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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 145.

SESSÃO DE 6 DE AGOSTO.

Aberta a Sessão sob a presidencia do senhor Faria Carvalho leu-se a acta da antecedente e foi approvada.

senhor Alves do Rio declarou que foi contra o seu voto, que se mandou informar na Sessão ordinaria desabbado ao Conselho da fazenda uma consulta da Junta dos juros dos novos emprestimos, e nunca será seu voto que um Tribunal informe sobre o parecer de outro em negocio da natureza, sobre que versa a consulta da Junta dos juros.

O senhor Secretario Felgueiras mencionou: a felicitação do D. Ahbade geral dos Monges de S. Jeronymo em nome de todos os Monges de sua obediencia de que se fez menção honrosa. Mencionou mais o offerecimento de uma memoria com a conta da receita e despeza da cordoaria de Lisboa, seu estado actual e reforma que carece fazer-se, pelo senhor Deputado Franzini, que foi recebida com agrado.

Uma memoria do Bacharel Thomaz de Aquino Simões Penalva, sobre a educação civil da Nação portugueza, que foi remettida á Commissão de instrucção publica.

Uma carta do senhor Deputado Pereira da Silva, pedindo uma licença prolongada pau, cuidar da sua saude, a qual lhe foi concedidos senhores Pereira do Carmo, e Pinto de Magalhães lerão cada um a sua indicação para que os Deputados em Cortes não possão acceitar empregos, e são as seguintes.

Proponho, que não seja licito aos Deputados em Cortes sollicitar, nem acceitar do Governo qualquer graça ou mercê, durante a sua Deputação, salvo os despachos, que lhes couberem por escala: e que nesta conformidade se lavre um decreto, que desde já se deve pôr em effeito. 6 de Agosto de 1821. - O Deputado, Pereira do Carmo.

A proximidade da Corte, que a qualquer outro cidadão não póde ser senão vantajoza, he todavia perigoza para os Representantes da Nação, em quanto as leis não tem prudentemente prevenido, que venhão empestar o Congresso aquellas lisonjeiras virações, aquelles Favonios seductores, que tantas vezes tem adormecido o leio, e até corrompido o caracter dos que se avizinhão do throno. Eu que a fundo conheço os honrados e patrioticos sentimentos de todos os illustres membros desta assembléa, bem seguro estou de que nem um só de entre elles seria capaz de se humilhar a ponto de servir-se da brilhante sublimidade de suas funcçdes para mendigar do Governo a mais insignificante mercê: mas formará a Nação de cada um de nós este mesmo conceito? Desenganemo-nos, senhores, a nossa honra não está a salvo, em quanto não dermos a nossos constituintes uma decidida prova da nossa independencia, não tardemos um só momento; mostremos desde já á Nação, que nenhum desejo nos occupa senão o de desempenhar nossos pesados deveres, nenhuma esperança, senão a da convicção de termos promovido a felicidade publica. Quando, terminada a nossa honrosa Missão, voltarmos para o meio de nossos concidadãos, nós lhe apresentaremos por brasão de nossos trabalhos, não fitas, nem medalhas, nem togas, nem mitras, mas o codigo sagrado dos seus direitos, e a augusta carta da sua liberdade. Peço por tanto ao Congresso, que na primeira occasião possivel se passe logo a discutir o artigo 89 do projecto da Constituição, e o seguinte artigo da additamento ao regulamento interior das Cortes.

"Nenhum Deputado em todo o tempo da legislatura, poderá fazer qualquer requerimento ao Governo, para si ou para outrem, por palavra, ou por escrito, sem previo consentimento das Cortes." Lisboa, 6 de Agosto de 1821. - João de Sousa Pinto de Magalhães.

O senhor Fernandes Thomaz: - Estas moções, senhor Presidente, devem-se ler já segunda vez.

O senhor Annes de Carvalho: - He um objecto digno de se decretar por acclamação.

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O senhor Fernandes Thomaz: - He um axioma em politica, porque constitue a verdadeira independencia, em que o poder legislativo deve estar, do executivo, isto deve dicidir-se já: he um remedio para males instantes.

O senhor Trigoso: - Approvo a moção, mas acho diminuto o artigo 80 da Constituição. Por isso peço que se ponha em discussão este artigo 80, ou a fazer-se um decreto já, que fiquem salvas todas as addições, que depois se fizerem no artigo 80.

O senhor Pessanha: - Eu tinha a dizer á assemblea, que este negocio parece já resolvido pelas instrucções, que forão para a eleição dos Deputados de Cortes estas instrucções forão tiradas da Constituição Hespanhola, onde vinha um artigo relativo deste objecto por tanto em quanto a Constituição não regular este objecto, nós devemos regular-nos por aquellas instrucções que forão para as eleições.

O senhor Presidente: - Leia-se segunda vez a indicação.

(Leu-se) Por consequencia, continuou o senhor Presidente, esta indicação pertence ao artigo 80, discuta-se pois este artigo, e o senhor Trigoso póde fazer as indicações, que julgar necessarias.

O senhor Trigoso leu a indicação seguinte.

Accrescento a moção do senhor Pereira do Carmo, que - nennum Deputado possa pedir e obter emprego ou condecoração do Governo, não só no tempo da legislatura, mas ainda um anno depois, principalmente em quanto aos Deputados das presentes Cortes. -

Que só se possã0o acceitar os empregos, que competirem por escallas sendo conferidos em promoção geral feita na respectiva classe: - Trigozo. - E disse são duas as a Micções, que eu julgo necessarias 1.ª que um Deputado de Cortes não possa fazer requerimento algum no tempo da sua Deputação, nem acceitar despachos, e não só no tempo da sua Deputação, mas seis mezes, ou um anno ainda depois, porque aliàs poderia solicitar-se o despacho no tempo da Deputação, o que he contra a independencia, que deve ter um Deputado. A 2.ª addição he, que um Deputado de Cortes possa acceitar empregos, que lhe compitão por escalla, quando se fizer o provimento geral na sua respectiva classe, e a razão he porque só então he que se póde constar de certo que o Deputado não solicitou similhante despacho.

O senhor Brito. - Peço uma terceira emenda, que he a respeito do tempo donde deve contar-se esta inhibição.

O senhor Soares Franco: - Eu entendo que quando os Redactores da Constituição pozerão as palavras = por escala = tiverão em vista a promoção geral, e que esta viesse procurar o individuo, e não o individuo a promoção.

O senhor Freire: - Eu não me contento com a escala, he necessario que se attenda a antiguidade.

O senhor Pinto de Magalhães. - Parece que a simplificação do artigo 80, satisfaz ao illustre Deputado.

Decidiu-se que se tratasse destas indicações apezar de não ser ordem do dia.

O senhor Fernandes Thomaz: - Por um acaso, senhor Presidente, veio a meu poder este papel, que affianço ser autentico, ehe a queixa que faz um official Hespanhol, prezo ha um mez com pouca differença, era uma masmorra em Elvas Julguei que era do meu dever ler no Congresso a queixa que este homem fez, para que o Congresso fique inteirado do estado em que se ocha a administração da justiça em Portugal, e do modo com que as cousas vão, e para que se desengane, que em quanto se não tomar medidas muito energicas a respeito dos empregados publicos, o systema constitucional em lugar de ir para diante, ha de retrogradar.

(Leu uma carta de Manoel Saeus Jelada, que se dizia Capitão ao serviço de Hespanha, escripta ao Governador da Praça de Elvas em 31 de Julho passado, queixando-se de estar preso na mesma praça em uma masmorra subterranea havia 27 dias sem lhe darem auxilios alguns para a sua subsistencia, nem se lhe formai culpa, nem se lhe nomearam Juizes para o julgarem, nem saber porque crime se achava prezo: que o Governo Portuguez era não sómente injusto, mas déspota, cruel, inhumano, perfido, e iniquo, que se lhe désse a liberdade para voltar a Hespanha, onde ainda que lhe cortassem a cabeça tinha a certeza de que havia ser primeiro ouvido, e se lhe havião subministrar os soccorros precisos para a sua exisiencia. Acompanhava a cópia desta carta, outra de um officio do Marechal de Campo Guilherme Stubs ao Tenente General Manoel de Brito Mozinho, em que lhe dizia o dito Marechal, que em data de 14 de Julho passado tinha officiado ao Ministro de Estado Antonio Teixeira Rebello, participando-lhe a prizão deste Hespanhol feita por ordem do Tenente General João Lobo Brandão de Almeida, no dia 3 do mesmo mez, que havia dado parte em 4 ao mesmo Ministro de Estado, e porque não tinha havido resolução alguma a este respeito, e o Hespanhol lhe tinha dirigido a carta que lhe remettia inclusa o fizesse presente a Sua Magestade. Depois de lei estes papeis, disse esta pois o Congresso inteirado do caso requeiro por tanto que se passe ordem ao Ministro para dizer o que isto he, porque este homem foi prezo, e que seja tirado do lugar em que está. O homem só depois de morrer he que deve estar enterrado! Faz admirar que depois de uma regeneração desta natureza, se consinta ainda em Portugal similhante proceder! Eis-aqui como a nação está ainda sacrificada! Nós fazemos uma Constituição, todos voem o que noa fazemos aqui mas o que se faz pelo Governo, he ccculto e encuberto; devemos por tanto proceder com energia sobre casos desta natureza, na certeza de que não he só este, que ha de haver muitos outros, e por isso he necessario dar providencias sobre isto.

Decidiu-se, que se pagasse ordem ao Governo para ser posto em prisco commoda, ministrando-se-lhe entretanto a precisa sustentação.

O senhor Borges Carneiro: - Dizem-me que está prezo um Marinheiro ha 17 dias a bordo, sem lhe darem de comer: e acontece, quando aqui vem Requerimento, que seja da Marinha, vai daqui para o

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Governo, do Governo para o Commandante, e lá fazem o que querem! Hoje foi ler comigo um homem todo aflicto; era um soldado, porque lhe fizerão um Requerimento ás Cortes para lhe dar a sua. baixa: já lá anda em termos de o castigarem; de maneira que fazer um Requerimento ás Cortes, he um crime; de sorte que eu disse a este pobre soldado; que dissesse que não sabia disto, e que tal Requerimento não queria fazer. Ali está um requerimento de um soldado que tinha recebido feridas nas batalhas de Albuéra, e S. Sebastião; requer ao General que lhe passem taes documentos, respondam-lhe que se lhe não passem porque a ordem do dia tal assim o manda! Eu perguntaria se um militar, requerendo o seu Conselho de Guerra, se lho não hão de fazer, e o hão de estar demorando! Foi-me ter á mão um requerimento de um soldado, que está ha treze mezes prezo, sem se lhe fazer Conselho de Guerra: que: havia eu de fazer! Respondi que levava o requerimento, mas disse logo a quem mo apresentou, que tinha um castigo por requerer ás Cortes; e assim lá lho tornei a dar.

O senhor Presidente: - Isso procede de outras cousas.

O senhor Borges Carneiro: - He do Marechal! Que ainda está a governar em Portugal, e fora de Portugal!

O senhor Miranda: - O que eu tenho a dizer sobre isto, he que a necessidade de Conselhos de Guerra multiplicão-se todos os dias, e que os auditores não podem dar expediente a tudo com a presteza devida.

O senhor Pinto de Magalhães: - Requeiro que se passem as ordens necessarias a fim de solemnizar o dia 24 de Agosto.

O senhor Presidente: - Foi Decretado já dia Nacional, e de feriado para o Congresso.

O senhor Sousa Magalhães: - Eu fiz esta moção não por desconfiar que o Governo não tomasse parte nisto.

O senhor Presidente: - Se elle até he feriado, julgo não ser necessaria a moção.

O senhor Trigoso: - Não sei se se declarou na Acta, ou se se fez Decreto a este respeito; por isso para tirar as duvidas sem bom expedir um Decreto sobre este objecto.

O senhor Presidente: - Pois então participe-se esta deliberação ao Governo.

Assim se decidiu.

Fez-se a chamada nominal, estavão presentes 91 dos senhores Deputados e faltarão os senhores André da Ponte, Arcebispo da Bahia, Sepulveda, Araujo, Pimentel, Vanzeller, Pereira da Silva, Ferreira Borges, Bastos, Ribeiro Saraiva, e Barre-lo Feio.

Entrarão em discussão as indicações propostas: o senhor Presidente propôz se querião discutir o artigo 80 do projecto da Constituição, que he o seguinte - 80. Em todo o tempo da Legislatura, contado desde o dia em que a sua eleição constar na Deputação permanente, os Deputados não poderão aceitar, nem solicitar para outrem pensões pecuniarias ou condecorosas, que sejão providas pelo Rei. Isto mesmo se entenderá dos empregos publicos, salvo se lhes competirem por escala na sua carreira.

