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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 151.

SESSÃO DO DIA 13 DE AGOSTO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do senhor Faria Carvalho, leu-se e approvou-se a acta da Sessão antecedente.

O senhor Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios.

1.° Do Ministro dos Negocios do Reino, transmittindo a conta da Commissão do Terreiro publico com uma relação dos despachos ou avisos, que lhe tinhão sido dirigidos do Rio de Janeiro desde o principio deste anno. A primeira se remetteu á Commissão de agricultura, e a segunda á de Constituição.

2.º Do mesmo Ministro, incluindo uma representação dos maritimos de Villa Real de Santo Antonio, que foi á Commissão de agricultura.

3.º Do mesmo Ministro, com uma representação dos Officiaes da Camara de Benavilla, Comarca d'Aviz, que se mandou á Commissão de fazenda.

4.° Do mesmo Ministro, tom uma representação da Camara da villa de Arronches, que foi á Commissão de justiça civil.

5.° Do mesmo Ministro, remcttendo o plano da divisão em duas da actual Secretaria dos Negocios do Reino; que se dirigiu á Commissão de Constituição.

6.° Do mesmo Ministro, respondendo ao que se lhe havia perguntado sobre a educação do senhor Infante D. Miguel; remettido á mesma Commissão.

7.° Do Ministro da fazenda, dando o motivo de não fazer subir os diplomas, que lhe forão pedidos á requisição da Commissão de commercio; remettido á mesma Commissão.

8.º Do Governador de Pernambuco; remettido á Commissão de Ultramar.

Forão presentes as felicitações da Camara da villa do Recife de Pernambuco, e do Chanceller da Relação do Porto, em seu nome, e no de toda a casa; de que se fez menção honrosa: e do cidadão Antonio Ferreira da Silva offerecendo 1.311$000 reis, que foi ouvida com agrado, mandando-se passar ordens ao Governo para proceder ao recebimento desta quantia.

Apresentou o mesmo senhor Secretario uma Memoria de Pedro Julião Myoulle, para se abrir o canal d'Ouvar no Porto; que se remetteu á Commissão d'estadistica: e um projecto literario de ensino proprio, que se remetteu á Commissão d'Instrucção publica.

O senhor Deputado Ferrão apresentou outra Memoria de Gregorio José de Seixas, sobre o acontecimento do dia 15 de Setembro de 1820, em Lisboa; que se remetteu á Commissão dos premios.

O mesmo senhor Deputado leu pela primeira vez a seguinte indicação.

A vista dos horrorosos carceres da inquisição de Coimbra attrahiu sobre a memoria d'aquelle extincto tribunal a execração do immenso numero de pessoas de todos os estados e idades, que frequentes vezes os visitarão no tempo em que a sua entrada esteve patente. Outro tanto aconteceria em Évora, onde existe uma inquisição antiga, e mesmo em Lisboa (a pezar de ser reedificada depois do terremoto), se em Évora, e em Lisboa estivessem tambem patentes a quem os quizesse ver, o que me não consta. Proponho por tanto:

Que se diga ao Governo que mande abrir as portas da entrada dos carceres das inquisições de Evora e Lisboa, pelos respectivos guardas que ainda percebem o mesmo ordenado; e que estes acompanhem, os visitantes, e lhes expliquem, como peritos, os usos que ali se fazião das canas, e dos utensilios que existirem.

E em desaggravo da santo religião que professamos, tantas vezes ali offendida; da caridade que ella

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recommenda, tantas vezes ali desprezada; em desaggravo finalmente da humanidade, que por espaço de annos foi naquellas medonhas masmorras opprimida, e atormentada, proponho em segundo lugar:

Que nas inquisições de Coimbra e Evora se erijão desde já duos casas pias para serem abrigo da humanidade desgraçada, applicando-se lhes os rendimentos que a cada uma são pertencentes, e que sobejão dos ordenados dos antigos empregados; devendo cometer-se todos em seu uso ao passo que forem vagando e que á casa pia de Lisboa se appliquem pela mesma maneira todos os rendimentos da inquisição desta cidade, sejão as tres casas pias herdeiras universaes das tres defuntas casas impias!

Eu espero que o Soberano Congresso assim o decrete. Sala das Cortes em Sessão de 13 de Agosto de 1821. - O Deputado José Ferrão de Mendonça e Sousa.

O senhor Bastos offereceu duas Memorias de Manoel Alvares da Cruz sobre objectos de agricultura, e commercio; a cujas Commissões se dirigirão.

O senhor Aragão apresentou a felicitação do Juiz do povo, Escrivão, e casa dos vinte e quatro da Ilha da Madeira; que foi ouvida com agrado.

O senhor Canavarro addicionou uma indicação do senhor Fernandes Thomaz, para que não haja preterições em classe alguma de empregados, a quem toca accesso por escala, ou por lei.

O senhor Travassos indicou que se pagasse ordem ao Governo para fazer cumprir pelo Heitor da Universidade de Coimbra a portaria expedida a favor de D. Genoveva Jacinta da Silveira; e assim se determinou.

O senhor Borges Carneiio fez a primeira leitura das duas indicações seguintes:

Primeira. Continuão a queixar-se as partes, de que se desencaminhão as pelicas que apresentão as Cortes; porque dellas não achão menção no livro da perla, na Secretaria, nem no Diario do Governo. E por tanto convem estabelecer sobre tão importante materia uma regra segura; proponho pois o seguinte:

1.° Que se nomeie um official ou outra pessoa de conhecida confiança e probidade, a qual receba em um saco fechado todas as petições que diariamente se offerecerem, quer na mesa da sala das Cortes, quer na caixa das mesmas petições".

2.° Que em estando reunida a Commissão das petições, lhe apresente o dito saco, que será então aberto, e ao passo que se for assignando o destino de cada petição escreva um official em um livro rubricado o nume do supplicante, e o destino da petição fazendo-se de cada sessão uma distincta acta: e pondo-se em cada petição o mesmo numero, que se porá tambem no livro.

3.° Que findo o despacho daquelle dia, adita pessoa antes de se dissolver a Commissão receba os petições no saco, e as entregue ao competente official da Secretaria para logo serem remettidas aos seus destinos.

4 ° Que quando alguma petição haja deparar de uma a outra Commissão, seja entregue a algum dos senhores Secretarios com a nota conveniente, para desta se tomar lembrança no livro respectivo. - Borges Carneiro.

Segunda. Está o crime e o vicio tão profundamente arraigado na administração publica de Portugal, que quasi perdemos a esperança de o debellar. Só poderia conservar esta esperança quem tivesse á sua disposição a maça de Hercules, ou o raio do Jupiter. O mal vem decima para baixo: tanto maiores são as Estações quanto mais depravadas. Entretanto he obrigação de um Deputado de Cortes teimar até á morte, posto que preveja, que pouco ou nenhum effeito terão os seus esforços. Tal he a funcção da fortaleza, como bem foi definida por Cicero: virtus quae pró justitia pugnat. Falo hoje da Mesa da Consciencia e Ordens. Ha muitos mezes propus eu inutilmente neste Congresso a escandalosa suppressão que naquelle relaxado e pervertido tribunal se fazia, das propostas relativas ás Ilhas adjacentes, e deis consultas que sobre ellas se dezião fazer. Este mal em que vai tanto diurno ao serviço das Igrejas, ás partes, e mesmo aos officiaes da Mesa, continua cada vez com mais despejo, e se estende a quasi todo o expediente. Despachão-se sómente alguns negocios de tarifa, como alguma vista aos Fiscaes, algumas provisões annnaes etc.: todos os mais negocios se tem altamente fechados, em armarios ou gavetas, de cuja chave se assenhoreia algum, ou alguns Deputados despotas, ou dementes, que a seu sabor tyrannizão as partes, negando-lhes todo o despacho; tornando-se surdos a seus clamores; insensiveis á censura publica; e nada cuidadosos da superioridade do Governo e das Cortes, a quem mostrão não ter em conta alguma. São innumeraveis as ditas propostas e mais negocios, que estão condemnados, ha mais de fim anno, ao sepulcro daquelles armaras; e padeça quem padecer! Debalde tenho aqui pedido a deposição do Presidente interno da Mesa da Consciencia. Entretanto nada me fará calar, em quanto occupar uma cadeira nesta sala, que he o sanctuario da justiça. Clamarei, qualquer que haja de ser o effeito da minha voz. Clama ne cesses: quasi tuba exaltam vocem tuam. Por tanto proponho:

1.° Que seja extincto o tribunal da Mesa da Consciencia e Ordens, ou seja como uma estarão corrupta e relaxada, ou seja como uma Mesa de Commissões prohibidas nas Bases, da Constituição devendo todos os negocios que ali se tratão, passar logo ás autoridades civis ou ecclesiasticos, a quem competem pelas leis geraes.

