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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 143.

SESSÃO DE 3 DE AGOSTO.

Aberta a Sessão sob a presidencia do senhor Faria de Carvalho, leu-se e approvou-se a acta da Sessão antecedente.

senhor Secretario Felgueiras mencionou o seguinte

OFFICIO.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Manda ElRei pela Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda, remetter ao Soberano Congresso a Consulta inclusa do Conselho da Fazenda de 30 do mez passado, sobre o requerimento dos fabricantes e proprietarios de fabricas de costumes, em que pedem isenção de todos e quaesquer direitos e impostos tanto nas suas manufacturas, como nas materias necessarias as ditas fabricas, porque podendo a resolução desta Consulta encontrar-se com as futuras providencias legaes a respeito destes objectos, e para que haja todo o accordo, entendeo Sua Magestade que não devia deferir-lhe. O que V. Excellencia fará presente no mesmo Congresso.

Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 2 de Agosto de 1821. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor João Baptista Felgueiras. - Francisco Duarte Coelho.

Remettido a Commissão de Fazenda, e das Artes.

Mencionou mais o mesmo senhor Secretario uma representação da Camara do Funchal sobre varios objectos de utilidade publica relativos a commercio, agricultura, artes, instrucção publica, etc., que se remetteu a Commissão do Ultramar, para de lá se dirigir as outras Commissões segundo as materias pertencer: e o offerecimento que Joaquim de Castro da Fonseca e Sousa faz para a caixa da amortização da quantia de duzentos mil reis de juro de um padrão de emprestimo antigo, que lhe deve o Senado da Camara desta Capital, que foi ouvido com agrado, e se mandou remetter ao Governo.

Deu conta da ultima redacção do Decreto relativo ás marinhas novamente constiuidas em terrenos roubados ás marés, que foi approvado.

O senhor Gomes de Brito apresentou uma felicitação dos moradores da Freguezia de Nossa Senhora da Graça da Commenda, Comarca do priorado do Crato, que ao mesmo tempo expõe os vexames, que lhe resultão de pertencerem ao termo de Belver em razão da distancia, de remetter de permeio o no Tejo e de outras circunstancias, que apontão; foi ouvida com agrado, e remettida á Commissão de Estatistica.

O senhor Franzini leu a seguinte indicação

Na Sessão de hontem desapprovou este Soberano Congresso o parecer da Commissão Militar, relativo á supplica do ex-Brigadeiro Telles Jordão, que pedia ser reintegrado na sua antiga patente, sem preceder a justificação, a que o habilita o Decreto de 14 de Abril passado. Esta resolução mantendo a dignidade devida a observancia das Leis emanadas deste Augusto Congresso, não obsta á generosidade da Nação Portugueza, á qual não póde esquecer que este cidadão em outros tempos combateo com valor contra os inimigos da Patria. Lembra-se tambem que destituido de meios pecuniarios talvez não podesse sustentar a justificação, que o seu credito imperiosamente exige.

Tão poderosos motivos me animão a propor ao Soberano Congresso, que attendendo ás particulares circunstancias que concorrem no cidadão Telles Jordão, haja de conceder-lhe, a titulo de pensão, a quantia de quarenta mil réis mensaes, que deverá começar no 1.° do corrente mez de Agosto. - Mariano Miguel Fianzini.

Leu-se esta indicação pela primeira vez.

O senhor Gomes de Brito: - Eu não posso ap-

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provar aquella moção. Aquelle homem he culpado aos olhos da nação, e por isso mesmo neste Soberano Congresso se decidiu, que não fosse restituido ao seu posto antes de se justificar; justifique-se: não entro na questão se he justa a sua demissão, justifique-se, e depois de justificado seja restituido ao seu posto: mas ser a nação generosa de um modo destes, quando inda agora ha poucos minutos acceitou uma offerta do duzentos mil reis; não posso convir em similhante moção. Muito embora se lhe de uma gratificação, ou se lhe de alguma cousa por esmola da nossa algibeira, mas não outra cousa.

O senhor Franzini: - Entre tanto não devemos esquecer, que elle he um homem que fez serviços á nação, que está destituido de todos os meios, que talvez mesmo se não possa justificar por falta destes meios; por tanto não se devendo a Nação esquecer dos serviços, que elle lhe fez, era de parecer que se lhe desse esta pensão até se justificar, e não se justificando, que se lhe tire.

Procedeu-se á chamada nominal, estavão presentes 93 dos senhores Deputados, e faltavão os senhores - Arcebispo da Bahia - Sepulveda - Soares Franco - Figueiredo - Pereira da Silva-Ferreira Borges - Bastos - Rebello da Silva - Borges Carneiro - Martins Coito - e Ribeiro Telles.

Passou-se á ordem do dia, e entrou em discussão a segunda parte do ultimo periodo do artigo 20 do Projecto de Constituição, que he a seguinte = Delle se fará conveniente divisão por provincias, comarcas, e concelhos. =

O senhor Macedo: - Primeiramente está manifesto que depois de supprimida a primeira parte do artigo, a segunda deve ser concebida com alguma alteração; mas ainda que se alterem os termos acho alguma inexactidão na doutrina, por parecer que se estabelece uma nova divisão, quando ella he conforme com a actual. Em segundo lugar parece-me incoherente falar aqui em comarcas: as differentes partes da Constituição devem ter coherencia entre si: uma vez que se diz que se fará a conveniente divisão por provincias, comarcas, e conselhos, intendendo nella por comarcas uma certa porção de territorio, que faz parte da provincia com autoridade civil, a que se chama Corregidor, não achando eu em os differentes lugares da Constituição lugar algum em que se trate deste Magistrado, creio, que não he da mente dos autores do projecto, que exista tal autoridade: e senão he da mente que exista esta autoridade com o titulo de Corregidor, isto he, Presidente de comarca; segue-se, ou que não se ha de fazer aqui menção de comarcas, ou que em lugar competente se deve tratar de Corregidores.

O senhor Pinto de Magalhães: - Assento que as divisões do territorio são objecto de grande ponderação para a felicidade dos povos, por tanto desejaria que se imitasse antes o exemplo das nações, que tem feito da divisão do territorio uma lei constitucional; e que a denominação de conselhos fosse substituida por districtos.

O senhor Freire: - Creio que o fim dos autores "Io projecto da Constituição foi pôr uma divisão, sem que por ora pertendão excluir o que hoje se chama districto.

O senhor Moura: - Ha uma razão muito forte, alem das que se apontarão. He necessario que haja esta divisão de conselhos, comarcas, e provincias; porque a representação da nação se faz por meio de eleições, e a divisão de comarcas, por isso vem a ser uma divisão constitucional, ainda que não seja judicial; a judicial está feita por provincias, districtos, ou julgados; mas a divisão constitucional está feita por provincias, comarcas, e districtos; porque nos districtos e comarcas ha de haver eleições, e nas provincias ha de haver administrações provinciaes; logo não obsta para que haja de admittir esta divisão, o não haver para o futuro um Magistrado judicial na cabeça de comarca. Em quanto á pouca exactidão da denominação de conselhos, eu não duvidaria nada de adoptar qualquer denominação, uma vez que se adopte a divisão treplicada. Não duvidaria adoptar para terceira divisão a denominação de conselho, districto, ou julgado. Districto he uma porção de territorio aonde ha uma camara, cuja camara he presidida por um Juiz Letrado ou ordinario, e a isto he que se chama promiscuamente districto, conselho, e julgado; a denominação he indifferente, e eu serei propenso a adoptar qual das tres que queirão, com tanto que se adopte a divisão treplicada porque he conforme ás eleições, e não desdiz da denominação até aqui usada; porque os Redactores tiverão em vista o servirem-se sempre das denominações mais trilhadas pela linguagem popular, por não obrigar os póvos a aprender lingua nova. (Apoiado, apoiado.)

O senhor Miranda: - Sou de opinião que se não altere a linguagem, entre tanto acho um inconveniente mui grande, he necessario adoptar todos as divisões que refere a Constituição: a Constituição diz que se ha de fazer divisão no territorio por provincias, comarcas, e conselhos: agora porem parece-me que he necessario uma quarta divisão, que se póde designar por termo, districto, ou julgado, mas he necessario definir bem o que he conselho ou julgado.

O senhor Moura: - Os Redactores da Constituição tiverão outra cousa em vista, e nisto forão de acordo na divisão respectiva ao exercicio do Poder judiciario. No Poder judiciario considerarão-se sómente Juizes de primeira instancia, segunda e terceira (se quer admittir-se que a revista póde ser considerada como terceira instancia nos casos em que ella póde ler lugar.) Logo, considerando só esta triplicada divisão do exercicio do Poder judiciario, quizerão conserver com proporção a ella a divisão do territorio, dando por Juiz de primeira instancia o Juiz ordinario ou Letrado, que pertence a cada conselho, e por Juizes da segunda instancia os das Relações estabelecidas nas capitães das provincias; e por Juizes da terceira instancia os do Tribunal Supremo. Considerarão mais os Redactores que em todos os districtos ou repartições, aonde houver Juizes Letrados de primeira instancia, ha de haver um conselho que presida aos negocios administrativos, no qual haverá Juizes Letrados, considerando só as funcçòes judiciarias;

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de maneira, que os Redactores da Constituição considerando, que aonde havia uma camara, (ou onde houvesse de haver uma camara que regulasse os negocios administrativos) havia de haver um Juiz Letrado, a quem ficasse o explicar as funcções judiciarias, achou que sempre havia de haver correspondencia entre a ca mera e o julgado, e considerou por isso que conselho, julgado, e districto era tudo o mesmo, e que nisto ia de acordo não só com o systema constitucional, mas tambem com o judicial e administrativo. Este acordo he que julgarão, que havia nas materias constitucionaes: e eis a razão porque não fizerão a divisão.

O senhor Miranda: - Mas nisso he que eu acho inconveniente, quando se diz que em cada camara ha de haver um Juiz de; letras, isto tem um inconveniente muito grande, porque no artigo 36 se faz menção de conselhos de 300, 400, e 600 fógos, etc. He necessario que as camaras se facão sem incommodo das partes, que os lugares de letras sejão bem pagos para lhe tirarem a tentação de furtarem, sendo os conselhos pequenos he necessario, que em cada conselho não haja um lugar dei letras, porque elles hão de ser pagos; daqui provinha o augmentarem-se muitos ordenados, o que não convem porque he necessario que os conselhos nem sejão muito grandes, nem muito pequenos, mas que tenhão certa proporção: em consequencia insisto, em que haja uma divisão entremedia entre camaras e julgados: por isso que não póde ser de modo nenhum, que á testa de um conselho esteja um Juiz de letras.

