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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 163.

SESSÃO DE 29 DE AGOSTO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do senhor Vaz Velho, leu-se e approvou-se a acta da Sessão antecedente.

O senhor Secretario Felgueiras mencionou o seguinte officio recebido do Governo pela repartição da guerra; de que as Cortes ficarão inteiradas.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor: - Sua Magestade, a quem apresentei o aviso que V. Exa. me dirigiu em 23 do corrente, manda participar ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portuguesa, que havendo-se já tomado em consideração o objecto sobre que trata o mesmo aviso se tinhão dado as necessariais providencias para no dia 8 do mez proximo futuro se principiar a distribuir ao exercicio por conta do vencimento do biennio de 1819 a 1820, o fardamento; e a fardeta grande, que deve começar pelos corpos da capital, e seguir pelos das provincias; ficando por ora em divida as tres fardetas que faltão para o completo do referido vencimento em razão de montar a sua despeza a 202:207$896 reis, e serem mui escaços os muios para acudir ás differentes cousas indispensaveis. No emtanto porem, Sua Magestade tendo muito em vista, este objecto, tem dado as convenientes ordens para o attender quanto seja possivel.

Deus Guarde a V. Exa. Palacio de Queluz em 28 de Agosto de 1821. - Senhor João Baptista Felgueiras - Antonio Teixeira Rebello.

Deu conta o mesmo senhor Secretario, 1.° de uma exposição do chefe de Divisão Antonio Pio dos Santos, sobre que se officiou ao Governo: 2.º de uma representação do General Stockler, que se mandou passar á Commissão de Constituição para se unir aos papeis relativos ao mesmo General: 3.° de uma
Carta do senhor Deputado Basilio Alberto, pedindo alguns dias de licença para cuidar da sua saude, os quaes lhe forão concedidos: 4.° do offerecimento de um plano de instrucção publica, polo General Stockler, que se mandou passar á respectiva Commissão.

O senhor Fernandes Thomaz, por parte da Commissão de Constituição leu o seguinte

A Commissão de Constituição viu os officios vindos da Ilha 3.ª, que são um de 23 de Agosto escrito pelo Corregedor da Commarca João Bernardo Rebelo Borges, outro de 28 do mesmo mez mandado pelo Governo da dita Ilha; assim como dois de 9 e um de 10 no corrente; e de todos, e dos documentos que os acompanhado tirou em resultado o seguinte:

1.° Que em consequencia das noticias chegadas, áquella Ilha da formal desapprovação, que as Cortes mostrarão á creação da Junta provisoria, que nella se erigíra, e em que entravão o Bispo, e o Tenente General Stockler, esta Junta se desfizera, e o Governo recaíra nas pessoas chamadas pelo alvará de 12 de Dezembro de 1770, entrando o Deão da Cathedral em lugar do Bispo, impedido de servir pelo motivo referido.

2.° Que o Tenente General Stockler, pelas suas persuações, pelos seus enredos e pelo espirito frenetico e vingativo, que tem por idade e natureza, alliciála e seduzira grande parte dos habitantes ao seu partido, e systema anti-constitucional; não podendo por isso acommodar-se as ideas liberaes, e nova ordem de cousas.

3.º Que áquelle Tenente General; e a seus manejos enebrosos e despoticas medidas se devem attribuir todos os acontecimentos desastrosos; que tiverão lugar na Ilha; assim como a alienação e os espiritos das pessoas do seu partido, que felizmente vivem hoje socegadas; de modo que se pode considerar a Ilha em estado de paz, e quietação interior, devendo esperar-se do tempo, e das medidas, que se tomarem para beneficio daquelles povos, que acabem e se extingão para sempre essas sementes de discordia, semeadas pelo genio domal.

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4.° Que pelos referidos motivos não podem deixar de considerar graves, e de muita responsabilidade as culpas do Tenente General Stockler, provadas não só pelos officios cheios de expressões orgulhosas, anarchicas, e insubordinadas, dirigidos á Regencia, e ás Cortes, mas por uma insensata proclamação, com que elle quiz allienar os animos dos habitantes de S. Miguel, induzindo-os, e até mandando-lhes que faltassem ao juramento, que havião dado de obediencia ás Cortes, e á Constituição, que ellas fizessem.

5.° Que este procedimento se torna muito mais indigno, quando se considera, que o Tenente General Stockler viveu em Lisboa depois do dia 16 de Setembro de 1820, e recebeu do Governo constitucional as ordens e meios para a sua viagem; e que sendo-lhe livre ou não tomar posse do cargo, ou serviço segundo as ideas já então recebidas pela Nação, foi uma verdadeira traição quanto depois obrou.

6.° Que em consequencia he o Tenente General Stockler um criminoso, e como tal deve ser guardado, até que pelos meios legaes e mandados já praticar acabe de se lhe formar a culpa, e por isso a Commissão he de parecer que elle se conserve prezo na Torre de S. Julião, mas em casa segura, commoda, e em que melhor possa viver sem prejuizo da sua saude.

7.° Que louvando-se á Junta do Governo actual da ilha Terceira o modo judicioso com que se houvera nas providencias e medidas acertadas e energicas que dera a respeito do General Stockler, se mande logo pedem a camara para proceder á eleição de uma nova Junta composta de sete membros, de que um será logo nomeado Presidente, e outro Secretario; fazendo-se a eleição pelos eleitores de comarca pé o mesmo methodo que elles fizerão a dos eleitores de Provincia, e escolhendo para esta nova Junta pessoas de conhecimentos, virtudes, patriotismo e ideas liberaes.

8.° Que a esta Junta ficará compelindo toda a autoridade, e jurisdicção na parte civil, e economica, administrativa e de policia para o bom governo e segurança da paz na Ilha e seu destricto, conformando-se com as leis actuaes, sem as poder alterar, revogar, suspender, ou dispensar.

9.º Que todos os magistrados e autoridades civis lhe serão subordinadas nos referidos objectos, menos no que tocar ao poder contencioso, e judiciario, porque no exercido deste serão ellas somente responsaveis ás Cortes, e ao Governo.

10.º Que a fazenda nacional continuará a ser administrada como até agora, segundo as leis existentes, em quanto não forem alteradas, pertencendo ao presidente da Junta as mesmas attribuições, e autoridade, que em taes objectos competia aos Capitães Generaes; sendo os membros da mesma Junta collectiva, e individualmente responsaveis ao Governo do Reino, e ás Cortes por sua administração e conducta.

11.° Que toda a autoridade e jurisdicção na parte militar ficará pertencendo ao respectivo Governador na simples qualidade de Governador commandante das armas da provincia, bem e do mesmo modo que o são os outros Governadores das provincias do Reino de Portugal e Algarves; e observando o regimento que lhes foi dado era o 1.° de Junho de 1678 na parte em que senão achar alterado por leis ou ordens posteriores: recaindo no caso de impedimento ou vacancia o governo em o official de maior patente que se achar na ilha; revogado para isso o alvará de 22 de Dezembro de 1770.

12.º Que este Governador ficará chamando-se para o futuro = Governador das armas da provincia dos Açores = e será subordinado ao Governo do Reino, e responsavel a elle, e ás Cortes por sua conducta e administração; devendo considerar-se independente da Junta como ella olhe delle nos objectos da sua competencia, e devendo por meio de participações officiaes, e concebidas em termos civis, e do estylo communicar e requerer a Junta ao Governador, e o Governador á Junta qualquer cousa de que precisar a bem do serviço nacional.

13.° Que os Governos subalternos das outras ilhas, que formão a provincia dos Açores continuarão a ser providos do mesmo modo, e com as mesmas attribuições e responsabilidade que até agora.

Salão das Cortes 29 de Agosto de 1821. - Manoel Borges Carneiro; Manoel Fernandes Thomaz; José Joaquim Ferreira de Moura; José Joaquim Soares de Castello Branco; Francisco Manoel Trigoso; João Rodrigues de Brito.

Lido este parecer, requereu o senhor Luiz Monteiro que as medidas nelle propostas, relativamente á ilha Terceira, fossem tambem applicadas a ilha da Madeira.

O senhor Fernandes Thomaz: - No projecto apresentado ha um paragrafo para a ilha da Madeira, e ainda não está discutido, mas a manhã pode entrar em discussão, e decidir-se sobre este objecto.

O senhor Freire: - O parecer da Commissão parece-me bom, mas no que tenho muita duvida he na nomeação do Governador para uma destas ilhas por ser um Desembargador; até aqui estavão unidas todas as autoridades publicas e militares, agora fica só com o commando militar: por consequencia mandar para commandante de armas um Desembargador, isto ate causaria rizo; por isso se se approva o parecer da Commissão, diga-se ao Governo que nomeie um Commandante de armas, mas um militar, e não um Desembargador.

O senhor silves do Rio: - O parecer da Commissão tem duas partes; a primeira he relativa ao General Stockler, isto pede uma decisão pronta; a outra parte governativa deve ser tratada cumulativamente com a primeira; isto merece mais discussão, deve ter um dia proprio para se discutir.

O senhor Fernandes Thomaz: - Isto he uma medida provisoria que o Congresso assentou dever tomar. Acresce que no parecer da Commissão não vem a declaração de alguma particularidade, em consequencia da qual se mostre a necessidade da prompta mudança de uma nova Junta; isto não disse a Commissão, porem eu o declaro: a Junta he composta de tres membros, Deão, Corregedor, e Patente maior da Ilha Terceira; acha-se em desintelligencia, e falta

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de armonia, de maneira que a maior parte dos Membros da Junta estão desunidos; esta Junta sem duvida não pode progredir no estado actual das cousas; eis-aqui porque a Commissão julgou que era necessario fazer acabar aquella Junta: e como o plano geral era aquelle de crear uma Junta com as atribuições todas de tal modo conferidas, que não ficasse pertencendo ao General senão o que pertence á classe militar, por isso a Commissão deu o seu parecer nesta conformidade. Se o Preopinante julga que o objecto he de grande discussão, creio que deve continuar-se, e que he de absoluta necessidade que o Congresso decida sobre isto. Que a respeito da Ilha Terceira deve decidir-se já, e não deve ir uma cousa sem a outra: he preciso que não se faça crear uma Junta sem declarar as attribuições do Governador militar.

O senhor Aragão: - Tenho a informar a este Congresso que o Governador que vai para a Ilhar Terceira Já pagou os novos direitos, e tem feito outras muitas despezas, e que tudo isto se deve tomar em contemplação e attender, para que se não frustre o referido, e que não hajão inconsequencias.

O senhor Fernandes Thomaz: - As leis do Reino declarão que quando se pagão novos direitos de um officio, e aquelle que os paga não entra nelle, que lhe devem ser pagos. Se o Governador pagou os novos direitos restituão-se-lhe; mas não se faça uma alteração no que tem determinado o Congresso.

O senhor Borges Carneiro: - Hoje he dia de Constituição, e a materia que estamos tratando he de Constituição; por tanto peço que artigo por artigo se vá discutindo este objecto, e pondo a votos, para que (tendo approvado) se ponha em execução.

O senhor Trigoso: - liste plano que offerece a Commissão relativo ao Governo d'Angra, tem inteira analoga com o que a Commissão offereceo para o Governo de todas as provincias do Reino e Brazil; de mais ha outro parecer de Commissão relativo a Pernambuco: seria pois necessario que a Assemblea reflectisse sobre isto, e que não discutisse hoje esse plano, mas sim se reservasse para outro dia; e até seria melhor para quando viessem os Deputados de Pernambuco.