No caso de não pagar esta proposta, proponho: 2.º Que se indique ao Governo que, vista a notoriedade publica do que fica referido, mande fogo depor, como demente, ao Presidente interino da Mesa; pois entendo que mais por demencia, do que por depravação insiste em fazer e autorizar tão escandaloso monopolio; e mande outrosim arrombar aquelles nefandos armarios, e gavetas, e restituir aos papeis, a luz, e as partes o direito de petição, de que ha annos estão privadas; e advertir aos Deputados de como se devem haver para o futuro.

No caso de que ainda não passe esta proposta, proponho:

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3.° Que se diga ao Governo a necessidade que ha, de mandar remover o escandaloso abuso acima referido, e proceder com rigor contra os culpados. - Borges Carneiro.

Fez-se a chamada e acharão-se presentes 95 dos sonhores Deputados, faltando os senhores Ferreira de Sousa, Osorio, Moraes Pimentel, Arcebispo da Bahia, Sepulveda, Brandão, Feireira da Silva, Guerreiro, Ferreira Borges.

Passando-se á ordem do dia, continuou a discussão do art. 20 do projecto da Constituição (v. o Diar. N.° 149, p. 1850).

O senhor Freire: - Quando falei sobre este assumpto, na sessão anterior, disse que havia dois pontos de vista debaixo dos quaes elle se devia encarar: que do seu desenvolvimento se via que o processo proposto para se poder aliciar a Constituição, de maneira nenhuma era conforme com o que se assentará nas Bases. Isto que então disse, torno a repetir agora, porque são ainda as mesmas as razões pelas quaes me parece que isto assim he. A primeira razão he, que aqui se devia tratar de reformar a Constituição da mesma maneira que nas Bases se havia estabelecido: em segundo lugar, que se apresentava a necessidade de um decreto, que não deixava atitude nenhuma aos povos, antes lhes impunha a obrigação de darem as procurações. Por tudo isto se vê que o projecto não vai de acordo com o que se havia estabelecido. Este artigo já nas Bases foi bastantemente debatido; e muitos dos illustres Deputados assentárão que o prazo de quatro annos era muito extenso, outros que era muito limitado. Com tudo, elle já se acha estabelecido nas Bases; de maneira que o não podemos agora alterar para mais ou para menos. Mas por ventura he compativel com este prazo o methodo que se nos offerece no Projecto de Constitiução? Se acaso propor, e alterar he uma, e a mesma cousa, então eu convenho de bom grado, que só no fim de 4 annos, isto he, na 3.ª deputação se póde a atar deste objecto; mas a não ser assim, como ninguem duvida, he preciso que na 2.ª deputação, isto he antes de findarem os 4 annos, se faça a proposta, e se discuta; e que os Deputados da 3.ª deputação, ou legislatura tragão já as procurações especiaes. Este he o unico modo legal, e claro depor em pratica a doutrina, das Bases: o mais são subterfugios, e interpretações forçadas, e abusivas. Não se trata de decidir, se o artigo he ou não conveniente; trata-se sómente de o pôr em pratica, e de poder no fim de quatro annos fazer a alteração; e o methodo proposto não só o probibe mas deixa ainda dependente do juizo da 3.ª legislatura decidir se ha de ser a seguinte, a que deve fazer a alteração, isto he, apenas permitte que ella se possa fazer no 7.°, ou 8.° anno. Nada mais contrario ao que se decidiu nas Bases; he verdade que a constituição de 91, e a Hespanhola põe estes longos intervallos para a reforma; porem a primeira desappareceu no fim dalguns mezes, e a segunda suspira pelo momento de poder mudar este mesmo artigo, que tanto mal lhe está fazendo. A respeito do decreto de que he fala no artigo, devo dizer que elle tira toda a liberdade aos povos, usurpa-lhes o mais sagrado dos seus direitos, e vai dar poderes constituintes ás Cortes ordinarias. Esta Constituição foi feita pelos Representantes legitimamente autorisados para esse fim; só póde ser alterada por outros igualmente autorisados. Assim o exige a conveniencia, a segurança publica. Embora se diga que fazendo-se desta materia um artigo constitucional pelo qual se autorisem as Cortes seguintes a fazer taes alterações, ellas serão legaes, porque nós lhes damos taes poderes: nós não podemos substabelecer os que nos forão dados; e nesse caso melhor seria, que taes alterações se fizessem sem consultar os povos, nem pedir procurações; pois ao menos se não zombaria da sua credulidade, pedindo e enganando-os a dar um tal poder. Digo que a segurança publica assim o exige, porque qual seria a consequencia de obrigarem as Cortes a subscrever a uma mudança geralmente desapprovada; ainda menos do que autorisar a resistencia á oppresaão. O homem em quanto he livre, não reducta; mas em caso contrario resiste, e resiste legalmente. Voto por tanto que o artigo torne á Commissão para o redigir de modo que esteja em harmonia com as Bases da Constituição, e para que se substitua a palavra proposta, a decreto.

O senhor Moura: - Eu defino alguma cousa das idéas do illustre Preopinante, e estou resolvido a sustentar, do modo que poder, a redacção do § tal qual está. Pelo que respeita á difficuldade toda deste artigo, ella consiste em escolher sabiamente um meio entre a muita facilidade de alterar a Constituição, e a difficuldade absoluta de nunca se alterar, ou ao menos de um prazo muito grande para se fazerem as alterações. Escolher um meio entre os dois extremos, he toda a questão; porque não póde haver duvida nenhuma de que a facilidade de alterar attrahe o risco da innovação; e a muita dificuldade remove tambem a utilidade de fazer qualquer melhoramento. He preciso escolher orneio entre estes dois extremos; e acho que elle se encontra positivamente no methodo que adoptou a Commissão. Ella assentou que respeitava as Bases, quando conservava o que nellas estava determinado; isto he, que em quatro annos se não alterasse a Constituição: alentou que o modo estabelecido neste artigo eslava em harmonia com as Bases: e que escolhia um meio entre os dois extremos, prescrevendo que tres legislaturas sucessivamente fossem as que devessem entender sobre a alteração da Constituição. A primeira legislatura considera a necessidade de fazer a alteração em a Constituição, e assentando as duas terças partes dos Deputados que he necessario fazela, remette este negocio para a legislatura seguinte. Quaes são então as funcções dessa legislatura? Ella interpõe o seu voto sobre a necessidade de fazer a alteração, e se se convem na necessidade de a fazer, manda aos povos que a legislatura que se segue, venha munida de procurações especiaes; e a legislatura seguinte, que he a terceira, he que vem propriamente estabelecer a mudança. Estas tres legislaturas interpõem o seu voto e opinião sobre a necessidade de fazer a alteração, e então parece que não ha duvida nenhuma, que quando tres legislaturas successivas, compostas de diversos Deputados, e decorrendo

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e espaço de seis annos, assentão que a alteração deve fazer-se, que ella he necessaria, e realmente a pede o bem publico. Não nos deve fazer duvida a palavra decreto em quanto se diz que a segunda legislatura determina que os novos eleitores hajão de dar poderes especiaes aos Deputados da legislatura seguinte para se fazer a alteração; porque realmente he um decreto, pelo qual as Cortes daquella legislatura mandão que os povos dem aquella procuração especial. Os mandados não são imperativos para que áe faça esta, ou aquella alteração: são especiaes para se poder fazer aquella alteração, e não para que se faça deste ou daquelle modo; porque se se determinasse que os povos, ou cada uma das Camaras dessem a sua diversa opinião sobre a qualidade ou necessidade da alteração que se devia fazer, traria isto comsigo grandes inconvenientes. Uns dirião que era necessaria a alteração; outros que não he preciso que a Nação convenha que os Deputados que ella escolhe são os que devem ter no seu arbitrio, depois de tão longa discussão, o dizer qual he a alteração que deve fazer-se, e não deixar isso é particular opinião de cada Camara. Logo quando a segunda legislatura determina que os povos dêm especiaes procurações aos Deputados para tratarem da alteração, passa exactamente um decreto porque determina, e manda que essas Camaras devem dar aquellas procurações especiaes. Assentou a Commissão que devia apartar-se da Constituição hespanhola, a qual põe mais difficuldades á reforma; pois determina oito annos dentro dos quaes não he permittido fazer alteração alguma, e prescreve depois um processo que demanda um tempo quasi tão longo como este. A Commissão de redacção aproximou-se mais ao meio dos dois extremos de nunca alterar, ou sempre andar com alteração; diminuindo o periodo primeiro dos oito annos, e depois estabelecendo a mesma forma de alteração da Constituição hespanhola: isto he fazendo-se que tres legislaturas por si dêm a sua opinião para alterar a Constituição.