O senhor Moura: - A primeira objecção do senhor Miranda he deduzida do artigo 36. Mas a sua disposição não inclue na decisão sobre que discutimos, porque o artigo 36 não determina que numero ha de ter um districto ou conselho, e se ha de ter menos de trezentos fogos, ou mais. O artigo 36 fala na hypothese, se tiver mais, ou tiver menos, e não prescreve o numero. Em consequencia não póde influir no que se está descutindo. Em segundo lugar, o que diz o illustre Deputado de ser necessario fazer uma quarta divisão, não me parece actualmente exacto. Eu digo que a divisão do territorio, ou se faca attendendo á superficie, ou attendendo á população, ou attendendo ás razões compostas de superficie e de população; sempre he certo, que uma quantidade de terreno dado, ha de necessariamente ter uma autoridade, que presida ao exercicio do Poder administrativo, e outra que presida ao exercicio do Poder judiciario; porque em toda a qualidade de territorio se ha de dar a necessidade do exercicio do Poder administrativo e judiciario. Se os planos, ou quadros da divisão hão de ser maiores, ou menores, a prudencia legislatoria o decidirá, attendendo que se elles forem menores, ainda que tragão menos despezas, trazem menos utilidades. Não nos illudamos com as despezas; devemos assentar, que os Governos constitucionaes trazem maiores despezas na administração publica, do que os Governos despoticos; e devemos ter por certo, que se os governos despoticos, onde existe o poder na mão de um só, e a seu arbitrio a destribuição das rendas publicas, tudo hia mal, e tudo se dispendia em prodigalidades, e em prevaricações, o que agora com o Governo constitucional pouparemos neste artigo, e devemos applicar ao pagamento dos empregados publicos. Nós devemos trabalhar para que os empregados publicos sejão bem pagos, porque daqui he que depende a felicidade dos povos. O que fazia a desgraça dos povos até aqui, era o ter que ir ao Porto tratar de uma demanda, ter que vir a Lisboa; isto he que fazia a desgraça dos povos. Muitos cidadãos antes querião perder os seus direitos, do que intentar acções para as revindicar. He verdade que ha de haver maiores despezas, torno a repetir, na administração da justiça, mas no entretanto ella ha de ser bem administrada. He o que se me offerece a dizer.

O senhor Correa de Seabra: - A divisão do territorio he connexa com a organização das cameras, e essencialmente ligada com a forma das eleições, que se adoptarem, e distribuição dos julgados; por isso esta materia deve ser adiada para depois daquellas doutrinas: sendo por agora inutil qualquer discussão a este respeito.

O senhor Fernandes Thomaz: - Parece que esta duvida cessaria uma vez que se acrescentasse neste artigo a mesma clausula que traz a Constituição Hespanhola no artigo 11. No meu entender não me parece bem que na Constituição se marque já definitivamente que o districto, e terreno de Portugal ha de ser dividido em Provincias, Comarcas, e Concelhos. He certo que esta he a nossa actual divisão, e os povos estão costumados a ella, e creio que se não tem dado mal, e só se tem dado pela má divisão absurda que tem feito de Provincias, Comarcas, e Concelhos. Mas logo que ella fique na proporção que deve ter, os povos nem por isso hão de sentir incommodos; e não gostão que se altere até os nomes, e o methodo, porque se achava feita a divisão. Com tudo como isso depende de trabalhos que ainda se não fizerão, parecia-me que se accrescentasse a mesma clausula, que se acha na Constituição Hespanhola, e vem a ser, delle se fará conveniente divisão segundo as circumstancias o exigirem; com isto fica salvo tudo; porque agora não póde estar a discutir-se esta materia, nem he aqui lugar conveniente de discutir, se ha de haver Concelhos, se uma Camara ha de presidir a cada Concelho, etc. Assim se vem a combinar as differentes opiniões, e até a ultima do senhor Correa de Seabra, quando diz, que isto deve ficar adiado. Isto depende de lei particular, que ha de regular isto, e aqui não se póde regular, e por isso determinar que se ha de fazer, he concorrer para que fiquemos com as mãos ligadas para se fazer de outro modo, se parecer melhor, que elle se faça de outro modo, e deixar de determinar alguma cousa não me parece bem, porque na Constituição deve ficar determinada a necessidade da divisão; agora o modo porque a divisão se ha de fazer, isto depende de circumstancias.

O senhor Luiz Monteiro. - Ouvi dizer que ha de haver mais despegas nos governos constitucionaes do que nos governos absolutos, e despoticos: assustou-me isto, porque sempre entendi que os governos constitucionaes devião ser mais reformados, e devião

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ter menos despezas que os governos despoticos, onde se repartem muitos empregos a arbitrio, sem motivo nem razão, e olhando mesmo para a experiencia dos outros paizes me assustou muito o principio que dizia era preciso estabelecer hum Juiz de Fora em cada districto, relação, e em todas as provincias, etc. Eu vejo em Inglaterra, aonde ha quatro vezes mais população que em Portugal, altévejo eu só 12 Juizes Letrados, e os povos em lugar de irem procurar os Juizes, vão os Juizes ter com os povos, e vejo que a Justiça anda bem administrada, tudo julgão os Juizes leigos com seus assesores, e só quando ha negocios de maior importancia, são decedidos pelos Juizes de Assizes que são de quatro em quatro mezes, e acho que as despezas devem ser muito mais deminutas do que se ouvessem relações estabelecidas em toda aparte, por consequencia não posso admittir aquelles principios.

O Senhor Moura - Isto não he objecto de discussão, e ale eu mesmo não quero interromper a ordem do dia, entretanto queria eu que o illustre Preopinante me dissesse se elle concede que o systema de administração da justiça em Inglaterra seja o prosotipo da exactidão, e da regularidade, e que não ha já nella cousa nenhuma que se deva alterar. Bentham (que he hum dos Inglezes) chama aos Juizes das chamadas Assines, Juizes de bolas, e esporas, que andão pelas terras, e conhecem muito superficialmente dos negocios. E ainda que sejão puros, e integios (o que realmente se lhe deve concedei, porque são ricos, e bem pagos) com tudo eu não sei que a administração da justiça em Inglaterra seja Prototipo, e que se deva seguir sem excepção. Que quer dizer um Juiz que chega a um condado, onde tem de se demorar pouco tempo, e se lhe apresentão uma immensidade de negocios para decedir? Pergunto se este Ministro os poderá decidir bem.

O senhor Luiz Monteiro: - Isto he muito inexacto, os Juizes não andão de botas e esporas, os Juizes de Assizes que vão de huma parte para a outra são dos maiores homens de Inglaterra estes homens de botas e esporas andão em canoagens, e são muito bem recebidos por toda a parte.

O Senhor Moura: - Eu não sou o author da expressão das boias e esporas he o illustre Bentham...

O Senhor Abbade de Medrões: - Eu aqui tenho ouvido falar sobre a divisão das Provincias, comarcas, e distritos; o que eu sei dizer he, que nas Provincias, quando lhe falarão em repartirem em juntas Provisionaes lugares e destrictos, ficárão contentes, porque julgárão que não ião lá os Corregedores, quando lerão a lei da liberdade da imprença julgarão outra cousa, ficarão muito tristes, porque julgárão que ião lá os Corregedores, por tanto he necessario que sempre haja uma declararão, e que nada de Corregedores.

O senhor Peixoto - Parece que não he neste lugar que se deve decidir o Systema da divisão.

O Senhor Annes - Isto he o mesmo que eu ia a dizer, a divisão hade ser conforme aos systemas de elleições, por isso concordo com os Preopinanles, que tem dito que esta segunda parte do paragrafo seja adiada, para que ella seja hum resultado das deliberações definita as, que o Congresso houvesse de tomar paia o futuro sobre esta materia.

O senhor Santos - Sou tambem de parecer que deve ficar adiada.

O senhor Franzini: - Eu tenho trabalhado sobre esta divisão do territorio, e hei de apresentar os meus trabalhos, por isso julgo que deve tambem ficar adiada.

Decidiu-se que ficasse adiada a discussão.

Passou-se a discutir o artigo 21 que he o seguinte.

21. São Portuguezes:

I. Todos os homens livres nascidos, e domiciliados no territorio portuguez, e os filhos delles.

II. Os que nascerão de pai estrangeiro, e mal portugueza, com tanto que possuão bens de raiz no territorio portuguez, ou nelle tenhão algum estabelecimento de agricultura, industria, ou commercio, com residencia de seis annos pelo menos.

III. Os que, nascendo em remo estrangeiro de pais portuguezes, vierem para o territorio portuguez, e jurarem a Constituição.

IV. Os filhos illegitimos de mãi portugueza, ainda que sejão espurios.

V. Os estrangeiros, que obtiverem das Cortes carta de naturalização

VI. Os escravos nascidos nas possessões ultramarinas, que alcançarem alforria.

O senhor Castello-Branco Manoel. - Parece que este artigo deve ser reduzido a termos mais simples, porque elle he algum tanto impolitico, tem algumas cousas redundantes, e alguma cousa de contraditorio. Por tanto principiando a analizalo, diz o artigo que são portuguezes todos os homens livres, e nascidos Logo para ser portuguez he preciso que seja homem livre, nascido, e domiciliado no territorio portuguez. Sobre isto faço as seguintes reflexões Assim como tolos os individuos tendem ao seu augmento, assim tambem a sociedade, que he hum corpo moral, deve procurar engrandecer-se de alguma forma, quando isto não redunda em prejuizo de terceiro. Se nos queremos que para ser portuguez se verifiquem os requisitos de que o individuo seja nascido no territorio portuguez, vamos de algum modo concorrer que esta mesma nação se não augmente, e não procure o seu engrandecimento. Diz-se grande uma nação, não só em consequencia da extensão do seu territorio, mas em consequencia da sua riqueza, em consequencia da sua população se acaso he necessario para ser portuguez o ser nascido em Portugal, nos em lugar de termos muitos individuos talvez nascidos em paizes estrangeiros, vamos a perdelos, e a fazer a nossa Constituição menos franca que a hespanhola. A hespanhola não exige, nem diz que para ser hespanhol seja essencial nascer na Hespanha, basta que seja domiciliado na Hespanha. A Constituição hespanhola diz mais, que qualquer individuo ainda sendo escravo, alcançando liberdade na Hespanha, os libertos que alcanção a liberdade ficão sendo Hespanhoes. Por tanto esta circunstancia de serem nascidos restringe o que devemos, ter muito em vista, que he a população. A expressão domiciliado he redun-

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dante, porque ou elle ha de ser nascido, e domiciliado em Portugal, ou não. Se nascido tudo está compreendido nas primeiras palavras; senão ha de ser nascido, então basta o que diz no terceiro periodo: por tanto parecia-me que se devia cortar a palavra nascido, e dizer-se todos os homens livres, e domiciliados no territorio portuguez, e os filhos delles não domiciliados que vierem para o territorio portuguez são cidadãos; e fica assim comprehendida toda a doutrina do paragrafo. Depois disto disse, que me parecia redundante, porque dizendo-se no artigo 6.° os escravos nascidos nas possessões ultramarinas, que alcançarem carta de alforria: se daqui se suppõem que elles hão de nascer em Portugal ou na America nas possessões ultramarinas, que devem ser domiciliados, concedo que tudo esta comprehendido na primeira parte. Disse que me parecia mais injusta, porque dá mais direitos a um homem, que não nasce no territorio Portuguez, do que a um homem que nasce de pais Portuguezus em territorio estrangeiro.

O senhor Pinto de Magalhães: - São Portugueses. (Leu o artigo) Creio que os Redactores da Constituição tiverão em vista o distinguir os direitos, que são meramente civicos, e os que dizem respeito ao gozo dos direitos politicos, por consequencia creio que quando diz Portuguezes, quer dizer gozão dos direitos civicos: diz mais o artigo: todos os homens livres; creio que os Redactores da Constituição tiverão em vista esta addição da palavra livres as nossas possessões ultramarinas, onde se conserva a escravatura: julgando que os escravos não poderão ter o gozo dos seus direitos: porem eu não acho exactamente redigido este artigo, quando diz e domiciliados; esta palavra domiciliados he um termo vago. Que quer dizer domiciliados? Isto he um termo vasto: quereria saber por onde a Commissao regulou este domicilio, se o regulou por leis civis, ou se o deixou sem ser regulado: eu assento, que se a Commissão se referiu ás leis, não sei que hajão leu que regulem o domicilio, a não serem a Ordenação liv. 2.° titulo 56 quando trata do tempo necessario para adquirir o privilegio de visinho, e do titulo se quando exige 10 annos de domicilio.....Eu assento pois,
que uma lei constitucional deve marcar já, quantos annos são necessarios para ser natural do Reino.

