O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2435

DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 187.

SESSÃO DO DIA 28 DE SETEMBRO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do Sr. Castello Branco, leu-se a acta da Sessão antecedente, e foi approvada.

O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes

OFFICIOS.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Manda ElRei remetter ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza a consulta inclusa da Junta do Commercio, na data de 25 do corrente, mostrando de injusta e calumniosa a queixa, que fizerão os correctores portugueses em quanto atribuem á mesma Junta omissão na expedição de uma consulta; cujo objecto esteve sempre em lembrança, e com despachos proprios para se haver delle a precisa instrucção; e rogo a V. Excellencia queira por no conhecimento do soberano Congresso aquella consulta, a fim de ficar sciente do que nelle se expõe em abono do referido tribunal, e das ordens que se expedirão.
Deus guarde, a V. Exa. Palacio de Queluz em 26 de Setembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - José da Silva Carvalho.
Ficárão as Cortes inteiradas, e se remetteu á Commissão do commercio.

Illustrissimo e Excellentisssimo Senhor. - Tendo requerido a Sua Magestade José Maria de Sousa da Silveira dispensa de lapso de tempo para se fazer obra pela portaria inclusa, da mercê do senhorio de Tafé, e da alcaidaria mór de Monte Alegre: manda o mesmo Sr. remetter ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza a dita portaria para decidirem a este respeito o que julgarem conveniente.
Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 26 de Setembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - José da Silva Carvalho.
Remettido a Commissão de Constituição.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Sua Magestade manda remetter ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portuguesa a informação inclusa do Reverendo Bispo de Castello Branco, e os mappas a elle juntos, sobre os quesitos, que se lhe enviarão com a circular de 22 de Maio do corrente anno, relativos ás paroquias do seu bispado.
Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 26 de Setembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras - José da Silva Carvalho.
Remettido á Commissão ecclesiastica de reforma.

Illustrissimo é Excellentissimo Senhor. - Em observancia da ordem das Cortes Geraes e Extraordinarias de 21 do corrente, que recebi na tarde de ontem, tenho a honra de remetter a V. Excellencia os balanços diarios do Thesouro desde 3 até 26 deste mez inclusivamente, agora renovados, assim como o mappa do passado mez de Agosto, ficando V. Excellencia na certeza que a falta de remessa para as Cortes não foi descuido do mesmo Thesouro, que sempre os remmetteu ao Ministro Presidente. O que V. Excellencia terá a bondade de levar ao conhecimento do soberano Congresso.
Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 27 de Setembro de 1821. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor João Baptista Felgueiras. - De V. Excellencia attencioso criado. - José Ignacio da Costa.
Ficárão as Cortes inteiradas, e se remettêrão os papeis á Commissão de fazenda.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Remetto a V. Excellencia, de ordem de Sua Magestade os cinco mappas inclusos, que demonstrão a força effectiva, no 1.º do corrente dos corpos das três armas da 1.ª linha do Exercito, batalhão de artifices enge-

1

Página 2436

[2436]

nheiros, e companhias de veteranos do Reino, assim como o mappa resumido dos corpos de 1.ª linha, a fim de que V. Excellencia os apresente ao soberano Congresso.
Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 26 de Setembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - Manoel Ignacio Martins Pamplona.
Remettido á Commissão militar.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tenho a honra de transmittir a V. Excellencia copia do officio que me dirigiu o Marechal de Campo Antonio de Lacerda Pinto da Silveira, encarregado do governo das armas da Beira Alta, no qual participa que os salteadores não tem podido estabelecer-se naquella provincia, e que se alguns entrão nella, são em breve aprehendidos, em consequencia das medidas que para esse fim tem tomado o mesmo General. Julguei do meu dever levar ao conhecimento do augusto Congresso esta participação, não só por ser relativa á segurança publica, mas tambem porque prova o disvello, actividade, e intelligencia daquelle official General, e dos Corregedores, e Ministros territoriaes no desempenho de tão importante objecto.
Deus guarde a V. Ex.a Palacio de Queluz em 25 de Setembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - Manoel Ignacio Martins Pamplona.
Ficárão as Cortes inteiradas.
O Sr. Secretario deu igualmente conta da redacção da ordem para o Governo relativamente ao requerimento dos portadores de letras do Commissariado, que foi approvada, addicionando no fim da ordem as seguintes palavras - entrando em concurso com os mais credores.
Deu mais conta da redacção de uma carta de naturalização concedida a Alexandre José Gervasoni, que foi approvada.
Verificou-se o numero dos Srs. Deputados, estavão presentes 90, faltando os Srs. Barão de Molellos, Basilio, Pereira do Carmo, Sepulveda, Bispo de Beja, Rodrigues de Macedo, Moniz, Brayner, Leite Lobo, Soares de Azevedo, Jeronymo José Carneiro, Brandão, Pereira da Silva, Rodrigues de Brito, Santos Pinheiro, Gouvêa Osorio, Corrêa Telles, Feio, Luiz Monteiro, Gomes de Brito, Borges Carneiro, Sande e Castro, Serpa Machado, Zeferino dos Santos, Silva Correa.
O Sr. Fernandes Thomaz apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Tendo-se creado a Commissão de liquidação da divida publica sem attribuição alguma de despender dinheiro por conta da Nação, indico a necessidade de perguntar ao Governo por ordem de quem foi alterada a lei da creação daquella Commissão, porque vejo no mappa geral do mez de Agosto que lhe forão dados a titulo de consignação oito contos de reis pelo Thesouro. Salão das Cortes 28 de Setembro de 1821. - Fernandes Thomaz.
Foi approvada.
Passou-se á ordem do dia, e leu o Sr. Secretario Freire o artigo 173 do projecto de Constituição; movendo-se porém duvida sobre se este artigo ficára ou não adiado, ou se devia entrar em discussão, e submettendo-se á votação, venceu-se que ficasse adiado, por isso mesmo que a maioria da Assemblea não entendera que elle havia sido dado para ordem do dia como da acta constava. Em consequencia o Sr. Freire leu o artigo 69 que he o seguinte:
69 As sessões serão publicas: sómente poderá haver sessão secreta quando em algum caso as Cortes entenderem ser necessaria. Nunca porém terá isso lugar sobre discussão de leis.

O Sr. Ledo: - Parece deve haver mais alguma circunspecção sobre este artigo. As Sessões secreta são sempre odiadas pelo publico, que deve já saber o que se trata porque julga que nisto lhe vai o seu interesse, por isso para satisfazer á Nação seria bom dizer que quando em algum caso as Cortes entenderem serem necessarias, as haverá, mas precedendo a isto a concordancia de votos de duas terças partes dos Deputados presentes, e isto para fazer persuadir a Nação que o Congresso toma nos seus interesses o maior cuidado possivel, e por isso quando entra em Sessão secreta procede com o maior cuidado, e circunspecção.

O Sr. Braamcamp: - Eu acho muito irregular que as Cortes entrem em deliberação, se a materia ha de ser tratada em Sessão secreta: quando a Meza julgar que o negocio he de tal natureza, que he necessaria Sessão secreta, então sim; por isso parece-me que deve conter uma alteração contraria á do illustre Preopinante, e vem a ser concebendo-se da forma que está na Constituição hespanhola: que haverá Sessão secreta nos casos em que haja reserva, ou quando as Cortes o julgarem necessario conforme o seu regulamento interino, de sorte que o haver Sessão Secreta não fique sujeito a decidilo a maioria dos Deputados, porque então pela discussão se saberia o objecto da Sessão secreta.
Foi approvado o artigo com a emenda do Sr. Braamcamp, que consiste em juntar depois da palavra necessaria as expressões na forma do seu regulamento interior.
O Sr. Freire leu o artigo 70. O Rei não poderá impedir as eleições. Tambem não poderá impedir a reunião das Cortes, nem prorogalas, dissolvelas, ou por qualquer modo protestar contra as suas decisões.

O Sr. Rebello: - O artigo está claro, e a doutrina he excellente, mas falta-lhe a sancção. O Rei não poderá impedir as eleições, nem a reunião das Cortes, nem prorogalas, dissolvellas, ou protestar contra as suas decisões: mas se o fizer? Não está aqui prevista a sancção que se lhe ha de applicar. No artigo que traiu dos modos porque o Rei póde perder a coroa, tambem não estão especificadas estas hypotheses. Esses casos são igualmente omissos na Constituição Hespanhola, por muito liberal que ella seja. Eu porém julgo que he necessario fazer um addicionamento a este artigo, e vem a ser, que se o Rei praticar alguns destes actos aqui mencionados, por elles se entenderá que tem abdicado a coroa. Por esta fórma ficará o artigo em circunstancias de ter o

Página 2437

[2437]

seu verdadeiro effeito. O artigo assim coordenado constitue o Rei numa rigorosa obrigação de não praticar similhantes actos, obrigação da qual resulta que todas as vezes que forem praticados fará legitima, e demonstrada a perda e abdicação da coroa. He tambem necessario accrescentar a indispensavel sancção a respeito daquelles que para isso derem ao Rei conselho, ajuda, ou favor. Os Hespanhoes declararão traidores todos aquelles que por conselho, ajuda, ou favor induzissem o Rei a praticar alguns actos similhantes a estes de que aqui se trata; por isso he da mais transcendente importancia que aproveitemos dos Hespanhoes o que elles acautelárão em tão grave assumpto; e façamos uma Constituição mais liberal na parte em que elles for ao omissos; deixemos pois este artigo constitucional estabelecido por esta forma: o Rei não poderá impedir as eleições, nem impedir a reunião das Cortes, nem prorogalas, dissolvelas, ou por qualquer modo protestar contra as suas decisões; e se o fizer, por esses factos se entenderá que tem abdicado a coroa; e aquelles que para quaesquer dos sobreditos actos lhe derem conselho, ajuda, ou favor serão punidos como traidores. Proponho estes addiccionamentos como indispensaveis; não os trago por escrito porque não julgava ser esta a ordem do dia; nem talvez será preciso, porque a doutrina he clara. Em todo o caso eu me offereço desde já a sustentalos, se por ventura alguem houver que se opponha a elles.

O Sr. Pinto de Magalhães: - Eu tenho por desnecessaria aquella doutrina. Primeiramente a Constituição não he um codigo penal que vá acompanhado de sancções, e até para a observancia della fóra da Constituição deve haver um codigo onde haja penas correspondentes aos delictos do Estado; e por tanto, por certo que no codigo penal ha de haver tambem um titulo a que se refirão todos os artigos da Constituição, e que por consequencia os legisladores não se hão de esquecer de comminar penas nestas gravissimas circunstancias, em que for impedida a reunião das Cortes. Devo dizer mais, que nunca se commina a pena de abdicação a ElRei, senão nos casos e factos, que elle praticar por si, e que não possa verificar-se a responsabilidade dos Ministros. Todos sabem que ha factos que ElHei póde praticar por si só, e ha factos, que elle não póde praticar sem intervenção dos Ministros; então he sobre estes que se póde verificar a responsabilidade; e tal he o caso de que se trata. ElRei só por si não póde impedir a reunião das Cortes. As ordens para este fim, ou são passadas pelos Ministros, ou são assignadas por elles, e neste caso os Ministros são responsaveis á Nação, são responsaveis as autoridades que obdecerem a similhantes ordens; se forem assignadas pelos Ministros, sobre os Ministros he que deve recair toda a pena, e crime de traição contra a liberdade nacional; por isso a minha opinião he que passe o artigo tal qual está.