O senhor Freire: - Os povos derão-nos, he verdade, procurações amplas, porque querião uma Constituição, a qual tacitamente já approvarão, e não as alterações que outras Cortes lhe queirão fazer. Para e futuro he preciso que elles digão qual he o artigo que querem alterado; e o methodo seguinte me parece simples e razoavel. Uma legislatura que póde ser a 1.ª ou a 2.º, para ir daccordo com as bases, faz a proposição; esta he debatida e determinada; e depois de determinada e debatida, offerece-se aos povos para que elles decidão, se querem ou não a alteração do artigo da Constituição; o que se conhecerá pela affirmativa, ou negativa. Os que derem as procurações, querem que se trate d'alteração, os que as negarem, não querem a alteração. Não he nada liberal impor obrigação aos povos; he preciso dar-lhes a maior liberdade para conservarem ou alterarem a sua Constituição; esta liberdade he que eu quero que be lhes de, e insisto em que se lhes não póde tirar; nem sei que umas Cortes ordinarias possão mandar que os povos dêm procurações para fazerem ou alterarem uma cousa que fizerão as Cortes constituintes; porque nesse caso não são os povos, mas as Cortes ordinarias as que alterão. Ninguem póde dar o que não tem: as Cortes ordinarias não possuem poderes de Cortes constituintes, logo ellas não podem obrigar os povos a que lhes confirão poder para fazer aquillo que só compete ás Cortes constituintes; pois que esta obrigação, ou antes violencia importa o uso duma autoridade, que ellas não tem; e por consequencia deve ficar livre aos povos o darem ou não darem este poder aos seus Deputados. Em quanto á segunda parte, queria saber, torno a dizer, se he o mesmo propor, e alterar, porque senão he o mesmo, como de facto não he, então claramente se ve que o artigo não póde ser conforme com o que se acha nas Bases; porque, segundo se vê dallas, he no fim de quatro annos que se póde alterar, e que já antes devia ter lugar a proposta.

O senhor Moura: - Se as nossas procurações nos mandão fazer a Constituição do modo que nos parecer mais proprio e conveniente, perguntarei ao illustre Preopinante porque razão não podem as Cortes, na segunda legislatura, ordenar aos povos que dêm aos seus Deputados as procurações necessarias? Nós temos a autoridade, e o poder de fazer a Constituição, tal qual assentarmos que deve ser feita, salvas as unicas restricções que tem as nossas procurações: salvas ellas, o nosso poder he amplo e absoluto, e estende-se a estabelecer a lei que ha de determinar a alteração da maneira que quizermos, isto he, do modo que a discussão nos fizer adoptar por melhor; e isto por um poder muito verdadeiro, solido, e real que a Nação toda nos conferiu. Logo se depois de uma sufficiente discussão, a Assembléa assentar, á pluralidade de votos, que se adopte este methodo, está legitimamente adoptado.

O senhor Castello Branco Manoel: - Diz-se que este parágrafo se oppõe ao que se acha estabelecido nas Bases, porque determinando que a Constituição sómente possa ser reformada, ou alterada em algum, ou alguns de seus artigos, passados quatro annos; e exigindo as formalidades no mesmo indicadas, não poderá ser feita a reforma, senão depois de oito ou dez annos, contra o que está assentado nas Bases. Isto porem he uma equivocação, porque as Bases não dizem que a reforma deverá ser feita necessariamente passados os quatro annos; e só nessa hypothese he que teria força a objecção de que não podem verificar-se as formalidades, que exige o §. O que as Bases prescrevem he a possibilidade de fazer-se a alteração logo que passem 4 annos depois de promulgada a Constituição; mas não prohibem que decorrão 10 annos, 20 annos, ou talvez um seculo, sem que tenha lugar alteração alguma; e oxalá que assim acontecesse, pois nunca he demasiada toda a precaução que se empregue nestas mudanças, afim de que nellas não tenha alguma influencia o poder executivo, o qual procurará sempre, por todos os meios que estiverem ao seu alcance, minar e destruir o magestoso edificio da nossa Constituição. Quanto á parte do §, onde se diz que sendo reconhecida a necessidade da proposição, será reduzida a decreto, etc., devo observar que me parece contradictorio admittir a necessidade

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de uma procuração especial para legalizar a reforma e ao mesmo tempo exigir essa procuração por um decreto. Se as Cortes já tem assentado que a reforma he necessaria, e a tem já decretado, que necessidade ha de exigir dos povos uma procuração pro forma? Não posso convir em que a nação fique sujeita a dar taes procurações, porque, se resultão alguns inconvenientes de deixar livre ás camaras o dalas ou recusalas, muito maiores inconvenientes prevejo em darmos ás Cortes ordinarios a liberdade de alterar a Constituição; pois se desgraçadamente chegar a ter influencia nellas o poder executivo, está de certo aniquilado o systema constitucional, perdido o fructo dos nossos trabalhos, e malogradas as esperanças da Nação.

Concluo portanto que o § não se oppõe ás Bases; mas para que não pareça contradictorio, sou de parecer que em lugar de dizer-se: e sendo reconhecida a necessidade da proposição, será esta redizida a decreto se diga: e sendo reconhecida a necessidade da discussão sobre a reforma, será decretada a necessidade della, a qual será publicamente remettida, etc.; de maneira que a necessidade nunca seja relativa á reforma, mas sim á discussão; e que os Deputados, munidos com poderes de discutir, possão approvar ou rejeitar a reforma. Com esta pequena mudança julgo que o § póde passar.

O senhor Serpa Machado: - Trata-se do modo e tempo em que se devem fazer as alterações da Constituição. Segundo está concebido o artigo 28, he certo que dentro dos quatro annos não se póde permittir a alterarão de algum dos artigos da Constituição; mas, pergunto eu agora, será permittido propor a alteração de algum destes artigos dentro dos 4 annos? Se este he o estado da questão, eu voto dar sobre elle o meu voto. Parece-me pois que dentro nos quatro annos não deve ser permittido o propor reforma alguma; porque, qual foi a razão porque se marcou este prazo para dentro delle se não fazer alteração em algum dos artigos constitucionaes? foi para sedar occasião a que se verificasse na pratica, se cada um dos artigos era ou não conveniente. Os elementos principaes da reforma são a experiencia e pratica dos quatro annos; sendo pois isto o principal elemento da reforma, parece que não póde discutir-se com verdadeiro conhecimento de causa, sobre o alterar algum artigo da Constituição, sem que tenhão decorrido estes quatro annos; por isso que para o fazer, falta o principal elemento do tempo necessario. Por tanto a minha opinião he, que entendendo-se o artigo em toda a latitude nesta parte se deve restringir, para que nenhuma proposta, nenhuma alteração se possa fazer dentro dos quatro annos. Em quanto ao outro objecto de deixar livre aos povos o darem as suas procurações para se fazer a alteração, sou de opinião que não deve ficar na liberdade das Juntas eleitoraes, porque de facto não vinha a ficar na liberdade das Juntas. Daqui seguir-se-hia que nós davamos mais autoridade aos procuradores das Juntas eleitoraes, do que aos Representantes da Nação. Por consequencia cada uma das Juntas eleitoraes vinha a ter um voto contra a opinião da Assemblea legislativa. Por tanto, em quanto á primeira parte do artigo, parece-me que se deve fazer uma declaração muito explicita, de que dentro dos quatro annos se não póde propor similhante alteração, e muito menos fazela. Em quanto á segunda parte assento que não deve fixar na liberdade dos povos o dar as taes procurações; advirtindo mais que a necessidade de reduzir as Cortes que fazem a alteração a Cortes extraordinarias, por meio da procuração especial, procede de que o facto de darem os povos as procurações as fez constituintes; mas isto sómente em quanto ao objecto da reforma, porque em quanto ao mais são ordinarias.

