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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 202.

SESSÃO DO DIA 17 DE OUTUBRO.

Aberta a Sessão, sob a presidência do Sr. Castello Branco, leu-se a acta da Sessão antecedente e foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente, e mencionou os seguintes

OFFICIOS.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Manda EIRei remetter ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, o incluso parecer da Commissão de commercio do Porto, estabelecida para a reforma da Companhia geral da agricultura das vinhas do Alto Douro; e rogo a V. Exa. queira fazer presente ao Soberano Congresso para as suas ulteriores determinações.
Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 16 de Outubro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - Filippe Ferreira de Araujo e Castro.
Remettido ás Commissões reunidas de commercio e agricultura.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - S. Magestade manda remetter ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, a informação inclusa do Vigário geral do Isento de Villa Viçosa, á cerca das paroquias do mesmo Isento; e bem assim a conta do reverendo Arcebispo Primaz, que acompanha os três mappas juntos, relativos ás freguesias da comarca ecclesiastica da Torre de Moncorvo.
Deus guarde a V. Exa. Palacio de Queluz em 14 de Outubro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras; José da Silva Carvalho.
A Commissão ecclesiastica de reforma.

Illustrissimo e Fxcellentissimo Senhor. - Por determinação de Sua Magestade, em consequência da ordem das Cortes Geraes e Extraordinarias, de 9 do corrente mez, tenho a honra de transmittir a V. Exa. as informações inclusas, havidas do Intendente geral das obras militares, e do commandante da guarda da policia, sobre o requerimento do negociante Antonio José Pacheco , no qual pertende a entrega do barracão que possue a S. Francisco da Cidade, em que se achava aquartelada uma companhia da dita guarda; e das mesmas informações se vê que por portaria de 23 de Julho se tinha já ordenado a mudança da referida companhia, e a entrega do dito barracão, que com effeito teve lugar no dia 2 de Setembro ultimo.
Deus guarde a V. Exa. Palacio de Queluz em 15 de Outubro de 1831. - Sr. João Baptista Felgueiras; Candido José Xavier.
A Commissão de justiça civil.

O mesmo Sr. Secretario deu conta do offerecimento que faz o Beneficiado José António de Oliveira Barreto, de uma colleção de exemplares de uma memória sobre objectos de agricultura, que se mandou á Commissão respectiva: e do que faz do elogio histórico de Guilherme Luiz Antonio Valleré sua filha D. Maria Luiz de Valleré para ser depositado na livraria das Cortes, que se recebeo com agrado.
Deu igualmente conta da redacção do decreto sobre transito das mercadorias de Hespanha para serem re-exportadas, que senão tomou em consideração, por ser contra uma decisão das Cortes relativa aos dias, que são dedicados á discussão do projecto da Constituição.

Verificou-se o numero dos Srs. Deputados, estavão presentes 97, faltando os Srs. Osório Cabral, Barão de Molellos, Basilio Alberto , Pereira do Carmo, Sepulveda, Bispo de Beja, Macedo, Travassos, Soares Franco, Soares de Azevedo, Baeta, Jeronymo José Carneiro, Brandão, Pereira da Silva, Vicente da Silva, Gouvéa Osorio, Corrêa Tel-

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les, Feio, Manoel António de Carvalho, Gomes de Brito, Sande e Castro, e Lemos Brandão.

Passou-se á ordem do dia, e entrou em discussão a ultima parte do art. 74. - Os Deputados em uma legislatura poderão ser reeleitos para as seguintes.

O Sr. Serpa Machado: - A natureza desta ultima parte do artigo mereça o mais serio exame, porque tendo os redactores do projecto da Constituição derivado a maior parte dos seus artigos da Constituição de 1791, em França, e da de Hespanha, nesta parte não só as não seguirão, mas estabelecerão uma doutrina diametralmente opposta á que se acha naquellas duas Constituições. Vou pois combater a proposição do artigo, segundo o qual he permittida a reeleição dos Deputados na immediata legislatura. Verei se posso demonstrar que similhante medida he contraria aos verdadeiros interesses da Nação, que compromette e arrisca a liberdade nacional, e abre um fácil caminho ao despotismo. Farei por seguir com ordem o fio das minhas idéas. Ninguém me pode duvidar que he muito opposto aos interesses da Nação, que no corpo legislativo se forme um partido da minoridade dos seus votos, o qual pela sua preponderância se luza e arraste o resto da Assembléa a seu sabor: por tanto he da prudência legislatoria o lançar mãos daquellas medidas que tendem a evitar taes monstruosidades, pois que somente a espontânea votação da maioria dos seus membros, e esta não seduzida, he que se póde chamar a expressão da vontade geral. Permittida porém a reeleição, necessariamente se facilita este mal no Congresso. Quem terão os reeleitos na seguinte legislatura. Serão aquelles que pela sua elegância, pelo precioso dom da palavra, pelas suas virtudes ostensiveis mais se tiverem distinguido na antecedente deputação. Se estas iminentes qualidades já davão muita preponderância áquelles que as possuião, quanta lhe não darão concorrendo com outros ainda noviços na arte de discutir, e pouco versados na talica das publicas assembleas? Admittido este perigoso methodo da reeleição, não se dá aso a que meia duzia de homens os mais eloquentes, e que podem não ser os mais virtuosos, dêm a lei na Assembleia, e só constituão uns tyrannos destros e subtis da opinião ou fraqueza dos seus collegas? Alem de que admittida a reeleição, ainda que esta caia nos mais beneméritos, não ficão estes privados das luzes da experiência que poderião ir adquirir dentro deste intervallo entre os seus concidadãos, confundindo-se com elles, descendo do lugar imminente para irem aprender a observar leis que elles mesmos havião feito; notar os embaraços da sua execução, e habilitar-se para a sua reforma com uma grande somma de conhecimentos práticos? He por tanto contra os sólidos interesses da Nação o inhabilitar os Deputados por meio de uma reeleição sucessiva e prolongada para poderem adquirir conhecimentos práticos só próprios da situação de quem obedece, e não de quem ordena. Digo mais que tão indiscreta reeleição arrisca a liberdade nacional. Qual será o cidadão zelosa da liberdade que veja sem uma espécie de como outro cidadão por mais benemerito que pareça continuamente sentado no throno legislatorio permeio de successivas reeleições, o que tira das mais
das vezes por seduções e talvez suborno? A cada passo estará parecendo que se levanta um ou muitos Cônsules perpétuos, Dictadores, ou Decemviros.
Accrescento que com esta reeleição se facilita o caminho ao despotismo, ou de um punhado de homens que se erigem em árbitros da assembléa, ou do Governo, que querendo fazer alguma tentativa sobre o corpo legislativo, não tem mais que attrair esse pequeno numero influente, ou de qualquer facção exterior que aspire á dominação. Passo agora a mostrar que os pertendidos bens que nascem da reeleição são tão illusorios como quiméricos, e que os males são muito graves e superiores.
Consiste o primeiro bom effeto da reeleição em se ampliar mais a liberdade da Nação, dando-lhe um circulo mais extenso em que possão escolher, isto he, mais cento e tantos homens em que possa recair a eleição. Não póde haver um argumento mais sofistico. Toda e qualquer lei he repressiva da liberdade do cidadão; e por tanto a limitação da liberdade he um lugar commum que se póde objectar contra todas as leis. He por isso que devemos examinar se a lei he conveniente ao bem da sobriedade, e se este bem compensa o sacrifício da liberdade, porem eu já indaguei que a prohibição da reeleição era conveniente á utilidade geral da sociedade: logo não póde entrar em conta a coartação da liberdade, com a qual se pertende fazer odiosa esta sabia medida.
Diz-se mais, que sem a reeleição se não pôde conservar a unidade do sistema de legislação, porque o que uma Deputação fizer será alterado pela immediata. Porem no meu pensar a unidade de legislação não depende tanto dos legisladores, como do plano que lhes foi trassado, e do qual se não podem afastar; este plano he a Constituição; as leis subsequentes não podem ser, senão uma desenvohição dos princípios constitucionoes, este he o verdadeiro centro de unidade, e não a inconstante vontade dos mesmos legisladores, que mudão ás vezes de opinião na mesma legislatura, e que digo até na mesma sessão.
Confrontemos estes fantásticos bens com o mal que sofre a Nação no risco da liberdade, com o risco dos próprios elegentes, sempre expostos a serem enganados por áquelles mesmos que mais ostentão os seus direitos. Srs., sejamos sinceros, o homem em qualquer situação he devorado de ambição. Quantas vezes vemos que elle se afasta do caminho da justiça, para lisongear as paixões da multidão; que milhares de vezes desconhece, e se cega sobre os seus verdadeiros interesses? Quantas vezes os tribunaes da plebe em Roma contestando a sua ambição com o simula era da liberdade, com que embriagavão o povo, o conduzi ao á anarquia, e á desordem; e abrião assim o caminho a novos, ou ao mesmo emprego. A lei agraria tão popular, seria ella a mais justa? Também não he vantajosa a reeleição para os reeleitos; por mais honroso que seja o cargo de legislador, aquelle que por muitas e successivas Deputações se vê obrigado a exerselo, desempara a sua família, os seus bens, o centro e a administração dos seus negócios, negando-se-lho o pequeno intervalo de uma Deputação para conciliar seu peculiar interesse com o

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publico. Se he encargo não peze sobre os mesmos, e reparta-se por muitos, e se he honorífico não seja privativo dos mais ambiciosos.