O Sr. Rebello: - O que acaba de dizer o illustre Preopinante não póde ter applicação nas hypotheses em que nos achamos; na lei fundamental, e só nella, he que devem ir especificados casos em que se declara, e entende que o Rei tem abdicado a coroa. O codigo penal ha de estabelecer as penas para toda a classe de cidadãos, e estes mesmos hão de ir buscar o seu principio regulador aos pontos mestres que devem ficar assentados na lei fundamental: mas os factos pelos quaes se entende que o Rei abdica a coroa não podem jamais ficar reservados para o codigo criminal, ou seja porque entrão essencialmente na distribuição, limites, e garantia dos tres poderes soberanos, que fundamentão, caracterizão, e sustentão o systema constitucional; ou seja porque o Poder judiciario propriamente dito não póde instituir processos ao Rei e por estes principios de obvia intuição, que no projecto, que estamos discutindo, se especificão no artigo 106 alguns casos, em que o Rei perde a coroa; e he por elles que no presente artigo o deve fazer o addicionamento, que propuz. A doutrina do artigo não só suppõe possiveis, mas até muito praticaveis os casos, que enumera; e eu tambem os supponho possiveis, muito praticaveis, e he exactamente por isso, que lhe accrescento a sancção: no que eu diversifico essencialmente do illustre Preopinante he no modo porque elles se podem verificar: o illustre Preopinante espera, que isso se faça pelos caminhos regulares de ordens assignadas pelos Ministros d'Estado, e então tudo segura com a responsabilidade dos Ministros: eu porém, que tenho a certeza de que semelhantes attentados nunca se hão de praticar ás claras, e pelo expediente sabido dos Ministros (porque em taes hypotheses os casos de que se trata nunca serião praticaveis) reccorro á origem, e modos porque podem ter effeito os casos, de que receia o artigo, e de que eu me receio para os prevenir com a sancção competente applicada aos motores, e agentes, que os possão realisar. Apresentar os casos do artigo sem sancção, he abrir o caminho de os praticar pela impunidade: confiar na responsabilidade dos Ministro com garantia sufficiente, he suppor o impossivel de que os Ministros quando entrarem nelles hão de obrar como Ministros; e suppor ainda que sempre, e só os Ministros hão de ser os instrumentos de tão fataes attentados. Deitemo-nos pois fóra desse mundo imaginario, em que não póde imputar o legislador, que não receia as cousas praticaveis por meios impossiveis; e transportemo-nos ao mundo proprio do artigo em questão; para prevenirmos males muito praticaveis pelos meios porque elles se podem verificar. Se os Ministros tomarem parte em algum dos casos previstos no artigo, tenhão os Ministros a competente responsabilidade, não como instrumentos que abusarão do Poder executivo, mas sim como conspiradores, e traidores, que lanção por terra a liberdade da patria: e eis-aqui como nesta mesma hypothese não he a responsabilidade do Ministro como tal, mas sim a punição do traidor, que ha de garantir o artigo. Se o Rei praticar algum dos attentados, de que se receia o artigo sem a cooperação dos Ministros (repito como conspiradores porque no nosso caso não podem obrar senão assim) Quid juris? Dir-me-hão isso não he possivel. Ora vejamos se o he. Quem dirá que o Rei não póde impedir as eleições convidando por si mesmo, e achando autoridades militares, civis e economicas, que executem

Página 2438

[2438]

os seus desejos? Que cousa mais fácil do que impedir a reunião das Cortes, ou dissolvelas concedendo elle mesmo, e achando um General que deite os Deputados pelas janellas fóra; que disperse os Representantes da Nação depois de reunidos, ou que os prenda, ou mate: e que impossibilidade ha de fazer prender os Deputados ou antes de sairem de suas casas, ou pelo caminho, ou em Lisboa achando autoridades, que satisfação seus desejos, e força que os executo, e auxilie? Quem impedirá o Rei de escrever às potencias estrangeiras directamente e metter no Reino uma força estrangeira com a qual pratiquem actos para que não achou força disposta? Quem impedirá o Rei de fazer sem intervenção dos Ministros um protesto contra as decisões do Congresso, e contra toda a Constituição appellando para as potencias estrangeiras, ou para os povos incautos, assignalo, fazelo circular dentro, e fóra do Reino? Que significaria o corpo legislativo prorogado por nova ordem de ElRei contra os artigos da Constituição, senão uma tyrannia, que induziria uma verdadeira captura de toda a Nação nas pessoas de seus representantes, e refens escolhidos para opprimir mais facilmente a liberdade da patria: isto ainda nesta hypothese, de que eu menos me receio; porque a presença do corpo legislativo foi sempre o correctivo do abuso do Poder executivo. Quem ha de pois responder pelos factos d'ElRei, que ficão referidos quando elle os praticar. Que pedem aquelles, que lhos aconselharem, e ajudarem a praticar. Qual será pois o modo de os prevenir, e de acautelar as suas fataes consequencias, a elles desgraçamente chegarem a ter effeito. Eu não acho outro senão a declaração, de que se ElRei os praticar se entende, que por isso mesmo tem abdicado a coroa; e que os que o aconselharem, e ajudarem sejão punidos como traidores: ficando sim essas penas constituindo parte do codigo penal, mas devendo formar-se desde logo a lei que os ha de especificar. A sancção da abdicação da coroa concilia a inviolabilidade do Rei com a segurança da liberdade constitucional; e a do crime de traidores em que incorrem os que o aconselharem, e ajudarem não só horrorizará todo o cidadão, mas deixará a divisa entre os conspiradores de facto, e os que interessão, que lhes sejão punidos para segurança do Estado, e restabelecimento da ordem publica. Resulta pois de tudo o que deixo dito, que o addicionamento, que propuz he indispensavel como a principal garantia da Constituição, que estamos fazendo; que he nesta lei fundamental, que deve ir esta mesma garantia; que sem ella deixamos um edificio aerio, que se desmanchará ao primeiro sopro de um Rei emprehendedor, e ambicioso; e que não he no codigo criminal que a presente doutrina póde achar uma garantia, quando pelo contrario he da lei fundamental, que aquelle codigo ha de vir buscar a sua.

O Sr. Moura: - Na minha opinião, parece-me que o illustre Preopinante se affasta um pouco do verdadeiro sentido, com que devem ser olhados os principios constitucionaes em referencia á pessoa do Rei, ou á intervenção que elle tem no exercicio do Poder executivo. Se o illustre Preopinante quer que nestes casos se imponha a ElRei a pena de perder a coroa, perguntar-lhe-ia eu, porque razão se não ha de impor a mesma pena, quando elle faltar a outros seus deveres igualmente essenciaes? Dir-me-ha, porque esses outros não serão por ventura tão importantes como este; porque será necessario e util, que se imponha neste, e não nos outros. Mas esta resposta, que o illustre Preopinante me poderia dar, funda-se em não fazer elle a mesma distincção, que faz o Sr. João de Sousa, quando estabeleceu a differença dos factos, que ElRei pratica de per si só, sem intervenção dos Ministros, e os que pratica com intervenção delles. Se o Rei como se diz no art. 106, deve ser privado da coroa naquelles casos, he porque não precisa da intervenção dos Ministros para os praticar, e não ha por isso quem os responsabilise, v. g. se sae fóra do Reino não precisa de intervenção dos Ministros, porque não tem mais que montar a cavallo, e ir-se embora; se contrae matrimonio não he necessario a intervenção dos Ministros; e por isso se lhe impoz a pena de ser privado da coroa; porque estes factos dependem só delle, e unicamente delle. Em todos os mais casos não póde elle obrar sem intervenção dos Ministros, e então supponhamos que ElRei dava uma ordem, e que o Ministro aassignava, uma ordem por exemplo para as eleições de tal provincia; para que se não juntassem os eleitores. Desgraçado Ministro que assigna-se a ordem; estava perdido, caía sobre elle toda a responsabilidade. Se pois toda a responsabilidade cae sobre os Ministros, não póde haver perigo, nem receio nenhum de que fique impune aquelle, que impedir a reunião das Cortes, e então para que havemos estar a cair na verdadeira impolitica de estarmos a ameaçar a ElRei todos os dias de que ha de ser castigado, quando faltar a estes deveres, porque ha outros deveres muito importantes á ordem publica que ElRei deve observar religiosamente, e pela observancia dos quaes o não estamos a ameaçar. Esta he a chave da organisação politica dos Governos representativos, he fazer por todos os titulos respeitavel a pessoa do Rei, e tirar-lhe toda a influencia politica na composição, ou abrogação da lei: E quando se considera como homem estabelecer uma ficção politica de que elle não póde fazer injustiça alguma, fazendo recair toda a culpa nos Ministros, que o poderião auxiliar, assinando ordens illegaes. Finalmente para me não afastar do ponto preciso, de que se trata, os deveres d'ElRei que dependem só delle particularmente, estão acautelados com a perda da coroa; mas os que necessariamente dependem da intervenção dos seus Ministros, não he preciso ameaçar ElRei, porque não devemos impôr-lhe penas, senão quando a necessidade absoluta nos obrigar a Uso. Diz mais o illustre Preopinante = ElRei póde convidar um General, que ponha em campo a força militar, que execute as ordens para impedir as eleições. Mas de quem ha de elle receber as ordens? D'ElRei não póde ser. Porque elle não dá ordens, nem as daria senão por intervenção do Ministro da guerra. Mas quem ha de ser o Ministro da guerra que ha de assignar ordens. E assignando-as não está perdi-

Página 2439

[2439]

do? Não estamos nós aqui para o arguir, e tornar effectiva a sua responsabilidade? Logo não he necessario estar a impôr penas a ElRei no caso que elle procure impedir a reunião das Cortes.

O Sr. Rebello: - Tratarei de fazer uso das proprias armas do illustre Preopinante para o combater. Diz o illustre Preopinante, que não devemos estar a ameaçar a ElRei com esta ou aquella pena; que nos artigos Constitucionaes sómente devem ficar acautelados os casos em que elle obrar por si só. Entre tanto o illustre Preopinante referia-se ao artigo 106 no qual se trata dos casos em que o Rei se entendo ter abdicado a Coroa. Se eu não receasse ser fastidioso trataria agora de mostrar, que nenhuma das hypotheses que se estabelecem no artigo 106, he taõ importante em si, como as do artigo 70, nenhuma dellas he tão essencial, e tão importante se por ventura se confrontão com os casos de que se trata neste artigo, o que eu deixarei para a terceira vez que tenho de falar. Agora tratarei de responder ao illustre Preopinante. O illustre Preopinante labora n'um falso supposto, e he que não podem verificar-se os casos do artigo em discussão senão pelo intermedio dos Ministros. O illustre Preopinante entende que se os Reis em algum tempo houverem de praticar alguns dos actos aqui especificados, hão de ir sempre por caminhos direitos e legitimos marcados pela lei; fique porém seguro de que muito pelo contrario ou nunca os praticarão, ou para os poderem realizar hão de sempre empregar os caminhos occultos, e em geral aquelles porque a concebem e executão conspirações, ou attentados capitães contra o systema constitucional. Para ter lugar o que acaba, de dizer o illustre Preopinante, seria obrigado a mostrar que nunca seria possivel praticarem-se as hypotheses do artigo senão por ordens expresas dos Ministros e que então mesmo estando o Rei incurso em conspiração de facto contra a liberdade da Patria se deveria levar tão longe a sua inviolabilidade Real, que se devesse continuar a reinar na mesma Nação, cujo systema constitucional procura destruir de facto. Eis-aqui porém o que o illustre Preopinante nem mostrou, nem era possivel de mostrar. O illustre Preopinante foi suppondo a seu modo as hypotheses que lhe parecerão, e resolvendo-as a seu sabor; todavia lá teve mais difficuldade quando chegou á hypothese de por exemplo o Rei convidar um General e dizer-lhe empregai a força, deitai os Deputados do Soberano Congresso pelas janellas fóra fazei-lhe o mesmo que fez Cromwel ao Parlamento de Inglaterra; ide impedi a eleição dos Deputados, etc. e não será possivel que haja algum General que obedeça a este chamamento d'ElRei? Eu não faço injuria ao nosso Rei actual, estou certo (assim como todos nós o estamos) da sinceridade do seu coração, da sinceridade com que elle tem adoptado o systema constitucional; e accrescento que se eu tivesse a certeza que todos os futuros Reis de Portugal serião como elle, não trataria jamais de um tal addicionamento; mas como não tenho essa certeza, he por isso que eu conforme com os riscos do artigo em discussão me esforço para que se acautelem os resultados daquelles mesmos receios, sem o que o artigo lembra os males, e convida a sua execução pela impunidade de seus agentes. Trata-se da possibilidade do facto, he sem duvida possivel que o Rei sem intervenção de Ministros, por cousas tratadas em particular, por manejo de premios, e uso de outros meios chegue a verificar alguns dos casos que suppõe o artigo; ou mesmo se verifique por si só, digo que tudo isto he possivel, para dar aos argumentos do illustre Preopinante toda a elasticidade, porque de facto nunca as hypotheses do artigo a podem recear em effeito senão pelos meios clandestinos que tenho ponderado: então chamo o illustre Preopinante a applicação dos seus principios; se os Ministros não intervierão elles não são responsaveis; caduca por tanto toda a responsabilidade em que descansarão os argumentos do illustre Preopinante: ou outros forão os agentes, aonde está a sua responsabilidade definida e aonde o deve estar não sendo aqui. Se o Rei obrou só por si estamos no caso em que o illustre Preopinante diz; que o Rei deve ser multada com a pena da abdicação da Coroa segundo a doutrina do artigo 106 em casos que aliás não são de tanta importancia como estes de que actualmente nos occupamos: e em todas as hypotheses do artigo em discussão, que todos suppõem que o Rei entra nelles de facto, perguntaria eu ao illustre Preopinante se a responsabilidade, e punição de todos os traidores, ou Ministros ou não Ministros, desobrigarão de deixarmos sanccionada a privação da Coroa ao Rei, que conspirou de facto contra a liberdade e Governo da Nação. Concluirei a final, que eu não tenho a gloria da invenção deste addicionamento; poucas causas ha sobre materias desta natureza que não estejão escriptas. Se na Constituição de Hespanha se não estabeleceu tão indispensavel garantia devemos estabelecela na nossa. Os excellentes escritores Hespanhoes, em que eu tenho lido este addicionamento, tem grande pesar de o não verem sanccionado na sua Constituição. Que casos são aquelles em que o Rei pelo projecto da Constituição, que estamos discutindo, se julga ter abdicado a Coroa? O cazamento, por exemplo, sem licença das Cortes. Supponhamos que o Rei caza com uma pessoa particular sem approvação do Congresso? Que rezultava daqui por via de regra á ordem publica? Supponhamos que em lugar de cazar com a filha de um Rei, cazava com a filha de um Conde, ou de um Marquez. Que succedia da qui? Não he isto um facto incomparavelmente menor do que aquelles de que se trata? E impõem-se então áquelle a pena de abdicação e não se quer impor a este? Se não se fizerem as eleições? Se não se reunirem as Cortes se vierem uns poucos de soldados, e entrarem por este Congresso, deitarem os Deputados pelas janellas fóra, o Rei que o mandou, e quem o praticou assim por si e por outros será ainda digno de reinar? Não será isto possivel e até muito fácil? Valerá tão pouco a sua inviolabilidade, que a perca se cazar com uma mulher de seu gosto, e que o não seja das Cortes; e valerá tanto, que continue a reinar quando destruir pela raiz a liberdade nacional, e o systema do Governo estabelecido por ella? Deixaremos aberto este abismo em que seja sepultada a liberdade da Patria? Deixaremos sem remedio o unico garante da