O senhor Macedo: - Na penultima Sessão, quando se tratou se era ou não licito fazer a proposta para alterar a Constituição, alguns Preopinantes forão de opinião que serra licito o fazer a proposta dentro dos quatro annos. Não entro por ora nesta discussão, mas limito-me a falar sobre a especie de decreto que se deve expedir para os eleitores darem as procurações especiaes. Que vem a ser decreto? he uma disposição legislativa em que se determina que se faça certa cousa, ou em que se prohibe que se faça. Vejamos se as Cortes tem autoridade de mandar aos povos que instruão seus procuradores com procurações especiaes? Alguns illustres Preopinantes dizem que ellas não tem tal autoridade, e a isto respondeu um illustre Deputado, que as Cortes o poderião fazer uma vez que fosse determinado na Constituição, pois que estão autorizadas as mesmas Cortes para fazerem a Constituição amplamente; e por tanto, uma vez que se considere que a decreto he concebido em virtude dos poderes que nós temos, poderia elle ser expedido. Porem a isto respondo eu, que he verdade que nas nossas procurações não vem restricções algumas; mas entretanto ninguem duvidará que nós não somos autorizados para qualquer cousa que obste á natureza de nossas missões. Se eu mostrar pois que he contrario á missão do Congresso o passar este decreto, claro está que terei mostrado, que apezar de não haver restricção alguma nas nossas procurações, elle se não deve passar. Como nas nossas procurações não ha restricção alguma, examinemos qual será o objecto do decreto para assim desenvolvermos esta questão. Qual será pois o objecto do decreto? Será sem duvida o mudar ou alterar a Constituição. E que he Constituição? he o pacto social que fazem os povos; a fim de conseguirem os fins da sociedade. Ora não será contrario á natureza da missão do Congresso obrigar os povos a que alterem contra sua vontade este mesmo pacto social? O pacto não póde dissolver-se sem mutuo consentimento das partes, da mesma sorte o pacto social não póde dissolver-se sem mutuo consentimento dos povos. Por isso creio que he contra a natureza da missão das Cortes obrigar os povos a darem as procurações especiaes... Por isso he necessario que os poderes dimanem das primeiras Juntas eleitoraes: he necessario que a necessidade da reforma só faça publica, e que no acto da 1.ª eleição, os eleitores que forem nomeados, tenhão autorizados para conceder aos eleitores successivos a autoridade que hão de conceder aos outros; doutra maneira seria illegal esta Commissão de procuradores. He necessa-

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rio consultar a vontade da Nação: he necessario que a primeira Junta eleitoral autorize os primeiros eleitores, porque julgo que sem isto as procurações são inefficazes, e que tudo que se fizer he illegal. Reduzo por tanto a minha opinião, dizendo: 1.° que não deve passar-se decreto para obrigar os povos a que dêm procurações; mas sim que deve fazer-se pela necessidade autenticamente provada, e que em virtude della, fica livre aos povos darem estas mesmas procurações. 2.º Que não podem ser dadas ao livre arbitrio dos eleitores dos Deputados.

O senhor Correa de Seabra: - Não posso ser de opinião de que seja livre aos collegios eleitoraes depois de decretada a necessidade da reforma ou alteração de algum dos artigos da Constituição, o não darem procurações, para se poder fazer a dita reforma, ou alteração; porque daqui segue-se: 1.° Que uma fracção da Nação, qual he cada collegio eleitoral, poderia contrariar o que legitimamente estava decretado por toda a Nação, por via dos seus Representantes, que são os unicos orgãos da Nação. 2.° Que cada collegio podesse tambem propor artigos de reforma, o que he absurdo; porque a faculdade dos collegios eleitoraes limitta-se, e he restricta ás procurações. Agora quanto ao modo do processo que lembra o artigo para propor a reforma, parece que he inadmissivel; porque he contrario ao artigo das Bases, segundo o qual passados os quatro annos se póde fazer a reforma, e por consequencia logo no quinto anno; e segundo o artigo em questão, só se vem a fazer a alteração "o oitavo ou nono anno. A letra do artigo das Bases não soffre tal alteração, nem foi essa a intenção do Congresso quando sanccionou o artigo; porque estou omito bem lembrado que depois da discussão, propondo-se o espaço de oito annos para se não fazer a alteração, foi rejeitada a proposta, assim como o foi a dos seis annos, que tambem se propozerão. A minha opinião pois he que o artigo volte á Commissão para o redigir de forma que seja compativel com o estabelecido nas Bases.

O senhor Borges Carneiro: - O primeiro principio que julgo dever-se estabelecer, he a grandissima estabilidade que uma Constituição deve ter. Se uma Constituição se poder facilmente alterar, ella não he mais que uma lei transitoria, como qualquer outra lei. E por ventura ignora alguem quantas são as influencias e recursos que tem o poder executivo, paia se senhorear da opinião publica? Ninguem ignora que em quanto a Nação está vivamente dorida dos males que soffreu pelo despotismo; em quanto ella está ciosa da sua liberdade; dificil será o alterar-se o systema que adoptámos; porem quando a Nação estiver adormecida, quando estiver já sã das feridas que lhe causou o despotismo, deixando-se a facilidade de alterar a Constituição, facilmente o poder executivo influirá nos Deputados, e ficará transtornado ou destruido algum dos principios mais proprios para manter a liberdade dos povos. Por exemplo, se se tratasse agora de dar ao Rei o veto absoluto, a Nação ciosa da sua liberdade recusaria submetter-se a este jugo; mas se daqui a quatro, ou daqui a oito annos vier uma legislatura em que o poder executivo possa influir por meio dos grandes recursos que estão á sua disposição, então estando a Nação um pouco adormecida será talvez mais facil alterar-se algum dos artigos constitucionaes, e até estabelecer-se o veto absoluto, ou introduzir as duas Camaras. Por isso devemos ter muito em vista a estabilidade e firmeza da Constituição; e estas são as razões por que a Constituição de 91, e a de Hespanha attenderão muito a este principio de estabilidade da Constitução; eis a razão porque os Hespanhoes quizerão que ella não podesse ser alterada senão passados oito annos, depois de estar executada em ambos os hemisferios, o que foi cousa difficultosa. Mas se os oito annos que estabelecerão os Hespanhoes, achão-se por nós reduzidos a quatro, que se devem contar desde a publicação da Constituição, sou de parecer que se não possa propor a alteração se não depois dos quatro annos. Lembra-me que o senhor Travassos mencionou e indicou a palavra proposição, e que isto se venceu; mas não sei se vem na acta, porque muitas cousas se approvão que lá não apparecem; e na realidade seria cousa ridicula que hoje se fizesse a Constituição, e que amanhã se propozesse a sua reforma. Estou bem certo quando nas Bases se poz que devião concordar os dois terços dos Deputados, a mente do Congresso foi que esta concordancia dissesse respeito ao propor a necessidade da alteração; e esta me parece que deve ser a interpretação das Bases; de sorte que não se deve fazer a proposta da alteração logo na legislatura immediata ao tempo em que se publicou a Constituição. Vejamos agora o prazo que deve ser anterior á reforma de algum dos artigos da Constituição. Ora este prazo tem duas legislaturas, ou antes tres. Numa concordão duas terças partes dos votos na necessidade de fazer a alteração ou reforma; a segunda legislatura, concordando na necessidade de se alterar, passa um decreto para na legislatura seguinte virem os Deputados munidos com as procurações especiaes. Resta-me falar agora sobre a palavra decreto. As presentes Cortes estão autorisadas pela Nação para fazer a Constituição do modo que bem entenderem, á excepção daquellas pequenas cousas que a Nação restringiu; mas em tudo o mais deu amplissimos poderes á Assemlea para fazer a Constituição como entendesse, e obrigando aos povos a estar por tudo que estas Cortes determinarem. Suppondo pois que estas Cortes, em consequencia do amplissimo poder, determinão que se dêm as procurações especiaes; ninguem póde negar que os povos estão obrigados a dalas, e a reconhecer a reforma como constitucional. Se isto assim não fosse, seguir-se-hião na pratica inconvenientes muito grandes, quaes os tumultos e desordens; porque os povos quererião discutir sobre o ponto que se pertendia alterar; o que não convem.

O senhor Freire: - Não posso deixar passar um principio tão anti-constitucional, que vem a ser, que a legislatura que vier depois de nós póde ter estes poderes, porque nós lhos damos. Nós não podemos transferir poderes constituintes.