Instão-me que estes males são inevitáveis admittida a reeleição em Deputações alternadas: respondo que quando se não pode evitar um mal completamente, se evite em parte, se ha de ser como dez o damno, será como cinco.

Vou agora provar que os argumentos tirados em favor do artigo das catastrofes que teve a Constituição franceza de 91, e a Hespanhola peccão contra as regras da boa lógica. Attribuir a queda da Constituição franceza de 91 á falta da reeleição dos Deputados constituintes, he o mesmo que assignar a um effeito que pôde ter muitas causas uma só dellas, talvez a menos ponderosa. Quem tem tido com attenção a historia da revolução franceza não conhece claramente que a anarquia encoberta com uma exaltada democracia foi quem deu cabo da bem entendida liberdade, que os bons Francezes appetecião; a guerra civil que se declarou em França, que fez passar os Francezes da tyrarmia de muitos para a tyrannia de um só, mais destro, porem menos sanguinário, proprio da corrupção dos costumes, e dos encarniçados partidos que secretamente se minavão uns aos outros. He pois uma supposição gratuita o attribuir esta catástrofe da Constituição franceza e falta da reeleição dos Deputados; e não menos a da hespanhola a tão pequena causa. A reforma na Hespanha, como em toda a parte, cria descontentes, estes unirão-se á soldadesca rede e allucinada por um general degenerado e apoiado em uma grande força estrangeira derribarão a arvore da liberdade mal arreigada no inculto paiz das Hespanhas. Não permitte a boa dialelica que nós arbitrariamente chamemos a falta de reeleição de Deputados a alavanca com que Archimedes pretendia dar movimento ao mundo. Concluirei as minhas observações mostrando, que os inconvenientes da reeleição dos Deputados se multiplicão, quando se trata dos Deputados de Cortes Constituintes; estes habituados a legislar amplamente, a exercer a titulo de suprema inspecção uma influencia mais ou menos directa no Governo e seus Ministros, no Poder judiciário, cujos membros podem ser demittidos, cotes Deputados jamais em suas vidas se poderão accommodar aos mais limitados poderes de umas Cortes ordinárias que jamais poderão transpor as raias do Poder legislativo, e sujeito á sancção Real. De mais, as Cortes Constituintes conservão-se reunidas ate á instalação das Cortes ordinárias, e por tanto as eleições se hão de fazer durante o exercicio desta Deputação Constituinte. E duvidará alguém da influencia que os Deputados podem ter nestas eleições? Não será ella maior que a dos magistrados, que a dos Bispos, que a dos párocos que acabamos de excluir?
A voz de qualquer Deputado não só tem abalado os magistrados no exercicio dos seus empregos: não se tem demittido os Ministros d'Estado, os Governadores do ultramar, e outros? Não posso conceber que esta influencia seja de pouco momento, e com que justiça nós nos queiramos subtrair a identidade de razoes com que outros forão inibidos da reeleição? Em fim lembremo-nos do ódio que attraírão sobre si os Decenviros, e não queiramos directa ou indirectamente dar ideas de nos querermos perpetuar n'um lugar superior, nem corrompamos a gloria que podemos ganhar fazendo óptimas leis, e descendo ao seio dos nossos Constituintes, para lhes ensinarmos a obedecer a ellas. Voto por tanto uma doutrina contraria á do artigo.

O Sr. Trigoso: - Com tres razões se póde combater a ultima parte do artigo, e provar que os Deputados de Cortes não devem successivamente ser reeleitos: a primeira he, porque seguindo-se a doutrina do artigo dar-se-ía azo aos Deputados para se eternizarem nas legislaturas, ao contrario do que já se decidiu, a saber, que elles devião ser renovados de dois em dois annos, com differença do Poder executivo, cujo chefe he sempre o mesmo. A segunda razão he porque não tendo sido os empregados públicos excluídos das eleições, e devendo em quanto Deputados conservar os seus lugares, que com tudo não podem servir, seguir-se ia da reeleição delles o inconveniente de estarem por muitos annos estes lugares sem ser exercidos por aquelles que os devião exercer, e bem se vê a falta que entretanto fará um Pároco na sua paroquia, um bispo na sua diocese, um Magistrado no seu território. Mas eu deixo estas duas razões para me applicar só á terceira, que eu a reputo a mais forte, e que he deduzida da grande influencia que os Deputados podem exercitar com o fim de serem reeleitos. Com effeito esta influencia foi o unico principio, donde até aqui se tem deduzido as exclusões de algumas classes de indivíduos para as eleições de Deputados. Mas se com estas classes quisermos comparar as dos Deputados de uma legislatura, conheceremos que elles não só podem exercitar a mesma, mas muito maior influencia. Os empregados na Casa Real, por exemplo, são excluídos; mas que influencia pôde exercitar a maior parte delles, que ponto de contacto tem um Medico da camara ou de familia com o Poder executivo? Os Párocos influem nos seus paroquianos, mas esta influencia apenas passa alem dos limites das cousas espirituaes; os Desembargadores de uma Relação nem são conhecidos pêlos seus nomes pela maior parte, dos habitantes das províncias, a que se estende a sua jurisdicção; mas os Deputados de Cortes alem de muito conhecidos, são os que exercitão o maior poder na Nação, e por isso a sua influencia não pôde deixar de ser maior, que a de todos os outros. He verdade que sendo o seu poder puramente legislativo, e se este se podesse só conservar em these, ou em abstracto pouca seria a sua influencia, mas os Deputados de Cortes, não só fazem os leis, mas interpretão nas, derogão-nas, dispensão-nas, elles põem e tirão tributos, fazem algumas nomeações de empregados, e em muitos outros casos intendem na administração publica do Reino; por isso não lhes será difficil formarem um partido, que nas eleições seguintes os sustente no seu lugar: bem sei que sempre medeia tempo entre uma e outra eleição, e que quando se faz a segunda já os primeiros Deputados não tem o poder, mas tinhão-no ha pouco, e assaz podem ter mostrado aos seus

