borges Carneiro: - Pois falarei eu que he a segunda vez que o faço; e o que disser será talvez o mesmo que pretendia dizer o senhor Annes. O artigo he muito constitucional; sabe-se que um dos inales que opprimirão a nação franceza, foi que os reis ou os aulicos davão o dinheiro da nação a quem querião; e a nação muito opprimida com isto, e conservando a funesta memoria daquelles males, consagrou por principio nas suas Constituições de 1791, e de 1792, que se não podessem dar recompensas pecuniarias se não por serviços que se fizessem á patria, ou muito importantes ou muito dilatados. Isto foi o que se resumiu em a nossa Constituição, dizendo só muito importantes. Como a fazenda publica da nossa Nação, tem sido arruinada, por similhantes profusões; por isso e para ligar nesta parte os legisladores he que se fez este artigo, o qual não he só necessario, mas até serião necessarios 300, para maniatar os legisladores, que tanto se tem esquecido nesta parte. Agora em quanto a que não sejão só considerados os serviços fritos antecedentemente á patria, e que se possue tambem considerar os serviços feitos á humanidade, e á liberdade, he o que não impugno; mas o artigo he constitucional, e muito constitucional.

O senhor Miranda: - Eu não disse que o artigo não era constitucional, se não que qualquer artigo de uma Constituição deve ser muito exacto; e não dar lugar, a interpretações. O artigo de que tratamos devia ser mais extenso. Trata-se por exemplo de recompensar os serviços importantes; mas estes serviços importantes hão de ser avaliados pelos aulicos, pelos legisladores futuros, com que nada adiantamos. Não haverá empregado publico que não julgue ter um direito á recompensa, alem do salario por seu emprego. Eu quero que se recompensem os serviços feitos á patria, mas quero que estes serviços sejão serviços extraordinarios, porque de outro modo teremos que pagar duas classes de empregados em cada geração, aquelles que servirão um emprego, e os descendentes dos que o servirão, ou que os tenhão servido anteriormente. Por tanto eu não digo que o artigo não seja constitucional, senão que pelas razões indicadas não deve estar na Constituição. O principio he certo, mas he muito geral; e quanto mais economia houver em principios, tanto mais simples será a Constituição.

O senhor Borges Carneiro: - O senhor Miranda reconhecendo o principio por verdadeiro, não o quer todavia nesta Constituição. Eu respondo: no § 19 se estabelecem certos direitos do cidadão; nelle se dizer todo o cidadão deve ser justo e que o amor do patria he o seu principal dever. Fazendo isto cumpre como seu dever, mas fazendo mais he necessario que se declare ao que tem direito. Então tem direito a recompensa, mas quem ha de determinar esta recompensas as Cortes. E como se ha de determinar este direito? pela Constituição. Logo este § está bem collocado onde se acha. Por tanto voto que se conserve, accrescentando a emenda do senhor Guerreiro, e dizendo-se por serviços importantes; porque estes podem ser tão varios e de tão differente especie que será preciso classificalos; mas rios estabelecemos o principio, e as Cortes futuras podem fazer esta classificação.

O senhor Freire: - Eu apoio tambem a doutrina do § mas não a sua enunciação; eu diria: todo o cidadão tem direito a recompensas, por serviços importantes feitos á sua patria, porem aquellas recompensas que forem postas sobre a fazenda nacional, não serão concedidas senão pelas Cortes. Em quanto ao que tenho ouvido dizer a respeito de que parece que pelo § se achem as Cortes privadas de poder dar recompensas para sei viços posteriores, digo que recompensa nenhuma recáe sobre o futuro, senão sobre serviços que já se tenhão executado: porem isto não tira que se possão decretar sommas para animar a industria, para proteger um invento util, para soccorrer um estrangeiro benemerito, etc. Este artigo do que trata, he de direitos individuaes do cidadão portuguez. Estes tem direito a recompensa pelos serviços que tiverem feito; as outras recompensas são dadas em consideração a utilidades que poderão resultar, ou a serviços que se facão, proporcionando essas utilidades á patria.

O senhor Presidente: - Talvez se conciliem as opiniões, propondo á votação o artigo com as emendas do senhor Guerreiro: Todo o cidadão Tem direito á remuneração dos serviços importantes que tiver fei-

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to á Patria, nos casos e pela fórma que as leis determinarem.

O senhor Xavier Monteiro: - Eu peco uma emenda, e he que em lugar de se dizer que as leis determinarem; se diga: que as Cortes determinarem.

O senhor Presidente: - Mas as Cortes determinão só as tenças etc., e não as honras.

O senhor Xavier Monteiro: - Pois separe-se o que as Cortes podem, ou não podem conceder.