O senhor Moura: - A razão porque a Commissão não julgou necessario fazer a declaração a este respeito, foi porque teve em vista, que a lei que regula o domicilio he uma lei imperfeita, e que merece reforma: mas considerou tambem, que a lei, que deve regular o domicilio não precisa ser uma lei constitucional; mas sim que deverá fazer parte do Codigo civil, assim acontece em todas as Constituições da Europa; isto he reservado ao Codigo civil da Nação, onde se estabelece esta lei e este direito. Eis a razão unica para não marcarmos quaes os annos necessarios para se considerar o cidadão domiciliado, deixando isto para o Codigo civil, julgando não dever fazer objecto de uma lei constitucional.

O senhor Fernandes Thomaz: - Mas eu estou pela opinião do Preopinante, que diz que o termo de domicilio he vago, não se póde empregar aqui; pois que senão acha definido pela Constituição, não se póde fazer uso de um termo, que importa um direito; sem elle estar definido; porque aqui, domiciliado, importa não menos que ser Portuguez: por tanto he necessario dizer em que consiste ser domiciliado, se consiste em nascer e viver em Portugal, seria uma contradicção, que todo aquelle, que tendo nascido em Portugal viajasse para fora do Reino, perdia a qualidade de Portuguez, e eu julgo que não, porque no artigo 23 não se diz que a qualidade de cidadão Portuguez se perca por sair para fóra do Reino, ou por andar por fora do Reino; por isso se he preciso para ser Portuguez nascer e viver em Portugal; segue-se que os que andão viajando perdem a sua qualidade de cidadão Portuguez: e não intendendo por isto, então não sei o que se intende, e creio que a todo o mundo ha de acontecer o mesmo, por tanto assento que he necessario definir.

O senhor Moura: - Que he necessario o definilo he verdade, que he necessario reformar a imperfeição da Legislação actual he outra verdade. Se ha de ser aqui, se no Codigo civil, isto he objecto de discussão. Não posso ainda assim mesmo convir que seja tão vago o termo domicilio entre nós. Vejão-se os lugares da nossa ordenação em que se refere ao titulo do Codigo de Justiniano de Incolis, dizendo que o cidadão adquire um domicilio logo que se transporta para um territorio com animo de habitar nelle. Este animo de habitar collige-se, porque transporia para ali a sua familia, transporia para ali os seus moveis, e adquire bens de raiz etc. Pôr tanto o animo de habitar he o que denota o animo de se domiciliar; isto he o que se collige da ordenação que toda se refere (como disse) ao Codigo de Justiniano no titulo de Incolis. Isto não he tão vago; mas sempre he imperfeita a nossa Legislação, e carece de reforma. Se deve ser aqui, ou no Codigo civil carece de discussão.

O senhor Fernandes Thomaz: - Eu pugno pela necessidade de declarar-se o que seja domicilio.

O senhor Deputado Braamcamp leu os artigos seguintes do projecto de Constituição por serem connexos com o artigo em discussão.

22. São Cidadãos Portuguezes:

I. Os que por ambas as linhas forem oriundos do territorio Portuguez, e nelle adquirirem domicilio.

II. Os Estrangeiros já naturalizados, que obtiverem das Cortes caria de cidadão: a qual sómente se concederá aos que se estabelecerem no Reino com um capital considerarei: introduzirem nelle alguma invenção ou industria util: ou fizerem á Nação alguns serviços relevantes.

III. Os filhos de Estrangeiros que, havendo nascido em territorio portuguez, residindo nelle vinte annos, vivendo de seus bens de raiz, ou de alguma profissão, officio, ou industria util. A referida residencia senão entenderá interrompida, se houverem saído do Reino com licença do Governo.

23. Perde a qualidade de cidadão aquelle:

I. Que se naturalizar em paiz estrangeiro.

II. Que sem ordem ou licença do Governo residir em paiz estrangeiro por mais de 5 annos continues, ou aceitar emprego ou pensão de Governo estrangeiro.

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III. Que for condemnado por sentença em pena de prisão ou degredo perpetuo.

24. O exercicio dos direitos de cidadão relativos a ordem publica suspendem-se:

I. Por incapacidade fysica, ou sentença que declare a incapacidade moral.

II. Por sentença, que condemne em prisão ou degredo mesmo temporario.

Então disse: no artigo 21, que está em discussão, trata-se de estabelecer o que são Portuguezes, e no artigo 22 o que são Cidadãos Portuguezes.

Logo, partindo do principio de que hade haver differença entre portuguezes, e cidadãos portugueses, creio que, sem se estabelecer este principio, não se póde decidir esta questão. Eu quizera que não houvesse tal distincção de portuguezes e cidadãos portuguezes. O que he cidadão? He todo aquelle homem que he membro da sociedade civil: logo quizera saber, se qualquer portuguez póde com satisfação gozar deste illustre nome, sem que se considere como membro da sociedade civil; logo ou havemos de dizer, que ha portuguezes que não pertencem á sociedade civil, ou havemos de dizer que todos os portuguezes são cidadãos. Agora que poderá fazer-se he estabelecer differença entre cidadãos activos e cidadãos passivos, ou quando se não quizer marcar esta differança, marcar então quaes, os que ficão com exercicio de todos os direitos, e quaes os que não ficão com exercicio delles: mas agora o dizer-se, ha portuguezes que não são cidadãos; esta idéa he muito desagradavel, muito mais quando vejo muitas Constituições modernas aonde se não observa esta distincção.

O senhor Annes de Carvalho: - Pertende o illustre Preopinante que não deva fazer-se distincção entre portuguezes e cidadãos portuguezes, porque acha esta divisão muito injuriosa para os portuguezes, e dar-se-lhe o nome de portuguezes e não o nome de cidadãos. Eu respondo a isto, que todas as Constituições tanto antigas como modernas fizerão distincção entre todos, os que tinhão simplesmente direitos civis e politicos; os gregos e os romanos fizerão esta distincção, todas as Nações antigas, em que houve liberdade, a fizerão tambem; e nos codigos modernos se acha a mesma distincção. Diz o Preopinante que tem lugar de se fazer esta distincção, se deverá dizer que ha uns cidadãos activos e outros passivos; o que significa esta expressão cidadãos activos e cidadãos passivos? Cidadãos passivos he justamente, ou que se chamão portuguezas: cidadãos activos he o que chamamos cidadãos: diz-se que se não intendo bem a palavra cidadão: João Jacques Kosseau diz que estas palavras cidadão e sociedade não se achão bem definidas em diccionario algum moderno, que estas palavras he preciso que sejão definidas, e só o podem ser olhando-se cio sistema politico, que tinhão as antigas republicas: nos governos representativos, que não são Democracias, deve considerar-sc esta distincção pela rasão de que como os direitos da sociedade são mais respeitaveis, que não podem estender-se a todas as classes, e entre tanto que os direitos civicos devem; abranger muitas mais classes, que os direitos de cidadão: que estes se não identificão uns com os outros; mas
admittem uns maior latitude, e outros menos: he pois necessario que se admitia a distincção; e que esta seja feita, Ou com as palavras que marcão estes direitos, ou por outras: com tanto que importem as idéas o mais não me importa.

O senhor Braamcamp: - Diz o Priopinante que os portuguezes são os que gozão dos direitos civicos: e que quer dizer direitos civicos? Direitos de cidadão: isto he vago. Cidadão he o que goza de direito de cidadão, logo por este principio os Redactores não derão a muitos membros da sociedade portugueza a qualidade de cidadão: alem de que a idéa de cidadão he ligada e connexa coma palavra sociedade: o que he sociedade? He a reunião de muitos cidadãos que se reunem para concorrerem para o bem da sociedade: se pois todas as pessoas que entrão nella he com o fim do gozo destes direitos, se em razão delles he que fazem os sacrificios; parece que todas devem dar igual garantia, tendo todas a certeza de que devem ser garantidos com toda a força: por isso não me parece que membro algum da sociedade civil deixe de ser cidadão: agora dizer-se que não pertence á sociedade civil, e dizer que tem direitos civicos parece contradicção.

O senhor Annes de Carvalho: - Direitos civicos não he o mesmo que direitos politicos, e como não seja o mesmo, deve fazer-se uma distincção diferente. Dizer o illustre Preopinante que direitos civicos são os que pertencem á sociedade, e que a sociedade não he outra cousa mais, que a reunião de todos os cidadãos, e que por consequencia todos os que se achão na sociedade devem gozar todos do direito de cidadão, não me parece bem. Que cousa he a sociedade considerada em o seu sentido politico? Não he mais que a reunião de todos os cidadãos, que tem direitos politicos; eisaqui a palavra sociedade em o seu sentido politico, a reunião de todos os cidadãos que tem direitos, politicos. Ora na sociedade portugueza nem todos os que se achão nella podem ter estes direitos politicos: logo nem todos se podem dizer cidadãos em o sentido politico, e em consequencia deverão haver differentes classes de direitos, uns civicos outros politicos.

O senhor Gouvea Durão: - Por mais voltas que eu tenha dado no meu entendimento á doutrina, que organiza os artigos 2l, e 22 deste Projecto de Constituição não me he possivel descobrir razão sufficiente que autorize a differença, que nelles se quer introduzir entre portugueses, e cidadãos portuguezea, e bem polo contrario me occorrem não poucas, que demonstrão os inconvenientes desta viciosa e inadmissivel differença: não acho razão sufficiente que autorize porque ser cidadão se pertencer á cidade; cidade - civitas - na accepção dos romanos de quem adoptamos este substantivo, he sinonimo da sociedade politica da Nação, o que, omittindo outras autoridades bem se prova com Cesar que descrevendo nos seus commentarios a Helvecia disse - civitas Helvetica in quatuor pagos divissa est - e por consequencia indisputavel, ser portugdez, e ser da Nação portugueza, da sociedade portugueza, ou por outros termos, ser portuguez, e ser cidadão portuguez são sinonimos por isso que cidade, nação, sociedade poli-

