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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 191.

SESSÃO DE 4 DE OUTUBRO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do Sr. Castello Branco, leu-se a acta da Sessão antecedente e foi approvada.

Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente mencionando os seguintes

OFFICIOS.

Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Manda El-Rei remetter ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza as inclusas informações do Deão, Governador do bispado d'Elvas, e do respectivo Cabido, acompanhadas dos mappas, e relações do estado ecclesiasttco do dito bispado, e rogo a V. Exca. queira levar tudo ao conhecimento do Soberano Congresso, a quem deve ser presente em execução das suas ordens.

Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 2 de Outubro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras - José da Silva Carvalho.

Remettido á Commissão Ecclesiastica de reforma.

Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Sua Magestade manda remetter ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza a conta inclusa do Intendente Geral da Policia, na data de 30 de Setembro proximo pastado, e os documentos a ella juntos, que comprovão as providencias, que pela mesma Intendencia da Policia se tem dado para a aprehensão dos ladrões, e salteadores, que infestão este Reino, e para occorrer ao contrabando dos generos cereaes, e o fructo que ellas tem produzido; e manda outro sim remeter ao mesmo Soberano Congresso a copia inclusa da circular, que se expediu pela Secretaria d'Estado dos negocios da justiça, em data de 28 do mez passado, a todas as justiças para a captura dos ladrões e assassinos, a fim de que tudo chegue ao seu conhecimento.

Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 26 de Setembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - José da Silva Carvalho.

Ficárão as Cortes inteiradas, e remetteu-se o officio á Commissão de justiça criminal.

Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Tendo vindo ao conhecimento de Sua Magestade que um religioso carmelita descalço, chamado Fr. Manoel das Dores se achava encerrado havia annos em um carcere, no convento de Olhalvo, e condemnado a viver assim toda a sua vida, Sua Magestade mandou immediatamente dar a seu respeito as providencias, que constão da portaria de 22 de Setembro proximo passado, que vai por copia N.º 1.; e tendo ellas produzido o seu devido effeito , conheceu pela informação do Corregedor da Comarca de Alemquer de to do dito mez, que leva o N.° 2., a má vontade que os outros Religiosos tinhão áquelle desgraçado, e em consequencia fez logo expedir as providencias, que constão da Portaria, copia N.º 3., expedida em 26 do mesmo mez, mandando remover do referido Convento para o dos Franciscanos da villa de Alemquer; mas quando o Corregedor contava executar as ordens de Sua Magestade, achou, com bastante admiração sua, alguma repugnancia da parte do mencionado religioso, como diz na sua informação N.º 4, projectando assim mesmo effectuar adeligencia da remoção no dia immediato, no qual foi avisado de que o dito religioso havia falecido; e tendo-se verificado o seu falecimento, mandou fazer-lhe dissecção no seu cadaver, e as mais escrupulosas averiguações a fim de se conhecer a causa da sua morte, e assentarão os facultativos que ella linha sido natural. Sua Magestade em consequencia ha por bem que seja patente este facto ao Soberano Congresso, assim como todo o processo formado, e as sentenças que intra claustro se

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proferírão contra aquelle infeliz, para que o Congresso fique cabalmente inteirado de um acontecimento, que muito magoou o seu real coração.
Deus guarde a V. Exc. Palacio de Queluz em 2 de Outubro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras - José da Silva Carvalho.

O Sr. Franzini: - Esse facto he muito notavel. O illustre Deputado o Sr. Borges Carneiro teve noticia no lugar em que se acha actualmente, que esse desgraçado frade estava encerrado n'uma masmorra ha 16 annos; e em consequencia querendo acudir a tão grande mal, enviou-me uma indicação para eu fazer a leitura d'ella neste soberano Congresso. Entretanto a mim pareceu-me, que isto traria inconvenientes, e assentei que seria melhor remediar este mal de outra maneira. Dei parte disto ao Ministro da justiça, o qual se prestou logo a fazer todo o possivel a bem desse pobre frade. Mandou ordens ao corregedor de Alemquer a indagar sobre o facto; com effeito fizerão-se as indagações, achou-se ser tudo verdade, e procedeu-se a tudo o mais que menciona o officio. Ora he uma cousa bem notavel e bem extraordinaria, que no dia immediato falecesse o frade, julgo pois muito digno da attenção deste Congresso o fazer uma seria averiguação sobre donde possa proceder esta morte; e por isso quereria que a Commissão tomasse a si o exame deste negocio, averiguando, com deligencia todos os papeis a elle relativos. Tambem se deve examinar como se fez a averiguação do cadaver, e que facultativos a fizerão.

O Sr. Soares Franco apoiou o Sr. Franzini, dizendo, que com effeito os exames erão muito difficultosos de fazer, e que era necessario tambem averiguar quem erão os peritos que o fizerão.

O Sr. Franzini: - Sem duvida que o caso deve ser examinado com madureza. Houve mais cousas muito notaveis? Eu mesmo previni que elle seria morto; e por isso que póde a sua morte dimanar talvez de influencia fradesca, porque o mesmo frade disse quando estava para sair do carcere, que queria morrer com seus irmãos. Por isso peço que não só os membros da Commissão da justiça criminal, mas tambem os da saude publica averiguem este facto, porque a haver influencia fradesca deve recair o castigo sobre o convento, e sobre os frades.

O Sr. Presidente: - Creio que suspeitas sobre este caso occorrem muitas com facilidade; mas como se não apresentão documentos que sirvão de prova, nenhum procedimento pode ter o Congresso. Só o exame do processo poderá augmentar essas suspeitas, uma vez que elle seja legal, e dahi se dedusa a má vontade dos frades; por isso a Commissão, deverá com todo o cuidado e brevidade examinar o processo, para que elle seja patente ao Congresso, e para este ser informado sobre esta materia. Deve ir por tanto á Commissão de justiça criminal.

O Sr. Freire: - Entretanto o caso he horrivel desde o seu principio até ao seu desenvolvimento. Não me opponho a que este negocio vá á Commissão de justiça criminal, mas requeiro que a Commissão não se limite a dizer se o processo que se faz ao frade foi mal julgado ou não. Peço uma grande latitude no desenvolvimento deste negocio, e exijo que a Commissão encarregada de o averiguar dê um relatorio exactissimo de todas as penas e castigos que soffreu o frade; porque ha ahi um aggregado de castigos arbitrario; cousa pasmosa; este homem esteve sujeito ao arbitrio de quantos priores, e definidores, teve este convento: os que erão mais humanos castigavão-o com mais brandura; os que erão de máu genio com menos brandura; umas vezes pondo-lhe mordaças na boca, outras vezes fazendo-o comer no chão, outras vezes........... em fim he um quadro das maiores atrocidades. Peço pois que a Commissão apresente um relatorio de todos estes crimes em todo o seu horror.

O Sr. Castello Branco: - Deve acabar por uma vez esta justiça fradesca, e a informação da Commissão poderá abrir caminho para esta reforma, que não deve esperar pela reforma geral.

O Sr. Freire: - Eu pedia a decizão de um cazo analogo a este. Pedia que a Commissão apresentasse o seu parecer sobre o objecto relativo aos frades de Maceira-Dão. Sobre este objecto requeiro que a Commissão ecclesiastica dê com brevidade o seu parecer.

O Sr. Izidoro José dos Santos disse que a Commissão ecclesiastica tinha prompto o seu parecer sobre o convento de Maceira-Dão; porém que nada poderá decidir sobre a sua extincção, por falta de memoria, mas que no dia seguinte o apresentaria.
Decidiu-se que se remettese á Commissão de Justiça criminal para apresentar um detalhado relatorio dos seus crimes e castigos, e das mais circunstancias pertencentes a este objecto.
Mencionou mais o Sr. Secretario os seguintes

OFFICIOS.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tenho a honra de passar ás mãos de V. Exca. o mappa junto das entradas, e saidas dos cofres do Thesouro publico no dia dois do corrente; para V. Exc. o levar ao conhecimento do Congresso.

Deus guarde a V. Exc. Palacio de Queluz em 3 de Outubro de 1821. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor João Baptista Felgueiras. - De V. Exc. Attento venerador e creado - José Ignacio da Costa.
Remettido á Commissão de fazenda.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. Apenas recebi a ordem das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, que V. Exc. me dirigiu com o fecho de ontem, logo a mandei por copia ao Ministro Secretario de estado dos Negocios Estrangeiros, para lhe dar a devida execução pela repartição do Correio geral, em conformidade das instrucções de 6 de Junho ultimo.

Deus guarde a V. Exc. Palacio de Queluz em 3 de Outubro de 1821. - Illustrissimo Senhor João Baptista Felgueiras. - De V. Exc. Attento venerador e creado - José Ignacio da Costa.
Ficárão as Cortes inteiradas.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tenho a

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honra de dirigir á presença de V. Exc., para o levar ao conhecimento do Supremo Congresso, o projecto incluso de creação de um corpo de guardas de segurança publica, cuja urgente necessidade se tem feito palpavel, nestes ultimos tempos, e que todos os bons e pacificos habitantes tem por indispensavel, para gozarem do socego interno, o qual sendo do dever de todo o Governo procurar aos governados, tem sido frequentemente alterado, á mão armada, em diversas provincias do Reino, pela perpetração de roubos, e violencias de toda a especie.

Este estado de anxiedade não podia deixar de attrair a mais seria solicitude do ministerio, que tem os meio de ser informado com a exacção compativel com o estado das nossas instituições de tudo, quanto perturba o socego publico; S. Magestade recommendou, com especialidade, e reiteradas vezes, este importante objecto aos Ministros, e eu recebi ordem de S. Magestade para formar sobre esta materia um trabalho, a fim de o submetter á attenção das Cortes; trabalho, em que ElRei não deixou de me falar uma só vez, de todas as que tive a honra de ser admittido em sua presença, instado-me para que elle fosse o continuo objecto do meu disvelo, pela utilidade, que, da sua execução póde resultar ao bem estar dos póvos e do Reino.

A primeira idéa dos Ministros foi de remediar temporariamente, o mal presente, com os meios existentes, e de que podião logo lançar mão; para este fim forão dadas ordens, as mais positivas ao Intendente geral da Policia, e a todas as justiças, de pór em vigor as leis de policia, facilitando-lhes o auxilio da força armada da 1.ª e 2.ª linha; para cujo fim nas provincias, os Governadores das armas conferirão com os Corregedores, para assentarem nos meios de a empregar, util, e convenientemente. Esta medida, secundada pelo zelo dos empregados, teve já resultados vantajosos, e em algumas provincias, como na Estremadura, Beira alta, e Beira baixa, inteiramente satisfatorias, como o Congresso está informado, pelas participações, que tenho levado ao seu conhecimento, e tenho feito publicar no Diario do Governo, para dar aos póvos a convicção de que o ministerio vela sobre os meios de preencher as vistas do Congresso, procurando restabelecer o socego domestico, e a tranquilidade publica.

O mal, com tudo, tinha-se aggravado tanto, e com tal rapidez, que não se póde fugir á idéa de que nos falta uma força repressiva, e constantemente destinada para assegurar o socego publico, e a execução das leis, por meio de uma vigilancia continua, que seja seu único objecto; para conseguir este fim, formalisei o relatorio incluso, e lancei á pressa, e com a urgencia, que exige materia tão importante, algumas idéas no papel, as quaes tendo sido discutidas pelos Ministros, pareceu a ElRei, que devião ser remettidas ao Congresso, para as tornar em consideração.

Neste trabalho guiei-me pelo que se acha estabelecido nas nações, que, com melhor resultado, tem organizado uma policia forte, e sem vexame do cidadão; e se os resultados no nosso paiz, forem iguaes aos que se tem estabelecido em França, pelo estabelecimento da gendarmerie, que succedeu á antiga Maréchaussée, aos póvos bemdirão o Congresso por este beneficio, de que terão fructo, em todos os momentos da sua existencia.

Estes resultados não se podem conseguir das instituições que temos, sobre este ponto essencial, porque a extraordinaria cooperação da tropa de linha, não se empregando, senão quando o mal se tem tornado grave pelos vexames soffridos pelos póvos, não contribue senão para conseguir o castigo de grandes delictos, depois de perpetrados, e não serve para os evitar, que deve ser o principal cuidado de toda a administração publica.

Não escaparão á sagacidade do Congresso, as perfeições do trabalho, que lhe offereço, nascidas da precipitação com que o escrevi, e concebi, e por este motivo, reclamo com confiança a sua indulgencia. teria sido igualmente conveniente incluir orçamento da despeza; mas este era impraticavel fazer-se, sem ter uma base, que depende inteiramente da decisão do Congresso, a qual vem a ser o augmento da paga do official, e do soldado, e o numero de legiões, e sua força. Porém, se o Soberano Congresso se dignar ouvir-me a este respeito, será com o maior zelo e promptidão, que terei a honra de entrar em todas as explicações confidenciaes, ou outras, que o mesmo Congresso determinar, sejão directamente, sejão com as suas commissões.