2

Página 2440

[2440]

Constituição, quando se trata não do uso do poder Executivo, mas sim do maior dos seus abusos? Como esperão os illustres Preopinantes, que taes attentados se pratiquem com ordem? que os Ministros como taes respondão por elles ou quando os não praticarem, ou quando ainda praticando-os não são os Ministros, mas sim os traidores? Admira-me muito, que os Illustres Preopinantes tão versados nas regras da dialetica, confundão tão desgraçadamente os principios, ou para não tirarem delles consequencias que lá estão, ou para não fazerem justa applicação de todas as consequencias, que lá estão; e que sendo evidente que as hypotheses do artigo 106 são insignificantes á vista destas, estabeleção a abdicação da Coroa para o menos, e não a estabeleção para o mais e finalmente não possão comprehender a possibilidade de ElRei só por si, ou com outros agentes sem intervenção dos Ministros praticarem as hypotheses, que estão estampadas no artigo em discução.

O Sr. Moura: - Admiro-me muito, que o illustre Preopinante taxe tanto a dialetica da opinião daquelles que são contrarios á sua, e que advirta tão pouco na falha que tem a sua mesma dialetica neste argumento; por quanto estabelecendo eu o meu argumento de que a differença que havia na disposição tomada nas differentes hypotheses não procedia da differença das acções do Rei, ou da differença dos deveres a que o Rei faltava, mas procedia tão sómente de que nuns casos não podia elle obrar senão por intenção dos Ministros, e em outros sim; admiro-me digo, que elle deixasse este argumento e que fundasse a sua resposta na differença unicamente dos factos. Este facto he muito importante, no que o Preopinante disse não ha nenhuma duvida a este respeito, mas para que deixou o illustre Preopinante intacta a força do meu argumento, que consistia em que neste caso não poderia ElRei obrar sem intervenção dos Ministros, e no caso que desse as ordens se lhe não obedeceria, e se isto se verificava no general que obedecesse á ordem do Rei, sem ser pelo tribunal competente, desgraçado delle, devendo ser na Constituição primeiramente punido com a abdicação da corôa, quando elle obrava por si só. O argumento pois deduzido só deste principio, foi aquelle a que o Preopinante não respondeu, achando-se em defeito a sua dialetica, e não a nossa. He verdade que ha certos deveres e factos aos quaes se o Rei falta, tem maior influencia na ordem publica de que quando falta áquelles pelos quaes elle abdica a corôa; mas estes factos são aquelles que elle pratica por si só, e dependem delle, e todos os mais dependem dos Ministros. Vamos agora ver outro argumento do illustre Preopinante. o Rei, diz elle na hypothese de impedir a reunião das Cortes, ha de obrar por meios irregulares. Concedo; supponbamos que elle usa da força armada para destruir o systema Constitucional, será difficultoso achar o remedio? Certamente não. O remedio he bem obvio. He o remedio, que tem a empregar todas as Nações quando a oppressão he a da força aberta; he o direito da resistencia. Se o Rei quizer ser absoluto, quizer com força armada destruir todo o systema actual, então lançamos mão do meio da resistencia sanccionado por todos os principios de politica, e sanccionado em a Constituição: este pois he o meio que devemos seguir, e não estarmos fixando penas para quem obra com as armas na mão. Melhor he suppor que tal delicto não he nem cogitado pelo Rei.

O Sr. Pinto de Magalhães: - O illustre Preopinante pertendeu de algum modo fazer odiosa a opinião que defendemos, e que he a mesma do projecto de Constituição. Por algumas palavras se poderá suppor que nós eramos procuradores do Rei, quando não somos, senão da Nação; e quando não propugnamos por outra cousa, senão pela sua felicidade, e pela conservação do systema que havemos adoptado. O illustre Preopinante não ignora que as bases deste systema são a inviolabilidade do Rei, e a responsabilidade dos Ministros. Grande descuberta dos tempos modernos. Esta grande descoberta em politica, e que he a base de todo o systema, destruida a qual fica destruido o systema, he que faz com que propugnando-se pelo artigo se vem a defender um artigo muito essencial ao systema que havemos adoptado. He pois uma regra geral da theoria, que o Rei he sempre inviolavel, e que em caso nenhum deve comminar-se pena alguma, senão naquelles em que não haja alguem que deva responder por esses actos: por isso temos a averiguar se o Rei póde fazer este acto de impedir as eleições sem que haja pessoa que responda por elle. Se virmos que não poderá haver pessoa que responda por elle, então nós deveremos comminar-lhe a abdicação da corôa; se porém virmos que de maneira nenhuma se póde contravir às eleições, sem que haja pessoas responsaveis, de maneira nenhuma se poderá impor a pena de abdicação da corôa. Eu fiz um dilema a que se esqueceu responder o illustre Preopinante. Disse eu, que a opposição ás eleições não poderia ser feita senão por ordens assignadas, ou sem serem assignadas. Disse que sendo assignadas os Ministros erão responsaveis, e o codigo penal havia de impor as penas. No caso porém de não serem ordens assignadas, pergunto eu senão temos então responsaveis todas as autoridades que obedecerão a ellas, e as executárão; e se o codigo penal não ha de ter um titulo em que se achem as penas que devão soffrer todas estas autoridades: por tanto se o illustre Preopinante tomar em consideração ambas as partes do dilema, assento que achará satisfeitas todas as suas duvidas, e não propugnará tanto pelo addicionamento.

O Sr. Rebello: - O illustre Preopinante taxa-me de não ter respondido á segunda parte do seu dilema, e tenho pena que não tenha reparado que contra a segunda parte do dilema he que eu dirigi os meus argumentos. No caso de que se trata, estabeleci que nunca jamais vão ordens assignadas, que sempre se usa de meios ocultos, e illegitimos. Discorramos sobre as bases que o artigo suppõem. Será possivel que se impeça a reunião das Cortes? Que estas se proroguem, que estas se dissolvão? Serão possiveis estas hypotheses? São. Porque os mesmos illustres Preopinantes são aquelles que as escrevem, e que as confessão. Agora vamos ao facto de se praticar algumas destas hypotheses de que aqui se trata. Então apparece o dilema muito simples do illustre Preopinante;

Página 2441

[2441]

a opposição ás eleições não poderá ser feita senão de dois modos, ou por ordens assignadas pelos Ministros, ou sem serem assignadas: esqueceu-lhe o mais natural que ha de ser sem ordens nem escriptos, nem assignados, se se faz por ordens assignadas, diz o illustre Preopinante, temos os Ministros responsaveis, senão he por ordens assignadas (eis-aqui a segunda parte do dilema): então temos as autoridadades que obedecerão a estas ordens responsaveis; temos o codigo criminal, onde ha de haver penas em que hão de estar acautelados estes, e outros crimes. Agora he que convido o illustre Preopinante para exelarecer meu entendimento: A primeira parte do dilema quasi impossivel, ou impossivel nas hypotheses em questão, deixarião os Ministros responsaveis; mas o Rei que conspirou com elles contra a liberdade da Patria com toda a sua real inviolabilidade he digno de reinar? A segunda parte do dilema deixaria responsaveis as autoridades que obedecerão a ordens não assignadaa, e porque? porque as ordens não são assignadas, ou porque o objecto dellas era uma traição contra a liberdade da patria? E o Rei sempre envolvido nestas hypotheses segundo a letra do artigo, tendo conspirado de facto conrra a liberdade da patria com a sua real inviolabilidade he digno de reinar? Diz-se no codigo criminal se tratará disso; e eu digo como he possivel que fique para o codigo criminal a sancção do Rei, que conspirar contra a liberdade, e a daquellcs que o aconselharem, e ajudarem a destruir pela raiz a liberdade civil, e o systema constitucional que he ocaso de que tratamos. Admira-me, torno a dizer, que o Preopinante supponha, que quando o Rei quizer praticar algum destes factos, impedir as eleições, prorogar, ou dissolver as Cortes etc., se haja de servir de meios palpaveis e meios claros; e que para isso se hão de passar ordens assignadas, ou não assignadas por Ministros, ou não Ministros; nunca tal se ha de fazer por ordens, e admira-me que o outro illustre Preopinante que se tinha queixado de que eu não tinha respondido á parte principal do seu argumento, não reparasse tambem que eu me importei com a responsabilidade dos Ministros, que pasmassem estas ordens ao justo valor de tal supposição, que vem a ser nenhum pelo que já tenho ponderado; e passasse por tudo o que eu era principal resposta ao outro illustre Preopinante ediffiquei, procurando convencelo de que todos os seus argumentos laboravão no falso supposto de que os factos desta natureza hão de ser praticados por ordens directas com assignatura do Ministro, e por meios claros. Sigamos porém com mais criterio a segunda parte do dilema. Ainda que o resultado mais natural de ordens, que não são assignadas seja não serem executadas por ninguem, com tudo quero com o illustre Preopinante que respondão pela sua execução os generaes, as 16 autoridades, e todos os mais cidadãos empregados, ou não empregados: e he por isso, que eu clamo pelo addicionamento de que elles sejão declarados traidores. Mas o nosso artigo suppõe, não os embaraços, e opposições que podem fazer às eleições etc. quaesquer autoridades, mas sim os que fizer o Rei; pergunto se com a responsabilidade desses homens fica digno de reinar e Rei que os empregou para opprimir a liberdade da Nação, e destruir a representação nacional? Discorrendo agora por minha conta, direi que tanto na primeira como na segunda parte do dilema, ambos inverosimeis e talvez impossiveis, os Ministros ou não Ministros respondem por si; e o Rei com quem fala o nosso artigo ficará assim salvo ou gozando o fruto da sua tentativa se ella foi afortunada, ou habilitado para intentar outra mais bem combinada que a primeira? Mas para que estou eu fugindo do ponto para seguir os illustres Preopinantes, que ainda não quizerão entrar nelle. O artigo trata do Rei, as hypotheses do artigo suppõem o Rei involvido nellas de facto; todas estas hypotheses não podem verificar-se sem uma conspiração em forma, logo he preciso prevenir estas facções ou leis quanto ao Rei, ou quanto aos que o aconselharem, e ajudarem por meio da sancção, que eu propus. Em poucas palavras os casos previstos no artigo são possiveis, e praticaveis? Responde-se, são. Se se praticarem, que acontece? a destruição da liberdade da patria. E porque senão pratiquem, que remedio se propõe? nenhum. Vamos á ultima parte do argumento do Sr. Moura. Diz elle: Se o Rei embaraçar as eleições, se o Rei por qualquer modo que seja sem ser por ordens dos Ministros impedir a reunião das Cortes, então temos direito de nos voltar contra a oppressão, e declarar guerra ao Rei. Bem, chegou, finalmente o illustre Preopinante á questão, e apresenta nuas, e em seu estado natural os meios porque são, e unicamente podem ser praticaveis as hypotheses do artigo; e he justamente para esses casos, que propuz o addicionamento: com elle evitar-se-ha uma guerra civil. Declarado que ElRei tem abdicado a corôa, tendo-se envolvido de facto em algum daquelles casos; fica reduzido a condição do homem perdendo os direitos, e consideração de Rei; os que entrárão com elle em tal empreza ficão separados do resto dos cidadãos como traidores; e a guerra civil, que se acoita sempre na confusão dos direitos dos que tem interesse em a sustentar, não poderá mesmo principiar, porque o Rei não poderá illudir com direitos que perdeo, perpetrando factos a que a lei constitucional impoz a multa do perdimento da corôa: os que o tiverem aconselhado, ou ajudado, uma vez declarados traidores, nem podem abusar dos povos incautos, nem formar um partido, que se ingrasse com opiniões novas: e a nação segura dos seus direitos, e certa de que o Rei perdeo os seus, verá continuar o systema constitucional sem as concuções, e abalos das guerras civis. He para aqui que eu convido os illustres Preopinantes, não com tanta emfaze como elles me tem convidado, mas com espirito de rectidão, e com espirito de justiça que nos deve guiar. Previnamos tudo quanto póde estorvar a paz, a tranquilidade, e ordem publica, e procuremos eternizar o systema constitucional em que estamos trabalhando reunindo este artigo da lei fundamental com o addicionamento que propuz.

