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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 211.

SESSÃO DE 27 DE OUTUBRO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do Sr. Trigoso, leu-se a acta da Sessão antecedente, e foi approvada.

O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios do Governo.

1.º Do Ministro da Marinha remettendo um officio dirigido a ElRei pelo commandante, e mais officiaes do segundo batalhão de milícias da divisão militar de Pernambuco, relativo aos ultimos acontecimentos daquella Província, que se mandou reverter ao Governo.
2.º Do encarregado da pasta dos negocios da guerra dando conta de se haver dado prompta execução á ordem das Cortes de 23 do corrente relativa ao pagamento dos officiaes reformados, que servem nas legiões nacionaes, de que as Cortes ficárão inteiradas.
3.° Do mesmo encarregado, remettendo dois officios, donde consta haver ElRei concedido licença por quatro annos com vencimento de soldo ao Tenente Coronel de infantaria addido ao estado maior do exercito do Brazil Duarte de Mello de Silva Castro de Almeida, para vir a este Reino, onde perceberá o soldo da sua patente, e poderá ser empregado, como convier ao serviço; que se mandou á commissão especial encarregada deste objecto.
Deu conta de uma representação da camara de Arraiolos, queixando-se das opressões que soffrem os moradores daquella villa, e seu districto com as requisições do transportes, e pedindo com instancia alguma nova, e saudavel providencia, que regule este objecto, e que ficou para se tomar em consideração: e mencionou um requerimento do Tenente do regimento de infantaria N.º 2, Theotonio Borges da Silva Leote, relativamente a uma tença, que requer seja de novo assentada na folha dos ordenados da alfandega de Villa Nova de Portimão, que se dirigio á Commissão de fazenda. Apresentou uma memoria sobre o alistamento da marinhagem para o serviço da armada nacional com algumas reflexões analogas, pelo Capitão de fragata, José Xavier Bressane Leite, que se mandou á Commissão de Marinha.
O Sr. Pimentel Maldonado apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Na occasião em que com tanto escandalo das almas piedosas apparece nesta capital pelas vereda tortuosas do contrabando a denominada pastoral do Cardeal Carlos, julgo da mais urgente necessidade obvia os damnos, que póde trazer comsigo a ambiguidade com que manhosamente se concebeu, e levou á imprensa similhante escripto, apresentando-se á face dos fieis o modelo de sabedoria evangelica, com que o actual Romano Pontífice fallou ás suas ovelhas, sendo bispo de Imola, sobre a intima alliança do evangelho, e da liberdade. Cumprindo pois que se derrame quanto antes no coração dos Portuguezes este precioso antidoto:
Indico que se insinue ao Governo que faça traduzir, e copiosamente espalhar por todas as paroquias, e camaras La Omelia del Cittadino Cardinal Chiaramonti Vescovo d'Ymola (ora summo Pontifice Pio VII.)
Salão das Cortes aos 27 de Outubro de 1821. - Jaão Vicente Pimentel Maldonado.
Foi approvada.
O Sr. Borges Carneiro apresentou as seguintes indicações.

Officiaes reformados.

Nunca se fallará demasiadamente contra um abuso praticado em Portugal desde ha muitos annos, e causa de grandes males: este he o pruido de reformar officiaes militares. Mal para elles, que habituados aos exercícios, e fadigas militares, e passando de repente

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a uma vida inactiva, se entorpecem e enfermão no corpo, bem como pela ociosidade se embota e paraliza o espirito: mal para a Nação que fica sustentando homens ociosos, e vai sustentar outros que entrão em logar delles, e cujo prestimo he roubado ás artes, e á industria productiva. Que diremos (por não recordar tempos mais antigos) dos officiaes, que tendo uma larga instrucção adquirida pela pratica de 20, 30, e mais annos, e feito gloriosamente a campanha de 1808 a 1814, forão sem causa fysica ou moral reformados? Deverá esperar-se mais dos que forão promovidos de paizanos, ou que tem apenas 2 a 4 annos de serviço, do que daquelles tão provectos na carreira das armas? E que desgraça para estes benemeritos alhos da patria serem, por assim dizer, empurrados aos milhares para uma classe, cujos soldos de reforma se tem pago tão mal, fazendo-os passar pelas mais duras necessidades, e ás suas honestas familias?
Proponho por tanto se diga ao Governo, que pondo-se quanto ao futuro na mais restricta observancia o Alvará de 16 de Dezembro de 1790, a fim de não se reformar official algum, senão quando por um escrupuloso exame constar que estão DOS termos do mesmo Alvará; quanto ao preterito sejão os ditos officiaes reformados empregados nos estados maiores das praças, governos de fortalezas, castellos, baterias, arsenal nacional do exercito, trem, e arsenaes das provincias, corpos da guarda nacional da policia, Majores, e Ajudantes dos regimentos das milicias, corpos de veteranos, fundições, e fabricas de polvora, etc.; e mesmo preferidos para os empregos civís para que furem habeis, cessando os soldos das suas reformas logo que por esses empregos tenhão um ordenado igual ou maior que os mesmos soldos. - Borges Carneiro.

Tabelliães de Lisboa.