O senhor Durão: - Parece que estamos na questão a mais espinhosa. He este um objecto em que tem naufragado os melhores legisladores. A redacção

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deste artigo não me parece boa; e com muita razão ponderou o senhor Fernandes Thomaz que fendo-se estabelecido quatro annos para a reforma da Constituição, não poderia esta fazer-se segundo o que se acha reste artigo do projecto, senão passados oito ou dez annos. A 1.ª parte do § das Bases foi transcripta no projecto; mas a segunda não. O paragrafo das Bases diz sómente poderá ser reformada ou alfaiada. He preciso que demos ás Bises toda a autoridade que ellas merecem. Não confundamos proposição de reforma com relorma: são duas cousas distinctas. A reforma sómente se poderá fazer na legislatura seguinte aos ditos quatro annos, este he um ponto de que não nos podemos desviar. Passados os quatro annos póde reformar-se a Constituição em alguns dos seus artigos. He por tanto preciso que uma legislatura diga que esta em circunstancias de se fazer esta reforma. Esta legislatura não póde ser, nem uma, nem duas, nem tres, deve ser uma só, para que a seguinte venha com poderes, aliás temos doutrina nova em contradicção com a das Bases. Os autores da Constituição franceza de 1791 suppondo-a fundida em bronze pozerão difficuldades a esta reforma, e infelizmente não passou um anno, que não se fizesse outra Constituição. He neceasario que a Nação esteja sempre com faculdade prompta. A Nação de hontem he tão soberana como a de boje. He preciso muita sizudeza, e muito melindre para lhe pôr ferros. Decidiu-se que de quatro em quatro annos se poderia alterar a Constituição; e isto foi dito com muita madureza o que resta pois he estabelecer o modo de praticar-se esta reforma; e por tanto parecia-me acertado que a segunda legislatura discutisse se era preciso, ou não, fazer-se alguma reforma, e que depois de discutido isso, votando as duas terças partes que era necessaria a reforma, se desse a mão aos povos, a fim de concederem as procurações necessarias para se fazer a alteração, ficando livre ás Cortes o discutirem o ponto nas seguintes legislaturas. Por consequencia assento que este § deve voltar á redacção para estabelecer um modo conforme com as Bases.

O senhor Franco: - Tres são os objectos que tem dividido a Assemblea. Primeiramente, se são necessarias novas procurações quando se houver de fazer a reforma? Digo que sim, as Cortes constituintes trazem procurações para isto; as Cortes ordinarias só devem guardar o deposito sagrado da Constituição, e não alterala. Podemos determinar que se faça por uma ordem, e não póde ser senão por uma ordem, porque aliás uma camara decidiria que sim, e outra que não. He necessario pois que a segunda legislatura do segundo anno, uma vez que concordem as duas terças partes dos Deputados, passe a ordem para virem as procurações, e que as camaras dêm estas procurações. Entra agora em questão se deve ser a seguinte legislatura, ou a outra. Estabeleceu-se nas Bases, que só passados quatro annos, he que se póde alterar a Constituição; pelo que toca aos quatro annos devem observar-se religiosamente. Ora no fim dos quatro annos, não se faz a alteração: manda-se que as Cortes seguintes tragão as procurações; então a legislatura do quinto anno, examina se convem fazer alteração, e a sua decisão de se passar como lei constitucional. Este quinto anno vem a ser uma legislatura constituinte, e eis a razão para que são necessarias as procurações. Por isso voto que este artigo volte a Commissão para novamente o redigir.

O senhor Macedo: - Quando digo que não deve expedir-se o decreto, não he porque queria que os povos passem as procurações como bem lhes parecer; mas o que não quero he que se obriguem os povos a dar precisamente estas procurações. Não quero que as Cortes possão deixar de ordenar que dêm as procurações, mas ao que me opponho altamente, he que se obrigue a Nação a dar taes procurações. Argumentou-se-me que nos estavamos autorisados para isso, porque não tinhamos restricção alguma, excepto a de conservar a religião e a dinastia, mas a isto respondo, que não podemos ser autorisados para aquillo que he contra a natureza das cousas. Ora sem duvida he contra a natureza das cousas obrigar alguem a que de uma procuração para qualquer cousa; e em consequencia nenhum fundamento tem o argumento que se me oppõe. De mais, o que he procuração? He um mandado espontaneo e livre, pelo qual qualquer pessoa commette a outrem certa porção de poderes que lhe competião. Logo o primeiro requisito he a espontaneidade do constituinte; logo onde não ha espontaneidade não ha mandado, não ha procuração, he acaso pôs determinássemos que as Cortes passassem um decreto pelo qual se obrigavão os povos a dar procurações, estas procurações senão inteiramente coactas; não acho mais que uma formalidade ridicula. Um dos artigos do projecto que estamos discutindo he, que a soberania reside na Nação; se acaso pois uma das legislaturas seguintes expedisse um decreto obrigando os Eleitores a darem uma procuração que autorisasse os Deputados a alterar este mesmo artigo da Constituição, seria isto conciliavel com o que já se acha sanccionado? não por certo. Não sei como residiria então a soberania na Nação, sendo ella obrigada a estar por um artigo differente do que ella já tinha decretado pelos seus Representes. Por tanto não posso de modo algum convir que os Eleitores sejão precisamente obrigados a dar procurações para se alterar qualquer artigo constitucional.

O senhor Serpa Machado: - Chamo a attenção da Assemblea sobre a doutrina do artigo 26. Ali se diz que a soberania reside na Nação; mas o exercicio della pertence unicamente aos seus Representantes. Se ficasse a arbitrio de cada uma das juntas, ou de cada um dos individuos, o conceder ou não aquellas procurações, seguir-se-hia que a Nação podia ter o exercicio da soberania, quando nos acabamos de estabelecer que o exercicio da soberania só póde verificar-se nos seus Representantes. Quando as Cortes decretão que se dêm as procurações não fazem mais do que declarar a vontade da Nação, porque ellas são as que representão a mesma Nação. Escuso chamar a attenção da Assemblea sobre o inconveniente de combinar a vontade de differentes corpos eleitoraes uns com outros: nas Constituições de 93 e 95, em

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como se decidiu exigir para os objectos ordinarios o consentimento de todos os departamentos, o que resultou foi não se saber qual era a vontade da Nação. O deixar-se livre ás juntas eleitoraes a concessão em denegação das procurações, daria occasião a mil discordias nas provincias, principalmente nas ultramarinas. Seria até impossivel poder conciliar os povos, porque aquelles que não dessem as procurações para se fazer esta reforma, ainda que as Cortes a determinassem, com difficuldade a arceitarião. Por isso opponho-me a que fique isto dependente do arbitrio dos corpos eleitoraes; por ser contrario ao que estabelecemos no artigo 26, onde se dia; que a soberania reside na Nação, mas que o seu exercicio só se pôde verificar nos seus Representantes.

O senhor Moura: - Levanto-me para responder ao illustre Deputado, o senhor Freire, que atacou de anticonstitucional a redacção deste paragrafo, por isso que parecia transferir poderes constituintes para uma legislatura ordinaria. Digo que ha nisso uma equivocação clara. Quando se redige o decreto não he transfere poder constitucional, porque para haver este poder he necessario que haja procurações especiaes; e para haver estas procurações especiaes he que se redige o decreto. A legislatura posterior áquella em que se discutiu a necessidade da alteração, não póde jamais fazela sem poderes especiaes: para isto he que se passa a ordem; e por consequencia não he exacto o que diz o senhor Freire. A Constituição ha de eternamente contrariar os interesses, e paixões particulares de muitos; ha de estar sempre em collisão com, os interesses daquelles a quem hoje offende; por isso devemos trabalhar para que ella permaneça inalteravel, não pelo espaço dos 4 annos, mas por muitos seculos, se for possivel. Abrir por tanto uma porta para serem alterados os principios das Bases, he não querer dar caracter de estabilidade a uma obra tal. Não digo que se possão deixar de fazer para o futuro algumas alterações que sejão necessarias, porque as leis mais sensatas podem necessitar reforma pelo decurso do tempo; mas pôde, por ventura, ser duvidoso em tempo algum, que os poderes devem ser sempre divididos? que deve haver sempre liberdade de imprensa? que os Ministros devem ser sempre responsaveis?

