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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 206.

SESSÃO DO DIA 22 DE OUTUBRO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do Sr. Castello Branco, leu-se a acta da Sessão antecedente e foi approvada.

O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente e mencionou:
Um officio do Ministro dos negocios do Reino incluindo a consulta da Junta da directoria relativa ao requerimento da camara de Goes em que pertende a creação de uma cadeira de grammatica latina; que se remetteu á Commissão de instrucção publica.

Um do Ministro das justiças remettendo a conta, e mappas do bispado de Uiseu sobre as parochias do mesmo; que foi á Commissão ecclesiastica de reforma.
Um do Ministro da marinha com a exposição feita pelo Conde de Villa Flor sobre certa quantia exigida da Junta da fazenda do Pará, que se mandou á Commissão de fazenda.

Dois officios do Encarregado do expediente da Secretaria de guerra; um enviando o requerimento do capelão Francisco Garcia Pereira; outro do Auditor geral do exercito, que forão á Commissão militar. Tres memorias de Diogo Maria Galhardo, Consul geral da Nação portugueza em Sevilha. 1.ª Sobre a remoção dos Consules estrangeiros, que servem Portugal; foi á Commissão diplomatica. 2.ª Sobre a necessidade de crear tribunaes especiaes para a pronta decisão das causas de commercio nas principaes praças de Portugal, e Brazil. 3.ª Sobre a sorte futura da America, e seu commercio; as quaes se mandarão á Commissão do commercio. Uma representação de João Antonio Paes de Amaral a respeito do commercio entre o Brazil, e Portugal, que foi á Commissão do commercio.

Um projecto anonimo sobre o augmento do papel moeda com reflexões sobre a resposta do Ministro da fazenda que foi a esta mesma Commissão.

O Sr. Deputado Vaz Velho apresentou o offerecimento de João Ribeiro Lopes, tenente coronel governador de Tavira, que cede a beneficio do Estado uma tença de 120$000 rs. annuaes por toda a sua vida, se as necessidades da fazenda o exigirem, e além disso 80$000 rs. importancia de 4 mezes de soldo de capitão; o que foi recebido com agrado, e se mandou remetter ao Governo.

Verificou-se o numero dos Srs. Deputados, estavão presentes 91, faltando os Srs. Povoas, Osorio Cabral, Barão de Molellos, Pereira do Carmo, Sepulveda, Bispo de Béja, Rodrigues de Macedo, Pessanha, Moniz Tavares, Soares Franco, Van-Zeller, Xavier Monteiro, Soares de Azevedo, Jeronimo Carneiro, Pereira da Silva, Vicente da Silva, Carneiro Pacheco, Gouvea Osorio, Correa Telles, Feio, Manoel Antonio de Carvalho, Gomes de Brito, Fernandes Thomaz, Miranda, Sande e Castro, Zeferino dos Santos, Ribeiro Telles, e Silva Correa.

Entrou em discussão segundo a ordem do dia a ultima parte do art. 78 (vide Diario n.º 204), a qual foi lida pelo Sr. Secretario Freire.
O Sr. Presidente: - N'outro dia tinha entrado em questão se este paragrapho se devia entender a respeito dos crimes commettidos por um Deputado, depois de ler entrado no Congresso, ou se se referiria tambem aos crimes commettidos antes de sua eleição. Ahi ficou a questão que houve sobre este objecto, e se convida a ella novamente.

O Sr. Ribeiro Saraiva: - A determinação da segunda parte deste artigo não póde, sem manifesta violencia, entender-se, senão dos Deputados effectivos, a quem se referem as disposições da primeiro; pois só destes se póde verificar a alternativa da suspensão, ou continuação das suas funcções, que ahi se deixa á decisão do tribunal competente, e de nenhuma fórma dos simplesmente eleitos; os quaes, estando

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culpados, de nenhuma fórma devem ser admittidos no seio da augusta Assembléa dos legisladores, que tão destinados a decidir da fortuna da Nação inteira, quando, segundo as nossas leis, os juizes, e outros officiaes civis, em cujas funcções apenas interessão fortunas particulares, não podem entrar na posse de seus officios, sem por folha corrida se mostrarem isentos de culpas. Sigamos pois a este respeito o admiravel systema de nossas leis, vedando o escandalo, que causaria ver era um legislador um criminoso. Justifique-se o eleito antes de entrar no Congressso; e suspenda-se o Deputado effectivo das suas funcções nos precisos termos da Ordenação do Reino até se justificar para ser admittido á continuação dellas. Entretanto nada perde a Nação, podendo substituir-se pelo respectivo supplente a falta desse membro, cuja impunidade prejudicaria á confiança publica devida ao soberano Congresso.

O Sr. Guerreiro: - Parece-me que para estabelecer com clareza o estado da questão, he necessario primeiramente considerarmos não sómente as diversas épocas em que os crimes forão commettidos, senão igualmente se estes crimes estavão accusados em juizo ou não. Se estavão accusados em juizo, quando se fez a eleição de uma pessoa para Deputado, creio que não he aqui o lugar competente de se marcar as regras para saber quaes são aquelles crimes, que o podem excluir de ser Deputado, porque isso pertence ás regras da eleição. Devemos tratar sómente daquelles crimes, que por não terem sido levados a tribunal não são considerados como taes; supponho que se ignorava que a pessoa eleita para ser Deputado tinha commettido aquelle crime por não ter havido accusação; e que só depois de entrar no Congresso apparece a accusação. A este fim nos devemos dirigir, e examinar se neste caso póde cessar o exercicio de suas funções. Eu entendo que não deve haver lugar algum por mais sagrado que seja, que izente a um cidadão de ser castigado por um crime commettido, e que por conseguinte o Deputado de Cortes não deve estar isempto, pelo ser, da mesma lei. Mas como dependendo dos juizos ordinarios a faculdade de poderem livremente proceder contra elles, era estabelecer em mãos estranhas a faculdade de inutilizar as eleições, e de privar a Nação das luzes de alguns Deputados, que poderão ser-lhe util, e dar ao poder executivo um meio de privar ao legislativo dos membros que lhe parecessem contrarios a seus interesses, podendo firmar contra elles uma accusação; parece que por isso se estabeleceu, com muita razão, que haveria um tribunal encarregado especialmente para examinar estes crimes. Approvo por tanto o paragrafo em toda a sua extensão.