O senhor Guerreiro: - Eu imagino tão complicadas as regras, que devem regular os serviços, como os serviços que se podem prestar; e por isso não se podem dar estas regras na Constituição, sem fazela demasiadamente extensa. He necessario por tanto reservar estas regras para uma lei, para um regimento de mercês (servindo-me da expressão até agora usada). Nós tinha-mos leis para isto; por conseguinte parece-me que não devemos alterar inteiramente estes costumes. Como a Constituição ha de estabelecer que não se póde fazer despega alguma no Thesouro nacional, senão por uma ordem das mesmas Cortes, parece-me que se não deve fazer a separação que propõe o Preopinante.

O senhor Pinheiro de Azevedo: - Parece que este artigo para comprehender as pensões de qualquer especie, podia ser formalizado deste modo: As pensões e quaesquer outras recompensas, sómente podem ser concedidas a titulo de serviços feitos á patria.

Depois de mais alguma discussão, propôz o senhor Presidente, 1.° se a doutrina do artigo estava bem enunciada, ou se devia mudar-se? Venceu-se que se mudasse: 2.º se se approvava a substituição indicada pelo senhor Guerreiro, e concebida nos seguintes termos: Todo o cidadão tem direito a ser remunerado por serviços importantes feitos á patria, nos casos e pela fórma que as leis determinarem? Venceu-se igualmente que sim.

Feita a leitura do artigo 17, disse

O senhor Castello Branco Manoel: - Parece-me que este artigo não póde nem deve passar como está concebido....

O senhor Annes de Carvalho: - Se de accrescentar aquellas palavras resultasse maior clareza, devião-se accrescentar; mas não resultando, não devem ser accrescentadas. Em quanto á 2.ª parte... . Mas he necessario declarar quaes hão de ser as acções populares ....

O senhor Mauricio: - Este § parece-me que não deve passar nos termos em que se acha concebido; e que se lhe deverão fazer algumas addições á 1.ª parte, assim como cortar totalmente a 2.ª Temos estabelecido que esta Constituição não he mais do que um desenvolvimento daquillo que se acha decretado nas Bases; consequentemente que estas se podem ampliar, e dar-lhes melhor explicação, mas nunca omittir, e cortar aquillo que já nellas se acha estabelecido. Partindo deste principio, tendo-se estabelecido nas Bases depois da palavra - petições, - e estas deverão ser examinadas; de fórma nenhuma agora se devem supprimir, e de necessidade se devem repetir. Alem disto, tendo a liberdade de ampliar, como fica dito, poderemos á palavra - examinadas - ampliar e accrescentar outras.-Igualmente explicando melhor, poderemos accrescentar á palavra - executivo as seguintes - a cada um nos casos que a lei designar. Desta fórma se corta o inconveniente, que com frequencia observamos na decisão que as Cortes dão a muitos requerimentos scilicct - dirija-se ao Governo, ou a quem pertence; quando ao requerente pela ampla faculdade das Bases lhe era permittido dirigir-se ás Cortes. Diz-se mais que a 3.ª parte ou periodo que principia, e bem assim etc., se deve cortar, por que a sua materia se comprehende na 1.ª Tendo-se nesta estabelecido, que tolo o cidadão póde fazer reclamações, sem se restringir a estas ou áquellas; está claro que se acha estabelecida a regra que elle póde reclamar a infracção da Constituição, e a responsabilidade do infractor. Nem se diga que na 1.ª parte se trata das reclamações que são relativas a cada um, dos individuos, e sobre objectos particulares. A palavra todas denota que se trará de reclamações cujo objecto he geral; que he o mesmo caso quando se diz que uma acção he popular, porque toda e qualquer pessoa a póde propor, como a infracção da Constituição; pois quando se trata de interesses particulares, como por exemplo a queixa de uma parte que allega a injustiça de um magistrado a seu respeito, he certo que então deforma nenhuma se devia dizer: Todo o cidadão póde apresentar essa queixa, porque isso só compele ao offendido. Alem disso, a segunda parte do periodo principiando = e bem assim, denota que essa doutrina que vai estabelecer-se não se acha comprehendida na primeira. A conjuncção e bem assim, no caso que se decida que as outras palavras subsequentes devão subsistir, certamente se deve cortar.

O senhor Borges Carneiro: - Ao cidadão concede-se unicamente o direito de reclamar o que lhe toca.

O senhor Fernandes Thomaz: - Eu estou persuadido do contrario; ao menos lenho vivido atégora nesta persuasão. Quando nas Bases se disse, que se dava ao cidadão o direito de petição, não era só nos seus casos, senão em todos aquelles pertencentes á sociedade; seja para reclamar a observancia das leis organicas, ou para reclamar a observancia dos artigos da Constituição. Por esta cccasião lembra-me dizer, que se com effeito se deixa ao cidadão este direito, he necessario declarar o juizo perante quem ha de fazer esta reclamação, pois não supponho, que qualquer juiz esteja autorizado para isso.