O Sr. Miranda: - Eu admiro o transtorno de idéas do illustre Preopinante, que combateu o artigo. Elle já figura uma guerra armada contra a Na-

Página 2442

[2442]

ção; já suppoem a Patria em perigo, os Deputados pelas janellas fóra; em fim pinta-nos o quadro debaixo das cores as mais feias, e mais tristes que se podem imaginar. Mas voltemos o quadro, vejamos como elle apparece com outra face. He um principio constitucional a inviolabilidade do Rei, e a responsabilidade dos Ministros. A inviolabilidade do Rei, e a responsabilidade dos Ministros são dois principios correlativos, onde ha um, deve existir o outro. Aquellas acções que ElRei não póde praticar por si sem se servir do braço de outrem, aquelles que as praticão, são responsaveis por ellas, e nestas he o Rei inviolavel. As que póde porém executar sem se servir do braço de outrem, nestas obra o Rei livremente. Eis os principios do systema constitucional, e que o Preopinante não teve em consideração nenhuma. O Rei póde embaraçar as eleições: primeiro por ordens passadas pelos Ministros, segundo dirigindo-se às authoridades sem intervenção destes Ministros; terceiro por meios occultos, obliquos, e insidiosos. No primeiro caso os Ministros são responsaveis, neste caso elles sabem muito bem o crime que commettem, e ninguem quererá comprometter-se a que lhe desapareça a sua cabeça. Se não he por via dos Ministros, então as authoridades a quem se derige são responsaveis, são criminosas, e hão de soffrer as penas; se he por meio de intrigas, se he por meios insidiosos, então já não he embaraçar as eleições, então já temos sedição, já temos revolta, então hão de apparecer esses homens insidiosos, então hão de apparecer esses homens perfidos que querem trahir a Nação; e por isso ha todos os meios de obstar a que semelhante effeito não tenha lugar; temos meios de obstar do modo mais positivo; e quando por desgraça, o que não he de esperar attentas as luzes do seculo, que a massa geral da Nação quizesse reverter deste systema, perguntaria eu, um artigo constitucional he que havia oppor-se? Certamente não. Por consequencia eu em observancia das duas bases, inviolabilidade do Rei, responsabilidade dos Ministros voto pelo artigo tal, qual está.

O Sr. Pessanha: - O illustre Preopinante o Sr. Rebello não se fez cargo de uma hypothese que póde acontecer no caso deste artigo sobre o impedimento das eleições. Póde muito bem acontecer que as eleições sejão impedidas em nome do Rei, e que elle não intervenha de maneira nenhuma. Sabe-se muito bem que não são os Reis os interessados nos abusos, são os que vivem dos abusos, os interessados nelles. Estes muitas vezes valem-se do nome do Rei para attacar os principios constitucionaes. Ora se por exemplo valendo-se elles do nome do Rei quizessem passar ordens, ou por meios occultos induzissem qualquer authoridade a oppor-se às eleições, teriamos o caso que apontou o illustre Preopinante, isto he, suppor-se-ia que o Rei he que embaraçava as eleições, por isso mesmo que elles as embaraça vão em seu nome. Ora quem havia ser o Juiz deste caso? Quem julgaria o Rei? Vamos cahir n'uma anarchia, se o Rei se puzesse nas circunstancias de ser julgado, só pelo caso de se perturbarem as eleições; porque em fim uma vez que se comminasse pena contra o Rei no caso de perturbação das eleições em seu nome, e que este caso se verificasse seria indispensavel por o Rei em juizo; mas onde iria parar a sua inviolibilidade? Por isso não temos outro recurso senão contra aquellas autoridades, ou individuos que obrarem contra as eleições. Estes he que são responsaveis: se ellas obrarem por si, a mesma responsabilidade cabe sobre elles se obrarem por outros. As ordens não podem ser do Rei, porque se ellas não são assignadas pelos Ministros não valem nada, e se os Ministros as assignarem recahe a responsabilidade sobre elles. Isto he evidente, e nunca devemos consentir que o Rei seja chamado a juizo por nenhum caso; porque infallivelmente a authoridade estaria vacillante, e o Rei não poderia dizer-se que era inviolavel. Por tanto não posso admittir por principio nenhum que se ponha ao Rei a pena de abdicação, quando hajão semelhantes circunstancias; porque como tem dito muitos illustres Preopinantes, se acaso o embaraço das eleições provier de ordens passadas pelas authoridades, as authoridades que as passarem he que respondem; e se forem simplesmente embaraçadas por alguma pessoa sem ordem, esta pessoa he um traidor, e um revoltoso, e contra elle he que deve cahir todo o rigor das leis. Por tanto o artigo está bem concebido, e he escusado o adicionamento.

O Sr. Alves do Rio: - Ou em caso nenhum se deve por a abdicação da corôa a ElRei, ou este he um dos casos em que assento se deve por. O illustre Preopinante propoz unicamente o caso de embaraçar as eleições, com effeito este caso está bem tratado, e de certo não será possivel embaraçar as eleições por modo directo. Mas o artigo contem tres hypotheses distinctas, elle diz, dissolver, ou protestar pela dissolução, para aqui he que eu chamo a attenção do Congresso, para um caso moderno que leve lugar em S. Cloud. Bonaparte com uns poucos de granadeiros entrou na sessão dos 500, e pertendeu dissolvela. Isto he que he necessario prevenir. Póde acontecer chegar um dia em que um Soberano, ou o seu immediato queira dissolver as Cortes, e que se ponha á testa de uma facção, e que venha perturbar as Cortes; neste caso que póde muito bem acontecer, he que eu quero prevenido, e que se imponha ao Rei nesta hypothese a pena de abdicação da Corôa. Tambem o artigo diz, protestar, o Rei póde protestar por si, e por isso ou se deve tirar este caso, ou então por-se nelle a pena de abdicação da Corôa. Por isso assento que nestas duas hypotheses he de absoluta necessidade a emenda do Sr. Rebello.

O Sr. Miranda: - O illustre Preopinante lembrou o facto praticado por Napoleão quanto na Sessão dos 500; mas eu queria que elle me dissesse, se quando as Cortes chegarem áquelle caso se ha de ser o artigo da Constituição, que ha de salvar a Nação inteira. Certamente não. Naquella hypothese só a força fisica, he que póde repelir o mal; talvez que o illustre Preopinante esteja persuadido, o que eu não supponho, que o poder do Rei vem de Deos. Decerto que elle vem da Nação, e que o Rei que tão abertamente obra contra os interesses da Nação, deixa de ser Rei dessa Nação, he declarado inimigo da Pa-

Página 2443

[2443]

tria: o povo, e a Nação tem direito a voltar ao estado primordial das cousas, e por isso esta materia não póde ser objecto de um artigo Constitucional.

O Sr. Xavier Monteiro: - Posto que me parecão muito dignas de consideração as razões allegadas pelos illustres Preopinantes, com tudo não lhe supponho a força necessaria para desfazer os argumentos do autor da emenda. O Sr. Rebello que a propoz disse, que faltava a sancção penal logo que ElRei tivesse praticado algum daquelles factos prohibidos no artigo 70, e julgou que a pena que devia soffrer pelos ter praticado deveria ser a abdicação da Corôa, devendo tambem julgar-se traidores á Patria, aquelles que o aconselhassem. Os illustres Preopinantes que tem respondido aos argumentos do Sr. Rebello, parece-me terem satisfeito á primeira parte, mas a segunda fica sem resposta. Que cousa tão vaga como responsabilidade dos Ministros? Perante quem ha de ser esta responsabilidade? Dir-me-hão perante as Cortes. Mas se elles forem felizes na sua empreza, e obstarem a que haja esta reunião, perante quem hão de ser responsaveis? Perante a Nação? Logo então ha de haver uma insurreição? E pergunto. A insurreição contra as autoridades não he um acto illegal? Por tanto parece-me que não poderá haver duvida alguma em declarar traidores da Patria, ipso facto, aquelles que pretenderem impedir, ou obstar às eleições, e á reunião das Cortes. Isto já he alguma cousa mais: e deste modo já qualquer do povo póde matar aquelle, que attentar por este modo contra a liberdade da Patria, e será um meio para os transgressores do artigo não levarem á vante o seu plano. Deve pois declarar-se no artigo, que ficão declarados traidores da Patria, aquelles que pertenderem oppor-se a que se fação as eleições nos tempos determinados pela Constituição.