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tica são sinonimos, perfeitos: vejo bem que os illustres Redactores para nos apresentarem uma tal doutrina quasi copiárão a Constituição de Hespanha, se porem copiala póde e deve ter desculpa naquelles artigos em que ella he digna de servir-nos de modelo, copiala nos artigos em que ella lambem fez differença entre cidadãos hespanhoes, e hespanhoes he copiar erros politicos, que a Hespanha mesma hade reformar na primeira occasião em que chamar á censura de outras Cortes o seu codigo fundamental, fundido entre os horrores de Marte e a mais cruel incerteza sobre os resultados destes, porque dos hespanhoes eu julgo o que dos portugueses disse: ser hespanhol he pertencer á nação, á sociedade, á cidade hespanhola; he ser cidadão dessa nação, ou dessa sociedade: é querer introduzir diversidade onde não ha senão identidade he estabelecer quimeras, sem realidade politica, e sujeitas a mil inconvenientes na pratica: nestes termos se haviamos de pedir auxilio de trabalho alheio melhor fora se tivesse pedido á Constituição Franceza de 1799, 80, e 81 que reconhecendo optimamente todos os francezes por cidadãos francezes, lembrou a differença de cidadãos activos, e deixou entrever a designação de cidadãos passivos em contraposição áquelles; quando a nossa designação auxiliar os nossos principios politicos, nos convenceremos de quanto lhe mais bem fundada esta differença do que qualquer outra, então a ordem mesma de nossas idéas, á convicção dos interesses sociaes desimpedida das sombras que lhe fazem os interesses individuaes, nos indicarão, o cidadão activo no casado, o cidadão passivo no solteiro, porem prescindindo disto, he evidente pelo menos a meu ver, que a differença sobredita de portuguezes, e cidadãos portugueses longe de ter sufficiente vazão em que se funde, he pelo contrario, opposta á significação juridica dos nomes, porem não disse ainda tudo, ella he, sobre não fundada, viciosa. Os illustres Redactores copiando quasi por identicas palavras a Constituição hespanhola nesta parte, não advertírão, que adoptando as ideas desta, sem em tudo seguirem o systema que está seguira, cahião em incoherencias em que esta não cahio: os autores da Constituição hespanhola não designarão os direitos do cidadão hespanhol talvez porque entrevirão as consequencias a que os levaria a differença de hespanhoes" e cidadãos hespanhoes; e no artigo 4.° disserão - a Nação está obrigada a conservar e proteger por leis sabias e justas a liberdade civil, a propriedade e mais direitos legitimes de todos os individuos que a compõem - e eisaqui hespanhoes, e cidadãos hespanhoes gozando dos beneficios sociaes, porém os nossos Redactores lendo principiado pela designação dos direitos do cidadão portuguez, e muito bom; muito melhor do que na Constituição hespanhola em que estes direitos se omittírão, não reparárão nas funestas consequencias que havião de seguir-se da divisão nacional nas duas classes de portuguezes, e cidadão portuguezes, não repararão digo, que sendo aquelles os direitos do cidadão, e havendo cidadãos portugueza, e portuguezes não cidadãos, estos nem tinhão direito de liberdade, de propriedade, e do segurança, nem o dever de amarem a patria, de obedecerem ás leis, ás autoridades, etc. porque tudo isso era privativo dos cidadãos, e não delles, pelo que concluo que a divisão proposta he inadmissivel, que estes artigos devem tornar á redacção, para se adoptar outro sistema divisorio seja elle qual for com tanto que não faça differença entre portuguezes e cidadãos portuguezes, porque ser portuguez e não ser cidadão, será o mesmo que ser portuguez e ao mesmo tempo não ser portuguez, o que involve uma evidente contradicção de idéas.

O senhor Fernandes Thomaz: -- Levanto-me para dizer que nunca gostei da divizão de hespanhoes, e de cidadãos hespanhoes; por isso não me pareceu que sé adoptasse a mesma divizão a respeito de portuguezes, e cidadãos portugueses. Todos somos cidadãos portuguezes, e todos somos portuguezes, se pelo estado de cada um, uma classe goza de menos, ou mais direitos, a Constituição declare aquelles a quem competem esses direitos; mas dizer porque não goza destes direitos não he cidadão, não entendo: todos somos cidadãos, porque todos habitamos a sociedade, todos a constituimos, todos concorremos para o mesmo fim; e nos sujeitamos para obedecer á mesma autoridade, não he conveniente que se deva fazer differença de cidadãos activos, e menos activos; em fim o que eu dezejava, era que não houvesse por uma servil imitação da Constituição hespanhola differença alguma entre portuguezes, e cidadãos portuguezes; pois que todos somos cidadãos.

O senhor José Pedro da Costa: - Eu sou dá mesma opinião, e não entendo esta differença: todos somos cidadãos portuguezes.

O senhor Moura: - Em primeiro lugar isto não he servilismo da Constituição hespanhola: muitas das de França fazem esta differença. De mais disso observo que o escrupulo que tem alguns senhores, he escrupulo de nome; todos creem que ha direitos politicos de que eu gozo, e não goza outro cidadão como eu; logo se perguntarmos porque razão os gozo eu, e não aquelle? A resposta he porque aquelle não he cidadão activo e eu sou cidadão activo. Porque razão eu gozo dos direitos de eleger, e ser elegido; e porque razão o Mendigo (por exemplo) não goza dos direitos de ser elegido nas assembléas politicas nem de eleger? He porque aquelle faltão alguns direitos, que eu tenho; he porque eu tenho demais a mais uma qualidade que elle não tem; porque eu sou cidadão activo e aquelle passivo. Bem está, atéqui he claro. Mas o que quer dizer cidadão activo, e cidadão passivo? Cidadão activo he o que tem a faculdade de obrar, cidadão passivo aquelle que tem só faculdade de soffrer. Assim seja; mas o que he mais cedo, e mais claro he, que eu, e outro cidadão temos direitos politicos que não tem outro. Ha direitos politicos que competem a um, e que não competem a outro; isto he inegavel, todos concordão na essencia; mas não querem a distincção, eu pugno por ella: quanto mais que as Cortes já a sanccionárão no titulo antecedente em quanto convierão que havia direitos, que pertencião a portuguezes como cidadãos.

O senhor Fernandes Thomaz: - Eu insisto porque não haja a distincção: todos somos cidadãos,

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todos somos portuguezes, uns como outros. Mas ah! Um goza de mais direitos, outro de menos? Mas porque? Em razão das circunstancias do estado em que se achão. Diz aqui um §. que se perde a qualidade de cidadão pela demencia, que culpa tenho eu disto? Porque sou demente, não posso votar; já não sou cidadão sou portuguez; mas porque não posso votar não sou cidadão? Não entendo: todos somos cidadãos, gozamos dos mesmos direitos como os mais; se pelo estado em que me acho não posso vo-1ar nas eleições, estes direitos são poucos em relação a outros. Forque razão havemos nós privar de um direito, de ter o nome de cidadão hum homem porque he pobre? Pois que o pobre ha de perder o nome de cidadão? Dizem este homem por exemplo esta maniaco, mas daqui adias he restituido ao seu estado, restitui-se-lhe o direito de cidadão; então porque ha de perder este nome; em fim eu torno a repelir todos são cidadãos, póde ser que qualquer vivendo an sociedade seja privado de qualquer direito particular, mas do nome não ha necessidade nenhuma: disto ninguem poderá privar-me. Não he necessaria a differença cidadão activo, cidadão passivo, isto he um pouco quimerico. O cidadão goza ou não destes direitos, segundo as circunstancias em que se acha; mas deixar de ser cidadão, ser considerado como tal, assento que não he conveniente; responderei ao argumento de que as Cortes sanccionarão que haveria direitos de cidadãos, ou direitos de portugueses, eu não sei se isto he assim; mas não sendo estabelecido nas Bases; decretando-se nellas os direitos de cidadão, e os direitos de portuguezes promiscuamente: poderá fazer-se esta divisão.

O senhor Corrêa de Seabra: - Como entre nós não ha essa differença, que havia entre os Romanos de direito do Quirites, do Lacio, do Latino Junianos, Dediticios, e Provinciaes; parece-me não ser necessaria similhante differença de portuguezes, e cidadãos portuguezes: he verdade que não tendo todos os portuguezes o goso, e exercicio dos direitos politicos, esta divisão de portuguezes, e cidadãos portuguezes parece necessaria por classificar os que tem o exercicio dos direitos politicos, e os que o não tem; todavia por evitar o odioso desta distincção; he melhor que todos os portuguezes se designem por cidadãos portuguezes: o inconveniente que nisso ha remedeia-se redigindo a Commissão um artigo em que se declarem os requisitos, que devem ter os cidadãos portuguezes por terem o exercicio dos direitos politicos.

O senhor Moura: - Tenho só a advertir, que os senhores, que tem este escrupulo, não tem escrupulo na essencia; mas só tem escrupulo na denominação, todos concordão na cousa, (e nisto não ha escrupulo) scilicet "que a um competem mais direitos do que a outro". O escrupulose em quanto á palavra he que deve merecer a consideração do Congresso.

O senhor Annes de Carvalho: - O illustre Preopinante senhor Fernandes Thomaz, diz que era repugnante privar os portuguezes do nome de cidadãos, em segundo lugar disse que não podia conceber que hoje se adquirissem direitos, e que amanhã se perdessem, em terceiro lugar disse, que a distincção era imaginaria. Primeiramente disse que era cousa repugnante o serem privados do nome de cidadão. Pergunto eu agora? O nome de cidadão com direitos, ou sem direitos com direitos, não deve ser repugnante? Que se entende por direitos de cidadão? Vem a ser direitos politicos. Em quanto ao que se diz em primeiro lugar, haver hoje direitos, e amanhã perderem-se; em se examinando o §. se concebe isto admiravelmente; e em quanto a outra observação que se fez, que era quimerica, a distincção de cidadãos portuguezes; eu pençava que um Representante da Nação não consideraria como imaginaria, e como quimerica a distincção dos direitos, pelos quaes elle he constituido Representante da Nação. A Nação já de facto reconheceu esta distincção, já reconheceu de facto a distincção entre portuguezes, e cidadãos portuguezes, a Nação não admittiu todos a votarem; em consequencia desta distincção he que se juntarão em umas, e outras juntas, os que são verdadeiramente cidadãos para nomearem outros; e estes nomearem outros em Representantes da Nação: aqui temos por tanto que está tão longe de ser quimerica esta distincção, que ella he que deu o titulo para ser Representante nas Cortes: em quanto a dizer-se que a distincção he contra ás Bases, não sei que seja contraria ás Bases o explicar-se com maior clareza a palavra que se achava nas Bases, creio que se não excede os limites da autoridade do Congresso, pois que como esta palavra que se achava nas Bases admittia varios sentidos, que o Congresso não excedeu os limites da sua competencia em determinar as suas varias accepções.