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Constituintes o que delles devem ainda esperar. Além de que, he necessário que esta influencia seja exercitada nos ultimos dias antes da eleição! Um Corregedor, por exemplo, visita em correição à sua comarca, no que se demora uma pequena parte do anno; em todo o resto deste, quasi todas as pessoas da mesma comarca pouco ou nada dependem delle; mas não só a influencia que podem ter os Deputados he tanta ou maior que a dos empregados públicos, mas he de muito mais perniciosas consequências: os Deputados de Cortes estão n'uma posição mui critica e arriscada, muitas vezes são obrigados a pôr-se mal com as suas consciências por amor da opinião do publico, ou a pôr-se mal com a opinião do publico por amor da sua consciência: nesta colisão o homem forte e independente sabe fazer facilmente a escolha do partido que ha de tomar, despreza animoso o voto do publico para não trair os deveres da sua consciência; mas o ambicioso seguirá outro caminho, elle será mil vezes tentado a atraiçoar a sua consciência, para captar a aura popular, e conseguir ser reeleito; e eis-aqui como esta influencia he de mais perniciosas consequências; porque um Magistrado com uma sentença injusta póde tirar o direito a seus letigantes, mas um Deputado com um voto, em que deseje captar a benevolência do maior numero, póde perder o Estado: e o que se pode dizer a favor da reeleição? Dizer-se-ha que o interesse publico pede, que aquelles que construirão o edifício da Constituição o conservem, para não ser em breve tempo arruinado. Este medo não he fundado, senão lembremo-nos do que já passou por nós; quem fez as primeiras eleiçães, e quem forão os eleitos os que fizerão as eleições forão tirados da massa geral da Nação, na qual ainda não havia dois mezes que se tinha generalizado a regeneração; os povos não sabião pois o que fazião, não tinhão ideas algumas de Cortes, nem de Constituição: os eleitos em grande parte ainda não sabião bem a linguagem constitucional; tínhamos um pouco de patriotismo e nada mais: apesar disto vemos que os povos não se enganarão na sua escolha, e que nós aprendendo cada dia o que havíamos de dizer e fazer a favor do bem publico, temos ido levantando este edifício: olhemos agora para as eleições futuras, e veremos quanto mais facilidade ha para que alias sejão boas; os povos já sabem o que fazem, e o que querem: os elegendos caminhão já, não ao acaso, mas sobre os vestígios dos que os precederão: que inconveniente póde haver em que os Deputados não sejão reeleitos? Se cem homens em Portugal fossem só os capazes de conservar o systema que tem adoptado, sem duvida esse systema cairia brevemente por terra. Nem eu digo que os Deputados de uma legislatura nunca mais possão ser reeleitos, digo que o não sejão logo na seguinte, esse tempo basta para se perder a influencia, e para que a Nação possa bem conhecer o que delles deve esperar, entretanto elles não são inúteis, porque se espalhão por todas as classes da sociedade. Os empregados públicos servem os seus empregos, e acostumão-se a obedecer aquelles que ate agora mandarão.
O Sr. Castello Branco Manoel: - Em tudo apoio a opinião dos illustres Preopinantes que me precederão a falar, dizendo que de forma nenhuma se póde sustentar esta parte do art., elles tem dado razoes tão solidas, que eu pouco mais tenho a accrescentar; mas antes de accrescentar mais alguma cousa, devo fazer uma reflexão. Na Sessão passada em que se tratou da matéria do art. 64, eu segui uma opinião inteiramente diversa do que adoptou o soberano Congresso. Mas apezar de tudo isso, ainda não estou convencido. Não suppunha que neste art. se tratava de restringir a liberdade dos cidadãos; que antes ao contrario se ampliava. Já aqui se decidiu, que um soldado fica excluído de votar no seu coronel, porque este pela influencia que exercita sobre urn soldado, vem indispensávelmente a attrahir o seu voto. Não vejo eu razão para que de forma nenhuma esteja neste lugar este ultimo período, porque nós pozemos a excepção na regra geral. Isto não deve ser. Que os Deputados poderão ser reeleitos na immediata legislatura , se acaso assim se decidir, bem decidido está, porem eu sigo a opinião de que não devem ser reeleitos na immediata legislatura. As razões além daquellas que se tem ponderado são solidas; porque assim o pede a utilidade publica, e particular; em quanto a de utilidade publica, he certo que nestas estabelecem-se neste santuário as leis, e delle são emanadas. He certo, que segundo as circunstancias ellas se modificão, e alterão, e por isso um Deputado que concorreu para a formatura de uma lei, se ella dever por algumas circunstancias ser alterada, elle certamente não gostará disso, porque foi quem a fez, e de certo ha de querer sustentar a mesma decisão; e por estes motivos não será coherente, que um Deputado que legislou em uma legislatura, seja de voto para excluir na futura, o que decidiu na passada: alem disto de pouco servirão as leis, se elles senão ligarem a ellas: se acaso os Deputados quando se acabarem as Cortes, saírem daqui para fora, e forem uns serem magistrados, outros servirem empregos públicos, outros etc. executarão melhor as leis, porque os lugares vão ser servidos por aquelles que as fizerão. Certamente não haverá empregados públicos mais constitucionaes, do que aquelles, que daqui saírem. Não devem continuar os Deputados na immediata legislatura, mesmo para elles irem pôr em execução aquellas mesmas leis, que elles criarão, e deste modo serem muito interessantes á utilidade publica. Além de que, o ministério indaga, examina, c faz por escolher com acerto aquellas pessoas, que hão de servir os empregos públicos; e poderão elles ser mais bem entregues do que aquelles mesmos que tiverem estado neste recinto? Escolherá esse* magistrados, e empregados públicos os mais hábeis; pois são elles que tem dado todas as demonstrações de serem constitucionaes: e consequentemente por todas estas razões não devem continuar a ser reeleitos nas immediatas legislaturas. Também pela outra parte se verá de alguma forma, e já se disse, que se nós examinassemos o coração do homem, não poderíamos concluir dahi que todos os homens tenhão ambição, mas o amor dos seus interesses concorrerá muito para as suas deliberações. Que incommodos, por exemplo, não tem os Deputados em assistirem

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diaríamente a estes trabalhos, e principalmente os do Ultramar, que incommodos não soffrem nas suas viagens? E talvez (eu não devo suppôr que isto aconteça), mas talvez que pódesse succeder, que alguns delles não quizessem mostrar os seus grandes talentos, para não serem reeleitos nas seguintes; isto póde muito bem succeder. Concluo que os Deputados não devem ser reeleitos, ao menos que medeie uma legislação, e que o art. deve emendar-se. Não poderão ser reeleitos os Deputados na immediata legislação. Este he o meu voto.

O Sr. Moura: - Não posso adoptar a opinião dos tres illustres Deputados, que me precedêrão a falar, e sigo exactamente a do projecto. A justiça da causa suprirá a falta dos meus talentos; conheça que o combate he desigual, tendo que refutar tão habeis oradores, mas he forçoso declarar o que a minha razão, e a minha consciencia me aconselhão.
Não he o meu objecto defender o systema da reeleição, mostrando as vantagens, que delle podem resultar a sociedade. Se este fosse o lado por onde a questão me parecesse devia ser olhada, bastaria mostrar só, que a reeleição se encaminha a dar uniformidade a politica interior, e a legislação do estado; bastaria mostrar que da mobilidade dos individuos depende a mobilidade dos systemas, e que mais vale adoptar um systema, posto que defeituoso, do que estar mudando, e variando em cada legislatura. E bem que possa dizer-se, que não ha tanto receio destas variações; porque a legislação repousa mais em principios constantes do que em rotinas, quem assim discorre não reflete, que ainda quando os principios são constantes, e invariaveis, não o he, nem o póde ser a sua applicação, e menos invariaveis, e constantes o pódem ser as consequencias, que delles se podem deduzir. - Mas não he este o lado, por onde eu pertendo olhar a questão, como ja disse. - Outros, e mais fundamentos me parecem os argumentos, porque se deve adoptar o systema da reeleição. - Analysemos os principios essenciaes do Governo representativo, vejamos se o systema da reeleição concorda, ou discorda delles, e teremos razões sobejas para comprovar o proposto systema da reeleição. - E neste sentido as minhas ideas são as seguintes: O primeiro principio que justifica a reeleição, he o da liberdade de eleger, que deve compelir ao que exerce esta importante funcção de votar nas assembléas eleitoraes, menos quando o perigo evidente da causa publica, obriga a limitar a applicação deste mesmo principio. - Estou ja ouvindo uma resposta e até me parece que alguns Senhores murmurando se me antecipão em a dar. - Ella vem a ser, que nós ja admittimos muitas excepções a este principio da liberdade de eleger, e que he debalde recorrer a elle, o caso todo está em justificar ou reprovar a excepção. - E certamente que no principio vem desde logo involvidas as excepções, que se adoptão; tem razão os que assim me respondem, tratemos por isso de provar que não he aqui necessaria a excepção. - O discurso he facil, e senão vejamos. Se he de toda a evidencia, que a base do Governo representativo he a faculdade de delegar a soberania, escolhendo representantes; e se he de igual evidencia, que a liberdade nesta escolha he o que na de mais importante, e mais essencial no exercicio desta faculdade, por isso que põem o votante no caso de seguir tão sómente as inspirações da sua confiança, não lhe de menos evidencia que he necessario restringir esta liberdade, quanpd uma influencia estranha póde tirar esta mesma liberdade e forçar a escolha. - Este foi o motivo das excepções que já fizemos ao principio da liberdade de escolher, e não he contradictorio, antes he muito conforme ao mesmo principio admittir estas excepções, porque he certissimo que o votante não he livre quando se póde considerar submettido a influencia corruptora do poder, e da autoridade. Ora posto isto, eis-nos chegados ao ponto sobre que versou o discurso do illustre o Sr. Trigoso, e este he o ponto preciso da questão. - Por ventura estará no caso de desenvolver uma influencia seductora no animo dos eleitores um individuo que foi Deputado de Cortes? Quem poderá de boa fé dizer que sim, uma vez que reflicta no que he poder?... Se o Deputado tem poder influente, reparemos que este poder a esse tempo existio; e já não existe. E de que poder se trata, não he do que existe, não he do poder actual. Por ventura poderá entrar em consideração o poder que foi, ou o que ha de ser? Por ventura no caso dos Magistrados, que estão em exercicio, no caso dos Bispos, no dos Parocos, no dos Coroneis de milicias, trata-se de um poder que foi, ou de um poder que he, e se acha n'uma actualidade efficaz, e permanente? O Deputado que acabou de ser Deputado, e se apresenta como candidato n'uma assemblea eleitoral, he verdadeiramente um particular, tem acabada a sua missão, não lhe póde restar a mais leve influencia, e se acompanha para a sua provincia só do seu nome, e da reputação do seus talentos, e de suas virtudes. Esta he a verdede, e o ponto de vista, em que esta materia deve ser olhada. Porem eu quero ja admittir a hypothese do meu illustre amigo o Sr. Serpa, que he só meramente uma hypothese; porque não ha leis, nem doutrina, que ponta em necessidade estarem juntas as Cortes constituintes em quanto se procede a eleição dos deputados das Cortes seguintes ou meramente legislativas. - Supunhamos porem que assim era, que poder considerão meus illustres adversarios a um simples voto de um só Deputado, para porem a sua influencia em paralello com a que podem desenvolver os que exercem uma jurisprudencia effectiva n'um districto? O Deputado ou seja quando concorre com o seu voto para a formação da lei, ou seja quando da a sua opinião para occudir ás reclamações individuaes não faz senão emitar um voto, e uma opinião, que perde a sua influencia no meio de cento e tantos votos, e de cento e tantas opiniões, que se combatem, e se contrabalanção. Não póde portanto considerar-se nem no Deputado em exercicio aquelle poder, e aquella autoridade influente, que póde tirar a liberdade de votar; mas muito menos se póde considerar que haja nem sombras de similhante poder no Deputado que finalisou as suas funcções. Isto he o que dita a seria observação do homem.
Ora resta-me ainda responder a um argumento de

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algum dos illustres collegas, cuja resposta pora em maior evidencia a minha opinião.