O Sr. Alves do Rio: - Eu insisto pelo addicionamento, a palavra protestar he bem clara; o Rei póde protestar sem intervenção dos Ministros, e por isso peço, ou que se risque, ou então que neste caso se ponha a pena de abdicação ao Rei.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu supponho que não he necessario por ao Rei a pena de abdicação em nenhum destes casos; porque se o Rei protesta, a maior pena he não se fazer caso do que elle diz, não o receber. O protesto ha de fazelo por si só, ninguem o recebe, uma vez que não venha assignado como he que ha de apparecer? Quem he que o ha de enviar às Cortes? Em fim isto he uma materia muito alheia do estado da questão. O que pertende evitar-se he que o Rei não embarasse as Sessões, que as Sessões sejão livres, que a representação seja independente. O protesto que o Rei faz, uma vez que não se faça caso delle, que importa que elle proteste? Mas oh! Se protestar imponha-se-lhe a pena de abdicação! Mas que pena tão desproporcionadissima ao delicto? Que delicio commette o Rei em protestar? Supponhamos que nas Cortes se decide uma cousa contraria aos seus interesses. Deve seguir-se isto, o mais que importa lá que proteste. Por isso, eu assentava que nem era necessario riscar a palavra, nem impor a pena de abdicação ao Rei. Pelo que pertence ao que diz o Sr. Xavier Monteiro he muito justo. Todos sabem que se devem impor penas, não só contra os que impedirem as eleições, mas contra todo e qualquer homem que attentar contra a segurança da Nação. He obvio que todos os que fizerem isto são declarados inimigos da Patria e traidores, não se segue porém que por elles o fazerem, seja licito a qualquer o matar uma autoridade, ou a um homem que se julga tal, porque em fim qualquer nunca se declara traidor da Patria, senão por uma sentença. Só depois disto he que qualquer tem o direito de matar a outrem. De mais, de duas uma, ou os projectos, e tenções, e tentativas dos que se pertendem oppôr a esta nova ordem de cousas, produzem effeito, ou não. Se não produzem effeito são castigados com todo o rigor das Leis, e se produzem effeito, então pergunto qual he o Tribunal em que se hão de julgar semelhantes homens? Porque então a força he que triunfa, e contra a força só póde obstar outra força. Então as Leis calão-se todas, porque só se faz ver a vontade daquelles que tem maior poder. Eu julgo que não só, não he necessario declarar que o Rei abdica a Corôa nesse ou naquelle caso, mas até entendo que he perigoso fazer esta declaração; porque isto vai dar a entender, que fóra deste caso nunca se entende que o Rei abdica a Corôa; porque entender-se-ha que o Rei succede na Corôa por direito divino, e não por nomeação da Nação. Se se declarar neste caso que o Rei abdica a Corôa, será necessario que se declare que elle abdica todas as vezes que attentar contra a liberdade da Nação, contra a segurança della, contra a sua independencia, e contra a sua soberania. Mas isto não he necessario, porque em todos estes casos se deve entender que o Rei abdica, porque mostra que he inimigo da Patria, e que he inimigo da Nação. Para mim he um principio certo, que se hão deve estabelecer semelhante artigo, porque estabelecer e declarar, que o Rei quando se oppozer às eleições abdica a Corôa, he o mesmo que dizer, que fóra destes casos e outros em que a abdicação he expressa, não se entende que elle abdica, porque aliás, entende-se que elle abdica, quando ataca a soberania da Nação, etc., e por tanto requeiro eu, que nunca se fale nisto. Fala-se no caso de casamento, fala-se na hypothese de sair para fóra do Reino, porque então como isto não ataca directamente a soberania da Nação, poderia entender-se que elle não abdicava. Isto está acautelado no projecto, porque assim se julgou absolutamente necessario; mas os outros casos, de certo não he necessario declaralos, porque todos muito bem sabem, que se acaso o Rei atacar a soberania da Nação, seja embaraçando as eleições, seja vendendo a Nação, contratando com seus inimigos, fomentando a guerra civil, seja por qualquer modo que perturbe o socego publico, que elle he indignar de governar entre os Portuguezes, que elle abdica a Corôa; por isso mesmo que o direito de governar a Nação, lhe he concedido tão sómente em quanto elle governar bem.

O Sr. Soares Franco: - Adopta-se, ou admittese a doutrina do paragrafo, questiona-se se se deve pôr uma sancção, e fala-se de dois individuos, fala-

3

Página 2444

[2444]

se do Rei, e ministros ou authoridades. Eu estou persuadido que não deve haver sancção relativamente ao Rei, e que não se deve falar nelle; porque em todos os casos que elle attentar contra a segurança publica, deve suppor-se, que ele tem abdicado a corôa; porém a respeito dos ministros não estou por isto. Diz-se que o ministro fica responsavel, se assignar ordens de similhante natureza. Mas pergunto, a responsabilidade deve marcar-se aqui, ou na constituição? Assento que se deve marcar aqui, porque os Preopinantes que tem dito que não deve pôr-se aqui, querem que se ponha no codigo, e outros querem, que se declarem aqui traidores da patria aquelles que assignarem ordens, ou concorrerem para a dissolução das Cortes, ou para embaraçarem as eleições; porque sem duvida aquelles que concorrem para alguma destas cousas, hão-de ter mais defficuldade em as pertenderem verificar.

O Sr. Moura: - Já o negocio está posto no ponto de declarar, qual hade ser a pena, que hade ter o Rei, ou o ministro, ou o conselheiro, ou o cidadão, que por modo hão legal se opposerem á liberdade publica, ou se opposerem ao ajuntamento das Cortes, ou influirem para que sejão dissolvidas. Os Senhores que estão nesta opinião, e que á força de muito pensar se tem reduzido a ella, eu os vou pôr n'um grande embaraço. Não he só impedindo-se as eleições, e disolvendo-se as assembléas legislativas, que se attaca directamente a liberdade politica da Nação, mas de outros muitos modos. Não só o Rei póde attacar esta liberdade politica da Nação impedindo, ou dissolvendo as assembléas legislativas, mas de outros muitos modos, não só os ministros deste modo, mas de outros muitos; não só os cidadãos deste modo, mas de outros muitos. He necessario pois, que na Constituição venhamos a fazer um codigo de delictos e penas de todos os casos em que o Rei, ou os ministros, ou os particulares attacarem a liberdade publica. Neste embaraço he que eu constituo os Senhores que seguem esta opinião, porque então não ha razão nenhuma para que se estabeleção as penas n'um caso, e hão se estabeleção no outro; neste embaraço he que eu constituo os illustres Preopinantes para que advirtão, que he preciso fazer o catalogo dos delictos, e
O catalogo das penas, e virá a converter-se a Constituição em um codigo penal.

O Sr. Xavier Monteiro: - O illustre Preopinante argumenta, que por isso que não se póde obviar a todos os inconvenientes, se não obvie a este; que por isso que não he possivel tirar 10, ou 12 defeitos, não se tire um. Isto não he assim. Devem-se declarar na Constituição traidores da patria aquelles que pertenderem impedir, ou embaraçar as eleições, e não se deve deixar isto, para o codigo penal. Porque quando teremos nós codigo penal? Não teremos eleições antes delle? Creio que sim.

O Sr. Abbade de Medrões: - Eu não acho que se trate aqui, nem da responsabilidade dos Ministros, nem de um homem que quer atacar os interesses da Nação. Aqui trata-se da força, ou violencia que o Rei póde fazer para dissolver as Cortes. Embora seja a sua pessoa inviolavel, mas eu acho que nesta hypothese se trata, ou delle perder a coroa, ou nós a cabeça? E qual das cousas será melhor? Eu o deixo á consideração deste augusto Congresso; mas eu julgo que em tal caso, se o Rei attentar contra as Cortes por meios ordinarios das autoridades e dos Ministros, embora sejão elles responsaveis. Mas se elle levar até o fim o seu projecto? Quem he que ha de castigar as autoridades? Em segundo lugar eu trato do que pode ser, delle pertender dissolver as Cortes por meio da força; e então não deverá perder a coroa? Dizem muitos Preopinantes que isto se entende em todo o caso em que elle attentar contra a segurança da Nação. Concedo, mas tambem parece-me que he bem feito que isto se ponha n'um artigo constitucional, para que a Nação toda saiba que se elle proceder deste modo, tem perdido o direito á coroa, e os que propugnão a seu favor, propugnão contra um homem que não tem justiça. A mim lembra-me que quando os Francezes aqui entrarão, declararão elles que o Sr. D. João VI. tinha perdido o direito á coroa; comtudo o povo não entendeu isto, e estando bem persuadido, que elle não tinha perdido este direito por se ter trasladado para os Estados do Brazil; e por isso quando tiverão occasião de se por em campo, todos reclamárão que aquelle era o seu Rei, e sustentarão a dynastia da casa de Bragança; por isso se se declarar na Constituição que o Rei impedindo as eleições das Cortes, ou dissolvendo-as fica sem direito á coroa, isto trará grandes utilidades, e a Nação fica já certa nestes principios. Eu estou falando do futuro, se eu soubesse que todos os Reis havião de ser como o Sr. D. João VI. não julgaria necessario este artigo, e por isso assento que será bom o declaralo.

O Sr. Ferreira Borges: - O artigo 70, que está em discussão acha-se debaixo da epigrafe que diz, regras relativas ás Cortes. Dão-se nesta parte as regras relativas ás Cortes; e no artigo 70, diz-se o Rei não tem direito a respeito das Cortes; observo pois um artigo que diz, que o Rei não tem direito a impedir as eleições, que não tem direito a impedir a reunião das Cortes, nem prorogalas, nem dissolvelas. He isto o mesmo que se acha escrito nas bazes artigo 27. Noto que nestas bazes não acho a sancção porque se pugna, por isso se o defeito he, não estar a sancção aqui; esse deffeito já vem de não estar nas bazes. Esta sancção, que se quer aqui para este lugar, tem duas partes, uma relativa ao Rei, outra relativa ás pessoas que derem ajuda ao Rei. Pelo que respeita ao Rei parece-me que não tem aqui lugar o declarar aquella pena, porque he claro que o Rei não tem direito a fazer taes acções, uma vez que pela Constituição lhe he prohibido; ou se isto he necessario, então para que o será o juramento, que existe no art. 1033, onde se diz (leu). Se o Rei pois jura, que ha de observar, e fazer Observar a Constituição, e além está determinada uma couza a que não tem direito, está claro que falta ao seu juramento; e por isso determine-se uma pena propria, que abranja todos os cazos; e por isso poderá seguir-se, que nesses cazos está incurso na pena geral em que incorre, não observando a Constituição. Por tanto parece-me, que não tem lugar,

Página 2445

[2445]

na declaração do que tem direito a fazer, o por-se apena. Pelo que respeita aos que derem ajuda, isto parece-me mais proprio do codigo, no entanto argumenta-se que não temos codigo, mas já temos a ordenação n.° 5.º quando diz as penas, que devem soffrer aquelles que dão ajuda contra a segurança do Estado.

O Sr. Presidente: - Está sufficientemente discutido? (Decidiu-se que sim). Pois então trabalharei por chamar esta questão ao ponto de clareza devida, sem todavia perder de vista as importantes reflexões, que sobre a materia do artigo se tem feito. Das reflexões feitas deduzo eu, que se podem suscitar tres questões que devem propor-se á votação: primeira se a materia do artigo tem lugar neste capitulo, ou se deve passar para outro lugar: segunda se deve approvar-se o artigo tal, qual está sem declaração alguma por não ser este o lugar proprio dessas declarações, não porque não devão valer as declarações, mas por não ser o lugar proprio dellas: terceira questão, se deve approvar-se o artigo, e juntamente as indicações que se tem feito sobre elle. Sendo pois estas as tres questões que tem occupado a materia da presente discussão; proporei primeiro: aquelles senhores, que approvarem o artigo tal, qual está, ou que o reprovarem, não pela materia, mas por não ser lugar proprio della, os que o approvarem digo, são os que se levantão, os que o reprovarem, devem ficar sentados. Venceu-se que era este o lugar proprio de tratar desta materia. O Sr. Presidente continuou - Está vencido ser este o lugar proprio desta materia. Proporei a segunda questão. Aquelles Srs. que approvarem o artigo tal, qual está concebido, por julgarem não ser este o lugar proprio para os additamentos, que se tem proposto levantem-se, os que forem de opinião contrariai, e entenderem que devem fazer-se aqui os additamentos deixem-se ficar sentados. (Decidiu-se pelos que se levantárão.) Agora he do meu dever continuou o Sr. Presidente, convidar o Sr. Rebello, e o Sr. Monteiro a apresentarem no lugar proprio as suas reflexões por escripto.

O Sr. Maldonado: - O lugar proprio parece-me aquelle artigo em que se trata dos casos em que o Rei perde o direito á coroa.
Passou-se ao artigo 71. Ao Rei he permittido assistir sómente á abertura, e conclusão das Cortes. Ellas não poderão deliberar em sua presença. Os seus Ministros, quando em nome delle vierem fazer algumas propostas, poderão assistir á discussão e falar nella, pelo modo que as Cortes determinarem: porem nunca estarão presentes á votação.

O Sr. Rebello: - Approvo o artigo tal, qual está, julgando desnecessarias as palavras pelo modo que as Cortes determinarem.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Isto quer dizer pelo modo que o regulamento das Cortes ha de determinar.

O Sr. Moura: - O illustre Preopinante quando fez as suas reflexões, parece-me que suppunha que as palavras pelo modo que as Cortes determinarem se referido ao falar do ministro, suppunha que as Cortes havião de dizer ao ministro como havia de falar, mas não he isso, o regulamento das Cortes ha de determinar o tempo, a occasião, e o lugar.

O Sr. Rebello: - He justamente porque aquellas palavras, aliás superfluas para a intelligencia do artigo, são susceptiveis dessa contradictoria interpretação, que devem ser supprimidas.