O bem publico precede ao particular. Não he justo que os Tabelliães da extensa Lisboa residão todos concentrados na cidade baixa, que pelo com modo de 18 homens sejão quotidianamente incommodados muitos mil cidadãos, e que se percão os negocios publicos, como tem acontecido com a approvação dos testamentos dos doentes.
Proponho por tanto que se diga ao Governo que mande repartir aos Tabelliães. pelos bairros desta cidade, como julgar mais, conveniente, procurando conciliar a utilidade publica com o commodo dos mesmos Tabelliães, quanto for possivel.
Tambem valem as referidas razões a respeito de alguns empregados publicos, especialmente magistrados, que tendo exercicio diario na cidade baixa, recidem em grande distancia della com gravissimo prejuizo das partes. E por quanto os muitos decretos que alguns Reis, especialmente o Senhor D. João IV., derão sobre esta materia não poderão bem observar-se pelos actuaes limites, e acrescentamento da cidade, proponho
Que se diga ao Governo que os ditos empregados publicos, que residirem em distancias, que lhe pareção desarazoadas, e notoriamente incommodas ás partes, os mande residir dentro dos limites que julgar conveniente designar. - Borges Carneiro.
Ficárão ambas para 2.º leitura.
O Sr. Vasconcellos fez a seguinte

MOÇÃO.

Depois que o Augusto Congresso determinou a saida do batalhão para Pernambuco, tem chegado embarcações daquelle porto que trazem noticias da discordia que se manifestou entre as Juntas de Pernambuco, e Guianna, as quaes pegarão em armas uma contra a outra, e posto que esta ultima Junta lenha declarado solemnemente a sua adhesão ao systema constitucional, e obediencia ás Cortes, e ao Governo, e ella fosse instalada pelos povos por motivo de já não poderem supportar por mais tempo o despotismo do Governo de Pernambuco, com tudo quem deixará de conhecer quão perigosa he esta crise pois que uns poucos de facciosos podem lançar mão della para porem em pratica seus fins sinistros.
Para atalhar os males que daqui podem resultar proponho o seguinte:
1.° Que se indique ao Governo para que faça aprontar com a maior brevidade um dos batalhões destinados para o Rio a fim de sair prontamente com o que vai para Pernambuco (não se devendo demorar por este motivo a saida deste) e que sendo comboiados pela fragata, duas corveta, e escuna, que estão destinadas á acompanhar estas duas expedições toquem em Pernambuco, aonde se houver socego, Como he de esperar, ficará o batalhão, para ali destinado, e o outro sem desembarcar, continuará a sua derrota para o Rio, e se não houver desembarcarão ambos a fim de manter o socego publico, devendo- se regular o com mando das armas neste particular conforme as circunstancias.
2.º Que se esta medida demorar a saída do batalhão de Pernambuco elle saia, porém que o 1.° batalhão do Rio o siga logo que possa, e toque em Pernambuco aonde receberá as ordens do commandante das armas daquella provincia (no caso acima ponderado) ao qual se deve communicar esta medida.
3.º Que o 2.º batalhão do Rio logo que esteja pronto saia, e toque tambem em Pernambuco.
N.B. Esta escala nada retarda a viagem do Rio porque a estação he propria para fazer aquella navegação; e a saída breve dos transportes que se achão prontos ha muito tempo poupa muitos contos de réis ao thesouro nacional. - Vasconcellos.
Approvou-se que se diga ao Governo, que ficão debaixo da sua vigilancia, e responsabilidade todas as medidas, que forem conferentes, e opportunas para se manter a tranquillidade, e segurança não só de Pernambuco, mas das outras provincias do Brazil, podendo para esse fim fazer uso da força armada, que já se poz a sua disposição com o destino para a America.
O Sr. Canavarro apresentou uma memoria Politico-Economico-Apologetica Analitica em que se continua a mostrar as utilidades, que resultão a Portu-

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gal maxime ás tres provincias do Norte, e ao Alto Douro especialmente da conservação da companhia geral d´Agricultura das vinhas do Alto Douro, offerecida por José Dionizio Telles de Castro Aparicio Van Odyek, lavrador do Alto Douro; que se remetteu á Commissão de agricultura.

O Sr. Bastos apresentou as seguintes memorias - uma sobre a utilidade, ou inutilidade da lingoa Grega, como preparatorio de Medicina, por Antonio Carlos de Mello e Silva; que se mandou á Commissão de instrucção publica; outra do Desembargador Alberto Carlos de Menezes, sobre um projecto para o codigo criminal; que se mandou para a Commissão de justiça criminal: e uma representação ao mesmo Desembargador como Superintendente de agricultura ácerca das condemnações, e grandes salarios que exigem os escrivães de algumas camaras com executivos contra os pobres e rusticos lavradores, que não levão certo numero de cabeças de pardaes em tempo determinado pelas posturas municipaes antigas sem utilidade da agricultura, nem interesse dos concelhos; que se remetteu á Commissão de agricultura.