O senhor Presidente: - Isso já está declarado no Projecto. Vamos ver agora em primeiro lugar se se hão de conservar no § ao palavras, que se omittirão das Bases; e em segundo lugar, se se ha de tirar o accrescentamento, que diz = e bem assim expor qualquer infracção de Constituição e reclamar a effectiva responsabilidade do infractor.

O senhor Fernandes Thomaz: - Nesse caso me parece que se deve dizer onde se ha de fazer essa reclamação; porque do contrario parece-me que fica livre a qualquer fazela perante qualquer autoridade.

O senhor Borges Carneiro: - Se ainda he licito ampliar as Bases, desejaria eu que se dissesse, ás au-

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toridades competentes; porque ninguem duvida, que dellas he que se deve reccorrer. A infracção da Constituição póde ser de muito differente natureza: póde-se commetter em materias judiciaes, em materias de fazenda, etc.

O senhor Annes de Carvalho: - Um magistrado que abusa das leis, abusa da Constituição.

O senhor Miranda: - Ha muito differença entre Constituição, e leis: he certo que se póde entender assim; mas não está claro, e nesta materia toda a clareza he pouca.

O senhor Annes de Carvalho: - Mas não se podem infringir as leis sem se infringir a Constituição.

O senhor Miranda: - D'um modo indirecto, he verdade; porque a Constituição diz, a observancia das leis; mas como toda a clareza he boa, he necessario, que se declare infracção das leis, e da Constituição.

O senhor Borges Carneiro: - Não se póde accrescentar a palavra leis, porque ha muitas leis, a que não se póde dar acção popular. Por exemplo; se um juiz invertesse a ordem do processo, haveria grande inconveniente em conceder-se contra elle acção popular.

O senhor Freire: - O direito de petição está completamente concedido a todos os cidadãos, segundo as Bases; por tanto o meu voto he, que se conserve tal qual se acha nellas, para o que não he preciso a segunda parte do artigo, porque nenhum direito novo se dá ao cidadão.

O senhor Annes de Carvalho: - Parece-me que não tem lugar o que diz o illustre Preopinante, que não se deve conservar a segunda parle, porque não se dá em direito novo ao cidadão, que elle já o não tivesse pelas Bases. Tambem já o cidadão tinha o direito de propriedade, segurança, e outros que já decretámos, e apezar disso os declaramos aqui; porque uma Constituição deve enumerar os direitos particulares do cidadão. O direito de fazer queixas particulares, pertence ao cidadão; mas alem disso ampliamos o de queixar-se de infracções, e não sei que isto estivesse incluido nas Bases; mas suppondo que o estivesse, he necessario adaralo, porque está confuso.

O senhor Silva Correa. - Apoio este parecer.

O senhor Annes de Carvalho: - Assim o entendeu Solon quando deu a cada cidadão o direito de .... (Foi interrompido pelo senhor Presidente, dizendo-lhe que já linha falado tres vezes.)

O senhor Freire: - Senhor Presidente, quer-se mostrar que isto he uma cousa nova. Eu não convenho de modo nenhum em que seja esta uma nova doutrina, não incluida nas Bases; mas quero em lodo o caso, que se diga: este direito he principalmente applicavel ás infracções da Constituição; porque assim he explica a idéa mais claramente.

O senhor Baeta: - Senhor Presidente, julgo que o § póde passar como está, com tanto que se torne effectiva a responsabilidade do que dá a queixa.

O senhor Borges Carneiro: - A guarda da Constituição, he a salva-guarda da liberdade portugueza; por tanto deve ter cada cidadão o direito de reclamar contra nas infracções deste codigo sagrado. A Constituição hespanhola faz uai artigo separado deste objecto. Agora relativamente ás leis, não he o mesmo; já se tem dito, que ha muitas leis de que não se póde dar ao cidadão o direito de reclamar infracção, senão á parte interessada. Em todas as leis do processo, por exemplo, ninguem deve lei este direito senão a parte interessada; mas a respeito, da Constituição, he preciso que se diga, que todo o cidadão tem o direito de vigiar, e reclamar a sua observancia. Torno a dizer, que a Constituição hespanhola fez disto um artigo separado.

Procedendo-se á votação, decidiu-se 1.° que ficasse subsistindo a doutrina do artigo: 2.º que se formasse della um § separado: 3.° que fosse concebido nos seguintes termos: Todo o cidadão tem direito de fazor reclamações sobre a in-obervancia dos artigos da Constituição, perante as autoridades competentes.

O senhor Secretario Freire leu o artigo 18.°, que foi approvado sem discussão.