O senhor Borges Carneiro: - Parece que sempre he necessario uma distincção no que toca a requerimentos de pensões pecuniarias, condecorações etc. e isto deve entrar n'uma classe; o que são requerimentos, que possão versar sobre outros objectos, nesses deve haver mais latitude do que n'aquelles; ainda que nenhum Deputado de Cortes poderá fazer requerimento algum sem previo consentimento das Cortes.

O senhor Presidente: - Então são mais duas palavras, que ha a accrescentar ao artigo.

O senhor Borges Carneiro: - Tambem desejo, que se tome em consideração o que diz a Constituição Hespanbola, quanto ao anno depois; este he só para as pensões, e condecorações. Digo que a Constituição Hespanhola traz alguma lazão de differença, quanto ás condecorações e pendões póde ter lugar, em quanto aos empregos publicos póde ter inconvenientes.

O senhor Fernandes Thomaz: -Cada vez me convenço mais da difficuldade de fazer o artigo Constitucional: não alarguemos as mãos. Faça-se o decreto; he absolutamente necessario que um Deputado seja independente, e não olhe para os bens que lhe podem vir do Governo; mas não he justo que um emprego exercitado para beneficio da Nação venha a servir de desgosto para aquelle que o exercita. Por tanto eu era fie parecer que se fizesse o decreto na forma da moção do senhor Sousa Magalhães, e quando chegai mós ao artigo 80, então discutiremos isto mais.

O senhor Moura: - Não acho cousa mais difficultosa do que falar sobre um objecto de tal natureza: entre tanto penso que sendo as minhas opiniões tambem liberaes, e tendo dado em todo o tempo provas publicas do meu liberalismo, não corro grande risco. Eu chamo a attenção da Assembleia para uma cousa. Quaes são as duas molas, os dois principios porque se põem em actividade a inhibição justa e necessaria do que todo o cidadão deve ser animado? Não he senão o castigo, e o premio: queremos tirar da sociedade civil o premio? He preciso que consideremos, que os que se empregão no alto emprego de Deputados e representantes da Nação virião para o futuro a ficar privados de todo o premio e recompensa de seus sentimentos patrioticos! E quaes os homens mais capazes para os altos empregos da Nação, poderá haver, senão os que se tem amostrado na arte de governar, ou os que tem assistido, e entrado na discussão dos negocios? Eu apoio inteiramente a moção do senhor Fernandes Thomaz, que o negocio se trate com a maior precaução, e nos limitemos por agora a fazer um decreto provisorio, que inhiba os Deputados actuaes de requerem cargo algum do Governo.

O senhor Pereira do Carmo: - Por eu conhecer o melindre do objecto, he que na minha moção falei em Decreto provisorio, em quanto se não punha em effeito a Constituição.

O senhor Sousa Magalhães: - O que eu pedia era que V. Exa. assignasse o primeiro dia de sessão,

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em que se tratasse de Constituição, para sé tratar deste artigo, o primeiro dia de Constituição he depois de amanhã, poderão então vir todos prevenidos para discutir esta questão.

O senhor Franzini: - Apoio o parecer do senhor Fernandes Thomaz; faça-se o decreto Provisorio; mas querer de repente decidir isto, e excluir todos os homens capazes para os empregos, principalmente Deputados, que em todo o tempo da sua deputação mostrarão a maior liberdade, e os maiores talentos: querer excluilos dos empregos por muito tempo depois de acabada a legislatura, sempre votarei contra isto.

O senhor Miranda: - Estou persuadido que todos os que mostrão talentos devem ser empregados; mas he necessario que se saiba, que um Deputado seja inteiramente independente do poder executivo. O meu parecer era que houvesse um intervallo certo depois da deputação; póde haver nisto inconveniente; mais inconvenientes podem resultar do contrario: qualquer Deputado póde saber servir-se da sua profissão para grangear um emprego; isto he muito máo; a opinião publica he que mantem o Congresso; he necessario que os seus membros mostrem o maior desinteresse; mas um Deputado deixa de ser Deputado, e a Nação por este modo não utiliza os seus serviços? Neste caso de duas huma: ou esse Deputado tinha emprego publico ou não; se o tinha volta para o lugar que exercia; e se o não- tem, volta para sua casa, e não he necessario que lenha togo o emprego. Um General foi eleito Deputado; era General, acabou a deputação, fica General. Ora qualquer por ser Deputado póde ser eleito Ministro logo que acabe a deputação: isto porem acho eu muito perigoso; he necessario que medeie um inyervallo certo depois de acabar de ser Deputado para ser Ministro; he necesario que se persuada a Nação inteira, e que remova toda a suspeita; e ella estará removida mediando certo intervallo.

O senhor Moura: - Mas então diria uma palavra só. Se se trata de ser Catão, he preciso selo exacta e perfeitamente; então não seja só o Deputado inhibido por seis mezes; seja-o in perpetuum; porque trata-se de ser Catão, e de ter as opiniões, e sentimentos ligidos, e exaltados daquelle censor: he preciso selo com a maior exactidão possivel, porque se se inhibe um Deputado de Cortes dos empregos publicos, logo que acabar a sua deputação; porque deste modo elle fica dependendo da influencia do Governo; essa influencia não póde ter só efficacia dentro dos seis mezes, ou um anno, mas póde tella do mesmo modo passados seis mezes, passado um anno, e em quanto existir o Governo, e o Deputado. Sempre se seguem os meamos inconvenientes; o Governo espera que acabe aquelle periodo; logo que elle acabe, concede o emprego ao Deputado, e em consequencia seria necessario uma inhibição perpetua. Eu não supponho que homens animados de verdadeiros interesses na sua patria se considerem sugeitos os influencias do Governo; e se o estão he inulil a cautela. Por isso o intervallo de seis mezes não queira eu exigir daquelles, que não tem estes sentimentos, e he baldado o meio. Esperão seis mezes, um anno, tres, e quatro. He preciso por tanto que noa desenganemos, legislemos para os homens taes quaes. O erro he procurar e bem absoluto, quando o que podemos achar he só o relativo. Eu me esforço, e todos se esforção para servir bem a sua patria. Ora ser o premio dos meus esforços a inhibição dos empregos, e serviço da mesma patria, he cousa muito perigosa. Isto foi o que arruinou a Constituição hespanhola em 1814; esse Catonismo dos legisladores de Cadiz fez recahir os eleições em homens, que não erão tão addictos á causa da Constituição, e isto he que levou o negocio á ruina, quando o Rei voltou; porque no Congresso não podião ler entrado os primeiros caracteres patrioticos, por isso entrarão outros, que levarão o estado á sua ruina. Não devemos por tanto regular-nos por principios tão camonianos; e he preciso que olhemos que ninguem se induz a servir bem a sua patria par ideias abstractas. O homem que trabalha quer ser recompensado; he preciso que sejamos francos; que não tenhamos afectação alguma; he preciso que digamos no Congresso o que dizemos nas sociedades particulares. Eu digo que senão fosse mais empregado nos negocios publicos da minha patria, diminuiria nos interesses que tomo por ella: que interesse tomaria para o futuro um homem, a quem se dissesse = Tu não terás mais emprego algum a pézar de servires bem: e quanto mais bem servires menos recompensa has de ter =.Eu, senhores, trabalho por servir a minha patria, aqui declaro solemnemente que espero por dia ser compensado se o merecer. Sou franco, e não posso deixar de falar deste modo.

O senhor Borges Carneiro: - Eu desejaria que se não previnisse a discussão deste negocio; mas que se fizesse tão sómente o Decreto provisorio para a presente legislatura, dizendo, que durante a presente legislatura ninguem poderá requerer, nem para si, nem para os outros nenhuma pensão pecuniaria; nem; solicitala; nem servir os empregos publicos durante a presente legislatura; nem acceitalos, excepto os que forem de escala, e que todos os mais requerimentos, que não tenderem a estes tres objectos, os poderá fazer, precedendo o consentimento das Cortes.

O senhor Trigoso: - Vou a responder a algumas objecções de um illustre Preopinante. Digo pois que se houvesse um Governo tão corrompido que fizesse um contraio com os Deputados de Cortes, que trahissem os interesses da sua patria com a condição de lhe dar despachos depois da legislatura, creio que se elle lhe podesse dar logo, depois da legislatura acabada, o Governo, sem duvida lho daria; mas que se fosse preciso que se passasse um anno depois da legislatura para não dar, certamente então se esqueceria da promessa. Em segundo lugar os empregados publicos não ficão demittidos dos seus empregos, os quaes continuão a servir logo que acabe a legislatura. Alem disto podem entrar em todos os outros que lhe compelirem por escala, e passado um anno, visto que as nossas legislaturas não são perpetuas podem ter quaesquer empregos novos. He verdade que póde um homem, que dantes não era empregado, fazer-se conhecido, e merecer o emprego publico pelo bom uso do

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seu cargo de Deputado, mas nisto mesmo ganhou elle muito, porque he o modo porque passado um anno póde ler um emprego, que aliás se não fosse Deputado nunca teria, por não ser conhecido. Em terceiro lugar ha algumas corporações regulares entre nós, que tem uma lei muito sabia, a qual inhabilita os seus membros, que acabão de ser Prelados, para terem uma nova Prelazia, sem passarem tres, ou seis annos. A razão do nosso caso não póde deixar de ser a mesma.

O senhor Miranda: - Fui laxado de um catonismo excessivo, e por isso devo declarar a minha opinião. Eu sirvo a minha Patria cem que espere recompensa: a minha recompensa he o bem da minha Patria. Não deixarei de a servir com o mesmo zelo, ainda que não receba emprego algum. Quero tudo da Nação, e nada do Governo; não acho por isso, o que eu digo catonismo excessivo: he preciso desenganar a Nação, dar-lhe um testemunho publico de quaes são os nossos sentimentos estes devem ser = o servir bem a Patria. = Por isso assentava eu, para evitar toda e qualquer desconfiança, toda e qualquer suspeita da influencia do Governo, que devia mediar algum tempo depois da Deputação antes de se poderem acceitar encargos publicos.

O senhor Xavier Monteiro.- Nada ha mais difficil, do que encontrar o recto e justo no meio dos extremos. He sem davida justo se prohiba aos Deputados acceitar empregos durante a legislatura. E não penso que seja decente acabar de ser Deputado, e requerer, ou acceitar logo um emprego, nem tambem sei que razão se possa encontrar para nunca o acceitar, extinguindo assim inteiramente a licita ambição do homem? Diz-se: sejamos Catões, não se receba emprego algum. Eu não sei que isto se possa chamar catonismo. Catão foi Senador, Pretor, commandante do Exercito não se chama catonismo o não acceitar empregos, chama-se sim a rigorosa inteireza com que são desempenhados estes empregos por consequencia, he necessario não cairmos em extremos. Os Governos corrompidos esquecem-se dos sujeitos que corrompem, portanto, um anno não he tão grande espado de tempo, que o não deva esperai um homem que nasceo com vocação paia os empregos, e então será decente o acceitalos, não se julgando ser uma recompensa de serviços occultos. Diz-se que os Hespanhoes perderão em 1814 a causa da Constituição; porque os Deputados não acceitarão empregos: não foi assim. A verdadeira razão foi porque a Constituição Hespanhola exclue os Deputados de uma legislatura de serem novamente reeleitos nas seguintes; pois he pratica constante nas legislaturas inteiramente novas o desfazer tudo, quanto as anteriores tem estabelecido, por este motivo as Cortes Hespanholas de 1814, sendo totalmente novas, abolírão a Constituição, que era obra das Cortes antecedentes. O mesmo aconteceo, por iguaes motivos, a Constituição Franceza de 1791. Por consequencia afastando-me da exageração de promptos, sou de opinião, que haja intervallo depois da legislatura para qualquer Deputado poder acceitar empregos.

O senhor Fernandes Thomaz: - O meu desejo he que se faça um Decreto interino para este mal que se proponha isto a votos da Assemblea. A primeira moção que he a do senhor Pereira do Cai mo pede um Decreto interino, ponha-se esta a votos, e não estejamos a discutir o artigo 80.

O senhor Presidente: - Eu vou a fazer uma observação. O que se trata he fazer uma lei para nós; por conseguinte podia fazer-se uma lei bem simples e era o declarar na Acta que ficavamos todos inhibidos de fazer requerimento para nós, ou para outrem ao Governo, em quanto não houver decisão em contrario.

O senhor Fernandes Thomaz: - Eu torno a insistir que se ponha a votos a moção do senhor Pereira do Carmo.