O Sr. Ferrão apresentou uma memoria do Primeiro Tenente da Armada Portugueza José Pedro de Sousa Azevedo, sobre o modo de conciliar o serviço, e a subsistencia dos officiaes do corpo de marinha com o estado actual do thesouro sem faltar á justiça, igualdade, e decóro dos officiaes; que se mandou á Commissão de marinha.
O mesmo Sr. apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Em Sessão de 10 de Fevereiro, o Sr. Deputado Pimentel Maldonado, quando propoz, que no Rocio se levantasse um monumento que recordasse aos presentes e vindouros os faustissimos dias 15 de Setembro, 24 de Agosto, e 1.º de Outubro, propoz tambem, que a Regencia abrisse uma suhscripção para aquella obra, e que no seu Diario se publicassem os nomes dos subscriptores.

Em Sessão de 13 do dito mez, quando eu tive a honra de apresentar neste soberano Congresso um additamento áquelle projecto, propondo que nos 4 lados da praça do Rocio se levantassem columnellas, que impedissem o tranzito de carros, carroagens, e cavalgaduras que incommodavão e maltratavão as pessoas que ali passeavão ou passavão, requeri tambem que se abrisse a subscripção voluntaria para toda a obra.

Em Sessão de 10 de Abril o Sr. Deputado Annes de Carvalho propoz se pedisse com urgencia á Commissão das artes o seu parecer sobre o monumento do Rocio; e que se mandasse abrir já a subscripção voluntaria para se effectuar, sendo o Congresso o primeiro a dar o exemplo em subscrever.

Em Sessão de 27 de Agosto o Sr. Deputado Braamcamp propoz que a primeira pedra deste monumento constitucional se devia lançar no dia 15 de Setembro, 1.º anniversario dos gloriosos acontecimentos da nossa regeneração politica, segurando que muitos dos honrados habitantes de Lisboa se propuzerão contribuir para a despeza com uma subscripção voluntaria.

Em Sessão de 24 de Setembro, quando eu tive igualmente a honra de apresentar neste soberano Congresso 525$000 rs. em papel, donativo de um anonymo cidadão constitucional para a continuação da obra, e li a sua carta, pedi e requeri com elle, que se mandasse ordem ao Governo para mandar abrir a subscripção voluntaria; por constar que havia muita gente que queria contribuir. Forão approvadas todas estas moções, mas não se passou a ordem, porque se não julgou isso decidido nas competentes actas. Proponho por tanto, que se passe a ordem ao Governo para nomear negociantes accreditados, e pessoas de conhecido patriotismo para abrirem as subscripções necessarias, principiando por apresentar uma lista ao soberano Congresso que ha de dar exemplo, como bem propoz o Sr. Annes de Carvalho: e outro sim que os collectores fação as possiveis deligencias para que subscrevão todos os cidadãos que quizerem contribuir acceitando-se-lhes desde a maior ate á mais pequena somma em moeda metalica ou papel.

Sala das Cortes em 27 de Outubro de 1821. - José Ferrão de Mendonça e Sousa.
Ficou para 2.º leitura.
O Sr. Ferreira da Silva apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Um tribunal de saude foi creado na provincia de Pernambuco, depois que ElRei passou ao Rio de Janeiro, na sua creação, foi o ouvidor do Recife provedor deste tribunal, depois esta jurisdicção passou para o guarda mór, que exercita as funcções de um, e outro emprego, de seus feitos, e julgados nenhum tribunal, ou jurisdicção daquella provincia póde tomar conhecimento, por ser privativo ao Rio de Janeiro, para onde unicamente podem as partes recorrer de suas sentenças, que nunca o fazem, por lhes ser mais vantajoso e commodo pagar vinte e trinta mil reis, ao arbitrio deste juizo, do que sustentar um pleito em provincia tão distante, além de chamar contra elles o odio de uma jurisdicção, que os póde inquietar todos os dias.

Proponho por tanto 1.º que as acções e feitos deste juizo sejão propostos, e tratados nas justiças ordinarias daquella provincia, cessando o privilegio deste foro: 2.º que das sentenças da primeira instancia possão as partes recorrer para a superior da mesma provincia, sem dependencia do Rio de Janeiro. - Ferreira da Silva.
Ficou para 2.º leitura.
O Sr. Luis Monteiro apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Como a despeza que se tem feito pela thesouraria das Cortes exceda a receita em réis 1:199$347, segundo consta dos assentos no livro respectivo que se acha na Commissão da fazenda; e como tenhão accrescido os Srs. Deputados das ilhas e algumas des-

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pezas mais, que se não calcularão, quando pelo decreto de 30 de Março, se estipulou a mezada certa de 15:000$, que até agora se tem cobrado, e se se não augmentar tambem a mesma mezada, seguir-se-ha necessariamente, que aquella differença se tornará cada vez maior, ou que deixarão de fazer-se alguns pagamentos.

Proponho por tanto que se fação conferir todos os assentos do livro da thesouraria, e achando-se conformes, que se passe novo decreto para ser substituida a mezada antiga por outra nova que se julgar sufficiente para fazer face a todos os pagamentos que devão ter effeito pela mesma thesouraria.
Lisboa 26 de Outubro de 1821. - O Deputado thesoureiro, Luiz Monteiro. Foi approvada

Verificou-se o numero dos Srs. Deputados, estavão presentes 93 faltando os Srs. Ferreira de Sousa; Osorio Cabral; Barão de Molellos; Pereira do Carmo; Sepulveda; Bispo de Béja; Macedo; Gouvêa Durão; Pessanha; Barroso; Baeta; Jeronymo José Carneiro; Pereira da Silva; Vicente da Silva; Guerreiro; Gouvêa Osorio; Corrêa Telles; Faria; Feio; Isidoro José dos Saltos; Rebello da Silva; Manoel Antonio de Carvalho; Gomes de Brito; Pamplona; Sande e Castro; e Zeferino dos Santos.