Tenho a íntima convicção de que o Supremo Congresso verá nesta communicação, uma prova do disvelo do ministerio, para preencher seus deveres, contribuhindo, quanto cabe em todos os membros, que o compõe, para fazer amar, por meio de felizes resultados o systema constitucional, unica taboa segura para nos salvar do naufragio, e só capaz de fazer respeitar o Governo, que, como ElRei, temos jurado de estabelecer, e defender á custa de todos os sacrificios, se necessarios forem.

Deus guarde a V. Exc. Palacio de Queluz em 3 de Outubro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - Manoel Ignacio Martins Pamplona.
Remettido á Commissão Militar com urgencia.

lllustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Em resposta ao aviso das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza em data de 2 do corrente relativo aos corsarios, queapparecerão sobre Lagos, tenho a honra de participar a V. Exa. para ser levado ao conhecimento do soberano Congresso, que no dia 24 do mez passado chegou ás minhas mãos um officio participando terem apparecido sobre a costa do Algarve um bergantim e uma escuna, que tomarão duas embarcações, em consequencia do que mandei no mesmo dia ordem do commandante da corveta = Calipso = para que junto com o bergantim = Audaz = deitassem ao longo da costa para o Sul até o Algarve, procurando, segundo as noticias que lhe enviei, perseguir, de destroçar os piratas: no em tanto mandei cruzar entre cabos e bergantim = Reino Unido = auxiliando o commercio até que a corveta = Lealdade = e bergantim = Tejo = se fizesse de vela, a fim de ir segurar o ponto mais essencial, ás

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immediações da barra deste porto achando-se as ditas embarcações quasi promptas a effectuar a mencionada sahida.

Deos guarde a V. Exca. Falado do Queluz em 3 de Outubro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - Joaquim José Monteiro Torres.

Ficarão as Cortes inteiradas.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tendo EIRei julgado conveniente nas actuaes circunstancias reformar as legações diplomaticas desta corte, junto aos differentes governos da Europa e dos Estados-Unidos da America septentrional, nomeando para cada um delles um encarregado de negocios, e um ou dois addidos, na forma do decreto das Cortes Geraes e Extraordinarias de 5 do mez proximo passado, reconheceu Sua Magestade ser em geral impossivel que os empregados desta ultima qualificação se sustentem nas seis cortes principaes nem nos Estados-Unidos da America com menos de dois contos e quatrocentos mil réis, nem com menos de dois contos de réis em todas as de mais. E como não obstante fixar-se no citado decreto como o maximo d'aquelles ordenados, a quantia de um conto e trezentos mil réis, se declara com tudo que no caso do governo julgar que ha necessidade de alterallos haja de propôr essa alteração ás Cortes para resolverem o que fôr justo; ordenou-me Sua Magestade, que eu fizesse esta participação a V. Exa. a fim de que sendo presente ao soberano Congresso, a necessidade de elevar a metade dos ordenados dos ministros os dos primeiros addidos, fixando em um conto e duzentos mil réis, os dos segundos nas côrtes de Madrid, Londres, e Pariz; resolva como entender mais conforme ao bem do publico serviço.

Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 3 de Outubro de 1821. - Silvestre Pinheiro Ferreira, Sr. Todo Baptista Felgueiras.

O Sr. Presidente: - Deve remetter-se á Commissão diplomatica.

O Sr. Miranda: - Parece-me que não he necessario ir á Commissão, e que isto he cousa que aqui mesmo se póde decidir. Ha tanto tempo que esperamos a nomeação de diplomaticos, e ainda se não fez. O ministro dos negocios extrangeiros assentou muito bem, em não mandar ministro nenhum; he uma medida muito louvavel o mandar só encarregados, porque isto he muito util, e a bem da fazenda. Em quanto ao ordenado dos addidos com justiça o ministro expõe que de necessario augmentar-se; 600$000 reis he na verdade muito pouco, porque inda que elles não tenhão tanta representação como os empregados todavia he necessario que elles tenhão meios de subsistencia, e que sejão independentes, e por isso he muito bem entendido o arbitrio do ministro de que tenhão metade de ordenado que vencem os encarregados.

O Sr. Freire: - Sr. Presidente, que não haja lei nenhuma, que não passe lei nenhuma, que não tenha reflexões, he cousa notavel! Pensemos bem as cousa; quando ellas se fazem, mas depois de feitas trabalhamos com toda a actividade por sustentarmos o que fizemos. Não ha lei nenhuma a que não haja opposição; certo que nós não a fizemos com madureza, e com o devido exame; por isso he que eu chamo a attenção do Congresso sobre este objecto.

O Sr. Miranda: - O illustre Preopinante não está bem lembrado do que se passou sobre esta materia. Determinado que ao Governo ficasse o arbitrio de nomear Ministros, ou encarregados; que os encarregados terião de 10 a 12 mil cruzados, e os adidos de 600 mil réis até tres contos de réis, mas que sobre isto o Governo estava autorizado pata propor aquellas alterações que julgasse convenientes. He precisamente isto o que fez o Ministro, e isto não he ir contra a decisão do Congresso, he sim ir conforme ao que elle decretou. Diz-se que o Governo estava autorizado para propor aquellas alterações que julgasse convenientes; he precisamente o que fez o Ministro. As suas reflexões são muito exactas. Como ha de um adido subsistir em Londres cora 600 mil réis? Nem com tres mil cruzados? Por isso as reflexões do Ministro são muito justas em quanto elle quer que os addidos tenhão metade do ordenado que vencem os encarregados de negocios.

O Sr. Freire: - O illustre Preopinante não dissolveu a minha difficuldade. O Derreto disse que se nomeassem Ministros ou Encarregados, e que podesse propôr o Secretario o que julgasse conveniente a respeito d'aquelles, e não dos addidos. Porem se elle já tivesse mandado empregados para as Cortes Estrangeiras, se elle visse por experiencia, que os ordenados que se lhe arbitravão erão muito pequenos, então ainda tinhão lugar todas as reflexões que se podessem fazer, porque era decidir sobre objecto de facto, sobre uma experiencia. Mas o que o illustre Preopinante acaba de dizer hoje, poderia tambem dizer-se ha 15 dias, porque nem os paizes estrangeiros augmentárão de carestia ha 15 dias, nem os nossos conhecimentos tambem se augmentárão desde então. Eu o que quero he que o illustre Preopinante me diga qual he a differença da situação desse tempo da em que estamos hoje. Parece-me que não he nenhuma. O Ministro foi consultado, a Commissão Diplomatica ouviu o seu parecer, e então como he possivel que sendo ha 15 dias um o seu parecer, seja agora outro. Assim eu não encontro a medida; de que eu falo, he da desgraçada circunstancia em que estamos de fazer hoje uma lei, e dahi a 15 dias alterarmos esta lei.

O Sr. Miranda: - O Congresso disse que o Ministro desse a sua informação; não marcou época nenhuma para a nomeação dos Ministros Diplomaticos; elle deu as suas informações, a Commissão conformou-se com elles; no entretanto depois julgou que devia propôr informações sobre isto. Recommendou-se-lhe no Decreto, e autorizou-se para elle as fazer, conheceu então não ser aquillo o melhor, porque não estava bem informado. Por isso não se deve estranhar, antes elle he digno de louvor.

O Sr. Braamcamp: - Aqui ha uma equivocação. Se houve culpa na Commissão Diplomatica foi em condescender com a proposta do Ministro. A Commissão tinha idéa de se accommodar a um plano muito mais vasto; com tudo não querendo obrar
inconsideramente consultou o Ministro da Repartição,

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e elle não reflectiu como hoje reflecte. Elle disse que para os addidos bastava o ordenado de 600 mil réis; a Commissão combinou com isto, na supposição porém que talvez este ordenado não fosse sufficiente; porém estabelecendo o Decreto não lhe deu autoridade para representar cousa alguma a este respeito, deu-lhe sómente autoridade de apresentar sobre os ordenados dos Ministros e legados extraordinarios para as Cortes estrangeiras, não porém para outra cousa.

O Sr. Freire: - Eu requeiro a leitura do Decreto para se conhecer claramente este negocio.

O Sr. Felgueiras: - Sr. Presidente. Embora venha o decreto; mas em quanto não chega peço me seja permittido fazer algumas observações acerca da materia sugeita. Acho por extremo notavel, que o Ministro dos Negocios estrangeiros se funde no decreto de 4 de Setembro sobre a organisação do corpo diplomatico para propor as duvidas que agora nos offerece. Ou elle não leu o decreto, ou não entendeu a lingoagem clara em que está concebido: qualquer dos extremos he duro de crer. O decreto não pode ser mais claro neste assumpto; deixa em um dos seus artigos ao Governo a faculdade de propôr as alterações, que julgasse convenientes nos vencimentos, actuaes dos ministros plenipotenciarios, quando achasse a proposito nomealos para as seis Cortes principaes, e houvesse por necessaria essa alteração; mas quanto aos addidos, que he dos que o ministro fala, prescreve-se o minimo e maximo, e nem palavra se diz, que indique ao Governo a proposta de alterações. E como podia lembrar, que o ministro havia da fazer esta proposta, se a Commissão, as Cortes, e o decreto não fizerão mais do que abraçar, e sanccionar as proprias opiniões do ministro? Foi elle mesmo quem disse que erão sufficientes estes ordenados que agora capitula por inadmissiveis. Eu tenho em minha mão as provas desta verdade, quaes são a sua resposta, e informação que foi presente á Commissão, e o officio de que agora se trata. Como póde entender-se, que elle mesmo agora se levante contra a sua propria opinião dada á um mez muito deliberadamente? Custa muito a explicar esta notavel contradicção em que elle se acha com o seu proprio facto, sem ao menos dizer, porque motivo mudou e reformou o seu parecer. Mas sobre tudo não póde deixar de me causar muito desagradavel extranheza, que tendo aquelle decreto passado á um mez com toda a urgencia, tendo-se mandado executar immediatamente como he expresso no seu ultimo artigo, ainda boje se levantem estas novas difficuldades sobre a sua execução; ainda se apresentem novos motivos de demora, e se vá espaçando mais tempo, em quanto continua o escandalo de se deixarem estar nas Cortes estrangeiras esses portugueses indignos deste nome, que tanto e tão infamemente tem maquinado contra os interesses e salvação da sua patria.
Chegou o decreto, que o Sr. Freire leu, e acabando de o ler disse. A qual destas cousas tem satisfeito o ministro?

O Sr. Felgueiras, a nenhuma. Eis ali demonstrado parte do que acabei de referir. O decreto não autorisa o ministro para apresente proposta: a autorisação refere-se sómente aos ministros plenipotenciarios. Mandou-se pôr em pratica immediatamente, e he passado um mez, que ainda nos vem novas duvidas; e novas duvidas do ministro contra a opinião delle mesmo que foi sanccionada no decreto. Mas sobre tudo torno a dizer, não posso conformar-me com a idéa de que tendo S. Magestade chegado a esta capital a 4 de Julho, dando as mais evidentes demonstrações de que nada mais quer do que o bem, e a prosperidade da nação, e da causa constitucional, ainda se achem junto das Cortes estrangeiras os mais capitães inimigos da sua patria. Que se corte pois por todas as duvidas; que se cumpra o decreto, e depois de ensaiado na pratica, as Cortes com as informações praticas do Governo, tomarão a este respeito uma deliberação definitiva, como diz o mesmo decreto.

O Sr. Miranda: - Trata-se de fazer uma acusação ao ministro dos negocios estrangeiros. Eu serei o primeiro em accusar todo e qualquer ministro quando elle for prevaricador, mas agora não acho o ministro de que se trata nestas circunstancias. Dizer-se que he para ganhar tempo para demorar es que se achão empregados, julgo não ser assim, para escolher homens capazes que se hão de mandar para as differentes Cortes, isto levará algum tempo. He necessario vêr as pessoas que são capazes, he necessario examinar as suas qualidades, ha muita cousa aqui a que occorrer. O Decreto não está assas explicito, dá de algum modo azo a que o ministro possa fazer as propostas, e eu tenho para mim que todas as vezes que estas propostas tiverem em vista o bem da Nação, que se devem attender; nestas circunstancias acho a proposta actual.

O Sr. Bastos: - Um illustre Preopinante quer persuadir que o ministro dos negocios estrangeiros fez estas proposições ao Congresso para ganhar tempo. Fazer proposições ao Congresso para ganhar tempo, he abusar da bondade deste Congresso. O ministro dos negocios estrangeiros encetou muito mal a sua carreira, ou elle não entende as leis claras e patentes, ou finge não as entender, se não as entende he um rematado ignorante, e não he digno do cargo que occupa, se finge não as entender, então he mais indigno ainda. Por isso proponho que se estranhe ao ministro similhante procedimento.

