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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 210.

SESSÃO DE 26 DE OUTUBRO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do Sr. Castello Branco, leu-se a acta da Sessão antecedente, e foi approvada

O Sr. Secretario Freire, propoz como additamento á 3.ª votação sobre o art. 2.º do projecto N.º 110 - que ao Presidente succeda o que lhe fôr immediato em votos, e assim successivamente se vá regulando a antiguidade de uns vereadores a respeito de outros, decidindo á sorte em caso de igualdade de votos - e sendo proposto á votação foi approvado.

O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios do Governo. Do Ministro dos Negocios do Reino, um remettendo o requerimento, e documentos juntos de Manoel Eusebio Tavares de Sousa Cirne, actual recebedor do almoxarifado do reguengo de Sacavem, que se dirigiu á Commissão de fazenda: outro remettendo sete relações a respeito de mendigos, dirigidas pelos Corregedores de Thomar, Viana, Lamego, Ourique, Villa Real, Guarda, e Viseu, que se dirigirão á Commissão de saude publica: e mais o seguinte officio.

Illustrissimo e Excellenlissimo Senhor. - Sua Magestade manda participar ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, que no dia 19 do corrente se instalou o Concelho de Estado, e nelle ficárão designados os dias das quartas feiras, e dos sabbados para ter as Sessões ordinarias, nomeando para seu Secretario o Conselheiro João Antonio Ferreira de Moura: E rogo a V. Exa. o faça assim presente no mesmo Soberano Congresso.
Deus guarde a V. Exc. Palacio de Queluz em 24 de Outubro de 1821. - Sr. João Baptista Feigueiras. - Filippe Ferreira de Araujo e Castro.
Ficárão as Cortes inteiradas.

Do Ministro dos Negocios da justiça, um officio remettendo a copia da portaria de 11 do corrente, pela qual se ordenava á Junta da administração do tabaco fizesse subir áquella Secretaria os autos de Simão Smith, e a consulta da mesma Junta em que representa, que já se achão na Secretaria das Cortes, do que ellas ficárão inteiradas, mandando-se remetter os mesmos autos para a Commissão de justiça crime, aonde já se acha a consulta respectiva: o outro remettendo os autos, em que foi processado Antonio Alvares Grande por crime de contrabando de tabaco, que se mandárão dirigir para a mesma Commissão de justiça crime com os mais papeis, que já lhe forão presentes.

Deu mais conta de uma memoria sobre a decadencia dos vinhos da Ilha da Madeira, estabelecimento de alambiques, e meios de melhorar esta importante producção daquella Ilha, por Diogo d'Ornellas Carvalhal Frazão Figueiroa, e Jaime Antonio de França Neto, a qual se dirigiu á Commissão de agricultura: de outra anonyma intitulada - Reflexões sobre a inutilidade da língua Grega como preparatorio de medicina, que se dirigiu para a Commissão de instrucção publica: e de um requerimento de André Joaquim Ramalho e Sousa, pedindo licença para imprimir no seu periodico a acta de cada uma das Sessões das Cortes sobre o qual havendo alguma discussão, se propoz á votação - se se deve imprimir todos os dias a acta das Cortes em folha volante? E se venceu que sim. Propoz-se mais se a impressão deve ficar a cargo da Commissão da redacção do Diario? E se venceu, que sim. Conseguintemente foi indeferido o requerimento.

O Sr. Rodrigo Ferreira por parte da Commissão dos poderes apresentou o seguinte

PARECER.

A Commissão nomeada para verificar e legalisar os poderes dos Srs. Deputados de Cortes, examinan-

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do o diploma do Sr. Pedro de Sande Salema, Deputado pela provincia da Extremadura, chamado às Cortes por deliberação do Congresso tomada na Sessão de 24 do corrente, e combinando-o com a acta da Junta eleitoral da mesma provincia, acha-o legal; e he de parecer que o dito Sr. Deputado seja recebido ao Soberano Congresso.

Paço das Cortes em 26 de Outubro de 1821. - Rodrigo Ferreira da Costa; Antonio Pereira; João Vicente Pimentel Maldonado.

Foi approvado.

Em consequencia sendo o dito Sr. Salema introduzido com o ceremonial do estilo, prestou o juramento, e tornou assento no Congresso.

Verificou-se o numero dos Senhores Deputados, estavão presentes 100, faltando os Senhores Osorio Cabral; Barão de Molellos; Pereira do Carmo; Sepulveda; Bispo de Beja; Rodrigues de Macedo; Pessanha; Carneiro; Pereira da Silva; Vicente da Silva; Gouvêa Osorio; Corrêa Telles; Faria; Feio; Rebello da Silva; Manoel Antonio de Carvalho; Gomes de Brito Paes de Sande, Zeferino dos Santos.
Passou-se á ordem do dia principiando-se pelo additamento offerecido pelo Sr. Guerreiro ao art. 82 -
Por proposta do Poder executivo.