O senhor Borges Carneiro: - O paquete Treze de Maio foi detido em razão deste objecto; por isso seria melhor que estes senhores fossem á Commissão para verem e observarem este parecer.

O senhor Soares Franco: - Approvo a primeira parte deste parecer, relativo ao General Stockler: quanto á segunda parte pode ficar adiada; um dia não vale nada, por isso amanhã se poderá discutir.

O senhor Braamcamp: - Acho uma pequena contradicção; e he o dizer-se que se ha de formar culpa, e ao mesmo tempo dar-se por criminoso.

O senhor Fernandes Thomaz: - Ha de se acabar deformar culpa, porque não seriamos consequentes se se mandasse prender um homem sem lhe formar culpa, a culpa formada he á bastante nos officios, nas proclamações mandadas para a Ilha de S. Miguel; isto he já capaz de formar culpa mas ella ha de crescer, ha de augmentar-se em consequencia das averiguações para o Ministro competente; de maneira que isto he termo de estilo, augmentão-se as provas contra o réo quando elle se acha pronunciado e preso; já tem culpa, mas ella augmenta-se e cresce em consequencia de novas diligencias. Para mostrar que a medida adoptada no Congresso não era uma medida arbitraria, senão fundada na justiça, he que a Commissão preparou aquelle parecer com o fundamento de que contra o General Stockler ha vehemente indicio, e que em consequencia do que tem feito, se lhe deve mandar formar culpa.

O senhor Braamcamp: - Como o Augusto Congresso procede com justiça me parece que se usaria de um termo proprio quando se lhe chamasse suspeito de crime.

O senhor Trigoso: - O que me parece em lodo o caso he que o relatorio da Commissão não deveria ser assim remettido para o Governo, porque não parecer que queremos prevenir os Juizes; basta que simplesmente se remetta o parecer.

O senhor Fernandes Thomaz: - Estão-se a medir palavras. Quando a Commissão deu o seu parecer, não se assentou que este fosse dirigido ao Governo ou não; o que importa he que vá a resolução.

Procedendo-se a votos ficou approvado o parecer da Commissão quanto ás providencias relativas ao General Stockler; ficando o mais adiado para a sessão do dia seguinte, por ser a sua materia analoga á que só achava destinada para ordem daquelle dia.

O senhor Fernandes Thomaz, apresentando um modelo para nova moeda. Já proposta por elle (V. Diario n.° 161), disse: Quando, ha tres dias, offereci o projecto da nova moeda, duvidava que todas as legendas coubessem no seu ambito; como porem do modelo que está á vista, e que alguns Deputados achão muito bom, conhece ser a possibilidade de caherem todas as legendas, até mesmo em uma moeda que seja de metade do valor desta: proponho que alem desta moeda de 800 réis se mande cunhar o chamado cruzado com o nome de constitucionaes. Temos para isto exemplos na nossa historia, ElRei D. Manoel, quando se descobriu a India, mandou cunhar uma moeda de prata a que dou o nome de Indios, e ElRei D. João II., na rebellião do Duque do Viseu (em memoria dos Portuguezes que lhe furão leaes) mandou cunhar uma moeda com o nome de leal. Neste sentido pois julguei que á moeda de que trato, se devia dar o nome de constitucionaes; a fim de trazer á memoria o dia em que a Nação, unindo-se nos dois Governos, firmou o systema constitucional.

O senhor Trigoso: - Era melhor que a legenda fosse em latim : essa moeda pode passar para as nações estrangeiras, e sendo em latim como digo, seria mais facilmente entendida a sua legenda.

O senhor Fernandes Thomaz: - A moeda he para correr em Portugal, por isso basta que a legenda seja em portuguez; esta he a primeira razão. Em segundo lugar não ha razão para ser em latim: alem de que será difficil achar na lingua latina expressão que explique bem a palavra constitucional, por isso quereria que se dissesse, D. João VI., Rei Constitucional. Será difficil, torno a dizer, pôr isto em latim, sem uma perifirase muito longa.

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O senhor Brito: - Acho melhor que se ponha na lingua portugueza; mas lembrava que seria bom designar, o pezo, tendo a primeira uma onça, e a dos constitucionais meia. Parecia-me acertado que se isto designasse precisamente a fim de que esta quantidade de pezo se não altere.

O senhor Guerreiro: - Eu acho inconveniente crear uma moeda do valor de cruzado, porque he termos duas moedas do mesmo valor; por isso quando se queira cunhar uma moeda com o nome de constitucionaes seja necessario que tenha diverso pezo.

O senhor Miranda: - Esta discussão he fóra da ordem. A Commissão das artes está encarregada, deste objecto, e tem á algum trabalho feito, o qual ha de apresentar a esto Congresso.

Decidiu-se que o modelo fosse á Commissão das artes, a qual tomasse tambem conhecimento da indicação vocal do senhor Fernandes Thomaz.

Leu-se e foi approvada a seguinte proposta da Commissão de poderes.

Não tendo chegado á Commissão de poderes a acta da Junta eleitoral da provincia de Pernambuco, para com ellas combinar os diplomas dos Deputados da mesma provincia, lembra-se a Commissão de supprir esta falta, combinando os ditos diplomas com as cartas officiaes do Governo da mesma, provincia, que ontem se lerão no Congresso. O que a Commissão lhe faz presente; para que no caso de approvar esta medida, se lhe remettão já os mencionados officios. Casa da Commissão 29 de Agosto de 1821. - Rodrigo Ferreira da Costa; Antonio Pereira; João Vicente Pimentel Maldonado.

Fez-se a chamada, e achárão-se presentes 89 senhores Deputados, faltando os senhores Osorio Cabral; Pinheiro de Azevedo; Basilio Alberto; Pereira do Carmo; Bernardo de Figueiredo; Sepulveda; Pessanha; Bettencourt; Brayner; Van Zeller; Xavier Monteiro; Pereira da Silva; Isidoro dos Santos; Rebello da Silva; Manoel Antonio de Carvalho.

Passando-se á ordem do dia, continuou a discussão, que ficará adiada sobre dever ser directa ou indirecta a eleição, dos Deputados.

O senhor Girão, pedindo a palavra, disse:

Eu vou declarar o meu voto, pois confesso, que nunca me vi tão incerto e duvidoso: a materia deste artigo he mais ponderosa, mui delicada, e julgo que della depende a conservação da liberdade; eis o motivo porque tremo quando me vejo obrigado a votar sobre o methodo das eleições. Trata-se de conhece: qual he melhor, se a eleição directa, se a indirecta. Em ambas acho defeitos: mostrarei os de uma, e outra, para depois me decidir pela que tiver menos.

Nas eleições directas o soborno he impossivel; nunca um ambicioso, que aspire ao despotismo, poderá corromper a multidão e o todo d'uma Nação; principalmente d'uma Nação, que se acha dispersa desde o Oriente, até o Occidente, e na qual a liberdade fez os maiores effeitos, e se espalhou mais rapidamente, do que se diffunde o fluido electrico; mas a multidão fascina-se, e ás vezes se deslumbra como falso brilho d'um Heroe que depois degenera e lança a Patria em ferros; da mesma sorte a impostura arteira alcança tambem o seu triunfo: estas verdades nos mostra a historia do mundo em cada pagina: o novo Prometheo, que ha pouco expirou atado ao rochedo de Santa Elena, he um exemplo do primeiro caso, e do segundo ha tantos, que só lembrarei o nome de Mafoma, cujos delirios tantos povos seguem, fazendo mesmo alarde de serem escravos. Dir-me-hão talvez que á os homens não accreditão nas missões de Anjos aos Reis, ora trazendo-lhe empôlhas sagradas, ora dezenhos para seus escudos; porque a divina invenção da Imprensa tem dissipado as trevas da ignorancia: assim he; porém não ha muitos annos, que um prelado da minha Provincia alienado do juizo se persuadia que fazia milagres, e as turbas o seguião, e accreditavão: esta mesma Capital foi o theatro em
que se representavão taes scenas: olhemos para a Inglaterra e ali veremos metter em jogo todos os artificios para ganhar a multidão, e por desgraça he ganhada quasi sempre; de sorte que a liberdade daquella Nação está reduzida a poder só falar e escrever sem nada ler de real. = Todavia se eu considero os defeitos dos eleições indiractas; elles me fazem gelar de susto; porque não vejo mais que conloios, desde os primeiros dos compromissarios a e os ultimos de Provincia; felizes sim quando dom na o espirito constitucional; mas se chegar um dia a ter imperio e a dominar a Aristocracia ou a Theocracia inseparavel companheira da Tyrannia coroada; que resultará? Derribar-se o melhor dos edificios e esmagar em suas ruirias os Catões que existirem; e dobrarem-se os ferros ao povo, que será encerrado até meio corpo para nunca mais levantar o grito da liberdade! Voltemos os olhos para Napoles, e ali veremos em grande prespectiva a sorte que espera toda a nação livre que retrograda, e que sé fui de tyrannos, toda a nação que preferir antes a mor e do que a escravidão. N'uma palavra, os eleições directas podem trazer ao Congresso alguns indignos Deputados; mas as indirectas podem fazer apparecer uma maioria de Realistas, como em França, e causar a destruição de tudo quanto temos feito; por conseguinte voto pelas eleições directas.

O senhor Trigoso: - Como ainda não declarei a tainha opinião a neste respeito, e tenho ouvido nos dois dias precedentes com muita attenção os diversos sentimentos dos illustres Deputados; uns opinando a favor da eleição directa, e outros da indirecta; vou hoje expôr o meu modo de pousar sobre esta materia. Aquelles illustres Deputados, que querem que a eleição se a directa, receião muito os conloios, e cabállas que costuma haver nas eleições indirectas, e os grandes inconvenientes que se se siguirião de adoptar-se o plano propôs, o no projecto de Constituição. Ao contrario, aquelles illustres Deputados que defendem a eleição indirecta receião os grandes ajuntamentos de povo, e a facilidade com que uma grande multidão pode ser illudida. Entre tanto vem todos a convir em que se fosse possivel instituir uma fórma de eleição directa, e tal que evitasse as caballas, e de-