O senhor Miranda: - Senhor Presidente he necessario que saiba isto o Governo, e a Nação inteira.

O senhor Soares Franco: - A questão reduz-se a pouco: todos querem que se faça o Decreto pelo qual nenhum Deputado possa acceitar emprego algum da mão d'ElRei; agora que seja para já, ou para quando se tratar do artigo 80, onde se discuta esta materia, e se hão de ser seis mezes depois, ou um anno, essa he que he a questão. Faça-se portanto o Decreto provisorio e o mais ao depois se tratará.

O senhor Miranda: - Isto ha de ser discutido; pois então discuta-se por uma vez o artigo 80. Quando lá chegarmos, não havemos de estar mais bem instruidos na conveniencia ou desconveniencia delle.

O senhor Freire: - Esta não era a ordem do dia; mas a Assemblea assentou que se tomasse conhecimento desta materia. He preciso Ver, se se deve tomar conhecimento na forma da proposta do senhor Pereira do Carmo, e das addições do senhor Trigoso. Por isso proponho, que se tome isto em consideração, e que se estabeleça, qual he a ordem do dia pois que ainda não está estabelecida.

O senhor Bettencourt: - A primeira moção he do illustre Deputado o senhor Pereira do Carmo; a segunda do senhor Pinto de Magalhães. Eu sou inteiramente da opinião do primeiro Preopinante; e por isso voto o decreto Provisorio, para encher o fim, que he o evitar que na presente legislatura algum Deputado caia na tentação de sollicitar ou acceitar alguma graça ou despacho do Governo. Em quanto para o futuro, quando se discutir o artigo 80, então se legislara para as Cortes ordinarias; e não vejo razão para se anticipar a discussão do artigo 80. Até por outra razão deve ser o decreto Provisorio para a actual legislatura, porque ainda que se discuta to o artigo 80 só pela discussão, e a sua approvação, não se segue, que seja uma lei já constitucional, pois para se executar, devia decretar-se que este artigo 80 tinha já a sua execução, em quanto senão sancciona, e jura a Constituição não tem effeito, apezar de estarem já alguns artigos approvados, e discutidos. Logo, entendo que se deve fazer um decreto Provisorio, visto estar a sua materia approvada unanimemente pelo Soberano Congresso, e ficar para o seu competente lugar a discussão do artigo 80 para a qual não vem hoje preparada a Assemblea.

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supponho este negocio muito urgente, toda a demora he prejudicial, e eu julgo que este decreto he mais de regulamento interior de Cortes; e por isso póde ser provisoriamente approvado.

O senhor Margiochi: - Sou de parecer que se faça um decreto, e se não estabeleça como artigo constitucional, por quanto para conciliar as opiniões de todos, talvez seja preciso adoptar (ainda que não venha na Constituição) que os lugares mais eminentes sejão propostos ou nomeados pelas Cortes, mesmo os lugares de honra, porque não sei que receba grande honra um homem por ser esta decretada por um simples Ministro. As honras devem ser decretadas pela Nação: nós já propomos para conselheiros de Estado, talvez para ministros de Estado tenhamos que propolos. Quando isto fosse feito pelas legislaturas seguintes, não haveria inconveniente algum, e se fosse feito francamente. Como este artigo pois tem relação com estas idéas de nomeação de conselheiros d'Estado, e lugares eminentes: parece que o devemos deixar para a Constituição como artigo constitucional, e que se faça um decreto para evitar este mal eminente.

O senhor Girão: - Voto pelo decreto pela ultima razão que ouvi, mas queria um additamento; que nenhum Deputado da presente legislatura beija-se a mão a S. Magestade, e que o não fosse visitar sem consentimento das Cortes; finalmente que em caso nenhum lhe beijasse a mão, porque isto he um acto, que corresponde ás cabeçadas que se dão ao Imperador da China; he o acto mais indigno do caracter dos Representantes da Nação, e principalmente de Cortes Constituintes.

O senhor Luiz Monteiro: - Eu accrescento que isto não só he indigno de um representante da Nação, mas he indigno de qualquer Cidadão Portuguez, e nenhum Cidadão Portuguez he obrigado a fazer aquillo que a lei não manda. A lei não maneia beijar a mão a ElRei: por tanto todos devem deixar de o fazer.

O senhor Castello Branco: - Assembléa está dividida entre dois objectos, trata-se de remediar males eminentes, males proximos, e talvez já desgraçadamente começados; trata-se de remediar males remotos, e dar providencias que liguem as legislaturas futuras; parte da Assembléa se inclina por estas providencias geraes, que vem a ser lei constitucional, outra, parte se tem declarado pelo decreto provisional: os males proximos, os males que já disse talvez desgraçadamente tenhão começado; estes são os que se devem providenciar; e que não devemos sair dessta Sessão sem lhe dar as providencias necessarias, são simplices remedios, as providencias devem tambem ser simplices, não exigem nem grandes reflexões, nem grandes estudos, nem dilatadas discussões: não he assim a respeito de providencias geraes; a respeito da lei constitucional. A Nação inteira deve estar certa dos desinteresses dos seus Representantes; o maior sacrificio que cada um de nós póde fazer, talvez seja o expor a sua representação, quando vir, segundo o seu modo de pensar, que elle não póde promover o bem geral da Nação sem expôr a sua mesma reputação; talvez seja ao menos para mim o maior sacrificio que possa fazer neste Congresso, expor a minha reputação, quando vejo que o bem publico assim o exige; por consequencia a lei geral, sem que seja necessario eu declarar já qual he a minha opinião sobre esta materia, esta lei geral que deve fazer um artigo separado da Constituição, certamente exige grandes reflexões, grandes considerações; e por consequencia não póde deixar de ser objecto de grande discussão. Por consequencia me parece que não deve por hora tratar-se desta materia; e que deve reduzir-se a um decreto provisional que nos ligue tão sómente a nós, depois tratatemos da lei que deve ligar as legislaturas futuras.

O senhor Presidente: - Proponho se se deve passar o decreto Provisorio, ou a discussão do artigo da Constituição. Os que forem de opinião do decreto Provisorio para esta legislatura levantem-se; e os que forem de opinião contraria deixem-se ficar sentados. Decidiu-se que se passasse o decreto Provisorio.

O senhor Borges Carneiro: - Não se esqueça fazer-se menção a respeito dos requerimentos.

O senhor Girão: - Insto pela minha indicação, senhor Presidente.

O senhor Rodrigo Ferreira da Costa: - Senhor Presidente. Em virtude desta decisão peço permissão ao Congresso para tratar de um requerimento dirigido ao Governo para ser pago de um resto de ordenados que me competem de tempo anterior á minha entrada nas Cortes.

O senhor Luiz Monteiro: - Eu assignei ontem um requerimento para pagamento de principal, e juros vencidos ha 21 annos, que tem hypotheca especial.

O senhor Castello Branco: - Tenho uma reflexão a fazer sobre o que acabão de propor os illustres Preopinantes. Trata-se de pagamentos de ordenados, trata-se de pagamentos de dividas no systema actual, ordenados antigos, dividas, devem seguir uma regrai esta regra he regular para todos os cidadãos Portuguezes; e igualmente para os Deputados de Cortes, que não deixão de ser Cidadãos Portuguezes, e terem iguaes direitos como os outros. Se ha regra estabelecida, uns e outros devem entrar nessa regra; por tanto será licito aos Deputados de Cortes pedirem os pagamentos das suas dividas, e ordenados antigos com tanto que apontem a lei, que manda expressamente que sejão elles pagos no tempo que pedem; porque a não se seguir esta regia, dali mesmo póde succeder que eu me vá servir da minha influencia como Deputado de Cortes, para se alterar a meu favor essa regra, que deve regular os pagamentos regulares; e por consequencia julgo isto equivalente a uma mercê. Alterar a regra dos pagamentos a favor de um Cidadão preterindo os outros, he uma mercê equivalente a outra qualquer. O Deputado de Cortes não póde pedir mercê; por isso o Deputado não póde pedir que se lho pague uma divida fóra da regra da escala geral; por isso muito embora seja isto licito ao Deputado de Cortes, com tanto que elle aponte a Lei.

O senhor Luiz Monteiro: - Desde que vivo ain-

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da não pedi mercê nenhuma, nem peço, nora pedirei; o que peço he o pagamento do principal e juros de um emprestimo, que fez a minha casa para a fundação do hospital de Santa Clara com dois alvarás Reaes, hypothecando-se as rendas da Alfandega.

O senhor Borges Carneiro: - Parece que se tem falado sobre hypotheses que não existem, Irala-se de um requerimento sobre objectos que não estão prohibidos; não ha mais do que fazer saber ás Cortes que se quer tentar um requerimento sobre tal objecto: as Cortes dão o consentimento para requerer, o que for justo conforme as leis, e procede-se conforme estas; de sorte que as Cortes só tomão conhecimento do objecto em geral para poder requerer.

O senhor Rodrigo Ferreira: - Senhor Presidente, devo esclarecer o Augusto Congresso sobre a natureza do meu requerimento. Passando da Secretaria, do Exercito para a Academia de Marinha, antes de ser chamado para as Cortes, houve erro de data em um dos avisos expedidos da Secretaria do Governo pura este fim, do que me resultaria a perda de quasi um mez de soldo vencido. A folha por onde eu havia de cobrar já foi paga: e eu deixei de receber por falta de assignatura, e por causa deste erro. O meu negocio he de justiça, e não de graça: he receber o soldo do ultimo mez em que fui official da Secretaria do Exercito, o qual fecha toda a minha conta com a Thesouraria. Parece demasiado escrupulo deixar a conta aberta por um pequeno lesto, para fechala daqui a um ou dois annos.

O senhor Sarmento: - Entre os pequenos objectos da herança de meu pai, existia um padião de juiz Real. Foi preciso que eu me habilitasse seu herdeiro, levo isto ao conhecimento do Congresso porque talvez me seja necessario fazer alguns requerimentos. A lei que ha, he ser eu filho de um homem, e seu herdeiro.

O senhor Corrêa da Silva: - Desejaria saber se os Deputados que tom sido preteridos na carreira que tem tido, se acaso podem requerer ao Governo, mostrando a justiça da sua causa: e se neste caso he necessario licença das Cortes, eu a peço, porque eu fui um dos officiaes preteridos no Corpo d'Engenheiros. Alguns já forão indemnisados, eu ainda estou sem ser promovido; nestes termos pedia ao Congresso licença para continuar na minha pertenção.

O senhor Borges Carneiro: - O decreto exceptua os empregos que tocão por escala; agora pergunto se um Deputado que julgar ter sido pretendo na escala, póde requerer para fazer verificar a escala? Porque o decreto diz, que elles podem ter empregos, que lhe competirem por escala, suppõe que elles não requerem; por tanto a questão he, se póde requerer, porque isto parece entrar em duvida, visto que só se permute o acceitar.

O senhor Corrêa da Silva: - Parece que a. todo o cidadão he licito mostrar a injustiça que se lhe fez tem alguma cousa. Um Deputado de Cortes parece que lhe deve ser permittido isto.

O senhor Macedo: - (Eu não o percebi, diz o Taquigrafo).

O senhor Corrêa da Silva: - Senhor Presidente, já se verificou comigo, foi despachado um official mais moderno do que eu, indemnisarão-se alguns, e eu fiquei de fora. Pergunto se posso, ou não requerer.

O senhor Vasconcellos: - Mu acho que nesse caso devia ter requerido ao Congresso.

O senhor Corrêa da Silva: - Eu não o tinha proposto, porque via o artigo 80.

O senhor Borges Carneiro: - Creio que alguns Deputados estão nas mesmas circunstancias do senhor Corrêa da Silva, por isso assento que se deve adoptar uma regra geral.

O senhor Vasconcellos: - Creio que a intenção da lei he, que os que se julgarem preteridos devem requerer ao Congresso por escrito.

O senhor Presidente: - Fica então decidido, que aquelles que assim se julgarem offendidos por uma preterição, podem dirigir-se ao Congresso para a emenda da preterição, no caso que o Governo lhes não defira?

O senhor Corrêa da Silva: - Isso he o que eu Tu, primeiro requeri á Regencia, e a Regencia não me deferio, e como veio esta nova ordem de cousas, apresentei o requerimento ao Ministro actual da Guerra, e não sei o estado deste negocio, agora desejo então saber se se deve resolver pelo Governo, ou se devo requerer ás Cortes, desejo saber o meu procedimento neste caso.