O Sr. Correa Seabra: - Tenho a fazer algumas observações a respeito de cada uma das partes deste artigo; principia elle = Quanto ás causas criminaes = logo se offerece a duvida, como bem se advertio na discussão antecedente, se a providencia lembrada neste artigo he geral para as causas criminaes pendentes ao tempo que o Deputado he eleito, e para as intentadas, e começadas depois da eleição, ou se he restricta a estas ultimas. Parece sem duvida que só destas se deve entender o artigo, porque a deliberação m respeito das pendentes, e que estão em aberto he dependente de outra questão, isto he, se o que está pronunciado póde, ou não ser eleito Deputado, do que não he proprio tratar neste artigo, mas sim quando se discutir o art. 33 que está addiado; e muito ha que reflectir a este respeito segundo a nossa actual legislação criminal; talvez não convenha excluir absolutamente os pronunciados; mas deixada essa discussão que não he deste lugar, vou continuando a examinar o artigo; diz mais = o tribunal competente. = Se este tribunal he o de que falla o artigo 159 de modo nenhum o posso admittir: (e principiando a falar na materia foi advertido por alguns Senhores Deputados, que naquelle lugar se entendia o mesmo que juizo competente, e disse). Então se se entende qualquer outro que não seja o ordinario, isto he, aquelle em que o Deputado seria julgado senão fosse Deputado, tambem não o posso approvar; 1.° porque o Deputado na razão de Deputado não deve ter mais direitos que qualquer outro cidadão, como já aqui disse um illustre Deputado em uma das sessões passadas: 2.° porque estando já sancionada nas Bases a extinção do privilegio do foro, he odioso crear um foro privilegiado para as causas dos Deputados; porque he entre nós desconhecido esse juizo chamado dos Pares, e classe nenhuma he julgada pelos seus pares. Reduzem-se a dois os principaes fundamentos com que se pertende justificar a creação do juizo privativo para os Deputados: 1.º a influencia do Deputado; 2.º o inconveniente de que se não creando um juizo privativo, e comporto de Deputados o poder judiciario tivesse a faculdade de privar a representação Nacional de um seu membro condemnando-o a prizão, ou degredo. O primeiro fundamento não merece attenção, porque influencia suppõem dependencia, e o poder judiciario não o tem do Congresso, e ainda menos de cada Deputado considerado per si só. O segundo algum pezo tem, mas essa difficuldade bem se remedeia, declarando-se que a sentença condemnatoria do Deputado em pena afflictiva só se possa executar finda a legislatura. He verdade que já está sancionada a reeleição, e podia dizer-se que pela reeleição se faria illusorio o juizo; mas se elle está condemnado em pena afflictiva não póde segundo o art. 33 ser reeleito. Não sou por tanto de opinião que se suprima o art. como o fui a respeito do antecedente, porque este alguma relação tem com o exercicio dos poderes, mas que se emende por esta, ou similhante fórma = Sentença que condemne o Deputado em pena afflictiva só poderá ser executada finda a legislatura. Quanto á ultima clausula do artigo = Se o Deputado et cet. = deve ser suprimida, e no art. 83 se discutirá se póde haver algum caso em que o Deputado possa ser privado do exercicio de suas funções.

O Sr. Castello Branco Manoel: - Parece-me que este artigo não está exactamente concebido, por Uso mesmo que vejo que os illustres Preopinantes, que até agora tem falado, não concordão nas opiniões: a mim parece-me que a questão podia resolver-se, tendo em vista se o delicto commettido pela pessoa eleita para Deputado de Cortes, era ou não

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da natureza daquelles que fazem perder o direito de cidadão. Se o he, e o crime foi commettido antes da eleição, isto pertence ás regras que se derem para as eleições; e se acaso o crime foi commettido depois de ser já Deputado, então be ao juiso competente declarar se deve ser suspenso, ou continuar no exercicio do seu cargo; para o qual, torno a dizer que, poderia servir de regra para a decisão, se o crime era da natureza dos que fazem perder o direito de cidadão.

O Sr. Borges Carneiro: - Eu não trataria aqui daquelles que não devem ser elegidos para Deputados de Cortes, porque isto pertence ao artigo 33 que ainda ha de ser discutido; nem daquelles que o não devão ser por terem commettido certos crimes, porque isso pertence ao artigo 24. Toda essa materia das eleições, está addiada: quando della se tratar, se verá o que se ha de resolver a esse respeito. Por agora tratarei só de examinar quem ha de suspender em razão de crime ao Deputado de Cortes do seu lugar. Pelo que toca aos crimes commettidos antes de algum ser Deputado pertence ás Juntas preparatorias, quaes são os que estão bem eleitos, ou mal eleitos, e por tanto resolver se com effeito deverá o Deputado eleito chegar a assumir o exercicio do seu cargo; porém eu quereria que, no caso de decidirem affirmativamente, não seja esta decisão effectiva; porém ficasse ás Cortes, salvo o poder decidir depois, se o Deputado deveria ser ou não suspenso do seu exercicio em razão do crime, segundo a materia delle, e a força das provas. Quanto aos crimes commettidos depois de já serem Deputados, talvez convenhão que sejão as mesmas cortes quem declarem se por elles fica o Deputado inhibido de continuar no seu exercicio, ou o poderá fazer o tribunal competente, uma vez que este seja formado de Deputados. Fallando agora do outro ponto, que por qualquer crime se deva excluir uma pessoa de Deputado de Cortes, para mim he esta uma doutrina que não posso admittir; porque não se deve privar aos cidadãos, por qualquer leve crime, do mais importante e eminente cargo de Deputado, como por um ferimento leve, a acceitação de desafio, etc. crimes que pelas nossas leis não privão os magistrados do exercicio de seus lugares, a não catarem presos: 2.° porque era isto abrir a porta, para se frustrar a eleição daquelles a quem os agentes do Poder executivo, ou qualquer facção quizesse excluir das Cortes, pois he facil ver com quanta facilidade duas testemunhas colluiadas podem fazer pronunciar um homem. Presentemente sabemos que em Hespanha o Poder executivo tem abonado á custa do thesouro as despezas aos chefes politicos, etc. para viajarem pelas terras, a fim de persuadirem os povos que elejão as pessoas que o Governo deseja saião eleitas. Que aconteceria por entre nós, se o poder executivo quizesse influir nas eleições, e elle ou alguma facção poder fazer formar culpa a algum para não poder ser eleito? Por tanto rejeito essa doutrina, como injusta e perigosa.