O Sr. Borges Carneiro: - O art. diz, que todas as vezes, que por algum caso extraordinario seja indispensavel que algum Deputado saia das Cortes, o possão estas mandar, convindo nisso as duas terças partes dos votos. Ora já se venceu que passasse tal qual está; logo não se podem já pôr restricções a esta, faculdade que se deu às Cortes de serem as que decidão se o caso he extraordinario, e o que então se deva fazer. Proponho pois que antes de se tratar da indicação do Sr. Guerreiro, se decida a questão provia, se tendo sido approvado o art. com a dita latitude, se lhe póde ainda pôr restricções.
O Sr. Guerreiro: - Quando pela primeira vez propuz o additamento a este artigo depois de estar vencido, entendi, como entendo hoje, que não propunha mais que uma formalidade, ou a maneira porque se podia por em pratica; e assim como em outros artigos da Constituição se tem feito additamentos tendentes ao mesmo fim, sem que por isso se entendesse que se ia contra a deliberação da Assemblea, nem contra o resolvido no artigo, o mesmo se podia fazer neste caso. Propuz o seu additamento por julgalo de muita utilidade; por entender que as Cortes futuras podião dar no artigo alguma interpretação sinistra, e abusar delle de maneira, que fossem os resultados tão funestos que trouxessem comsigo a destruição do systema constitucional, que estamos fundando, e o estabelecimento do despotismo do Corpo legislativo com todas as desgraças que o acompanhão. Com effeito durante a discussão eu julgava que não me tinha enganado no meu raciocinio, pois os illustres authores do projecto, que combaterão o meu additamento, me derão a entender com as suas razões que podião acontecer os mesmos males que eu receava, e até que elles approvavão, como muito uteis, medidas em que eu achava grandes inconvenientes. Quando no fim da Sessão o Sr. Deputado Pinto de Magalhães expendeu outra doutrina , reduzida a que não podia o meu additamento ser admittido então, por não ser este o seu lugar; que, o artigo de que se tratava era uma excepção dos artigos antecedentes; porém que poderia ter lugar o meu additamento em outra parte da Constituição. Depois que o illustre Deputado ennunciou esta opinião, que vi se approvava pelos mesmos redactores do projecto, que com maior calor tinhão combalido o meu addicionamento, desde então fiquei socegado, persuadido em que se consentiria que se fizesse a declaração, de que não se estabelecia neste artigo regra alguma para a nomeação dos empregos que pertencem ao Poder executivo, por não ser este o seu lugar; mas que se faria naquelle em que se julgasse opportuno. Porém agora que o illustre Deputado o Sr. Borges Carneiro pertende impugnar estes principios, he necessario sustentar novamente o contrario, isto he, que no artigo não se entende de maneira alguma, que se possa nomear para todos os empregos da sociedade, o que se concede he, o poder-se determinar quaes são os casos em que um Deputado, sem infringir as regras estabelecidas, póde sair das Cortes para exercer um emprego publico. Mas para evitar, que as Cortes ordinarias que hão de seguir as actuaes extraordinarias queirão abusar desta interpretação para os fins, que julgo inutil repetir, he necessario que se declare desde já qual he a formalidade que deve preceder a esta determinação das Cortes, cuja formalidade não he outra senão a proposta ou iniciativa do Poder executivo, como aquelle a quem em regra compete a nomeação dos empregos publicos: e como já disse que no artigo, de maneira alguma essa attribuição está concebida similhantemente, o additamento por mim proposto não destroe a deliberação do Congresso, deve-se discutir, e tomar sobre elle decisão. E quando se julgasse que de alguma maneira se oppunha, he tão importante, e de tanta transcendencia para as gerações futuras, e talvez para a actual, o fixar claramente as idéas a este respeito, que deveriamos não ser demasiadamente rigorosos em observar as formalidades, quando de não cingir-se absolutamente a elle, podesse resultar, ou evitar acontecimentos funestos.
O Sr. Borges Carneiro: - Ainda não está decidido se se ha de discutir novamente esta materia: decida-se primeiro, porque a estar já vencida, para que havemos de estar a perder tempo ?

O Sr. Moura: - O illustre Deputado o Sr. Guerreiro , não duvida, nem póde duvidar, que a materia toda do art. está vencida, nem duvida, nem póde tambem duvidar, que ella não póde entrar em discussão novamente. Diz o Deputado, que supposto estar a materia vencida, com tudo seu additamento se encaminha a pôr em pratica a mesma materia vencida. Vamos a ver se isto he exacto. Estabelecido que na authoridade das Cortes (em casos extraordinarios de que depende a segurança do estado) está decidir, que saia deste recinto um Membro dellas: diz o Deputado, mas para facilitar essa determinação he necessario que se saiba quem ha de nomear ou promover essa saida. Digo que isto não he necessario.

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Decidiu-se que ás Cortes pertencia determinar que saisse do seu seio um Membro, no caso que o exigisse a segurança publica: a questão he, quem ha de nomear este Membro, se ha de ser o poder executivo, ou se ha de ser em alguns casos o mesmo poder legislativo; mas esta he uma questão fora deste logar, e que póde discutir-se quando se tracte das attribuições dos poderes executivo, e legislativo: então he quando se poderá tractar se o poder executivo ha de propor para essa nomeação, ou se ha de haver casos extraordinarios em que a possa fazer o mesmo poder legislativo, apezar de se dizer commummente, que a nomeação dos empregos pertence áquelle, e não a este. Digo que isto são questões alheas, que não podem embaraçar as decisões do Congresso. Se tivessemos que tractar a questão importante, de se ha caso extraordinaria em que o poder legislativo deva nomear para um emprego, eu mostraria ao illustre Preopinante o Sr. Guerreiro, que nesse caso, em que depende a segurança do estado podia, e devia ser; que a essa circunstancia não ha nada que não ceda, e que se elle pintou na Sessão passada com um pincel muito negro, os abusos que se podião seguir de fazer o poder legislativo essa nomeação; com um pinsel igualmente negro poderia eu mostrar, se o caso fosse hoje, que o mesmo ou maior mal se poderia seguir de se ver em taes circunstancias este Congresso com os braços prezos, e o poder executivo obrando livremente. Se fosse esse caso, eu pintaria os terriveis males que podião seguir-se, não digo tão eloquentemente como o Preopinante, mas em fim o melhor que podesse, e ajudado da razão, da experiencia, e da verdade. Mas, já digo, não se tracta, disso, virá tempo em que se tractará; e eu convido desde já ao Preopinante, a que reserve para então a força do seu raciocinio, para mostrar esses desgraçadissimos exemplos, e eu então opporei alguns outros para fazer conhecer qual he dos dois, o painel mais horrivel; por ora lemitemo-nos só á questão: esta já festa decidida, que he que possa sair daqui um individuo; o mais reservemo-lo para outro dia.

O Sr. Guerreiro: - Com bastante magoa minha não posso acceitar o convite do Preopinante, reservando este questão para outro dia; a prova disso he que o Sr. Borges Carneiro entende que a materia da minha indicação fica determinada pela decisão do art. 82; e se entende que fica decidida, como havemos de deixar a decisão deste ponto para outro dia sem fazer uma expressa declaração, de que aquella decisão a não prejudica? Eu vou falar com clareza: não repitirei o que já disse , não tenho a vaidade de me persuadir que possa augmentar os conhecimentos do Congresso, longe de mim tal pensamento; mas pelo menos peço que se declare na acta se neste art. já approvado se concede, ou não concede ao poder legislativo a faculdade de poder nomear para algum emprego dependente do poder executivo. Creio que não fazer similhante declaração seria o mesmo que deixar um artigo obscuro, e tão obscuro, que os mesmos membros do Congresso discordão na sua interpretação; discorda o Sr. Borges Carneiro porque crê, que pelo artigo se infere que fica este poder ao poder legislativo, e discorda o Sr. Moura, porque diz, que se não entende este decisão pelo artigo. E havendo esta discordancia não deveremos fixar o sentido delle? Declare-se e transcreva-se na acta de hoje, que a decisão do artigo não prejudica a materia da indicação, e então deixarei a questão para outro dia: de outro modo não posso consentir nisso.