Passou-se á ordem do dia, e leu-se o seguinte

Projecto de lei sobre a reforma dos foraes.

As Cortes Geraes, etc., tomando em consideração que a agricultura he o mais solido, e mais fecundo manancial da riqueza dos Estados, e que muito especialmente ella deve ser animada em Portugal por meios directos e decisivos, attendida a sua grandissima falta de cereaes, sem o que nunca poderá ser um Reino poderoso, e independente dos estrangueiros; e reflectindo mais que os foraes dados ás diversas terras no principio da Monarquia não concordão com o methodo hoje seguido de fazer a guerra inteiramente á custa do Estado, o que não tinha lugar naquelles remotos tempos; que estão igualmente em opposição completa com o actual systema dos impostos, que de novo se estabelecêrão, e se exigem conjunctamente das mesmas terras; e desta sorte não consentem que o lavrador tire dellas aquelle honesto interesse, que he devido ao seu capital despendido, e ao seu trabalho; e querendo ao mesmo tempo obviar os infinitos letigios, e oppressões de todo o genero provenientes da quasi infinita variedade, confusão, e arbitrio, com que estes antigos tributos são cobrados, e causão a miseria, e desgraça de grande numero de familias do campo; decretão o seguinte:
Art. 1.º As rações ou pensões relativas ao producto total das terras serão diminuidas da maneira seguinte: as que são de terço ou mais de terço, ficão reduzidas a ser de sexto; as de quarto, a um outavo; as de quinto, sexto, ou setimo a um decimo; as de outavo a um duodecimo.

2.° No caso que os fructos paguem com diversa proporção na mesma terra, por exemplo, o pão um sexto, e o vinho um outavo, a reducção se fará como se todos elles se cobrassem pela quota mais favoravel, para que não fiquem os cereaes de peior condição que os outros generos.

3.° Os arvoredos, matas, e juncaes, que servem para lenhas, madeiras, estrumes, ou pastos; assim como os terrenos onde se construírão casas, curraes, eiras, e outras officinas indispensaveis ao lavrador, serão isentos de pagar ração alguma aos senhorios.

4.° As quotas depois de minoradas, segundo os dois artigos primeiro e segundo, serão reduzidas a uma pensão certa e constante, paga no genero proprio da producção da terra, ou amigavelmente ajustado entre os senhorios e os lavradores, ou arbitrada por tres lavradores por parte da camara, e outros tantos pela do senhorio. Para se verificar esta ultima condição, tomar-se-ha a producção dos ultimos quatorze annos; excluir-se-hão os dois mais ferteis, e os dois mais estereis; procurar-se-ha o termo medio dos dez annos restantes; e deste modo se conhecerá qual he a pensão certa a que a fazenda fica obrigada. O mappa ou tombo das terras de cada districto, e as pensões a que ficão sujeitas, se lançarão em um livro, que se quardará no archivo da camara. Se no districto houver mais do que um donatario, para cada um se fará seu livro separado.

5.º Para que não se imponha pensão alguma sobre terras em que realmente os foraes as não tivessem imposto, os distritos onde os não houver autenticos, mandarão pedir á Torre do Tombo copia do seu foral respectivo. Nenhuma terra ou fazenda, seja qual for o seu possuidor, será isenta de pagar a pensão que lhe competir, se for incluida no foral.

6.° A obrigação que ha em muitos lugares de pagarem os seareiros uma quota certa de medidas, ou qualquer prestação, só pelo acto de semearem, fica de hoje era diante abolida, como directamente opposta ao interesse publico. Tambem ficão abolidas as portagens.

7.° Todas as pensões fixas, excepto es foros, que só pagarem, alem das rações, qualquer que seja a sua denominação, como eiradega, jantares, colheita, parada, fogueira, etc., ficão extinctos, e reputão verdadeiramente subrogadas na pensão determinada no artigo 3.°

8.° As pensões certas? que estiverem já contratadas entre os lavradores particulares, ou os distritos, e os senhorios em lugar das rações, as quaes substituirão, ficão sujeitas á mesma reducção do artigo 1.º, excepto só as partes convierem entre si na conservação da quota já existente.

9.° Os laudemios procedidos de foral pagarão de quarenta um, segundo o valor primitivo do predio.

10.º Fica abolido o uso introduzido em muitos districtos de se cobrarem os foros por cabeções nomeados arbitrariamente pelos juizes. Em seu lugar o recebedor dos foros nomeará em cada freguesia um ou mais commissarios para os cobrarem, e conduzirem aos respectivos caleiros pela commissão de cinco por cento, paga pelos mesmos foreiros, ficando com tudo livre a estes ultimos poderem levar ao celleiro o que deverem sem pagarem commissão alguma.