O Sr. Trigoso: - He preciso primeiro estabelecer os casos, em que as pessoas eleitas para Deputados, devão deixar de o ser. Estabelecidos estes casos, he evidente, que a junta preparatoria ha de observar todos aquelles que estiverem apresentados e acautelados na Constituição. Portanto não devemos sómente tratar dos crimes promovidos anteriormente, devemos falar tambem dos crimes commettidos depois da eleição. Em quanto a estes a minha opinião particular he que se fizesse o mesmo que se determinou a respeito das causas civis; e deste modo evitamos a confusão do poder legislativo com o judiciario.

O Sr. Pinto de Magalhães: - Supposto que não se trata aqui dos crimes que impossibilitão a qualquer cidadão de obter o emprego de Deputado, nem dos casos, em que em virtude de accusação, ou sentença elle deva ser rejeitado pelas juntas eleitoraes, ou pelas Cortes; porque essas circunstancias entrão nas condições geraes da elegibilidade, que não pertencem de maneira alguma a este lugar da Constituição, e que são só proprias dos artigos 74 e 75; supposto por consequencia que aqui sómente se trata do juizo competente para conhecer dos delictos commettidos pelos Deputados antes, ou depois da sua eleição, e que hão de ser processados durante o seu emprego; eu não posso ser de opinião, que neste caso tenha lugar a mesma determinação que nos processos civeis. Os processos crimes contra Deputados nem devem suspender-se, nem devem ser confiados aos juizos ordinarios. Não devem suspender-se, porque seria um escandalo intoleravel que um cidadão que infringio a lei, pudesse por tempo algum estar isento de soffrer a pena que a lei impõe áquella infracção; e que sem temor da espada da justiça estivesse diariamente a commetter os maiores attentados: não devem sujeitar-se aos juizos ordinarios; porque além das difficuldades da residencia, estaria nas mãos do Poder judiciario, e mesmo do executivo pelo muito que influe naquelle, privar a Nação, por meio de uma injusta condemnação, ou de uma injusta pronuncia, por desgraça tão facil em arranjar, privar a Nação, digo, de um dos seus Representantes, e conseguir assim baldar a eleição que delle se fizesse. Sou por tanto de voto, conforme com o projecto, que haja para as causas criminaes dos Deputados um tribunal especial; e quanto á sua organização e attribuições em particular, trataremos, quando chegarmos ao artigo 159 do projecto.

O Sr. Moura: - O illustre Deputado, o Sr. Trigoso tratou de combater este parágrafo, dizendo que não se devia conceder a suspenção dos processos crimes pela mesma razão porque não se tinha concedido a mesma suspensão aos processos civis; e em segundo lugar quiz considerar isto como um privilegio, que era injusto que só concedesse a um cidadão que devia estar como os mais debaixo do imperio das leis. O primeiro argumento não concluo; porque estabelecer um paralello entre as causas crimes, e as civis, não he exacto: nas causas civis muito embora senão conceda este direito ao Deputado, porque pode seguilas por procurador; mas nas causas crimes, estabelecido o concelho dos jurados (e ainda mesmo pelo systema do nosso processo crime actual) he necessario que o acusado appareça, e por esta necessaria comparecencia ficava impossibilitado de continuar no exercicio das suas funcções: eis-aqui pois como o paralello não he exacto. Em quanto ao privilegio, diz-se com muita