O Sr. Borges Carneiro:- Eu peço que se leia, a acta sobre o que se decidiu neste artigo.

O Sr. Soares Franco:- Aqui o que se trate he, se tem lugar o additamento ou não. O artigo diz (leu) por conseguinte trata-se só da possibilidade de sair: he evidentemente uma explicação do, artigo 80. Tratar de, se se ha de nomear por este poder, ou por outro, ou quem o ha de propor, he uma questão independente. Tem alguma relação; mas porque tem alguma relação nos casos extraordinarios , por isso se ha de declarar que isso hão pertence, aqui, quando se tratar das attribuições dos, poderes executivo, e legislativo, então se discutira esta materia; e para então me reservo fazer as minhas reflexões; mas por agora o que está decidido está decidido, e eu julgo que o artigo está bem claro, e determinado.

O Sr. Fernandes Thomaz: Na ultima Sessão em que se tratou deste negocio , eu fui o primeiro que me levantei a apoiar o additamento que fez o Sr. Guerreiro. A questão depois principiou a estender-se um pouco mais, e abrangêrão-se objectos, que certamente nem forão da sua intenção , nem da dos Deputados que então faltarão, o comprehendelos debaixo daquelle ponto de vista; comtudo na discussão assim aconteceu. Porque o Sr. Guerreiro adoptou no seu discurso alguns principios , que me parecia que não devião passar, me oppuz ao seu additamento : agora diz o Sr. Guerreiro , que pelo menos se declare na acta, que fica para outra vez o decidir a quem ha de pertencer fazer estas nomeações. O Sr. Pinto de Magalhães mostrou muito bem , que esta questão não he deste lugar ; o Sr. Guerreiro conforma-se , e diz que quer que isso se declare na acta: não me parece que haja nisto inconveniente. Como aqui não se trata senão do bem da patria, como todos procedemos de boa fé , não ha inconveniente em que se faça essa declaração: diga-se embora, fica vencida a doutrina do artigo ; mas decida-se que pode tratar-se outra vez dessa materia da indicação.

O Sr. Presidente perguntou se esta materia estava sufficientemente discutida, e se decidiu que sim.

O mesmo Sr.: - Propondo como questão previa se pertence tratar-se desta materia
no art. 82.

O Sr. Guerreiro: - Eu quereria que em primeiro lugar propozesse V. Exca. á votação a transacção que fizemos, os que temos discutido esta materia, porque isso he uma questão previa.

O Sr. Moura: - Não he preciso que se trate, nem se fale em transacção; aqui não tem havido transacção nenhuma : basta que se diga, que a questão sobre quem ha de nomear esse membro, que ha de sahir das Cortes, não fica por ora decidida, nem previnida a decisão pelo que se tem tratado.

O Sr. Presidente, poz a votos assim a questão, e se approvou.

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O Sr. Margiochi: - Eu quereria que se dissesse que se precedesse discussão e votação nominal para sair um membro da Assembléa.

O Sr. Annes de Carvalho: - Isso pertence ao regulamento das Cortes.

O Sr. Presidente, poz a votos esta moção, e não foi approvada.

O Sr. Borges Carneiro: - Esta expressão do artigo, Saia das Cortes, parece que se refere só ao tempo das Sessões; quando a mente do artigo he, que se entenda durante os intervallos das Sessões; seria bom que assim se declarasse. Mas isso pertence á redacção. (Assim se resolveu, que pertencia á redacção).
O Sr. Secretario Freire, leu o art. 83. Nenhum Deputado poderá ser removido de suas funcções senão por causa gravissima, approvada pelas duas terças partes dos seus collegas. Esta remoção não impedirá que elle possa ser reeleito para o futuro.