O Sr. Xavier Monteiro: - Vejo que se vai entabotar uma discussão muito alheia da ordem do dia. Tratava-se de remetter este officio para uma Commissão, e isto mudou-se em uma accusação contra o ministro. Não sei se com justiça, parece-me todavia que não, no entanto não o affirmo; o que digo he, que o ministro faz uma proposta a qual he preciso ver se he, ou não conveniente a bem publico; e talvez que tudo quanto se tem dito contra o ministro seja extemporaneo. Por isso para este negocio tomar o caminho que deve prescindindo agora de accusações, sou de opinião que vá para a Commissão diplomatica, e que esta apresente o seu parecer não continuando mais a discussão sobre este objecto.

O Sr. Franzini: - O illustre preopinante previniu o que eu tinha a dizer. Não acho por agora razão

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alguma para declamar contra o ministro; eu não vejo n'elle se não o deseja de economizar; vá á Commissão e ella que exponha o seu parecer sobre este objecto com a maior urgencia. (Assim se decidiu).

Mencionou mais o Sr. Secretario uma felicitação do general Palmeirim, chegado do Rio de Janeiro, que foi ouvida com agrado: é o offerecimento de 691$891 réis feito pelo coronel Francisco Pereira da Silva e Menezes, das milicias de Evora, e seus officiaes, que igualmente foi recebido com agrado, e se mandou remetter ao Governo.

Uma participação do Sr. Deputado Osorio Cabral de que continua a gosar da licença, que lhe fora concedida, e de que se aproveitará o menor tempo, que lhe for possivel; outra do Sr. Deputado Rosa indicando a necessidade de oito dias de licença para tomar banhos, que lhe foi concedida.

O Sr. Sarmento: - Eu tenho a propôr á consideração deste Augusto Congresso, que elle determine á Commissão de estadistica, para que prefira todos e quaesquer trabalhos ao projecto sobre os reparos da estrada real de Lisboa para Coimbra. Creio que não ha objecto de economia interior que mereça mais attenção. Já aqui apresentei duas memorias dos negociantes, e rendeiros das provincias do norte sobre este mesmo fim, e parece-me que tudo deve merecer a attenção deste soberano Congresso. O Sr. Bastos disse que nada se poderia fazer sem virem as informações do Governo.

Approvou-se a indicação do Sr. Sarmento.

O S. Bettencourt leu o seguinte

PARECER.

A Commissão d'agricultura examinou a representação da companhia dos vinhos, que tez subir a este soberano Congresso o ministro dos negocios do Reino: n'ella expõe a companhia as circunstancias em que se acha, por ver que se queixão alguns accionistas do modo como julgou devia ouvilos, e cumprir as ordens que recebeu a este respeito. Remette varios documentos, e alguns periodicos, em que vem insertas varias cartas anonymas cheias de queixas: junta por copia uma do accionista Domingos Pedro da Silva Souto e Freitas, era que faz um protesto, pede certidão d'elle, e faz tambem fortissimas arguições.

Diz a companhia que pensava ter executado como devia as ordens que recebera, ouvindo por escrito os accionistas que era possivel no espaço de tempo determinado; porque estes habitão em mui differentes e distantes terras, e muitos seis corporações religiosas, de maneira que seria impossivel ouvilos de outra forma, e além disto só desta se evita vão longas discussões, e se poderia conseguir o que lhe foi determinado no preciso termo de um mez.

Pelo contrario Domingos Pedro pertende que a palavra = ouvir = designe precisamente audiencia, e se queixa de lha não dar a companhia.

Parece á Commissão que a companhia executou bem as ordens que recebeu; pois que a dita palavra = ouvir = que faz o objecto da questão; não se devia tomar no sentido mais restricto de sua significação; mas sim no forense tão frequentemente usado, nem he mais nada a escriptura que palavras escritas por meio das quaes podião os accionistas dizer o que quizessem.

A opinião de Domingos Pedro he opinião de um só homem, e nada se deve alterar era attenção a ella: assim como se deve fazer das cartas anonymas.

Desta forma se póde responder ao ministro dos negocios do Reino, para assim o fazer saber á companhia.

Sala das Cortes 5 de Outubro de 1821. - Francisco Antonio de Almeida Moraes Pesnanha; Francisco Soares Franco; Antonio Lobo de Barbosa Ferreira Teixeira Girão; F. L. Bettencourt; Pedro José Lopes de Almeida.

Approvado.

O Sr. Girão apresentou o relatorio da mesma Commissão sobre a obra de Cadet de Vaux, que ficou reservado para outra sessão.

Verificou-se o numero dos Senhores Deputados, esta vão presentes 85, faltando os Senhores Osorio Cabral, Moraes Pimentel, Pinheiro de Azevedo, Barão de Molellos, Basilio, Pereira do Carmo, Sepulveda, Bispo de Beja, Macedo, Francisco Antonio dos Santos, Travassos, Leite Lobo, Soares de Azevedo, Jeronimo Carneiro, Brandão, Pereira da Silva, Vicente da Silva, Santos Pinheiro, Faria Carvalho, Guerreira, Gouvêa Osorio, Correa Telles, José Pedro da Costa, Feio, Luiz Monteiro; Manoel Antonio de Carvalho, Gomes de Brito, Borges Carneiro, Fernandes Thomaz, Conde e Castro, Serpa Machado.

O Sr. Secretario Freire leu pela 1.ª vez o seguinte

PROJECTO.

A Commissão de reforma ecclesiastica estando persuadida que um dos artigos capitães da reforma se deve encaminhar a que haja bons Parocos, como aquelles, que mais podem influir nos costumes religiosos, e politicos do povo, e que este objecto depende principalmente da escolha de clerigos benemeritos, feita sempre com precedencia de concurso, como unico meio legal que ha para os conhecer, e que até sem isso debalde seria tratar de seminarios, e da educação literaria dos ordinandos; porque não tendo os bem morigerados, e estudiosos a certeza de serem empregados segundo o seu merecimento não haveria estimulo, que os excitase aos incommodos, e despezas dos estudos, e finalmente que he preciso pôr termo ás simonias, e escandalos, que se commettem na apresentação dos beneficios, com que a Igreja geme ha muitos seculos, por falta de cooperação dos principes catholicos, a quem pelo bem dos seus estados, e pela qualidade de protectores dos Canones incumbia prover pela parte que lhes toca, propõe o seguinte.

1.° Nenhum beneficio com cura d'almas, de qualquer padroado que seja, será da publicação deste em diante apresentado, nem provido sem preceder con-

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curso na fórma de direito perante o Ordinario do bispado onde estiver o beneficio.

2.° Logo que vague qualquer beneficio curado, de qualquer padroado que seja, o Ordinario dentro de 20 dias procederá ao concurso d'elle segundo o direito, e feito que seja o concurso, se o beneficio for do padroado ecclesiastico, proporá ao padroeiro os ecclesiasticos approvados para este apresentar ao beneficio o mais digno.

3.º Se o beneficio for do padroado secular o Ordinario proporá ao padroeiro todos os concorrentes approvados com as qualificações dos merecimentos de cada um, e desses assim propostos o padroeiro apresentará um.

4.º Se o padroado, e direito de apresentar qualquer beneficio pertencer a muitos, ou houver questão a este respeito, o Ordinario não deixará por isso de publicar, e concluir o concurso; e não sendo terminada a questão dentro de 4 ou 6 mezes, segundo a qualidade do padroado, o Ordinario conferirá por aquella vez o beneficio ao concorrente mais digno.

5.º Outrosim no caso que o beneficio seja do padroado, e haja letigio entre os apresentantes, se estes concordarem em apresentar algum clerigo, ainda que a demanda se não tenha terminado no tempo do § antecedente, o Ordinario admittirá esse apresentado ás deligencias do estilo, e collação, com tanto que a tal apresentação recaia em algum dos approvados no concurso para o dito beneficio.
6.° Se porém a questão for entre o padroeiro e o bispo se regulará a apresentação, e collação pelo direito canonico recebido, mas a apresentação por qualquer d'elles assentará sempre em clerigo approvado no competente concurso, observadas as regras, que neste decreto ficão dadas para a escolha do apresentado, segundo a differente natureza do padroado.

7.º A disposição dos artigos antecedentes não se entendem nos beneficios, que a Universidade apresenta, visto que nella se faz concurso, e que só são admittidos a elle os Bachareis das duas Faculdades theologia e canones, nem se entenderá nos beneficios que pela Meza da Consciencia se prôvem por concurso, em quanto durar semelhante forma de provimento.

8.º Os beneficios paroquiaes de collação ordinaria vagando nos mezes, que por qualquer titulo toquem ao bispo, serão providos sempre no mais digno dos approvados no concurso, e vagando nos mezes que pela concordata novissima tocão a ElRei, este nomeará ao Pontifice um d'entre os approvados no concurso segundo a mesma concordata.

9.º Quando porém algum beneficio estiver nos termos de ser impetrado da Sé Apostolica segundo a disciplina recebida, nunca o Governo dará licença para a impetração, nem beneplacito para a execução da bullia senão aquelle, que por altestação do Ordinario com referencia aos autos do concurso mostrar que no mesmo concurso para o tal beneficio foi achado mais digno.

10.° Nenhum padroeiro poderá impôr, nem requerer que se imponha pensão nos bens e rendas dos beneficies, ou que se onere com ella o beneficiado senão em dois casos; 1.º sendo para seus indispensaveis alimentos, precedendo para isso attestação do seu respectivo Ordinario, em que declare a necessidade dos alimentos, e a quantia da pensão, que o beneficio, póde supportar, e essa mesma pensão ficará cessando quando cessar a necessidade dos alimentos; 2.° para servir de patrimonio a algum clerigo de ordens menores benemerito e pobre, verificados primeiro estes requesitos por attestação do Ordinario. - Luiz, Bispo de Beja; José Vaz Correa de Seabra; Rodrigo de Sousa Machado; Isidoro José dos Santos; João Maria Soares de Castello Branco.

O mesmo Sr. Secretario leu pela segunda vez o seguinte

PROJECTO.

Ninguem ignora quanto seja contrario á pratica dos primeiros, e melhores seculos da Igreja o uso, posto que ha muitos seculos nella introduzido, de enterrar os cadaveres dentro dos Sanctuarios, dedicados ao culto da Divindade, e á celebração dos Divinos Mysterios da nossa Santa Religião. Os primeiros, e mais benemeritos Imperadores, que a professarão, contentárão-se, e tiverão em grande honra serem sepultados junto ás portas das Igrejas, que elles fundarão, e enriquecerão com suas profusas doações. Foi facil o passo para dentro das Igrejas, formando jazigos para si, e suas descendencias; e á imitação d'elles os Grandes, e Magnatas, por iguaes principios, obtiverão similhantes distincções, e finalmente todo o povo Christão ambicionou esta prerogativa, julgando-se ou menos honrados com uma sepultura exposta ás injurias do tempo, e ás dos que roubavão os sepulchros, ou também por effeito de ignorancia, e de grosseiros prejuizos, menos seguros da sua eterna salvação, e do direito de uma gloriosa ressurreição. Assim passárão os Sanctuarios do Christianismo a serem depositos de podridão, de ossadas, e caveiras, que repetidas vezes se estão extrahindo do fundo das covas, mesmo quando alli se celebrão os Mysterios da Religião, e quando alli permanece o que ella nos offerece de mais augusto, e digno de maior acatamento, e Divina Eucharestia.

Se desta consideração religiosa passarmos ás considerações fisicas, e de saude publica, tão digna da escrupulosa attenção do Soberano Congresso; quem deixará de comprehender, até por effeito de alguma desgraçada experiencia, quanto este uso seja fatal á saude particular de cada um, e ainda á publica, principalmente naquellas Igrejas, aonde todos os dias se enterrão mortos, se accumulão ás vezes em uma mesma sepultura muitos cadaveres, para todos os quaes não bastaria um maior terreno? He facil de comprehender, e todos os dias o sentimos, que uma Igreja ainda espaçosa, mas cujo pavimento he um receptaculo de podridão, nunca terminada, mas sempre alimentada por suceessivos enterros, e evaporada não só pelas continuas, posto que nem sempre sensiveis exhalações putridas, mas ainda mais pela abertura dos sepulchros, e movimento de cadaveres não de todo consumidos; que esta Igreja, digo, não contém o ar puro, e vital, que nos alimenta, e pelo contra-

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rio he elle um ar mephitico, damnoso, pestilencial, do qual tem sido victimas algumas pessoas, que servem aquellas igrejas, quando nellas entrão sem haver-se introduzido ar puro, e saudavel, e cada um de nos o terá sentido pelo máo cheiro, que ali reina, e se torna insupportavel, se não mortifero.
Por todos estes motivos, que julgo ponderosos, e dignos da attenção do Augusto Congresso, proponho este projecto de Lei, para ser, ou não admittido á sua discussão.