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razão, que o imperio das leis deve abranger a todos os individuos, e que não he justo que entre neste recinto um criminoso: mas para que temos de estar sempre a entender com severidade os principios a todos os casos, se por mais invariaveis que estes principios sejão, sendo elles erigidos em leis para manter a segurança publica, quando a segurança publica o exija, se hão-de fazer excepções necessariamente? He verdade que os Deputados não deixão de ser cidadãos por ser Deputados, e que devem estar sujeitos á lei, assim he: mas comparemos estes principios com outros que hão de certamente merecer a attenção do Congresso, e depois decidiremos quaes merecem a preferencia. Consideremos em primeiro lugar que não se dá a esse tribunal autoridade alguma para julgar do crime, não se trata disso, senão de dicidir se em razão do crime porque um Deputado he accusado se lhe póde consentir que continue no exercicio de suas funcções. Consideremos cm segundo lugar que a suspensão da causa he pelo curto espaço de tres mezes; e consideremos tambem, que segundo o estado de nossa instrucção crime, não ha cousa mais facil que formar uma culpa a um homem. Façamos destas tres considerações, um todo, e meditemos bem a importancia deste todo. Não haveria cousa mais facil do que excluir da Deputação nacional a qualquer, que se não julgasse mil segundo as intenções do ministerio; bastava culpalo, e não se havia de gastar grande cabedal para o jazer. Não haveria, digo, cousa mais facil para um ministerio que pençasse deste modo, do que armar um crime de contrabando, ou de outra qualquer especie, áquelle que se visse que era advogado dos direitos nacionaes, e excluilo deste modo de ser Deputado: porque não seria preciso mais que armar um juiz com a espada da vingança, comprar duas testemunhas, e já se tinha conseguido o fim que levo dito. Compare-se pois isto que se chama privilegio com o risco que ha de poderem ser inutilizados os esforços de um Deputado muito patriota, só por dois ou tres individuos; e então se perceberá se he privilegio, ou precaução. De modo que, Senhores, póde tornar-se frustrada uma eleição, só pela vontade de tres ou quatro pessoas! Digo pois, que considerando cada um de per si estes inconvenientes, se verá que não somente não ha risco nenhum em suspender os processos crimes dos Deputados, pelo curto espaço de tres mezes que dura a sua deputação, se não que he até util e necessario. (Apoiado).
O Sr. Castello Branco Manoel: - Eu já expuz a minha opinião, e julgo que estabelecendo-se a regra geral que o Deputado não deve ser suspenso senão por aquelles crimes que fazem perder o direito de cidadão, nada mais haveria a accrescentar: porque d´outro modo por qualquer leve crime se veria privada a nação de muitos Deputados benemeritos.
O Sr. Serpa Machado: - Pouco tenho que accrescentar ao que se tem dito: farei só sobre o artigo, poucas reflexões. Eu não quero que nenhum destes crimes anteriores á eleição se tenha por agora em consideração, porque isso pertence ao artigo que está addaido, e nem he, nem póde ser objecto do presente artigo. Eu julgo que o negocio se deve só limitar aos delictos depois da eleição. A respeito destes digo, que a legislação que se acha estabelecida neste artigo, he justa: digo que he justa, porque todas as vezes que nós queiramos confundir os poderes politicos, temos transtornado a grande obra da nossa regeneração. Assim como tenho pugnado, que o Poder executivo tenha toda a independencia necessaria, pela mesma razão quero que seja independente o Poder legislativo. He necessario que os Deputados sejão de tal modo livres, que de nenhum modo se possa comprometter a sua independencia; e parece-me que nada poderia tirar mais esta independencia, que um juizo ordinario, e um processo em que se trate talvez de sua honra, de sua propriedade, e de sua vida. Approvo por tanto o paragrafo tal qual está.
O Sr. Trigoso: - Temos considerado os grandes inconvenientes que se segue de deixar ao arbitrio do Poder judiciario o julgar sobre a causa de um Deputado. Estes inconvenientes tambem eu os concederei; mas os illustres Deputados não tem tido em vista que, podendo-se commetter estes crimes diversas vezes, se teria que suspender o processo criminal, e entretanto elles poderião ter até tempo para fugir, e a justiça não ficaria satisfeita. Ha grandes inconvenientes por uma parte, mas tambem ha grandes inconvenientes por outra. Ha o inconveniente de que isto se não concilia com nossa legislação: ha o inconveniente de que isto se oppõe ás Bases da Constituição em que abolimos todos os juizos privilegiados. Entretanto o inconveniente de serem removidos os Deputados, não tem lugar, porque aos Juizes não pertence suspender os Deputados de suas legislaturas, senão declaralos criminosos, que estão sujeitos á pena da lei, e fazer executar esta. Comparados pois todos estes inconvenientes eu não acho outro arbitrio senão o que ponderei.
O Sr. Borges Carneiro: - Nós viemos a este Congresso com a condição de não fazer nosso estatuto politico menos liberal que o de Hespanha; e elle seria menos liberal se não approvasse-mos a doutrina de que se trata. A Constituição de Hespanha sabiamente a adoptou, não querendo que ficasse nesta parte dependente o Deputado, não sómente do Poder executivo, mas mesmo de dois ou tres individuos quaesquer, e aberta a porta para poderem alguns máos cidadãos privar a Nação acaso do melhor defensor dos seus direitos e a este da honra de a servir. Senão approvassemos a doutrina do artigo. Nisto teriamos menos liberaes que os Hespanhoes. Que quer dizer tanta opposição, a que se possa suspender uma causa pelo pequeno espaço de tres mezes, quando um tribunal de tanta autoridade, corno as Cortes, julgar que ella se deve suspender? pois se julgar o contrario, a causa vai por diante; eu nesta parte não tenho duvida nenhuma. Convém por uma parte que se cumpra a justiça, e por outra que um Deputado não seja dependente da malicia de dois homens. Por conseguinte este artigo deve ficar estabelecido na Constituição, porque sem isso não estaria se jura a independencia dos Deputados.
O Sr. Peixoto: - O illustre Preopinante impugnou a emenda proposta pelo Sr. Trigoso; mas se-