O Sr. Sousa Machado: - Diz o artigo que os Ministros d'Estado não poderão assistir ás votações. Se elles podem assistir á discussão, porque não hão de assistir ás votações?

O Sr. Bastos: - Eu sou de opinião que os Ministros de Estado possão assistir às votações. Pois se o povo póde assistir a estas, porque não os Ministros? Tanto respeito ou tanto medo infundirá na Assembléa um Ministro, que ella não seja livre na sua presença?
Poz-se á votação o artigo e foi approvado.
Passou-se ao art. 72: Na Sessão seguinte á da abertura das Cortes o Ministro da Guerra virá pessoalmente informar sobre o numero de tropas, que se achão acantonadas na capital e na distancia de doze legoas em redor, e bem assim sobre as posições que occupão; para que as mesmas Cortes possão determinar o que julgarem conveniente.
Foi approvado.
O Sr. Presidente propoz; se aqui era o lugar de se declarar, que os outros Ministros nas Sessões successivas devem apresentar os relatorios das suas repartições?
Decidiu-se que não.
Passou-se ao art. 73: A respeito das discussões, e de tudo o que for relativo ao governo e ordem interior das Cortes, se observará o regimento feito pelas presentes Cortes Extraordinarias, no qual se poderão fazer para o futuro as alterações, que se julgarem convenientes.

O Sr. Bastos: - Este artigo he ocioso, e contradictorio. He ocioso, porque tratando das discussões, e de tudo o que he relativo á ordem interior das Cortes, não prescreve regras algumas a respeito de uma, nem doutra cousa: he contradictorio, porque mandando observar um regimento que inda não existe, diz que nelle se farão para o futuro as alterações que se julgarem convenientes. Ora determinar-se aqui a sua observancia, he tornalo como uma parte da Constituição, e por isso inalteravel como ella, e só sujeito a reforma no tempo, e pela maneira estabelecida a respeito da mesma Constituição, e declaralo susceptivel de todas as alterações que se lhe quizerem ir fazendo, importa o mesmo que declaralo não participante da natureza da Constituição. Além de que será esse regimento mais perfeito, ou mais obrigatorio, falando-se aqui nelle, do que não se falando? Sou por tanto de voto que se exclua o dito artigo.

O Sr. Pinheiro Azevedo: - Aqui ha duas cousas a considerar. Haver um regimento he um ponto constitucional porque da sua ordem, e boa ordem depende todo o bom successo das discussões; agora ser este regimento permanente, de maneira que não possa alterar-se, isto não he constitucional, porque será conveniente, e muito conveniente que se altere.
O Sr. Pinto de Magalhães apoiou esta opinião.
Sem mais discussão approvou-se o artigo.
Leu-se o art. 74: Não podem ser eleitos Depu-

Página 2446

[2446]

tados os que não podem ser eleitores (art. 55) e além delles os que não tiverem renda suficiente para sua sustentação, procedente de bens de raiz, commercio, industria, ou emprego; os Bispos nas suas Dioceses; os Magistrados nos districtos da sua jurisdicção; os Secretarios e Conselheiros de Estado; os que servem emprego da Casa Real; e os estrangeiros posto que tenhão carta de cidadão. Os Deputados em uma legislatura poderão ser reeleitos para as seguintes.

O Sr. Bastos disse: Diz o artigo: não podem ser eleitos Deputados os que não tiverem renda sufficiente para sua sustentação: convenho; os homens condemnados pela indigencia a um continuo trabalho, e a uma dependencia continua, ordinariamente não tem os conhecimentos necessarios para tratar dos negocios publicos; e por outra parte não são mais interessados que os estrangeiros na prosperidade nacional. Em segundo lugar convem que a Nação confie nos seus representantes; e que confiança póde ella ter em homens, que pouco ou nada tem que perder? Exigir porém que os elegendos tenhão a renda necessaria para a sua sustentação he mui vago. Taes pessoas haverá que excluão (por exemplo) um proprietario de 1:200$000 réis de renda, e taes que votem noutro que apenas tenha de renda 100$000 mil réis, ou 200$000 réis, porque os primeiros se persuadirão que um conto e duzentos mil réis não será renda bastante. E os segundos que 100, ou 200 mil réis será renda de sobejo, especialmente sendo directas as eleições e figurando nellas pessoas de todas es classes. Á vista do que julgo indispensavel que se designe a quantidade de renda, que qualquer deve ter para poder ser Deputado de Cortes. Dir-se-ha que como esta as mais das vezes não poderá ser senão presumida, não se tira todo o arbitrio aos eleitores, mas não poderá negar-se que este methodo fica muito menos sujeito á arbitrariedade e ao erro, que o estabelecido no projecto.

O Sr. Annes de Carvalho: - As reflexões do illustre Preopinante são muito judiciosas, e com effeito o artigo he bastantemente vago. Sena por consequencia necessario que os redactores restringissem mais esta doutrina, tirassem o que ha de vago, e a contraissem mais, para assim se poder por em observancia, e para vermos se com effeito a renda que se sanccionava era sufficiente ou não; mas para isto era indispensavel que tivessemos uma estatistica que soubessemos o que cada cidadão paga de tributos. Isto ainda o não ha, nós não temos censo, nem temos estatistica, nem meio publico para conhecer quanto o cidadão tem de renda pouco mais ou menos, nem o teremos tão depressa; por isso se aqui se marcasse não haveria meio de saber se os cidadãos eligendos tinhão a renda decidida pela Constituição. Por isso porque a não temos não ha mais remedio do que nas presentes eleições, até que haja censo, contentar-mo-nos com um calculo que na verdade he alguma cousa vago.

O Sr. Bastos: - Diz o Sr. Annes que não temos censo, que não temos estatistica alguma por onde constem os tributos que pagão os cidadãos, e que por isso não ha remedio senão contentarmo-nos com a idéa vaga que nos apresenta a expressão do artigo. He precisamente o contrario do que elle pensa, não nos falta esse censo, essa estatistica de cuja carencia elle se queixa. Mas não he por ahi que se póde avaliar a quantidade de renda que tem cada cidadão, porque a nossa distribuição de tributos he mui irregular, afecta com muita desigualdade as diversas classes de cidadãos: taes ha que com menos metade de renda pagão mais de dobrados tributos que outros, e por outra parte não se precisa desse meio para se julgar aproximativamente a renda de cada um, ha outros dados outros meios mais seguros e mais ao alcance do povo especialmente fazendo-se as eleições por comarcas. Se os eleitores do Brazil devessem eleger os Deputados de Portugal, e os eleitores de Portugal devessem eleger Brasileiros, então só por meio de um censo, e de
uma estatistica exacta, elles poderião vir no conhecimento das circunstancias dos elegendos, mas ao povo de uma comarca he mui facil informar-se, e adquirir os necessarios conhecimentos das qualidades pessoaes e externas dos elegiveis, sem recorrer ao calculo falivel dos tributos que elles pagão.

O Sr. Annes: - Não creio que seja exacto o que diz o illustre Preopinante que os eleitores sabem quanto tem de renda os elegendos. Sabem que tem renda bastante e sufficiente, mas quanto não sei que elles saibão, e senão o sabem com exactidão, e mesmo sem aproximação, não sei como possa ter lugar o que diz o illustre Preopinante; por isso reduz-se isto a este facto; se he evidente que os visinhos de qualquer comarca sabem quantos cidadãos daquella comarca tem de renda. Eu pela minha parte, confesso que não sei pelo que toca á minha comarca, e da terra onde resido, e assento que muitos estarão nas mesmas circunstancias.

O Sr. Miranda: - Não comprehendo as razões dos Illustres Preopinantes, no entre tanto o que eu sei he que não devemos restringir a liberdade dos cidadãos no que pertence a eleições. Se acaso se verificasse o que diz o artigo, a lista dos elegiveis seria muito pequena. Nas actuaes circunstancias he até impolitico estabelecer-se uma certa renda sem a qual não se podem eleger Deputados, estes ou aquelles. Para o tempo futuro poderá isto ser, porém para o tempo presente julgo isto desnecessario e até contrario ao bem da Nação. Por isso voto que não haja renda determinada, e que seja eleito todo aquelle sobre que recair a maioria de votos.

O Sr. Caldeira: - Parece que o objecto do artigo he declarar quaes as qualidades que deve ter qualquer cidadão para ser eleito Deputado: e quaes os defeitos porque póde ser excluido. Nota-se primeiramente que não deverá ser eleito Deputado o que não tiver meios para subsistir, isto parece-me muito justo, porque não me parece que um homem que não tenha meios de subsistir, ainda que tenha talentos seja admittido a Deputado, porque o seu voto não será muito livre; mas estabelecer uma quota determinada para a subsistencia, isto será impossivel porque aquillo que hoje se julga sufficiente, daqui a um anno póde
não o ser, e deve alterar-se: e por tanto essa quota não póde fazer objecto do artigo constitucional.

Página 2447

[2447]

O Sr. Maldonado: - Não póde passar a doutrina sobre que se discute, e que faz dependente, de certa renda a eleição dos Deputados. Acho esta doutrina em opposição ao artigo 13 do titulo primeiro onde se diz que todo o cidadão deve ser admittido aos cargos publicos sem outra distincção que não sejão merecimentos e virtudes. Um homem sem renda, alguma póde ter talentos e virtudes, que o habilitem para todo o cargo publico; por isso a doutrina estabelecida no artigo está em opposição com a já estabelecida.

O Sr. Peixoto: - Este artigo das bases só quer dizer, que o nascimento não confere direito exclusivo, ou de preferencia para emprego algum; mas não exclue as habilitações das qualidades, que qualquer cidadão póde adquirir. Já se tem repetido isto mais vezes, e o projecto de Constituição o reconhece em alguns artigos, onde estabelece a necessidade de habilitações para alguns empregos: com tudo não concordo com o principio de exigir nos elegendos para Deputados rendimentos sufficientes, pelos quaes possão alimentar-se: desejara, que houvesse todo o escrupulo nas regras para as eleições, e até na qualificação dos eleitores: e quizera, que só se admitissem a votar os cabeças de casa, que tivessem alguma propriedade, de que pagassem decima, ou algum estabelecimento, que os ligasse á pátria; sendo excluido o simples jornaleiro, e todo o homem, que vive de favor; porém depois de bem reguladas as eleições, não posso admittir, que se coarte a liberdade dos vogaes: devemos esperar, que aquelle sugeito a quem elles, conduzidos pelo impulso da sua consciencia, devem a preferencia, será esse o melhor Deputado; tenha, ou não tenha o pertendido rendimento. Póde haver homem, que depois de ter seguido a carreira das letras, se acantone por falta de ambição, ou por outro principio honesto; e no retiro pela advocacia, ou por outro meio, ainda sem fundos permanentes, apenas consiga uma subsistencia frugal; póde haver outros casos similhantes, em que á homens mui benemeritos, á homens, que gozem o melhor conceito publico, falte a qualidade accidental de terem a renda sufficiente para a sua subsistencia; e não julgo conveniente; que por esta só causa sejão excluidos de eligendos. Regulem-se bem as eleições, e deixesse nos votantes na escolha toda a possivel latitude.

O Sr. Presidente: - Parece-me que deverei propor á votação simplesmente se o Deputado deve o não ter renda sufficiente para a sua sustentação, ou se a renda deve ser designada numa cóta ou não.

O Sr. Bastos: - Desejo que os illustres redactores do projecto me digão se esta palavra emprego significa emprego publico. (Disserão que sim.) Pois então peço a palavra. Num contrato solemne entre a Nação, e a dynastia actualmente reinante em Inglaterra, estipulou-se que toda a pessoa que tivesse officio, ou lugar proveitoso proveniente do Rei, ou que recebesse pensão da coroa seria incapaz de ser membro da camara dos communs. Em todas as Constituições dos Estados Unidos d'America todo o emprego, todo o cargo, toda a funcção, que liga directa, ou indirectamente, aquelle que a exerce ao poder publico, seja administrativo, executivo, ou judicial, o exclue absolutamente das assembleas representativas.
O Sr. Presidente interrompeu dizendo, a discussão deve meramente versar sobre a independencia que se julga necessaria naquelles que vão julgar dos destinos da Nação relativamente ao seu rendimento. A exclusão que deve haver por outros principios, he marcada noutro paragrafo; aqui trata-se aquelle que he nomeado Deputado em rasão da liberdade que deve ter, da independencia em que deve estar de todo o resto dos cidadãos, deve ter uma renda. He sobre esta idéa que deve versar a discussão.