Diz-se que a reeleição tendo a perpetuidade do poder, e que o poder ainda quando he duravel se corrompe, quanto mais sendo perpetuo. Ha maior equivoco! Por ventura pode seguir-se que o Deputado seja perpetuo só porque pode ser reeleito? E se a reeleição o faz durar no poder, e na autoridade não fica na liberdade de quem o reelegeu; excluilo nas proximas eleições; quando elle se corrompe, e deixa por isso de merecer a confiança de quem ali o collocou? Os paralogismos de tão largas consequencias estão manifestos, e palpaveis.

Ainda me resta uma consideração que expor sobre o absurdo, que a meu ver se involve na opinião dos Srs., que proscrevem as reeleições. Não he tão sómente a liberdade dos votantes a unica lei das eleições, he tambem a sua inteligencia, e as suas luzes soffre o conhecimento que devem ter da moralidade, da inteligencia, e aptidão politica daquelles sobre quem votão. - A ignorancia das qualidades do elegendo he o maior risco das eleições. - E á vista disto, que fatalidade será o não poderem as assembléas eleitoraes reeleger a quem já conhecem! Que cegueira de theoria! De modo que, Senhores, quando a experiencia tem dessipado os erros, que offuscavão a boa fé das juntas eleitoraes: quando a experiencia lhes tem já submnistrado o unico fundamento, em que pode seguramente repousar a sua convicção, he então quando se lhe nega poder escolher aquelle, que a mesma experiencia lhe mostra digno de encargo que se lhe comette. - Isto he o mesmo que dizer. - Ha dous annos pude eleger este homem para meu representante, quando apenas o conhecia, quando as supposições, e as probalidades apenas alumiavão o meu entendimento sobre as suas qualidades, sobre a sua capacidade, sobre a sua moralidade, e sobre a rectidão de suas opiniões; em fim quando tudo erão trevas, e eu andava ás apalpadellas (perdõe-se-me a expressão) pude dar-lhe o meu voto, e agora não o posso reeleger, quando elle acaba de me dar provas exuberantes do seu civismo, da sua probidade, do seu caracter da sua sciencia, e dos seus talentos. - Ha dous annos apenas eu conjecturava quaes serião as suas opiniões, e não tinha razão de saber se elle teria aquelle caracter de preseverança e de firmeza, que se não torce nem aos embates da seducção, nem aos furacões do poder, hoje porém que o vejo estrenuo defensor dos direitos, e das liberrdades nacionaes, vigoroso atheleta manejando as armas do raciocinio, e sempre em campo a combater as injustiças do poder arbitrario, hoje não o posso reeleger. - Uma tal doutrina he de perigosas consequencias, e não pode produzir outro effeito senão o de privar o systema de instrumentos já provados, e reconhecidos, para lho substituir outros desconhecidos, contra cujo emprego depõem a pratica de nações muito illustradas. Não póde certamente haver absurdo mais sensivel, e mais digno não só de ser rejeitado, mas de ser detestado: concluo, Senhores, que não he preciso aqui fazer excepção a liberdade da escolha; que não he necessario restringila, e que a reeleição de acorda com os principios elementares do governo representativo, porque não offende a liberdade de votar, nem póde influir perigosamente no animo dos votantes.
O Sr. Borges Carneiro: - O illustre Preopinante acaba de dizer tudo o que eu meditava; pouco poderei avançar ao que elle tão sabia e elegantemente acaba de expor, e faço meus todos os seus pensamentos. Accrescentarei pois as seguintes observações. Cumpre que se não restrinja a liberdade de votar mais do que já se tem feito. Ao povo he livre nomeiar os seus representantes. Dizem que pela influencia que tem, elles se perpetuarão no seu cargo; isto não he assim: se forem eleitos por mais algum ou alguns annos sómente succedera isso em quanto se conhecer que são capazes e então he isso mesmo o que convem. O exercicio das Cortes he a verdadeira escola, o logar aonde bem a nação póde conhecer, quaes Deputados pugnão pelos seus direitos, e são uteis a patria. Se julgar que o são, ella os reelegerá, e pelo contrario, se o não julgar, não os reelegerá. Esta liberdade está já bem restricta com as exclusões que temos feito se continuar-mos a fazellas, receio muito que em um Reino tão piqueno como este a nação não tenha sempre a sua disposição homens capazes e dotados dos muitos conhecimentos que são necessarios a um digno Deputado de Cortes. Sabemos bem que para se conhecer a verdadeira sabedoria he precisa experiencia: esta se adquire pelo exercicio, e por tanto convem que se considerem as Cortes como uma escola, onde alguns Deputados mediante a reeleição se fação cada vez mais habeis, para melhor servirem este importante cargo. Seria por ventura, bom meio de ter bons escultores pintores ou architectos, se elles trabalhando dois annos, não pudessem trabalhar successivamente outros dois? Além disto os actuaes legisladores que estão nesta assembleia sabe-se bem, quanto são dotados de amor e afferro aos principios liberaes: e quem nos segura que os que se seguirem hajão de ter essas mesmas qualidades, e que não tragão comsigo o espirito de fazer inovações; que venhão comprometer a liberdade que agora começa a nascer? Tenhamos sempre presente o que succedeo em França, aonde as leis não duravão nada, onde um systema apenas estabelecido era logo destruido por outro; onde contão oito Constituições desde a Constituição de 1791, até a actual carta; e onde julgo que ainda hoje qualquer estudante de academia se julga com direito de propor uma nova Constituição. Tenhamos presuntos os acontecimentos de Hespanha em 1814. Aprendamos na cabeça alheia, e lembremo-nos, de quando sobre as cadeiras em que se havião assentado os sabios legisladores de 1812, se sentarão esses chamados Persas que tudo forão mudando, destruindo, e perdendo; até entregarem a Hespanha as antigas garras do despotismo, que por seis annos novamente a devorou; até que os sempre immortaes Riego e Queirroga proclamarão de novo o excelso grito da liberdade nas cabeceiras de S. João. A força intrinseca destas minhas reflexões, a corroboro com a autoridade do respeitavel jurisconsulto Jeremias Bentham em uma memoria que offereceu aos Representantes do povo Portuguez antes de havermos