As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação Portugueza, tomando em consideração os gravissimos inconvenientes fisicos, que ou resultão, ou podem resultar do uso entre nós recebido de se enterrarem os mortos dentro das igrejas; e entendendo igualmente que a disciplina da Igreja a esto respeito não he preceptiva, mas tão sómente tolerante, e accommodada ás ideas dos povos, á qual nenhuma ferida substancial se dá, quando, salvos os suffragins pelos mortos, os ritos, e ceremonias autorizadas pela Igreja nos enterros dos fieis, e tambem a pena de privação de sepultura ecclesiastica por ella imposta a certos crimes, a sociedade civil prohibe este uso; e esperando tambem que o presente decreto corte por metade, ou mais, as grandes despezas, que comsigo traz um funeral de etiqueta, e dispendioso, que muitas vezes accrescenta ao lucto e lagrimas dos doridos a maior penuria, em que ficão, decretão o seguinte:
1.º Fundar-se-ha nas Cidades, e villas deste Reino cemiterios publicos, para nelles se enterrarem os mortos, de qualquer condição que sejão. O seu numero será em proporção da sua povoação, e nos sitios que mais adquados se julgarem para o intentado fim; descubertos, e repartidos de modo que facilitem os enterros.

2.° Para a sua construcção poderão servir de modelo os dous, que existem em Portugal, de propriedade Ingleza, em Lisboa, e Porto, melhorados, ou aperfeiçoados, se necessario for, e sómente addicionados de uma pequena ermida, ou capella para a deposição, e encommendação do corpo, na forma estabelecida pela Igreja.

3.° Em todas as freguezias das aldêas servirão de cemiterios publicos os que já existião sómente para os pobres, ou se ampliarão, e principiarão logo a ter uso.

4.° Estas obras, posto que devão fazer-se com a competente simplicidade, e sem luxo, exigindo com tudo bastantes despezas, estas se farão por uma contribuição imposta a todas as ordens terceiras; irmandades, e confrarias do reino, em proporção dos seus fundos, e cada uma dellas sómente para o seu respectivo cemiterio.

5.° Logo que existão os Cemiterios publicos, fica prohibido todo o enterro dentro de qualquer Igreja, e responsavel pela infracção da Lei o Paroco daquella Igreja, o prelado regular, ou corporação que a possue.

6.º São exceptuados do precedente artigo aquellas pessoas, que nas Igrejas tiverem jazigos proprios, havidos por contractos onerosos, a que tenhão satisfeito, e em cuja posse estejão por cem annos.

7.º Exceptuão-se tambem as corporações ecclesiasticas, ás quaes os Claustros, descubertos, e não as igrejas, servem de cemiterios, e não os tendo ficão sujeitos á prohição geral.

8.º Regular-se-ha o modo da administração, conservação, e defeza destes lugares respeitaveis, consultados os Ordinarios do Reino, aos quaes por direito compete a inspecção dos lugares pios.

N. B. A Familia Real acha-se comprehendida no art. 6.º com tudo he conveniente fazer della especial artigo, ou menção neste mesmo. - Arcebispo da Bahia.
Admittido a discussão, e que se imprima.

O Sr. Barroso leu o seguinte

PARECER.

A Commissão de justiça civil apresenta o seu parecer sobre a consulta que ao Governo dirigiu a junta dos juros, e aquelle remetteu ás Cortes.

Pertende ella que se lhe incumba a administração dos rendimentos, e arrematação dos bens, cujo producto he distinado á amortização da divida publica, a fim de que possão melhor cumprir-se os decretos das Cortes de 25 de Abril, e 9 de Maio. Sendo autorizada pela mesma forma que o foi pelo §. 3. do alvará do 2 de Abril de 1805, a respeito dos outros rendimentos applicados aos juros, e amortização das apolices.

Deu a Commissão de fazenda o seu parecer em sessão de 24 do Julho. E resolveu o Congresso, que fosse ouvido o Conselho da fazenda.

Este satisfez, encostando-se á resposta do procurador da fazenda. Diz que a pertenção da junta he contraria ás leis de 22 de Dezembro de 1761 , que creárão o Conselho da fazenda: e que della sómente podem resultar inconvenientes, como a pratica tem mostrado em outras anteriores alterações.

Isto obriga a Commissão de justiça civil a entrar em uma exposição mais cricunstanciada, para que este augusto Congresso possa formar um exacto conceito sobre a inconveniencia, ou conveniencia do que se propõe.

O paragrafo do alvará, que a Junta dos juros pertende se faça extensivo aos novos fundos applicados á amortização da divida publica, he o seguinte.
Por graça que hei por bem conceder á junta, em attenção á importancia da Commissão em que está encarregada: sou servido que toda a cobrança, e arrecadação dos rendimentos applicados para os juros, e amortização se faça direitamente para os seus cofres. Que o Presidente do Erario regio, que o he também da referida junta, possa commetter a qualquer Magistrado territorial, quando isso for conveniente, a cobrança e remessa de qualquer ramo dos referidos rendimentos, ainda que seja fora do seu districto.

Que as arrematações dos ditos rendimentos, quando se entenderem necessarias, sejão feitas perante á junta, ou no real Erario. E que para as execuções possa o mesmo, Presidente nomear por portaria sua qualquer pessoa que lhe parecer, nomeando-os para

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cada uma das cousas separadamente, porque senão deverá entender nem creado o officio de sollicitador, nem estabelecido novo juiz de executoria, em razão das nomeações em uma só pessoa, ou juizo; pois que devem ser feitas n'aquelle magistrado que mais activamente as possa expedir; e poderão levar os 6 por cento á custa dos devedores, na forma concedida ás executorias da fazenda real.

E quanto ao premio da cobrança, ou nas arrematações ou nas administrações, poderá o mesmo presidente do meu real erario arbitrar, segundo a dificuldade dellas, até á quantia estabelecida no alvará de 10 de Dezembro de 1803: havendo assim por declaradas as providencias indicadas nesse mesmo alvará da creação da mesma junta.

Contém pois este paragrafo d'aquelle alvará quatro principaes distinctos objectos, e nenhum delles he, applicavel á pertenção da junta dos juros; ou por inutil, ou por opposto ás resoluções das Cortes.

1.º Determina que a arrecadação, e cobrança se faça direitamente para o cofre da junta.

E isto mesmo se acha já determinado pelas Cortes tanto no §. 4. do decreto de 35 de Abril, como no §. 7. do outro de 28 de Junho: declarando que o producto dos rendimentos, e bens applicados á amortização da divida publica, entre no cofre da junta dos juros.

2.º Autoriza o presidente do erario a nomear ministros para a arrecadação, e remessa.

Isto se oppõe ao que as Cortes tem determinado no §. 6. do decreto de S5 de Abril, declarando que as arrematações dos bens nacionaes serião feitas perante o juiz de fora da terra, ou do mais vizinho.

3.º Que as arrematações se possão fazer , ou perante a junta, ou no erario.
E a Isto se oppõe o que se acha determinado n'aquelle decreto das Cortes de 25 de Abril.

4.º E ultimamente autoriza o presidente a nomear ministros, e sollicitadores para execuções, e arbitrar-lhe premios.

E isto além de ser prejudicial á fazenda; a experiencia tem mostrado que de se nomearem ministros a arbitrio para execuções, não resulta mais que vexames ás partes, e nenhum proveito á fazenda nacional, pela dificuldade de fiscalisar a responsabilidade dos mesmos executores.

Alem destas considerações, que mostrão a impropriedade, e impossibilidade da pertendida applicação daquelle alvará de 1805, a Co m missão julga que a junta dos juros se não deliberaria a pedir a privativa administração, e inspecção sobre todos os bens, e rendimentos applicados, e separados pelas Cortes, para a amortização da divida publica, se considerasse:

Que necessariamente o conselho da fazenda ha de intervir na venda dos bens nacionaes; pois que nelle he que existem os livros dos chamados proprios da coroa, e as relações, e documentos enviados pelos provedores das comarcas de todos os bens nacionaes, com as suas naturezas, confrontações, valores, e mais indicações precisas.

Que para o arrendamento das commendas vagas (segundo o rendimento applicado á amortização da divida publica ) he só competente a meza da consciencia, porque assim o determinarão as Cortes por decreto de 9 de Maio.

E que para fazer os lançamentos, e effectuar a cobrança da segunda decima, e demais contribuição ecclesiastica, assim como dos rendimentos das prelazias, canonicatos, e mais benefícios, se acha o Governo executivo encarregado pelo § 9 do decreto de 23 de Junho, de prescrever provisoriamente aquelle methodo que julgar mais adequado; e por isso a elle he que pertence encarregar a junta dos juros do que julgar conveniente áquelle respeito.

Assim a Commissão de justiça civil sente afastar-se do parecer da illustre Commissão de fazenda. E julga que a consulta da junta dos juros não merece attenção, e que deve observar a portaria da Regencia de 9 de Maio.

Paço das Cortes 25 de Setembro de 1821. - Francisco Barroso Parreira; Carlos Honorio de Gouvea Durão; Manoel de Serpa Machado; João de Sousa Pinto de Magalhães.

Mandou-se imprimir juntamente com a opinião da Commissão de fazenda.
Passou-se á ordem do dia, e entrou em discussão o artigo nono do projecto das agoas-ardentes, relativo á importação na ilha da Madeira.

O Sr. Girão: - Eu, um destes dias, tinha ainda muito a dizer sobre este projecto, mas tendo já falado tres vezes não pude falar mais. Agora porém darei a minha opinião, e começarei por dizer que injustamente forão tachadas por um Preopinante de inconstitucionaes as minhas opiniões, e que outro injustamente disse que erão capazes de fazer um scisma. Eu não posso deixar de me admirar que homens tão versados na dialectica e tão eloquentes se queirão valer dos artificios dos sofistas da antiguidade, imitando os Protagoras, e os Prodicus.
Um autor falando de semelhantes argumentos diz: os homens que assim argumentão tem perdido todo o cabedal de boas razões, e depois de não ter que responder fazem como o combatente que arranca do punhal, vendo concluida a espada; mas deixarei tudo que póde ser odioso, e passarei agora a observar como he precizo lançar direitos sobre as nossas agoas-ardentes. Todos sabem que os vinhos da Madeira se dividem em optimos, bons e ordinarios: estes ultimos se devem converter em agoas-ardentes, mas estes vinhos maos ficão muito caros em razão do terreno, estradas, e outras muitas cauzas; não pode ficar a pipa agricultada a menos de 24 mil réis convertidos em agoas-ardentes ficão muito mais caros, ora entrando livre a nossa agoa-ardente, feita de vinhos que estão a 10 ou doze mil réis, esta vai para a Madeira muito barata, e então que resultará áquella ilha? Não poder converter em agoa-ardente o seu vinho, ficar este empatado, e seguir-se a ruina da agricultura. São mui perigosas aqui as doutrinas de João Baptista Say, e por isso não as admitto, limitando-me a seguir as lições do codigo rural de agricultura de Sir Baronet, e a dizer que se lance um direito; mas um direito regulado; de modo que a pipa de agoa-ardente fique regulada ao custo da que lá se faz. Daqui resulta que os habitantes da ilha poderão

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destillar com vantagem os seus máus, se deste modo não tiverem quantidade precisa de agua-ardente vem comprara nossa, e assim se remedeia tudo. Por tanto proponho esta medida, e desejo que o Congresso decida se ella he anticonstitucional, e capaz de fazer algum scisma.

O Sr. Aragão: - Tanto da acta do dia 12 de Maio, como do artigo 9.º que está em discussão, vejo que ha necessidade de aguas-ardentes estrangeiras na ilha da Madeira. Sendo isto assim como ralmente he para que augmentar o direito de 30$ réis em cada pipa prohibitivo sem duvida da importação, e o maos he, que desde já sem consideração ao menos a esses 3 annos de que trata a acta sobredicta? Ora, e ainda quando se não ajuize vedada a importação, esse augmento de direito só recae no consumidor, e só a este he que infelicita, porque he obrigado a comprar por mais, o que até agora comprava por menos, não se expondo a comprar qualquer agua-ardente na incerteza de ser boa e capaz o concerto do seu vinho; coopera de mais a mais a fazer dar maior preço ao mesmo; porém se a sua carestia tem diminuido a exportação, que acontecerá subindo? Então nem esse mesmo pouco que agora se exporta, será exportado. Nestes termos onde a felicidade da Madeira e seu commercio? Por tanto voto que haja direito, mas não tão grande como está no artigo, ao menos durante esses 3 annos suppra. Mas quando não sufrague a minha opinião, visto tratar-se do bem e interesse da minha Patria, propomho a seguinte indicação que peço licença para ler. Leu a seguinte

INDICAÇÃO.