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sordens de uma grande multidão de povo; que esta forma sem duvida seria preferivel á eleição indirecta. Reduzi pois o meu estudo a ver se podia descobrir algum methodo para a eleição directa sem que fosse susceptivel dos inconvenientes que lhe andão annexos. O resultado de meus estudos dirige-se a propor um pano, o qual não he meu no seu fundamento, e isto será o melhor que elle tenha: li-o nas cartas dirigidas aos Francezes por Gorani. A base pois será deste autor, e a applicação ao nosso estado presente será minha. Eu considero varias cousas preparatorias antes de expor este systema; a primeira he, que me parece muito conveniente, que a lei determine com muita clareza quaes sejão de requesitos que devem ter aquelles que tiverem voz activa nas eleições, e quaes os requesitos daqueles que devem ser elegiveis. Parece muito conveniente restringir o numero de uns e outros, de maneira que não possão ser eleitores de Deputados de Cortes senão aquelles de quem á lei presuma que em aptidão para conhecer as pessoas que podem encarregar-se de um onus tão grande e que além disto tem vontade de os nomear taes; e que todas as outras pessoas que não forem capazes de fazer uma escolha independente, sejão affastadas de uma tal eleição. Tambem a lei deve prevenir quaes são aquelles que devem ser elegiveis, as qualidades necessarias para um tão alto emprego, como a idade, talentos, e outros requesitos que pecisamente devem nella ser marcados. Sabendo pois quaes são os que podem ser eleitores, e quaes os que podem ser elegiveis seria necessario termos outro dado, que era uma boa e accomodada divisão de nosso territorio; porem nisto ha grande difficuldade; pois todos sabem que o territorio portuguez está muito mal dividido, e que seria necessario formar uma nova divisão tomando por base a população, e accomodando-a ás circunstancias locaes do Reino. Em quanto porém se não faz esta divisão, (que deve ficar a cargo da Commissão de estatistica) poderiamos conceber uma em que entrassem só duas cousas, concelhos, e comarcas; unindo as comarcas demasiadamente pequenas, e similhantemente os concelhos, e isto por outro projecto que houvesse de apresentar a mesma Commissão. Temos pois dois dados. Primeiro a lei que declara as pessoas elegiveis, e as capazes de eleger. Segundo a lei provisoria determinando quaes as comarcas que hão de dar Deputados, e quaes são os concelhos em que cada comarca se deve entender dividida para este fim. Supposto isto, principiemos com a forma das eleições. Parecia-me conveniente que pelos mappas e livros de confessados os mesmos parocos, com alguma pessoa publica para isso nomeada, poderião examinar quaes são os cidadãos que tem direito de ser eleitos. Esta indagação he muito facil, e pode fazer-se oito dias antes das eleições: feito disto um mappa em cada freguezia separadamente, podem depois reunir-se todos estes differentes mappas no centro do districto; isto he, do concelho e ahi formar-se uma lista geral, a qual pode publicar-se para conhecimento de todos, e seria bem util publicar em cada freguezia a lista correspondente a ella. No dia marcado para a primeira reunião, as pessoas que tem direito de votar concorrem numa casa grande; e ahi se faz a eleição pela maneira seguinte. Nomeão-se seis pessoas que são os seis candidatos, dos quaes se ha de tirar o Deputado de Cortes; todos elles são nomeados em voz alta por cada um daquelles que tem direito de eleger. Depois de todos terem dado o seu voto, o que se fará com muita mais brevidade do que se fazia até agora (pois o numero dos compromissarios era sempre muito maior), apurão-se os seis que tem pluralidade relativa de votos: os seus nomes são deitados em uma urna, e um menino tira dois desses nomes, e entre elles se escolhe depois um por escrutinio secreto, em que tem voto todos os eleitores, e esse e o Deputado. Feitas estas Operações que parecem, bastante faceis, porque a primeira he muito breve, a segunda gasta dois minutos, e a terceira eleição por escrutinio secreto he simples porque não pode deixar de haver um escrutinio, segue-se nomear a mesma Junta 4 eleitores (excluindo por sorte o nome d'um dos 5 candidatos que forão primeiro nomeados), os quaes vão á cabeça de comarca formar o collegio eleitoral; estes 4 eleitores num dia aprazado reunem-se com os dos outros collegios na cabeça de comarca, e então fórma-se uma lista geral, das listas parciaes dos Deputados de cada concelho e feita esta lista geral procede-se á escolha dos que hão de ser Deputados de Cortes, e que por força hão de ser tirados dos que vem eleitos pelos concelhos. O modo de fazer esta eleição he o mesmo. O collegio de eleitores designa por voz alta 6 destas pessoas, estes 6 nomes vão á urna, e desta tirão-se 2; estes 2, vão a escrutinio secreto, é o que for eleito he o que fica decisivamente Deputado.

Eis o plano. Sobre a simplicidade delle não me resta duvida alguma, porque me parece mais facil do que o plano do projecto de Constituição, e ainda mais facil do que o de Hespanha. As vantagens deste methodo são muitas: relativamente aos conloios eu não digo que não possa absolutamente haver neste methodo nenhuma especie de conloios porque creio que os homens não podem descubrir modo algum de eleição em que o não haja; mas parece-me que por este methodo o conloio se reduzirá a quasi nada. Eu convenho que o possa haver para que um homem seja incluido no numero dos 6; mas de que serve a qualquer fazer essa diligencia se a sorte pode vir a destruir todos os seus projectos, por isso que vem a reduzir-se os 6 a 2 pela sorte, e ainda depois da sorte vem o escrutinio secreto? Por isso parece muito dificil que possa haver conloio, principalmente se isto se fizer com muita presteza, de maneira que não haja intervalo entre a eleição por votos verbaes, eleição por sorte, e eleição por escrutinio.

O senhor Freire: - Não direi sobre as eleições mais do que aquillo que já tenho dita,; porque conformando-me com os dois illustres Preopinantes, julgo esta materia de muito pezo, e não tenho motivo para mudar da opinião que já pronunciei na ultima sessão. Refutarei porém o plano que se acabai de expor. Em primeiro lugar, determina-se que por meio da eleição indirecta se apresentem 6
candidatos para serem Deputados; não acho motivo nenhum para que o numero 6 seja preferivel a outro

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qualquer munero; por este lado pois não vejo razão alguma plausivel, ainda que talvez a haja; mas suppondo qualquer numero que seja, eu considero este plano absolutamente injusto. Pergunto eu: quando se apresentão 6 individuos para candidatos, os quaes sem duvida hão de ter grande differença de votos, com que justiça se ia de deixar á sorte este numero; por exemplo um entra com 80 votos, outro com 60, outro com 40, e assim com uma disparidade titulo grande entre o primeiro, segundo, e terceiro deixando-se cada um delle á solte, não pode acontecer vir a sahir eleito um com o menor numero de votos? sem duvidas, e estão já este não se pode dizer que sabe eleito pela vontade geral da Nação ao menos tanto como aquelle maior numero de votos; não se pode dizer que este que a sorte deu para deputado com menos numero de votos, tenha a mesma confiança da assembléa eleitoral. A sorte só póde ter lugar quando concorrem dois individuos com igual numero de votos, quando concorrem dois individuos com igual merecimento; porque então sendo necessario haver um motivo para se tomar antes um do que outro, he preciso recorrer ao arbitrio do acaso, e que a sorte decida entre dois iguaes aquelles que se deva preferir; mas fazer recahir a sorte sobre individuos desiguaes, e com uma desigualdade tal como a de um para quatro, como pode acontecer, acho eu que he uma injustiça; e deste modo tenho por injusto o projecto appresentado pelo illustre Preopinante, e por isso o reprovo.

O senhor Trigoso: - Eu não tenho empenho algum em que se adopte o plano que acabei de propôr, e até reconheço que a sua execução tem o inconveniente de depender da sorte, entretanto vou do defendelo. Escolhi o numero de 6 candidatos, e não dei a razão desta escolha. Escolhi o numero de 6, porque se fosse numero maior, haveria o inconveniente de ser a sorte mais cega, pois sendo necessario escolher 10, ou 12 pessoas seguir-se-hião os inconvenientes que o illustre Deputado pondera; restringi por isso quanto pude o numero, e ainda poderia sem inconveniente reduzilo a cinco. Bem vejo que os 4 que vem a restar podem ter maior merecimento que o que fica eleito; mas ainda que o publico fique directamente privado das suas luzes, vem a receber o proveito indirecto que lhe resulta de serem esses 4 os que hão de eleger os Deputados, e por isso se deve esperar que elles fação uma optima eleição. E não só esta escolha deveria ficar a seu cargo; podia determinar-se que elles mesmos ou formassem as Juntas administralivas de provincia, ou nomeassem os que as havião de formar. Bem vejo que a sorte he cega, e que não se deve recorrer a ella senão quando ha merecimento igual, porem no meu plano já temos a certeza de que a sorte ha de recahir sobre pessoas em que o povo tem confiança; e o maior numero de votos que podem ter os que ficão excluidos está bem tarde ser uma prova, segura de que estes tem maior merecimento. Todos sabem que isto procede muitas de comicios e cabalas, e justamente para evitar este rsico he que eu julgo necessario que entre nisto a sorte.

O senhor Freire: - Não se segue por isso que um dos 6, que o povo nomeou para Deputado, fosse o que o mesmo povo queria. Jamais se demonstrará que por isso que o povo vota em 6 individuos, que era esses 6 individuos. A experiencia mostrou nas eleições passadas que, quando o povo tinha de votar em 18 compromissados, não votava senão era 10 ou 12 a sua confiança; o mesmo poderá acontecer no caso proposto; talvez aconteça que uma freguezia inteira seja obrigada a votar em um 5.º ou 6.° Deputado, que não tenha a sua confiança se numa freguezia não houver senão tres homens capazes acontecerá isto muito facilmente; logo nem sempre pedi eleição está expressa a vontade geral. De mais, ainda que estes individuos possão ser aproveitados n'outra cousa, não acho por isso alguma vantagem relevante, quando pode acontecer, em razão da sorte, que sejão preteridos os melhores, e mais capazes, he escusado responder á outra proposta a respeito da lista dos individuos pertencentes a cada freguezia; porque todos vêem quanto ella seja impraticavel.

O senhor Leite Lobo leu o seguinte discurso: Como a materia das eleições seja talvez a de maior consideração que haja no systema constitucional, por isso eu, apezar das minhas poucas ideias, formo o meu plano por escrito, na certeza de que o que eu mais desejo he que nós adoptemos o melhor, sem que eu tenha a vangloria de sor o seu autor: e para conseguir o fim desejado, eu rogava aos illustres Deputados que quizessem apresentar planos sobre esta materia, no que farão favor aos seus collegas (ao menos a mim), esta patria: eu principio, apezar de me lembrar muitas vezes neste procedimento, que a temeridade he companheira inseparavel da ignorancia.

Já declarei o meu voto a favor das eleições directa, ou immediatas, como quizerem chamar-lhe; e ainda que conheço que tanto estas, como as indirectas, ou mediatas, tem mil difficuldades na pratica, com tudo como estou persuadido que as eleições directas tem menos difficuldades e perigos, para ellas he que faço o meu plano, na supposição de que ha de haver certos e determinados districtos, cuja população, ha de produzir um certo numero de Deputados.

Nessa supposição chamo eleição directa a que he feita pelos cidadãos que tem o direito do voto daquelle districto sem dependencia de compromissarios, nem eleitores; e chamo indirecta aquella eleição que he feita mediando compromissarios, eleitores, etc.

O arranjo dos districtos deve preceder ás eleições, seja elle qual fôr; deve compor-se de paroquias que formem julgados ou camaras, e estes formem o districto. Certos os povos do numero de Deputados que lhe hão de pertencer, elles terão o cuidado de saber a quem hão de eleger que não haja de os sacrificar, e que lhes sciencia a sua liberdade e os seus direitos.

Para se verificar com commodidade dos povos esta eleição, a que eu chamo directa, se hão de instalar em certo o determinado dia as juntas paroquiaes; a ellas devem assistir os parocos; devem ser presididas, pelos juizes, ou vereadores, ainda que sejão dos annos anteriores, segundo for necessario, pelo numero das paroquias que formão o julgado; devem os votan-

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tes fazer um secretario e dois escrutinadores, logo que fôr feita a reunião: perante esta meza principia a eleição, de sorte que possa o cidadão que tem o direito do voto nomear tantos, quantos hão de ser os deputados que pertencem ao districto; esta nomeação deve ser assignada; pode o volante mo encher o numero, mas nunca excedeio: esta Votação original deve conservar-se para se guardar em algum arquivo da paroquia, tendo a meza obrigação de passar o seu conteudo a duas listas identicas, nas quaes não deve ir o nome dos votantes, mas só o dos nomeados seu nome, sobrenome, naturalidade, officio, emprego, etc., numero de votos; os quaes nunca devem ser escritos por algarismos.