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gundo entendo o seu argumento consiste, em suppôr que o poder executivo, por meio de um juiz corrompido, e duas testimunhas sobornadas, poderia expellír a qualquer Deputado do exercicio das suas funcçoes. Em tal argumento procederia, se o processo do Deputado culpado o suspendesse do exercicio; mas pela hypothese do honrado Preopinante, o Sr. Trigoso, o Deputado não póde ser separado da representação nacional senão depois de julgado; e ainda então ha de o Congresso decidir, á vista da sentença, só o caso exige, ou não essa separação. Nesta cautella não posso descobrir o menor inconveniente; porque estou certo que o corpo legislativo resolverá um ponto tão importante com a maior circunspecção; e não quererá, por uma decisão imprudente, e contraria á opinião publica, expôr-se a ler quebra em sua autoridade e força, que, como se sabe, he toda moral. Quanto á residencia do culpado no juizo criminal, de que falou o honrado membro o Sr. Moura, essa não póde haver duvida, em que se lhe levante, o que he beneficio commum ao accusador. Pelo que pertence ao receio, que outro illustre Deputado mostrou, de que a dependencia, em que o Deputado processado estaria dos juizes, o exporia a dar no Congresso um voto menos livre; digo, que aquelle, que for susceptivel de tal baixeza, a praticará da mesma sorte quando a culpa houver de processar-se depois de findas as sessões; e se o Deputado for daquelles, a quem um ministerio corrompido se empenhe em promover a sua expulsão do Congresso; estou certo, que elle longe de abater-se, antes indignado contra uma maquinação tão escandalosa, se exaltará a propugnar cada vez com maior força em favor dos direitos, e liberdade dos povos. Por tanto apoio a emenda.
O Sr. Rebello: - Trata-se de determinar se as causas crimes dos Deputados de Cortes hão de ser sujeitas a um tribunal, que decida se devem, ou não ser suspensos; e se o exercicio do Deputado accusado deve ou não ser suspenso. Concordo com a maior parte dos illustres Preopinantes, em que neste lugar temos simplesmente que attender aos crimes que os Deputados commettem depois que entrão no exercicio das suas funcções, ou que ainda que fossem comettidos antes, escapárão ao conhecimento das juntas preparatorias das Cortes. Por quanto eu supponho, que a Constituição ha de prevenir a validade das eleições a respeito dos cidadãos, que tiverem crimes em aberto ao tempo das eleições, e a respeito dos Deputados, que commetterem crimes, ou a quem se abrirem processos desde a sua eleição até ao tempo das juntas preparatorias: todavia porque apesar d'isso podem os Deputados ser accusados de crimes antecedentes ao exercicio de suas funcções, por isso sujeitarei estes crimes á mesma providencia que cabe aos outros, que forem commettidos depois que os Deputados entrarem no exercicio de seu cargo. Tenho observado que alguns dos illustres Preopinantes querem, que destes crimes conheção os juizes ordinarios: outros que um tribunal, ou juizo decida se taes processos devem ficar suspensos; outros finalmente querem, que já mais se suspendão estes processos, e que sejão formados por um tribunal, ou juizo, nomeado pelas Cortes. Produzirei com simplicidade a minha opinião; e mostrarei succintamente os inconvenientes que achei nas outras. Tenho como axioma, que nunca se devem suspender os processos crimes, porque isto induziria uma debilidade infalivel á execução das leis criminaes em prejuizo da ordem, tranquilidade, e segurança publica, e particular, e um indecoro, e diminuição da opinião do Congresso, que não póde admittir no corpo legislativo um Deputado accusado de crimes. Tenho como outro axioma, que não póde um Deputado estar em accusação crime em um juizo ordinario, e ao mesmo tempo exercitar no augusto Congresso os funcções legislativas. Não só pelo fundamento, de que em tal caso devia estar presente ao juizo respectivo, segundo o principio adoptado pela actual jurisprudencia criminal, e que não deixará de o ser por qualquer outra, que venha adoptar-se; como já foi sabiamente ponderado por um dos illustres Preopinantes; mas ainda porque constituiria uma contradicção monstruosa de ser réo perante um juizo ordinario, aquelle mesmo que na qualidade de Deputado exercita o poder de exigir, e fazer effectiva a responsabilidade, e natural observancia das leis, que regulão o poder judiciario; e finalmente porque, ou o poder judiciario tinha autoridade de suspender, e punir o Deputado, e isto destruia a importancia, e decóro do corpo legislativo, ou não a tinha, e então os seus processos, e julgados erão illusorios. Fica pois á vista a minha opinião, a qual consiste, cm que todas as vezes, que um Deputado for preso em flagrante delicto, ou tiver commettido crimes depois do seu exercicio, ou os tiver commettido antes, mas que só então sejão conhecidos, deverão as partes queixosas, ou os promotores da justiça dirigir seus libellos, e queixas ao Congresso, o qual pelo tribunal, ou juizo que para este fim hade sanccionar, declare se ha ou não lugar para a formação de culpa, e processo, e se o Deputado hade ou não ficar suspenso do exercicio de suas funcções. Por este modo teremos conciliado a execução das leis com o decóro, e importancia do corpo legislativo. Sc o Deputado fica em processo por delicto grave, ficará suspenso no seu exercicio; se o crime merecer apenas a condemnação de uma multa pecuniaria, poderá ficar no exercicio do seu cargo. Salvão-se deste modo os inconvenientes, em que incorrem as outras opiniões; e não se diga, que isto constitue um privilegio pessoal; pelo contrario constituirá a execução da regra, de que o réo deve estar presente ao juizo que o hade julgar: constitue um foro do cauza, que temos conservado pelas basca da Constituição, e concilia ao corpo legislativo aquella importancia de que elle goza nos paizes constitucionaes, mais zellosos da igualdade das leis, e sem o qual os mesmos corpos legislativos caírião em descredito, e diminuição da autoridade, que os deve sustentar.

O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Eu direi tambem a minha opinião sobre este art. Em quanto aos crimes porque um Deputado he accusado antes de ser eleito, não tratamos agora d'isso, pois pertence ao art. 33. Em quanto aos crimes que possão ter lugar depois da eleição, e de o Deputado ser já Deputado; distingo, se estes crimes são leves, e são d´aquelles