Vizivel a discordancia dos Deputados da ilha da Madeira, pois que dois opinião contra o artigo, que se acha em discussão, e um só o defende, requeiro, e proponho, que do mesmo se tire copia, e mande ás Camaras da sobredita ilha, para que ouvindo os proprietario, lavradores e negociantes portuguezes, todos declarem, se convém, ou não, desde já o seu comprehensivo, sustada no entanto a deliberação, e salva assim a minha consciencia, ou responsabilidade. - O Deputado Aragão.

O Sr. Girão: - Pelo que respeita a acta, ella não contraria o que agora se discute, porque segundo ella admittem-se as aguas-ardentes, mas com direitos; agora sobre o quantum dos direitos, he que versa a discussão. Por tanto a leitura da acta está conforme com o Decreto; quanto á indicação ella ha de ter Segunda leitura, não posso porém admittir que venha embaraçar a decisão do negocio que estamos discutindo; porque então não se poderia decidir nada, e veriamos a cada passo embaraçadas todas as decisões por uma simples indicação. Assim a presente, ainda que proposta com boas intenções, não deve embaraçar a decisão que temos a tomar, porque em quanto se consultarem proprietarios, negociantes, e lavradores, se enche a madeira de aguas-ardentes estrangeiras, e está de todo frustrado o projecto. Por isso salvas as boas intenções do illustre Preopinante a discussão póde continuar; até porque a Camara do Funchal fez a sua representação.

O Sr. Franzini: - Se com effeito se trata de determinar quanto he necessario impor ás aguas-ardentes estrangeiras, direi, que não só se imponha 80$ rs., mas 100$ rs., porque não posso conceber como se póde sustentar a opinião de que he necessario permittir a producção das aguas-ardentes de França, quando a principal producção de Portugal he vinho, a que não se lhe póde dar saída. As aguas-ardentes pois de Portugal poderão servir na ilha da Madeira, e supprir muito bem as de França: e assento que as aguas-ardentes nacionaes não ficarão caras. Por isso se se trata de prohibir, ou pôr direito prohibitivo, eu quererei que em lugar de 20$ rs. se ponha 100$ rs.

O Sr. Aragão: - O que requeiro não he novo, pois que outro tanto se praticou aqui para com a companhia do Douro, e as camaras da Madeira, não se contém só n'uma, ou nessa que já fez a sua declaração, são muitas, e todas merecem attenção igual. He subido que as aguas-ardentes estrangeiras são pagas a vinho. E para que privar os habitantes dessa exportação? Que assim se pagão o demonstro. Tanto os negociantes portuguezes, como os estrangeiros procurão creditos, e os ultimos são pagos em Londres com letras do mesmo vinho, ou estes proprios; esta commodidade he que se não verifica para com as aguas-ardentes nacionaes, que só hão de ser pagas a dinheiro, visto que negocio nenhum ha de Portugal para a Madeira, e onde esse numerario? E porque preço irão ali essas aguas-ardentes nacionaes ainda quando boas para o vinho madeira, o que por ora se não sabe, nem a experiencia o tem ate gora mostrado?

O Sr. Bettencourt: - O objecto da ordem do dia he o paragrafo 9 deste projecto em que se tratar de impor direitos sobre as aguas-ardentes, que de vem entrar na ilha da Madeira, por se julgar necessaria esta introducção. Nada tem admirado tanto como ver, que sobre um objecto que faz o principal ramo da prosperidade da ilha, os tres Srs. Deputados que vem aqui para advogar os bens geraes da Nação, e particularmente os bens particulares da provincia que os nomeou, nada me tem admirado tanto digo, como ver que entre elles he variada a sua opinião sobre um objecto, que parecia ser muito util para um o resultado feliz d'aquella população? Ouvi na ultima discussão a um dos Srs. Deputados da ilha dizer, que havia muitos vinhos na Madeira, que podião applicar-se para delles se fazer agua-ardente. Ouvi a outro dizer que não havia uma porção capaz de vinhos donde se podessem extrair agua-ardente sufficiente para o tempero dos mesmos vinhos, e ouvi a outro Preopinante impugnar estas duas opiniões. Por consequencia pelas informações que devemos tirar da discussão em que estes Srs. tem entrado, eu não tenho visto senão que elles realmente são discordes, e isto mesmo era, o que eu tinha observado na Commissão onde se não combinárão. He verdade que os vinhos da Madeira são por sua natureza conhecidos em toda a Europa, por optimos, e os bons entendedores, e praticos os sabem distinguir, e conhecer. Entre tanto tem havido muitos, especuladores, que tem substituido aparentemente a sua boa qualidade, como são os vinhos do Faial, que pelo invento das estufas em al-

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guns mercados se tem confundido com os vinhos da Madeira; isto porém não tira a sua bondade, porque passado tempo os intelligentes conhecem a boa qualidade dos vinhos da Madeira; mas esta qualidade não he tão geral, que não haja outros vinhos, que não possão ttereste grande credito de primeiros, e que lhe seja preciso dar consumo, ou para as tabernas, ou para este consumo das aguas-ardentes, mais valor hão de Ter os que ficão para o consumo da terra, e mais valor os que ficão na primeira classe de vinhos optimos da Madeira. O meu parecer he, que uma vez que os habitantes olhem para os seus interesses, realmente olhão, porque esta he a mola que regula o coração humano; logo que elles reconheção que podem reduzir-se com utilidade estes vinhos a aguas-ardentes, elles o farão, não he preciso para isso legislar. Olhemos só para a falta das aguas-ardentes que devem extrair-se para a Madeira, porque os seus vinhos não podem supprir para todo o tempero, e vamos a ver se hão de ser aguas-ardentes nacionaes, ou estrangeiras, as que devem consumir-se no tempero dos vinhos da Madeira. Eu digo que devem ser nacionaes, que por nenhum modo devem ser estrangeiras, por isso mesmo que temos no nosso Reino um excesso tal que he preciso que o Congresso tenha em vista, como unica salvação que teremos, o dar um meio de consumo aos vinhos que temos. E qual será este meio? He apurando-se a fabrica da agua-ardente no nosso paiz. Nós já a temos tão boa, como de França, de sorte que os mesmos inteligentes já não podem differençar uma da outra. Se nós pois temos já agua-ardente tão boa como a da França, e se continuarmos a aperfeiçoar, porque não promoveremos este ramo de industria? Porque razão não facilitaremos a exportação da nossa agua-ardente para a Madeira? Eu não quererei que ella pague direitos, porque assim como a Madeira que precisa pão das nossas ilhas, lhe vai sem pagar direitos, porque o genero he nacional, assim tambem as nossas agoas-ardentes devem ir para a Madeira sem pagar direitos alguns, assim tambem da ilha de S. Jorge, e Graciosa póde ir agua-ardente que nella excede e sobeja muitos annos, sem pagar direito algum, e se deve applicar para o tempero daquelles vinhos. Quanto ás aguas-ardentes estrangeiras o direito de 80$ rs. he muito pequeno, porque he necessario, que haja uma igualdade entre a facilidade do nosso consumo, e a difficuldade da entrada de productos estrangeiros, isto he o que ensinão os economistas todos. Se a Madeira ao principio tiver incommodo, para o futuro terá a ventura de pertencer a uma Nação rica. Assim nada de direito na agua-ardente portugueza, direito forte na estrangeira.

O Sr. Brito: - Trata-se de averiguar se as aguas-ardentes, que entrarem na Madeira, devem pagar direitos. Ellas são de duas expecies. Nacionaes, ou estrangeiras. Quanto ás Nacionaes sou da mesma opinião do honrado Preopinante. Devem ser isemtas de direitos de entrada na ilha; e a razão he porque temos muita necessidade de dar saida ás nossas aguas-ardentes, vinhos e mais productos da industria agricola. A estagnação em que estes generos se achão em Portugal he a causa principal da conternação em que vemos os lavradores, e por isso o nosso verdadeiro interesse he dar a estes generos a maior extracção possivel. Ora para facilitarmos a extracção o melhor meio he, não lhes impor mais direitos; porque as aguas-ardentes pagão já meia moeda na saida, tem de pagar transportes, commissões, fretes, seguros, etc. E esta consideração serve de resposta ás objecções que se tem feito, fundadas na representação da camera de Funchal, que receando que a barateza das aguas-ardentes do reino vá arruinar os alambiques da ilha, quer que se imponhão direitos pesados em cada pipa que lá lavarmos, o que por certo faria subir o preço dellas a tal ponto, que os alambiques se multiplicarião logo tanto na ilha, que a de Portugal sujeita aos ditos encargos inherentes a todo o commercio maritimo não poderia concorrer com a da ilha. Mas pergunto eu seria conveniente ao estado, e á propria ilha da Madeira ter estas fabricas a tanto custo? Não por certo. He um erro crasso, posto que bem commum o accreditar, que todas as fabricas convem a qualquer paiz. Não he assim. Cada um deve empregar seus braços, e capitaes naquella especie de industria, que lhe der maior proveito. Esse poder legislativo por meio de direitos prohibitivos afasta a concorrencia, e autoriza em consequencia os productores de qualquer genero, como no caso presente aos alambiqueiros da ilha, a vender o mesmo genero pelo enorme preço de um exclusivo, elle não faz mais do que fazer mudar o emprego dos braços, e capitaes da industria, em que se achavão empregados para aquella, que novamente se favorece; mas nesta mudança bem longe de ganhar o estado, perde muito. Porque aquelles meios de producção são meros productivos na industria para onde os chama o governo. E a razão he clara porque se assim não fôr não seria precisa a influencia do mesmo governo, pois naturalmente cada cidadão busca á industria, que mais lhe convem, e a que mais convem a cada um, he o que mais convem ao estado, cujo interesse he a somma dos interesses dos seus cidadãos. Applicando este principios á presente questão concluo, que de nenhum modo se devem onerar mais as nossas aguas-ardentes com os pertendido direitos de entrada na ilha. Porque se todos os encargos do commercio já enunciados, e direitos de sahida ainda não bastão para que os alambiqueiros da ilha possão sustentar a concurrencia das nossas aguas-ardentes; devemos concluir, que ou elles querem roubar os seus concidadãos, vendendo-lhes as aguas-ardentes pelo enorme preço de um exclusivo, ou que não sabem administrar os alambiques, ou que as fabricas das aguas-ardentes não convem á ilha da Madeira. Se estão no primeiro caso devem mandar-se para as galés e se no segundo devemos instruillos nos bons methodos de fabricar aguas-ardentes, introduzindo na ilha, os alambiques de distillação continua, no terceiro devemos abandonallos á sua sorte; porque se os seus alambiques não pódem substituir em concurrencia com as nossas aguas-ardentes, o que então convem mais ao estado, e á propria ilha da madeira he, que os alambiques sejão extintos; para que os capitaes, braços, e industrias ora empregados nel-

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les, vão empregar-se mais utilmente na pesca, ou cultura, que he natural sejão empregos mais produtivos, vista a abundancia de peixe, que ha naquellas vizinhanças, e o precioso vinho do seu terreno. Bem longe de perder a ilha com esta mudança no emprego dos seus meios de producção, pelo contrario ganhará toda a diferente maioria de valores, que hão de resultar do melhor emprego desses meios. A carestia das lenhas, e da mão de obra na Madeira são um sinal, de que aquella industria hade convir mais a outras provincias do Reino-Unido. Nem se diga que o alivio destes direitos será oneroso ao thesouro publico; pois até agora tem sido insignificante esta exportação para a ilha. Sendo antes de esperar que a proposta franqueza delles na entrada augmentará consideravelmente a somma dos que se cobrão por sabida em Portugal; porque todos sabem que nestas materias direitos modicos costumão render mais que os pezados; pois não dando lugar a descaminhos, multiplicão as exportações, e trocas, e por conseguinte as extracções dos generos produzidos, sem as quaes a reproducção não póde continuar.