Lendo depois o artigo 19.°, disse

O senhor Pinto de Magalhães: - Parece-me que a 1.ª parte deste artigo (transcripto da Constituição de Hespanha, e mesmo de outras) tem mais proprio lugar em um cathecismo moral, e em qualquer outra obra dogmatica, do que em uma Constituição. Enuncião-se aqui uns axiomas de moral, que ainda que rigorosos deveres do cidadão, não produzem comtado obrigação alguma externa. Uma Constituição não he senão o complemento das leis fundamentaes de uma nação; mas de leis sanccionadas, e que produzão obrigação externa; e não póde nem deve admittir meios conselhos, e simples enunciados, que ainda que verdadeiros, e até axiomaticos, não podem nunca constituir deveres externos dos cidadãos. He este o caso do presente artigo: diz este que o cidadão deve ser bemfazejo, que tem por primeiro dever amar a Patria. Ora se um cidadão deixar de praticar um acto de beneficencia, que estava ao seu alcance; se elle não salvou da miseria um desgraçado, a quem podia valer; se tendo inuteis em seus cofres grandes sommas, não acudiu com ellas á Patria numa urgencia: em taes casos poderá ser constrangido por alguma autoridade publica, que se funde neste artigo da Constituição, aprestar contra sua vontade aquelles officios, ou a soffrer algum castigo pelos não ter prestado? Ninguem o dirá; porque o respeito á propriedade he um dos primeiros deveres da sociedade, e o desprezo delle seria certamente mais funesto, que o de qualquer dos de beneficencia. Por consequencia, se os deveres, que o artigo impõe não podem, nem devem ser exigidos externamente pela sociedade, tambem não devem ter lugar na Constituição. Não consintamos que qualquer possa ser olhado como infractor da Constituição, sem poder ao mesmo tempo ser punido como tal: o desprezo de umas leis traz comigo o desprezo das outras; e nenhuma lei se deve desprezar, e muito menos, sendo constitucional. He por tanto o meu voto que se supprima a primeira parte do artigo.

O senhor Presidente: - Eu diria, como redactor, que não ha Constituição nenhuma onde não se trate

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de expôr alguns principios, que se fação amaveis dos povos, e debaixo deste principio em todas ellas ha muitos artigos, que se apresentão como verdadeiros axiomas, ainda que não possão obrigar como leis.

O senhor Trigoso: - Eu queria dizer, que este § tirado essencialmente da Constituição hespanhola, não pudia ter lugar na nossa. Se es razões que se dão para expôr este principio, he para fazer amaveis nossas virtudes, seria bom fazer um catalogo dellas, para as collocar do mesmo modo, e pelo mesmo motivo. Parece-me porem que virtudes não devem ser leis. He bom que as virtudes se louvem; mas não que se estabeleção por um principio do Constituição; parque nesse caso seria preciso fazer menção de todas. Dizer, o cidadão deve ser bem fazejo, he dito com igual razão, que se diria, o cidadão deve ser casto, etc. Porém se apezar destas razoes, e das que lenho ouvido; o artigo houver de passar, eu desejaria, que as palavras = bem fadejo = se tirassem, e que em seu lugar se puzesse = benefico.

O senhor Borges Carneiro: - De pouco aproveitará fazerem-se leis, se não estiver a boa moral radicada em a Nação: e nada mais grave podem dar por base os supremos legisladores, do que esses principios de moral, que são o fundamento das boas leis. Julgarão os legisladores (não só da Grecia; não só da França na sua Constituição de 1791; e não só os de Cadiz, que consagrárão um titulo inteiro a estes principios, e não um artigo como nós, senão outros muitos), julgarão os legisladores, digo, que a base mais solida das boas leis, são os principios universaes da moral. Diz-se, que estes principios não obrigão como leis, que não ha sancção penal; por ventura na Constituição não ha uma infinidade de principios em que não ha sancção penal? Ameaça-se com alguma pena a quem não observar uma infinidade destes principios? Muitas vezes faz mais um legislador, quando inculca estes principios, que quando maneia, e indica a pena pela inobservancia delles. Dar por este modo a um cidadão a consideração de cidadão honrado, he mais nobre para elle, e obriga mais a selo que commandando-lhe uma pena. Diz-se que seria necessario mostrar igualmente todas as outras virtudes; mas não só lia-ta de todas as virtudes, senão daquellas, que pertencem ao cidadão, como cidadão. As virtudes, que dizem respeito ao cidadão para comsigo mesmo, e para com os outros, essas tem outro lugar.

O senhor Serpa Machado: - Neste artigo ha objectos que se podião dispensar, e ha outros tão importantes, que seria grande lacuna na Constituição, se se dispensassem. Em quanto aos primeiros, não me opporei a que se faça alguma modificação; como por exemplo, em quanto a estabelecer como regra, que o principal dever do cidadão he o amor da patria. Ha outros deveres, quaes são, o de justiça, e o de obediencia ás leis, e autoridades, que julgo tambem necessario que entrem do mesmo modo. Portanto a minha opinião he, que se escolhão destes principios os que são mais essenciaes, para que no caso de declarar aquelle, se declarem igualmente estes.