11.º No caso do commissario da cobrança ser

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omisso em pedir aos foreiros o que devem, não serão estes obrigados a pagar os generos a dinheiro; se porém elles forem os culpados na omissão, serão obrigados a pagar a dinheiro pelo valor medio dos generos calculado desde o dia do vencimento do foro até ao dia do seu pagamento.

12.° Para se poderem apurar os valores dos generos, todas as camaras do Reino (excepto Lisboa, onde ha Terreiro publico) ficão daqui em diante obrigadas a fazer mensalmente na ultima Sessão de cada mez a tarifa dos preços, que os fructos do paiz a verão nesse mesmo mez, regulando-se pelos preços dos mercados (onde os houver) ou pelo arbitrio da pluralidade dos homens bons, que assistirem á Sessão, entendendo-se por taes todos os que vivem de suas fazendas; e que estas, e todas os mais Sessões das camaras serão sempre publicas, e feitas á porta aberta.

13.° Os contratos feitos entre a coroa e os donatarios com a clausula de retro aberto ficarão sem effeito logo que os povos os queirão resgatar; para o que satisfarão aos donatarios o preço inteiro da compra, e darão para o Thesouro Nacional metade deste mesmo preço para o indemnizarem da cedencia que faz aos povos de um resgate, que verdadeiramente lhes pertencia.

14.º As pensões certas de que fala o artigo 4.º serio resgataveis pelos lavradores: para o que pagarão vinte vezes o seu valor calculado pelo preço medio, que o genero em que se paga a pensão teve nos quatorze annos que precedem áquelle em que se faz o resgate; o preço medio do genero acha-se em cada anuo pela liquidação da camara; excluem-se os dois preços mais altos, e os dois mais baixos, e dos dez restantes he que se tira o valor medio, que deve ser a pensão que se pertende resgatar. O lavrador logo que deposite a quantidade inteira, poderá requerer ao ministro territorial, o qual precedendo processo summarissimo, e ouvindo o procurador do donatario, ou da coroa, lhe mandará passar o titulo competente, que será confirmado por sentença.

15.º Far-se-ha extensivo a todo o Reino o alvará de 16 de Janeiro de 1773 sobre os foraes e censos lesivos do Algarve. Para o que se nomeará em, cada comarca uma junta de homens intelligentes, presidida peio Ministro territorial, que examinará os titulos que lhe devem ser apresentados no termo de trinta dias, perda de perdimento dos foros, e censos, que nunca devem exceder o juro de cinco por cento. Desta junta se poderá appellar para a relação do distrito.

16.° Todos os foraes e censos procedidos immediata, ou mediatamente de foraes, serão resgataveis á vontade do lavrador, depositando primeiro vinte vezes o seu valor, calculado pelo methodo determinado no artigo 14.°, e alem disso tres laudemios.

17.° Os baldios e maninhos são verdadeira propriedade dos povos; a sua administração pertencerá ás camaras, conforme uma lei regulamentaria, que a este respeito se ha de fazer.

18.° Os foros, rações, ou quaesquer pensões, que se paixão a senhorios particulares em razão de contratos enfiteuticos, não são comprehendidos na determinação desta lei: nem tambem o são todas aquellas terras, como as lisirias do Téjo, em que a Nação conserva a sua propriedade, e em que os lavradores são unicamente caseiros, ou arrendatarios.

19.º Esta lei começará a ter effeito no primeiro de Janeiro do anno de 1822; e no que pertencer a corporações ecclesiasticas pelo S. João do mesmo anno; porém poderão desde já fazer-se as avenças, e ajustes amigaveis entre as partes na forma determinada no artigo 4.°
Paço das Cortes em 4 de Agosto de 1821. - Francisco Soares Franco; Francisco de Lemos Bettencourt; Francisco Manoel Trigoso; José Carlos Coelho Carneiro Pacheco; Antonio Lobo de Barbosa Teixeira Girão; Francisco Antonio de Almeida Moraes; Pessanha; Caetano Rodrigues de Macedo.

O Sr. Soares Franco: - Eu pertendo falar sobre o todo deste projecto, e particularmente sobre o principio do primeiro artigo (leu): sem entrar no modo com que hão de ser diminuidos os foraes, nem na quantidade, he necessario primeiro, que eu dê idéa do que são foraes, e dos males que elles tem produzido. Os foraes são uns pequenos codigos, ou pequenas escripturas, que podem reduzir-se a dois pontos. Elles, ou forão dados ás terras pelos Reis, e reservados para se incorporarem na Coroa, e depois passados a donatarios etc., ou forão dados para aquellas corporações com differentes fins, pois que muitos forão dados a corporações religiosas, ou a senhorios particulares, para os defenderem das pertenções dos Mouros etc. De sorte, que podem estas especies de tributos reduzir-se a duas classes, ou foraes postos pelo Soberano para si, ou depois passando a donatarios, ou incorporando-se na Coroa, ou então dando-se áquelles que cultivão estas terras. Póde-se dizer, que o paiz de Portugal em que tanto florecia a agricultural, esta se acha em abandono por causa dos foraes, principalmente a provincia da Beira, que he a mais vexada e que podia ter pela superficie grão bastante talvez para exportar. Se comparamos Portugal com as outras nações da Europa pelo que toca a este artigo da exportação de trigos, nós vemos, que a Hespanha exporta pão, a França exporta, e esta nos póde servir de exemplo. Ella tendo 24 milhões de habitantes quando começou a revolução, pelas grandes melhoras que fez, tem 29 milhões, de sorte que he a nação a mais temivel, e a mais forte, não só pelo que pertence á industria, e ao commercio, mas pelo que respeita aos outros ramos. E porque? Porque se tirarão á agricultura todos os extorvos que ella tinha. A Italia exporta pão, a Turquia exporta pão, não ha paiz reduzido á miseria de comprar muitos milhões de cruzados de cereaes senão Portugal pelas circunstancias em que está. As unicas nações obrigadas a comprar pão, são a Holanda, a Inglaterra, e a Suecia. A Inglaterra tem grande agricultura e importa pouco: a Holanda importa pão, não tem um territorio como tem a Inglaterra, mas a pastagem, o seu commercio inferno, e pesca, he immenso; e a Suecia aproveita os seus vales, e das montanhas tira o seu ferro. Portugal porém que não tem industria, que não tem commercio, e que se deve voltar só pa-