O senhor Soares Franco: - Deve-se dar parte ás Cortes, quando se quizer fazer algum requerimento; mas agora não se trata de fazer requerimento, trata-se de requerer a decisão e se for contraria; então verá o que deve fazer; se fôr porem favoravel, pergunta se póde acceitar o despacho.

O senhor Peixoto: - Reprovo absolutamente o recurso ás Cortes; que nenhum Deputado possa requerer do Governo mercê alguma, he uma maxima tão importante, que não se concebe a contraria sem estremecer, suppondo a Patria em perigo. Eu mesmo já no sabbado de tarde trouxe o projecto de Constituição para requerer que o artigo 80 fosse hoje da ordem do dia: e por pejo, e delicadeza com o Congresso o não fiz. Com tudo se algum deputado for preterido em sua escala, talvez será excessiva a prohibição de reclamar sua restituição, quando seja devida; com tanto porem, que o Congresso não intervenha neste negocio, nem delle conheça por appellação.

O senhor Pereira do Carmo: - Por occasião disto reclamava a observancia do regulamento interino das Cortes, para que desde já se fizesse um tribunal de Cortes para julgar as causas criminaes pertencentes aos Deputados. O regulamento interino diz, que logo no principio se faça este tribunal.

O senhor Castello Branco: - Antes da ordem do dia deve decidir-se este objecto, que se tem tratado, não devemos sair da Sessão sem que se conclua a redacção do decreto. Roqueiro mesmo que os senhores da redacção vão immediatamente farelo no caso que se opprove a doutrina.

O senhor Presidente: - Mas já não; porque alguns dos senhores da Commissão de Redacção são

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Secretarios, e não he de esperar, que depois desta discussão algum dos senhores Deputados acceite mercês, e o Governo as faça.

O senhor Fernandes Thomaz: - O Governo não presenciou a discussão, e póde fazer mercês dos requerimentos que lá estão, que não são poucos.

O senhor Presidente: - Mas ainda que o Governo tenha feito essas mercês, não se póde presumir, que os illustres Deputados as acceitem.

O senhor Franzini: - Eu devo declarar, que não tenho feito requerimento algum, nem tenho pedido graça nenhuma.

O senhor Vasconcellos: - Nem eu.

Decidiu-se que se fizesse o decreto, e que a Commissão de redacção se encarregue na forma da indicação do senhor Pereira do Carmo, accrescentando que deve preceder licença das Cortes, em quanto aos requerimentos de tarifa, e que tal decreto he sómente applicavel á presente legislatura: e era quanto aos requerimentos de que tinhão feito menção os senhores Deputados, se lhes concede a necessaria licença.

O senhor Deputado Secretario Freire fez a indicação de se lembrar ao Governo, que mande publicar regularmente no principio dos mezes o mappa das contas de todas as repartições: e assim se determinou.

O senhor Vasconcellos pediu ser dispensado de votar no parecer da Commissão de Marinha, relativo a promoção, por ser nella interessado: e assim se lhe permittiu.

Leu-se pela primeira vez a indicação do senhor Girão, que he a seguinte.

Proponho que nenhum Deputado de Cortes possa ajoelhar e beijar a mão a Sua Magestade, nem ir visitalo sem licença das Cortes. - O Deputado Antonio Lobo Barbosa Ferreira Teixeira Girão.

Leu-se mais a seguinte

INDICAÇÃO.

Tendo o ex-Governador da Ilha da Madeira, Sebastião José Xavier Botelho, dado as provas mais decididas de amor da patria, e de adhesão ao systema constitucional, desde que soárão nas terras do seu governo as ditosas noticias da nossa regeneração, o que com toda a evidencia ainda mais patenteou no memoravel dia 28 de Janeiro, em que aquella ilha se Tiniu inteiramente aos principios adoptados em Portugal, e lendo o dito ex-Governador permanecido constante nestes puros sentimentos de patriotismo por todo o tempo em que governou aquelles povos, acontece que a Regencia, depois de o haver altamente louvado, lhe deu successor muito antes de findar o tempo com que tinha sido despachado, do que lhe tem resultado grande detrimento na honra e na fazenda. E como isto só podia succeder por engano e allucinação da extincta Regencia, mal informada por alguns inimigos deste benemerito Portuguez, e sendo justo, e até do dever deste Congresso desafrontar aquelle, cujos procedimentos com tanto enthusiasmo applaudiu, e que sem ter desmerecido taes applausos ora se acha nesta capital com creditos duvidosos, e indigente, e separado da sua numerosa familia, sendo este o premio de tamanhos, e tão malfadados serviços. - Indico que se manifeste ao publico, que este bom servidor da Nação conserva illibado para com o Soberano Congresso o conceito, que delle formou. Salão das Cortes aos 30 de Julho de 1821. - João Vicente Pimentel Maldonado.

Decidiu-se que era desnecessario por estar justificado pelo testemunho publico, em razão do novo emprego para que está nomeado.

Passou-se á ordem do dia, e entrou em discussão o artigo 25 do projecto de Constituição.

"25 A Religião da Nação portugueza he a Catholica Apostolica Romana. Permitte-se com tudo aos estrangeiros o exercicio particular de seus respectivos cultos."

O senhor Girão: - Eu approvo o artigo 25 tal qual está; pois que elle he religioso e politico: eu vou provar isto olhando-o primeiramente pelo lado da religião, e depois o observarei pelo da politica. Jesus Christo, divino fundador da santa Lei que professamos, era tolerante, o que se mostra por muitas passagens do Evangelho, e entre outras lembro-me da Samaritana: os Apóstolos forão igualmente tolerantes, pregavão a tolerancia aos Romanos, e a favor desta viverão e espalharão a luz divina, que pouco a pouco dissipou as trevas do paganismo. Ora em quanto a religião foi tolerante, e de mansidão e paz, todas as nações do orbe então conhecido a recebêrão com gosto; ella se estendeu ao oriente, ao occidente, ao norte, ao sul; mas depois que os homens a prostregárão, armando-a de ferro e fogo, o mundo viu o horroso massacro de S. Bartholomeu, as vésperas Cicilianas, e as guerras civis da Inglaterra: viu banhar com o sangue de Maria Estuard o throrio Britanico, despovoar a Hespanha e Portugal, e fazer em Sevilha um queimadeira perpetuo para victimas humanas!!! Finalmente todas as aguas do Atlantico não forão sufficientes para apagarem as fogueiras do fanatismo, e os Inças innocentes, a quem civilisados povos devião ensinar, e amar, forão destruidos! Tantos horrores devem fazer-nos entrar em nossos deveres, sermos humanos, sermos tolerantes. Pelo lado da politica observarei o risonho campo, que a tolerancia, patentea a nossas vistas, eu vejo regressar á cara mãi patria os filhos perseguidos pela ignorancia, ou pela calumnia, e outros muitos que tiverão a desventura de não pensar como nós, ou que lho imputárão, e os fizerão largar seus lares, voltarão tambem; pois ainda se honrão de serem Portuguezes, e de conservarem, ha seculos, o nosso idioma entre os estranhos. Este artigo he a chave douro que abre as portas de nossas vastas provincias ultramarinas a todos os desgraçados Europeos, que ainda gemem sob o monstro hediondo do despotismo; ali acharão pingues terrenos, ceo benigno, e leis sabias, liberaes, e tolerantes. Sanccionemos pois este providentissimo artigo, para que tremão os déspotas, que profanão o nome de alliança, paia que conheção que outra mais santa se forma entre os povos, e para que estejão certos,

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que se tiverem tantos escravos armados que possão vencer as nações visinhas, ellas desapparecerão de seu ferreo dominio, ellas se unirão aos Portuguezes livres, e os deixarão reinar sómente em desertos, em bronzes, e baluartes.

O senhor Pereira do Carmo: - Não me levanto para defender o principio da tolerancia civil, concedida aos estrangeiros, e consignada no artigo 25 do Projecto da Constituição: a defeza importava um insulto feito á razão humana, a santa Religião de nossos pais, esta cadêa de ouro, que une aterra aos CPOS, as luzes do seculo em que vivemos, e até mesmo ao Soberano Congresso, porque dava a intender, que seus Illustres Membros ignoravão os horrores da noite de S. Bartholomeu: as devastações da guerra de trinta annos, a revogação do Edicto de Nantes: o sangue derramado a grandes ondas em ambas as Indias e o potros, e os cadafalços, e as fogueiras accendidas pela intolerancia noa dois reinos de Hespanha e Portugal. Não mui longe deste Augusto recinto muitos centos de victimas forão sacrificadas hum só dia nos altares da intolerancia pelas mãos do fanatismo, e da superstição e esta nodoa indelevel foi lançada em nossos fastos, quando o mais venturoso Rei occupava o Throno Portuguez! Eu não defendo pois a tolerancia, por que me lisongeo de que nem uma só voz se alçará para alacala: mas a intolerancia, d'involta com suas companheiras inseparaveis, a superstição, e fanatismo, costuma ser mui arteira, pede mascaras emprestadas a virtude, e tomando nos labios palavras de paz e doçura surprehende muitas vezes a probidade, e os talentos. Só neste sentido he que posso explicar as duas opiniões, pronunciadas na ultima Sessão de Constituição. He verdade, que ellas não alacão frente a frente a tolerancia civil, concedida aos estrangeiros; mas parece-me, que indirecta e obliquamente lhes vão impecer. Estou firmemente resolvido a não dar quartel á intolerancia, por mais disfarçada que se me apresente: sou intolerante para a intolerancia: sou seu inimigo capital; e quanto em mim cabe, farei por a desterrar do nosso belo paiz para os certões d'Africa. Vamos ás opiniões. A 1.ª he que o aitigo esta deslocado, porque a Constituição he feita para os Portuguezes, e não para os estrangeiros.

Respondo; o que he Constituição? He o pacto social, aonde vem expressas, e declaradas as condições, porque uma Nação se quer constituir em corpo politico. Qual he o fim da Constituição? O bem geral de todos os individuos que entrárão no pacto social. Agora digo eu - mas a tolerancia civil concedida aos estrangeiros efficazmente concorre paia se alcançar esse fim, logo a toleiancia civil concedida aos estrangeiros he mui bem cabida no pacto social, porque a Nação se pertende constituir em corpo politico. Vamos a segunda duvida.

A tolerancia deve ser decretada numa lei civil, para se poder alterar segundo as circunstancias. He precisamente a que eu me opponho: eu desejo deixar a meus filhos e successores este rico patriotismo da tolerancia a salvo dos caprichos dos legisladores futuros, e por isso insisto em que seja um artigo Constitucional. Não quero que nas idades vindouras tornem a vogar aquellas maximas, que prevalescerão na Regencia do S. D. Pedro II., assoalhadas num papel, attribuido a Mendo de Foios. Ei-las-aqui = A politica mais segura consiste em que seja uma só a Religião, e esta a da nossa Santa fé, porque sem ella mal póde ter lealdade ao Principe quem a não tem a Deos. = He axioma politico que na Republica nunca se ha de permittir mais estrangeiros que os naturaes, principalmente quando entre elles for a Religião diversa. =. He tempo em fim que todos os homens de todos os paizes, e do todas as religiões se considerem e tratem como irmãos, e amigos, pois que todos elles sahirão das mãos do primo Autor da natureza.

Agora só duas palavras aos hypocritas, fanaticos, e mal intencionados, que fingirão arripiar-se, e estremecer com as minhas opiniões. A tolerancia que eu proclamo não he nova entre nós. Os nossos primeiros treze Reis forão tolerantes, e nunca a santa Religião que professamos esteve mais arraigada no coração dos Portuguezes, do que quando estes toleravão em seu seio os Mouros, e Judeos; e nunca a prosperidade da Nação foi em tamanho augmento. Veio a intolerancia, e vierão com ella a corrupção dos costumes) a diminuição da prosperidade publica, e por derradeiro a queda da Monarquia. Observo alem disto, que o divino principio da talerancia civil está reconhecido, e adoptado por o nosso bom Rei no tractado com Inglaterra de 19 de Fevereiro de 1810. Voto por tanto pela doutrina do Artigo, que desejava todavia mais ampliala, e declarala."