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nós jurado as bases da nossa Constituição: eis-aqui o que diz este octogenario com um saber de experiencias feito: Outra clausula em que vos recomendo a alteração da Constituição Hespanhola, he aquella em que se prohibe poderem os Deputados terem reeleitos successivamente. A experiencia he a mai da sabedoria. Sim elles poderião e quererião perpetuar-te nos seus cargos, se não fosse o poder que o povo, tem de os remover delles cada dous annos. Em um systema livre as eleições não he cousa facil, quando os Deputados se mostrem incapazes, haver os seus constituintes de os reeleger, aquella clausula da Constituição Hepanhola propõe homens já provados aos que o não são ainda faz mais, regeita, e enexoravelmente, todos já provados; prefere a sorte á certeza, ou antes, exclue a certeza, querendo segurala. Acabo com estas palavras de um tão sabio discurso.
O Sr. Caldeira: - Nada tenho que accrescentar ás razões do illustre Preopinante, só sim farei algumas reflexões. Eu vejo que as excepções, que se vão a adoptar, necessariamente hão de embaraçar os eleitores a ponto que muitas vezezes lembrando-se de uma ou outra pessoa, as escepções lhes hão de obstar; de fórma que me faz lembrar a fabula de Tantalo, que metido n'agua a sede o atromentava. Se acaso nos vamos estabelecer estas excepções nos poremos no mesmo estado: eu julgo que as excepções que se estabelecem, são para fazer progredir o sistema constitucional, e não para o fazer desgostoso. Por tanto eu parto deste principio geral, o systema constitucional ha de ser cada vez mais amado dos povos, elles hão de ter todo o interesse em fazer boas eleições; e por isso não será necessario pôr grandes excepções. Estas excepções forão feitas na supposição de que as eleições serião indirectas. Eu julgo que se não acharão com muita facilidade pessoas capazes para serem Deputados, ou Representantes da Nação. E se adoptarmos o systema de que os Deputados não possão ser reeleitos parece que escolhidos cento e tantos homens progressivamente, cada vez se vai restringindo mais a liberdade dos eleitores, e fica muito coarctada. Por tanto approvo o artigo como está.
O Sr. Abbade de Medrões: - Aquellas mesmas razões que innunciarão os illustres Preopinantes, são as mesmas que conduzem a que não deva passar o artigo: uma vez que nos adoptamos o systema de eleções directas, devemos deixar aos povos a liberdade toda inteira, sem ser necessario estar a fazer restricções; mas uma vez que se tem estabelecido excepções, parece coherente que não fiquem exceptuados os Deputados para serem reeleitos na legislatura immediata; mas que fiquem para a segunda; se os outros são excluidos pela influencia que podem ter sobre os seus subditos, os Deputados tambem tem influencia pelo lugar que exercem. Em segundo lugar o que me decide mais, he a obrigação do bom legislador, que he dar bom exemplo. Ora nós temos restringido os mais e não queremos isso para nós? Que se dirá? Que nós somos uns egoistas; e uns inconsequentes: por tanto nas immediatas, não estou de acordo.
O Sr. Xavier Monteiro: - Os illustres Deputa dos que tem sido de opinião contraria ao artigo fundão os seus argumentos em dous principios, que vem a ser, influencia dos Deputados para a reeleição, e o perigo de que se estabeleça uma dictadura legislativa. Em quanto ao primeiro; já bastante se tem repetido e demonstrado que não tem lugar. A influencia deve ser considerada de dous modos; pois ou he filha do poder, ou da opinião publica, e bem merecido conceito: a primeira he sordida, e a outra nobre. A influencia que tem um magistrado ou ourro que exercita autoridade publica he a influencia do poder; e a influencia de um Deputado quando em cessado as suas funções só nasce do seu merito real. Que mal podem fazer os Deputados, depois que terminou a legislatura, aos eleitores que os não reelegerem? Nenhum, porque nunca póde exercitar vingança. Digo por tanto que influencia não a ha, e se a ha, he nobre. Receia-se que os Deputados continuem a ser reeleitos, e desta fórma exercitem uma influencia muito grande no resto da Assemblea. Esta influenciasse tiver lugar, he a influencia da razão. Porque de outra maneira nunca a minoridade poderá persuadir, e convencer a maioridade. Eu declaro que todas as vezes que me proponho a falar neste Congresso intento attrahir a maioridade dos votos á minha opinião, e nem por isso me persuado que commetto um acto seductor ou illicito. Porque sempre falo como assento que he de razão, justiça, e interesse publico. O receio pois da influencia dos deputados na reeleição he ou injusto, ou illusorio. Além disto os povos passados dois annos, tem razão de conhecer quaes são os Deputados que tem mudado de opinião, ou de conducta. Apontarão-se aqui os acontecimentos de França, e Hespanha, por occasião de ser prohibida a reeleição como inconcludentes: porem eu acho que elles são de muita força não porque tenha receio que os Deputados que depois de nos vierem, sejão menos liberaes. Os Francezes da segunda legislatura não erão menos liberaes que os da primeira, antes por serem mais destruirão os fundamentos que os primeiros estabelecerão, e para instituir a republica arruinarão a Constituição monarquica. He tambem preciso evitar a divergencia no modo de estabelecer as leis organicas, que sempre tem lugar todas as vezes que uma legislatura he toda composta de homens novos. Diz-se que ha outros motivos porque as Constituições de França, e Hespanha desaparecêrão; mas por haver outros nega-se, ou póde-se duvidar que este não fosse um dos principaes? Isto he o que sempre ha de acontecer todas as vezes que se prohibirem aos povos o eleger para Representantes certo numero de homens de quem elles tem conhecimento, e nos quaes confião. Então se vinte ou trinta Deputados forem reeleitos poderão illustrar os seus collegas; mas nunca seduzilos, nem violentalos: parece-me portanto que da conservação da doutrina desta parte do artigo está dependente a conservação, e a utilidade do systema constitucional.
O Sr. Annes de Carvalho: - Prevenido por muitos dos illustres Preopinantes em as reflexões solidas, que offerece a materia, pouco ou nada poderei

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accrescentar de novo: comtudo resta em meu favor uma grande vantagem, a saber, que nenhum dos illustres Deputados entra com maior liberdade na discussão deste ponto capitalissimo: sem talentos, sem serviços feitos á patria, sentindo aliàs a minha saude de tal modo arruinada, que talvez me não seja possivel conclua a missão de que fui encarregado, mal posso eu, sem escandalosa presumpção esperar, que os meus concidadãos me confiem segunda vez a mais precisa das credenciaes. He logo o zelo da verdade, e do bem publico quem pura, e simplesmente me arranca ás reflexões, que vou sujeitar a imparcialidade do soberano Congresso. Approvo o artigo sem modificação alguma, tal como jaz em o projecto. Julgo, que a esperança de mãos dadas com a theoria justifica cabalmente a proposição. Em quanto a experiencia, prescidindo de mendigar das Republicas antigas, e da idade media factos importantissimos, que me servirião de apoio, limitar-me-hei ás observações que me apresenta a historia mais chegada aos nossos tempos. Tratou-se de transmittir a França a Constituição de 1791. Os espiritos sisudos e amigos da ordem instavão com a parte mais sã da assemblea constituinte, para que decretassem a reeleição dos Deputados. Modestia mal intendida a desviou de medida tão prudente. Por outra parte os Aristocratas, e os Jacobinos que sempre forão contrarios, naquella mal fadada occasião (para nenhum fenomeno politico faltar em aquelle periodo) se reunirão; e accordárão de jogar todas as forças para obstar, a que se sanccionasse a possibilidade das reeleições. Triunfárão as suas manobras; e os resultados da assemblea legislativa, e os mais infaustos ainda da convenção, puzerão fóra de toda a duvida, quão atinadas terião sido as vistas dos que tinhão pugnado a favor das reeleições. Successos tão desastrosos deverião abrir os olhos aos sabios legisladores de Cadis. Mas seguindo mais do que era justo as pizadas dos legisladores francezes derão azo a que em mil e oito centos e quatorze 69 Persas bandeando-se com o dispotismo, deixassem a Nação sem aquelle centro compacto da unidade a que deverião reunir-se os bons hespanhoes se elles levantassem a voz em favor das novas instituições, se tomassem a postura que convem aos pais da patria, o despotismo oscilaria, ou tal vez se não precipitasse tão desenfreado. Eisaqui o que tem acontecido em as duas nações vizinhas, que não admittirão as reeleições, e que muito bem tem notado alguns dos seus ultimos publicistas, e historiadores. Voltemos os olhos para as outras duas, a saber estados unidos de America, e Grão Bretanha, aonde se adoptou a reeligibilidade indefenidadamente, que fructos tem colhido desta providente faculdade? N'alguma dellas tem predominado a dictadura perenne de facções encaminhadas a ruina da patria. Os Deputados que lá tem occupado por muitas legislaturas successivas a tribuna nacional, não tem sido os oraculos mais incorruptos de liberdade publica, e particular? Sobre tudo em Inglaterra a nação tem-se mostrado tão ciosa desta sua enauferivel prerogativa, que por vezes selem por assim dizer obstinado em reeleger terceira e quarta vez alguns dos Deputados, que havião dado occazião a dissolver-se o Parlamento. E se assim o não tivessem praticado, póde ser que tivesse succumbido esse espirito publico, que he o nobre distinctivo daquelle povo heroico. Mas se a experiencia fala com tanto abono em favor do projecto, a theoria segura, e luminoza não lhe fica atrás na força, e evidencia da sua demonstração. He uma verdade, ou antes um artigo de justiça eterna, que a nação deve ser livre nas suas eleições, excepto nos cazos, em que a minima liberdade antes a prejudique, do que lhe aproveite. Nas excepções numeradas neste artigo, e nas outras, que se lhe accrescentárão, coartou-se a liberdade quando havião razões provaveis para presumir, que alguma classe poderia interpor a sua perigoza influencia nas eleições, ou quando os eleitos fossem taes, que admittidos ás Cortes advogassem demaziadamente a cauza ou pertenções do poder executivo. Mas nem uma, nem outra razão he applicavel aos Deputados para obstar a sua reeleição. Fazem-se estas, quando findárão as sessões da deputação. E que influencia pode ter cada um dos Deputados? Elles nem julgárão, nem exceptuárão a lei, estas suas relações em quanto estiverão no Congresso forão com as cauzas, e com os cidadãos em massa por meio das leis geraes. Não se puzerão em conacto com os individuos; não manejárão poder, ou acção contraida a fracções da sociedade. Conseguintemente se adquirirão influencias, foi a influencia do bem fazer. Isto he, acreditárão-se com a Nação, porque se tornárão benemeritos della. Logo esta influencia em vez de se lhe tornar em odioza exclusiva, convem se converta em titulo honroso, que os habilite para serem reeleitos. Por outra parte entrando de novo no salão das Cortes não he para recear, que se mancommunem com o ministerio para lhe augmentar as suas prerogativas, ou encobrir os seus abuzos; pois a nobre carreira, que tão illustremente concluirão, affiança, que elles serão constantes em o decoro do seu caracter. Portanto não se vereficando nelles nenhumas das razões, que servirão de fundamento ás excepções do artigo, seria decretar arbitrariamente e impor a Nação o jugo, de os não poder admittir novamente a classe de Deputados receando que elles dominem o novo Congresso. Mas primeiramente a experiencia nos mostra, que nenhum dos Deputados actuaes tem poder para escravisar as opiniões dos seus collegas, por mais eminente que elle se tenha distinguido. Em segundo lugar serão bem poucos os reeleitos. Em terceiro lugar ainda que estes sejão genios propriamente dictos, a mediocridade que sempre excede nos Congressos, terá o incetivo da inveja, e da emulação para subtrahir-se e emancipar-se de tal influencia, ultimamente; se alguns do reeleitos forem tão resplandecentes, que arrebatem os animos dos outros, será muito feliz a Noção de ter guias tão seguras, e distinctas, que possão conduzir-se por ellas os espiritos mais atracados. Concluo por tanto, que com o pretexto de evitar perigos, quando ainda não apparecem nem sombras delles, não demos azo a que a Nação fique privada dos seus milhores advogados sanccionada a reeleição, que vantagens tão copiosas se não seguem? 1.° Institui-se uma tradição de homens classicos, de homens verdadeiramente nacionaes, que são o patrimonio, o ornamento, e a gloria da sociedade, e que cobrem com suas illus-