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ra a agricultura, encontra esta em abatimento, e em o maior estado de miseria, e mais deploravel. Senhores, os foraes devem ser diminuidos. No principio da Monarquia até Affonso IV, elles forão os unicos tributos. No tempo de Affonso IV, entrárão a usar-se das sisas, no tempo de D. João I. quando se levantou a Casa de Bragança fizerão-se as sizas geraes no Reino, até ahi não se pagava sisa, nem real d´agua, o qual foi posto no tempo dos Filippes em razão da guerra da Bahia, e Pernambuco com os Hollandezes; e desde esse tempo para cá tem-se posto tributos em tudo, tributos que não fazem mais do que pezar sobre a classe agricultora. Por tanto os foraes devem ser diminuidos, porque no principio da Monarquia os povos não pagavão senão o que já disse, e agora se achão sobrecarregados com tantos tributos, que he impossivel, que a agricultura com elles possa prosperar. Por tanto deve haver diminuição, porque aliás está offendida a justiça; os homens que pagavão uma cousa se achão agora pagando muitas, donde decerto as não podem pagar. Deve haver esta diminuição por uma razão, porque toca no interesse individual do lavrador, esta a mola real de tudo, esta faz com que o lavrador trabalhe de maneira, que possa tirar o lucro do seu trabalho, sustentando-se a si, seus criados, e familia. Não póde jámais conservar-se o imposto dos foraes da maneira porque se acha concebido, porque por um calculo aproximado, as despezas da cultura andão entre 40 e 50, e a terra não póde já mais animar o lavrador. A nação não póde melhorar, uma vez que as cousas estejão no estado em que actualmente se achão. Os Portuguezes forão buscar riquezas á Africa, á India, e ao Brazil, mas estas riquezas são transitorias, passarão, por isso que se deixou de tornar á verdadeira base, que era a agricultura do paiz, e a população. Sem ter em vista isto, sustentárão-se os foraes. A nação perdeu todo o seu esforço e vigor. Por tanto, he necessario restituir-lhe o vigor, que ella antes tinha, e dar-se ao lavrador aquelle interesse, que elle deve ler. A prova acha-se nas terras dos donatarios. Eu sou de um paiz em que he donatario á Casa de Bragança, a gente da minha familia abandonou a terra que pagavão um quarto, pois que não podia pagar. Se vamos às terras dos donatarios da casa de Infantado, se vamos aos coutos de Alcobaça, tudo se acha em abandono, ve-se a Extremadura, tudo quanto fica ao longo do Téjo, está inculto, está deploravel, e porque? Porque o lavrador não póde tirar da terra, o que a terra lhe podia dar. Vem o donatario, vem o senhorio, vem a corporação religiosa, pede-lhe o 4.º e o 5.º A terra he esteril, o lavrador tem para cultivar um grande espaço de terra fertil, mas tem um maior de terra magra, e assim cultiva só a fertil, e não aquella que não produz; por isso queria eu que o imposto não fosse feito, senão de fórma que o lavrador podesse cultivar uma e outra, e isto talvez se podesse verificar uma vez que o tributo fosse menor. Em consequencia a Nação não póde melhorar, sem que os foraes se reduzão nos termos em que está concebido o projecto; mas dizem, a Nação perde, perdem os donatarios, como eu reputo isto de pouca monta, nada vale porque quando se trata do melhoramento de um milhão de homens, que importa, que fiquem descontentes 100, ou 200; isto não póde entrar era calculo; quanto mais, que na minha opinião, a Coroa, e os donatarios perderão muito pouco. E em quanto ás corporações religiosas, e senhorios particulares, he de absoluta justiça, que se lhe tirasse. Supponhamos, que he verdadeira adoação de D. Affonso Henriques feita aos frades Bernardos. Que direito podem elles ter, depois que entregarão silvas e matos, para os cultivarem áquelles pobres povos, que ainda hoje gemem com os pezados tributos, que então se lhe pozérão. Por tanto assento que o projecto he digno de attenção, e a cada um dos artigos irei expondo as razões, que me moverão a estabelecelos.
O Sr. Borges Carneiro: - Estamos chegados á época de restabelecer o direito natural contra todas as facções, roubos, e prepotencias estabelecidas pelo poder mais forte, ou pelas idéas religiosas, etc. Acaba o illustre Preopinante de nos dizer o que erão foraes. Eu não conheço senão um foral, que he o direito da natureza; tudo o mais são roubos. O direito divino, e o direito natural diz, in sudore vultus tui vesceris panem, Deus quando formou o mundo, ordenou os dias, e as noutes ; estas para descançar, aquelles para trabalhar; isto he, ao lavrador para lavrar a terra e sustentar-se dos fructos, que ella lhe der; o pescador sustentar-se da pesca, etc. Por tanto, tudo o mais que não he isto, são roubos feitos pelo mais forte ao mais fraco, etc.; como he que se podião estabelecer commendas pingues, almoxarifados, alcaidarias móres formadas dos fructos do lavrador, para serem comidas pelo ocioso? E isto, dizem, era para se dar a um homem que tinha feito serviços. Entendamos o que são serviços: um magistrado que vai para um lugar se cumpre bem o seu officio, faz o que deve; vai subindo, e chega até Desembargador, se serve bem, cumpriu com o seu dever: no fim disto diz «quero uma commenda porque fiz serviços.» Eu entendo que aqui não ha serviços, se serviu bem, teve bons ordenados, e gozou cada vez de melhor consideração. Pois hão de estar a impôr tributos aos lavradores para sustentarem commendadores, e ociosos, e elles não poderem tirar lucro de lavrarem a terra, mas só miseria? Tem-se dito muita cousa boa a beneficio do lavrador: as leis estão cheias de louvores, e de premios, que lhes esperdição; porém tudo isto não serve de nada. O lavrador o que quer, he que o trabalho lhe dê lucro; he que lhe não roubem o suor do seu rosto. Eu servi em uma villa em cujo termo havia 106 herdades, e dizia o escrivão da camara, homem octogenario, que ainda que as conhecera todas com lavrador, no meu tempo sómente seis o tinhão, as outras estavão a monte. E porque? Porque o lavrador paga a renda, paga de 14 até 27 alqueires para as capelas de Affonso 4.°, paga bolo para o pároco, cavallagem, dizimo, e os tributos ordinarios, de maneira, que não lhe fica nada. E isto póde permanecer? Não. He necessario que aterra dê ao lavrador com que elle se sustente. Todos os foraes, vierão de origem viciosa, e devem-se abolir, porque são con-