O senhor Castello Branco: - Eu entendo Cidadão, todo aquelle que he membro da Sociedade, e faz parte delia: a Sociedade civil estabelece-se por unanime consenso de todos os seus individuos; por consequencia todos concorrem com a sua vontade para a formação da sociedade; todos se obrigão aos mesmos encargos; todos soffrem os trabalhos da sociedade; logo devem ler iguaes direitos: estabelecer o contrario disto, seria estabelecer principios contrarios á essencia da mesma sociedade, seria sanccionar uma injustiça; por consequencia não posso approvar a differença que o § faz entre Portuguezes, e Cidadãos: os Portuguezes constituem a sociedade, os Portuguezes todos são membros desta sociedade, logo todos são Cidadãos: conheço entre tanto que algumas funcções ha que não podem ser exercitadas promiscuamente por Iodos os Cidadãos: advertindo nestas circunstancias todos os publicistas antigos, e modernos tem feito differença de Cidadãos passivos, e Cidadãos activos, já por estas palavras, já por outras equivalentes; entre tanto eu não recearei publicar, que todos os grandes homens que tem escripto sobre esta materia, que a mesma Constituição Hespanhola que se regulou por estes principios inclue verdadeiramente um erro, e um erro claro, logo que se facão sobre isto algumas reflexões. Que estas funcções, a que certos Cidadãos são chamados, trazem comsigo considerações, daqui vejo que todos elles tem dado o nome, de direito politico em contraposição aos direitos,

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que vem a ser gemes a todos os cidadãos, ou a todos os membros da sociedade; eis-aqui propriamente a idéa que tem induzido o erro, e que não póde conciliar-se com os principios da sociedade, em quanto se não desfizer este erro, eu não chamo a isto direitos, chamo-lhe obrigações, onus, encargo da sociedade, considere anda um de vagar estes direitos politicos, e verá que claramente elles não são mais do que encaro-os, não são mais do que ónus da sociedade, por exemplo entre nós no systema Constitucional diz-se, he um direito politico o direito de votar, porque um todos podem sor chamados a esta votação, e ella votação exercitada por todos destruiria, ouse opporia ao mesmo systema Constitucional, he preciso por tanto estabelecer uma lei de differença, e uma qualidade de cidadãos que possão exercitar este direito, e de outra qualidade de membros que o não possão exercitar: chamarei a uns cidadãos Portuguezes, e a outros Portuguezes. Mas pergunto eu? Quando estabelecido o systema Constitucional se procede á votação dos que devem constituir a representação nacional, he isto da minha parte um direito, ou uma obrigação? Quando sou chamado a votar, não devo eu prestar-me segundo a tal? Logo em todo o rigor das idéas vem a ser uma obrigação, e não vem a ser um direito. Quando eu me habilito para certos empregos, para que são com effeito necessarias taes, e taes habilitações, e eu sou chamado a um, ou outro encargo da sociedade, a um officio publico, não tenho obrigação de me prestar a sei vir este officio? Sem duvida; poderá dizer-se que tenho direito a preencher aquelle lugar, e não será mais exacto dizer, que a Nação me chama para o preencher, e que não me posso negar a isso? Parece que sim. Parece que a parte essencial, porque he chamado para aquelle emprego, he porque não póde ser cheio por outro, todo o homem adultera as idéas, e as desvia dos seus principios: na origem das sociedades certamente os encargos dellas, ainda que trouxessem comsigo considerações, não se olhavão como direitos, devião necessariamente olhar-se como encargos, como obrigações, no principio da sociedade referia-se tudo ao bem geral, com o andar dos tempos as idéas se adulterárão, os homens se fizerão mais egoistas, o que he natural, e por consequencia o que era propriamente um encargo, uma vez que trazia proveito, uma vez que trazia consideração, não se olha como direito, porque prescinde-se da idéa de utilidade geral, e olha-se tão sómente á nossa, olha-se os officios publicos como uteis a nós, e não se olhão como uteis á sociedade em geral, para a qual eu elevo concorrer; para a qual deve concorrer cada um nas circunstancias, em que se acha: uns estando habilitados devem preencher aquelles empregos para que o estão, outros não habilitados não os podem preencher: mas não póde deduzir-se daqui que haja differença entre os Cidadãos em geral, e os direitos dos Cidadãos: aquelles que dizem respeito ao bem, ao commodo da sociedade devem ser iguaes para todos, e são geralmente iguaes para todos: o rico, o pobre, o nobre, o pelebeo, o jornaleiro, o artista tem gozo daquelles direitos, que a sociedade póde dar para commodo do homem: mas assento que se
não devem dizer direitos, são prerrogativas, rações, melhoramentos, obrigações que o Cidadão em particular preenche; portanto não receio dizer que todos os que tem escripto sobro esta materia, tem caído em um erro formal, quando chamão a estes encargos direitos, e que desta errada proposição, he que vem todas as difficuldades; chame-se a estes direitos encargos, onus da sociedade, e a respeito do que são direitos dos cidadãos não se faça differençar entre todos os Portuguezes, e todos os Cidadãos.

O senhor Moura: - A este longo discurso do meu honrado Amigo e illustre Membro eu responderei com uma ao reflexão. Todo o discurso consiste em confundir onus, ou encargos com direitos, e em dizer que o mesmo he um direito do que um onus; convenho; mas a isto direi: Se me privão deste onus não tenho direito nenhum a reclamar: privão-me por exemplo do direito de votar; privão-me de um onus; não tenho direito de reclamar. E por isso se ao illustre Preopinante lhe tirarem o direito de votar nas Assembléas Eleitoraes, não se queixe nem reclame que he Cidadão, e que quer votar; pois lhe responderão que he um onus, ou um encargo de que o livrárão, e que só tem direito a dizer - muito obrigado ... - Eis a que conduziria por caminho direito o seu argumento.

O senhor Castello Branco: - Por que os ónus trazem comsigo considerações, he que ha por outra parte direito a reclamar, quando eu estou em iguaes circunstancias, quando tenho igual habilitação para preencher um emprego; uma vez que se me tira delle fez-se-me injuria; por que suppõem em mim que não tenho qualidades necessarias para preencher esta obrigação; realmente a imaginação do homem tudo póde, a imaginação do homem de tudo he capaz, poderá deixar de dizer-se que o ser militar he encargos da sociedade, entretanto não se abraça constantemente o direito (o que se chama direito) de eu no exercito occupar um lugar, que expõe mais proximos ás balas do inimigo o meu corpo, a minha vida, e realmente póde dizer-se que isto he um direito, ou: será uma obrigação? Mas como dessa obrigação provem considerações na sociedade, e o homem, seria perciso que elle deixasse de ser homem, para não ambicionar esta consideração entre os seus similhantes, daqui provem que os homens procurão preencher essas obrigações, procurão até eleger um commodo para morrer com mais facilidade, faz-se disto como um timbre de honra; e trabalhão para conseguir este lugar; tanto póde a imaginação! Tal he a nobre extructura do homem! Taes os meios que a natureza lhe deu para sua propria conservação, e preencher os mesmos fins da sociedade, para que elle se destina!

O senhor Moura: - A força da resposta consiste em que aquelles onus tem qualidades tão relevantes, que se faz injuria ao que se priva delles. E que he injuria? He a privação ou a offensa do jus; eu linha; um direito, priva-se-me deste direito, faz-se-me injuria, logo pelas palavras do Preopinante insisto na minha reflexão. Eu tinha o direito de votar, sou privado deste direito, faz-se-me injuria, porque soffro a

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privação do jus, logo pelas palavras do Preopinante o direito de votar he verdadeiramente um direito, e não he um onus, ou um encargo.

O senhor Serpa Machado: - Sobre a theoría de direitos, e obrigações, assento que a todo o direito corresponde uma obrigação; e que estes dois termos são correlatos. Em quanto á questão principal se se deve fazer differença de Cidadãos Portuguezes, a Portuguezes; eu assento que se acaso os individuos da sociedade gozão de mais ou menos direitos, estando para uns reservados os direitos civis, para outros os direitos politicos, sua grande imperfeição se se não applicasse a differença. A questão reduz-se a genero, e differença. São Cidadãos Portugueses os que gozão da plenitude de todos os direitos, e esta he a denominação geral, ou este he o genero. Este subdivide-se em especies, Cidadãos verdadeiramente taes, e Cidadãos que não gozão de todos os direitos. A questão por tanto vem a reduzir-se a genero e differença; todos conhecem na essencia a distincção destas classes de Cidadãos, conhecem que os individuos da sociedade tem differentes direitos na sociedade, por tanto insisto a que subsista esta, ou outra denominação.

O senhor Franzini: - Eu apoio as reflexões do senhor Fernandes Thomaz, julgo que não deve haver differença entre cidadãos Portuguezes, e Portuguezes; ainda que não exista senão differença de palavras, as palavras tem muito poder, dizer que uns são Portuguezes, outros Cidadãos, acho isto odioso, porque parece que existem duas classes de individuos, uns que tem privilegios muito marcados, outros que os não tem. Por consequencia sejão todos cidadãos portugueses, e depois a lei estabeleça a differença que houver nos individuos paia poderem ler aquelles cargos, ou onus, mas não se diga que uns são cidadãos Portuguezes, outros Portuguezes.

O senhor Braamcamp: - Depois de terem feito tão extensas reflexões alguns dos sabios Preopinantes, eu não pediria a palavra, se as reflexões se reduzissem ao mesmo fim; entretanto não me parece tão importante a distincção dos termos porque ha de designar-se o direito de todos os Portuguezes, como outra distincção que vejo inserta neste artigo, que consiste em designar ainda a differença entre homens livres, e homens escravos. Confesso que me custa a sanccionar este principio, no principio do seculo dezenove, numa assembléa onde vejo residerem as ideas mais liberaes. Todos os homens livres, diz o artigo, a palavra livre creio que deve sei riscada deste artigo vejo que somos obrigados a conservar a escravatura nas possoes Ultramarinas, mas quizera que esta triste necessidade fosse indicada como excepção, e não como regia geral, que ha de regular para todos os nossos vindouros. Quizera que este artigo indicasse, que por ora em quanto senão póde abolir a escravatura faremos esta differença. Proponho pois estas reflexões.

O senho Feio: - Todos os Portuguezes são cidadãos, e todos os cidadãos desta sociedade são Portuguezes; mas assim como nem todos os homens tem as mesmas forças fizicas, assim nem todos tem os mesmos direitos, o direito milhor dos cidadãos he concorrer para a formação das leis, que hão de governar; assim o direito da votação compete a todos, que não tiverem impedimento algum; mas o direito de ser Deputado de Cortes, ou Eleitor, chamo-lhe eu encargo, e honra.

O senhor Xavier Monteiro: - A discussão que tem até ao presente versado sobre a differença de Portuguezes, e cidadãos Portuguezes, sobre a differença de direitos civis, e direitos politicos, cidadãos activos, e cidadãos passivos, não he nova no mundo: tem sido vulgar em todos os Congressos, entretanto todos concordão no fundo da questão! A questão nunca foi senão questão de nome, pois que todos concordão na differença de direitos, chamem-lhe onus, encargos, etc., o caso he, que não existe a differença: o que se trata, he se ha de existir em o nome: os que fizerão a differença de direitos civis, e politicos, estabelecerão estas palavras, que soão o mesmo para designarem os differentes direitos; uns chamarão-lhe civis, seguindo a elyinologia latina, em quanto os outros lhe chamarão politicos, seguindo a etymologia grega: entretanto o caso he, que ha differença nos direitos, e encargos, e concorda-se na differença da cousa, e não do nome. Os Legisladores de Gadiz para marcarem esta diferença, fizerão distincção de cidadãos activos, e passivos: agora pergunto, um cidadão, que obra, e concorre effectivamente para a formatura das leis, não tem um direito differente do direito daquelle cidadão, que não concorre para este fim? Não quero dar-lhe o nome; mas pergunto, as mulheres, os criados, os menores, e os mendigos, que vem a ser mais de metade dos individuos de cada sociedade, e que são excluidos de concorrer para a formação das leis, sejão embora cidadãos, ou Portuguezes; porem sendo obrigados a receber e executor as leis, que os outros fizerão porque não podem nem eleger, nem ser eleitos, em quanto dura o estorvo se de transitorio, ou nunca, se elle he permanente, não constituem uma differença bem real entro estes, e aquelles cidadãos? Logo se ha esta differença nas attribuições, porque não ha de haver differença no nome? A denominação de cidadãos activos, e passivos he propria; mas não digo, que seja esta, que se admitia, seja outra qualquer, pois visto, que ha differença nas cousas, he justo que haja differença nos nomes.