O Sr. Bastos: - Diz este artigo, que nenhum Deputado poderá ser removido de suas funções senão por causa gravissima, approvada pelas duas terças partes dos seus collegas. Eu nem approvo esta doutrina, nem por ora me attrevo a reprovala. Simplesmente exporei ao Congresso algumas reflexões, sujeitando-as á sua sensura. Ou o Deputado se acha culpado por crimes que commettesse, ou não: se se acha culpado, então elle deve ser removido; mas não são seus collegas, he a lei quem os remove. Se se não acha culpado, ou elle he de nenhum merecimento, ou de merecimento mediocre, ou de um merecimento distincto, ainda que por outra parte se possa considerar com defeitos. No primeiro caso sua influencia he nenhuma, e sua conservação não he perigosa. No segundo caso tambem o não he, nem se devem recear que seja capaz sua influencia de arrastrar a Assembléa. No terceiro caso a sua conservação he importante. A pesar disto, alguns publicistas tem julgado que se pode dar alguma hypothese em que sem culpa formada possa um Deputado ser removido da Assembléa, e para isto propõem dous meios: um consiste em investir o povo que o elegeu no direito de removelo: o outro em investir a Assembléa neste mesmo direito. O primeiro me parece muito natural, pois sem duvida o he, o desfazer as cousas pelo mesmo methodo porque se fizerão; mas resiste ao que já sanccionámos, que um Deputado não he só Deputado d'uma comarca, porém de toda a Nação, e que por conseguinte deverá sendo necessario sacrificar os interesses da Comarca aos da Nação. Por outra parte essa medida exporia a uma vacilação continua o Deputado, e a ser victima talvez das intrigas de seus inimigos. O segundo methodo está sujeito ao inconveniente de oppor a vontade da Assembléa, á do povo , e ao de estabelecer nella o ortracismo; pois he indubitavel, que a Assembléa não usaria deste direito contra um dos seus membros, que se achasse como escondido em sua nullidade, mas o exercitaria contra um ou outro homem superior; sacrificado assim á inveja e ao resentimento dos seus collegas.
O Sr. Guerreiro. Parece-me que este artigo 83 não deve passar de maneira nenhuma: a sua doutrina parece-me injusta, e contradictoria comsigo mesma. Injusta em quanto estabelece que a vontade da maioria dos representantes da Nação , estando em contradicção com a vontade da mesma Nação póde produzir effeito. Digo estando em contradição com a vontade da Nação, porque cada um dos membros das Cortes foi elevado áquelle lugar pela vontade de toda a Nação; pela vontade expressa daquelles que o elegerão, e pela vontade tacita do resto da Nação , que pelo pacto social fez representantes do todo aquelles, que só fossem eleitos pelas fracções. Se pois a vontade de toda a Nação nomea um membro , he claro que a maioria de toda a camara não póde despedir este membro sem ir contra a vontade de toda a Nação. Ora não póde haver caso algum em que os Deputados possão obrar contra a vontade dos seus constituintes , por conseguinte a doutrina do artigo não póde obrar, e he injusta. Em segundo lugar he incompleta, porque estabelece esta remoção, quando for causa gravissima, e não declara o que he esta causa gravissima, nem as regras porque se póde chegar ao conhecimento do que esta causa gravissima seja, ficando ao arbitrio das Cortes o julgalo. He contradictoria com o que se acha escripto no mesmo artigo era quanto á maioria das Cortes tendo um conhecimento mais expressivo da gloria, e da honra do cidadão portuguez, declara que não mancha, nem murcha a gloria, e a honra desse cidadão, nem produz removendo-o o effeito de uma prizão temporaria de um anno , pois que não exclue o removido de poder ser reeleito para Deputado de Cortes, quando pela mesma Constituição n'outro artigo basta a sentença d'um anno de prisão para excluilo. He perigoso porque attribue a maioria das Cortes o direito de desfazerem-se de todos os membros, que se oppozerem às suas idéas predominantes: e quando a maioria dessas Cortes for corrompida, ella romperá a unica barreira que se lhe póde oppôr. Somente tirarei um exemplo a meu favor da Constituição franceza se ella tivesse um artigo tal; a minoridade da camara que constantemente se tem opposto na actualidade á maioria, teria sido excluida por esta ; teria sido deitada fora, e terião assim saido daquella camara os que com tanto valor defendem os direitos do povo.

O Sr. Moura: - Realmente a decisão deste negocio involve um caso importantissimo, porque he um caso em que senão trata menos, que de se poder violar o direito do cidadão, que aqui está como representante da nação; o direito dos committentes que para aqui o mandarão e até o de toda a nação a quem elle representa; isto assim he. Que seja porem injusto determinar o que no artigo se expressa, e por uma causa gravissima, como elle diz, he o que eu não acho que seja conforme aos bons principios. Que cousa he injusto? Injusto he, o que he contra o justo; isto he contra o direito estabelecido, ou pelas leis naturaes, e eternas, ou pelas leis positivas. Contra as leis eternas não temos que examinar, se se oppõe a decisão contra as positivas sim, porque dellas he que se trata. Eu convidaria ao Preopinante a que me dissesse, se póde ser já mais combinavel com a justiça das leis positivas, com a ordem publica, com a tranquilidade publica, que na sociedade civil haja uma cir-

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cunstancia, em que um homem seja impune de toda a lei? Se o Deputado, por isso que he representante da nação, desde que aqui se sentar, póde commetter toda, a especie de desordens, sem que haja autoridade na Assembléa que o possa remover na existencia desses excessos por elle commettidos? He impossivel estabelecer uma hypothese de que haja um Deputado que por seus crimes, ou por seu espirito revolto (não digo nesta Assembléa por não offender aos benemeritos membros que a compõe) mas torno a dizer, não póde hypotheticamente considerar-se, que ou por sua tenacidade em sustentar suas opiniões, ou por seu espirito pouco conciliador perturbe continuamente a ordem da Assembléa, e o levem estes mesmos deffeitos até a ser sidicioso, até a communicar-se com individuos inimigos do estado ? e que não haja autoridade que o cohiba. Pergunto pois póde deixar de conceber-se esta hypothese? Não: logo concebendo-se como possivel porque não se ha de deixar á Assembléa o poder de se livrar deste membro? Em algumas Constituições tenho visto adoptada esta idéa, que julgo justissimo, e necessario de adoptar-se na nossa ; porque já digo, não póde admittir-se, que haja n'uma sociedade bem organizada uma instituição politica , em que um individuo esteja livre de toda a lei, e por nenhuma lei possa ser castigado. Admittindo-se esta hypothese, he necessario um remedio para ella, senão sujeitar-mo-nos-emos ao perigo a que nos póde conduzir a realização da mesma hypothese, sem ter um preservativo para atalhar os males que elle póde causar.