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tra direito natural? Que direito tinha Afonso Henriques, quando chegou ao alto da serra dos carvalhos de dizer tudo quanto estou vendo daqui por uma linha tirada desde Obidos pelas cimalhas de Aljubarrota até Porto do Mutel aguas vertentes ao mar, seja tudo para uns frades da ordem de Santa Maria do Claraval? " Naquella occasião apertado como estava pelo cerco de Santarem, elle prometteria todo o Reino. Que direito podião ter ao depois aquelles frades de contratar com aquelles povos miseráveis de lhe darem uma tão grande porção como he a de 19 á alqueires de cada moio, além do dizimo? Isto he um contrato, filho da força, e da dura alternativa ou de consentir em quanto quizer o irrefragavel frade, ou de se espatriar por esse mundo de Christo. Se alguem celebrar um contrato de juros de 40 por cento , valerá este contrato? Não. Porque he mordaz, e uzurario. Por tanto se he já possível deitar abaixo, todas estas prestações agrarias, e estabelecer um tributo igual e geral para todo o Reino, isso he o justo; e se isso não póde ser por ora; será então ao menos melhor adoptar-se outra medida em lugar da do projecto; a qual he filha da razão natural. Quando se quiz enfrear as uzuras mordazes, estabeleceu-se a lei dos 5 por 100, quando se quiz tratar de estabelecer segundo ajusta razão o juro dos contratos, disse-se, tudo que for acima dos 5 por 100, he lezivo, e uzurario. Quando se quiz reduzir á justa razão os censos, e foros do Algarve, decretou-se no alvará de 16 de Janeiro de 1773, que tudo o que fosse a mais de 5 por 100 do rendimento do prédio era lesivo, e se reduzisse. Eis aqui o que eu dezejo se tome por base; calcule-se qual he o rendimento de todos os prédios que são obrigados a pagar alguma couza; regulando-se aquelle rendimento na forma do §. 4.º do projecto, e depois estabaleça-se pagar daquelle rendimento 5 por 100, e estes 5 por 100 reduzão-se a uma pensão pecuniaria determinada. O que actualmente se paga não póde servir de base, porque quando se estabelecerão, estes 4.os, 5.os, 8.os, ele. não se teve em vista o ser a terra mais ou menos fertil. Serviu de base a influencia da politica, e a superstição. Por tanto deve-se agora attender á fertilidade, ou esterilidade da terra; calculando-se pelo rendimento dos 14 annos, procedentes o rendimento médio, e fixando sobre elle os tantos por cento. Esta medida deve ser extensiva a todas as prestações agrarias, que se pagão á coroa, aos seus donatários, commendadores, etc. ou ellas provenhão de foraes ou de contratos, sentenças etc.