O senhor Sousa Machado: - Quando nhuma das Sessões antecedentes principiou a discutir-se a materia deste paragrafo, ouvi um illustre Orador exigir uma declaração, de que todo o Portuguez, que abandonasse a Religião Catholica Romana, não fosse tido por cidadão portuguez, e outro por ser Ministro da Religião teve receio de manifestar sobre esta questão as suas idéas luminosas e liberaes. Eu devia ter os mesmos receios por estar em iguaes circumstancias: mas considerei, que sou Representante da Nação, e que a mesma qualidade de Sacerdote me constitue n'huma mais rigorosa obrigação de dizer francamente e sem disfarce, quanto me dictar a minha consciencia, e me suggerir o meu pobre entendimento segundo o dito do Profeta - Ecce Sacerdos venit non decipiet nos. Estou tão longe de concordar com o primeiro dos illustres Preopinantes, quando exige uma pena tão grave pela transgressão deste artigo, que pelo contrario eu julgo, que o Congresso excederia a linha da demarcação do seu poder, se de qualquer modo decretasse a intolerancia. As leis são injustas todas as vezes, que o Legislador por meio dellas não distribue com igualdade os encargos e os commodos da sociedade, ou quando exige sacrificios, que não são necessarios, para obter o fim, a que elle se propõe, porque as leis clivem quanto for possivel, proteger a maior liberdade do cidadão. He por esta segunda razão, que eu julgo a intolerancia injusta, porque o fim da sociedade erão não he a felicidade eterna e permanente, he sómente a paz temporal, em

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quanto dura esta mortalidade transitoria he pois a este fim, que elles devem ordenar as acções dos cidadãos: devem logo considerar a Religião sómente pela influencia, que tem em paz civil: deve-lhe ser indifferente qualquer Religião, uma vez que se obtenha a mesma paz: e deixar livie aos cidadãos servir a Deos e consultar a sua salvação, segundo lhe dictar a sua consciencia. Esta logo tão longe de poder-se decretar a pena de desnaturalizarão contra os transgressores do artigo, que qualquer constrangimento, que as leis ordenassem seria injusto, por ser feito sem jurisdicção. O homem tem direito a exigir, que o deixem servir a Deos segundo a sua consciencia: nada he tão injusto como vexar as consciencias, a essencia da Religião consiste em actos internos, que não podem nunca ser sujeitos a constrangimento, e os que não tem idéas convenientes da Divindade, e não sentem por ella respeito, amor, e o temor, que lhe são devidos, não os adquirem, quando o constrangimento lhe vai extorquir os signaes externos de Religião, nem mudão, se antes tinhão idéas contrarias áquellas, que lhe que não imprimir. A Religião não deve ser abraçada, porque o Governo o manda, as ordens delle não são motivos de credibilidade: forçar com penas temporaes a abraçar uma Religião, em que se não crê, he dar occasiões a infinitos sacrilegios, e a profanar todas as cousas as mais santas, he mostrar-se inimigo da verdade, da virtude, e da verdadeira piedade, porque a violencia nada mais faz, que hypocresia, a qual augmenta consideravelmente a impiedade. Deos não he nunca mais directamente offendido do que, quando se faz o que a consciencia ainda a mais erronea dicta, que se não deve fazer, por lhe ser desagradavel: nada pois lhe deve ser mais desagradavel, que a hypocresia. A consciencia he a voz, e a lei de Deos conhecida, e acceita por aquelle, que tem esta consciencia. o que obra contra elle crê, que viola a lei de Deos: ordenar uma acção a alguem, que crê ser ella uma desobediencia á lei de Deos, he ordenar o desprezo de Deos, e um acto essencialmente máo, que ninguem póde mandar. Examinemos mais miudamente a natureza de semelhante preceito, ou lei, e vêr-se-ha claramente o seu absurdo. Obrigar-se por si e por seus successores a ser desta Religião, he suppôr mui ligeiramente, que nunca se ha de mudar de consciencia: he não reflectir nas mudanças, que acontecem no mundo, e nas differentes ideas que succedem nos espiritos: muito embora nos obriguemos a uma certa crença, mas aos vindouros deixemos-lhe a liberdade de seguir a sua consciencia. O que mais póde fazer o Legislador he mandar, que se estude a Religião, e se examinem as provas, em que se funda, mas nunca que se approve, porque seria mandar um impossivel. A Religião Christã pede ao homem o coração e a boa vontade em todos os actos de praticas, um culto racionovel, e uma persuasão bem illuminada: segue-se logo que elle reprova todo o constrangimento, pede ser seguida pela razão, e que antes de tudo seja exclarcendo o entendimento, e se procure attraír o amor Jesus Christo disse, quando mandou os discipulos pregar sua doutrina, que se os perseguissem n'uma cidade fossem para outra: petmittiu-lhe sómente protestar contra os que não querem ouvir sua pregação - comparasse ao Pastor que he conhecido das ovelhas e vai adiante chamando por ellas - e que quando abandonado pelos discipulos pergunta aos Apostolos se tambem elles o querem abandonai, não da a entender, que não quer ninguem violento na sua sociedade? Não se póde inventar nada mais impio, e injurioso á Religião Christa, do que dizer-se, que ella he intolerante Os Padres dos primeiros seculos todos sem excepção pregárão a tolerancia como um dogma de nossa Santa Religião, e negarão, que podessem ser castigados os que servião a Deos segundo as luzes da sua consciencia. Resta sómente resolver o fundamento unico das partes oppostas, o qual he - que a intolerancia he necessaria para evitar a confusão e desordem, que nasceria nas sociedades da introducção das differentes Religiões estes senhores eu os comparo aquelles, que depois do correr um longo espaço para evitai um precipicio, a final depois de bem tempo perdido em procurai passagens apertadas, vem caír no mesmo abysmo de que tinhão fugido. Porque poderá nunca o Governo por mais vigilante que seja evitar, que qualquer Religião vinda de novo ao paiz, faça proselitos antes de ser descoberta? Não sem duvida: e que se segue depois quando he descoberta e o Governo usa de violencia e de perseguições? Odios contra os denunciantes, intrigas, calumnias, maldições, e mil crimes dos que soffrem, e dos que fazem soffrer: e eis-ahi piores males que os que se querião evitar! A perturbação não procede da tolerancia, procede da sua mutua intolerancia, decretada aquella, prohibida a mutua perseguição, usando-se dos meios da brandura, e de persuasão, todos vivirão em paz, e aquelles, que forem religiosos, não serão fingidos, serão verdadeiros, esta sociedade será logo o modelo da perfeição, ella attrahirá ao seu gremio os que de boa fé livres das paixões procurão a verdade, porque esta não teme combater com a mentira, leme sómente ser sufocada. Dou pois o meu voto exigindo, que o artigo se declare de forma, que não seja equivoco, e que se entenda, quando se diz que a Religião Catholica he a dos Portuguezes - que he esta aquella, cujos Ministros são sustentados pelo Estado, e cujas funcções gozão da protecção das leis mas que se deixa-me a consciencia de cada um consultar a sua salvação do modo, que lhe dictar a sua consciencia. Esta he a doutrina que julgo dever ensinar como Sacerdote da Religião Christã, e como Representante da Nação.

O senhor Gouvêa Osorio: - Tenho ouvido falar aqui em tolerancia religiosa, não sei o que isto seja; tolerancia civil estou por isso; tolerancia religiosa não entendo e daquella he que se deve entender a tolerancia dos Padres da Igreja. A tolerancia religiosa he inteiramente contraria ao espirito da religião.

O senhor Bispo de Béja: - Na Sessão antecedente em que se tratou da tolerancia, expuz bem claramente os meus sentimentos sobre este objecto, e do que disse não póde deduzir-se ser filha do fanatismo e superstição a doutrina, que então desenvolvi. Agora vou a mostrar que sou ainda mais tolerante que o

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mesmo illustre Preopinante, pois mostrarei que a tolerancia civil muito se ajusta com o espirito e maximas do Christianismo. A religião christã não he uma religião de discordia, como Rosseau a pinta no seu contracto social. O Christianismo tende a reunir todos os homens. Unia religião, que ensina que todos os homens são irmãos, que nos impõe uma rigorosa obrigação de obedecer ás autoridades legitimas, ainda que sejão heterodoxas, e perseguidoras, que não quer conquistar senão pela persuasão, não submnistra pretextos de guerra. Não se diga que muitas guerras tem sido feitas por causa da religião; pois he incontestavel que ellas forão feitas contra os seus mais expressos preceitos, e contra os exemplos dos mais belos seculos do Christinismo. Em uma palavra a religião christã proscreve os erros, mas ella nos ensina a tolerar os errantes, porque a sua base he a caridade. Tenho pois demonstrado a minha proposição. Agora farei uma recapitulação da doutrina que expuz na sobredita Sessão. Mostrei em 1.° lugar que a tolerancia civil era um negocio de summa importancia; que se devia fazer differença entre os Estrangeiros, aos quaes por tratados era concedido o livre exercicio dos seus respectivos cultos, e aquelles, a quem de novo se tratava de conceder o dito exercicio. Quanto aos primeiros sustentei, se devião religiosamente observar os tratados já estabelecidos; quanto porem aos segundos, mostrei que em regra uma Nação não estava obrigada a conceder-lhes o livre exercicio do seu culto. Ninguem ignora a grande influencia, que em todos os tempos a religião teve no espirito dos povos. Da introducção de novos cultos podem nascer cabalas funcções, e divisões; por isso pede a prudencia legislatoria que o Governo tome as medidas as mais justas e analogas ao caracter dos povos, e conseguintemente era de parecer que o artigo 25 do projecto da Constituição se deveria exprimir da maneira que expuz, a saber, em lugar da palavra = permitte-se = se diga = poderá ser permittido = ficando este ponto inteiramente dependente do arbitrio do Governo.

Em 2.° lugar adverti, que o argumento, e que alguns escriptores recorrem para justificar a doutrina da tolerancia civil, deduzido da indifferença com que as Nações antigas olhavão para a diversidade dos cultos, nenhuma força tinha; porque 1.° não he á doçura do seu caracter, que devemos attribuir esta tolerancia, mas á conformidade nos dogmas, e culto, pois todas as antigas seitas tinhão a mesma base. 2.º que devia tambem entrar em conta a natureza do seu governo. As Republicas são essencialmente mais tolerantes que as Monarquias. Tenho pois mostrado que a doutrina, que expuz nesta Augusta Assemblea não póde ter taxado de fanatismo, e superstição. Ella não foi bebida em autores fanaticos mas sim nos melhores publicistas, que examinarão esta tão importante materia sem preocupação, e a considerai ao por todos os lados.

O senhor Borges Carneiro: - Longe de mim ser Apologista da apostazia; eu sei que he direito e obrigação dos Principes não tolerar que alguem ataque por palavra ou escriplos a verdadeira religião, e lhe declare guerra: este direito nasce do direito de proteger a Religião do paiz; e do juramento de a manter: não confundamos porem com isto o outro direito e obrigação de permittir o livre exercicio de seus cultos aos estrangeiros, e mesmo a quaesquer subditos residentes dentro do territorio: digo mesmo e a quaesquer subditos, e esta he a expressão dos Canonistas sobre esta materia, pois que a razão e o bem commmn persuadem que se Colonias dos Suissos, por exemplo, forem estabelecer-se no Brazil, e ali naturalizar-se, e fazerem-se Cidadãos, hajão deter o livre exercicio do seu culto. Eu não posso autorizar melhor o que digo, do que servindo-me das palavras do insigne Canonista Riegger, varão orthodoxo, e eruditissimo. "Do supremo direito (diz na sua Jurisprudencia Ecclesiastica parte 1.º § 454), que tem os Principes sobre o Governo da Sociedade civil deriva-se o outro de permittir aos seus subditos o livre exercicio de seus diversos cultos; não só de o tolerar simplesmente, mas de determinar por Lei e tratados a fórma, e limites desta tolerancia, a fim de se evitarem males que de outro modo não poderião prevenir-se. Nestes tratados, e leis fundamentaes (continua em a notta) se funda a Constituição do Imperio Anglo-Germanico, depois que 30 annos de guerra que debelarão os póvos, se terminarão; estabelecendo-se os principios de tolerancia dos cultos. Primeiro no tratado de Passau em 1552, e depois na paz religiosa de Westphalia em 1555." Similhantes exemplos são frequentes em outras Nações. Não desejamos nós que os Chinas não persigão os Macaenses, e não louvamos os Lords, que perorão no Parlamento Inglez a causa dos Catholicos Irlandezes? Toleremos pois, os Protestantes em o nosso territorio, como queremos que elles tolerem em o seu aos Catholicos Romanos. Por aquella medida, diz o Evangelho, porque medirdes aos outros, se nos ha de medir a nós, medida boa e acogulada, e que deite fóra! Isto que digo dos Protestantes, a quem chamamos hereges, he applicavel aos infieis, quero dizer Ethnicos, Mouros, e Judeos. Não basta proscrevermos a idéa de os obrigar á força, e com coacção physica a seguir a nossa Religião; idéa contraria ao dictame do Apostolo cujus vult Deus mizeretur et quem vult indurat: pelo que todos os Canonistas, e entre nós uma lei de D. João V. reprovarão a infame pratica de tirar aos infieis os filhos pequenos por trahição, ou violencia para os baptizar; reprovárão essas guerras insensatas com que D. Sebastião com o fim, ou pretexto de propagar a fé ia aos desertos da Africa dar cabo de si, e deste Reino; e ai famosas cruzadas com que se ião inquietar os socegados Palestinos, que da sua parte se desforravão como podião; mostrando Deos que não approva taes empregos; não basta, digo eu, desterrar taes idéas, mas convem tolerar positivamente os cultos dos mesmos infleis, que se estabelecerem em o nosso Paiz: gravissimas pão as causas (diz o citado Riegger na parte 4.ª § 285, e seguintes) que podem mover um Principe christão a receber os infieis no seu Paiz, e estabelecer os justos limites da tolerancia dos seus cultos; alem da razão consignada na lei natural e divina, que nos leva a perdoar aos nossos inimigos e mes-