Estas listas, que devem estar prontas em todas as paroquias ao mesmo tempo (pouco mais ou menos), devem ser apresentadas, na camara da cabeça do julgado a que pertencerem as paroquias, e esta obrigação deve ser do secretario é escrutinadores das mesmas paroquias; é ahi apresentadas em camara, serão fechadas e entregues á mesma camara, que as deve apresentar pessoalmente na cabeça da comarca ou districto, aonde reunidas todas por meio de uma junta composta das sodreditas camaras que formão o districto, e presidida pelo chefe do dito districto, se apurem os votos dos nomeados, ficando eleitos aquelles que reunirem a pluralidade relativa dos votos; em consequencia de cuja eleição se lhes deve passar o seu diploma ou procuração: isto tudo se entende feito a portas abertas, e se uma das difficuldades deste plano fôr que muitas vezes; não ha em uma comarca um homem capaz para ser deputado, este mal existe tambem no systema contrario, se se objectar que os povos não conhecem os que devem ser eleitos; eu quereria que os habilitassemos ao menos para elles os conhecerem.

O senhor Castello Branco Manoel: - Na sessão passada me declarei a favor, da eleição directa, e dissolvi as difficuldades que se offerecêrão, sendo as principaes os tumultos e o pouco conhecimento que havia no povo de saber distinguir o que era verdadeiramente habil para ser deputado, e então disse o methodo mais facil para fazer estas eleições. Creio que se terá estabelecido que cada trinta mil habitantes devem eleger um deputado de Cortes; por tanto parece que devem dividir-se os districtos de maneira analoga a este fim, por isso que assim he necessario para se fazer a eleição: refiro-me pois ao voto que já pronunciei na sessão na sessão antecedente, e insisto naquelle pia ao que então propuz.

O senhor Fernandes Thomaz: - Senhor Presidente, V. Excellencia deve previnir os illustres Deputados que a questão não he propor planos; a questão he meramente se a eleição ha de ser directa ou indirecta, e a isto he que se deve limitar.

O senhor Trigoso: - A questão não he esta, mas sim qual he a férma de eleição que devemos adoptar. Esta póde ser directa ou indirecta; a directa pode ser de muitas fórmas; o mesma, digo da indirecta. E destas fórmas umas tem maiores, outras menores inconvenientes; por isso não basta mostrar que a eleição directa he a melhor; he preciso considerar uma hypothese em que ella pode ser boa: em consequencia não me afastei da ordem quando expuz um methodo de eleição directa que me parecia o melhor e mais digno de adoptar-se.

O senhor Fernandes Thomaz: - Então he precisa mudar o estado da questão. Propoz-se se a eleiçãoo deva ser directa ou indirecta; isto he que se deva questionar, e a isto he que deve limitar-se toda a discussão.

O senhor Presidente: - Eu devo dizer a razão, porque tenho consentido neste modo de discutir. Acho que póde haver dois argumentos para demonstrar a verdade de uma cousa; um directo, outro indirecto; um mostra a conveniencia da cousa em si; o outro, isto he, o indirecto, mostra que a cousa não convem pelos absurdos que se lhe seguem:

O senhor Margiochi: - senhor Presidente, a questão he, qual he melhor para obter bons legisladores, se a eleição directa, se a indirecta. Eleição directa, completa ou perfeita, deverá entender-se aquella em que cada cidadão podesse conseguir algumas vezes o elle ter eleito todos os seus deputados, e applicando isto para o nosso estado actual, será eleição directa perfeita aquella em que todos os cidadãos podessem algumas vezes acertar com cento, e tantos deputados, dos quaes todos, e não de um, só dependem os seus destinos; porém para que em uma nação como a nossa, em que se preveniu; que ha de haver cento e tantos deputados, em consequencia do Reino unido; e que cada deputado he relativo a trinta mil habitantes, alguns dos Preopinantes julga que sendo o territorio de 3 a quatro milhões; de habitantes, teremos um milhão e 200 mil cidadãos, para votar. Quero favorecer mais a eleição, e desprezo os duzentos mil cidadãos. Para que estes votos podessem ser apurados no mesmo lugar ou meza era preciso 80 annos. Ora sendo isto um absurdo, achão-se os cidadãos na necessidade de não votar nos 100 e tantos deputados, e reduzem-se a votar ao em um deputado; mas se a mesma votação que gastaria 80 annos votando em os 100 deputados, cada um dos cidadãos, votando só em um, são precisos 6 mezes para apurar na mesma meza todos os votos; como porém isto seja defeituoso, porque as eleições passando de um dia para outro pode dellas resultar fraude, he conveniente reduzir ainda estes seis mezes para fazer a eleição n'um dia; a fim de evitar a fraude; he preciso que o cidadão nato vote em todos: em consequencia pois de haver neste alguma impossibilidade, vemo-nos obrigados para a eleição indirecta, que he aquella em que cada cidadão vota só em um deputado, e em que por 30 mil habitantes votão 5 ou 6 mil cidadãos, que tem direito de dar voto. Daqui se vê já quanta limitação se tem feito nos direitos dos cidadãos lusitanos; agora porem vamos a ver se a pezar de toda esta limitação que se tem feito aos direitos dos cidadãos portuguezes, se a pezar delles se acharem obrigados a votar só n'um deputado, se assim mesmo, digo, com esta eleição directa se preenchem os fins de obter bons deputados. Diz-se que a eleição directa he a mais propria para exprimir a vontade geral, ou par ou-

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tra, que os eleitos nestas eleições são aquelles que gozão mais da confiança da Nação. Ora isto he que me parece exacto, porque quando um cidadão vota em um só de 160 dos seus deputados, este cidadão não pode ter confiança no resto dos outros deputados em que não votou, que são 159; em consequencia votando em um, ficão os seus direitos limitados. Por outra parte, o cidadão eleito para deputado não podia ter o aprazimento e confiança da Nação, porque não teve senão a confiança do seu seculo de 5, ou 6 mil habitantes. Ora 5, ou 6 mil habitantes no meio de tantos mil não he nada; diz-se que todos os Deputados juntos tem a confiança da nação; ás vezes pode acontecer o contrario; senão se requer a pluralidade absoluta de 3 mil e tantos votos, sendo 5, ou 6 mil os elegentes, como se pode dizer que elle teve a confiança da nação? Vamos agora a ver se a eleição directa he admissivel por ser feita pelo povo, por não ser sujeita a conloios, e á influencia do Poder executivo; pelo contrario toda a influencia do Poder executivo pode existir nas eleições directas; todos os agraciados por elle podem logo dar o seu voto, sem de maneira nenhuma se desmancharem esres votos; e até mesmo para dizer que he incorruptive neste sentido, não vejo que o seja. Agora já se concordou aqui que não era tambem mais illustrado o povo, apezar de que conhece quaes são os seus direitos hoje: com tudo não está sufficientemente instruido para escolher os seus deputados, e isto sem ajuria de nosso povo, porque o que afirmo delle afirmo tambem do povo francez, e de outro qualquer: digo pois que não estão no estado de estarem sufficientemente instruidos para escolherem os seus deputados. Que idéa pode fazer o povo de alguns homens formados em mathematica? que idéa podem fazer nos seus conhecimentos, ou de outros desta natureza? Apezar disto vierão para aqui esses homens formados, e parece-me que não se tem dado mal com elles. Diz-se que para ser deputado e bom deputado he necessario ser um homem de virtude, e bom senso; se acrescentarmos a isto o saber he muito bom, excepto se o saber deita fóra a virtude; excepto se os homens rusticos tiverem mais virtude que os homens sabios; parece-me pois muito cegas estas eleições populares. Ora agora se estas eleições forem feitas tambem por circulos, e nestes circulos de 30 mil habitantes se não poder votar senão em um homem do mesmo circulo, póde acontecer que havendo 10 circulos, não haja em 9 destes circulos um homem publico reconhecidamente bom, que tenha sido experimentado na vida publica; e que no outro circulo haja 10, reconhecidamente bons, dos quaes com tudo não pode sair senão um para Deputado.

Quando se escolherem Deputados não só do circulo, mas de toda a Nação então será melhor, porque o homem de patriotismo em toda a Nação, será reconhecido por todos; para escolher os outros 159, que faltão he então ahi que tem lugar as cabalas do Poder executivo para entrarem aquelles que favorecem o seu partido; e então ficará um homem muito benemerito eleito, mas ficará mettido nomeio de 159, com os quaes não poderá fazer nada, e se perderão todos os seus bons desejos. Por isso neste mothodo de eleição não vejo senão inconveniencias. He verdade que em alguns delles não as haverá; não sou porem tão opposto ás eleições directas que dê isto que digo como certo, pois creio que nas eleições indirectas ha os mesmos inconvenientes; mas que assim mesmo se deve preferir a eleição indirecta, e particularmente aquella, por que para aqui fomos mandados. He um principio adoptado que nunca se lucra quando não ha razão sufficiente para nos afastarmos de uma cousa a que estamos já acostumados; ora não temos razão sufficiente para nos afastarmos das eleições em virtude das quaes aqui estamos; e em consequencia he uma indiscrição afastarmo-nos sem motivo sufficiente de uma cousa que já se experimentou, e até se approvou como boa. Todos sabem os resultados das eleições que se fizerão: haverá acaso quem envide que por meio dellas se vierão a dar todas as noções as mais liberaes, e que se não se tem ido mais longe não he porque não nos arripiemos com as lições da liberdade? Creio pois que fazendo as efeições pelo methodo com que se fizerão as antecedentes não será máo o projecto, e em todo o caso se alguma vez acontecesse que esta causa se perdesse, visto que ha vissicitude das cousas humanas não ha nada que possa contar-se com certeza; e que o despotismo ou externo ou interno a não deixasse existir, nós teriamos a responsabilidade de lermos variado deste modo de eleições para outro, que talvez viria a conduzir deputados que não fossem capazes de sustentar a causa da liberdade: e pelo contrario, ainda que a nossa causa se perdesse, sendo as eleições feitas como as das presentes Cortes, poderiamos ficar sem remorsos, porque poderiamos dizer: estas eleições forão feitas da mesma fórma que as das Cortes Constituintes; isto he, daquellas Cortes que lançarão os fundamentos da prosperidade da Nação, e derão todas as instituições liberaes proprias para manter a liberdade. Traz-se o exemplo de Inglaterra, onde as eleições são directas; mas não se vê qual he na Inglaterra a influencia que exerce o Poder executivo. A historia da America ingleza tambem não pode servir de argumento; he um paiz nascente, he um paiz fundado por filosofos, he um paiz em que todos os homens vivem das suas lendas, commercio, etc. Não devem tambem servir-nos de exemplo os povos da antiguidade; as mesmas eleições directas desses povos sabe-se que erão muito tumultuosas e cheias de inconvenientes. Por tanto nem por exemplos, nem pela razão vejo que haja motivo algum para afastar-nos do methodo de eleições uma vez adoptado; isto até mostraria uma inconstancia, uma oscilação continuada, e até daria a entender alguma vacillação nos nossos pareceres. Ora agora alguns dos Preopinantes tem-se inclinado para as eleições directas, e o que os tem mais movido a isto he, porque cada um dos que tem falado desgraçadamente se lembrou de um systema de eleição directa, e então o amor proprio lhe mostra que he bom este methodo, e por isso julga que a eleição directa he sempre boa; mas porque elle imaginou um systema de eleição directa, nenhum dos quaes me parece que seja capaz de honrar os seus autores, nem tambem

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de os desacreditar, querem que seja a eleição directa. Um destes systemas, alem de ser aristocratico, alem do desigual, pois quer uma eleição feita só por certos cidadãos, parece até que não he eleição directa; porque diz-se neste systema que ha de haver só certos cidadãos que estão capazes de ser deputados: ou estes cidadãos são eleitores, e então já temos outras eleições, ou então está determinado que os que hão de escolher os deputados sejão homens ou de certa idade ou de certa fortuna; por consequencia só afortuna ou só a idade he que dará o direito, de escolher. Mas se são tambem escolhidos pelas suas qualidades moraes e intellectuaes, temos então mais outra eleição; e além da primeira ha uma segunda que he de sorte, e a ultima que he de escrutinio; de maneira que ha sempre mais a es eleições, das quaes duas são inteiramente cegas.