O Sr. Bastos: - Pois he a isso que eu inclino as minhas reflexões, guardava-as para o resto do artigo, mas perguntei primeiro se a palavra emprego comprehendia os empregados publicos, disse-se que sim; por tanto quero demonstrar que todo aquelle que tiver rendimento proveniente de empregos publicos não deve ser admittido nas assembleas legislativas. Dizia eu que não só na Constituição ingleza, mas em todas as Constituições dos Estados Unidos d'America, todo o emprego, todo o cargo, toda a funcção, que liga directa ou indirectamente aquelle que a exerce ao poder publico, seja administrativo, executivo, ou judicial o exclue absolutamente das assembleas representativas, o que não póde vir do desejo de fazer populares estas assembleas, porque na America unida desde o ultimo cidadão até ao Presidente, tudo he povo. O motivo acha-se n'um sentimento profundo da incapacidade natural a todo e homem para exercer funcções contradictorias. Quem hade pensar que um mesmo homem possa representar a um tempo dois papeis inteiramente repugnantes? Devidir-se entre o desejo de ser desposta, que anda annexo ao poder, e o desejo de extinguir a arbitrariedade. Entre o interesse dos grandes ordenados, provenientes dos tributos, e o interesse de diminuir os tributos. Ser governados o menos possivel, e o mais barato possivel, tal he o fim que devem propor-se os povos, quando tratão de reformar seus governos: mas eis-aqui o que os empregados publicos nem ao menos podem ouvir. Tente-se persuadir a um Ministro, a um Conselheiro d'Estado, a um Governador, que o bem publico não exige que elles exercitem um poder muito extenso, ou que gozem uma grande renda; e veja-se se ha forças humanas que os convenção. Por outra parte um dos grandes perigos das assembleas legislativas he o de fazerem leis demasiadamente fracas para os fortes, e demaziadamente fortes para os fracos. Para evitar este perigo he necessario que os legisladores em lugar de pertencerem ás classes poderosas, e consequentemente privilegiadas saião das classes particulares e ahi tornem a entrar depois de acabadas suas funcções. He necessario que aquelles a quem o povo dá a faculdade de lhe fazerem as leis, estejão seguros de lhes virem a ressentir todo o pezo, he necessario que se lembrem de que logo que houverem terminado a obra de que estão encarregados, e trahido a confiança da Nação se tornarão simplices particulares como dantes erão, e sem força e sem meios de rezistir á maligna influencia das leis que estabelecerão. Accresce que os empregados publicos são criados d'ElRei, seus depen-

4

Página 2448

[2448]

dentes, e nestes termos homens sem a necessaria liberdade para tratarem dos grandes interesses da Nação. He preciso pois excluilos das assembleas legislativas. Os homens proprios para figurarem nellas, são aquelles como já indiquei, cuja existencia he toda particular, que não recebem do Governo honorarios nem pensões, e cujos interesses não estão em opposição com os interesses do Estado. Além de que chamando-se por exemplo um Bispo para Deputado de Cortes, priva-se um grande rebanho dos soccorros espirituaes, que elle talvez melhor que ninguem lho podia prestar. Chamando-se um General priva-se talvez o exercito do seu melhor Commandante. Chamando-se um Magistrado que reuna uma grande superioridade de conhecimentos e virtudes, privão-se os povos daquelle que mais capaz era de lhes administrar a justiça. He por tanto o meu voto, que á parcial exclusão do artigo se substitua uma exclusão absoluta, isto he, que se determine que nenhum empregado publico possa ser eleito Deputado de Cortes.

O Sr. Moura; - Que alguns empregados publicos sejão excluidos de serem representantes da Nação; convenho, pela influencia que o seu governo lhe póde dar nas Assembléas dos votantes; mas que todos os empregados publicos sejão excluidos pela connivencia que podem ter com o poder executivo, de nenhum modo; porque se a isso attendessemos, em mais circunstancias estão de serem corrompidos os que não tem empregos, do que aquelles que os tem, pelo menos estão no mesmo caso; porque os que tem empregos já tem alguma cousa donde subsistão, e os outros não, e por isso estão mais em circunstancias de serem corrompidos. Esta materia he muito longa, tem dado assumpto a grandes discussões, e deve ser tratada com muita particularidade. Eu acho que he mais provavel a connivencia dos elegendos, quando elles dependem do poder executivo para terem emprego, do que a connivencia dos que já o tem.

O Sr. Bastos: - Eu não me fundei só na connivencia de que falla o Sr. Moura para exclusão dos funcionarios publicos. Por consequencia os meus outros argumentos ficão em pé, este mesmo o fica, pois quem póde acreditar que em mais circunstancias estão de se bandearem com o poder executivo, ou de se deixarem corromper por elle, os que não tem emprego algum, ao que os que tem, ou que comparação ha entre a independencia dos primeiros, e a dependencia ou cega escravidão dos segundos? Estes, diz elle, nada tem que ambicionar, e aquelles aspirão a ser empregados. Ao contrario os empregados desejão ser promovidos a maiores empregos, e nenhuma razão ha para querer, e menos para avançar que os que nunca tentarão entrar na esfera do poder, ardão nesses desejos.

O Sr. Moura: - O Illustre Preopinante avança uma proposição muito gratuita; porque elle propõe absolutamente que os que não tem empregos não os querem. Eu vejo que os que tem empregos devem estar mais satisfeitos, e he mais provavel de suppôr saciados os que tem alguma porção de emprego, do que os que não tem nenhuma. Isto he mais analogo as communs inclinações do coração humano. E as razões não convencem que mais se propenda para um lado do que para outro. Examine-se bem o homem, e veremos que a opinião he ainda mais conforme á geral maneirai de pensar que a do illustre Preopinante.

O Sr. Baeta: - Eu concordo com a doutrina expendida pelo Sr. Bastos: tambem estou persuadido que os que tem empregos publicos não hão de obrar tão livremente no desempenho das suas funções como Deputados, como aquelles que os não tem. Respondeu o illustre redactor do projecto que era uma supposição gratuita a do Sr. Bastos; mas o caso he que os que não tiverem empregos quando estiverem neste recinto estão lutando por interesses que não conhecem, e os que possuem, lutão e procurão augmentar esses que possuem, trabalhão, e põem nisto todos os esforços, e procurão por todos os meios adquirir novos e maiores empregos; isto he claro, e não ha ninguem que a não conheça, por isso os argumentos que produziu o illustre Preopinante o Sr. Bastos tem toda a força; não são uma supposição gratuita. De mais o argumento do Sr. Moura, e o mais forte he, que os que tem empregos já tem alguma cousa, e não aspirão tanto como os outros, isto he um erro, porque muitas, e muitas vezes no meio da moderação e da pobreza se vê a independencia, quando pelo contrario no meio das riquezas se vê o desejo de as augmentar. Crescit amor nummi, quantum pecunia crescit.

O Sr. Caldeira: - A mim agradão-me muito aquellas doutrinas, e aquellas opiniões são muito conformes aos meus sentimentos, mas devemos figurar os inconvenientes que dali resultão! Se excluirmos todos os empregados como ha de ser? Onde se hão de ir buscar Deputados capazes? Devemos suppor que os empregados publicos hão de ser aquelles que tiverem melhores qualidades e melhores merecimentos. Tem-se mesmo visto que elles tem adhesão a este systema; e por isso parece-me que não devem ser exceptuados todos, porque se se excluem os eleitores vão-se expor á contingencia de eleger um, de que não tenhão todo o conhecimento, e um conhecimento como d'empregados publicos.

O Sr. Bastos: - O illustre Preopinante assenta, que não teremos de que compor dignamente as nossas Assembleas, excluidos os empregados publicos. He um erro manifesto. Não nego que ha empregados publicos de muito merecimento: mas não concedo que seja esta a classe mais instruida da Nação. Reflicta-se sobre a maneira porque tem sido conferida a maior parte dos empregos. Na antiguidade todos os homens livres erão homens de estado: e porque fatalidade agora, entre trez ou seis milhões de homens livres, não poderemos achar 100, ou 200 homens de estado, sem recorrer aos funccionarios publicos. As classes productoras são aquellas que eu julgo, são aquellas que grandes politicos tem julgado proprias para comporem a representação nacional. Quando se tratar de remover os obstaculos que se oppõem aos progressos de Agricultura, quem poderá deliberar com tanto conhecimento, e com tanto acerto como os Agricultores. Quando se tratar de fazer prosperar o Commercio quem melhor poderá atinar com os meios de que os commerciantes. Quando se tratar de resti-

Página 2449

[2449]

tuir á vida nossas extinctas manufacturas, quem melhor poderá lembrar os remedios do que os fabricantes a quem até aqui se dava tão pouca importancia, e a quem para o futuro se deve dar a maior possivel? Em todas estas classes ha pessoas muito instruidas. E se se lhes quizerem juntar verdadeiros homens de letras, muitos se acharão cultivando as sciencias n'uma vida particular. Suppor a nação Portugueza nas trevas da ignorancia, he fechar os olhos á evidencia, e fazer aos Portuguezes a maior das injurias.

O Sr. Annes: - O illustre Preopinante suppõe que todos os cidadãos estão capazes de serem legisladores. Argumenta com o exemplo da antiguidade sem duvida refere-se á republica Grega e Romana. Deve advertir o illustre Preopinante que nessas republicas todos os cidadãos tinhão logo uma educação propria para o que havião de exercitar, elles tinhão todos os dias uma escola de politica, porque todos os dias se empregavão em legislar, e elles juntavão facilmente á instrucção, tudo quanto era necessario para este fim pois que sabemos que os trabalhos estavão entregues aos escravos, e os cidadãos erão só para aquelle fim. Porém isto não póde ter applicação no nosso caso. Nas sociedades modernas, e principalmente em uma monarquia absoluta, e que passa a ser constitucional, os cidadãos presentemente não se acharão todos capazes. Por isso o argumento que se deduz das republicas da antiguidade em nada he applicavel às circunstancias da nossa sociedade. Quanto ao argumento, ou enumeração que fez o Illustre Preopinante de que ninguem sabe melhor o que convem á agricultura do que o agricultor, ninguem melhor do que convém ao commercio, do que o commerciante, et sic de caeteris. Direi que em quanto a essa parte referindo-se ao lavrador, este sabe bem o que convem aos seus interesses particulares, mas no entanto não sabe de mais nada. A respeito dos commerciantes conheço alguns que estendem os seus conhecimentos a bem da arte em geral, mas esses são muito poucos, e acaso tem elles as suas cabeças bem fornecidas para serem legisladores? De mais, vamos examinar se he possivel existir uma legislatura excluindo-se todos as que tem emprego publico quer dizer todos os que estão empregados, ou em julgar, ou ensinar em fim todos os que tem alguma relação com a ordem publica. Conseguintemente todos os professores do Reino estavão excluidos, não sómente os da universidade, mas todos os que estão postos á testa da educação publica. Em segundo lugar estavão excluidos todos os que são Ministros da religião, e da moral. Eu não quero dizer que todos sejão sufficientes, mas não póde duvidar-se que nestas classes se achão homens muito instruidos, homens muito capazes. Em terceiro lugar serão excluidos todos os nossos magistrados, todos empregados em cousas graciosas, e administrativas. Em uma palavra serião excluidos todos aquelles que recebem uma educação propria para formarem bem o seu entendimento, e conceberem informações geraes. Vimos por tanto a reduzir o numero dos Deputados de Cortes a uma classe muito pequena, e vimos a restringir muito a liberdade da Nação, porque os
eleitores vem a ter um circulo muito pequeno elegerem os Deputados, e eu acho que nada ha mais conveniente na materia de eleições, do que alargar a liberdade dos cidadãos quanto seja compativel com a segurança, e com o bem publico. Assento que se devem excluir alguns empregados, que tenhão uma dependencia muito immediata da coroa, mas os que não tiverem uma dependencia tão grande, não devem ser excluidos.