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mo a beneficialos ha uma particular razão a respeito dos judeos, a quem os christãos estamos em grande obrigação, por serem vigilantes guardas dos livros do velho testamento: por isso com razão chamados os Bibliotecarios dos christãos, no que nos deixárão contra os gentios um vivo e duradouro testemunho de origem divina, e da autenticidade daquelles livros: e conseguintemente da verdade da religião christã. Pelo que foi a tolerancia para com elles praticada desde os primeiros seculos da Igreja. Os Pontifices os favorecêrão. Os Imperadores Romanos os tiverão debaixo da sua especial tutela; forão chamados senos especiaes da camara, permittirão-se-lhe as cerimonias da sua religião, e viver segundo a lei Mosaica. Novela 46, celebrar as suas festividades, usar do direito commmn, civil, e criminal; ter as suas synagogas, isto mesmo as usa ainda hoje em Roma onde tem o seu Gueto debaixo dos olhoss do senhor Papa; isto mesmo se praticou em Portugal até o glorioso Reinado do Senhor D. Manoel, sendo frequentes as Mourarias, e as synagogas. A Conceição velha era a sua principal synagoga; assim nos bons tempos da religião, da monarquia antes que a ferocidade Inquisitorial, e Jesuitica, prevertendo o espirito do Evangelho, a pratica da Igreja, e a razão humana, julgou perseguir a ferro e fogo todos os heterodoxos, e lançar vivos ás chammas os que tivessem sómente a suspeita de adherir a lei de Moyses! Concluo pois, que a tolerancia dos cultos ou sim pies ou limitada depois por leis ou tratados particulares, he conforme o espirito do Evangelho, e pratica da Igreja; e um artigo Constitucional das Nações bem organizadas, que deve ser concedida a todos os subditos naturalizados no Paiz, para que os nossos descendentes, e os estrangeiros possão contar seguramente com ella, sem temerem a inconstancia dos legisladores futuros, e nesta conformidade voto que se forme a presente artigo.

O senhor Trigoso: - Sou obrigado a defender a minha opinião, que foi atacada por um dos illustres Preopinantes, o qual nas suas expressões pareceu arguir-me de fanatismo, e superstição: comtudo não me persuado que elle seriamente quizesse arguir-me destes dois vicios, assim como que elle está bem persuadido de que eu o não pertendo arguir nem de mal intencionado, nem de impio; limito-me pois unicamente a defender a minha opinião, e o Congresso decidirá o que quizer ácerca do meu modo de pensar. O que eu disse na Sessão de tres de Agosto foi, que este artigo não me parecia proprio da Constituição, então dei as razões em que me fundava, e agora as repito. A primeira razão porque então julguei, e ainda julgo que este artigo não deve fazer objecto da Constituição, he porque a Constituição, segundo se deu no artigo 1.°, tem por objecto assegurar os direitos dos cidadãos portuguezes; e quando no artigo 4.° e questionou muito, se o cidadão deixaria ser preso era culpa formada, quero alguns dos illustres Deputados que este artigo se estendesse aos estrangeiros, disserão outros, que a Constituição era destinada para manter os direitos politicos do cidadão, e que ainda que aos estrangeiros se estendesse o direito de não ser preso sem culpa formada, o deveria ser por uma lei que não fosse constitucional. Em consequencia sendo o objecto da Constituição o manter sómente os direitos dos cidadãos, fica claro que o estabelecer na Constituição o exercicio particular dos respectivos cultos aos estrangeiros, he regular os direitos destes meamos estrangeiros; o que não he objecto de Constituição. Alem desta razão produzi outra, e era que não parecia conveniente que nos obrigassemos por uma lei constitucional a admittir indistinctamente todas as Religiões, ainda que aliás as podessemos admittir, por uma lei regulamentaria, que regulasse o exercito dellas, sobre, até que ponto deveria ter lugar esse exercicio: e quaes os casos em que elle não deveria ter lugar: pois que em fim nos atégora temos uma tolerancia de graça, e não convem que pela Constituição venhamos a lei uma tolerancia de justiça. Explicando agora este segundo argumento, porque o primeiro parece-me claro, digo que deve fazer-se differença de tres differentes especies de estados, relativamente á differença de cultos, um destes estados he aquelle que se póde dizer nascente, e que se compõe de um agregado de pessoas pertencentes a differentes seitas; outro destes estados he aquelle que tem soffrido muitas guerras por causa da Religião, e em que he preciso dar a paz aos povos; ha finalmente uma terceira especie de estado, e he aquelle em que ha por muitos seculos uma Religião exclusiva com os rigores da inquisição. De todas estas tres especies de estados nos offerece exemplos a historia actual, tanto na Europa, como na America: digo pois, que nos primeiros estados era que se ajuntão individuos de differentes seitas, a tolerancia de todas as Religiões não podé deixar de ser muito util. Digo que no segundo estado em que depois de muitas guerras por motivos Religiosos he preciso dai a paz aos povos, a tolerancia vem a ser de absoluta necessidade. Em quanto aos outros estados em que a Religião catolica tem sido só estabelecida com exclusão de outras, e onde de mau a mais ha uns poucos de seculos tem existido os rigores inquisitorias, em quanto a estes digo, que o estabelecer a tolerancia he cousa muito perigosa, e os perigos são dois um Religioso, e outro civil, o perigo Religioso consiste em que não póde deixar dever doloroso a Nação, e á soberania, cujos membros seguem uma Religião verdadeira dar occasião a que grande parte de seus subditos abandonem aquella Religião. Não aprovo nem as torturas, nem os rigores ou não rigores da inquisição; mas passar de repente destes rigores a um extremo opposto, he como aliciar os subditos a que venhão a abraçar o culto Religioso de todas as Nações, que estão no paiz, e dar azo a estabelecer-se o indifferentismo, de que porem resultar gravissimas consequencias relativamente á Religião o perigo em quanto a politica console em que considerando-se a Religião entre os publicistas como um poderosissimo seculo da obediencia civil, uma vez que se estabeleça o indifferentismo, vem a Religião a não servir de vinculo algum. Não digo que estabelecida a tolerancia, os portuguezes deixem de ser catholicos; mas o que digo he, que estabelecida a tolerancia absoluta, vem a perde-se este meio efficacis-

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ssimo que tinhão até os soberanos para promover o fim da sociedade e vem adezaparecer este vinculo poderosissimo da obediencia civil. Os argumentos que se oppõem são fortes. Eu conheço que he preciso dar extrangeiros a estabelecerem-se no paiz, e atrazarem os inventos; mas quando ha dois males a evitar, o legislador sabio trabalha por evitar ambos quanto lhe for possivel. Não se estabeleça que nenhuma Religião deva ser tolerada; não se embaraça a Religião domestica de cada um; serão as capellas dos Embaixadores azilos seguros para os diversos exercicios Religiosos; mas quando sé estabelecerem estas leis da tolerancia, seja de modo que se regule o exercicio dos cultos, e que se obste ao mal, que se póde seguir da adissão de differentes cultos: assim he que se fez no tratado de 1610 não se permittio a tolerancia geral de todas as Religiões, mas a particular de algumas, desta mesma foi estabelecida dentro de certas regras. Antigamente tinhão os Mouros mourarias, e os judeos judearias, mas havia leis regulamentares que fazião que outros membros da sociedade não podessem ser alliciados para exercerem os seus cultos. Ora estas leis são as que não podem ser estabelecidas na Constituição, aliàs seria um artigo muito extenso; por isso concluo que não devemos ser inteiramente intolerantes, nem inteiramente tolerantes; não devemos passar dos rigores de uma Inquisição, para uma tolerancia geral, é absoluta sem ser fixada dentro de certos tempos, e limites, para que com estas leis os estrangeiros fiquem seguros no seu culto, e para que com elle não possão fazer prejuizo á Religião Nacional. Os Indios devem ser cathechisados, e ainda que sejão sugeitos ao imperio portuguez a Constituição mesma no artigo 18O, manda prover na sua conversão, e civilização. Os hespanhoes tem Indios nas suas Americas, e apezar disto os hespanhoes decretarão que a Religião calholica e apostolica romana era a unica do paiz. Em quanto aos estrangeiros nós temos tido estrangeiros que tem filhos e que se tem naturalisado; nada mais resta que continuar-se a seguir á cerca delles, o que até agora se tem praticado.

Não vejo por tanto motivo nenhum nem para que se amplie este artigo relativamente aos cidadãos portuguezes, nem para que se conceda desde já tolerancia geral, e absoluta aos estrangeiros, sem se estabelecerem regras para isto:

O senhor Ferreira de Sousa: - Este artigo tem duas partes: em quanto á segunda opino com o senhor Trigoso, que disto se não deve fazer artigo constitucional, e me refiro aos seus fundamentos; quanto á primeira vejo que alguns senhores querem que o artigo fique de modo que seja livre a qualquer Portuguez o professar diversas Religiões sem deixar de ser cidadão; e eu pelo contrario quero que ninguem possa ser cidadão Portuguez sem professar a Religião Catholica Apostolica Romana: que deixe de ser cidadão o que a largar. Seria com effeito contradicção manifesta, se agora segurássemos aos Portuguezes a liberdade de mudar de Religião, ou de não ter nenhuma, depois de termos sanccionados e jurado nas Bases, que aos Bispos ficava salva a censurados erros contra a Religião; e que o Governo os auxiliaria para serem castigados os culpados: de sorte, que em tal caso o Governo se veria na necessidade de manter aos cidadãos o gozo desta liberdade, e ao mesmo tempo castigados pelo exercicio della. Nós juramos manter a Religião Catholica Apostolica Romana; a Nação a jurou quando adoptou a reforma do Governo, e nos poz essa clausula nas procurações; e sem duvida a Nação entendeu, e entende por manter a Religião Catholica o conservala pura, e sem mistura de outras, como ha muitos seculos se tem praticado; aliás poderia succeder, que com o tempo crescesse o numero dos dessidentes; e que a Religião Catholica já não fosse de toda a Nação, ou a da Nação que he o mesmo. Nem se argumente com o que ha muito tempo praticámos com os Mouros, e Judeos; pois que esses acharão-se no Reino quando foi conquistado, e não devião ser privados da sua propriedade; nem obrigados a mudar de Religião, sé bom que nunca forão verdadeiramente considerados como cidadãos Portuguezes. Faz-se injuria aos habitantes de qualquer Paiz conquistado em os expulsar delle pela differença da Religião; mas não se faz injuria aos estrangeiros em os não admittir a cidadãos, quando professão outra Religião; e o mesmo digo dos naturaes; se o pacto social expressa, ou tacitamente contiver essa clausula; porque elles he que se privão do direito de cidadãos em faltar a esta condição. Somos por ventura obrigados a fazer o gosto hum cidadão que pertende ler mais liberdade que os outros? Esse tal que procure outra sociedade mais livre, se esta lhe não serve, estão as historias cheias de funestas perturbações, que nos diversos Estados tem causado ou occasionado a diversidade de Religiões e Seitas; e posto que no seculo presente pareção os homens menos fanaticos, quem póde segurar o que serão para o futuro. Não vemos nós actualmente como se degolão os Turcos, e Gregos? Para que havemos de admittir entre nós esta semente de discordias, sé por ora estamos livres della, e a Nação toda uniforme na crença. Em fim por encurtar razões que são obvias a todos, concluo que nem nós devemos obrigar por lei inalteravel do Estado a consentir nos estrangeiros o culto, ainda particular de tocta e qualquer Religião que professem; nem tão pouco a admittir como cidadãos aquelles naturaes ou estrangeiro, que não professarem a nossa Religião; e que nesta conformidade se deve formalizar o artigo com a necessaria clareza.