O senhor Moura: - Não se trata de decidir qual dos dois systemas, se o da eleição directa ou o da indirecta, deve ser adoptado, consultando ou os principios eternos da justiça, ou mesmo os principios ma s sensatos da politica. Trata-se de balançar os inconvenientes de um ou de outro methodo de eleição e adorar aquella, que tiver menos inconvenientes, regeitando a que tiver mais. Neste calculo pois he que está posta toda a difficuldade da questão. Antes de offerecer algumas considerações sobre estes inconveniente de uma e outra eleição, começarei por dizer que sou da opinião da eleição indirecta, não pela fórma da Constituição hespanhola, mas pela forma do projecto redigido; e que não sou nem posso ser nunca da opinião da eleição directa e immediata, nem mesmo da que propõe o senhor Trigoso por uma razão bem simples, porque ella associa os inconvenientes da sorte aos da eleição directa; e como este methodo amalgama estes dois inconvenientes, por isso tenho dobrada razão para o regeitar. Applico-me só a fazer algumas reflexões pelo que toca ao systema da eleição indirecta. O maior argumento que se offerece contra esta eleição he o dizer que a eleição directa não he tão sujeita a conloios e subornos como a indirecta; este he o forte principal do argumento, em que se estribão todos os senhores que defendem a eleição directa. Eu escusarei estar a raciocinar sobre o que pode succeder, admittindo uma ou outra eleição, limitarei as minhas reflexões ao que tem succedido. Até quando havemos de fechar os olhos ás lições da experiencia? Ha um paiz onde ha a eleição directa, que offerece o painel mais feio de conloios e subornos, onde quasi sempre ha lucta de um rico contra outro rico, e não a do merito contra o merito. Este he o paiz da Inglaterra; todos os seus jornaes são, cheios no periodo das eleições de publicos e curiosos, methodos de subornar, que umas vezes me fazem rir, e outras vezes me indignão. Quando he que o Ministerio deixou de exercer na casa dos Communs a maior influencia, quando deixou de ter a maioridade a seu favor? Respondão os fautores da gabada eleição directa. Ha muito tempo que a opinião publica em Inglaterra, ha muito tempo que. a justiça ali reclama a reforma dá representação parlamentar, 45 o Ministerio em todas as deputações paraliza estes desejos, e estas reclamações, pois que a maioridade sempre o ajuda. Eis os bellos effeitos da eleição directa. O maior advogado dos direitos do povo, um dos homens mais illustrados e mais populares em Inglaterra, um homem cujos creditos não repousão sobre opiniões Vagas, mas sobre meritos de razão, saber, e dia maior profundidade, um dos homens torno a dizer mais illustrados, que he o illustre Cobbett, outro dia, ainda ha pouco, tempo, tendo sido apresentado como um da candidatos, sendo acclamado com enthusiasmo popular, nessa mesma noite a intriga, a manobra e a cabala urdiu taes cousas contra elle, que no dia seguinte não só foi expulsado, mas forão lhe quebradas as vidraças da casa onde residia. Eis-aqui pois as preciosas vantagens das eleições directas; eis-aqui como ellas não estão sujeitas a subornos; eis-aqui o que he fechar os olhos á experiencia; eis-aqui o que he não attender ao que succede num paiz muito nosso vizinho, a respeito do que temos todos os dias communicações; mas eis-aqui tambem o que não podemos negar. Havemos pois tirar um resultado destas lições dá experiencia, e este resultado he, que cabalas ha de sempre havê-las, ha de sempre haver subornos. Mas he menos facil que os hão haja quando se trata de subornar 100, do que quando se trata de subornar 10 (dizem os senhores, que seguem a opinião contraria, e este he o seu valido argumento). Mas em Inglaterra suborna-se com a mesma facilidade mil do que dez. Então para que havemos de clamar com o suborno que pode haver nas eleições indirectas? Os que defendem as eleições directas dizem que são ás melhores, porque se fundão na difficuldade de haver subornos; não pode admittir-se similhante principio, porque se os subornos e as cabalas se encontrão no paiz em que a eleição directa se pratica, fica claro que a eleição directa está sujeita ao suborno, devemos por tanto converter agora as nossas vistas para outras reflexões que são ainda de menos peza. Estas reflexões vem a ser ainda que a eleição directa seja sujeita a subornos e cabalas, como já mostrei, talvez a indirecta facilite estes mesmos subornos; mas vamos a ver qual tem maiores inconvenientes pelo que respeita, ao conhecimento que devem ter os elegentes ou os votantes. Por ventura de certa classe de cidadãos pode-se esperar que conheção perfeitamente os seus representantes? Quem será mais capaz de escolher bem? Poucos cidadãos illustrados (poucos, não digo bem porque os eleitores não são tão poucos no systema proposto), ou o povo? Quem não vê que o povo para sempre na superficie das cousas, que se engana não só no conhecimento das virtudes particulares, mas muito mais no dos talentos é qualidade inrelectuaes. Por ventura o povo dirá que o discipulo he mais illustrado que o mestre? Não. Logo ha de escolher sempre o mestre e não o discipulo. Por ventura do povo pode esperar-se que prefira um homem que tem a vida obscura e uma educação particular, ao rico e ao nobre que excede ainda no espirito popular a influencia de preoccupações nacionaes? He o que vemos todos os dias. D povo para na superficie das cousas; não são assim os homens illustrados. Eu digo

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que a eleição directa he uma rede por cujas malhas não ha de escapar nem o paroco, nem o abbade, nem o morgado da terra, nem o que tem foro de fidalgo; ha de colher todos estes, que tem credito, e influencia na espirito popular; porque para isto he o que se olha, e se obtém ainda com muito respeito. Se se quer ter conhecimento exacto do que digo consultem-se, as actas das eleições de paroquia nas provincias (e em algumas paroquias desta cidade...) e ahi achará o painel das eleições directas; peço a quem tem olhos que os abra, e não preciso de dizer mais nada ... Eu não digo que em todas as classes não haja homens de summa respeitabilidade, dos quaes faço grande conceito, porque na classe de ecclesiasticos, na classe dos nobres, ha homens summamente respeitaveis; mas pergunto se estas classes tem a seu favor o exclusivo merito de serem constituciones? Nunca se deve argumentar de virtudes particulares e talentos particulares para as virtudes politicas. Digo que nestas classes, haverá homens muito sabios; mas quantos homens haverá que não sejão constitucionaes, quantos haverá que sejão afferrados ao despotismo, não digo só no nosso paz, mas na Europa; quantos homens ha que não tenho merito constitucional, que não tenhão a constituirão ao fundo da sua alma, e que talvez, talvez por meio das eleições directas virião assentar-se nos congressos da sua nação, que não vir ao se as eleições fossem, indirectas? Deos nos livre de sabios que não sejão constitucionaes; são muito, peiores que os ignorantes. Portanto o que devemos, procurar não he o merito absoluto de virtudes e talentos, he o merito particular, e relativo das qualidades politicas e constitucionaes; devemos procurar homens, que sejão capazes de desenvolver as vantagens do Poder representativo para o arreigar e collocar entre nós. Os conhecimentos e opiniões dos que estão presentes sei eu já, mas as dos que não de vir para o futuro, desses não tenho idéas nenhumas, e isto he que me atormenta, e me confunde! Da parte das eleições indirectas está á opinião, ninguem ignora que ellas tem e prezem comsigo maior abundacia do bens, e por isso eu quizera se admittisse a eleição indirecta, combinando-a, de modo que não quizessemos adoptar o systema complicado das eleições que adopta a Constituição hespanhola. Persuada-me pois que já que as eleições da experiencia nos alumião entre nós, que escolhamos um caminho medio, entre a eleição directa e indirecta; a indirecta pode ser de dois gráos, tres, ou quatro; logo se as lições da experiencia nos ensinão sobre as vantagens da eleição directa ou indirecta, julgo que a prudencia do legislador deve estar colocada no meio, porque no meio será onde esteja o bom, e este he o que adopta o projecto.

O senhor Leite Lobo: - Ao que diz o Preopinante sobre factos, respondo que a Inglaterra usa o systema das eleições directas, e conserva a sua liberdade, e constituição; talvez que se não tivesse a eleição directa não teria liberdade, nem constituição.

O senhor Fernandes Thomaz: - Tem-se dito nesta, materia, pelo que eu entendo, tudo que ha por uma e outra parte; e cada um dos illustres Preopinantes tem-se esmerado em mostrar quaes os bens e conveniencias que resultão de uma e outra forma de eleições. Até agora, pelo que tenho ouvido e lido me parece que tanto uma como outra fórma de eleições são sujeitas a males, e que dellas tambem resultão bens. Não póde dizer-se que seja impossivel a compra e seducção numa Forma de eleições mais do que na outra; em ambas he possivel este mal, e por esta parte não ha maior motivo pura escolher uma do que outra. O illustre Preopinante esmerou-se em fazer uma pintura muito feia do que se passa em Inglaterra; diz que em uma noite um eleito e designado para deputado deixou de o ser por virtude de um conloio, e com um que se isto era facil de conseguir-se em um milhão de pessoas, muito mais facil era em meia duzia. Ninguem ignora todos os meios; da influencia do Governo, e quanto ha facil a este o comprar os votos: todas as vezes que o Governo quizer ingerir-se nas eleições o ha de fazer; sempre que homens ricos quizerem comprar votos os hão de comprar; logo por que; razão havemos nós antes por este motivo deixar de seguir uma fórma do que a outra. Não a vejo. Diz-se que na Inglaterra acontece haver compras de votos para estar eleições; mas tambem devo fazer a reflexão do que os Preopinantes que se lembrárão destas circunstancias, não se lembrárão que isso acontece sempre entre homens capazes. Ha compras de votos, empenhas e seducções; mas he sempre a favor do tres ou quatro homens capazes, não he a favor de homens indignos. Os Inglezes regularmente não escolhem homens indignos para as suas camaras, mas sim homens de capacidade; a questão he sempre entre um e outro, mas qualquer delles homem digno. Diz o Preopinante que he necessario escolher homens constitucionaes. Vamos a saber; quem he mais capaz de escolher e conhecer estes homens constitucionaes? He o povo, he a opinião publica, que designa este homem ou aquelle. Esta opinião publica está no total da Nação, e não era meia duzia de pessoas; o povo nunca se illude nestas cousas; as nossas primeiras eleições forão as melhores, não tenho duvida em o dizer; e devemos confessar que aquelles homens em que o povo poz immediatamente os olhos forão os mais capazes. Diz o Preopinante que apparecêrão muitos abbades, muitos padres nas primeiras eleições; mas apparecêrão para que? para eleitores. He se dissesse ao povo: vós ides escolher os vossos representantes; não mandarião um cura, um abbade, etc.; o povo conhece melhor que ninguem quem ha de tratar bem dos seus interesses; o povo está na mesma razão que os estudantes de Coimbra. O melhor lente, o mais instruido não he aquele que um ou outro dos seus collegas diz que o he; mas sim aquelle que a totalidade, dos estudantes aponta como tal; esse he verdadeiramente o bom lente. Do mesmo modo o homem mais constitucional he aquelle que o povo diz em geral que o he; o povo, torno a dizer, quasi nunca se engana; tres ou quatro homens, podem-se enganar, mas o resultado da opinião publica he sempre certo. Ora, daqui concluo eu que pé ha males em ambas as eleições, se de ambos os modos podem ser