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porque não uca suspenso dos direitos de cidadão, póde suspender-se o processo como nas causas civeis: se porém os crimes tão graves, minha opinião he, que sejão processados immediatamente. Depois de pronunciado sou de parecer, que, se pela pronuncia he absolvido, siga no exercicio do seu lugar; e se he condemnado, saia d'elle. Segue-se agora falar do tribunal a quem ha de competir fazer esta declaração. Em primeiro lugar, eu, nem aqui, nem em outra parte da Constituição admittirei nunca, nem juizo, nem tribunal, nem julgado, nem Meza que seja independente do conselho de jurados; porque sem o conselho dos jurados, nem ha Constituição, nem ha segurança pessoal. Este he um artigo constitucional; por tanto todo o tribunal, toda a commissão, todo o julgado, toda a meza, que he independente do conselho dos jurados, e que he inconstitucional, não he proprio deste artigo. Isto supposto, digo, que o juizo especial, mas que seja constitucional ao mesmo tempo (porque não he inconstitucional que haja um conselho especial de jurados, como tem os Francezes, e como nós mesmos temos para julgar dos abusos da liberdade da imprensa.) Deve-se por tanto estabelecer um conselho especial de jurados; e para não falar em idéas geraes, direi qual he a minha opinião mais explicitamente. Logo que um Deputado he accusado de um crime, dos que já falei, o Congresso constitue-se em conselho de jurados: desde este momento, e para este caso já não he considerado como Congresso, senão como conselho de jurados. Sete, nove, ou os que se nomearem, são juizes de direitos, os restantes formão o conselho de jurados, e o processo forma-se do mesmo modo que em qualquer dos outros conselhos, isto he o que eu considero um juizo especial constitucional, e no que julgo que não ha nenhum inconveniente.
O Sr. Moura: - Eu quizera bem que a discussão tomasse o verdadeiro caminho a que este art. se dirige. Este art. não trata de similhante tribunal, nem se trata nelle sobre se ha de ser o julgado ordinario, ou o extraordinario, nem se trata do que sobre este ponto reflexionou o illustre Deputado, que me precedeu a falar. A questão precisa, e propria do art. he, se se hão de suspender as causas criminaes dos Deputados, ou se hão de ser suspensos do exercicio de suas funções os Deputados que forem accusados. Este he o preciso ponto da questão. Sobre este objecto já expliquei as minhas idéas; mas falta-me responder a uma idéa, que segundo me parece, manifestou o Sr. Trigoso. Disse o dito Sr. Deputado, e meu honrado collega segundo creio, que não acharia nenhum inconveniente em conceder este privilegio a um Deputado; mas quer que seja depois de se ter dado a sentença sobre seu crime, e não antes. Nesta parte me ha de dispensar o illustre Deputado, que eu tenha a confiança de dizer, que julgo esta idéa um absurdo. Eu no caso de conceder este chamado privilegio, quizera que fosse o contrario: menos exorbitante acho eu conceder este privilegio antes da sentença; que depois, porque antes não se sabe se se procede em consequencia de calumnia, ou de crime; mas depois que a sentença foi proferida, (para o que já se sabe que havia de preceder conhecimento de causa, e audiencia da parte) depois que se sabe a verdade, como humanamente se póde saber; depois que se diz, por exemplo, que o Deputado tal deve soffrer tantos annos de degredo, parece-me que então seria muito exorbitante similhante privilegio de se suspender a execução do julgado da sua sentença, elle então deve cumprir a lei. Pelo contrario antes, he muito justo; porque antes, o Deputado póde ser victima de uma calumnia. Sabemos muito bem que os annaes da judicatura estão cheios de calumnias que se hão attribuido aos homens mais probos, e mais integros; isto seria muito facil; isto traria os inconvenientes, que já estão ponderados, e estes inconvenientes forão os que os redactores do projecto quizerão remediar, introduzindo esta lei; cujos inconvenientes julgo que se não removem com a opinião do Sr. Trigoso.
O Sr. Peixoto: - Parece-me que he contra producentem o argumento do illustre Preopinante. Se pela simples pronuncia houver de ajuizar-se da culpa do Deputado, para o effeito de excluilo, ou não do seu exercicio, haverá o risco de expellir da representação Nacional membros benemeritos, que parecendo culpados em delictos graves, pelo simples summario, se mostrarião innocentes no plenario. Pelo contrario acontecerá, quando o Congresso reservar a expulsão para depois da sentença; porque nesse caso permanecerão em seus lugares não só aquelles acusados, que forem absolvidos, mas ainda alguns dos condemnados, quando a causa publica ha de prevalecer á execução immediata da sentença. Alem disso o Congresso não poderia pela simples pronuncia resolver sobre a expulsão do Deputado sem ingerir-se na parte judiciaria; pois necessariamente attenderia ao merecimento do summario, sua regularidade, ou nullidade, e então o seu parecer preveniria de tal sorte os juizes, que raros ousarião contrarialo em sua deliberação definitiva. Concluo confirmando o voto dado.
O Sr. Moura: - O inconveniente que ha nesse caso he o de suspender a sentença do poder judiciario. E será elle pequeno?
Julgada sufficientemente discutida esta parte do artigo, o Sr. Presidente o poz a votos, e se approvou tal qual se acha no projecto da Constituição.
O Sr. Secretario Freire leu o artigo 79. Desde o dia em que se apresentarem á deputação permanente até áquelle em que acabarem os sessões, vencerão um subsidio pecuniario, que terá tido taxado pelas Cortes no segundo anno da legislatura antecedente. Aos Deputados do ultramar, e ilhas adjacentes se arbitrará além disso uma indemnização para as despezas de vinda, e volta. Estes subsidios, e indemnização serão pagos pelo thesouro nacional.
O Sr. Correia de Seabra: - Este artigo não tem connexão alguma com a distribuição dos poderes, como he evidente pelo seu objecto, o por conseguinte não deve ter lugar na Constituição, mas deve ser transferido para o Regimento das Cortes; e quando se discutir o Regimento, se discutirá esta doutrina; e declaro já a minha opinião, os Deputados não devem ter subsidio algum, porque as suas funções são todas de confiança publica.

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O Sr. Vasconcellos: - A doutrina deste artigo não se póde applicar aos Deputados do ultramar, porque nelle se diz, que os Deputados terão um subsidio pecuniario em quanto durarem as sessões; mas talvez seja necessario que os Deputados do ultramar, ou a maior parte delles fiquem em Portugal durante todo o tempo da legislatura se fosse preciso; por exemplo, convocar Cortes extraordinarias ; por consequencia acho que os Deputados do ultramar deverião receber todo o subsidio ordinario durante toda a legislatura.

Resolveu-se que o artigo se fosse votando por partes, e posta a votos a primeira, foi approvada.

Em quanto á segunda o Sr. Freire fez a emenda, que se tirassem as palavras = do Ultramar, e Ilhas adjacentes = ficando ampliada a todos os Deputados a indemnização para as despezas de ida e volta: e com esta emenda se approvou a dita segunda parte.

O S. Vasconcellos requereu se tomasse em conta a moção que acabava de fazer.
O Sr. Alves do Rio opinou se deveria conceder alguma cousa aos Deputados do Ultramar que ficassem em Portugal durante o tempo da legislatura; mas não toda a gratificação que vencem no tempo das sessões.

O Sr. Castello Branco Manoel julgou que se não deverião exceptuar os das ilhas adjacentes.

A final o Sr. Alves do Rio lembrou seria melhor determinar-se por um artigo constitucional, que se deveria dar uma indemnização aos Deputados do Ultramar durante todo o tempo da legislatura sem designar-se qual tenha de ser a gratificação, ficando isto ao arbitrio das Cortes; e assim se resolveu por votação.

Venceu-se tambem por votarão que as Cortes que arbitrem esta indemnisação sejão as antecedentes á legislatura, para que a designam.
Ultimamente resolveu-se que se não estabeleça o mesmo principio a respeito dos Deputados das ilhas adjacentes, e que estes ficão comprehendidos nas disposições relativas aos Deputados de Portugal.