O Sr. Borges Carneiro: - O Sr. Preopinante Guerreiro analysando o arsigo, suppõe que as Cortes hão de querer uma cousa só por a quererem , e parece não reparar nas palavras causa gravissima approvada pelas duas terças partes as quaes restringem o arbitrio. Diz « Contrarião a vontade da Nação » Pergunto eu; a Nação deu a um homem poderes para vir representala neste lugar : esse homem depois de estar nelle commetteu cousas taes, que duas terças partes da Assembléa julgão que não deve continuar a estar alli. Diremos que deve? Neste caso a Nação quer que elle continue a representala no Congresso? Não quer; porque ella o enviou para cumprir com seus deveres e a representasse dignamente, e certamente elle o não fez quando duas terças partes dos votos julgão que o devião remover de suas funcções; de maneira que longe de as Cortes contrariarem a vontade da Nação , antes se conformão com ella. Tambem se receia deixar esta latitude ao arbitrio das Cortes. Tenho aqui observado muitas vezes presumir-se muito mal do poder legislativo , e muito bem do Governo; suppor-se facilmente abuso da parte das Cortes , e não assim da parte do Governo. Não posso levar isto a bem. Deveremos ajuizar assim de um collegio composto dos varões que a Nação espontaneamente elegeo; em quem mais confia? de um corpo que fala e delibera em publico; que discute, que examina maduramente as circunstancias, e que depois de tanta discussão, e madureza procede a votar, e que quanto ao objecto de que tratamos, não se contenta com a maioria dos votos, mas exige os das duas terças partes! Deveremos pensar tão mal deste Corpo, e nada recearemos dos Secretarios d'estado, que talvez conseguirião seus lugares por empenhos ou por dinheiro ? Por ventura quereremos nós ser tão minuciosos neste caso , e em todos os mais que liguemos as Cortes tão estreitamente que não lhes fique nenhum arbitrio, como fariamos com um Juiz de vintena? Eu não quereria arbitrio aonde se póde presumir que se faça delle abuso, como se o concedessemos a um Juiz de vintena; porém a um Corpo tão sabio e inteiro como são as Cortes ? Não o damos nós ao Conselho dos jurados ? e por ventura deverá haver mais confiança na reunião numerosa de mais de cem Deputados escolhidos pela Nação? Não supponhamos que tão judiciosa Assembléa depois de uma discussão madura , e com os votos das duas terças partes , determine cousas injustas. Tem-se dito que na França se viria hoje a excluir todos os Deputados do partido liberal , se houvesse uma lei como a do artigo de que tratamos. Eu não posso suppor que duas terças partes dos Deputados, examinando e discutindo maduramente, cahissem nesse erro. Pertence-me agora dizer alguma cousa a respeito das causas que podem occorrer para que se foça indispensavel a admissão deste artigo. Já o Sr. Moura mencionou uma, o caso de um Deputado refractario, que não quizesse observar a ordem apezar de ser constantemente admoestado, e que tenazmente se tornasse incorrigivel: que restaria então fazer senão deitalo fora. Soppunhamos tambem o caso de um Deputado que se acha com justo e perpetuo impedimento para continuar no exercicio do seu cargo: segundo o que temos já praticado, chama-se o substituto, e elle perde o direito de regressar ao Congresso. O Deputado representa às Cortes seu impedimento: estas depois de maduros exames mandão chamar o substituto , e o Deputado não volta mais. Por conseguinte póde verificar-se este caso por causa gravissima, ou ella seja indecorosa, ou não indecorosa. Entre estas causas gravissimas não comprehendo agora os crimes, porque a respeito destes está já regulado no artigo 78; então segundo está vencido, o tribunal de Cortes deve declarar se ha de ou não continuar o Deputado nas suas funcções: mas ha outras cousas, como vimos que duas terças partes da Assembléa podem reputar gravissimas para o Deputado deixar de continuar a exercer seu cargo , ou ellas sejão honestas ou indecorosas.

O Sr. Serpa Machado: - Eu acho este artigo pouco exactamente redigido, e voto contra a sua doutrina. Admittido como está annunciado na sua generalidade, seguir-se-hia que hia impor-se uma pena tão grande como a remoção de um Deputado (se se entende perpetua), sem aquellas formalidades com que são castigados os outros cidadãos. O Congresso erige-se em juiz, mas dá uma causa muito vaga, e indeterminada. He verdade que ha uma regra; mas sendo esta regra vaga, he o mesmo que deixado ao arbitrio , negando-se por tanto ao Deputado o direito que se dá a qualquer cidadão, de ser processado pelo tribunal competente, e ser a final sentenciado e castigado. Isto he pelo que pertence a se o Deputado

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commeteu crime; mas se não commetteu crime, com que razão póde o Congresso decidir a sua remoção! Por tanto a sua doutrina torna-se injusta, e absoluta. Minha opinião he, que este artigo não póde passar como se acha.

O Sr. Trigoso: - Eu sou inteiramente de opinião centraria a este artigo. Um dos illustres Preopinantes disse, que não sabe qual he a lei que prohibe a doutrina deste artigo. A mim parece-me que esta lei he deduzida da natureza, e essencia destas assembleas legislativas, pois a nação, ou nossos constituintes nos inviárão por aqui, e nos derão procurações para tractar dos interesses da nação; procurações que elles mesmos não pódem revogar; e então os outros Membros deste collegio he que as hão de poder revogar? Nós formamos ama sociedade igual, a não podemos ter direito algum uns nos outros; como pois podem alguns Membros da assembléa impedir a outros o exercicio destes direitos? He por tanto uma lei deduzida da natureza destas sociedades, que os Membros de uma deputação não possão prohibir a seus collegas o exercicio do seu cargo. Além disso ha outra razão, porque a doutrina deste art. não póde ter lugar, he pela confusão com que está esctipito. Diz-se nelle = causa gravissima = qual he esta causa gravissima? Ouvi fallar na tenacidade de um Deputado sustentar suas opiniões: e por isto se ha de elle excluir da assembléa? Não somos nós inviolaveis nas nossas opiniões? Não temos o direito de expressalas com franqueza, e havemos de ter que temer, que por isto nos excluão? Eis-aqui o perigo incuberto que hc de recear. Que outra causa haverá? Faltar um Deputado á ordem estabelecida? Então o presidente em lugar de fexar a Sessão, o manda sair da sala o que he expresso no regulamento e a Sessão continua: se se obstina; se ao dia seguinte continua a inquietar o Congresso, procede-se contra elle nos termos do mesmo regulamento. Em quanto aos crimes, por mais graves que sejão, não são causa para ser excluido um Deputado por seus collegas. Aos crimes se lhes deve dar a pena correspondente, e nem he o Congresso que julga o crime, nem he elle que deve excluir o criminoso: os juizes o julgão, e a necessidade de cumprir a pena he o motivo delle ficar suspenso das funcções de Deputado. Por tanto, nem o crime por mais grande que seja he causa para uma expressa dimissão da parte do Congresso; e assim não ha causa que se possa dizer gravissima.

O Sr. Annes de Carvalho: - Os dois illustres Preopinantes desinvolvêrão melhor as razões que eu queria dizer, pelo que escuso accrescentar mais nada.