O senhor Pinheiro de Azevedo: - O meu voto he que as duas partes deste artigo (2.ª e 3.ª) se rejeitem por serem contrarias á letra e espirito das Bases. A Constituição de uma Nação he a obra mais difficultosa de quantas póde emprehender o homem. Tem-se feito por muitos seculos tentativas, e trabalhos de combinação, em que entrar ao homens egregios, e ao mesmo tempo muito politicos, e exercitados, e todavia nenhuma Nação no mundo se póde gloriar de ter uma boa Constituição. A estas difficuldades occorrem muitas outras; pelo que podemos suppor com probabilidade, e com muita probabilidade, que a nossa Constituirão, apesar de ser muito discutida, sempre ha de lei defeitos, imperfeições, e talvez vicios. Ora como estes defeitos, e imperfeições, se devem emendar no tempo determinado nas Bases, pede a justiça (por que os defeitos de uma Constituição, ainda que seja livre, são sempre males gravissimos) que os membros do corpo politico não fiquem por muito tempo privados dos melhoramentos, e resultados de uma boa reforma. Pede-o a politica, porque remedio fora de tempo póde ser inutil, e infructuoso; póde haver circunstancias em que este remedio não seja possivel nem praticavel. A Nação nos commetteu exclusivamente a faculdade de formarmos a sua Constituição: poderemos nós limitar estes poderes; limitar a soberania da Nação de que somos Delegados? Quem affirmasse que sim, affirmaria o maior de todos os erros, o maior de todos os absurdos. Eu affirmo que se fosse possivel que a Nação deliberasse sobre este ponto, ella mesma não poderia limitar os seus poetares e a sua soberania; porque o mesmo seria lunita-la que aniquillar-se a si mesma, visto que a soberania constituo a sua essencia. Por tanto sou de opinião que não convem alterar o que está prescripto nas Bases, e que estas duas partes do artigo do projecto devem ser refundidas. Antes que acabe o meu discurso e não posso deixar de dizer que à Nação inteira confiou em nós, e nós devemos corresponder a esta confiança, e igualmente á boa fé com que a mesma Nação, e especialmente as provincias ultramarinas que não tem Representantes em Cortes, jurárão a Constituição que nós fizermos. Correspondamos por tanto a esta confiança; Saiba a Nação que não limitamos os seus direitos; saiba que em todo o tempo tem a faculdade inauferivel de propor melhoramentos e reformas á Constituição. Assim pensão e escrevem os illustres Hespanhoes, sem, embargo dos artigos da sua Constituição; taes são Martinez, e Mariana na sua Theoria de Cortes.

O senhor Vaz Velho: - Direi duas palavras sómente sobre este artigo. He necessario evitar os extremos que póde haver sobre esta materia, visto que todos os extremos são viciosos. Nem se devem pôr grandes embaraços á reforma, nem tambem uma summa difficuldade: por consequencia convem adoptar-mos um termo medio. Eu limitar-me-hei sómente a fazer algumas reflexões ácerca do decreto. Pedir poderes para uma reforma já decretada, não entendo; porque quem decreta a necessidade, decreta logo a reforma: por tanto digo, ou que se tire a palavra decreto, por dizer mais do que deve dizer, ou então que se enuncie que sendo reconhecida a necessidade da reforma, declara-se isso mesmo á Nação, a fim de que os Deputados tragão os poderes necessarios para que achando verdadeira a necessidade, fação a reforma.

O senhor Borges Carneiro: - O illustre Preopinante suppõe que já está decretada a necessidade da reforma, quando ella só esta discutida. Discutiu-se pois, e parecendo ás duas terças partes que he boa a reforma, reduz-se este parecer a um decreto, cujo fim he uma nova discussão. Quanto ao prazo dos quatro annos, a mente da Assembléa foi dar quatro annos á Constituição, para que a experiencia podesse preparar uma nova discussão. Por tanto entrar já nestes quatro annos a discutir se he util a reforma ou não, ou cousa contra o bom senso; pois se o Congresso teve em vista dar quatro annos de estabilidade á Constituição para experimentar a conveniencia ou inconveniencia de cada um dos seus artigos, como have-

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mos de estar a discutir sobre reformai, não tendo ainda passado os quatro annos. Hão de passar primeiro os quatro annos, e só depois delles he que deve ter lugar a discussão sobre a necessidade da reforma ou alteração de qualquer artigo. Não he porque tenhamos a presumpção de fazer uma Constituição tão perfeita que não possa ter algumas imperfeições; mas porque he necessario cuidar muito na estabilidade da Constituição: he muito necessario que a Nação esteja á lerta, e que os seus Deputados estejão izentos do Poder executivo; porque quando a Nação estiver já amortecida, quando as feridas do despotismo já estiverem cicatrizadas, então, se o Poder executivo tiver grande influencia, a Nação corre grande risco de perdei a sua liberdade, e de cair no mesmo abysmo de males de que acaba de sair. A tendencia natural do Poder executivo he sempre de subjugar a Nação: elle tem á sua disposição as graças e as mercês; e por isso cumpre dar á Constituição a maior estabilidade possivel.

O senhor Baeta: - Não he tinto a ambição do Poder executivo a que ha de fazer mal á Constituição, como a falta de observancia dos principios constitucionaes. Eu não temo as alterações que se houverem de fazer, uma vez que sejão marcadas neste projecto; nem penso que os illustres Redactores se havião de apartar do que se sanccionou nas Bases. Diz-se nellas positivamente que antes de quatro annos se não poderá fazer a alteração; mas não se diz que seja necessario fazer a alteração. Se se reconhecer o beneficio da Constituição, não se fará mudança alguma nem no 5.°, nem no 6.° anno; mas s a Nação reconhecer que os principios de um artigo, por exemplo, são inteiramente contrarios ao bem publico, porque motivo ha de catar ligada, e lhe ha de ser vedado fazer a alteração? O que diz o § 23 certamente implica como que está determinado nas Bases; por isso sigo a opinião de que na segunda legislatura se os membros da Assemblea reconhecerem a necessidade de uma reforma, devem propor se ella ha de ou não fazer-se; e depois de feita esta proposta devem declarar á Nação que deleguem os poderes constituintes aos Deputados da immediata legislatura.

O senhor Caldeira: - O que julgo que tem feito prolongar a discussão, he o persuadirem-se alguns membros que a palavra decreto envolve necessidade. A necessidade nunca póde ser objecto de decreto; porque decreto he uma lei, e a lei versa sobre actos humanos livres. Pelo que he necessario que fiquemos certos que não he a necessidade que se decreta; a necessidade he conhecida; e a mim parece-me que os povos devem ser obrigados a dar as procurações especiaes; nem se lhes faz violencia nisso, pois he por sua utilidade que se lhes pedem taes procurações! Por tanto a doutrina do §, em quanto a este ponto, deve passar.

O senhor Miranda: - Quando se tratou da discussão deste artigo em as bases, a razão porque se determinou que só passados quatro annos se poderia alterar um artigo da Constituição, foi porque só passado aquelle periodo do tempo he que a experiencia poderia, mobilar a utilidade de se alterar ou conservar qualquer artigo da Constituição; e foi debaixo deste principio que nas Bases se estabelecerão os quatro annos: por consequencia só depois de passado este prazo, e quando a experiencia tiver mostrado os inconvenientes que se seguem de algum artigo da Constituição, he que se poderá tratar da sua alteração ou reforma. Digo que se poderá tratar da reforma só passados os quatro annos porque esta he sem duvida a condição prescripta nas Bases; e he esta, segundo julgo, a sua verdadeira intelligencia. Devemos dar á Nação uma prova de que a Constituição he discutida com madureza é reflexão, e que por isso os resultados della hão de comprovar este mesmo cuidado que temos em fazela. Quanto mais que não me parece demasiada a experiencia de quatro annos para se tratar de mudar um artigo constitucional... Para alterar um artigo desta natureza são necessarios poderes especiaes. Nós não podemos delegar os poderes que temos, porque nas procurações se declara que não temos poder de delegar; é por isso são absolutamente necessarios poderes especiaes da Nação. Mas passando-se o decreto, vem esta a ser obrigada a dar estes poderes, não os dá espontaneamente; he como o passageiro que se vê obrigado a dar a sua bolça ao ladrão, porque he forçado a isso. Por tanto quizera eu que o decreto se limitasse só a fazer saber aos povos o objecto da discussão, é o resultado della, estabelecendo que para isto se pedião procurações especiaes, mas ficando a Nação com a faculdade de recusar ou conceder as procurações. E depois, segundo o numero destas, se veria se havia de ser alterado ou não o artigo da Constituição que se pretendia illudar.