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comprados os votos, o que se deve fazer he seguir o methodo em que o povo goze dos seus direitos; proteger o direito de eleição de modo que o povo o possa exercitar com mais liberdade e franqueza, he o que devemos procurar; e não devemos pôr-lhe limites, senão tanto quanto for necessario para segurai a ordem publica. Não se mostra que haja malés e inconvenientes só em uma eleição, ha-os em ambas: que razão pois pode haver para que o povo não use do direito de eleger os seus representantes? Se elle póde gozar desta direito, para que ha de haver elles degráos e estas escadas? A proporção que elles vão arredando de si este conhecimento, vai-se fazendo cada vez mais por gosa a sua situação ..... Se o povo, diz logo: fulano he capaz de ser eleitor de paroquia; porque não ha de dizer logo: fulano é capaz de ser deputado? Onde está dinheiro e conhecimentos não pode encubrir-se, logo se sabe, logo se vê, é muito infeliz he o sabio que só he conhecido n'um canto de Portugal. O sabio, o homem illustrado, o homem capaz de representar n'uma assembléa, que não he conhecido em lodo o Reino, nem ao menos na cabeça de comarca, não pode certamente ser grande sabio. Póde o povo não conhecer um homem capaz que haja na sua comarca; mas se não sabe individualmente, pergunta a outro: quem eleges tu para deputado? Quem nomeas? O outro lhe diz? fulano, e fulano. He possivel, eu o confesso, que haja compras neste caso, mas já mostrei que tambem ha outra forma não póde deixar de as haver; por este motivo pois concluo, que tendo de rejeitar um methodo máo, voto por aquelle em que o povo goza mais plenamente de seus direitos.

O senhor Moura: - Não sei se me lembrarão todas as respostas solidas que o illustre Preopinante acaba de exprimir. Se me não lembrarem todos responderei áquellas que me forem o ocorrendo. Diz o illustre Preopinante, he preferivel o methodo das eleições directas porque o povo exercita melhor os seus direitos, isto he a faculdade legislativa, o direito de delegar, o povo nunca podia exercitar exactamente este seu direito de delegar se não adotando-se um dos dois absurdos methodos de que fez menção o senhor Margiochi. Quando se quer procurar exactidão nestas materias, anda-se atraz de uma quiméra. Por ventura, ainda quando fosse directa a eleição, pode supôr-se que ella he o resultado da eleição geral do Reino, que seja a expressão da vontade do povo portuguez? Quem procura exactidão nestas materias? Não se procura senão um methodo para obter uma decisão; isto he, um methodo em que haja irmã decisão, e o qual seja menos sujeito a inconvenientes. Applicou-se o Preopinante a sustentar a bondade das eleições directas, mas reconheceu em primeiro lugar em que o conloio podia ter lugar em taes eleições, e isto não póde deixar de confessar. Disse que em Inglaterra a lucta que ha nas eleições he do merito com outro merito; mas será o merito dos talentos uteis? Será o merito das qualidades constitucionaes e populares? Não o creio; e a prova he, que a opinião publica reclama pelo systema de representação nacional, e esta lucta de merito he de tal natureza que não se
pôde ainda plantar ali o systema de tão reclamada, e sollicida representação nacional. Eu tenho visto homens de grandes talentos que são os maiores fautores do despotismo; homens de grandes talentos, homens a quem toda a Europa respeita; mas homens para ruem eu nu noa daria voto para se sentarem neste Augusto Congresso; porque são homens que só empregão a sua habilidade para favorecerem o despotismo. Diz-se que he mais facil subornar 10, do que subornar 20; mas não tratamos do suborno que anda convidando a todos pelas portas; não he este o suborno que em pregão os membros do ministerio inglez: ha sempre quatro pessoas daquellas que por sua riqueza e situação tem maior influencia no paiz, e estes são os fautores da manobra. Não se cumpra o miseravel vendedor de cerveja, ou quem tem loja aberta; são tres ou quatro pessoas que subornão. Pois cuida o Preopinante que o ministerio britanico teria fundos para comprar todos os votantes na assembleia do cantão? São uns que corrompem com empregos, outros com dinheiro, outros com meios que estão á sua disposição; eis-aqui o que inclue nas eleições. Além de que, quem ha que ignore os resultados das reuniões tumultuarias do povo? Só os desconhece quem não tem os olhos abertos. Diz Montesqitieu e Machiavello que o povo escolhe bem; convenho que escolha bem quando escolhe para um designio geral; mas quando escolhe para, designações especiais, pode haver illusão. O povo sabe que he homem probo o que nunca fez mal a ninguem, que sempre favoreceu as pessoas do seu districto; isto distingue o povo; mas distinguir qual he o homem capaz de sustentar os seus interesses nas assembleas nacionaes; isto he que o povo nem sempre conhece. Para, vermos se he assim ou não, venha o quadro da revolução franceza que tantos e tão uteis exemplos nos póde dar; uns para se seguir, outros para se evitar. Quem apresentou no auge do despotismo a Robspiere? Quem apresentou no auge do despotismo a Miraubeau, e a Marat? Foi o povo, e as suas alucinações. Não duvjdo pois que o povo faça boa escolha para um designio geral; mas não o julgo idoneo para distinguir qualidades especiaes: isto he o que o povo não pode fazer e nunca fez bem.

O Senhor Fernandes Thomaz: - O illustre Preopinante tem dito e argumentado com o exemplo da Inglaterra, de que a reforma, que se exige no Parlamento, se não tem conseguido em razão das eleições; mas a demonstração d'isto he que eu desejava que o illustre Preopinante me desse. Esse mal, que resulta á Inglaterra no estado actual da liberdade dos povos, não nasço d'essas eleições: póde nascer em parte disto; mas neste grande numero de causas não entra só essa: ha o parlamento da camara dos nobres, esta camara hereditaria cujos membros são interessados em manter os restos do direito feudal, de que gozão os nobres, grandes, e muitos cidadãos, que tem privilegio excessivos; nasce dos costumes do povo dos manejas da côrte, do poder do rei etc. Todas estas cousas são as que concorrem para que o povo não tenha podido levas ao fim o melhoramento da sua sorte. Não he pelas

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eleições que se fazem pelas camaras dos communs; certamente não he só por ellas, porque apezar das compras, que ha, o illustre Deputado não ha de mostrar que o maior numero dos eleitos sejão homens indignos. Entre estes pode haver um ou outro, que seja mais digno, e que fosse excluido em virtude de uma intriga; disto não duvido eu. Eu fui o primeiro que confessei que havia este mal; mas não se pode deixar de confessar tambem que ha o mesmo mal, e mais facil no outro plano. Se he possivel corromper 7 mil homens, porque não ha de ser possivel corromper menos? Allega-se a revolução de França; allega-se com Robspiere para sustentar o methodo das eleições indirectas. As desordens da França não se devem attribuir ás eleições directas; Robspiere aproveitou-se do estado da opinião publica; quem he que já mais poderá mostrar que o que se passou em França por este tempo fosse resultado eleições regulares? Os males, que houve na França, e que a França soffreu n'estes tempos, o que provão he, que aonde houver homens orgulhosos, estes se a poderão da autoridade publica; que logo que hajão homens máos, homens capazes de se abalançarem a todos os meios que lisonjeiem os seus vicios, esta perdida a ordem, e o socego publico; eis-aqui a que devemos attribuir os males da França; não os attribuamos as eleições directas do povo. O povo só rompe em excessos, quando se lhe não deixa usar da sua liberdade; os males que fez em França, foi porque não tinha leis, e regras para poder usar da sua liberdade; estas leis he que eu requeiro que na Constituição se determinem; logo que haja estas leis, o povo não quer outras: o povo caminha para a anarquia, quando não ha leis sabias e sensatas; quando o querem privar dos seus direitos; a lei he a expressão da vontade geral, e nós havemos de procurar que esta expressão se faça pelo modo melhor. Exprime-se melhor a vontade geral, quando se nomeião terceiros, e quartos eleitores? Certamente não. A vontade do povo só se mostra por aquellas, que elle nomeia; nisto não ha inconveniente nenhum; se a pratica tem mostrado o contrario, ainda não Amostrou que fosse das eleições directas; as eleições directas só as tem havido na America Unida, e em Inglaterra; mostre-se os males e que ellas tem produzido. Os pequenos inconvenientes que ha, que são muito frequentes na Inglaterra, o que são. Na Inglaterra he permittido ao povo juntar-se em grande massa para eleger aquelles que hão de deliberar, sobre os seus interesses; mas que acontece? He o que diz um escriptor. Eu fui a Inglaterra, presenciei; e vi os barulhos e communicações, que havia; feita a eleição, no outro dia não havia nada; de sorte que na occasião das eleições nada havia, se não a perturbação, que he de esperar no ajuntamento de dez ou quinze mil homens. Em todas as partes em que se juncassem dez ou doze mil homens, seria necessario tres mil homens para os conter; em Inglaterra ajuntão-se quinze mil homens, e não se ajuntão tres mil homens para os conter; isto nasça dos seus costumes, não vai do methodo; em um e outro ha inconveniente: sempre hão de eleger homens e não anjos, e o congresso ha de ser composto destes homens, e não de anjos; por isso, na necessidade absoluta de adoptar de dois methodos um, tendo ambos inconveniente, voto por aquelle que he mais favoravel ao povo, para que elle use melhor dos seus direitos, e para que saiba que se acaso resultou algum mal da sua eleição, elle he disso o culpado.

Neste ponto foi interrompida a discussão, para dar lugar a que o senhor Maldonado, por parte da Commissão de poderes, lêsse o seguinte.

PARECER.

A Commissão nomeada para verificar e legalisar os poderes dos senhores Deputados de Cortes, querendo verificar e legalisar os dos Deputados e eitos pela provincia de Pernambuco, e não tendo ainda recebido a acta da junta eleitoral daquella provinda, lembrou-se de representar ao Soberano Congresso, que esta falla se poderia supprir com a combinação das cartas officiaes remettidas pelo governo da mesma provincia, e que ontem se lerão. Sendo estas presentes a Commissão observou: 1.º que os diplomas se achão todos entre si na mais pura conformidade, e com poderes tão amplos como os de todos os mais membros deste Augusto Congresso:

2.° Que os Deputados eleitos são os senhores - Ignacio Pinto de Almeida e Castro, Manoel Zefyrino dos Santos, Pedro de Araujo Lima, João Ferreira da Silve, Francisco Moniz Tavares, Felix José Tavares Lyra, e Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira:

3.° Que a identidade de seis dos referidos Deputados se verifica pelas assignaturas de um termo de sessão de conselho, convocado pelo governador daquella provincia, ao qual elles assistirão, e officialmente remettido pelo dito governador.