O senhor Soares Franco: - Levanto-me com muito gosto para sustentar a doutrina deste artigo. Quantos primeira parte não falarei; quanto á segunda devide-se em duas parles: pelo que pertence aos estrangeiros, e pelo que pertence aos nacionaes; não póde entrar em questão que a intolerancia he um ataque que se faz á opinião dos homens: em tempos antigos a intolerancia foi causa de todos os males, o seu resultado he firmar a opinião contraria. O martirio foi uma das causas da intolerancia; as perseguições da Rainha Maria forão a causa que firmou o protestantismo em Inglaterra. A intolerancia nunca fez mais do que aferrar o homem a defender a sua opinião á custa do seu sangue; e firmala mais;

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mas eu não pertendo defender a tolerancia em quanto aos nacionaes, mas sim em quanlo aos estrangeiros. Acabão de dizer os Preopinantes differentes cousas, diz-se que já se achavão estabelecidos os Mouros e os Judeos, e que era preciso conservalos sem os privar da sua Religião; isto he verdade, mas D. João II admittio os Judeos de Castella com grandissimas vantagens,, nem se seguio, nem se seguiria grande perigo por se admittirem com a sua Religião, porque ninguem de certo quereria ser Mouro, ou Judeo: o caso he que os Judeos indo para Amesterdão, Liorne e Bordeaux levarão para ahi as suas riquezas. Que fizerão os Judeos que cultiva vão as cidades em Portugal? Forão para Valencia e Costas do Meditterraneo, quando se virão perseguidos pela nossa intolerancia: esta sem duvida foi a causa da nossa desgraça, a Inquisição, e os Jesuitas forão os dois archotes que queimarão a nossa prosperidade, não falo nos Inglezes; he o paiz que parece estar mais pegado á tolerancia. Nós nos tempos antigos fomos tolerantes, sejamo-lo agora tambem; daqui não se segue perigo nenhum ao Estado; seguem-se grandes conveniencias; possão pois vir os estrangeiros habitar o nosso paiz, e trazerem-nos os seus inventos, e as suas riquezas. A Inquisição está acabada; venhão pois elles, conheção por um artigo constitucional que elles podem vir estabelecer-se e viver tranquillos: no entanto eu não quero que esta tolerancia passe para os nacionaes. Pergunto eu: nós devemos ser mais zelosos que o Pontifice em Roma, onde estão sociedades estabelecidas com differentes Religiões. Isto he levar as idéas a um ponto excessivo, e extraordinario! Apoio pois, o artigo como está, e tiraria a palavra particular, dizendo = o exercicio de seus respectivos cultos. = O tratado de 1810, diz = com tanto que não facão prosélitos, e se ofenda a tranquillidade do Estado = ella está consignada nos tratados; por consequencia, não he preciso por ora, que se estabeleça; e quando for preciso não tira que ella seja, posta numa lei constitucional; torno a repetir, que não sou do voto que se permitta a tolerancia, ou o mudar de Religião; porque em acaba de jurar-se a Religião Catholica que he a verdadeira, e tambem porque em certo modo se atacaria a ordem, publica, e mesmo os Portuguezes são muito amantes desta Religião, etc.

O senhor Gouvea Ozorio: - Eu tenho que dizer, que os Apostolos não forão tolerantes; que toda a Religião de Jesus Christo he naturalmente intolerante.

O senhor José Pedro da Costa: - Está-se tratando da tolerancia politica, e não da religiosa, e por tanto no meu parecer creio que este artigo está muito bem concebido. Na primeira parte não póde haver duvida alguma; está conforme com o que se acha concebido nas Bases; em quanto á segunda parte, parece-me que ella deve ficar nos mesmos termos em que está, ou que então a admittir-ae emenda seja esta, que em lugar de se dizer permitte-se, se diga, e poderá permittir-se.

O senhor Corrêa de Seabra: - Este artigo tem duas partes, a primeira he a das Bases; nestas podia estabelecer-se uma proposição generica, e indeterminada, para servir de fundamento, e regra para os artigos constitucionaes, que se deliberassem e sanccionassem; mas a Constituição já não admitte esta generalidade, porque as nossas procurações dão os poderes para fazermos a Constituição Politica da Monarquia, com a clausula expressa de manter a religião Catholica Apostolica Romana; por tanto he necessario dar providencias, e estabelecer artigos constitucionaes dirigidos a este fim, e com esta proposição generica não satisfazemos ás procurações, porque até he susceptivel o artigo de um sentido meramente historico; isto he, que a religião dos Portuguezes he a Catholica Apostolica Romana; e ainda mesmo considerado como artigo legislativo e constitucional, não he mais de que uma declaração de qual he o culto publico da Nação; mas temos nós desempenhado deste modo a clausula? A palavra manter ou se tome no sentido proprio, ou methaforico, exige mais do que uma simples declaração; portanto parece-me que se deve accrescentar, que os que não a professarem, não tem exercicio de direitos politicos. Ora em quanto á segunda parte deve ser supprimido. Primo, porque as nossas procurações, com aquella clausula de manter a Religião Catholica, não nos dão poder, e faculdade para sanccionar tal artigo constitucional. Segundo, porque a tolerancia depende de regulamentos, que não podem fazer-se na Constituição, e por isso nada mais digo, porque os senhores Trigoso, e de Sousa tem sabiamente tratado desta materia, a qual peço fique adiada pela sua importancia.

O senhor Manoel Antonio de Carvalho: - Eu não posso ouvir uma proposição que me parece escandalizar os ouvidos mais sensiveis; depois de ler ouvido pregar altamente a um sabio Prelado da Igreja, que a Religião he tolerante, e que a tolerancia he, e deve ser o acto e o caracter mesmo da Religião em todos os paizes. Não posso deixar de approvar o que tenho ouvido a um sabio Mestre da Universidade, que está muito bem concebido o artigo, porque se funda em uma opinião inteiramente reconhecida por todos os sabios mais orthodoxos do mundo; Com effeito de se ter dito nas Bases da Constituição, que a Religião Catholica he a Religião dos Portuguezes, não se póde inferir que isto encontre em cousa nenhuma a tolerancia; porque a nossa Religião he que favorece esta mesma tolerancia. Se o principal fim da Religião he a felicidade do homem no outro mundo, ella não o priva da felicidade deste, que he a paz e amizade entre os homens, que vivem no mesmo paiz, embora professem ou não professem a mesma Religião. Não deve por tanto a Religião adoptada nas Bases empecer que elles vivão naquelle mesmo estado de união e tranquillidade. Um homem que viva no Estado portuguez, por ter uma outra Religião particularmente exercitada, não veja a fazer a infelicidade da Nação: póde fazer sim a felicidade temporal, se for justo, honesto, obediente ás leis, e bemfeitor, que he o fim a qne os governos inteiramente se dirigem. De interioribus solits Deus. Cada um póde dizer que tem esta Religião, e ter outra differente. A Religião Catholica he de todo o

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bom Portuguez: he justo que elle a professe não só publicamente, mas mesmo interiormente; porem isto não se oppõe a que os outros possão concorrer com elle para a felicidade geral. Tenhão ou não tenhão e Religião no seu coração, com tanto que exercitem os actos externos publicamente he quanto a lei civil delles póde exigir. Não só oppõe nada á felicidade da Nação; nem se oppõe ao inteiro conhecimento, que cada um deve ter da sua Religião. A Religião Catholica vive nos nossos corações: eu ainda que veja ferver chumbo, levantarem-se cruzes, e cadafalsos, não mudo da minha Religião! Desgraçado o homem que tem a Religião simplesmente de ouvido; se anão tem plantada no seu coração, não he, nem póde ser catholico, o catholico segue a Christo; mas segue-o deste modo. Pouco importa seguir differentes opiniões; mas eu estou na minha, em que he necessario que o homem seja religioso sempre por uma convicção interna. Diz um grande filosofo: conheço as differentes Religiões, quero saber as difficuldades da Religião Catholica: para que? Para me sujeitar a ella, não para que ella me entre pelos ouvidos, mas para que me entre no coração, e quero prestar assenso a ella. Em consequencia digo, que este artigo está muito bem consebido, e que V. Excellencia o deve mandar pôr a votos.

O senhor Bispo de Beja: - Do espirito do artigo 25 da Constituição se conclue, que aquelles Portuguezes que abandonarem a Religião dominante, ou negarem algum dos seus dogmas não devem gozar dos direitos de cidadão. A Religião da Nação portugueza he a Catholica Apostolica Romana; e a Nação portuguza he a união de todos os Portuguezes de ambos os hemisferios, logo a Religião dos cidadãos portugueses deve ser a Catholica Apostolica Romana. Esta Religião foi justissimamente abraçada pela Nação como dominante por ser a verdadeira Religião, Jogo os Portuguezes, que anão abraçarem, devem ser considerados como errantes; e ainda que conceda que possa acontecer que o erro não seja acompanhado de má fé, nunca o erro póde ser fundamento de um direito propriamente dito, e conseguintemente não se faz injuria aos Portuguezes, que não quizerem professar a Religião dominante, em os privar dos direitos de cidadãos; devendo porem a lei garantir-lhes sempre os direitos da propriedade, e liberdade civil.

O senhor Franzini: - Nada direi a favor da tolerancia depois de se ter expendido esta materia tão sabiamente; entretanto vou a fazer uma reflexão que adoptada esta doutrina em contrario retrogradaria o systema de principios liberaes; porque nunca vi que em Portugal deixassem de ter empregos publicos homens mesmo de outra religião; e ainda ha pouco nós acabamos de ver hum Vice-Rei de Portugal Protestante. Agora o decretar que qualquer ficaria excluido de todos os empregos uma vez que não praticasse a Religião Catholica, seria no meu modo de pensar o maior absurdo.

O senhor Bispo de Beja: - O exemplo que se aponta he de um estrangeiro, nada prova. Os estrangeiros podem gozar de todos os direitos de cidadão, mas nesta legislatura actual não póde o Congresso decidir que o portuguez que abdicar a Religião possa gozar dos direitos de cidadão por causa das nossas procurações, como já notei; goze embora da sua liberdade real, e pessoal; mas que goze dos direitos do cidadão; isto he, que nós não podemos fazer actualmente; para outra legislatura muito embora o seja.

O senhor Caldeira: - Este artigo tem sido discutido mui sabiamente; levanto-me só para dizer que era impossivel haver um homem religionario, que não fosse tolerante: eu sou tolerante, não indiffenrentista; conheço que a Religião Catholica he a verdadeira, della jámais resilirei. O homem de bem deve ser ao mesmo tempo tolerante; por isso o que propõe o senhor Bispo de Beja assento que deve decretar-se. Seria um escandalo que aquelle que nasceo em uma religião em que seus pais o educárão deixe esta religião; todo o homem de bem não muda da religião em que foi criado: o homem que muda de religião he um apostata, não póde ser considerado bem; mas o estrangeiro tenha embora o exercicio não só domestico, mas particular da sua religião, todas as vezes que elle não se oppozer á ordem publica. O mesmo estrangeiro, que se vê mudar para uma religião nova, não seria muito digno de se confiar delle os empregos publicos; por isso com razão o estrangeiro he admittido a elles conservando-se na sua religião, porque tambem mostra que conserva hum caracter de homem, de bem. Haja pois a tolerancia estabelecida para os estrangeiros; e concluo dizendo que não confundamos a intolerancia com o indifferentismo. Nós devemos ser tolerantes, Jesus Christo foi tolerante, e os Apostolos o forão, e o espirito da Igreja lodo he tolerancia. Esta mesma tolerancia he conforme com o espirito dos Portuguezes, e com a sua Indole; os Portuguezes são tolerantes para com os estrangeiros, que neste paiz achão asilo tão seguro, por isso devem-se continuar a tolerar: eu pois torno a dizer, sou tolerante, e muito tolerante, porque estou persuadido da verdade desta religião, e que todos os Portugueses a amão deveras, porque he conforme com a sua indole; e o que devemos cuidar, e acautelar he que os ministros desta religião não se desviem de a promover, e a fação pregar, mais que falando; isto he, pelo seu exemplo; e que a não profanem com o máo exemplo. = O nome de Deos por amor de vós he blasfemado =. Jesu Christo disse por S. Paulo = Tambem convem que entre vós haja algumas heresias: ut qui probatt fuerint manifesti fianl in vobis =. No paiz em que ha tolerancia religiosa cada um caminha á porfia a observar a sua religião, e a ser exacto no seu culto; por isso a tolerancia não póde ser contraria á religião catholica. Vemos que a santidade dos mysterios, a dignidade das funcções religiosas ha de ser observada mais exactamente, uma vez que se admitia a tolerancia aos estrangeiros. Concluo por tanto que sou tolerante, e que sou religioso.