O Sr. Moura: - Os argumentos do Sr. Bastos a favor dos fabricantes, e dos lavradores serião muito influentes, se se tratasse de excluir estas classes, mas não se trata de as excluir. Estas classes são igualmente chamadas a todas as participações dos importantes direitos annexos á representação nacional; não são pois excluidas, e senão são excluidas, não valem os seus argumentos de nenhum modo. Em quanto aos argumentos do Sr. Baeta, confesso que ouvindo-os ficou abatido o meu amor proprio, quando vi taxadas as minhas razões de absurdas, e de erróneas, e então esperava que se me apresenta-se uma razão que destruisse palpavelmente os meus argumentos. O illustre Preopinante diz que eu me fundo em uma supposição, mas se eu me fundo em uma supposição, elle funda-se em outra. Elle diz. He mais fácil a corrupção nos que estão empregados, do que naquelles que não estão; e porque? Vem um dito do poeta em apoio deste argumento, quantum pecunia crescit, e mais nada; não vem o essencial, que era provar porque he mais facil a corrupção nesses do que nos outros. Ora, se os ditos dos poetas fundão argumentos, tambem eu posso dizer = Quid non mortalia pectora cogis auri sacra fames = para provar que todos desejão poder, e honra tanto os empregados, como os não empregados. Todos os peitos mortaes estão sujeitos á influencia do numus; e então esta influencia do numus verifica-se tanto naquelles que estão empregados, como nos que o não estão. Porém eu com ditos de poetas não sei responder, ou fundar os meus argumentos; a minha resposta está só que quando a ambição não seja mais de suppor n'uns do que nos outros, pelo menos estão em igual paralello.

O Sr. Baeta: - O illustre Preopinante não respondeu ao argumento que eu offereci, de que os Empregados publicos tinhão alguma cousa de real que defender e com a qual misturassem os seus interesses com os da Coroa, e pelo contrario os que não tinhão emprego algum, não tinhão interesses nenhuns mais a defender do que os da Nação. O dito do Poeta foi para responder ao argumento, que por alguns Preopinantes se tinha feito, foi para rebater uma segunda instancia.

O Sr. Abbade de Medroes: - Eu quero que todo o Cidadão tenha uma ampla liberdade sobre quem ha de fixar a sua escolha. He justo que sejão excluidos alguns individuos, por isso se excluem os Conselheiros, os Magistrados nos districtos da sua jurisdicção. Os primeiros porque, já estão muito sugeitos á influencia do Rei, e por isso podem ser nocivos, mas agora dizer que taes classes devem ser excluidos, isto acho que he atacar não só o direito de todo o Cidadão que he igual diante da lei, mas a liberdade dos

Página 2450

[2450]

eleitores, que ninguem deve restringir a sua escolha. Diz-se que se devem excluir todos os que tiverem emprego, então fica muito restringida a liberdade sobre quem hão de recair as eleições. Eu então não sei se formos a fazer uma enumeração, ver-se ha que os empregados publicos fazem uma grande lista, e se o povo quer fixar a sua escolha, para que se lhe ha de tirar a liberdade. Muito embora recaia a eleição sobre os Lavradores, sobre o Artista; mas porque não ha de tambem cair sobre os Professores de instituição, ha alguma razão de dizer que estes hão de ter interesse em prevaricar contra a liberdade da Nação? Um Empregado publico em que póde ter interesse, he em se manter, e em se conservar, mas daqui em diante um Empregado publico não póde manter o seu emprego, senão desempenhando as suas obrigações, e por isso não póde bater duvida em poderem ser eleitos; por isso voto que os eleitores possão eleger quem quizerem; porque o mais he restringir a liberdade de eleger. Todo o Cidadão he igual diante da lei; por conseguinte; esta distincção, esta exclusão de classe offende a igualdade dos Cidadãos. Restrinja-se com effeito aos Conselheiros, e alguns outros que se presumão que elles mais tratarão dos interesses do Rei, de que os da Nação, mas não as outras classes.

O Sr. Araujo Lima: - Diz-se que devem ser excluidos do cargo de Deputado todo aquelle que for empregado publico; e isto com o simples argumento de que, para assim dizer, os empregados publicos sempre hão de favorecer os interesses do Rei; e com o fundamento de dizer que elles são suspeitos a favor de si mesmos, que procurarão mais os seus interesses proprios do que os da Nação; de sorte que se desconfia sempre dos empregados, e não se desconfia dos não empregados. Temos pois duas classes de homens, empregados e não empregados, estes são aquelles que se dão inteiramente a uma vida particular, e os que aspirão aos empregos; por isso não se desconfia nada dos não empregados, e desconfia-se tudo daquelles que o são, quando esta he a classe de que não se devia desconfiar. A respeito dos empregados uns tem um titulo perpetuo, tem uma escala certa por onde hão de augmentar-se nos seus empregos, e por isso não sei agora que receio se possa ter delles, e para que se ha de desconfiar delles; e dos outros que parece que devia desconfiar-se he que não se desconfia. Outro argumento em que se fundou um illustre Preopinante era de que os empregados tinhão já uma causa real que defender; para refutar este argumento he que eu me levantei, não ha homem que não tenha cousa real que defender. O negociante ha de defender a favor do commercio, o agricultor ha de defender a favor da agricultura; o commerciante ha de falar a favor do commercio contra a agricultura, o agricultor contra o commerciante; por isso se se desconfia que os empregados tem cousa real que defender, então tambem se deve por este principio excluir o artista, o negociante, e o agricultor; porque estes tambem tem cousa real que defender.

O Sr. Correa de Seabra: - Já estão lembrados, e bem ponderados os inconvenientes que resultarião, e se seguirião da exclusão dos empregados publicos da representação nacional, e por isso só accrescento, que a tal exclusão até he muito perigosa, porque traria á nova ordem de cousas mais outros tantos inimigos, quantos são os empregados publicos; e por isso regeito inteiramente tal opinião, e approvo o projecto. Como me levantei lembro á consideração do Congresso, que talvez conviesse para promover o commercio nacional conceder a representação tão sómente aos do commercio dos generos nacionaes; tambem me parece que a classe da industria só se deve conceder tendo estabelecimentos de industria.

O Sr. Rebello: - A materia está de tal forma discutida que supponho não ficará lugar senão a fazer uma, ou outra reflexão. Principiarei por dizer duas palavras sobre o que diz o illustre Preopinante. Sem duvida não podem ter lugar as suas reflexões. Trata-se de admittir segundo a hypothese do artigo as pessoas que tiverem renda sufficiente, ou de bens de raiz, ou de commercio, ou de industria, ou de emprego. Por isso quando qualquer destas classes tiver renda sufficiente, está comprehendida nos indicações do artigo, sem serem precisas as clarezas do illustre Preopinante. Agora he preciso declarar a minha opinião de que não ha nem póde haver motivo de excluir os empregados publicos. As razões produzidas pelo Sr. Bastos tem sido verdadeiramente refutadas, o mesmo Sr. Bastos parou e não póde continuar a enumeração que havia principiado. Disse que se se tratasse de commercio os commerciantes he que podião tratar melhor de materias relativas a commercio; se a respeito de agricultura os agricultores serião aquelles que melhor tratassem desta materia: entretanto não falou, nos outros differentes ramos de administração publica em que havia fazer apparecer homens versados nos objectos de finanças, administração de justiça, arte militar, etc., conclue porém, os empregados publicos, talvez não se lembrando que a vantagem principal de um Congresso he a reunião de todos os bens theoricos, e politicos; e o seu principal objecto a formação das leis; sendo certo que são poucas as leis, que não firão todas as cordas da administração publica; que nenhum funccionario, individuo, ou classe possue cabalmente só por si. Diz o illustre Preopinante que os empregados publicos tem contra si uma presumpção de que ha de defender aquella partilha que mais particularmente lhe tocar, e misturar os seus interesses com os da Coroa. Não ha maior illusão. O empregado publico segundo a Constituição que vamos a estabelecer tem direito de ser conservado no seu emprego em quanto não commette crime, pelo qual haja de ser excluido; não depende por tanto do Rei, nem para a sua conservação no emprego, nem para deixar de ser excluido, se por erro, ou crime assim o merecer, sem que ElRei lhe possa remittir a sancção do julgado que o tiver excluido: o empregado publico pois tem com o seu mesmo emprego tal independencia do Rei, que dos mesmos principios do illustre Preopinante deduzo eu argumentos contrarios; o empregado publico não póde ter interesse em fazer a corte ao Poder executivo, quanto mais que já está acautelado que os representantes da Nação nem durante o tempo da sua deputação, nem ainda por al-

Página 2451

[2451]

gum espaço de tempo subsequente a elle, podem adquirir emprego algum do Rei, nem solicitar graça alguma. Demais em um paiz, que passou de uma Monarquia absoluta, a uma Momarquia constitucional, he necessario reconhecer a esterilidade que resulta de homens do Estado, homens capazes de tomar assento neste Congresso. Se por ventura attendendo ao estado em que tem estado Portugal, ha algum modo de constituir bem a representação nacional, he deixando livre arbítrio de nomear para Deputados aquelles que tem exercitado algum emprego publico, porque estes tendo por uma parte o conhecimento, e experiencia dos negocies administrativos, e pela outra a confiança dós povos, trarão para o augusto Recinto os cabedaes e conceito que se desejão em um Deputado de Cortes. Observando porem que tem chegado a hora de fechar a Sessão, restrinjo o meu voto a estar pela eligibilidade dos empregados públicos; reservando para a discussão seguinte falar sobre as restricções do presente artigo.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Parece-me que esta materia deve ficar adiada, por isso que já deu a hora; e mesmo porque uns vierão preparadas para ella, e outros não.
O Sr. Freire offereceu uma emenda para serem excluídos os Coronéis de milícias no districto dos seus regimentos.
Ficou adiada a discussão.
Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia o projecto das aguas ardentes, o parecer da Commissão de agricultura sobre a intelligencia do decreto de 24 dê Maio do corrente anno, e de cabendo no tempo, a conclusão do projecto sobre egressos, e o parecer da Commissão militar sobre cobrança de soldos.
Levantou-se a Sessão á uma hora. - João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

DECRETO.

As Cortes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação portugueza, attendendo ao que lhes foi representado por Alexandre José Gervazoni, natural de Génova, e Capitão de artilheria em Portugal, aonde mostra haver continuamente residido por espaço de trinta e três annos, tendo servido no corpo de artilheria desde o anno de 1801, havendo desempenhado honrosas commissões, e obtido postos e condecorações por seu bom comportamento, sendo além disso casado com D. Anna Maria Franzini natural de Lisboa; o que tudo prova uma decidida affeição a este Reino: concedem ao supplicante Alexandre, José Gervazoni carta de naturalização sem dependência de outra alguma diligencia, para que possa gozar de todos os direitos e prerogativas que competem aos naturaes deste Reino Unido de Portugal, Brazil, e Algarve. Paço das Cortes em 23 de Setembro de 1821.
- João Maria Soares Castello Branco; Presidente.
- António Ribeiro da Costa, Deputado Secretario.
- João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para José Ignacio da Costa

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinárias da Nação portugueza, attendendo ao que lhes foi representado, proposto, e offerecido por alguns portadores de letras do Commissariado; autorizão o Governo para que possa receber as letras do Commissariado dos annos de 1814 até 1816, se juntamente com ellas entregarem seus portadores um valor triplo em cedulas ou titulos, legalizados pela Commissão de liquidação da divida publica; mandando-lhes nesse caso passar apólices pela Junta dos juros dos novos empréstimos por a metade do valor total dessas letras e cédulas ou títulos, cedendo em beneficio do Thesouro publico a outra ameeade, que os próprios portadores espontaneamente offerecem para esse fim, e ficando averbadas, cortadas, e emmassadas as mesmas letras, cedulas, e títulos; as quaes apólices serão da mesma natureza das do segundo empréstimo, e vencerão desde o 1.º de Janeiro de 1833 o juro de 5 por cento, pago pela caixa da amortização da divida publica, por onde será tambem remido o capital quando as forças da caixa o permittirem, e for ordenado pelas Cortes, entrando esses credores em concurrencia com os mais credores do Estado. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 28 de Setembro de 1831.- João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes, e Extraordinárias da Nação portugueza mandão perguntar a V. Exca. por ordem de quem foi alterada a lei da creação da Commissão de liquidação da divida publica, pois que do mappa geral do mez de Agosto consta haver recebido do Thesouro publico oito contos de réis a titulo de consignação, quando pela dita lei da creação lhe não compete attribuição alguma de despender dinheiro por conta da Nação. O que communico a V. Exca. para sua intelligencia e execução.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 28 de Setembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

Página 2452

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×