A ultima parte do art. foi posta a votos, e approvada como se acha no projecto.
O Sr. Secretario Freire leu o art. 80. Em lodo o tempo da legislatura, contado desde o dia em que a sua eleição confiar na deputação permanente, os Deputados não poderão acceitar, nem sollicitar para outrem pensões pecuniarias ou condecorações, que sejão providas pelo Rei. Isto mesmo se entenderá dos empregos publicos, salvo se lhes competirem por escala na sua carreira.

O Sr. Vilella: - Acho que a primeira parte do artigo se deve addicionar = que os Deputados tambem não poderão receber prisões pecuniarias, condecorações, ou dadivas de potencias estrangeiras. = pois como poderá um Deputado zelar os interesses da sua Nação, quando, por exemplo, for questão de algum tratado com qualquer potencia, se elle estiver penhorado para com essa potencia? Quanto á segunda parte entendo que não convém a excepção, antes pelo contrario, que nenhum Deputado possa ser promovido por encala na corporação a que pertencer durante o tempo da deputação; porque não podendo receber pensões ou mercês do Rei, poderá solicitar as promoções da sua classe a fim de se adiantar nellas, e eis-lo aqui dependente do Governo, e sujeito á sua influencia; e seguir-se hão grandes males. Quantas promoções prematuras não se tem feito, só afim de despachar um individuo? Quantas outras, reformando os mais antigos, ou estendendo-as até chegar a uma ou mais pessoas, que se pertendêrão incluir nellas? Além disto sabe-se, que algumas promoções se fazem despachando duas terças partes por antiguidade, e uma terça parte por merecimento. Qual será o chefe, ou commandante que não incluirá nesta terça parte o Deputado de Cortes que por antiguidade não possa entrar na promoção? Acaso terá a firmeza de excluir a este, declarando-o assim não ser dos de maior merecimento na sua profissão? Proponho pois se estabeleça, que os Deputados de Cortes não possão ser promovidos por escala na sua carreira, durante o tempo da legislatura; mas que findo este, vão buscar a sua antiguidade. Assim não ficão prejudicados; assim ficão desligados dos considerações de corporação, e fóra da influencia do Governo.

O Sr. Bastos: - Eu apoio o Sr. Vilella. Uma doutrina similhante a do artigo, porém mais extensa, foi em 1790 proposta por Lanjuinais na assembléa constituinte de França, e ahi decidida o anno seguinte por acclamação. Os Legisladores de Cadis adoptarão-na, mas limitando-a muito. Os de Pariz extendião a prohibição de que se trata aos quatro annos depois da legislatura de que os Deputados fossem membros: os de Cadis restringirão-na ao tempo da Deputação. Aquelles comprehendião os empregos que podessem competir por escala; estes exceptuárão-nos. Os illustres Redactores do projectos de Constituição que se discute seguirão as limitações da Constituição Hespanhola. Eu em parte concordo, e em parte discordo delles. Embora se não extenda a prohibição além do tempo da Deputação: mas porque não ha de ella comprehender os empregos que por escala em sua carreira possão competir aos Deputados? Se taes empregos forem conferidos por El-Rei, sempre a sua conferencia ha de ser reputada uma graça, sempre a pretenção respectiva ha de ser uma dependencia. Não se diga que os Deputados por se acharem no serviço da Nação não devem ser prejudicados em seus accessos, nem preteridos por outros, que lhes irão passar adiante, pois tudo se obvia ficando-lhes salvas as suas antiguidades. Por outra parte o artigo carece de alguma sancção, e póde ser a mesma que Lanjuinais lembrou áquella assembléa, e consistia na nullidade da mercê obtida, e na suspensão por cinco annos dos direitos de cidadão activo. D'outra sorte poderão os Deputados de facto solicitar e alcançar mercês durante a Deputação, e acceitarem-na depois della, visto não incorrerem em pena alguma, vindo assim a illudir a lei em contrario.

O Sr. Moura: - Os Srs. que acabão de falar olhão a medalha por um lado; eu quizera que a vissem pelo outro. O Poder executivo tem um excellente modo de vingar-se daquelles Deputados que não se acommodem com seus interesses, adoptando a medida que os mesmos Srs. propõem. Não tem o Poder

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executivo mais que fazer uma promoção, e preterilos. Que importa que depois tenhão a antiguidade se não tem o posto? Dão assim os illustres Deputados ao Poder executivo uma arma ainda mais forte que a que lhe tirão, porque lhe dão uma arma para que se possa vingar daquelles Deputados de quem queira vingar-se. Eu digo que tudo tem inconvenientes, mas que certamente a medida proposta pelos illustres Preopinantes não salva estes inconvenientes. Eu digo isto muito explicitamente, porque ainda não cheguei áquelle gráo de magistratura em que deva ou possa subir por escala.