Agora pelo que respeita ás agoas-ardentes estrangeiras não subscrevo a opinião dos illustres Deputados. Está decidido pelo Congresso que devera por espaço de 3 annos ser admittidas, está reconhecido que ha necessidade de as admittir, e sómente se venceu que terião um direito addicional. He por tanto o meu parecer que este direito seja menor possivel; porque já não he pequeno o que ao presente pagão, e por nenhum modo approvarei o exorbitante de 80$ réis proposto pela Commissão. Eis-aqui as minhas razões: 1.ª porque os vinhos da Madeira não podem ter grande estimação senão forem adubados com as finissimas agoas-ardentes de França, que são mais proprias para os preparar, e conservar-lhe aquelle pico, que os distingue, e acredita. A experiencia tem mostrado, se se priva a ilha da Madeira destas agoas-ardentes, os vinhos não terão o merecimento que tem tido, e nos expomos a perder o credito dos vinhos mais preciosos que temos, e talvez a ver cessar a exportação delles; porque na Europa não ha falta de vinhos, antes superabundancia. Sendo pois certo que nós devemos ter cuidado em não destruir o credito daquelles vinhos, he necessario que não privemos a Madeira da agoa-ardente de França para isso indispensavel. Os nossos alambiques, como se diz, vão a principiar. Quando elles fizerem tanta agoa-ardente fina quanta he necessaria para provimento da Madeira, então as vantagens naturaes que nós temos sobre os estrangeiros farão que as nossas agoas-ardentes, e as da ilha se lá se estabelecerem alambiques capazes, como se espera, suprão as necessidades da Ilha. Em quanto não chegarmos a esse ponto, não privemos o povo da liberdade de comprar as que lhe convem; pois que isso exporia a ilha a ver tolhida a sabida dos seus vinhos, que he o unico produto de que vivem seus moradores, o que espalharia a consternação entre elles. A segunda razão he, porque a importancia das agoas-ardentes estrangeiras he paga com outro valor igual em vinhos da Madeira; porque como nesta ilha não ha outra producção mais do que vinhos, só com vinhos, ou com o produlo delles he que Seus habitantes podem comprar as agoas-ardentes, bem como quaesquer outros objectos do seu consumo. Ninguem dá o que não tem, por isso nenhum paiz póde dar era troco dos generos, que recebe, senão os productos da sua propria industria, ou aquillo que adquiriu com
elles. Mas, diz-se, póde dar o seu numerario. Por certo. Mas o numerario he um genero que a ilha compra com os productos da sua industria agricola, que são os seus vinhos, e o compra cada vez, e quando lhe he necessario para facilitar o giro do seu commercio, assim como compra os mais generos, quando lhe são precisos. Por tanto a quantidade do numerario he proporcionada ás necessidades da circulação; bem como a quantidade dos outros generos se proporciona ás necessidades effectivas de cada paiz. Porque quando se começa a sentir a falta do qualquer genero sobe o preço delle, e então os especuladores mercantis o fazem vir daquelles paizes onde tem menos valor, para ganharem a differença de preço a preço salvas as despezas. Por este meio simplicissimo se equilibra a quantidade dos generos com as necessidades effeclivas dos povos; e o que succede a um genero succede igualmente aos outros sem exceptuar o ouro, e prata, que não só são generos como os mais, porém generos mais faceis de serem substituidos por outros equivalentes, do que muitos o podem ser. Porque a falta de numerario se supre facilmente (uma vez que haja valores reaes) com bilhetes de varias castas, como os de banco, letras, ordens a pagar á vista, creditos abertos nas lojas, etc. Portanto as queixas, que se fazem ordinariamente de falta de numerario são vãs, e só mostrão que os que assim fallão não sabem o que dizem. Elles sim soffrem incommodos, mas não he porque falte o numerario no paiz (porque elle só falta nas suas bolças) he porque os produtos da sua industria não tem extracção por um preço, que os reembolce das despezas, que fizerão com elles. He este preço favoravel, que lhes falta, e não o numerario, pois elles muito folgarião de achar aquelle preço pago em os generos que percisão, ou em quaesquer outros vendaveis, sem numerario algum. - Isto não são vãs theorias de João Baptista Say, como lhe chamão os que o não leem. São principios claros, e incontestaveis, que muito antes delle demonstrou com evidencia Adam Smith nas suas indagações sobre as causas da riqueza das Nações liv. 4 cap. 1, que Say desenvolveu, e comprovou com factos bem experimentados, e expostos por todas as partes do seu tratado particularmente no 1. 1. cap. 15 e 17. E não foi só elle, forão todos os sabios, que depois d'ella escrevêrão sobre aquella sciencia tão importante como ignorada. Taes como David Ricardo nos seus principios d'economia politica e do imposto cap. 27.; Sysmonde na sua riqueza comercial. 1.1 c. 5, e nos seus novos principios d'econ. polit. 1. 5 c. 3 , e sobre todos com a sua inimitavel clareza o grande Storck. Curso d'economia politica L. 5 c. 11 e 12.

O Sr. Arriaga: - Estes Senhores tem tratado esta questão, e tem-na tocado em todas as especies que ella póde offerecer para se tomar uma deliberação tanto para as ilhas da Madeira, como do Faial, e

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Pico; porque ha interesses analogos, e eu sou pela minha commissão obrigado a tocar nesta materia. O Sr. dragão referindo-so á acta na qual estava decidido que fosse preenchido por tres annos a entrada das aguas-ardentes de França, estabelencendo porém a Commissão aquelle imposto que julgasse dever ser, e compativel com as vantagens mercantis. O illustre Sr. Bettencurt fundado em principios geraes de commercio, e muito attendiveis; diz que em quanto ha generos nacionaes em concurrencia com os estrangeiros, devem os primeiros ser preferidos: he um principio de uterna verdade. Agora tratando a respeito das aguas-ardentes de França, o Sr. Aragão disse que ellas erão necessarias; mas não dá a razão; mas o Sr. Bettencourt julga-as desnecessarias; porque julga que as que produzem as ilhas são sufficientes: eu não convenho nestes principios, fundado da experiencia que me tem mostrado o contrario. Os estrangeiros he-lhes muito mais facil comprar os vinhos preparados com a agua-ardente de França, do que com a queimada no paiz; porque vem-lhes a augmentar o preço do vinho, e mesmo a experiencia tem mostrado que adubando os vinhos com a agua-ardente do mesmo paiz não ficão tão bons, e os lavradores de melhor nota he que são os unicos que olhão para a agua-ardente de França como um elexir que lhe dá um dom, e sabor particular, e maior valor: em quanto não houverão estufas no Faial as vinhas sahião muito pouco: houverão negociantes estrangeiros que indo comprar os vinhos ao Faial o permutavão por generos, e por preços baixos; e depois um negociante chamado Sobradelo por effeitos das suas expeculacões fez com que no seu tempo o vinho se vendesse a 18, e a 20$000 réis. Este Sobradelo vendo que com a agua-ardente de França adubava melhor os vinhos, e como ella era prohibida requereu á junta da fazenda, a junta da fazenda vendo as grandes vantagens de se introduzir a aguardente de França para se adubarem os vinhos, vinha a dar muito maior valor, e muito mais conforme, e que vinha a augmentar os rendimentos da alfandega, e a riqueza da ilha: ajunta pois consentio que ella as introduzisse: começou o Sobradelo a introduzir as aguas-ardentes, e a exemplo deste outros o forão praticando, e fizerão que se generalizasse a importação da agua-ardente de França, pagando 15$000 réis de entrada; com isto animárão-se muito os negociantes; porque na pipa de vinho adubada com agua-ardente de França lucrarão muito mais. Agora tem-se esmerado tanto nos ensaios dos alambiques, como na quantidade do fogo; porém apezar disto nunca poderão conseguir pôr a par de uma pipa de vinho preparado com agua-ardente de França, uma preparada com agua-ardente do Faial. A freguezia do Capelo no Faial produz vinho ordinario; mas reduzindo-se a águas-ardentes, e sendo mais suave do que se faz na ilha do Pico, nunca se poderão ver livres do emphyreuma; consequentemente vendo os Failenses que não podião conseguir, como tem sempre feito a diligencia, para poder ser ali introduzida, esperárão ali um negociante chamado Sergantecom um alambique muito digno de elogio ao seu actor, o qual he mai uma amostra do que um alambique. Este homem annuhciou o seu alambique, e com effeito queimou; houverão especuladores que concertarão vinhos com ella, e com a de França, poz-se uma a par da outra, e fez-se a experiencia, achou-se a diffefença, e um certo gosto muito diverso, he muito difficil que o artificio possa supprir o que a natureza lhe negou, he verdade que o alambique da-lhe uma perfeição que á primeira vista parece ser agua-ardente de França; porém os bons entendedores sabem-lhe conhecer a differença.

O Sergante requereu ao General d'Angra uma providencia, que fizesse pôr em execução o alvará do Rio de Janeiro que determinava que cada pipa d'agua-ardente de França pagasse o imposto de 50$ réis: isto fez pôr em susto, e desgosto quasi todos os negociantes, os quaes mostrarão que a introducção da agua-ardente, não fazia prejuizo nenhum, nem empatava os vinhos, e aguas-ardentes do paiz, porque ella não se comprava para beber, e que se comprava por meio de transacções, por preços que liquidavão nas praças estrangeiras, e que não he dinheiro que sae, he com o mesmo vinho que elles comprão a agua-ardente, e antes pelo contrario vem-nos a dar a agua-ardente de França maior valor ao vinho, paga os direitos da entrada, e saida, melhora o vinho, e da-lhe o dom que lhe não póde dar a nossa. He preciso que as Nações se permutem umas com as outras, este he o unico meio porque se póde dar riqueza a aquella ilha. Trigo não se póde exportar: porque tem a sustentar quasi todo o Faial, e a ilha do Pico, de que certamente nove mil almas são sustentadas á custa dos Faialenses. Na Madeira, ha vinho máo, que quem o fosse queimar não lhe poderia servir para adubar os outros vinhos; além disto preciza-se melhorar, e dar mais valor aos vinhos, e isto faz com qua faça mais conta adubalos com agua-ardente de França. Os que tem vinhos máos, não podem concorrer com a bondade dos outros, e se houvesse maneira de fazer preparar estes vinhos mãos com agua-ardente de França, elles ganharião mais; por consequencia eu a julgo util, e necessaria, porque ella não se bebe em tabernas, ella anima os nossos vinhos, e da-lhe mais valor. Tem-se mandado vinhos para diversos estados da Europa, e para os estados unidos, e tem-se achado bom mercado, e tem-se, posto a par dos bons vinhos do mediterraneo, o que não succede a aquelles que são adubados com agua-ardente nacional: como se trata de factos, he preciso deduzilos, e por isso referirei, que alguns vinhos do Faial concertados com agua-ardente de França, na praça d'Amburgo, se tem vendido por trezentos marcos, e vendeu-se no mesmo leilão, vinho da Madeira, e outros que merecerão menor preço. Os negociantes são muito caprichosos na conservação dos vinhos; por consequencia, parecia-me bom que se houvesse de admittir, dando-se para isto licença; mas prohibila absolutamente, he contra os interesses geraes d'aquella ilha, e não me parece que seja da mente do Soberano Congresso, que deixe de attender a estas razões, pois querendo beneficiar a todas as diversas partes de que se compõe a Monarquia, deverá attender ás vantagens, e prejuizos que de uma tal medida exclusiva póde resultar a aquellas ilhas.

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O Sr. Girão: - He licito aos redactores de qualquer projecto falar tres vezes. Esta he a 3.ª vez que falo, e não abusarei. Todo o excellente discurso do illustre Preopinante se funda era principios do experiencia. Com effeito a experiencia decide tudo, mas he necessario que seja bem feita porque se o não for todos os resultados são falsos. Logo se eu mostrar que a experiencia de que se falou, he falsa, e mal feita, todo o discurso do Preopinante cae por terra. Houve certo filosofo que faz uma experiencia sobre a queda dos graves no ar livre; por acaso deixou cahir ao mesmo tempo dous corpos de igual pezo e volume, e como a gravitação fosse igual, concluiu que o descenso dos graves era sempre igual; no que se enganou; da mesma forma, aquella experiencia for feita sómente com as agoas ardentes de França, e não foi feita com as de Portugal, ora era preciso que a experiencia se fizesse com as nossas agoas ardentes, para ao depois se concluir que as de França tinhão o dom particular de beneficiar os vinhos, tinhão um dom selado pela natureza. Por tanto aqui falha a experiencia.
Disse-se mas que a experiencia se tinha feito com vinhos do paiz proprio, e nos alambiques modernos; mas como não diz quaes são esses alambiques modernos, segue-se que a experiencia não he clara, e por isso as consequencias tambem não são claras, porque eu posso responder que o alambique era mal feito, assim falhando a experiencia não tem lugar os argumentos do illustre Preopinante. Experientia falax, judicium incertum. Para que as agoas ardentes sejão boas he necessario preparar os vinhos, ter bons alambiques, e ser mestre na arte de distiliar; por tanto recommen-do aos Faialenses a leitura da excellente memoria de Travassos sobre os alambiques modernos, as antigas obras deste illustre autor sobre distilações, podem mais lêr Vandelli, Chaptal, e o Marquez de Buillon, então chegarão a conhecer que podemos ter alambiques, e meios de fazer agoa ardente optima, igual á de França, e conhecer-se ha tambem que este agoa ardente de França não foi selada pela natureza, não tem dom algum particular. Insisto pois nas minhas reflexões, e desejo que ellas sejão conhecidas por muito constitucionaes, e justas.

O Sr. Aragão: - Tenho que responder á injusta arguição que me faz o Sr. Arriaga dizendo não dei a razão porque são precisas as aguas-ardentes, estrangeiras na Madeira; porém, ou não ouviu o que expus, ou se engana. Por quanto logo que me autorizei com a acta de 12 de Maio, e sua decisão; eis mostrada essa necessidade pelas razões, que então se ponderarão, e que motivarão o constante da mesma acta. Demais mostrei a necessidade que disso resulta aos habitantes daquella provincia pelo encontro dos seus vinhos com essas aguas-ardentes, de cuja pequena exportação se não devem privar, para que não seja maior a sua desgraça ocorrendo mais a duvida de serem, ou não boas as aguas-ardentes nacionaes para o concerto do vinho madeirense; se ainda quer mais, direi repizando até o que noutras occasiões tenho dito.