4.° Que ainda que esta sessão não traga a assignatura do Deputado Pedro de Araujo Lima, se deduz a sua legalidade da perfeita d'entidade entre o seu diploma, e os dos outros seis Deputados.

5.° Que posto se não verificasse, o que mandão as instrucções relativamente á presidencia das juntas eleitoraes de provincia, esta falta he de relevar pelas razões ponderadas no officio do governador que ontem se leu; e por sor isto mais respectivo á forma do que á essencia da eleição.

Por tanto a Commissão considera legaes e verdadeiros os diplomas dos referidos sete Deputados.

Paço das Cortes em 29 de Agosto de 1821. - Rodrigo Ferreira da Costa; Antonio Pereira; João Vicente Pimentel Maldonado.

Sendo approvado o parecer forão introduzidos no Salão do Congresso os senhores Deputados de Pernambuco: a saber, os Penhores Ignacio Pinto de Almeida e Castro; Manoel Zeferino dos Santos; Pedro de Araujo Lima; João Ferreira da Silva; Francisco Moniz Tavares; Felix José Tavares de Lira; Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira; os quaes todos prestárão o juramento do costume, e tomárão os seus lugares entre os outros membros do Congresso.

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Continuando a discussão, que ficára interrompida, disse

O senhor Borges Carneiro: - Julgo que a eleição directa pode considerar-se melhor em quanto se considera mais livre, e como aquella, em que o povo perde menos os seus direitos; mas nem sempre o que he mais livre tenho eu que seja o melhor, porque se este principio fosse verdadeiro, seria melhor que o povo fizesse as leis. Por outra para assento e tenho para mim, que estas eleições directas tem grandes tumultos, e podem ser resultados da ignorancia e influencia maligna. N'uma cidade muito culta, como he Lisboa, eu não duvidara dar o meu voto para que o povo houvesse de eleger logo os deputados; mas havemos de olhar em geral para a extensão do Reino, para o estado actual das provincias. Nas terras pequenas, ou pequenas povoações não supponho que haja conhecimento exacto das qualidades necessarias para que quer ser deputado; ali elegerão ordinariamente um dentre si, um d'aquelles de quem fazem melhor conceito por certas apparencias; nas aldêas provinciaes escolhei ao para deputado o seu padre cura, aquelle que diz muita cousa que aprendeu no Laraga; escolherão homens d'entre si, e apparecerão no Congresso homens bons que tenhão bom senso, bons qualidades moraes, mas estas não são as qualidades principaes, e que se requerem para qualquer ser deputado: trata-se de querer melhorar a Nação, he necessario escolher medicos bons. Ordinariamente muita, gente cuida que está o bem onde está o mal. Eu supponho que no Governo amigo havia homens bons que desejavão o bem da Nação, mas desgraçadamente vião o bem onde estava o mal. Ha pessoas bem intencionadas, que se se pudessem a governar governarião pessimamente; assim nas aldeias esta gente nomearia, por exemplo, homens devotos, que mostrarião ter pura religião, quando está confundida com a superstição; porém mais nada. Alem disto, esta eleição directa he sujeita a muita influencia; a classe inferior do povo he sujeita á influencia de certas pessoas, ao paroco (por exemplo) e até agora aos seus Capitães mores; e principalmente se se admittissem os votos publicos e não secretos até o Governo executivo teria mais influencia do que com a eleição indirecta: a respeito desta não ha a mesma causa; o povo elege os seus eleitores, pessoas em que elles confião e pulgão que elegerão homens capazes; estes são pessoas independentes, de mais conhecimentos e mais firmeza, os quaes não he de suppôr que serão tão sujeitos ás influencias do Governo. Dizem porém que o Governo mandaria comprar estes homens; mas estes homens já tem a força do povo que os elegeu, e haveria tal que (se o quizessem subornar) atiraria á espingarda aquelle que tal pertendesse; por tanto eu acho solidos fundamentos na eleição indirecta; e por isso voto por ella. Não trato agora dos differentes gráos que deve ter, porque depois de se vencer se a eleição ha de ser directa ou indirecta, he que pertence tratar esta questão.

O senhor Miranda: - Eu fui da opinião das eleições directas, e hoje sigo a mesma. Tem-se posto varias difficuldades; um dos illustres Preopinantes disse,
que não se devia admittir a eleição directa, querendo suppor que todos os eleitores da uma Nação em massa havião de nomear um Deputado; mas nós não tratamos disto, tratamos de uma eleição seccionaria; queremos que em cada assembléa seccionaria votem lodosos Cidadãos eleitores d'aquella repartição, e isto he mais conveniente do que votarem em massa; por conseguinte he a eleição directa seccionaria que eu entendo, e quando falo das eleições directas. Vamos agora a vêr quaes sejão os inconvenientes destas eleições; tem-se reduzido a Ires: Primeiramente a incapacidade dos eleitores para conhecerem os depurados que hão de eleger; em segundo lugar a maior influencia para serem subornados; e em terceiro mais difficuldade. Pelo que pertence á primeira difficuldade, não devemos suppor tanta ignorancia no povo, ainda, que eu não digo que elle possa conhecer todos os homens presentemente; mas daqui a 4 ou 5 annos conhecerá tudo. Suborno não o podo haver no povo; elle não está sujeito a nenhuma influencia do Poder executivo, e os interesses do lavrador e de outras classes desta natureza são sempre os interesses da Nação. Vamos agora a ver o que acontece nas eleições indirectas; são 30, ou 40 individuos, uns são parentes dos que hão de ser deputados, e outros são seus amigos; uns estão dependentes de outros, e vendo que hão de subir á dignidade de deputados tem nelles alguma esperança: e por isso nestas eleições indirectas sempre já de haver intrigas e subornos, e até muitos hão de tornar hum grande interesse a fazer todos, os esforços para que saia antes este do que aquelle. Estas influencias he que se não pedem dar nas eleições directas. Quem he que ha de poder influir no povo? Uma camara? Creio que não. Não se pode temer nada destes porque são escolhidos pelo povo; muito menos dos poderosos, e menos ainda dos ricos. Isto, dizem, acontece em Inglaterra; porem não se considera que a Inglaterra tem tão grandes proprietarios, que podem comprar todos os eleitores; em Portugal, não pode haver semelhante risco. Pelo que respeita a ignorancia, 10 povo quando trata dos seus interesses cuida muito nelles. Na vespera das eleições entrão a consultar uns com os outros, e cada um firma o seu parecer depois de passar por uma discussão; e assim o resultado d'ella não hade ser de ignorancia. Ouvi dizer tambem que seria necessario fazer a divisão attendendo á população; nisto não ha inconveniente nenhum. Voto por tanto pelas eleições directas como já fiz na sessão antecedente.

O senhor Guerreiro: - Trata-se de saber se se deve conservar ou privar os cidadãos portuguezes do mais precioso dos seus direitos. Se devemos conservar ou abrir mão do mais poderoso meio de despertar o enthusiasmo constitucional em todas as classes da sociedade. Trata-se, quero dizer, se se deve preferir o methodo das eleições directas, ou o methodo das indirectas. Um dos illustres Preopinantes defendendo o methodo das eleições, que se achão no projecto da Constituição, disse, que não se tratava de procurar a maioria da nação para a eleição dos deputados, mas sim que se procurava achar uma decisão. Eu creio que em quanto se não achar um meio de en-

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contrar a maioria da vontade da nação na escolha, das pessoas dos deputados para côrtes, não póde haver representação nacional. Isto não se encontra senão nas eleições directas, porque nas eleições indirectas, seja qualquer que for o methodo que se adopte, uma vez que deve haver pessoas ou lugares intermedios, entre a vontade do povo, e entre a encolha das pessoas para deputados, pode succeder, e ha de succeder muitos vezes, que esta escolha immediata de deputados seja até contraria á opinião da maioria da nação; e repugna que uma nação seja representada por aquelles, que ou não são conformes com o sua vontade, ou são contrarios, a ella. Por tanto, uma voz que se adopte o principio de que não fosse a Nação quem, nomeasse, vem-se a destruir pela raiz o systema da representação nacional. Os deputados de cortes serão outra cousa, mas nunca se podem dizer representantes da nação, que os não escolheu; não se podem, dizer depositarios da confiança publica, de que não ha expressão alguma. Por outra parte o direito mais precioso do cidadão he concorrer para a expressão das leis, porque as leis são a vontade geral da nação, declarada pelo orgão dos seus representantes juntos em cortes. Se a nação fosse tão, pequena que a reunião aos cidadãos fosse facil e commoda, seria de absoluta necessidade, estabelecidos estes principios, que todos os cidadãos dessem voto immediatamente para a formação das leia; mas como isto he impossivel pela extensão do territorio, e por outras causas, he necessario, para que os cidadãos conservem os seus direitos e que as leis sejão a expressão da sua vontade, que estas não sejão feitas senão pelas pessoas que elles designão. Ora elles não podem designar pessoa senão pela eleição directa; logo que se desprega este methodo que eleição, desse mesmo instante os cidadãos ficão privados demais precioso de seus direitos. Não póde amar-se o systema constitucional senão quando nelle se achão as grandes vantagens que elle offerece, e uma dellas sem duvida he a que provem das eleições directas. Não basta só isto, não, basta só que o systema constitucional seja amado, he necessario que haja enthusiasmo por esta ordem de cousas, e este enthusiasmo não o pode haver, senão excitando nos cidadãos a vaidade, e o amor proprio bem entendido; este amor proprio não póde existir senão fazendo que o cidadão tenha influencia activa nesse mesmo Governo, e elle não a póde ter se não nomeando os seus representantes; este he o meio forte para que cada um dos cidadãos tome interesse immediato nas decisões de uma assembléa, para eu a organisição elle concorreu com a eleição de, um ou mais membros della. Este p meio mais poderoso para que cada um dos cidadãos esteja esperando por ver qual a conduta daquelle que foi pelo seu voto elevado a representante da nação, para ver se se enganou no juizo que formou delle, e até para ratificaria sua opinião, sobre, a maneira com que se deve haver nas eleições futuras. Se prescindirmos deste meio, qual será o outro que se adoptará para despertar este nobre orgulho, este entusiasmo sagrado pela causa da liberdade? Nós tinhamos eleições directas entre nós; para as nossas antigas cortes, e em outros casos os procuradores do povo erão nomeados directamente; mas como estas nomeações se tomárão inteiramente de vontade alheia, os povos não tinhão interesse nellas; o seu amor proprio não se elevava, por isso erão de todo indifferentes; mas no systema actual, quando estas nomeações vão entrar na soberania da nação, todos tem motivos para se interessarem por aquella forma de governo que lhes dá poderes tão poderosos, e direitos tão fortes, como he o concorrerem para a organização da assembléa, que ha de exercer a parte mais importante da soberania. Tem-se allegado exemplos da Inglaterra, a que os illustres Preopinantes tem já respondido. Um dos argumentos que fez um dos illustres Preopinantes foi de que o governo inglez tem tido a maioria a seu favor, prova do que as eleições directas tem o vicio radical; mas eu não acho que possa tirar-se tal consequencia; convenho que o governo inglez tenha a maioria, mas he necessario saber se ella procede da maioria das eleições, ou de outras causas posteriores; se ella provem dos meios que o poder executivo tem para sobornar os membros da cumara, depois de entrados nella por meio de honras e empregos; se isto não procede da má distribuição do territorio, e da povoação; se não procede da presidencia das juntas
eleitoraes estar na mão de uma pessoa, que tem grande influencia no districto, do qual dependem os membros desta assembléa electiva, e se esta pessoa está á disposição do governo. Se todas estas cousas concorrem, para que o governo executivo tenha a maioria dos communs, não devemos convertela em argumento contra as eleições directas, mas, sim contra outras causas. Outro argumento contra as eleições directas he que o povo não tem qualidades para apreciar devidamente o merecimento que cada um deve ter, merecimento que não consiste só nas virtudes, na bondade, na sciencia, das sim nos principios; constitucionaes e adhesão a estes principios; convenho que estas são as qualidades principaes que deve ler um deputado em Cortes: mas não posso persuadir-me que o povo não será capaz, de apreciar estas qualidades. Não he pelas palavras que se conhecem as pessoas, he pela suas acções, he pela sua conversa particular; quando não só desconfia que alguem esteja examinando quanto elle está dizendo, e o que sente. Sómente o povo he que está ao alcance de tratar os homens nas diversas situações da vida humana; só elle he que pode fazer paralelo das suas acções, tanto publica como particularmente, e só elle póde ouvir estas palavras sem que haja desconfiança; por isso não sómente o povo he capaz, de apreciar a virtude, probidade, e sabedoria do cidadão, mas até particularmente as suas qualidades constitucionaes, porque estas se fazem sensiveis tanto na vida, publica como na particular. Allega-se outro argumento, que he a influencia do governo, e dão-se em prova os grandes desejos que tem tido a Inglaterra para reformar o seu parlamento, o que não obstante a declaração da vontade geral, não obstante os requerimentos, que se tem feito quasi todos os annos, ainda o povo o não tem podido conseguir. Eu não posso saber quaes são as razões particulares que se tem op-