O Sr. Moura: - O illustre Preopinante o Sr. Trigoso diz, em resposta aos meus argumentos, que se deduzia da natureza do governo constitucional, e
representativo uma lei contra a qual lei ia directamente o que está determinado no art. e diz que a lei está, em que não póde ser permittido a nós, depois de estarmos juntos, aquillo que não he permittido aos que aqui nos mandárão. Quer dizer, que se aquelles que nos derão as procurações não podem revoga-las, menos poderão fazelo as duas terças partes dos Deputados. Mas quando o illustre Deputado assim pensa não destroe a difficuldade, evade-a, foge della: a lei essencial não he essa que diz o illustre membro; a lei essencial da nossa procuração he fazermos uma Constituição que seja a mais propria para obter o fim que he a felecidade publica: aqui está a lei; este he o fim principal da procuração: se nós assentarmos por isso, que nesta Constituição deve entrar este art. porque este principio he capaz de obter aquelle fim unico, a que nossa obra se dirige, quem nos ha de negar esta faculdade? A questão he ver sé o caso está incluso na lei da procuração, ou sé he opposto nella, quero dizer, se por elle se obtem o fim que he a utilidade publica, e neste ponto direi que não vamos contra o primeiro fim da nossa procuração em estabelecer esta lei, se mostrar que esta lei he necessaria para se manter a ordem na assembléa; e não só a ordem, senão mesmo a decencia publica. Perguntarei ao Preopinante, qual he a lei que póde permittir que um homem ha de ser absolutamente impune durante tres mezes? Pois tal he a hypothese que se quer estabelecer: suppunhamos que a obstinação de um Deputado chegava a perturbar a assemblea hoje, ámanhã, e n'outro dia apesar de ter sido reprehendido, e de ter-se, por sua causa, levantado até a Sessão? Necessariamente ha de haver um remedio; porque necessariamente se ha de evitar é que tão contrario he a ordem, e ao decoro publico. (Muitas, é muitas vezes n'assemblea constituinte de França se tratou de excluir, não digo muitos, mas alguns individuos que todos os dias davão mostras deste espirito de desordem, e de inquietação.) Logo por isso digo, que uma vez que se póde conceber a hypothese de um individuo, que se ache neste caso, de um individuo, que duas, tres vezes por um systema constante mostrar esta opposição á ordem, não ha de haver meio para salvar este inconveniente? Se isto póde acontecer he necessario que haja remedio, e o remedio não he a impunidade. Não digo que se o Deputado commetter delictos não haja quem os castigue; mas digo sim, que nos outros delictos a decencia publica não está tão immediatamente interessada. Supponhamos que um Deputado commette o baixo crime de ladrão, que se sentencêa, e vai á cadêa; porém que o crime julga-se com tão pouca gravidade nas suas circunstancias, que pagando, ou restituindo o que roubou, e cumprindo o seu tempo de prisão saia da cadêa, e fica livre em tanto que dura ainda a Deputação; ha de tornar a assentar-se aqui? Não ha de haver um remedio? He necessario que o haja, e se receamos o arbitrio de duas terças partes da assemblea, com maior razão recearemos o de um individuo só; se he que só o Presidente haja de decidir a controversia, ou de castigar a obstinação.
O Sr. Trigoso: - O primeiro argumento do Preopinante. Eu fui nomeado por meus constituintes para nunca separar-me d'aqui até que acabasse a minha procuração, e quando elles me derão os poderes para fazer as leis, etc. me disserão tacitamente: ide, nós vos damos segurança de que por ninguem podereis ser removido; porque senão tivessemos essa segurança, e podessemos recear aquelle perigo, então era ineficaz

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o direito dos nossos constituintes, e escusado era que viessemos aqui. A segunda questão, he se ha um Deputado tão obstinado que não queira observar a ordem depois de ter sido reprehendido diversas vezes, e então lembra o Preopinante que o Presidente se vê na precisão de levantar a Sessão, o que he contra a ordem, e decóro publico. Mas não he assim, roesse caso he necessario observar o regulamento. Quando um Deputado he tão extravagante não he o Congresso quem se levanta, he o Deputado que sáe, e se outra vez fizer o mesmo, outra vez he obrigado a sair. Não posso perceber, como a não ser um homem falto de todo o senso, ha de perturbar as decisões do Congresso segunda e terceira vez, para ser obrigado a sair delle, sem conseguir nada a favor da perturbação que pertende causar. Terceira reflexão: trata-se de um que rouba, paga sua divida, vai á cadeia, sáe, e póde tornar ao Congresso. Parece-me que o nosso Código criminal ha de ser muito macio, a estabelecer-se nelle que quem commetter um roubo não tenha outra pena, que a de pagar sua divida, e depois fique livre, e possa tornar a ser empregado publico; mas supponhamos que o seja, diz-se que não póde voltar na mesma legislatura para o Congresso, mas que póde ser eleito para a seguinte: e em que razão se póde fundar esta differença? não tem elle contra, si a grande nodoa que caio na sua reputação? Como he possivel que seus constituintes o queirão já por seu procurador; nem ainda que o quisessem, e que todas estas hypotheses podessem realisar-se, como teria elle valor para apresentar-se neste augusto recinto.
O Sr. Annes: - Sr. Presidente, eu reconheço que são possiveis todos aquelles crimes de que aqui sé tem falado; he possivel que um Deputado de Cortes commetta aquelles e maiores crimes; concordo nisto, e em que não devem ter impunidade. Mas isso não he a questão. O artigo diz (leu) por causa gravissima. Está ponderado que esta expressão he vaga, não fixa bem a mente dos juizes; não nos diz qual he a mente das causas porque hão de ser removidos os Deputados: além disso não desejo que esta pena lhe seja imposta pelo Congresso, pela razão de não implicar o Poder legislativo com o judiciario. He necessario que o tribunal, que julgue, seja distincto das Cortes: nós já temos um tribunal distincto no que temos approvado no artigo 78: aqui temos já um tribunal para suspender os Deputados. Porque razão este mesmo tribunal não ha de applicar á pena de deposição aos Deputados, quando tenhão incorrido n'um crime em que para isso estejão incluidos na lei? Este tribunal eleve impôr a pena ao culpado, pelas razões já ditas; que não convém que o Poder legislativo réu na em si o Poder judiciario, e que he necessario que haja uma responsabilidade, que os Deputados não tem; pela terceira razão tambem, de que sendo julgados os Deputados pelas mesmas Cortes, he muito possivel que ficassem impunes, ainda que fosse decidido pelas duas terças partes dos Deputado?. Sabemos que aqui, como em todas as partes ha partido: sabemos que muitas vezes acontece estar da parte da menoridade a razão, e a justiça, e não convir nella a maioria. Vejo pois neste meio de julgar, o de prevaricar a justiça, quando pelo contrario se for julgado o Deputado por um tribunal que seja distincto das Cortes, não haveria esses inconvenientes, e não ficaria impune.
O Sr. Pinto de Magalhães: - Entre os Preopinantes que tem defendido, ou atacado o artigo creio que ha muitos que convém n'um principio, a saber, que ha de haver casos em que o Deputado não possa preencher as funcções do seu cargo. Que isto tinha de acontecer tambem sabia a Nação; mas quereria ella que dependesse essa inhibição do arbitrio, ou de um facto? Creio que quereria que dependesse de um facto, e que fosse regulado por uma lei anterior. Isso não promette é artigo, elle diz (leu). Pergunto eu, num codigo penal poderião-se especificar todas estas causas? isto he intoleravel: não ha codigo penal nenhum que pudesse soffrer este artigo; e ha vemos inserilo na Constituição? Não seria possivel. Por consequencia não podendo fazer-se esta classificação, estava no despotismo das Cortes excluir a minoridade todas as vezes que quizesse; por consequencia não acho inconveniente em que um Deputado que for refractario, ou que commetta qualquer outro crime, seja impune; porque pelo que pertence á Ordem da Assemblea, esta tinha de ficar com inteiro arbitrio não havendo uma lei que regulasse os factos, e as penas: pelo que toca aos delictos externos ha de haver um codigo penal ao qual pertence.
O S. Borges Carneiro: - Eu desejo que se fixe bem a idéa de que não são os Deputados os que fazem perder a seu collega o exercicio das suas funcções; he a causa existente, a qual os Deputados declarão ser gravissima e bastante para aquelle perdimento: ou esta causa seja culposa ou um impedimento perpetuo. Ora esta causa não existia quando elle recebeu a sua procuração: porém sobreveio, e já então se presume que a Nação não quer que elle continue em seu exercicio. Um illustre Preopinante tem dito que no sobredito caso do Deputado refractario e incorrigivel, ha o remedio de o fazer sair da sala tantos dias quantos aquelles em que se desmandar: pelo que suppõe, durando a deputação tres mezes, noventa dias destas saídas, e Outros tantos de barulho e desordem: eu julgaria mais decoroso e conveniente fazelo nesse caso cessar no exercicio das suas funcções. Mas deixando este caso certamente rarissimo, consideremos o outro de um Deputado que por exemplo perde o uso da fala ¿ poderá este continuar no exercicio do seu lugar? Dirão que póde votar, se não falar. Bem: ¿ e se se tornar paralytico? Eu quereria por tanto, que para não sé conceber sómente idéa odiosa, em lugar da palavra remover, se dissesse = cessar no exercido das suas funcções. = Tambem se disse que o juizo das Cortes póde ser injusto, ainda que a decisão, seja tomada pelas duas terças partes. ¿ E como se não suppõe isso mesmo de um tribunal fóra das Cortes? Dellas he de quem eu menos posso suppôr essa injustiça. Voto por tanto pelo artigo.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu não me empenho em mostrar que o artigo deve passar qual está; póde soffrer alguma cousa na redacção. A questão