O Sr. Miranda: - Esta questão tem tomado tanta importancia, que se examinasse bem não teriamos uma tal discussão. O artigo tem duas partes, 1.ª que se imponha 80$ réis por pipa de direitos ás aguas-ardentes estrangeiras, e que as aguas-ardentes de Portugal se ponha o imposto de 40$ réis. Eu inclino-me á primeira opinião, que as aguas-ardentes de França tenhão 80$ réis de direitos, e não vale o dizer-se que na acta se dicidiu que devião admittir-se as aguas-ardentes extrangeiras, porque tambem se decidiu que se lhe havia impor um direito, não se estabelecendo então quanto havia de ser este direito. Voto por tanto pelos 80$ réis de direitos. Allega-se que a agua-ardente de França he seu genero tal, que em Portugal será impossivel o praticar-se, e fazer-se igual; no entretanto eu estou que a experiencia ha de mostrar o contrario, e estou pelo bom resultado della. He verdade que os alambiques ordinarios produzem aguas-ardentes que não tem ai qualidades da de França, porque não produzem logo os mesmos effeitos, mas quem poderá suppor que as aguas-ardentes acabadas de distillar no mesmo instante possão produzir, os mesmos effeitos que produz a agua-ardente velha. Todos sabem que esta tem melhores qualidades, e melhor sabor; de mais pelo que toca á cor de passagem devo dizer que em quanto á cor não se deve isto julgar ser uma qualidade privativa da agua-ardente de França, ella he devida a cousas diferentes. Eu tenho feito observações sobre as aguas-ardentes que se distillão no alambique de Flecher. Eu desafio o homem mais intelligente para que diga fé a agua-ardente de Flecher não he tão boa como a franceza, e se provando uma e outra se lhe acha differença, não se julgue que a bondade da agua-ardente de França provêm do solo da Franca. Não he daqui que nasce a bondade e a perfeição da agua-ardente franceza, mas sim da perfeição em que está a arte distillatoria. Elevemos nós a arte distillatoria a esta perfeição, e teremss agua-ardente finissima: nem se diga que ha de haver falta de aguas-ardentes no caso que se prohibão as francezas. Cá já se distillão bastantes para os vinhos de primeiro lote, quanto mais que todos sabem que a maior parte das aguas-ardentes entradas na Madeira não eram de França, mas das provincias do mediterraneo. Se pois estas aguas-ardentes erão lá admittidas, porque não hão de admittir-se as de Portugal? Por tanto voto os oitenta mil réis por pipa de direitos nas aguas-ardentes nacionaes, sou opposto ao parecer da Commissão. Já na ultima sessão me oppuz a isto, e então disse que por esta maneira íamos estabelecer uma especie de divisão entre as provincias do reino, e isto seria adoptar um principio inteiramente contrario á liberdade do commercio, que deve haver dentro do paiz.

Nesta parte he que eu admitto os principios de João Baptista Say. Dentro do paiz deve o commercio ser franco, os cidadãos portuguezes devem tranportar livremente os productos da sua industria de uma parte da Monarquia para a outra, isto he uma propriedade sua. Por tanto voto que não se imponha o imposto de quarenta mil réis de direitos nas aguas-ardentes portuguezas.

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O Sr. Corrêa de Seabra: - Ainda que não sou das ilhas, com tudo talando com o Botelho, Governador que foi da Madeira, que viajou toda aquella ilha, e fez observações dignas do seu discernimento e zelo sobre todos os ramos, e por conseguinte sobre a agricultura, e então tive occasião de adquirir alguns esclarecimentos sobre esta materia, e por isso falo nella. A colheita de vinho da Madeira póde calcular-se de vinte e cinco a vinte e sete mil pipas; o vinho he de tres qualidades, optimo, medio, e inferior, este só tem extracção para agua-ardente, o medio aproveitão para lotar o optimo, e para uso das tabernas. O vinho de embarque póde orçar-se de dezoito a vinte mil pipas, e por conseguinte o vinho que resta para distillar póde produzir mil e quinhentas até duas mil pipas de agua-ardente. Para o tempero e adubo do vinho d'embarque são necessarias pelo menos quatro mil pipas, e por conseguinte a ilha ha de necessariamente importar agua-ardente, e vem a questão a reduzir-se a estes precisos termos, se a importação necessaria ha de ser de agua-ardente de França, se de Portugal? Antes de declarar a minha opinião direi os sentimentos dos habitantes da ilha a este respeito. Os negociantes querem agua-ardente de França, porque he mais barata, e porque a julgão melhor para a estufa dos vinhos, como lhe chamão; isto he certa operação por que se apura e envelhece o vinha antes do tempo de que necessita no canteiro. Os proprietarios de vinhos verdes querem e desejão a prohihição da agua-ardente de França, que lhe empata e embaraça a venda da agua-ardente, unica extracção que tem esses vinhos. Os proprietarios do vinho de embarque geralmente são da opinião da prohibição da agua-ardente de França, pela razão de que julgando-se mais propria para anticipar o apuro e envelhecimento do vinho os prejudica na venda dos vinhos chamados de canteiro; todavia alguns delles são de opinião contraria pela commodidade que tem de permutar o vinho por agua-ardente, e não lhe ser necessario pagala a dinheiro; mas a opinião da maioria da ilha he de que se prohibão, de tal forma que já se fez consulta para o Rio de Janeiro para isto mesmo, ouvidas as camaras e os proprietarios. Sendo esta a opinião da maioria não póde haver duvida na prohibição da agua-ardente de França, ou carregala com um tributo forte que equivalha a prohibição? Devendo nós conciliar e attender aos interesses locaes das differentes provincias he necessario responder aos illustres Deputados da ilha que combatem a prohibição, ou imposição de um direito forte, com o fundamento de que tendo extracção os vinhos da Madeira para os portos de França e Mediterraneo, e não a tendo para Portugal ficão privados da commodidade da permutação, e de que as aguas-ardentes de França são superiores ás de Portugal para os adubos e temperos dos vinhos da Madeira. He verdade que os vinhos da Madeira não tem extracção para Portugal para consumo, mas podem-na ter para a reexportação, e a Companhia se se conservar póde fazer esse commercio com vantagem reciproca. Talvez os negociantes portuguezes entrem para o futuro na especulação de lotar os vinhos portuguezes com os da Madeira, e por isso tambem dê occasião ao commercio de permutação. Quanto á singularidade das aguas-ardentes de França já está dito e demonstrado pelos illustres Preopinantes que as nossas aguas-ardentes são iguaes ás de França, muito mais aperfeiçoando-se as destillações. Agora quanto aos direitos que se devem impor sobre a agua-ardente portuguesa que se importar para a ilha para que possa concorrer no mercado com a da terra, por isso que a agua-ardente se póde ali vender mais barata que a da ilha pela muita despeza que alí se faz com a cultura dos vinhos, carestia de lenhas, etc. etc., como diz um illustre Deputado da ilha, ainda que o commercio nacional mesmo para differentes portos do Reino Unido deva ser livre de direitos, todavia sendo necessario contrabalançar os differentes interesses locaes, posto que tem alguma duvida nas despesas da cultura do vinho inferior da ilha, porque elle he pela maior parte do norte da ilha, aonde o amanho e cultura dos vinhos he similitante á do Minho; sou de opinião que duas mil pipas entrem livres do direitos, porque esta porção não embaraçará a venda da da terra, e o excesso da que se importar pague um direito que poderá ser de vinte mil réis por pipa, ou que se imponha um modico direito em toda a que se importar.

O Sr. Soares Franco: - Temos a examinar duas cousas, primeira se se deve impor um tributo forte ás aguas-ardentes de França, segunda se exportando-se as nossas aguas-ardentes, estas devem ir livres de direitos. Os Preopinantes que se tem opposto ao principio de que se imponha um tributo forte, tem partido de dois principios; um que as aguas-ardentes de França são necessarias para adubar os vinhos da Madeira; segundo, que he mais conveniente aos proprietarios, e lavradores da Madeira, fazerem estas transacções com os negociantes francezes. O primeiro principio he falso. As aguas-ardentes de França, como já bem se disse, não tirão a sua bondade do terreno, nem de cousa alguma, a não ser da distillação, e trabalho porque passão; os vinhos da França são differentes, isto he claro. As novas maquinas por onde se distilla, he que põe a melhoria da agua-ardente, mas estas maquinas houve-as sempre? Os vinhos da Madeira antes de haver as aguas-ardentes de França, como agora não erão bons? E não temos nós tambem aguas-ardentes optimas para adubar aquelles vinhos? Vamos á segunda questão, se os lavradores da Madeira tem necessidade por causa das suas transacções commerciaes. He verdade que o commercio tem tomado aquella direcção com aquelles negociantes, mas os negociantes portugueses recebendo os vinhos da Madeira não lhe poderão dar direcção? Em França não entra vinho de fora, elles tem vinhos de differente qualidade, exportão muitas mil pipas, então como he isto? Logo dando-se outra direcção, esta póde dar-se aos negociantes portuguezes, uma vez pois que se estabeleça a segunda parte do projecto, que as aguas-ardentes portuguezas possão entrar livremente na Madeira. Voto pois por um direito forte nas aguas-ardentes francezas. Resta examinar outra questão, se devem entrar livres as
aguas-ardentes portuguezas. He para mim evidente que devem entrar li-

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vres. Os argumentos de alguns Preopinantes da carestia dos seus vinhos não tem fundamento algum. Por tanto voto pelo direito prohibiltvo, e voto que entrem livres de direitos as aguas ardentes portuguezas.

O Sr. Van Zeler: - As aguas-ardentes de Portugal feitas nos novos alambiques são iguaes ás de França, não faz nenhuma differença: já na Commissão das Artes observamos isto, a unica difierença que ha, he por aquella ser velha, e esta nova. Mas isto não tem nada. Se pois nós temos aguas-ardentes iguaes ás de França, he um absurdo importar nas ilhas agua-ardente estrangeira. Deve haver um direito forte, e muito forte. Nisto não tenho dificuldade nenhuma, no que tenho difficuldade he a respeito das aguas-ardentes de Portugal. Nós o que temos em vista he beneficiar a Madeira, porque a Madeira he um paiz que não tem outra cousa senão a cultura dos vinhos, ha certo interesse local que he necessario proteger. Diz o lavrador: não posso destilar o meu vinho porque a concorrencia do estrangeiro o impede. Todos sabem que a agua-ardente de Portugal em o Minho se está vendendo a 70 mil réis em pipa, saindo do porto de Vianna entrando no porto da Madeira. Quero suppor que faz de gasto mais dez mil réis; segundo as informações que tenho tomado, são necessarias 5 pipas de vinho ordinario da Madeira para fazer uma pipa; o que aqui o lavrador não póde ter; e qual he o resultado, he apresentar-se no mercado a pipa por 80 mil réis. Por isso o meu voto he que se ponha um direito necessario para equilibrar a agua-ardente fabricada na Madeira, com a de Portugal. Se a Madeira tivesse outro meio de cultura, bom; mas ella não tem senão vinhos. Eu tomei o trabalho de me informar com os negociantes da Madeira, e nelles achei a diversidade de idéas que encontro agora no Congresso, daqui se vê que são necessarias informações, por isso o meu voto he que procedamos a estas informações, que ponhamos um direito prohibitivo forte sobre as aguas-ardentes estrangeiras, e isto com brevidade, porque o mercado do Gibraltar está cheio dellas, e estão á espera da nossa decisão, prohibão-se por tanto, e neste meio tempo saião as de Portugal livres.
O Sr. Castello Branco Manoel: - O Sr. Wan Zeller poz o negocio em toda a clareza possivel. Eu apoio a sua opinião, e só me restão fazer duas observações. Primeiramente na sessão de 19 de Junho em que entrou em discussão este projecto, se pretendeu logo perturbar a decisão delle, e pôr a cousa em duvida; sendo o triunfo da parte contraria o não se tomar decisão nenhuma. Novamente vejo hoje offerecer-se uma indicação, requerer que se oução novamente as camaras, para ouvir os proprietarios da Madeira, para dilatar assim a discussão deste ponto. Eu requeiro que se leia a resposta da camara, que já se acha na Commissão. Este Augusto Congresso então virá no conhecimento de qual he a opinião geral daquella ilha. Se houvesse tempo eu leria os seus periodicos para se ver se he verdade o que eu tenho dito. Ha um individuo, Francisco Manoel Alves, que não sei quem he, mas dizem-me que he um agente e caxeiro dos Inglezes, interessado com elles na introducção das aguas-ardentes estrangeiras, que he o unico que apoia a introducção dellas, pelo contrario todos os proprietarios dizem que a agua-ardente estrangeira não he de França a quarta pane della, e esta quarta parte, que vai de França a Inglaterra, he adulterada com a combinação de outros licores, e por isso mesmo prejudicial aos vinhos da Madeira. Em quanto não entrou a agua-ardente de França erão óptimos os vinhos da Madeira, então he que merecêrão credito, e em toda a parte forão reputados pelos melhores do universo; agora porém que ellas entrão, está arruinada a sua reputação, porque agua-ardente tal facilita os meios de combinações dos vinhos inferiores daquella ilha, e por isso concluem todos os proprietarios, que nos periodicos falão, que as aguas-ardentes estrangeiras devem de todo ser prohibidas. Esta he a opinião geral de todas as camaras, e corporações. Resta responder ao Sr. Arriaga, que nós não tratamos agora a respeito do Faial, o artigo he relativo á Madeira. Se o Preopinante diz que por experiencia na ilha do Faial as aguas-ardentes de França, são indispensaveis, creio que merece todo o credito, mas em quanto á Madeira, a favor de quem falo, a experiencia e a razão me mostra que se póde muito bem passar sem ellas, e que os seus vinhos inferiores produzem excellentes aguas-ardentes mui capazes de adubar os superiores. Não devemos dizer que só os vinhos da França tenhão esta particularidade, porque a experiencia de mais de trezentos annos mostrou que a Madeira podia muito bem escusar-se das aguas-ardentes daquella nação, que ali forão sempre prohibidas. Repito que não supponho que só as aguas-ardentes francesas terihão tal particularidade. Nós vemos que os excellentes vinhos do Douro são adubados com aguas-ardentes, producto dos vinhos daquella mesma provincia. E porque não será igual o resultado se os da Madeira forem igualmente concertados com agua-ardente da mesma ilha? Responderei agora ás tres proposições que se avançárão, e que, se estivesse prevenido, podia refutar com certidões authenticas. Disse-se que os vinhos do norte e inferiores apenas andarião por quatro mil pipas, e sendo muitas as freguezias que os produzem, eu mostraria por certidão que só a de Ponta Delgada em 1819 de colheita regular produziu mais de tres mil. Disse-se mais que sempre na Madeira forão admittidas as aguas-ardentes estrangeiras. Eu mostraria que até 1770 sempre forão prohibidas e que a actual introducção ainda não he autorizada por lei, mas sim por abuso; e disse-se finalmente que a estagnação dos vinhos procedia da falta de exportação, e eu mostraria tambem, que no anno preterito ella excedeu muito a quinze mil pipas, que he o embarque regular.