O Sr. Freire: - Eu não tenho em vista se posso ou não posso ter accesso por escala: eu falarei segundo o que no meu entender seja justo e conveniente, sem ter em vista interesses proprios, porque quando entro neste augusto recinto me dispo, quanto posso, de interesses particulares. Tem-se dito que um individuo não seja provido, nem por escala, em tanto que seja Deputado, mas que conserve a sua antiguidade, e possa ser provido depois que acabe o cargo de sua deputação. Que he então o que elle perde? Não vem a perder nada: perderá meia duzia de mezes de soldo, cousa na verdade bem pouco digna da attenção. Logo que lucrão os Preopinantes com sua medida? Não lucrão nada. Diz-se que o Deputado póde ter influencia, e que em razão desta influencia póde ser favorecido pelo Governo. Se o Deputado tem esta influencia, se ella he util ao Governo, e se o Governo a quer recompensar, ainda que se adoptasse esta medida o poderia fazer, acabado que fosse o exercicio do seu cargo. Por tanto assim nada se evita; se se quer, poderia-se adoptar outra medida, em cuja justiça não entro, masque produziria de melhor modo o effeito a que os Preopinantes se encaminhão; e seria que o Deputado não vença a antiguidade ao entanto que he membro do Congresso. Se isto seria justo ou não, o Congresso decidirá, que eu não entro na questão da justiça, e tenho-me só levantado para ractificar as idéas dos Preopinantes.
O Sr. Franzini: - Eu o que vejo he que em todas as reflexões a este respeito feitas, não se tende a outra cousa mais, que a querer impor um castigo áquelle homem que teve a honra de ser nomeado para a representação nacional. Se este he o fim, parece-me que haveria um meio melhor, que era demittir por vinte annos áquelle que fosse nomeado para Deputado, ou excluído para sempre de empregos publicos. Que quer dizer que sejão promovidos os mais modernos, e o Deputado, por ter a honra de ser Deputado, ficar preterido? Isto he um verdadeiro castigo.
O Sr. Bastos: - O illustre Preopinante combate medidas de justiça e de moderação com um apparato de excessos de rigor. Nós tanto não tratamos de prejudicar os empregados publicos, que antes queremos que suas antiguidades lhes fiquem salvas. E ficando, qual he a differença? A dos ordenados. Se fossem despachados durante a deputação vencerião dois ordenados, o de um serviço que fizessem, e o de outro que não fizessem; pesarião duplicadamente sobre o Thesouro publico. Conservando-se-lhes simplesmente a antiguidade pesarão de uma maneira só, perceberão simplesmente os emolumentos daquelle encargo que exercerem. E não será isto justo? Em quanto aos outros Preopinantes basta responder que um confunde a dependencia proxima de uma promoção presente com a remota é incerta de uma promoção futura, e o outro considera uma preterição na promoção feita durante a deputação como uma vingança exercida contra o Deputado, quando não póde haver preterição de uma pessoa que não he licito despachar, e a quem fica salvo o seu direito.

O Sr. Borges Carneiro: - Eu sustento a doutrina do artigo como está: não desejo leis que dem privilegios aos Deputados; mas nem tambem leis que lhes imponhão castigos por serem Deputados. Os despachos que lhes competem pela lei na carreira da sua profissão, não necessitão de empenhos para se obterem; são cousas que lhes hão de ir ter a casa, por virtude da lei; prohibir que os podessem aceitar seria grande injustiça. Que diriamos de um Lente que fosse reeleito durante tres ou quatro legislaturas, e entre tanto viesse a perder por este modo o direito á sua promoção e jubilação? Que diriamos de um Corregedor de comarca, que por ser Deputado de Cortes, e ser varias vezes reeleito, ficasse sempre sendo Corregedor de comarca, em tanto que outros mais modernos que elle estivessem já na Casa da Supplicação? Pois he isto o que ha de acontecer, approvando-se o que propõem os illustres Preopinantes. Agora o que desejo se estabeleça aqui, he o que já se declarou no derreto de 10 de Agosto: convém saber, quanto aos mais requerimentos que não são concernentes a pedir empregos, condecorações, ou pensões, os não possa fazer o Deputado sem previo consentimento das Cortes, isto no tempo em que estão convocadas, pois quando o não estão não necessita desse consentimento, circunstancia esta que faltou declarar-se no citado decreto de 10 de Agosto. Desejo tambem se declare que todas as disposições que deste artigo ficão sendo transcendentes aos Deputados substitutos, desde o tempo em que forem chamados ás Cortes.

O Sr. Franzini: - Eu julgo que os Preopinantes pensão que as promoções serão arbitrarias para o futuro; mas creio que já se tem tomado medidas para que não fiquem sujeitas ao capricho; e que o conselho de estado ha de examinar os merecimentos de cada um, e em razão delles fazer a proposta. Devo agora dizer alguma cousa a meu respeito, porque não se julgue que defendendo o artigo tenho sido parcial. Eu tenho a honra de ser Coronel graduado, e no corpo em que me acho, fazendo-se as promoções com justiça, não deverei ser promovido nem daqui a 13 annos.

O Sr. Vilella: - Vejo que se não tem tomado em consideração o meu addicionamento á primeira parte do artigo, isto he, que os Deputados não possão receber condecorações, etc., das potencias estrangeiras.

O Sr. Braamcamp: - Essas condecorações não se obtem sem uma mercê especial do Rei, e de conseguinte fica incluido.

O Sr. Rebello leu um addicionamento ao artigo.

O Sr. Presidente perguntou se a materia estava

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sufficientemente discutida, decidiu-se que sim; e indo pór a votos a primeira parle do artigo, disse

O Sr. Ferreira Borges: - Ha uma lembrança dos illustres Preopinantes que me parece se devia interpor na votação.

O Sr. Presidente: - Podemos hoje vencer a doutrina do artigo, e deixar reservado para outro dia os aditamentos.

O mesmo Sr. poz a votos a primeira parte do artigo, e ficou approvado.
Decidindo-se que se tinha sufficientemente discutido ao mesmo tempo que a primeira parte, a segunda parte do artigo; poz o Sr. Presidente á votação se se approvava a dita segunda parte, sem todavia prejudicar aos addictamentos que se tinhão lembrado para poderem entrar em discussão; e assim se approvou.
Decidiu-se igual mente que no primeiro dia de Constituição se discutirião os additamentos, segundo á ordem porque fossem propostos.
O Sr. Presidente annunciou que a Sessão extraordinaria começaria ás 6 horas da tarde, e designando para ordem do dia os pareceres das Commissões.
Levantou-se a Sessão á uma hora e meia da tarde. - Agostinho José Freire, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para José Ignacio da Costa.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo, a fim de ser competentemente verificado, o incluso offerecimento que a este Soberano Congresso faz o Tenente Coronel João Ribeiro Lopes, Governador da praça de Tavira, a beneficio das despezas publicas, da tença de 12$ réis que se lhe paga no almoxarifado de Aveiro, desde o anno de 1814 até ao seu falecimento, se assim for necessario; bem como da quantia de 80$ réis, procedidos de soldos que se lhe devem dos mezes que decorrem de Fevereiro a Maio de 1808, como Capitão do regimento de infantaria n.º 14.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 22 de Outubro de 1821.- João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

LISBOA, NA IMPRENSA NACIONAL.

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