O senhor Fernandes Thomaz: - Senhor Presidente, não me parece que o artigo deve passar como se acha. O amor da patria inspira-se, ensina-se, faz-se delle idéa, e adquire-se por meio de uma boa educação, de principios liberaes, justos, e beneficos; mas não póde ser, objecto de uma lei constitucional. Para mim he muito mais estranho então, que se tirem estas conclusões (leu): elle deve portanto defendela com as armas, quando seja chamado pela lei. Não nasce deste principio esta conclusão; nasce do pacto social; da obrigação que o homem adquiriu com os outros homens; da necessidade que tem da sua, propria conservação, porque he necessario para viver socegado, que cada um concorra por sua parte para a defeza do todo. Nesta linha ponho as outras conclusões que se tirão (tornou a ler). Tudo isto, digo, são obrigações que o homem contrahiu quando se uniu á sociedade; e são tambem principios que se estabelecem, e dos quaes todas as conduções são de sua propria utilidade, porque de outro, modo não póde viver na sociedade. Por consequencia voto, que se tirem todos estes principios, e as conclusões, que delles se fazem derivar. A Constituição hespanhola estabeleceu no seu artigo 6.º estes principios; mas nem por isso deduziu aquellns consequencias. Em parte redigindo-se doutro modo este artigo póde passar; póde dizer-se: he um dever de todo o cidadão defender a patria; e depois ir accrescentando os outros deveres como obrigações do cidadão. Mas estabelecer o principio do artigo pelo modo que está, não deve ser, porque lealmente nem elle póde fazer objecto de um artigo constitucional, nem delle se deduzem essas consequencias.

O senhor Borges Carneiro: - Diz um dos illustres Preopinantes que estes principios são justos e uteis; mas que não julga necessario que elles sejão inculcados. Eu digo pele contrario, que o essencial he que os representantes da Nação proclamem diante della, que estes principios pão verdadeiros e bons.

O senhor Castello Branco Manoel: - O que eu digo he, que dizer-se deve ser, he o mesmo que mandar. Estamos estabelecendo uma lei gorai, logo quem não he justo, infringe a lei, e estamos fazendo uma cousa como obrigação, que não he de rigorosa obrigação.

O senhor Presidente: - Mas antes de sanccionar esta lei, não deve o cidadão ser justo?

O senhor Castello Branco Manoel: - Os principios são santissimos; mas o modo porque estão propostos, parece que os constituo obrigatorios.

O senhor Annes de Carvalho: - He indubitavel que os principios que aqui se estabelecem, são deveres de moral: disto não se póde duvidar. Tambem julgo que he indubitavel, que compete ao Congresso inculcar o mais que for possivel aos cidadãos os seus deveres. A questão julgo que se deve reduzir a isto: sendo estes principios reconhecidamente deveres de moral, pergunta-se se elles tem ou não lugar em uma Constituição politica; ou se fica desfigurada todas as vezes que he juntarem principios de moral. Vejamos a pratica dos legisladores. Eu vejo que os da Grecia, taes como os de Athenas, e Lacedemonia, ajuntavão ás suas leis os principios de moral. Esta era a pratica observada pelos antigos legisladores, combi-

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nar a moral com a politica; e não vejo que daqui resultasse mal aos cidadãos; ao contrario resultava-lhes bem. Vejo que nas Constituições modernas ainda que alguns tem omittido estes pricipios, outros os tem estabelecido. Pergunto eu agora, se uma pratica adoptada pelos antigos, e por alguns dos modernos; se esta pratica, digo, póde ser estranhada na Constituição portugueza? Julgo que não, porque o Pais da Patria, talando a seus concidadãos, devem-lhes falar como os Patriarcas, e não limitar-se á politica, senão pelo contrario inculcar-lhes sãos principios de moral, e de virtude.

O senhor Fernandes Thomaz: - Bem aviados estavamos nós se fizéssemos Constituição como os Gregos e Romanos. Nós estamos alguma cousa mais adiantados. As luzes tem cruzado. He necessario neste seculo falar ao povo como convem, e talvez não convirá falar-lhe como se lhe falava no seculo passado. Eu creio que só na Constituição hespanhola apparece isso. (Foi interrompido pelo senhor Presidente, dizendo: - Em todas as da America unida ha o mesmo). Eu li ontem á noite (continuou o senhor Fernandes Thomaz), todas as Constituições da America unida, e em nenhuma dellas se estabelece este principio, para tirar delle a conclusão, de que o cidadão he obrigado a concorrer para a defeza da patria. A unica onde achei essa conclusão, foi no pacto social, que Kiker fez, e eu estou persuadido que tal conclusão não se dever tirar. Convém persuadir aos povos que devem concorrer para a defeza do Estado, por seu interesse, por sua conservação, por seu proprio bem; pois do bem do todo resulta o bem de cada um. Estes principios são a meu ver os verdadeiros; por tanto torno a dizer, que se devem conservar as conclusões que são verdadeiras; mas partindo de um principio diverso.