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posto a esta reforma, mas não está demonstrado que proceda das eleições directas; será natural que proceda das diversas classes do estado, das diversas pessoas que tem grande influencia na reforma politica da Inglaterra, e tem mui relevantes interesses em que, a reforma senão faça. Em quanto se não mostrar que não he assim, não póde attribuir-se a falta da reforma ás eleições directas. Allegou-se outro inconveniente contra as eleições directas, e vem a ser as grandes reuniões que ellas exigem; mas primeiramente a grandeza destas reuniões, quando seja tal que possa prejudicar á tranquilidade publica, evita-se pela divisão em secções eleitoraes. Um Preopinante elipse muito bem, que o povo nestas reuniões, ainda que pequenas? consulta entre si quaes sejão aquelles e no ha de eleger; que nellas, se dá alguma fermentação, mas que desta fermentação he que resulta a alma da opinião publica; que daqui he que provem a influencia a lavor do systema constitucional, e que daqui ha que resulta a verdadeira escolha daquelles que são dignos de preencher o lugar de representante da nação.

Allega-se que o povo he ignorante, e que ainda que o não seja nas terras grandes, com tudo nas pequenas a classe interior do povo he sem duvida ignorante; que elle nomeará um dentre si, etc. A isto responderei com o que diz Montesquieu no seu tratado da Grandeza e Decadencia dos Romanos, que o povo de Roma gozando por muito tempo do direito de nomear para o consulado pessoas da classe dos plebeus, nunca usou delle, senão depois que a effervescencia que paixões, e o desceo da vingança o forçou o ligar-se as mãos, pendo por lei que um dos dois consules Feria sempre plebeu. O mesmo digo eu do povo de qualquer Nação. Nos casos ordinarios da vida, elle proferirá o seu igual, o que lhe estive ligado pelos inculos do parentesco, da amizade, etc., porém quando se trata aos interesses mais sagrados da nação, como o de eleger para um cargo que conhecem tão superior á capacidade dos homens da sua classe, não ha receio algum que a esco ha recaia em algum d'entre ella; elles lerão todo o eu dado em eleger pessoas dignas. A experiencia mostra que o povo he capaz de conhecer e apreciar as qualidades dos eleitores ou commissarios que hão de escolher no systema das eleições indirectas; logo qual ha de ser a razão porque não havemos de ser um pouco mais generosos com este mesmo povo, para lhe podermos conceder as qualidades necessarias para elle eleger os seus deputados de côrtes? Dizem que o povo he sujeito a influencia estranha: isto he verdade. Não ha homem nenhum que o não seja. Se quisessemos depositar as eleições nas mãos de homens que não fossem sujeitos a influencia estranha, seria preciso que Deus fizesse um milagre, mandando-nos entes da natureza angelíca. Se os particulares se subornão, ou por dinheiro, ou por empenhes, o povo he subornado pela força da eloquencia, ou pelo excitamento das paixões. Na historia dos ultimos annos da Monarquia portugueza mostra-se uma das suas mais illustres provincias posta quasi no estado e insurreição, atacando as pessoas da certa representação, e attentanso á sua vida; por isso que então os povos não erão movidos senão por alguns poucos mal intencionados, que tendo-se espalhado pelos lugares publicos, pertendênrão excitar a plebe, e indispola contra as pessoas que querião fazer victimas da sua vingança. Convenho pois que em qualquer fórma de eleição póde ser subornado o povo; mas pode evitar-se esse inconveniente nas eleições indirectas? Póde evitar-se augmentando-se o numero do eleitores; e nas directas póde evitar-se subdividindo em duas ou mais secções eleitoraes, porque quantas mais forem, mais defficultuosamente poderão ser subornadas. Quanto a haver pessoas residentes na freguezia ou concelho, que pelo seu cargo possa ter preponderancia no povo; nós já com razão neste soberano Congresso abolimos os Capitães móres, e Monteiros móres; nós já polo projecto de Constituição procurámos tirar da não dos magistrados o poder economico e administrativo das terras; tirámos os meios mais poderosos para o fim do evitar a preponderancia. Quanto ás pessoas ricas, nada tenho que recear: tenho passado parte da minha vida no campo, e tenho observado que a classe do povo está em guerra contra a dos ricos: julgão que, tudo quanto estas pessoas dizem he para os illudir; e por isso estão sempre á lerta, por assim dizer, e certamente não se deixárão levar de outro algum projecto que não seja o seu; pois elles, são tenazes mais que todos os outros cidadãos em o conservar. Por tanto estou persuadido que as eleições directas são as que concedem aos cidadãos o mais precioso de seus direitos; são o meio mais poderoso para conservar o enthusiasmo pelo systema constitucional; para despertar um amor proprio, um orgulho nobre e justo, que faz que um individuo de uma Nação livre prefira a tudo o ser membro desta Nação; e por tanto voto pelas eleições directas.

O senhor Peixoto: - Quero responder a um illustre Preopinante, que disse; que o povo nomeará o paroco, o cura, o capitão mór, ou pessoas similhantes. Se esse honrado membro tivesse residido nas provincias depois do tempo da nossa regeneração, seria differente o seu conceito. Apenas se falou nas nomeação dos deputados, antes de determinar-se o methodo das eleições, logo os povos cogitárão de designar os sujeitos mais capazes para os representar, e não se lembravão desses individuos com quem tinhão o maior familiaridade, ou de quem dependião: em geral apontavão os melhores de toda a comarca. No concelho do meu domicilio, com perto de 13 paroquias, havia capitão mór, sargento mór, quatro capitães de ordenanças: e não foi por eleitor á comarca nem um paroco, nem um desses officiaes de ordenanças. Não era tão facil subornar, ou illudir os povos, como se pensa, e muito menos o será quando elles derem ás eleições maior importancia. Por tanto cessa esse principal fundamento, allegado contra a eleição directa, e ficão em seu vigor as razões dadas em contrario.

Decidindo-se que a materia estava sufficientemente discutida, requererão alguns dos senhores Deputados que a votação fosse nominal, o que sendo posto a votos pelo senhor Presidente, foi vencido affirmativamente. Procedeu-se por conseguinte á votação nominal, e votárão

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Pela eleição directa

Os senhores Freire; Povoas; Antonio Pereira; Bispo de Béja; Trigoso; Jeronymo José Carneiro; Felgueiras; Pinto Magalhães; Rosa; Affonso Freire; Moura Coutinho; Vaz Velho; Fernades Thomaz; Lopes de Almeida; Macedo Caldeira; Almeida e Castro; Moniz Tavares; Mendonça Falcão; Ferreira de Sousa; Canavarro; Gouvêa Durão; Xavier Calheiros; Brandão; João de Figueiredo; Vicente da Silva; Ferrão; Sousa Miranda; Ribeiro Teixeira; Barreto Feio; Gonçalves de Miranda; Ribeiro Telles; Franzini; Zeferino dos Santos; Pereira Magalhães; Girão; Ribeiro Cosra; Francisco Antonio dos Santos; Leite Lobo; Innocencio Antonio; Castello Branco; Santos Pinheiro; Corrêa Telles; Xavier de Araujo; Sarmento de Queiros; Luiz Monteiro; Sande; Rodrigues Sobral; Medeiros Manta; Araujo Lima; Pires Ferreira; Moraes Sarmento; Moraes Pimentel; Barão de Molellos; Araujo Pimentel; Baeta; Queiroga; Rodrigues de Brito; Guerreiro; Bastos; Castro e Abreu; Ribeiro Saraiva; Alves do Rio; Vasconcellos; Castello Branco Manoel; André da Ponte; Ferreira da Silva.

Pela indirecta

Os senhores Camello Fortes; Travassos; Maldonado; Ferreira Borges; Corrêa de Seabra; Serpa Machado; Souza Machado; Arcebispo da Bahia; Margiochi; Annes de Carvalho; Gouvêa Osorio; Borges Carneiro; Silva Corrêa; Aragão; Bispo de Castello Branco; Soares Franco; Faria Carvalho; José Joaquim Faria; Silva Negrão; Francisco João Moniz; Rodrigo Ferreira; Rodrigues de Macedo; Braamcamp; Carneiro Pacheco; Moura; Martins, Couto; Gomes de Brito; Soares de Azevedo; Tavares de Lira.

Tendo faltado a votar, dos senhores Deputados que estiverão á chamada, o senhor Barrozo, ficou por tanto decidido, que as eleições fossem directas por 66 votos, contra 29.

Determinou-se para ordem do dia a continuação do parecer da Commissão de Constituição pertenceu-se á organização dos governos ultramarinos.

Levantou-se a Sessão á uma hora da tarde. - Agostinho José Freire; Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Bazilio Alberto de Sousa Pinto.

As Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação portugueza concedem a V. Senhoria licença por tanto tempo quanto seja necessario para tratar do restabelecimento da sua suade; esperando do seu conhecimento zelo, e amor da patria, que apenas seja possivel V. Senhoria não deixará de vir logo continuar neste soberano Congresso as funcções de que dignamente se acha encarregado. O que communico a V. Senhoria para sua intelligencia.

Deus guarde a V. As. Paço das Cortes em 29 de Agosto de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para Joaquim José Monteiro Torres

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que o Tenente General Francisco de Borja Garção Stckler seja detido na torre de S. Julião, em casa segura e commoda, até que, pelos meios legaes a que já se tem mandado proceder, se conheça de seus procedimentos em quanto Governador da Ilha Terceira. O que V. Excellencia levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes, em 29 de Agosto de 1821. - João Baptista
Felgueiras.

REDACTOR - Galvão.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

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