O senhor Moura: - O escrupulo do illustre Preopinante consiste em que se não faça á mais pequena alteração sem que o povo exerça a soberania, declarando directa e particularmente a sua opinião sobre cada ponto da Constituição: mas não tem escrupulo em que se fura a Constituição toda, debaixo da expressão geral com que o povo diz: faça-se à Constituição. Os inconvenientes que podem resultar de se deixar aos povos a liberdade de darem ou de recusarem as procurações, todos os vemos. Está assentado que a soberania reside na Nação, mas que ella não a póde exercitar senão por meio dos seus representantes: eis-aqui porém que se dá ao povo o exercicio da soberania; eis que se vem a dar ás comarcas a faculdade de diferem, umes que he justo que se fará esta alteração; outras, que não he justo. Eis as comarcas em collisão entre si; os membros das Juntas eleitoraes em opposição uns com outros, uma verdadeira anarquia! Acho que não he util nem necessario trazer os povos no conhecimento individual e especifico de cada um dos artigos que se querem alterar. Que illustração poderemos nós tirar de se dar aos povos o conhecimento individual de cada um dos artigos que se julgue necessario alterar! Acharemos que os interesses de uma comarca dictarão que se altere este ou aquelle artigo, e que os interesses de outra pedirão que se não altere. Nós devemos sanccionar o que for a bem, não de uma só comarca, mas de toda a Nação.

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O senhor Ribeiro Saraiva: - Quando se discutiu, o artigo das Bases, relativo ao prazo que devia estabelecer-se para se poder fazer alguma alteração da Constituição, fui de parecer que este prazo devia ser de oito, ou dez annos; porque estou persuadido que tanto tempo de experiencia apenas seria bastante para se conhecerem os seus defeitos, e se poder alterar uma lei fundamental do systema que se adoptou, de cuja perpetuidade depende a conservação deste Governo. Ora uma vez estabelecido o referido termo, toda a Nação sabe pela Constituição que chegado elle, se póde esta emendar; e por isso teia o cuidado de ter feito de antemão as reclamações, que lhe parecerem justas, ou direitamente ás Cortes, ou por meio da liberdade da imprensa, que a este fim principalmente he destinada. Parecem-me, portanto, superfluas as complicadas diligencias, que no projecto se estabelecem para previnir os povos das alterações projectadas; basta para isso a noticia posta nos papeis publicos, citando-se assim a necessidade de novas procurações especiaes para certas alterações, devendo-as ter dado geraes para as necessarias na forma da lei constitucional.

O senhor Castello Branco: - Tres são as questões que se tem agitado sobre a materia deste paragrafo: 1.ª se he razoavel o prazo que elle propõe para se tratar da alteração de algum dos artigos da Constituição; 2.ª se as Cortes que assentarem na necessidade da alteração, devem passar um decreto para as procurações, e se este decreto deve obrigar a Nação a passar taes procurações; 3.ª se no decreto se devem pedir procurações geraes, ou especiaes para a reforma de que se trata, indicando positivamente qual, e de que natureza ella deve ser. Quanto ao prazo proposto no §, eu me opponho inteiramente a elle: nós temos uma lei geral, uma lei sanccionada, uma lei jurada pelo Congresso e pela Nação inteira, - as Bases da Constituição. Diz um dos artigos das Bases, que qualquer artigo da Constituição não poderá sor alterado senão passados quatro annos. Logo segue-se pelo contrario, que passados os quatro annos ella póde ser alterada. Na Constituição se deve estabelecer o modo, e o processo porque se deve tratar desta alteração, mas todos vem que uma vez que este prazo for combinado de maneira que senão faça possivel a alteração, passados os quatro annos, acha-se em perfeita contradicção com o determinado nas Bases. Não he preciso muita reflexão para ver que he o caso em que se acha o artigo tal qual está concebido; pois que passados 6, ou 8 annos he que se póde alterar a Constituição: por consequencia, deve ser redigido de outra maneira, que seja compativel com as Bases; é julgo que he facil conseguir isso uma vez que demos mais amplas attribuições a estas Cortes ou legislatura intermedia: umas Cortes discutão a necessidade da alteração; outras Cortes tornem a discutir esta mesma necessidade, e assentando as duas terças partes dos seus Deputados que a alteração he necessaria, sejão essas mesmas Cortes as que cuidem em que se verifiquem as procurações na legislatura seguinte. Vamos á segunda questão, se deve passar-se decreto e se este deve ser obrigatorio para a Nação. Todos aquelles que tem votado contra a obrigação que a Nação tem de conformar-se com este decreto, fundão, a meu ver, a sua opinião sobre um engano; o qual consiste era attribuir á legislatura ou ás Cortes aquillo que se deve attribuir propriamente á Constituição. A soberania reside essencialmente em à Nação, que a não póde exercitar pôr si mesma, ao menos em toda a sua amplitude, porque alguns actos ha de soberania (ainda que poucos) que a Nação exercita por si mesma. Foi por este principio que a Nação nos constituiu seus procuradores e que nos deu todos os poderes, e as faculdades necessarias para fazermos uma Constituição, segundo julgássemos util, e proveitosa á Nação; e ella prometteu jurar, e sanccionar esta mesma Constituição que houvesse de ser feita por nós. Ora todos os actos de administração publica que para o diante se praticarem, devem ser declarados, devem ser estabelecidos nesta mesma Constituição. Nella se deve estabelecer o modo por que convem tratar das alterações que se julgarem necessarias na Constituição; e pois que a Nação nos deu a faculdade de fazer esta mesma Constituição, e jurou observala sem saber ainda qual havia de ser a sua disposição, segue-se que qualquer que seja o methodo que estabeleçamos na Constituição para se tratar da sua reforma, deve necessariamente ser reconhecido pela Nação. Logo se nós estabelecermos nesta Constituição, que depois das Cortes assentarem sobre a necessidade da alterar um artigo da Constituição, se deve passar um decreto obrigatorio para a Nação, está fora de toda a duvida, que esse decreto deve ser obrigatorio, e que a Nação deve conformar-se com elle: por isso dizia eu que o engano procedia de se attribui as Cortes o que só deveria attribuir-se á Constituição.

Tendo pois mostrado que a Nação póde ser obrigada por este decreto a passar taes, e taes procurações, resta-me agora examinar se assim o devemos estabelecer na Constituição. Não posso deixar de temer e tremer quando á minha imaginação se apresentão as desastrosas consequencias que podem resultar de darmos a uma legislatura a faculdade de expedir similhante decreto! Todos conhecem quaes são os meios, e poderosos recursos que tem o Poder executivo para influir na Assemblea legislativa. Estes meios que com o tempo hão de ir engrossando cada vez mais, devemos, com toda a razão, receiar que o Poder executivo ponha em pratica, para o futuro. E não poderá acontecer então que as Cortes, ou a maioria deita Assemblea assim influida, venha a decretar a necessidade de alterar um artigo essencial da Constituição, artigo cuja alteração seja capaz de dar o ultimo garrote á liberdade nacional? sem duvida. Eu não posso duvidar da possibilidade desta hypothese nas legislaturas futuras; e por consequencia, se estabelecermos nesta Constituição um decreto que obrigue imperiosamente a Nação a dar as procurações para essa reforma, não iremos lançar os ferros do despotismo áquelles mesmos que tanto temos trabalhado para libertar? E, o que será mais doloroso, não os forçaremos a que assignem elles mesmos a terrivel sentença da sua morte civil, da sua escravidão? Por tan-

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to, ainda que por uma parte se nos representem alguns bens no methodo que se propõe no projecto da. Constituição, são de ta magnitude os males que por outra parte nos ameação, que quero antes renunciar aquelles bens, do que expor-me a estes males. Quero antes que os meus concidadãos soffrão alguns inconvenientes, do que se exponhão a ficar escravos, e agrilhoados. Por consequencia não posso votar que na Constituição se estabeleça similhante decreto obrigatorio; e me inclinarei, ainda que com alguma violencia, a que se deixe aos Collegios eleitoraes o livre arbitrio de passarem, ou não, as procurações na forma por que lhes forem requeridas. Alguns males podem dahi nascer; mas a opinião publica, sustentada pela liberdade da imprensa, deve reger o juizo dos homens; e quando a Assembléa se dirigir por principios de justiça, ella proporá á Nação aquillo mesmo que a opinião publica sustentar, e que a Nação quizer abraçar. Esses choques ou colisões que tanto assinão alguns dos illustres Preopinantes, são proprios de todos os Governos representamos, e servem muitas vezes para restituir o equilibrio ás differentes partes da maquina politica. Esses choques existirão no momento em que se declarou entre nós a liberdade da Nação. Mas já ninguem receia que cidadão portuguezes ataquem a liberdade da sua patria. A opinião publica está rectificada e he nella que eu tenho a maior confiança. Uma Assemblea legislativa ou a maioria dos seus membros póde faltar aos seus sagrados deveres e trahir os interesses dos seus constituintes, mas nunca a opinião publica ha de ser suffocada, nem a Nação se deixam illudir: deixemos por tanto ao povo portuguez a preciosa liberdade de conceder ou negar as procurações, porque elle fará o que lhe parecer justo, com o mesmo socego e sabedoria com atéqui se tem conduzido. Esta será sempre a minha opinião. Resta-me tratar da terceira questão que se reduz a saber se as procurações que se pedirem aos povos paia a reforma da Constituição devem sei amplas para qualquer reforma, ou muito especiaes. Nenhuma discussão he certamente necessaria para decidir este ponto todos prevem os inconvenientes em que poderiamos cair, se admittisse-mos procurações geraes. Deve-se pedir á Nação uma procuração especial, declarando-lhe muito positivamente qual o artigo que se quer alterar, e a natureza da alteração ou reforma que nelle se pertende fazer.