O senhor Baeta: - Senhor Presidente, vou vêr se posso conciliar as diversas opiniões. Alguns não querem que se estabeleção estes deveres naturaes do cidadão; outros dizem que sim, e até ha quem diga, que os Pais da patria os devem pregar. A isto diria eu, que era melhor, que os Pais da patria pregassem as virtudes, dando o exemplo, pois era o modo melhor de trazer os cidadãos ao caminho da moral. Mas tornando á questão, digo, que tratando-se dos direitos civis, e politicos dos Portuguezes, nada parece mais natural, que indicar os seus deveres. He sabido, que o que he dever para mim como cidadão, he dever para outro, do mesmo modo; por tanto entendo eu, que se podia dizer: todo o cidadão não tem direito para uma cousa, senão affiançando o mesmo direito a outro cidadão. Em consequencia, não julgo absolutamente necessario especificar os deveres, senão dizelo assim em geral.

O senhor Soares Franco: - Creio que não póde haver duvida alguma em classificar estes quatro deveres (leu o artigo) como proprios de lodo o cidadão. Tem-se porem dito, que o amor da patria não era o principal dever. O amor da patria era entre os Gregos, e os Romanos, o primeiro de todos os deveres, e do qual nascerão grandes virtudes. O amor da patria, sendo bem dirigido, resolve-se no amor que cada um tem a si mesmo: logo a Constituição, que faz o bem de cada uni, está ligada com o amor da patria. Agora em quanto ao que diz o artigo, que o cidadão deve ser justo, e benéfico; isto he um principio geral: entre tanto he um principio justo, que póde estar bem aqui; mas a querer-se pôr separadamente, póde muito bem fazer-se assim. Com tudo não he menos certo, que o amor da patria está ligado com a Constituição.

O senhor Corrêa de Seabra: - Parece-me que o artigo deve ser supprimido á excepção de uma pequena parte... Passando tal qual está, poucas são as acções do homem que se não podessem taxar de infracções de Constituição ... Era melhor dizer-se somente, que he um dever do homem guardar a Constituição.

O senhor Pinheiro de Azevedo: - Se neste capitulo se devem declarar os principaes officios e deveres do cidadão, opponho-me a que se omittão o da justiça e beneficencia. Do desempenho destes dois deveres depende o cumprimento de todos os mais, depende a ordem, armonia, e perfeição da sociedade; depende a formação, conservação, e melhoramento dos costumes, sem os quaes nenhuma Constituição se conserva, nenhuma nação prospera. São preceitos moraes dizem alguns illustres Deputados: he verdade, e alem disso doutrina uniforme do direito da natureza, da Religião Catholica, das seitas christãs, e de todas as religiões conhecidas: mas de serem preceitos moraes não se segue que hajão de ser excluidos da Constituição. Eu affirmo que não deve sanccionar-se um só artigo da Constituição, uma só lei, e decreto, que não seja um preceito moral; e que toda a lei que encontra este principio não he mais que uma pura coacção moral externa. Obedecer ás leis, respeitar as autoridades, pagar os tributos, não são preceitos moraes, e ao mesmo tempo deveres do cidadão, como a justiça e a beneficencia? Não tenho visto um só Publicista, tendo visto muitos, que tratando dos deveres do cidadão não ponha estes dois entre os primeiros. Digo pois que se conservem neste lugar. Em quanto ás infracções de Constituição hão de ler no Codigo criminal penas determinadas com proporção e justiça.

O senhor Miranda: - Nos artigos precedentes estão estabelecidos os direitos do cidadão: agora trata-se dos deveres delle para com a nação; isto he, contribuir por sua parte para manter a segurança publica, e do Estado, obedecer ás leis, etc. Estes são actos a que está obrigado o cidadão, não por amor, senão pela obrigação do pacto social, e pelos mesmos principios, pelos quaes a nação se obrigou para com elle, a manter os seus direitos; e se o cidadão não cumprisse com aquellas obrigações, deveria ser justamente punido. Em quanto a estabelecer o principio, de que lodo o cidadão deve ser bem fazejo; julgo que isto não pertence certamente á Constituição; e que póde pertencer mais propriamente a um cathecismo religioso. Tambem não julgo exacto dizer-se que o amor da patria he um dever; porque o amor da patria não he um dever, senão um sentimento interno, que não póde nascer, senão dos be-

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neficios, que nos resultem da mesma patria. O modo de fazer amar a patria a um cidadão, he ter um bom governo, e boas leis. Quando os cidadãos virem, que se respeitão estrictamente os seus direitos, então amarão melhor a patria, do que quando os legisladores lhes disserem e mandarem que a amem.