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tres e salientes qualidades os defeitos de um numeroso Congresso. 2.º Offereceu-se um novo, e mui pungente estimulo as almas extraordinarias, que só vivem de gloria, para avançar a passos de gigante em sua soberba carreira. 3.º
Estabelecem-se por assim dizer comicios de dois em dois annos, em que o povo decreta coroa civica ao Deputado, que o serviu bem; e deixa em esquecimento, o que se mostrou menos habil em promover os seus interesses. 4.° Promove-se a unidade que deve symmetrizar as varias legislaturas, encadeando-se de umas as outras homens, que fação correr as providencias debaixo de um mesmo nivel. Finalmente evite-se a injustiça de entorpecer o homem benemerito, para que não chegue tão depressa ao ponto para cuja vocação acabou de dar provas tão decisivas.
O Sr. Abbade de Medrões: - Eu só tenho a accrescentar, que devo lembrar a este Congresso que os illustres Preopinantes que trazem os exemplos de differentes épocas da França, certamente se não lembrão que Napoleão foi primeiro Consul, e chegou a ser Imperador, e que depois acabou por um tyranno. Julio Cesar fez o mesmo em Roma, e a republica de Athenas nos mostra identicos exemplos. O meu desejo era que todos, que fossem homens honrados, fossem eleitos. Agora o que me não parece bem he, que tendo nos aqui feito tantas excepções, queiramos ser excluidos dellas; porque o mais verdadeiramente o meu desejo era que o povo elegesse quem quisesse.
O Sr. Pessanha: - Como póde um Magistrado que tem uma jurisdicção no seu districto, estar em paralello com um particular que não tem nenhuma. Diz-se que o autoridade do seu cargo de Deputado fará com que a maior parte dos votos concorrão para elle. Os seus talentos serão a unica causa da sua reeleição. Eu tenho visto que se tem laborado em uma equivocação, suppõe-se que podendo ser reeleitos, a maior parte dos Deputados virão a ser reeleitos. Isto he um engano manifesto. A unica causa que poderá fazer com que sejão reeleitos, será os seus talentos, que aqui tiverem demonstrado. Por tanto eu sou pela doutrina do art.
O Sr. Peixoto: - Depois de ter sido esta questão discutida tão habilmente por uma e outra parte; pouco póde restar para dizer sobre ella: entre tanto ousarei accrescentar uma ponderação, que até agora tem escapado. Nas reeleições haverá talvez um perigo, que mais do que algum outro deverá reciar-se: he a influencia que nellas póde exercitar o Poder executivo. Deixo de falar nas primeiras seguintes Deputações por menos importantes, mas quando chegar o tempo de poder reformar-se a Constituição; então não sei o que será da liberdade da Nação, se as reeleições se admittissem. Um ministerio ambicioso, a dextro, desenvolvendo os seus muitos recursos, poderá conseguir, que se proponhão alterações substanciaes na Constituição. Dado este passo, e permittidas as reeleições, está frustrada a cautela, com que mui previstamente providenciamos; que a Deputação habilitada para effectuar a reforma da Constituição fosse differente, daquella que a tivesse proposto. O ministerio no fim das primeiras discussões para permittir-se a reforma, conhecerá melhor, do que ninguem, quaes são os Deputados favoraveis, e quaes os contrarios ás suas vistas: o ministerio por um manejo occulto terá toda a opportunidade para obter a reeleição de uns, e a exclusão de outros. Os mesmos empregados publicos, não illigiviveis, serão talvez os seus melhores agentes; e tanto mais zelosos, quanto se reputarem offendidos dos principios de uma Constituição, que os despojará da representação nacional: a mesma influencia, que nelles temiamos a seu respeito, nos deve ser mais formidavel quando se tratar de uma tal reeleição. Este perigo he mais para reciar do que algum outro; e para evitalo voto contra a reeleição.
O Sr. Rebello: - Sobre a materia em geral nada tenho que accrescentar ao que disserão os illustres Preopinantes, pois que ella está já aclarada o quanto he possivel; nem mesmo me levantaria senão fosse necessario dizer alguma cousa em resposta ao recaio do illustre Preopinante. O illustre Preopinante diz que teme a influencia que poderá ter o governo executivo nas futuras reeleições, porque quando chegar o tempo de reformar a Constituição o governo executivo póde desenvolver todos os seus meios para poder adquirir para estas reeleições aquelles que mais lhe convierem para pôr em pratica os seus desejos; he por essa mesma razão que eu digo que nós deviamos deixar toda a liberdade á Nação, porque a reeleição não recahira senão a favor dos Deputados, que pela execucução de seus deveres tinhão adquerido a confiança publica; e deste modo a Nação escolhera os athletas que hão de defender a sua liberdade, e que possão sustentar o edificio que levantárão; estes hão de ser aquelles, que pela firmeza de caracter tenhão adquirido a opinião do publico, e nunca aquelles que possão abrir o caminho ao despotismo: eis-aqui como manejando os mesmos principios eu sou de opinião inteiramente diversa. Eu estou bem certo que não ha de haver jámais meio occulto para que os representantes da Nação queirão ser a favor dos interesses do poder executivo contra os interesses da Nação, contra os seus proprios interesses; he justamente nessas circunstancias, nas circunstancias em que se houver de fazer mudança em algum dos artigos constitucionaes, que eu quero esses sustentaculos que levantárão o edificio; por todas estas razões peço para que o artigo passe como está.
O Sr. Peixoto: - O Congresso já reconheceu que os povos cedendo a influencia da autoridade, e dependencia podem nas eleições dar um voto coacto, e contrario aos dictames de sua consciencia. Um illustre Preopinante em favor das reeleições disse, que os povos votavão nos Deputados, que tinhão acabado com maior conhecimento dos seus merecimentos: esse maior conhecimento tambem se verifica a respeito dos empregados publicos, principalmente nos lugares de sua residencia: de entre elles poderião escolher aquelles, que no exercicio de suas funções tivessem desenvolvido melhor caracter: em quanto a respeito dos homens de vida privada vão quasi ás cegas, entretanto excluirão-se os bispos, os parocos, os coroneis de milicias, e os magistrados com o receio de que a

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sua influencia prevalecesse ainda para serem eleitos aquelles, que os povos pelas suas más qualidades não quererião. Pois em tal caso quem póde duvidar que esses mesmos, senão todos, alguns abraçassem o partido do ministerio para a reforma de uma constituição que a seu respeito terão por injusta? Quem duvida que a influencia de taes sujeitos, quando todos em cada um dos districtos conspirem para a eleição de um Deputado, ha de ser muito mais ifficaz do que o empenho de cada um delles, quando parcialmente solicite votos para si? Em quanto a Constituição denegar a eligibilidade aos empregados referidos pelo receio da influencia nas eleições, não poderá deixar de negar aos Deputados a reeleição successiva sem que se arrisque a Nação a recahir em ferros.