Sendo chegada a hora, ficou adiado o artigo.

Determinou o senhor Presidente para ordem do dia os pareceres das Commissões, e que para continuar o expediente das mesmas houvesse uma sessão extraordinaria no dia seguinte, desde as 5 até ás 8 horas da tarde.

Levantou-se a sessão ao meio dia. - Agostinho José Freire, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Antonio Teixeira Rebello.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo, a fim de ser competentemente verificado, o offerecimento que a beneficio das occorrentes despezas do Estado, dirigiu a este Soberano Congresso o cidadão Antonio Peneira da Silva, Sargento Mor de artilheria, da quantia de um conto trezentos e onze mil reis, provenientes dos seus soldos, que diz acharem-se retidos desde o mez de Abril de 1813, até o mez de Dezembro de mil oitocentos e dezoito, tudo na forma do incluso. O que V. Excellencia levai á ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 13 de Agosto de 1821 - João Baptista Felgueiras.

Para Ignacio da Costa Quintella.

Ilustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, sendo-lhes presente que o Reverendo Bispo Reitor da Universidade de Coimbra ainda no dia 6 do corrente mez nem ao menos havia apresentado na Junta da Fazenda da Universidade a portaria do Governo datada em 12 de Julho proximo passado, expedida em virtude da ordem emanada do Soberano Congresso em data de 2 do mesmo mez, para que tivesse efeito desde o 1.° de Janeiro do presente anno a mercê de uma tença de 300:000 reis annuaes anteriormente concedida por Sua Magestade, pelo cofre da mesma Universidade, a D. Genoveva Jacinta da Silveira, mãi do Lente de mathematica, Tristão Alvares da Costa Silveira, ordenão que se faça effectiva a responsabilidade do Reitor pela execução da citada portaria, dando logo parte de a ter immediatamente cumprido. V. Excellencia levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes, em 13 de Agosto de 1821. - João Baptista Felgueiras.

OFFICIOS RECEBIDOS no GOVERNO.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Sua Magestade manda remetter ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, para sua intelligencia, a conta inclusa da Commissão do Terreiro publico de 9 do corrente, com a relação a ella junta dos despachos ou avisos vindos do Rio de Janeiro, que lhe tinhão sido dirigidos desde o primeiro do corrente anno em diante, em consequencia da ordem das Cortes de 28 de Julho proximo passado, e rogo a V. Excellencia o faça assim presente no mesmo Soberano Congresso.

Deus guarde a V. Exa. Palacio de Queluz em 11 de Agosto de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras - Ignacio da Costa Quintella.

Illustrissimo e Excellenlissimo Senhor. - Sua Magestade manda remetter as Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portuguesa a conta inclusa do Intendente Geral da Policia da Corte e Reino, na data de 8 do corrente, com a copia do officio que lhe tinha dirigido o Juiz de Fora de Villa Real de Santo Antonio, sobre a representação que lhe havia feito a corporação dos maritimos da dita villa, por per-

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tencer a materia ele que se trata ao conhecimento do mesmo Soberano Congresso; e rogo a V. Exccllencia lho queira fazer assim presente.

Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 9 de Agosto de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras. - Ignacio da Costa Quintella.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Sua Magestade manda remetter ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza a representação inclusa dos officiaes da Camara da villa de Benavilla, e a informação dada pelo Corregedor da Camara de Aviz, por pertencer a sua decisão ao mesmo Soberano Congresso, e rogo a V. Excellencia lho queira fazer assim presente.

Deus guarde a V. Exc. Palacio de Queluz em 11 de Julho de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras - Ignacio da Costa Quintella.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor - Sua Magestade manda remetter ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portuguesa a representação inclusa da Camara da villa de Arronches, pois que tratando-se da continuação de uma imposição, pertence ao mesmo Soberano Congresso a sua decisão; e logo a V. Excellencia lho queira fazer assim presente.

Deus guarde a V. Exc. Palacio de Queluz em 11 de Agosto de 1821 - Senhor João Baptista Felgueiras - Ignacio da Costa Quintella.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Cumprindo com as ordens das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, que V. Excellencia me communicou em data de 4 do corrente, tenho a honra de levar a presença de V. Excellencia, para o fazer presente ao Soberano Congresso, o plano de divisão da actual Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em duas Secretarias.

Deus guarde a V. Exca. Lisboa 13 de Agosto de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras. - Ignacio da Costa Quintella.

Plano da divisão da Secretaria d'Estado dos Negocios do Reino, em duas Secretarias, segundo o artigo 131 do projecto de Constituição.

Secretaria dos Negocios do Reino.

São da sua competencia todas as leis, decretos, resoluções, e mais ordens relativas a objectos da sua repartição, para as promulgar, communicar ás estações competentes, e vigiar na sua estricta observancia.

São da sua competencia todos os objectos de agricultura, industria, e artes, estradas, canaes, minas, commercio, e navegação interior, instrução publica, estabelecimentos de caridade e beneficencia, e tudo quanto porem melhoramentos do interior, comprehendendo as escolas, collegios, universidade, academias, e outras quaesquer corporações de sciencia e bellas artes, a divisão e fixação de limites das provincias e districtos, os recenceamentos da população, e quanto pertence a estadistica, e economia publica.

Por ultimo, são da sua competencia todos as graças e mercês de titulos de grandeza, ordens, e empregos honorificos, incluindo os da Casa Real. Tambem serão suas as nomeações dos officios ou lugares pertencentes a repartição dos Negocios do Reino, e todas as resoluções em assumptos de mera ceremonia ou etiqueta, que por sua natureza não forem da dependencia de determinada Secretaria.

Secretaria dos Negocios da Justiça.

São da sua competencia todas as leis, decretos, resoluções, e mais ordens relativas a objectos da sua repartição, para as promulgar, communicar ás estações competentes, e vigiar na sua estricta observancia.

São tambem da sua competencia todos os negocios ecclesiasticos, e todos os ramos da Justiça civil e criminal, ledas as nomeações dos lugares de magistratura, e dos officios e empregos pertencentes a esta repartição, assim como a inspecção das prisões, e a alta policia, e direcção superior relativamente a segurança geral dos cidadãos.

Lisboa 13 de Agosto de 1821. - Ignacio da Costa Quintella.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor - Em cumprimento das ordens das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, que V. Excellencia me communicou em data de 8 do corrente, para eu informar sobre as considerações que tem havido ácerca da educação do senhor Infante D. Miguel; tenho a honra de participar a V. Excellencia, para o fazer premente ao mesmo Soberano Congresso, que os empregos que eu servi no Rio de Janeiro, não me dando ingerencia alguma nos negocios publicos, nem nos particulares do Paço, excepto em alguns relativos á marinha, apenas posso hoje assegurar que o senhor Infante D. Miguel teve por mestres no Brasil o P. M Fr. Antonio da Arrubida, e um Abbade Francês, cujo nome não me occorre, que ensinava a lingua franceza.

Deus guarde a V. Exa. Palacio de Queluz 12 de Agosto de 1821 - Senhor João Baptista Felgueiras - Ignacio da Costa Quintella.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Manda ElRei, pela Secretaria d'Estado dos Negocios da fazenda, remetter a V. Excellencia a consulta inclusa do Concelho da fazenda de 3 do corrente, dando os motivos de não fazer subir os diplomas, que em consequencia da requisição feita por parte da Commissão de commercio, lhe forão pedidos por portaria de 30 do mez passado, para ser presente ao soberano Congresso.

Deus guarde a V. Exa. Palacio de Queluz, em 9 de Agosto de 1821. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor João Baptista Felgueiras. - Francisco Duarte Coelho.

Redactor - Galvão.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

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