Julgando-se o assumpto sufficientemente discutido propoz o senhor Presidente se passava a doutrina do artigo dó mesmo modo que se achava enunciada. Decidiu-se que não. Se se havia de conservar neste lugar a idéa de que todo o cidadão deve ser benéfico? Venceu-se igualmente que não.

Suscitando-se no resto do artigo algumas duvidas sobre dever-se ou não declarar que o amor da patria era o primeiro dever do cidadão, procedeu o senhor Presidente á votação, e decidiu-se que se omittissem aquellas palavras do artigo. Por este motivo disse

O senhor Franzini: - Parece todavia necessario estabelecer aqui o principio de que o amor da patria, ou uma suave inclinação de sentimento, he quem induz o cidadão a prestar-se aos sacrificios que delle se exigem. De outra maneira inculcaremos que os deveres exigidos para com a patria são unicamente os effeitos do constrangimento e da força.

O senhor Fernandes Thomaz: - A isso já respondeu o senhor Miranda, que vinha dos direitos, que ao cidadão se conservão. Logo tendo aquelles direitos, já tem estes deveres.

O senhor Presidente: - Vejo agora perplexidade na resolução da Assemblea. Proponho se se dirá no artigo, que o amor da patria he um dos principaes deveres do cidadão.

O senhor Fernandes Thomaz: - Isto não se póde votar, porque já está decidido o contrario: se acaso ha alguma indicação, apresentem-na por separado.

O senhor Miranda: - O amor da patria não he uma consequencia das instituições poéticas: por isso não quizera eu que se tratasse disto assim; porque se dá por uma consequencia do amor do cidadão,. aquillo que he um rigoroso dever seu.

O senhor Castello Branco: - Senhor Presidente, vejo adoptado nesta Assemblea o principio de que o amor da patria não he um dos principaes deveres do cidadão. Conheço claramente a razão porque se rejeitou este principio; foi porque se entrou em escrupulo, sobre se devia ser ou não primeiro o dever de ser religioso, justo, e benefico; e a escrupulosidade dos membros do Congresso não póde soffrer que se pozesse em primeiro lugar o amor da patria, com preferencia áquelles principios. Entre tanto estou firmemente persuadido que uma Constituição politica, uma Constituição que vai dar toda a solidez á sociedade civil, não deve ser feita por pregadores de moral; mas sim, e unicamente, por filosofos. A religião he uma instituição sagrada; amoral religiosa he muito sagrada; ellas constituem os primeiros deveres do homem; mas não são taes certamente os primeiros deveres do cidadão, quando os olhamos com relação á patria. Para o cidadão, a patria, o amor da patria, a utilidade da patria, he o primeiro de todos os deveres. Por tanto, ou se ha de estabelecer este principio, o que já não póde ser, porque a Assemblea votou o contrario; ou não se deve dizer, que o amor da patria, he um dos principaes deveres, quando he justamente o primeiro. Eu não posso convir nisto, e convirei antes que se exclua inteiramente esta idéa, do que apresentala debaixo de um ponto de vista, que a faz apparecer com menos dignidade, do que justamente lhe compete.

O senhor Bispo de Beja: - ...

O senhor Presidente: - Eu proponho á votação (pois tal me parece que he o voto de uma grande parte do Congresso) se se ha de expressar, que o amor da patria he um dos principaes deveres do cidadão? Decidiu-se que sim.

O senhor Presidente: - Vamos propor agora a. segunda parte do artigo.

O senhor Freire: - Eu me opponho com todas ás minhas forças a que se proponha essa segunda parte, como consequencia do que se acaba de vencer. Talvez se veja no futuro o resultado de não ter estabelecido, como o primeiro dever, o amor da patria; mas já que isto não se tem feito, insisto tanto quanto posso, em que desta segunda parte se faça um artigo separado, considerando o que nelle se inferia, como obrigações; e dizendo claramente, o cidadão he obrigado, etc. (Apoiado, apoiado).

O senhor Fernandes Thomaz: - Um artigo separado, e anteposto. O já vencido deve ir no fim, para que não se crêa que he consequencia daquelle principio.

Depois de mais alguma discussão adoptou-se um novo artigo, substituido pelo senhor Castello Branco, e concebido nos termos seguintes:

Amar a patria; defendela com as armas quando for chamado pela lei; obedecer á Constituição e ás leis; respeitar as autoridades; e contribuir para as despezas do Estado, - são os principaes deveres do cidadão.

Propoz o senhor Presidente só entre estes deveres se havia de enumerar tambem o respeito á religião, e venceu-se que sim.

Leu o senhor Secretario Freire duas indicações, uma do senhor Serpa Machado, e outra do senhor Barreto Feio, a fim de que se remettão ao Congresso certas informações relativas ao General Lecor.