O senhor Pinheiro de Azevedo: - O illustre Deputado antecipou-se, e expoz o mesmo que eu pretendia dizer agora accresccntarei que a divisão de que se trata não foi adoptada arbitrariamente, nem por mera imitação. A palavra cidadão nas duas linguas Hespanhola e Portugueza não tem o mesmo sentido que em as outras, e em direito publico universal. Cidadão na frase juridica de coitos, leis, e diplomas, a excepção por ventura de algumas modernas, significa natural, ou vinho de alguma cidade, ou villa do reino, assim se diz cidadão de Lisboa, d'Evora, Santarem, porque destas cidades competião e competem certos foros, liberdades, e privilegios, como constados seus foraes, posturas, e cartas de privilegios dados por serviços importantissimos, ou por ou-

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tras considerações particulares de publica utilidade. Cidadão no sentido de direito publico não tem nas duas linguas palavra correspondente, senão sómente a frase natural do reino, como se vê na lei de Filippe I. de 1565, e na nossa Ordenarão livro 2.°, titulo 55, e he cousa muito notavel na verdade que em tantos seculos se governassem as duas Nações sem lei que definisse quaes erão os naturaes do Reino: todavia esta falta suppria-se pelo direito municipal, usos, e costumes dos Concelhos, que erão sufficientes naquelles tempos; mas como a constituição, e a liberdade dos cidadãos se respeitava; e fiscalizava depois da conquista de Portugal por Filippe I., tendo-se determinado nas Cortes de Thomar, que os officios e bens da Coroa, commendas e beneficios se dessem sómente aos naturaes, o que no tempo do mesmo Filippe se observou religiosamente: foi necessaria a differença entre os naturaes, e os estrangeiros, porque se fez na Ordenação de livro 2.°, titulo 55, tirada inteiramente da sobredita lei de 1555; isto supposto, os legisladores de Cadiz substituirão a palavra Hespanhola a naturaes do Reino, e os redactores do projecto, a palavra Portuguezes; não fizerão mais do que conformar-se com a sua linguagem e instintuições: assim como nem aquelles adoptárão esta divisão irregularmente, e por mero arbitrio, nem estes por servil imitação; uns e outros tiverão a mesma razão, e boa razão. Outro ramo de divisão serve para designar aquelles Portugueses que gozão justamente dos que se chamão direitos civis, e direitos politicos; aquella determinação he de absoluta necessidade nas leis fundamentaes, julgo pois que a divisão se deve conservar, sem embargo de parecer pura novidade a muitos que não tem podido cahir nu conta, nem nos fundamentos por que foi adoptada.

O senhor Gouvêa Durão: - Senhor Presidente, os motivos a que os illustres Preopinantes redactores do projecto se acolhem para sustentação dos artigos que estamos discutindo, são inteiramente vãos; quando eu lembrei a divisão dos cidadãos em activos e passivos, não foi minha intenção taxar, foi unicamente exemplificar um expediente mais politico, mais sustentavel do que o adoptado pela constituição hespanhola, e transferido desta para a nossa; muito embora seja outra a divisão dos individuos portuguezes, com tanto que esta outra não faça de uma só duas familias como quer fazer a sobredita e impugnada divisão; somos todos Portuguezes isto he, todos somos cidadãos da sociedade portugueza, este titulo, que ambiciono para mim, desejo se estende a todos os meus compatriotas; he uma quimera querer applicar á questão o principio de que onde ha diversidade de cousa, ou diversidade de direitos, deve haver nome diverso; este principio não tem a menor applicação ao nosso caso, em que não temos, rigorosamente falando, diversidade, porem sim e unicamente maior ou menor quantidade de direitos; todos somos cidadãos, porém uns com mais, outros com menos quantidade de direitos: o Alfaies tem menos direitos que o Capitão, este que o Major, este que o Brigadeiro, etc., e entretanto são todos militares; alterarem-se os artigos do tilulo 1.° para repartir entre o Portuguez e o
cidadão portuguez os direitos alí designados, he multiplicar as difficuldades, e desfigurar um dos mais importantes titulos deste projecto; em se reconhecendo como deve, que todo o Portuguez he cidadão, se torna superflua tal repartição; a differença dos direitos politicos que deve existir entre estes e aquelles cidadãos nada tem com os direitos fundamentaes que a todos deve a Constituição afiançar, e por tanto torno a concluir que vão estes artigos á redacção para serem refundidos; longe de nós a sismatica partilha da Nação em Portuguezes e cidadãos portuguezes, e subsista o titulo 1.° como está ou com os accrescimos de direitos civicos que se tem adoptado e adoptarem a bem de todos, e não destes ou daquelles em particular.

O senhor Guerreiro: - Eu acho que a maior difficuldade para a decisão desta questão provem da pobreza a nossa lingua. He verdade que não se acha a palavra cidadão, mas nem até agora tinha significação certa, e determinada, nem lemos ainda outras palavras, Cidade, que vem de civitas, he uma associação civil; tomada neste sentido, he que havendo os de ir procurar a solução desta questão, e não nos nossos costumes antigos, porque ha muitos seculos que em Portugal não ha cidade, ha muitos seculos que em Portugal não ha cidadãos no sentido rigoroso, porque ha muitos seculos em que os Monarcas erão tudo, em que os Reis se intitulavão Reis e senhores de tudo, e os povos se chamavão vassallos, e a bondade natural do seu caracter os seus principios religiosos, fizerão que o seu governo não fosse sempre moderado, mas sim neste tempo havia um excessivo despotismo, e não havia propriamente cidadãos, por isso não podemos ir buscar aos costumes antigos a significação da palavra cidadãos: he preciso pois recorrermos á natureza das associações civís. Não ha duvida que todos os Portuguezes de ambos os hemisferios compõem a Nação Portugueza, todos entrárão no nosso pacto social, todos os Portuguezes são partes contratantes deste mesmo pado; todos entra ao com iguaes direitos, e ficando com iguaes direitos, se a distincção de cidadãos Portuguezes depende da maioria de direitos, como todos entrárão individualmente, e como individuos derão o seu consentimento, e corrio individuos cedem parte dos effeitos naturaes que tinhão, por isso que todos elles ficão com iguaes direitos; e todos elles devem ler a mesma denominação, e devem ser chamados cidadãos. Se ha alguns Portuguezes que não sejão cidadãos, estes Portuguezes estão fóra do pacto social, e não são Portugueses; isto he tão claro que me parece que não contem duvida alguma. Conheço que depois de estabelecido o pacto social, apparece a desigualdade, mas esta desigualdade nasce da incapacidade para pôr em exercito estes direitos, não está em si, está no exercicio delles, assim como não póde negar-se que o impubre está prohibido de todo o direito de cidadão, semelhantemente porque o mendigo não está habilitado para votar não póde negar-se que radicalmente não tenha estes direitos. São estes principios fora de loja a duvida por consequencia parece-me ser viciosa a distincção de Portuguezes, e cidadãos Portuguezes, mas assen-

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to que deve fazer-se distincção de cidadãos Portugueses com pleno exercicio dos seus direitos, e cidadãos Portuguezes que não tem o pleno exercicio dos seus direitos; por isso julgo que deve ir á redacção para este fim.

O senhor Margiochi: - Peço que se dê attenção á opinião do illustre Preopinante, para se tirar a palavra livres: esta indicação faz muita honra ao illustre Preopinante, e merece toda a attenção, Emquanto ás mais que se tem dito concordo nisto, e só aacrescentarei á indicação do illustre Preopinante que pediu que se tilasse a palavra livres, digo que se deve accrescentar uma outra indicação. No artigo 21, em que se diz (leu) quizera, que estos nas possessões ultramarinas sejão considerados como cidadãos Portuguezes, o tratados por aquelles que são primeiros senhores, da mesma maneira que são tratados os outros: e em consequencia de não poderem ser vendidos, e conservando-se salvas aquellas leis que facilitão a sua emanciparão, e alforria; isto não he destruir o poder dos senhores sobre elles, he obrigalos a tratalos melhor do que são tratados, e ter respeito aos direitos do homem. Quereria outra indicação para ficarem suspensos os direitos de cidadão para todos aquelles que reconhecerão o pacto social comprando, ou vendendo escravos: depois trarei projectos de lei para a abolirão da escravatura.

O senhor Braamcamp: - Eu não me atrevia a tanto: parece para este projecto ter lugar deverião estar presentes os Deputados do Brazil.

O senhor Margiochi: - Para as duas indicações não he preciso, porque eu assento que se os Deputados do Brazil vierem com principios continuos a estas indicações, que não devem ser até admitiidos aqui.

O senhor Macedo: - Direi que no caso que se admitti-se esta distinção em todo o projecto, resultaria uma grande incoherencia em todo o paterna deste projecto; porquanto em primeiro lugar não vejo nelle titulo em que se estabelecer os direitos e deveres de cada um dos cidadãos, e não vejo titulo alguem que se estabeleção os direitos dos Portugueses, portanto seguir-se-ia, que haveria uma classe de cidadãos sem se saber quaes erão os seus direitos: depois a primeira obrigação de todos os que deixem em qualquer sociedade civil he obedecer ás leis. Ora examineiros o artigo 84, deste projecto, diz ellc "A primeira e mais importante attribuição das Cortes he a de fazer, interpretrar, e revogar as leis. Lei he a vontade dos cidadãos declarada pela pluralidade absoluta dos votos dos seus Representantes. Ella obriga os mesmos cidadãos sem dependencia da sua acceitação." Logo parece que só obriga obedecer ás leis, aos cidadãos cuja vontade declarada na pluralidade de votos dos seus representantes constitue lei, logo se a obediencia ás leis só se estabelece a respeito destes, ficarião aquelles sem serem obrigados a obedecer as leis.

O senhor Fernandes Thomaz: - Aquelle argumento parece que não tem resposta. Eu digo que em toda a lei deve haver principio de utilidade para se fazer. Pergunto agora qual he a utilidade que resulta daqui? Qual he o bem que resulta de se fa?er esta divisão? Pelo contrario qual he o mal que resulta dose fazer esta divisão, póde haver algum?

O senhor Guerreiro: - Mostra-se que os direitos de todos, que se unirão são os mesmos. O exercicio destes direitos está suspenso pela qualidade accidental que resulta a cada um pela situação em que se acha. Ora por estar suspenso o exercicio dos direitos, hão de ter nome differente, hão de dizer-se uns Cidadãos Portuguezes, outros Portuguezes? Logo torno a dizer que a divisão de Cidadãos Portuguezes se deve riscar.

O senhor Peixoto: - A materia está tão discutida que sobre ella só faiei as seguintes reflexões. Hum illustre Preopinante lembrou o artigo 13 das Bazes da Constituirão, em que a todos os Cidadãos Portugueses se concede o accesso a todos os Empregos: he porem de notar que a regra não exclue a necessidade que ha de concorrerem nelles alguns requizitos particulares, sem os quaes não podem exercer differentes Empregos, e assim vemos que no artigo 147 deste Projecto se apontão algumas habilitações: semelhantemente ainda que não façamos a distinção odiosa entre Portuguezes, e Cidadãos Portuguezes, sempre se intenderá que póde haver Cidadãos privados do exercicio de alguns direitos politicos pela falta de algumas particulares qualidades: alem de que os direitos politicos não estão postos em um ponto indivisivel, são variados, e póde haver sujeitos habeis para exercer alguns delles, e não outros, póde ser que nesta mesma Constituição concedamos a alguns Portuguezes o direito de dar votos nas eleições, e lhe deneguemos o de serem Eleitores, por exigirmos nos segundos mais alguns requezitos do que nos primeiros, e em tal caso teremos Portuguezes, e em parte não; o que seria um absurdo; por tanto julgo que deve supprimir-se a differença lembrada no artigo.