O Sr. Aragão: - A minha honra tem defeza. Peço palavra. Acabo de ouvir que sigo partidos. Eu não sigo partidos.

O Sr. Castello Branco Manoel: - Se alguma palavra me escapou a respeito de partidos, referi-mo a partidos da Madeira, e não deste Augusto Congresso, onde os não póde haver absolutamente. O Sr. Presidente mostrando n'um eloquente dis-

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curso, e com razões satisfatorias, não vigorar a idéa ou a persuasão da offensa, nem que esta jamais era de esperar, nem de se consentir. Concluiu negando a palavra a este respeito ao honrado Membro.

O Sr. Aragão: - Pois bem, remetto-me ao silencio.

O Sr. Presidente: - Está presente a indicação do Sr. Aragão, o qual pede que se mande ás camaras da Madeira para que oução os proprietarios e lavradores sobre este objecto, sustada entretanto a deliberação sobre este negocio. Na ordem das questões eu, seria obrigado a preferir esta, pois que adoptada ella excluiria todas as outras medidas: entretanto eu não o posso fazer porque a indicação vem a ser uma opinião singular, que não vi apoiada por algum dos outros Membros do Congresso, não o proporei pois á votação, e passarei a propor as questões que se enunciarão na discussão. Primeiramente se ás aguas-ardentes estrangeiras que se importarem na Madeira se deve impor um direito forte, e se deve ser aquelle que he indicado no parecer da Commissão. Os que approvarem pois os oitenta mil réis de direitos, segundo indica o parecer da Commissão, queirão ter a bondade de se levantar, os que reprovarem ficão sentados. (Approvárão-se os oitenta mil réis). Está decidido que se imponhão oitenta mil réis de direitos nas aguas-ardentes estrangeiras, resta tratar das de Portugal. Aquelles Srs. que forem de parecer, e adoptarem o direito de quarenta mil réis por pipa, levantem-se. (Regeitou-se). Proponho agora se a agua-ardente de Portugal que houver de entrar na ilha da Madeira deve ter algum direito ou se deve ser livre de direitos. Os que forem de opinião que ella deve ter algum direito queirão ter a bondade de levantar, e os que julgarem que hão deve ter nenhum queirão ficar sentados. (Venceu-se que devia ter algum direito). Resta ver qual deve ser este direito? Propoz-se em questão, que a meu ver he attendivel, que he preciso equilibrar o preço da agua-ardente de Portugal com o preço por que ella sae aos habitantes da ilha da Madeira. Nós não o poderemos bem fazer sem as informações competentes.
Aquelles. Srs. que forem de opinião que para se estabelecerem os direitos a que devem ser sujeitas as aguas-ardentes de Portugal na Madeira se deve proceder ás averiguações precisas, levantem-se, os que não julgarem precisas estas averiguações deixem-se ficar sentados. (Decidiu-se que não erão precisas informações). Vamos por tanto a ver quanto se deve impor de direitos nas aguas-ardentes portuguezas. Proponho primeiro dez mil réis por pipa. Os Srs. que forem de opinião etc. (Venceu-se dez mil réis por pipa). Resta ainda outra proposição, e vem a ser se as medidas que se acabão de adoptar a respeito da Madeira devem ser extensivas á ilha do Pico e Faial.

O Sr. Franzini: - A medida deve ser igual por todas as razoes, e ainda mais porque até se vai introduzir no Faial um alambique.

O Sr. Freire: - Esta materia não veio para ordem do dia, assento que não podemos decidir.

O Sr. Soares Franco lembrou que havia necessidade de olhar a lotação das pipas da Madeira para imposição dos dez mil réis de direitos, e por isso que se acabasse de decidir tudo a respeito da Madeira.

O Sr. Castello Branco Manoel: - As pipas da Madeira são de 23 almudes, nem esta lotação se poderia alterar pelo transtorno que haveria, sendo certo que por esta lotação se pagavão congruas, etc.

O Sr. Presidente: - Os que approvarem que as pipas devem ser da lotação (para serem sujeitas a direitos de dez mil réis) de 23 almudes, medida da madeira, levantem-se? (Aprovado).
Continuou a discussão sobre a promoção das aguas-ardentes da madeira se deveria estender ao faial e Pico.

O Sr. Ferreira Borges: - Deve prohibir-se para evitar todo o contrabando, pois que de lá já veio grande contrabando da agua-ardente para o Porto.
O Sr. Arriaga impugnou a arguição do contrabando, por lhe parecer que isto se referia ao tempo da guerra.

Este incidente produziu pequena discussão, e nella disse o Sr. Sarmento, que não só tinaouvido fallar neste contrabando, mas que até tinha ouvido arguir certos Deputados da Junta das Companhia daquelle tempo de serem os fautores delle.
O Sr. Peixoto: - A discussão deve restringir-se ao ponto da questão, sem divagarmos por objectos estranhos. Por tanto deixemos-nos do incidente; e eu direi alguma cousa sobre o ponto. Ao Sr. Arriaga digo que o contrabando praticou-se depois da guerra, e isto mostra que a providencia que acaba de dar-se para a Madeira não surtirá o pretendido effeito senão se estender ao faial e Pico; pela facilidade com que por ali se podem contrabandear as aguas-ardentes estrangeiras. Agora contra a mesma extenção da providencia, sómente uma razão tenho ouvido, fundada na necessidade que o Pico e Faial tem (para dar aos vinhos estufados a qualidade de que a sua boa reputação depende) de aguas-ardentes de França, e apezar deste argumento se dizer fundado na experiencia, eu não posso attribui-lhe o menor pezo. He bem sabido que nas ilhas entrão com titulo de aguas-ardentes francezas, não só as fabricadas nas diversas provincias da França, mas tambem as da Hespanha; ora não póde conceber-se como estas aguas-ardentes todas tenhão uma qualidadeparticular, que não possa dar-se ás de Portugal; quando temos o melhor uso, e a maior variedade de vinhos não contrafeitos da Europa, e sendo os seus contentos n'umas e em outras provincias os mesmos, só com a commum differença que ha entre sitio e sitio de abundarem mais n'umas e em outras das partes componentes. O ponto todo está na manipulação, della depende o tirarem-se de vinhos bons ruins aguas-ardentes, e vice-versa, posso affirmalo por experiencia. De vinho verde de igual qualidade distillado no mesmo alambique dos antigos tenho visto extrahir agua-ardente mui diversa, assim como era diverso o cuidado e asseio com que a distillação se fazia. Do mesmo vinho verde vi agua-ardente velha tão perfeita, que posta a par da de França de Conhac, bons entendedores lhe derão a preferencia para qualquer uso. Presentemente não ha segredo em taes distillações, e a supposta qualidade

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particular da agua-ardente de França he no meu conceito uma quimera, assim como deve ser quimerica a alegada necessidade della para o preparo dos vinhos das ilhas, logo que lá tenhão saída as de Portugal; os nossos emprehendedores terão o cuidado de mandalas fabricar, ao gosto dos consumidores. Por tanto, voto que a providencia seja commum a todas as ilhas.

O Sr. Freire: - Não terei duvida sobre a prohibição dos estrangeiros, o que me parece he que deve haver diferença de diremos nas portuguezas, porque não vejo a respeito do Faial as mesmas razões que a respeito da Madeira.

O Sr. Arriaga: - No Faial e Pico os jornaes são caros, ha jornaleiros que ganhão a 400 e 500 réis, os mais baratos são a 200 réis por dia, os lavradores gastão muito com as fabricas dos vinhos.

O Sr. Castello Banco Manoel: - No Faial tambem o fabrico he caro, por isso opponho-me ao que diz o Sr. freire.

O Sr. Miranda: - He odiosa qualquer differença, devem ser os dez mil réis para todos. (Votos, votos).

O Sr. Presidente: - Pois proporei a votos. Primeiro se as aguas-ardentes estrangeiras que se importarem para quaesquer das ilhas devem ter 80 mil réis de direitos? Decidiu-se que sim. Se as portuguezas devem ter em todas as ilhas 10 mil réis de direitos? Decidiu-se que sim.

Decidiu-se também que a pipa seja em todas as ilhas regulada pela medida do paiz: encarregou-se a Commissão de Agricultura de apresentar, quanto antes o decreto redigido na conformidade do que se venceu, sem esperaria decisão do resto do projecto.
Designou-se para a ordem do dia o projecto da Constituição, e levantou-se a Sessão á hora do costume. - Agostinho José Freire, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para José Antonio da Rosa.

lllustrissimo e Excellentissimo Senhor: - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza concedem a licença que V. Exc. pede por oito dias para tratar da sua saude. O que communico a V. Exc. para sua intelligencia.

Deus guarde a V. Exc. Paço das Côrtes em 4 de Outubro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para Manoel Ignacio Martins Pamplona.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo, a fim de ser competentemente verificado, o incluso offerecimento que a beneficio da divida publica fazem o Coronel do regimento de Milicias de Evora, Francisco Ferreira da Silva Sousa e Mendes, e mais alguns officiaes do mesmo regimento, dos soldos de cinco mezes do anno de 1812, e de varios outros vencimentos, importando tudo na quantia de seiscentos noventa e um mil oitocentos noventa e um réis. O que V. Exc. Levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 4 e Outubro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, ordenão que o Reverendo Bispo de Leiria remetta com a brevidade possivel, pela Secretaria de Estado dos Negocios da justiça, todas as explicações que se requerem na indicação constante da copia inclusa por mim assignada. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 4 de Outubro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza tomando em consideração a conta junta da administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas da Alto Douro, datada em 20 de Setembro proximo passado, e remettida ao Soberano Congresso pela Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 27 do mesmo mez, expondo as queixas e reclamações de alguns Accionistas, sobre o meio pelo qual, em virtude da resolução das Cortes do 1.º do referido mez, a mesma Junta entendeu, que os devia ouvir acerca do plano de reforma, cuja formação e proposta, foi encarregada ás Commissões creadas na forma da ordem de 25 de Agosto do presente anno: resolvem, que a mencionada Junta deu a verdadeira intelligencia á citada resolução na sua circular de 12 do mez passado, mandando ouvir aquelles Accionistas por escrito, e não pessoalmente. O que V. Exc. fará constar aonde convem.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 4 de Outubro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

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