O senhor Guerreiro: - Parece que póde haver casos em que não se possão fazer communicações nem ainda á Mesa; por isso sou de parecer que se dissesse, não havendo inconveniente.

O senhor Presidente: - Pois póde haver algum inconveniente em que o Congresso seja informado de algum objecto de utilidade, ou de segurança publica?

Póde, póde (disserão alguns dos senhores Deputados).

Depois de alguns momentos de hesitação do Congresso, relativamente á conveniencia ou inconveniencia de se mandarem vir as informações, e de se tratar dellas em Sessão publica ou secreta, disse

O senhor Castello Branco: - Não póde entrar em duvida, que o Soberano Congresso deve ser instruido de tudo quanto for a bem da Nação. Se o Soberano Congresso não deve tomar conhecimento, quem o ha de tomar? Devemos deixar o interesse da Nação in-

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leiramente entregue nas mãos do poder executivo? Entretanto não tenho duvida, que se for necessario, se trate de alguns objectos em Sessão secreta; mas para isto deve o Soberano Congresso autorizar o Presidente para que achando que ha alguma cousa, que o interesse da patria não permitte publicar, se trate disso em Sessão secreta. (Apoiado, apoiado).

O senhor Fernandes Thomaz indicou se dissesse ao Governo, que era necessario verificar quanto antes a remoção do Governador, e Bispo da Ilha Terceira; independentemente da resolução das Cortes sobre as attribuições de que deve ir revestido o novo Governador, que o deve substituir; e ficou reservado este negocio para a sessão seguinte, quando a Commissão do Ultramar desse sobre elle o seu parecer.

O senhor Freire leu pela primeira vez uma indicação, assignada pelos senhores Correa Telles, Correa de Seabra, e Castello Branco Manoel, em que propunhão que no caso de passar a doutrina do artigo 19, se limitasse a accusação de infracção aos casos unicos, em que a Constituição impõe pena ao infractor.

Designou o senhor Presidente para ordem do dia os pareceres das Commissões.

Levantou-se a sessão ao meio dia. - João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

OFFICIOS RECEBIDOS DO GOVERNO.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor - Sua Magestade manda remetter a V. Exc.a, para o fazer presente ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, a representação inclusa da illustrissima Camara da cidade do Porto sobre o plano que fez delinear para o monumento de pedra, que se hade erigir na Praça da Constituição da mesma cidade; pois que parece pertencer á mesmas Cortes a decisão deste negocio.

Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 21 de Julho de 1821 - Senhor João Baptista Felgueiras - Ignacio da Costa Quintella.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - S. Magestade manda remetter a V. Exca., para o fazer presente ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, o requerimento de Theresa Maria Rosa, com a informação do Chanceller da Casa da Supplicação, que serve de Regedor; porque parece que as providencias que este magistrado lembra estão fora da esfera do Poder executivo.

Deus guarde a V. Exc. Palacio de Queluz em 21 de Julho de 1821. - Senhor João fausta Felgueiras. - Ignacio da Costa Quintella.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - S. Magestade manda remetter a V. Excellencia, para o fazer presente ás Cortes Geraes e Extraordinaras da Nação portugueza, a consulta do Conselho da Fazenda, e mais papeis relativos a pescarias, que neste momento chegarão a esta Secretaria de Estado dos dos Negocios do Reino; e com esta remessa ficão cumpridas as ordens das Cortes a este respeito.

Deus guarde a V. Exc. Palacio de Queluz em 21 de Julho de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras. - Ignacio da Costa Quintella.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Dando cumprimento em parte ás ordens das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, tenho a honra de remetter a V. Exca. as copias dos titulos por que forão creados os lugares de Director das fabricas resinosas, cultura, e sementeira dos pinhaes de Leiria, do Thesoureiro, e Escrivão dos ditos pinhaes: uma relação dos navios de guerra, charruas, hiates, e mais embarcações pertencentes ao Estado, que actualmente se achão da linha para o Norte; em a qual se nota a sua força, serviço a que podem ser applicadas, e prontificação em que se achão: uma participação do estado actual do Conselho do Almirantado, o qual fica prontificando a collecção de leis, alvarás, etc., que apenas me for remettida enviarei ao Soberano Congresso: assim como o que pela Junta da Fazenda da Marinha for satisfeito, em consequencia do aviso de 2 do corrente, ao qual ainda não tem dado o devido cumprimento. Remetto a escalla dos officiaes de marinha, e uma relação dos que são mais antigos, que os promovidos em 24 de Junho do presente anno, cumprindo por este modo o aviso das Cortes de 19 do corrente.

Deus guarde a V. Exc. Palacio de Queluz em 21 de Julho de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - Joaquim José Monteiro Torres.

Redactor - Galvão.

LISBOA, NA IMPRENSA NACIONAL.

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