O senhor Brito: - Serei brevissimo; julgo que não he necessario muito tempo, para sustentar a doutrina da tolerancia, quando Jesu Christo, e os Apóstolos forão tolerantes na pregação do Evangelho, e a tolerancia foi sempre considerada como um bem. Agora só tenho a acrescentar que não podemos deixar de

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ser tolerantes á vista dós tratados principalmente nos portos d'America. O tratado de Inglaterra em 1810 permitte a livre tolerancia de todos, e quaesquer cultos são bem conhecidos os tratados da Suissa. Sabe - e que os nossos dominios da Asia são povoados de homens de differentes cultos, á vista disto parece-me que a tolerancia se deva admittir.

O senhor Pinheiro de Azevedo. - Proponho o addiamento deste artigo, e as razões são as seguintes, lenho conhecido em tres epocas mui oppostas opiniões sobre a tolerancia religiosa, uma linha esta tolerancia como um oiro, e eu mesmo posso dar testemunho de que homens egregios muito catholicos forão taxados de hereges por ensinarem, e defenderem a pratica, e conveniencia da tolerancia, depois esta mesma opinião qualificada de herética se fez quasi geral. Finalmente veio tempo em que homens sabios, e catholicos não quizerão mais soffrer a palavra tolerancia, sustentando que todo o homem tinha direito de escolher, e abraçar aquella religião de cuja verdade estava convencido em sua consciencia; e que a pertubalo no uso deste direito, era uma verdadeira injuria, todavia as mesmas Nações illustradas e livres, quando tratarão de fazer deste direito do homem um artigo constitucional, não se regularão pelas theorias de que bem, ou mais estavão persuadidos, mas pelas circunstancias, e opinião geral da mesma Nação para que legislavão. Daqui vem que os Estados Unidos d'America decretarão a liberdade de consciencia, porque já antes gozavão della, e porque nisso concordava a opinião gerai da consideração. Os Hollandezes fizerão o mesmo pelas mesmas razões. Os Francezes não fizerão tanto protegendo a Religião Catholica, a protestante, e a judaica; este gerando todas. Ainda mais moderados tinhão sido os Alemães, e os Ingleses; o mesmo se póde dizer das mais Nações. Em quanto a noa digo, que não podemos nem detemos constituir a liberdade de consciencia. Primeiro porque tanto faz estabelecer na Constituição, que todo o homem que não seguir a religião possa gozar de todos os direitos de cidadão, como constituir a liberdade de consciencias, e tambem porque não temos poderes, pois que as nossas procurações tem nomeadamente esta limitação (isto he ponto que deve ser junto considerado), segundo porque este, constituido o contrario na letra, e espirito das Bases no artigo 10, e 17. Terceiro porque não convém, e antes he damnoso. Em quanto a tolerancia mais me parece que deve ficar dependente de leis regulamentares.

O senhor Guerreiro: - Acaba de pôr-se em duvida se as nossas procurações permittem, ou não permittem sanccionar a 2.ª parte deste artigo.

O senhor Pinheiro interrompeo dizendo; eu o que assegurei foi que tanto faz estabelecer na Constituição, que todo o homem que não seguir a religião possa gozar de todos os direitos de Cidadão, como constituir a liberdade de consciencia. Eu não affirmo nada, digo que deve ser ponto de consideração.

O senhor Guerreiro: - O illustre Preopinante mesmo pelo que acaba de dizer confirma que era necessario saber segundo a sua opinião, se nós admittindo outro culto vamos contra as nossas procurações. As procurações obrigão-nos a manter a Religião Catholica, e Apostolica Romana. Muitos, e muitos sabios membros deste Congresso, entre elles um dos distinctissimos prelados da Igreja Lusitana tendo monstrado até á evidencia que a tolerancia está tão longe de ser contrairia á religião, que antes pelo contrario he conforme com o espirito do christianismo conforme com a doutrina do sen ceador, e conforme com a doutrina da padres dos mais bellos seculos do christianismo. Se a tolerancia pois he conforme com o espirito da religião, se ella foi pregada, se ella foi praticada pelo seu divino fundador, se elle mesmo quando mandou amar o proximo como a nos mesmos, ensinou que o Samaritano entrava no numero do nosso proximo, se reprehende asperamente seus, discipulos quando que não chamar o fogo do Ceo sobre o castello de Santana; se o Apostolo ensinou que mesmo na sociedade domestica o marido fiel não deveria deixar de cohabitar com a mulher infiel, e a mulher fiel não deveria deixar de cohabitar com o mando infiel; como se póde dizer que admittindo nos a tolerancia vamos contra as nossas procurações? Pelo contrario, eu estou intimamente persuadido que nós admittindo a tolerancia não fazemos senão uma cousa conforme á religião, e conforme o que as nossas procurações nos ordenárão. Tem-se pertendido que não seja este artigo da tolerancia, um artigo constitucional, se apezar do que se tem proposto contra a tolerancia a
fluctuação em que a historia mostra que tem vivido muitos legisladores da Europa, e de que a França dá exemplos assaz terriveis faz conhecer que isto deve ser objecto de um artigo constitucional; e que devemos esgotar a materia se necessario for; e que devemos estabelecei uma regra que nenhuma das legislaturas ordinarias deverá apartar-se d'ella. Estremeço a dizei alguma cousa sobre a quaes tão depois deterem falado tantos illustres Preopinantes. Darei no entanto o meu voto. Tem-se demonstrado assai que a tolerancia religiosa he caracteristica a toda a religião, e que só na Nação onde não houver religião, que forme um systema religioso como foi entre os Romanos, he que poderá admittir-se tolerancia religiosa, porque de contrario seria necessario que a religião tolerante admittisse dogmas contrarios a dogmas; e recebesse como doutrina aquillo mesmo, que se reconhece como um erro.

Nós tintamos da tolerancia civil, deixemos decidir a Igreja os negocios religiosos; vamos decidir os que pertencem á ordem social, que podem concorrer para o fim da sociedade. A experiencia de todos os seculos mostra que não he só com a religião catholica que se póde conseguir a prosperidade da Nação, porque vemos muitas Nações em que he outra a religião, e não a catholica, e no entretanto ellas florescem por isso tratemos se convem ou não convem, estabelecida a religião catholica como religião do Nação, como religião dominante, como religião protegida pelo governo, que se tolerem na nação Portugueza os exercicios de outras religiões. Se convém; deve ser approvado: senão convem; deve ser reprovado este exercicio. Todos devem estar persuadidos que

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tornem; porque em todas as Nações que tem admittido os principios contrarios, se algum tempo se adoptou a intolerancia, então della he que resultárão todas as desordens. Sem duvida não foi da diversidade dos cultos que houverão tantas desordens por causa da religião, foi sim da intolerancia civil, foi daspaixões humana, que se servirão da religião como pretexto para perseguir aquelles, que admittirão religião contraria, pelo contrario lancemos os olhos para outras Nações, para a Prussia, para a França, para os Estados Unidos da America, porá a Inglaterra, onde ha tolerancia, e exercicio de diversas seitas, acha-se a maior tranquillidade, não vemos desordem alguma; logo então a tolerancia he meio para conservar a tranquillidade, e o socego da Nação, logo convem que se admitta a tolerancia. O Reino Unido existe nas quatro partes do Mundo, comprehende-se em ambos os hemisferios, muitos destes estão dezertos: convem, he do interesse da Nação empregar meios paia povoar este territorio, porque assim crescerá a povoação, e de outro modo não poderá crescer nem em prosperidade nem em riqueza Nos não povoaremos os nossos Estados huma vez que regeitemos a tolerancia; ella he o meio mais efficaz paia povoar os nossos Estados, principalmente os do Brasil, do contrario nos iremos fexar a porta aos estrangeiros que querem ir alli estabelecer-se. Esta verdade he tão clara, que me parece ninguem a deixara de conhecer, a experiencia dos Estados Unidos, que he á tolerancia a quem devem os rapidos progressos da sua população, não nos convence da necessidade de lançar mão deste meio? Existem entre nós nos estados Portuguezes differentes cultos, e as pessoas que os professão nem por isso deixão de ser Portuguezes, não seria a medida mais impolitica, o excluilos do nosso pacto social, só por isso que tiverão a infelicidade de nascerem em outra religião, desconhecer em a verdade daquella que a Nação reconhece? Isto sem duvida seria a cousa a mais injusta, e a mais impolitica. Em antigos tempos em Portugal grandes encargos tem sido occupados pelos estrangeiros, muitos destes tem-se naturalisado entre nós, elles em Portugal gozavão de todos os direitos civis e politicos, não quero dizer que erão cidadãos Portuguezes, porque não reconheço antes da epoca actual estabelecida verdadeiramente esta qualidade de cidadão Portuguez. Qual será a razão, porque havemos de querer uma cousa contraria ao que antigamente se havia praticado no Remo? Julgão escandalizarem-se os ouvidos dos Portuguezes com huma cousa que elles tem visto praticada ha muitos annos? Esta pois demonstrado que não póde deixar de admittir-se o artigo 25, em quanto permitte aos estrangeiros o exercicio de seus respectivos cultos.

Pergunto agora, se admittindo-se aos estrangeiros o exercicio de seus cultos respectivos em Portugal, dando-se-lhe carta de naturalização, não será uma injustiça, que o portuguez, que tiver a desgraça de mudar de Religião se lhe imponha uma pena do perdimento de todos os direitos,, quando o estrangeiro, que esta em iguaes circunstancias adquirio estes direitos? Não he isto arvorar-nos em vingadores das injurias feitas ao nosso Deus, que faz alumiar o sol sobre todas as Religiões? Que faz com que todos os sectarios de diversos cultos gozem dos beneficios da natureza? Que faz com que todos gozem dos beneficios da sua providencia, esquecendo-se das injurias que se lhe fazem em seguir um certo reprovado? Havemos arvorar-nos em vingadores da divindade em castigar aquelles, que Deus não castiga neste mundo? Isto seria uma injustiça; seria uma temeridade! Demais estabelecemos, que não se devem fazer leis sem absoluta necessidade: não póde haver necessidade de fazer leis, senão quando ellas loção com o fim social. A mudança da Religião não influe nada para se conseguir o fim social; logo não devemos fazer leis paia castigar similhante mudança; logo a mesma permissão do exercicio particular dos respectivos cultos concedido aos estrangeiros deve ser concedida determinadamente aos cidadãos portuguezes, para lhes apresentar uma idea temeraria, deve-se ficar do artigo a palavra estrangeiros.

Ficou adiada a discussão.

O senhor Presidente disse: que a Commissão Diplomatica tinha enviado á meza um parecer, que não foi lido por entender que o seu objecto devia ser tratado em segredo, no que a meza tambem havia concordado, e por isso propunha, que a Assemblea se declarasse em Cessão secreta só pelo tempo necessario para tratar deste parecer, e de nenhum outro objecto, e tendo-se assim decidido, se levantou a Sessão ordinaria pouco depois das horas do costume, e principiou a Sessão secreta, que se acabou á uma hora da tarde. - Agostinho José Freire, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para João Pereira da Silva.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza concedem a licença que V. Senhoria requer por tanto tempo, quanto seja necessario para tratar da sua saude, esperando do seu conhecido zelo, e amor da patria, que apenas era possivel V. Senhoria não deixará de vir logo continuar neste Soberano Congresso as funcções de que dignamente se acha encarregado. O que communico a V. Senhoria para sua intelligencia

Deus guarde a V. Sa. Paço das Cortes em 6 de Agosto de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para Antonio Teixeira Rebello.

Illustrissimo e Fxcellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, sendo-lhes presente a communicação constante da copia inclusa ácerca da prizão subsistencia em que se acha na cidade d'Elvas o Capitão Hespanhol, Manoel Saeus Jelada sem formação de culpa, e até sem prestação de auxilios para a sua subsistencia ordenão que V. Excellencia diga quaes tem sido as razões de se achar prezo aquelle official, e em cadêa subterraneas, de se não haver formado culpa, ou seguido termos do processo; e de se lhe não ler subministrado

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soldo, ou meio de subsistencia. E que no entretanto seja o mesmo official immediatamente removido para cadêa segura, mas decente, e se lhe forneção os meios necessarios de subsistencia. O que participo a V. Excellencia para sua intelligencia e execução.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 6 de Agosto de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para Francisco Duarte Coelho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que no principio de cada um mez se faça publico no Diario do Governo o conta e mappa da receita e despeza, e estado actual tanto do Thesouro Nacional, como de todas as mais repartições publicas. O que V. Excellencia levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 6 de Agosto de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

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