O Sr. Rebello: - Duas palavras só, para responder ao illustre Preopinante. Nós não excluimos os empregados publicos por julgarmos satiletes do poder executivo; mas sim por aquella influenciado poder que elles podem exercitar para serem Deputados, este he, que he o principio. Um empregado da casa real he excluido pela razão em que estão, porque visto os cargos que occupão estávão em um perigo evidente, ou tinhão de ser infieis a seu amo, para serem fieis a nação, ou então havião de ser infieis a nação para sem fieis a seu amo: de maneira que esses empregados que temos excluido, não era porque se julgassem addidos ao poder executivo, mas sim por se temer que elles empreguem os meios que tem a sua disposição para conseguirem o serem Deputados, por isso a opinião do illustre Preopinante não conclue ao fim para que elle a traz.

O Sr. Maldonado: - Não he da influencia, que um Deputado póde ter sobre o povo, que eu tenho medo, mas sim da influencia que o povo póde ter sobre elle. Nos já livramos os Deputados da influencia do poder executivo, prohibindo-lhes que acceitem mercê alguma durante a sua deputação; e quando o decretamos assim, assentou-se que esta prohibição duraria mesmo algum tempo depois de finda a deputação. Estão livres das alliciações de ElRei, agora faz-se preciso que os livremos das sugestões do povo. E que maior sugestão que a lisongeira esperança de ser reeleito? He justo que um Deputado, assim como não deve depender de El-Rei, tambem não dependa do povo. A razão que se apontou, de que os successores propendem para desmanchar a obra dos antecessores está mui longe de me persuadir, para que vote pela reeleição. Julgo pelo contrario um bem, que se renove inteiramente o Congresso na immediata reeleição. Os successores por isso mesmo que entra o de novo, trarão comsigo maior somma deste virtuoso entusiasmo, que faz que nenhum perigo se tema, que nenhuma fadiga nos custe. Virão cheios de nobre emulação de exceder os seus antecessores em virtude, patriotismo, e determinações sabias. Voto, pois, em consequencia do que tenho declarado, contra as successivas reeleições.

O Sr. Castello Branco Manoel: - Eu acho todo o pezo a reflexão que fez o Sr. Peixoto, e não acho tanta força a do Sr. Rebello. Trata-se de fazer uma alteração na Constituirão, e para ella se fazer he preciso que duas terças partes do Congresso decidão que he necessario. Já aqui se decediu que os bispos, os coroneis de milicias, os parochos, os magistrados, etc., se excluissem pela influencia que exercitavão naquelles povos, a que se estendia a sua jurisdicção. Ora pergunto agora, e deixarão todos esses (querendo) de ser reeleitos Deputados os que mais lhes agradarem? Como muito bem ponderou o Sr. Peixoto, e por consequencia isto será util? Eu não sei que nisto possa haver razão; por tanto opino a favor de que não devem ser reeleitos os Deputados, na immediata legislatura.

O Sr. Miranda: - Eu sou a favor de uma livre reeleição, e certamente o não seria se a Nação estivesse já ha muito tempo estabelecida constitucional; se os principios constitucionaes estivessem gravados nos corações de todos; se todos os cidadãos portuguezes conhecessem os seus direitos; e se o systema constitucional estivesse já espalhado por todo o Reino. Porem por ora he necessario que se estabeleça o systema de reeleições, porque então o cidadão poderá reeleger aquelle em quem tiver confiança; porque ao contrario digo, como disse o illustre Preopinante, tudo são trevas. E como o Governo executivo he quem promove, e quem emprega, he tambem quem conhece melhor aquelles que lhe podem ser mais uteis aos seus intentos, e empregará todos os meios que tiver a sua disposição para que a eleição recaia naquelles que forem da sua facção. O povo ainda ignorante não conhece bem as pessoas, que para aqui devem vir, não tem um conhecimento exacto delles; por tanto o Poder executivo tem um partido muito particular, e he em que periga a liberdade. Se um certo numero de Deputados tiverem as opiniões, que convem para serem reeleitos, não deve haver duvida em em que o sejão, porque não he a opinião do partido, mas sim a opinião publica que os chamamos que quer dizer a influencia do povo? Não he uma parte do povo a maioria da Nação; a opinião quer dizer, a maioria da Nação; e então não ha perigo nenhum, antes he um partido muito grande que um Deputado seja reeleito pela maioria da Nação; bem longe de isto ser prejudicial, he uma vantagem. Não ha inconveniente nenhum em que se tornem a assentar neste Congresso aquelles que tiverem merecimento para isso; eu voto pela reeleição sem o mais minimo escrupulo.

O Sr. Serpa Machado: - Não julgo necessario responder a todos os argumentos, que sendo os mesmos se tem reproduzido debaixo de differentes fórmas: só o farei áquelles que me fizerão maior pezo. He um destes o dizer-se que a Nação fica privada de escolher aquelles que tem mostrado mais os seus talentos e amor da Patria na antecedente legislatura; para escolher ás cegas entre outros de que não tem provas tão claras.
Reparem porém os sectarios das reeleições, que a Nação ainda que não póde encolher aquelles na immediata legislatura o póde fazer na seguinte, e assim alternativamente; e he deste modo que concilia o proveito que póde tirar dos talentos e boa opinião, que tem tido dos experimentados legisladores, e livra-

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rem-se do risco de poderem elles abusar da sim influencia, e converterem-se em tyrannos perpetuos da propria Nação que os constitue.

Tal argumento só concluiria se a reeleição fosse prohibida perpetuamente, porém esta não he a mente dos que opinão contra o artigo.

Diz-se mais em contrario, que a exemplo da Grã-Bretanha e America devemos admittir as reeleições. Respondo: a organização politica do Governo Britannico, ou Americano será a mesma que adoptamos? Acolá ha duas cameras, ha um veto absoluto, e um presidente temporario a quem esta entregue o governo; e por ventura transplantamos nos para a nossa Constituição estas instituições só porque aquellas Nações, aliàs livres, as adoptárão? Certamente não.
Argumenta-se em fim com a autoridade de Jeremias Benthem. Este sabio politico, a quem eu ha muitos annos consagro o maior respeito, que inspira o seu tratado sobre legislação, não he com tudo isento de defeitos. Com magoa eu vejo, que elle confundio por systema o direito natural com o civil: e se elle caiu neste erro durante o vigor da sua idade, não he muito que agora na decadencia della arriscasse uma opinião menos exacta sobre materia de reeleições. Voto contra o artigo.
O Sr. Pinto de Magalhães: - Sou obrigado a enunciar a opinião contraria; porque devo falar sempre a favor da liberdade da Nação. Nós não devemos olhar sómente para as flores, he preciso conhecer as serpentes que se pódem involver nellas. Tem-se aqui dito que a catastrofe da Constituição de França, e de Hespanha proveio de não haver as reeleições; e eu digo que não forão essas, mas sim outras muitas razões. A Constituição de Hespanha de 1814 não nos serve de regra, porque a Hespanha ainda não estava sufficientemente illustrada para saber os bens, que lhe provinha de uma Constituição; e tanto assim que nós vemos que ainda havião cidadãos que proclamavão = Viva a Inquisição = portanto o motivo da catastrofe da Constituição Hespanhola não foi, o não haver reeleições, mas sim uma opinião occulta, ou para melhor dizer uma traição, ou partido, que fez o exercito. Desenganemo-nos Senhores quem ha de sustentar a liberdade da Nação, não hão de ser 150 homens que aqui estão, mas 5 milhões de habitantes: por consequencia não posso seguir esses exemplos, que se tirarão das outras Nações; pelo contrario digo que se deve prohibir as reeleições immediatas, e aquelles que tiverem a ambição de serem Deputados o podem conseguir nas seguintes ás immediatas: por tanto eu sou de opinião que a reeleição immediata não he o que convem mais aos interesses da Nação.
O Sr. Moura: - Tenho só que fazer uma reflexão sobre um supposto grave inconveniente do systema das reeleições em que se fundou o melhor argumento do illustre Deputado o Sr. Sousa Pinto. - Elle foi primeiro indicado pelo Sr. Trigoso, coincidio com elle o Sr. Maldonado, e posto que elle ja foi combatido pelo Sr. Ferreira Borges, sempre direi duas palavras para desfazer um equivoco, em que elle se funda. - O Deputado (dizem aquelles tres honrados Membros) para ser reeleito pelo povo bastava só ganhar a affeição popular provocando medidas violentas, e anarquicas, que são só as que lisongeão o mesmo povo. - Que estranho abuso da palavra povo! Faço justiça aos illustres arguentes em suppor que elles intendem pela palavra povo toda a Nação, e nesse caso considerem que não são as medidas anarquicas, e violentas as que agradão a Nação toda, que se compõe de todas as classes de cidadãos, estas medidas de desordem e desorganização, apenas podem agradar áquella parte infima do povo que não cura dos interesses publicos; mas esta compõe-se em grande parte dos proletarios que não votão nem hão de concorrer para a eleição do Deputado; por isso nenhum interesse ha era os lisongear. Por consequencia como a Nação toda he que ha de reeleger o Deputado não ha perigo nenhum em que elle tenha pretendido agradar a Nação toda; porque agradar a toda a Nação, e merecer a confiança de toda a Nação he aquillo a que os bons Deputados aspirão; pois he o unico modo de preencher a commissão de que forão encarregados. - Penso por tanto que se os meus illustres Colegas substituissem a palavra Nação a palavra Povo acharião desde logo a pouca concludencia do seu argumento.
O Sr. Bastos: - Tem-se discorrido tanto por uma e outra parte, que pouco ou nada me resta a dizer. Por isso produzirei apenas uma razão, e he que uma das mais firmes garantias da liberdade, nos governos bem orgadisados, consiste em que as leis sejão feitas por homens que no acto de as fazerem estejão certos de que passado pouco tempo, confundidos com os outros cidadãos, lhes resentirão todo o peso: esta certeza porém terão os Deputados de uma legislatura, não podendo ser reeleitos para a immediata; e de nenhuma sorte os que o poderem ser. Consequentemente o meu voto he que os Deputados em uma legislatura, se não possão reeleger, sem mediar outra legislatura.
O Sr. Moura: - Este argumento do Sr. Bastos parece-me fundar-se n'uma supposição a mais estranha, senão he que o illustre Deputado se equivocou. Pois póde alguem suppor que o Deputado não esteja sujeito a lei só porque a fez, ou concorreu com o seu voto para a confecção da lei? Haverá quem diga, ou quem possa suppor, que ha um só momento em que o Deputado ou seja depois que acaba as suas funcções, ou sejão em quanto ellas durão, não se ache sujeito a lei, e obrigado a sua estricta, e exemplar observancia? Eu admiro que algum possa conceber similhante idéa, a não ser pois um mero engano.
O Sr. Bastos: - Sem recorrer ao principio da consideração que gozão os Deputados, a qual na opinião publica de alguma sorte os privilegia, e os torna menos accessiveis ao rigor geral das leis, respondo ao illustre Preopinante com a sua mesma obra, com o projecto de Constituição de que he um dos redactores, e com a regimento das Cortes, podem por ventura, na conformidade de um e outro, os Deputados ser demandados ou civilmente executados? pódem por ventura ser presos e processados nos crimes, como os outros cidadãos?
O Sr. Freire: - Os Deputados depois de serem