O senhor Abbade de Medrões: - Eu tenho lido a historia Romana, todos sabem que entre os Romanos, Cidadão era uma cousa grande, cá entre nós se esta palavra de Cidadãos contem alguma cousa de honra, não deve achincalhar-se: porque agora tambem um criado de servir ter o nome de Cidadão, he um Portuguez, por consequencia o Cidadão sempre he alguma cousa distincto, agora confundir onus e direito não intendo, confundir cargos, e encargos tambem não intendo, o que he cargo he oneroso, o que he direito he um privilegio, o que he encargo ninguem aqui, mas agora querer misturar Cidadãos Portuguezes, querer misturar cargos, e encargos, não acho estas misturas boas. Falemos claro, restrinjamos, as idéas ao que ellas são, por consequencia em duas palmas concluo que me parece muito bem feita a distinção de Portuguezes, e Cidadãos, uma vez que ha a differença de direitos, privilegios etc., por isso quizera que o Portuguez podesse ser Cidadão, quando chegasse a certa idade, e fosse sui juris.

O senhor Presidente: - Pergunto só a materia está discutida sufficientemente? (Decidiu-se que sim.) Proponho por tanto a votos se se deve conservar as differentes destincções de Portuguezes, e Cidadãos Portuguezes, e se deve reduzir-se só a Cidadãos Por-

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Os que forem de opinião que ficão excluidas as differentes denominações fiquem sentados, e os que forem de opinião contraria, levantem-se. Venceu-se que haja uma só denominação, e que seja de Cidadão Portuguez.

Perguntou mais o senhor Presidente. Se se devia tratar de abolir a palavra livres?

O senhor Freire: - Acho que este negocio deve ser actualmente decidido, porque não tem nada isto tom a abolição da escravatura; entretanto esta he talvez a marcha porque deve entrar-se na abolição della, he cortando-a na sua origem: este objecto porém he objecto de grande consideração; agora dizendo-se que são Portuguezes todos os homens nascidos, e domiciliados no territorio Portuguez, e que são Cidadãos Portuguezes, parece que deve ler-se em vista o outro lado do artigo onde diz, os escravos nascidos nas possessões Ultramarinas, para aqui he que eu chamava a attenção do Congresso; pó que eu já declaro a minha opinião, que não me parece conveniente que um homem nascido no territorio Portuguez livre, possa ser ainda julgado escravo.

O senhor Presidente notou que os artigos devião voltar a redacção para nella se lhe dar a forma que julgarem conveniente.

O senhor Macedo disse que seria até impolitico o tratar-se da questão da escravatura sem estarem presentes os Deputados do Brazil, mas que lhe parecia que os senhores da Commissão poderião redigir os artigos de maneira que tenha lugar a resolução ulterior, ou deixar para artigo addicional esta materia.

O senhor Braamcamp:- Parece que devem dar-se algumas idéas aos senhores da redacção. Ha tres cousas a considerar nesta questão da escravatura, es escravos, que vem da Africa para o Brasil, nisto não nos devemos embaraçar agora, ainda que se podia fazer um plano para a geral extincção delles, mas tambem ha escravos nascidas no Brasil; estes formão uma porção tambem consideravel, e ha em terceiro lugar a considerar aquelles, que para o futuro nascerem no Brazil, esta terceira classe creio, que poderá declarar-se livre, que não ha inconveniente nenhum nisto porque estes como hão de nascer não dão producto ao senhor, porque os gastos das crias são tão glandes, que excedem o valor; por isso se Assembléa declarar, que todos os que nascerem entre o Reino Unido .... não resultará nenhum inconveniente declarando-os livres, isto he que fez ElRei D. José, e em Portugal não temos já Portuguezes, que sejão escravos, o mesmo succedera no Brasil, com estas addições assento, que poderá a Commissão redigir o artigo, de maneira, que os que houverem de nascer no Remo Unido sejão todos livres.

O senhor Abbade de Medrões: - Não falemos em similhante questão por ora, porque fana conceber uma idéa terrivel, se lá soubessem similhante causa. Deixemos vir os Deputados do Brasil, por ora tratemos dos cidadãos em geral, quem havia de criar aquelles meninos, era preciso pôr lá uma casa de expostos em todas as aldéas.

O senhor Bettencourt: - Esta Constituição vai abranger todo o Reino Unido; os proprietarios do Brasil estão mais nas circunstancias de temerem os escravos, do que os escravos temerem a seus senhores. A população dos negros he quinze vezes mais do que a dos brancos. Os escravos tendo a esperança de que seus filhos hão de ser livres, hão de ir diminuindo a indignação, e odio, que de ordinario tem a seus senhores; por isso demos ao Brasil a idéa bem clara, que tratamos dos interesses dos homens, que fazem parte da população a maior do Brasil: estes escravos quando virem, que se trata dos seus interesses, que tanto desejão, e anhelão, qual o bem da liberdade de seus filhos, elles se acommodarão mais facilmente soffrendo seus senhores, e o Brazil será mais forte, mais populoso, e mais civilisado a posse da liberdade he o maior de todos os bens, que se conhecem: todos tem direito, sem differença de côr, a recupera-la.

O senhor Serpa Machado: - Se acaso continua a discussão então direi alguma cousa. Parece-me, que um objecto desta natureza deve ser reservado para quando vierem os Deputados do Ultramar. Estou certo, que dada já esta providencia, longe de se ir fazer beneficio aos filhos dos escravos, se lhe ma fazer muito mal, porque estes infelizes senão abandonados, não havendo quem as criasse, oppondo-se talvez a perder a vida; por tanto parece-me, que elle objecto de tanta magnitude, e de tanta importancia não deve ser decidido já, mas tão sómente na presença dos illustres Deputados do Brasil.

Decidiu-se que os artigos 21, 22, 23, e 24 voltassem á Commissão para novamente os redigir, e sobre a conservação, ou suppressão da palavra - livre - venceu-se que ficasse por açora suspensa esta discussão, reservando-se para quando se acharem presentes os Representantes do Brasil.

Passou-se ao artigo 23 da projecto, que he o seguinte.

25 A religião da Nação portugueza he a Catholica, Apostolica, Romana. Permitte-se com tudo aos estrangeiros o exercicio particular de seus respectivos cultos.

O senhor Trigoso: - A primeira parte he das Bases, apezar porem de ser das Bases tenho uma reflexão a fazer; aqui estabelece-se uma proposição de facto, e he que a Religião Catholica Apostolica Romana he a Religião da Nação portugueza, e disto ninguem duvida; porem não se estabelece uma proposição de direito, e he a Religião da Nação portugueza será a Catholica Apostolica Romana, por tanto eu quereria que se dissesse, a Religião da Nação portugueza he e será a Catholica Apostolica Romana, esta reflexão he em quanto á primeira parte. Agora em quanto á segunda parte do artigo, faço uma reflexão muito obvia. Parece que esta segunda parte não deve entrar na Constituição. Todos sabem que o exercicio de um culto póde ser de tres modos, ou exercicio publico, particular, ou domestico. No exercicio domestico não se fala, porque he evidente que lodo o homem póde ter exercicio domestico da sua Religião, ninguem o póde embaraçar. Em quanto ao particular, este não se differença do publico senão em que os templos em que se dá culto a Deos, culto

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particular, não tem portas para a rua, nem sinos, etc. Supposto isto, parece que uma Nação que permitte a todos os estrangeiros o exercicio particular dos seus respectivos cultos, sem ao mesmo tempo estabelecer leis regulamentares que restrinjão o exercicio destes cultos particulares, de tal maneira que não possão causar prejuizo nem á Religião, nem á sociedade; parece-me que esta permissão, ou determinação tem inconvenientes graves, em quanto a politica, e em quanto a Religião; isto póde ter quasi as mesmas consequencias que se seguir ião de serem admittidos cultos publicos de todas as religiões; por isso que deste se differença muito pouco o culto particular. Em segundo lugar noto outra cousa, que nós não temos necessidade de obrigar por uma Constituição a permittir em geral todos os cultos. Convenho que he uma cousa que se póde fazer, ou não fazer por leis posteriores, segundo as circunstancia o exigirem, que nós podemos admittir tal e tal culto particular; e que podemos deixar de o admittir quando circunstancias particulares mostrarem que he util, ou não he util; por isso que póde ser nocivo á sociedade civil. Em terceiro lugar nós determinamos que nesta Constituição se tratava dos direitos de cidadãos, e aqui regula-se o direito dos estrangeiros, porque permitte-se a estes o exercicio particular de seus respectivos cultos.

O senhor Bispo de Béja: - Não posso deixar de fazer uma reflexão sobre algumas palavras, com que está concebida a disposição da 2.ª parte do artigo. Parece-me que em lugar da palavra = Permitte-se = se deverá dizer = Poderá ser permittido - E a palavra - Particular = deverá ser substituida pela palavra = privado = pois esta palavra exprime melhor a idea, que se quer ligar á palavra = particular.

Exporei os fundamentos da minha reflexão. Uma Nação não está em regra obrigada a permittir aos estrangeiros o exercicio dos seus respectivos cultos. Existe esta obrigação quando por tratados, e concessões legaes se acha concedido aos estrangeiros o livre exercicio do seu culto. Quando porem se trata de permittir de novo aos estrangeiros o sobredito exercicio; convem uzar de summa prudencia, e circunspecção, ginguem ignora o summo respeito, e veneração, que em todos os tempos os homens tributavão á religião, que professavão; e por isso póde facilmente acontecer que da permissão de novos cultos concedida aos estrangeiros nasça o cabalas, facções, e divisões, que perturbem a tranquilidade publica.

Sei que muitos escriptores, que escreverão sobre este objecto tão delicado, como importante, e que excederão os justos limites, recorrem ao exemplo das Cações antigas, as quaes tinhão cada uma sua religião, e com tudo olhavão com indifferença para a diversidade dos cultos. Este argumento nenhuma força tem. Não he á doçura do caracter dos antigos, que devemos attribuir esta tolerancia, mas sim á conformidade nos dogmas e culto. Todas as seitas da antiguidade tinhão a mesma base, a saber fabulas grosseiras, e um, maravilhoso excessivo. Em todas as religiões havia o mesmo apparato, e extravagante culto. A diversidade consistia antes em os seus deoses, semideoses, e heroes deificados, do que nos seus dogmas. Os Romanos, que protegião todas as seitas, logo que appareceu a luz do christianismo, terrivel a todas estas divindades, e a todas estas seitas; de tolerantes passarão a ser persiguidores.

Devemos em segundo lugar attribuir o espirito de tolerancia dos antigos á natureza do seu governo. As republicas são essencialmente mais tolerantes, que as Monarquias. Ultimamente devemos attender ao genio da Nação. Os Mahometanos, que são em extremo flegmaticos tolerão com a maior indifferença todas as diversas opiniões religiosas. Pelo contrario os Hespanhoes, Francezes, e Italianos tem sido mais intolerantes. Estas Nações são mais vivas, e zelosas, e por isso a diversidade dos cultos póde causar um odio mutuo, se o governo não tomar as medidas as mais justas, e analogas ao caracter da Nação.