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que até agora se tem ventilado parece-me que hão he essa: he se póde haver um caso em que um Deputado possa deixar de selo, mandando-o as Cortes. Diz o Sr. Trigoso que havia uma lei anterior (cuja lei negava o Sr. Moura), pela qual um Deputado não podia ser tirado daqui, e que esta lei era a vontade de seus constituintes; porque uma vez que o Deputado tinha vindo para aqui, não podia ser tirado. Essa he a questão, se depois de ter recebido o Deputado os seus poderes não póde ser removido do exercicio de suas funcções. Logo dizer que não póde acontecer isto porque recebeu os poderes, he responder á cousa pela mesma cousa: isto não julgo que seja admissivel. Póde haver casos, tem-se referido alguns, o ha muitos outros; mas podemos dizer em geral, que um Deputado que tem poderes para fazer bem a seus constituintes possa continuar com seus poderes para fazer-lhes mal? Isto toe mais claro que a luz do dia. Tem-se sustentado que um perturbador obstinado póde ser despedido da Sala um dia, e outro dia, e que o Congresso continua nos seus trabalhos; assim he; mas supponhamos que um Deputado se levanta, e injuria a um dos Deputados? Digo eu, se este homem continua a fazer isto ha de permittir-se-lhe que insulte hoje um Deputado, ámanhã outro, ha de soffrer-se-lhe, e se lhe ha de permittir que continue no Congresso? Diz-se, ha de ser julgado; mas como? Pela lei das injurias. E ha de continuar a sentar-se no Congresso um homem que sempre injuria. Por outra parte, a um Deputado que se lhe dão poderes para bem do povo, e que se chega a saber que está complicado em crimes de conspiração contra o mesmo povo, ha de continuar a ser Deputado? Não pede a decencia, pelo menos, que não continue a sêlo em quanto não se justifique do crime? Um homem que tem traído, e faltado aos deveres de procurador ha de seguir sentando-se aqui? Isto seria uma indignidade. Eu não digo que se verifiquem estas hypotheses; estou longe disso; mas estamos a estabelecer leis para os casos que podem acontecer; e nada mais obvio então que suppor estas hypotheses. Diz-se que se acha vago o termo de causa gravissima, indiquem ss causas os Deputados. De duas uma, ou suppõem que pôde haver causas ou não: se suppõem que ha de havelas, e nós temos de tolerar os Deputados apesar disso, risque-se o artigo e risque-se tambem, se dizem que não ha de haver nenhuma causa; mas se a razão que se dá para reprovar o artigo he,
que o termo he vago, então substitua-se outro e diga-se neste caso, póde o Deputado sair fóra. Resta a outra parte da questão, e he, quem ha de julgar o
Deputado scilicet, se ha de ser pelas duas terças partes dos Deputados presentes, ou se ha de ser pelo tribunal que se ha de crear para julgar os crimes dos Deputados. Para mim isso não he de consideração; porque até acho que esse tribunal tem de sair daqui, e não de outra parte.

O Sr. Castello Branco Manoel votou pela suppressão do artigo.

O Sr. Pinheiro Azevedo: - Eu já declarei a minha opinião ácerca da doutrina deste artigo. O Deputado de Cortes não póde nunca perder o seu emprego, nem ser removido de suas funcções senão pelas mesmas causas por que póde perder os direitos de cidadão, segundo o artigo 23 e 24, nos termos em que forem approvados; sendo, como convém, julgado em juizo competente, e conselho de jurados, agora requeiro que, de qualquer maneira que se approve o presente artigo, fique salva (para o artigo 50) a questão, se se ha de deixar a cada provincia, ou districto a faculdade de revogar os poderes aos seus Representantes quando forem prevaricadores; o que julgo muito conveniente, e muito constitucional.