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nomeados para uma legislatura, o seu dever he advogar a causa da Nação; e como poderá ella conhecer se cumprirão bem com os seus deveres, senão pelo meio da reeleição. Certamente os seus Constituintes não tem outro meio de lhe dar a demonstrar a sua gratidão senão pelo meio da reeleição, e a unica recompensa que os Deputados podem esperar dos seus serviços, he a gloria de tornar a ser reeleito; porque deste modo vem que os seus Constituintes approvação o que elles fizerão; gloria esta que eu acho muitissimo grande. Eu acho que não devemos excluir da unica coroa civica, qual he a de ser reeleito, aquelles que tiverem o merito real para isso. Eu certamente o maior interesse que poderia ter, não he o ser Deputado para as futuras eleições, mas ao menos ter alguns votos; seria isto um evidente signal de que os meus Constituintes ficarão satisfeitos de mim, e que eu tinha desempenhado bem os deveres que me forão entregues. He por tanto debaixo deste ponto de vista unico que eu apoio a opinião da reeleição, por isso que he a unica coroa civica que se póde dar aos individuos que aqui estão, cujos serviços que houverem feito merecerem a approvação da Nação; he este o meio de abrirmos a estrada ao merecimento: portanto eu torno a dizer voto pela reeleição.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Supponho eu que a questão tem sido considerada por todos os lados: o que acaba de dizer o illustre Preopinante, o Sr. Agostinho José Freire, acaba de derrubar toda e qualquer razão em opinião contraria. Todavia pareceme que ainda obstará aquelle fundamento de que se serviu o Sr. Trigoso, e vem a ser, que um Deputado com o fim, e a mira de querer ser reeleito, poderá querer lisongear o povo (Scilicet) lisongear as paixões do povo: mas substituindo esta palavra povo a palavra Nação, então já não ha essas duvidas. Diz, o Deputado poderá querer lisongear as paixões ao povo, espalhar aquellas idéas que o possão lisongear, he perigoso deixar esta porta aberta, porque daqui resulta males, e males grandes. Esta baixeza de espirito, que tivessem os Deputados, não a terá outro qualquer que tenha ainda mais occasião de mostrar as suas opiniões. Os homens que falão fóra do Cogresso, não influirão mais do que aquelles que falão aqui? Por ventura não tem cada cidadão a liberdade de dizer aquillo que assentar que póde dizer? Tem; e ainda melhor do que nós aqui; porque nós aqui falamos em publico, e um homem que fala daqui para fóra, não está tão sujeito como nós aqui estamos. Diz-se que desta fórma póde um Deputado ser permanente nas Cortes, e por consequencia exista com elle a mira neste chamado interesse, que olhado pela parte de interesse, não he nenhum. Isto he facil de decidir; e julgo que o Congresso não deve demorar-se mais tempo em decidir isto: em consequencia este argumento para mim he de nenhum pezo, e nenhuma força: não tocarei os outros, porque não acho necessidade disso. Voto pelo artigo.

O Sr. Vaz Velho: - Este ultimo remate que se pôs a questão, he o mesmo que dar um exclusivo ao Deputado. Por isso mesmo que aqui nenhum homem trabalha com vistas de interesse: he por esta razão que me vejo obrigado a falar, para fazer uma reflexão. Toda a lei que serve mais de prejuiso do que de proveito, parece que não se deve estabelecer. Daqui resulta que na segunda legislatura todos devem esperar ser reeleitos, e certamente aquelles que não fossem reeleitos se escandelizarião, e prohibindo a reeleição justifica a todos, e a nenhum escondeliza, porque em fim todos elles se julgão capazes: logo sendo reeleitos, segue-se este inconveniente, e do contrario não se segue inconveniente nenhum: sejão bons Deputados, ou máos, eu creio que todos se pagão muito e muito em se empenharem com os seus talentos para servirem bem. Por consequencia tenha mostrado que o ser reeleito tem este inconveniente, e que se não deve seguir; por isso voto que os Deputados não possão ser reeleitos.

O Sr. Presidente propoz se a materia estava sufficientemente discutida? Venceu-se que sim.
O Sr. Fernandes Thomaz requereu votação nominal: venceu-se que sim.
O Sr. Presidente propoz se a ultima parte do artigo passa da masma fórma que nelle se acha enunciada? Venceu-se que sim por 64 votos contra 30.
Votárão affirmativamente os Srs. Freire, Mendonça Falcão, Moraes Sarmento, Povoas, Quintal da Camara, Girão, Moraes Pimentel, Canavarro, Ribeiro Costa, Arcebispo da Bahia, Bernardo Antonio de Figueiredo, Bispo de Castello Branco, Gouvêa Durão, Aguiar Pires, Tavares Lyra, Pessanha, Francisco Antonio dos Santos, Barroso, Moniz, Bettencourt, Araujo Pimentel, Margiochi, Van Zeller, Calheiros, Xavier Monteiro, Almeida e Castro, Caldeira, Innocencio Antonio de Miranda, Queiroga, Felgueiras, Freitas e Aragão, Soares, Castello Branco, Rodrigues de Brito, Annes de Carvalho, Santos Pinheiro, Faria de Carvalho, Guerreiro, Rosa, Medeiros Mantua, Ferrão, Ferreira Borges, Moura, Sousa e Almeida, Xavier de Araujo, Castro e Abreu, Rebello da Silva, Alves do Rio, Borges Carneiro, Fernandes Thomaz, Miranda, Vasconcellos, Zeferino dos Santos, Franzini, Araujo Lima, Ferreira da Costa, Ribeiro Telles, Sousa Machado, Rodrigues Sobral, Silva Correa, Fagundes, Varella, Martins Bastos, Felisberto José de Sequeira, Arriaga, Pamplona.
Votárão negativamente os Srs. Teixeira de Magalhães, Camello Fortes, Ferreira de Sousa, Antonio Pereira, Pinheiro de Azevedo, Trigoso, Moniz Tavares, Leite Lobo, Braamcamp, Ferreira da Silva, João de Figueiredo, Pinto de Magalhães, Maldonado, Faria, Bastos, Affonso Freire, Moura Coutinho, Ribeiro Teixeira, Peixoto, Ribeiro Saraiva, Corrêa de Seabra, Vaz Velho, Isidoro José dos Santos, Silva Negrão, Martins Couto, Serpa Machado, Castello Branco Manoel, Ledo, Vilella Barbosa, Roberto Luiz de Mesquita.

Designou-se para ordem do dia o negocio de Pernambuco, o parecer sobre os empregados vindos do Rio de Janeiro, e o n.º 174 A e B, sobre a Junta dos juros. Levantou-se a Sessão á uma hora. - João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

Redactor - Velho.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

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