Não me ppponho á tolerancia, pelo contrario sempre sustentei que a tolerancia civil se ajuste com o espirito, e maximas do christianismo. A religião christã proscreve os erros, mas ella nos ensina a supportar os errantes, pois a sua base he a caridade. Não he uma religião de discordia, como falsa, e temerariamente Rosseau a descreve no seu contracto social: pelo contrario ella tende a reunir todos os homens, ensinando-nos que todos são irmãos, impondo-nos uma rigorosa obrigação de obedecer ás autoridades legitimas, ainda que sejão heterodoxas, e perseguidoras. Ella não quer conquistar senão pela persuasão. As guerras, que tem sido feitas por causa da religião tem sido feitas contra o seu espirito, contra os seus preceitos mais expessos, e contra as maximas, e exemplos dos mais bellos seculos do christianismo. Montesquieu, Mably, Roberlson, Raynald, e outros publicistas reconhecem que a Europa deve aos principios, e espirito do chrislianismo, não só a doçura, e estabilidade dos seus governos, mas ainda este direito das gentes, que tem feito as guerras menos frequentes, e menos obstinadas.

A minha opinião pois sobre este objecto he, que se deve proceder com toda a circunspecção, e prudencia; não só ordenando que o exercicio concedido aos estrangeiros de seus respectivos cultos seja privado, mas alem disto tomando todas as medidas, que se julgarem justas, e racionaveis; e por isso me parece ser da prudencia legislatoria conceber o artigo da forma, que já expuz, de maneira que de nenhum modo fique o Governo ligado por um artigo constitucional a não poder negar aos estrangeiros o exercicio dos seus respectivos cultos, mas sim fique este ponto inteiramente dependente do seu Arbitrio, que deverá ser regulado por um zelo illustrado.

O senhor Antonio Pereira: - A importancia deste artigo pede, se lhe de maior desenvolvimento. A Religião da Nação Portugueza he a Catholica Apostolica Romana? deste principio parece concluir-se, que todo o Portuguez deve professar a Religião Catholica Apostolica Romana, donde igualmente parece inferir-se, que nenhum Portuguez póde adoptar outra Religião differente desta, que a Nação autoriza: por tanto sou de voto que este artigo seja redigido na seguinte fórma. A Religião da Nação Portuguesa he

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a Catholica Apostolica Romana, deixa conseguintemente de ser cidadão Portuguez aquelle que a não professa; poderá comtudo permittir-se aos estrangeiros o exercicio particular dos seus respectivos cultos: desta maneira o artigo fica mais completo, e expressivo, e a Religião mais efficazmente garantida.

O senhor Luiz Monteiro: - Parece que este artigo devia ficar adiado, porque tem connexão com o outro, porque por exemplo se admittirem como cidadãos Portuguezes os filhos dos estrangeiros, he preciso depois combinar se os filhos dos Protestantes criados na Religião de seus pais hão de obrigar-se á força a seguirem a Religião Catholica; ou se devem excluir da sociedade. Temos Portuguezes nas possessões da Africa com differentes seitas, ora se todos estes homens são tidos por vassallos Portuguezes, he necessario ver se havemos de prescindir delles servem Portuguezes todos, ou se havemos de prescindir da Religião.

O senhor Guerreiro: -- Não vejo razão alguma para adiar o artigo 25, parece que elle não tem cousa que se opponha ao que acaba de expor o illustre Preopinante, A primeira parte já foi approvada nas Bases, e a segunda não se oppõe ao que o Preopinante diz; porque como não ha addittamento algum a este artigo, que tenha ale aqui sido admittido a discussão, não ha razão alguma paca que não continue a discussão. Agora em quanto á materia só digo, que no tempo em que se não tinhão estabelecido os verdadeiros principios da bem entendida tolerancia, concedia-se- aos estrangeiros o exercicio particular de seus respectivos cultos, e então agora em circunstancias diversas não ha de conceder-se? Isto he tão claro, e obvio que até parece que não merece discussão.

O senhor Luiz Monteiro: - Eu não fiz observação alguma donde se possa concluir que eu sou intolerante. Antes o sou, porque eu vi os Catholicos em Inglaterra como são tolerados, eu vi ahi os clerigos, os parochos, todos elles que fazem honra á Religião, pelo seu comportamento, mas tudo he particular. Na Hollanda he o mesmo. Ás igrejas não tem portas para a rua á excepção de uma ou duas igrejas, e desejo que em Portugal se faça o mesmo aos estrangeires. Mas como se fala de estrangeiros e Portuguezes, e alguns dos estrangeiros e filhos destes vem a ser Portugueses, por isso he que fiz a reflexão, principalmente attendendo ao que havia dito um Preopinante de não querer estabelecer a tolerancia para os estrangeiros como artigo constitucional.

O senhor Presidente: - Alguns principios, que propõem os senhores Deputados não enuncião a vontade da Assembléa, por isso não devem servir de fundamento as opiniões, que alguns senhores Deputados produzirão com principios diversos, e não trouxerão escriptos.

O senhor Trigoso: - Eu não tinha obrigação nenhuma de trazer indicações por escripto. Eu disse que não deveria estabelecer-se na Constituição a segunda parte do artigo, apontei dous argumentos para provar esta proposição, para isto he escusado que traga indicação por escripto, porque então não haveria reflexão alguma que não devesse reduzir-se a escripto. Tambem eu nem disse, nem direi, que não se conceda aos estrangeiros o exercicio dos seus respectivos cultos, o que disse, e digo he, que póde haver casos em que seja util o conceder-se esta tolerancia, e casos em que não deva conceder-se, e que por isso não deveriamos ligar-nos por uma lei constitucional a admittir indistinctamente aos estrangeiros o exercicio de seus cultos.

O senhor Castello Branco: - Nós somos Legisladores politicos, e entre tanto somos Legisladores politicos de uma nação que professa, e tem jurado professar a religião Catholica Apostolica Romana; por consequencia incumbenos uma grande obra, e vem a ser conciliar as leis politicas, e as que houvermos de fazer, com essa mesma religião, conciliar os interesses politicos da nação, que por uma parte somos obrigados a promover, com essa mesma religião, que por uma outra parte somos obrigados a sustentar intacta; a obra algum tanto he dificultosa, mas tudo se póde conciliar: entre tanto dizer que esta materia se não deve tratar aqui, porque se trata de estabelecer uma Constituição para os Portuguezes, e não para os estrangeiros, não me parece bem esta razão; antes pelo contrario a devemos declarar, e declarar com toda a individuação. Muito injustamente, e bem fora do espirito da religião ella tem sido taxada de intolerante, na pratica realmente assim tem sido; e isto tem obstado aos seus progressos, tem sido mesmo a causa ás grandes dissenções religiosas, que tem agitado a especie humana: ella he tolerante, nós como Catholicos Romanos devemos respeitar esta mesma tolerancia nos limites, que a razão, a justiça, e o bem da publica utilidade o exige, por consequencia a tolerancia ha uma obrigação da nossa parte, he uma obrigação que nós devemos tanto mais, quanto ella se achava contrariada pelas opiniões antigas. Uma obrigação da qual pende, ou póde resultar grande bem á sociedade. Se olhamos o objecto debaixo destas relações, não vem elle a ser materia de uma lei constitucional? Mas eu não sei que haja outra que mais mereça ter lugar em uma Constituição; por consequencia não só ella he propria da Constituição, mas nós devemos declarala com toda a individuação; dizer-se por outra parte que se devem modificar as palavras, que se devem modificar as circumstancias porque se estabelece esta mesma tolerancia, não acho razão: ou nós devemos abraçar a tolerancia, ou não, se a não devemos abraçar, produzão-se as razoes, proscreva-se a tolerancia; mas se as razões que se produzirem mostrarem efficazmente que nós devemos abraçala, então devemos declarar muito efficazmente os lermos em que ella se deve conceder: porque de outra maneira se nós lhe pomos embaraços, se noa a declaramos por termos, e palavras ambiguas, nós affectaremos querer, pelas palavras expressas na Constituição adoptar um principio, e depois na pratica destruilo; pois que nós vamos na mesma Constituição estabelecer a semente de discordia, estabelecer meios para sustentar aquillo, que ale aqui se tem praticado: por tanto deve ser uma lei constitucional, e ella deve ser concebida em termos mais expressos do que se ve no projecto da Constituição; entretan-

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to algumas dificuldades se oppõe, algumas difficuldades que talvez me não fação embaraço, mas que podem causar mais embaraço a quem olhar estas cousas com mais escrupulosidade, principalmente quando já vi enunciar uma lei penal neste mesmo Congresso; e vinha a ser que todo aquelle que não abraçasse esta religião não poderá ser cidadão. Este principio vai inteiramente oppôr-se ao principio politico, não dá lugar na Constituição a admittir no nosso gremio cidadãos estrangeiros, quando elles se acharem nas circunstancias em que a Constituição os admitte. He um ponto politico de grande interesse, e de que ninguem póde deixar de reconhecer as vantagens. Ora estes estrangeiros que nós vamos admittir poderá ter sido creados em outra religião. Devemos nos obriga-los a largar a religião de seus pais? Nós quereriamos excluilo do nosso seio? Iriamos pôr uma barreira entre nos, e todos os cidadãos para admittir aquelles estrangeiros que podem augmentar a nossa população, a nossa industria, os interesses da nação, as forças da sociedade? Nós iriamos cortar pela raiz todos os bens que dali podem resultar á sociedade. Algum meio por tanto póde ser preciso adoptar.

Eu noto esta hypothese aos illustres membros desta Assemblea, não me atrevo entretanto declarar a minha idéa. He preciso que traga á consideração que sou um ecclesiastico, Ministro dessa mesma Religião, entretanto não prescindo de mim a qualidade de legislador, para desempenhar as funcções a que fui chamado pela Nação; mas se sobre isto he preciso declarar a minha opinião, que a muitos parecerá temeraria, não devo eu ser o primeiro que a declare, entretanto ou trem que a declare, eu o seguirei, e apoiarei com todas as minhas forças. Ficou adiado o artigo 25.

Determinou-se para a ordem do dia o parecer adiado da Fazenda, sobre a Junta dos Juros; da Commissão de Commercio sobre pautas; e as propostas para as Commissões de fóra; e para Sessão extraordinaria os pareceres das Commissões, começando por aquelles que se referem ao expediente com o Governo, entrando o parecer sobre o negocio do Visconde de Sousel.

Levantou-se a Sessão ao meio dia. - João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado- Secretario.

DECRETO.

As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação portuguesa, occorrendo ás duvidas que se tem suscitado sobre a intelligencia do alvará de i 1 de Abril de 1815r relativamente ao sal produzido em marinhas novas, feitas em- terrenos roubados ás marés, declarão, que o sal proveniente das referidas marinhas, construidas desde a data do citada Alvará até á da promulgação do presente decreto, fica sujeito aos direitos de exportação mas isempto de todos os mais direitos, na forma declarada no mesmo Alvará: aquelle porem que provier das mesmas marinhas feitas da publicação deste decreto em diante, será sujeito tanto aos de exportação, como a todos os mais direitos.

Paço das Cortes, em 3 de Agosto de 1821. - José Antonio de Faria Carvalho, Presidente. - Antonio Ribeiro da Cosia, Deputado Secretario. - João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Francisco Duarte Coelho.

Illustrissimo e Fxcellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extrdordinarias da Nação portuguesa manda remetter ao Governo, a fim de ser competentemente verificado, o offerecimento incluso, que dirigiu a este Soberano Congresso em data de 22 de Julho ultimo, Joaquim de Castro da Fonseca e Sousa, natural de Lamego, para a caixa de amortisação da divida nacional, da quantia de 200$ reis de juro de um padrão de emprestimo antigo, que lhe deve o Senado da Camara desta capital. O que V. Excellencia levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes, em 3 de Julho de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

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