O Sr. Brito: - Não se pode duvidar que ha casos em que um Deputado deverá cessar do exercicio de suas funcções; mas a questão he, quaes são elles? e quem ha de decidir quando se verificão? Quaesquer que elles sejão, são impedimentos ou fisicos ou moraes. No caso dos fisicos pouca duvida póde haver, e já sem precisão de lei escrita temos providenciado muitos. Mas se for impedimento moral, se for um crime a decretação delle he infamante para o Deputado, he uma pena: trata-se de saber quem ha de declarar essa pena, eu digo que isso não deve ser attribuição do Congresso, mas sim do tribunal que se crear para conhecer dos crimes dos Deputadas por muitas razoes: primeira, para não confundirmos os Poderes judiciario e legislativo contra o que nas Bases da Constituição decretámos e jurámos: segunda, porque o Congresso não he responsavel, e as decisões ou sentenças sobre questões contenciosas devem ser dadas por um tribunal que o seja, e acima do qual haja outra autoridade perante quem possão os condemnados desafogar suas paixões exaltadas, e esperar melhoramento e reparação dos damnos que julgão ter recebido: terceira, porque se o Congresso fosse juiz dos seus membros para expulsalos do seu seio, viria a ser juiz em causa propria, excluindo aquelles que mais o incommodassem, talvez por obstarem a seus projectos, ou lhe fazerem sombra, viria a exercer o ostracismo: quarta, pelo perigo de dar por este modo uma influencia decisiva nas deliberações ao partido dominante, que he o mesmo que dar lugar á tyrannia, a qual nas Assembleas não he menos perigosa que nos Governos de um só, como não ha muito acabamos de ver em França no tempo de Robispierre, e partido da montanha, desde que se desembaraçou dos maiores homens do partido opposto. Portanto sou de parecer que não se deixe de estabelecer como base, que ha de haver casos em que e Deputado deva cessar no exercicio de suas funcções; mas que seja a autoridade competente a que julgue estes casos, a qual ha de ser a autoridade judiciaria, por exemplo, o tribunal supremo de justiça, ou o juizo dos jurados, que mais me agrada; porque julgo que os Deputados não devem ser privados das vantagens que resultão desta fórma de juizos.

O Sr. Sarmento disse que na segunda parte do artigo havia uma consideração importante a fazer-se, que desejava se tirassem delle as palavras para o futuro; porque apesar de haver substitutos, podia acontecer que esse numero não fosse sufficiente, e que fosse necessario nomear outros novos, em cujo caso lhe parecia mais conveniente que podesse ser reeleito

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mesmo Deputado. Demonstrou que isto tinha já acontecido em Inglaterra com o membro do Parlamento Wilkes, o qual sendo expulso da casa dos Communs em 1764, e outras vezes depois de ser eleito, foi em 1783 admittido, e forão riscadas as actas dos Parlamentos anteriores, declarando-se que ellas atacavão a liberdade dos povos, e o seu direito de eleição. Que a Constituição portugueza para ser liberal deveria adoptar este principio reconhecido da Constituição ingleza, porque de outro modo cairíamos na incoherencia de termos em certos objectos admittido principios liberaes, e ao mesmo tempo não respeitado a muita, e extensa liberdade que se deve deixar á Nação na escolha dos seus Representantes: por isso era de parecer que a remoção não impedisse que o Deputado podesse ser reeleito, para servir na mesma deputação e na mesma legistura.
O Sr. Bettencourt julgou inutil a materia do artigo, e que não podia ser objecto da Constituição, fundando-se em que se o Deputado commette um crime necessariamente ha de ser sujeito á lei, e ha de passar pela fieira geral; e se he só uma falta de ordem, ha de ficar sujeito ao regulamento das Cortes. (Foi apoiado).
O Sr. Braamcamp conformou-se com esta opinião, achando aliás quanto era necessario a este respeito nos artigos 73 e 78 da Constituição que comparou.

O Sr. Presidente, segundo a ordem, poz a votos o artigo, o qual foi reprovado. Poz a votos igualmente se deveria ser supprimido, e se venceu-se que sim.

O Sr. Vasconcellos pediu se fizesse seguida leitura de uma addição que tinha feito ao artigo 83, a qual foi lida pelo Sr. Secretario Feire, e tendo-se posto a votos, foi rejeitada por 46 votos contra 43.
Passarão-se a fazer as eleições, e em primeiro escrutinio saiu eleito para Presidente o Sr. Trigozo com 74 votos, pluralidade absoluta. Passando-se á eleição de Vice-Presidente, e não produzindo o primeiro escrutino maioria absoluta, entrárão em segundo Sr. Margiochi com 39 votos, e o Sr. Pinheiro de Azevedo com 11, e saiu eleito o Sr. Margiochi com 50 votos, havendo nesta ultima votação 4 votos de menos, e tres nullos. E procedendo-se em ultimo lugar á eleição dos Secretarios sairão eleitos os Srs. Ribeiro Costa com 78 votos, Queiroga com 74, Feire com 67, e Felgueiras com 65; sendo os immediatos em votos os Srs. Miranda com 25, e Pinto de Magalhães com 16.
Determinou-se para a ordem do dia, na sessão ordinaria o projecto de lei sobre os foraes; sendo presente tambem o projecto N.° 125, e para sesão extraordinaria de tarde o parecer da Commissão do commercio sobre as miudas, o resto do projecto N.° 110, e o projecto N.º 181, e levantou-se a sessão depois de hora e meia da tarde. - Antonio Ribeiro da Costa, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Filippe Ferreira d'Araujo e Castro.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação portugueza mandão communicar ao Governo, que para o mez que decorre desde esta data até 26 de Novembro, tem eleito Presidente Francisco Manoel Trigoso de Aragão Morato; Vice-Presidente Francisco Simões Margiochi; e Secretarios Antonio Ribeiro da Costa; João Alexandrino de Queiroga; Agostinho José Freire; e João Baptista Felgueiras. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 26 de Outubro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

LISBOA, NA IMPRENSA NACIONAL.

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