O Sr. Corrêa de Seabra: - Não posso approvar as bases que offerece a Commissão da agricultura para a reforma dos foraes reduzindo as quotas incertas, umas á ametade, outras a um terço, tomando só por fundamento desta reducção as mesmas quotas sem attenção alguma á quantidade do terreno, e á grande variedade dos foraes: e passo a expor as observações que se me offerecem a este respeito: 1.ª Estas quotas incertas não são tributos, como suppõem os illustres autores do projecto, mas sim foros, ou pensões censiticas. He verdade que os foraes tinhão por objecto o governo dos povos na parte económica, politica, e administrativa como aqui se tem dito, e de que eu de todo prescindo, porque não tem relação alguma com o objecto em questão; considerados, porém os foraes com respeito às quotas, que se pertendem reformar, são uns contractos, feitos com os procuradores, e cultivadores, e como qualquer outro contracto, e segundo as leis geraes dos mesmos, se devem entender; e só ha anotar, que sendo uns emphyteuticos; e outros censiticos, a todos se dá o nome de foraes, porque no tempo dos primeiros foraes ainda não erão bem conhecidos os termos de emphyteusis, e prazo: daqui vem que os contratos que os particulares fazião com os cultivadores de terras mesmo suas próprias se chamavão tambem foraes. 2.ª O terreno de Portugal, susceptivel de agricultura, he formado de campos, varzeas, barros, areaes, etc. e póde classificar-se a sua producção em optima, media, e infima. A optima póde reputar-se na razão de um para vinte (ainda que alguma esteja na razão de um para vinte cinco, trinta e mais); a media de um para dez, e quinze, a infima de um para dez cinco, e menos; as despegas da cultura estão na razão da sua producção, mas inversa de maneira que a cultura da terra optima he de pouca despeza, a da infima dispendiosissima: no campo de Coimbra por exemplo (falo da agricultura do milho) a despeza he só a de lavoura, e dois saxos; nas terras de producção media são necessários adubos para as terras, e três saxos pelo menos, e regas de quinze em quinze dias; as de producção infima necessitão de tantos adubos que os lavradores, por assim dizer, estão com um motu continuo de trabalho sem descanço: algumas terras tanto de producção media como infima são tão próprias para crear ervagens, que obstao á producção das novidades que necessitão de quatro saxos e não desço a mais miudezas para não mortificar o Congresso: he por tanto claro, e evidente que será mui desigual, e pouco justa qualquer reforma, que se faça sem contemplação á qualidade, e producção do terreno. Certo sujeito de muita probidade me disse que arrendára no campo de Coimbra uma terra, que pagava quinto, por sete moios para o proprietario livres dos quintos, que elle arrendatario ficou obrigado a pagar; que pagára exactamente o dizimo, e o quinto, que fizera de despeza 56$ réis, e que lucrára vinte e oito moedas; eis-aqui terra de quinto, e assim mesmo dando maior interesse aos que as cultivão, do que aos que as cultivão livres de todo o foro, e aos que as cultivão de oitavo, que muitas vezes ficão com as palhas nas mãos, por me servir das suas mesmas expressões. 3.ª. As prestações são muito variadas nos differentes feraes; em uns as terras são sujeitas só a quotas incertas; por outros foraes além das quotas incertas, tem quotas certas, e ainda foragens de galinhas, marrãs, arcos, linho, etc. Segundo uns foraes as quotas são de todas as novidades, e fructos, em outros só de certos, e determinados fructos; e nesta variedade poderá fazer-se reforma igual e justa, sem ser á vista do foral, e tomando só por base as quotas incertas na forma do projecto? 4.ª Esta reducção de umas quotas á ametade, e outras a um terço vai produzir uma diminuição consideravel no

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thesouro nacional, sensível nas rendas dos benefícios, porque são mui poucos aquelles em quem não entrão bens nacionaes, muito grande nas rendas das corporações ecclesiasticas, e das commendas, e por consequência necessária ha de ser grande o deficit. As casas de Bragança: e Infantado, e Rainha soffrem um grande desfalque; e como se ha de supprir este deficit? Só por uma contribuição de que a nação necessariamente se ha de desgostar. 5.° Este projecto alterando, e modificando arbitrariamente a propriedade assusta todos os proprietários, porque se lembrão logo de que uma similhante reforma se lhe faça na sua propriedade: (da minha parte declaro que tendo feito alguns prazos, estou muito arrependido, á vista disto, de os ter feito, e resolvido a não fazer mais algum) o que foi mal mesmo aos não proprietarios, porque nenhum Senhor quererá já mais dar de emprasamento as suas terras, devendo ter-se em muita consideração, que os prasos forão os que em Portugal fizerão o povo proprietario; e senão fossem em Portugal conhecidos os prasos havia de acontecer o mesmo que em Inglaterra, onde só 33 mil famílias são proprietarios. 6.º As providencias que tem procurado os senhorios para não serem fraudados nas cobranças das quotas incertas, pesão tanto sobre os lavradores, ou talvez mais que as mesmas quotas como todos sabem. As observações que tenho feito me conduzem a offerecer como emenda às bases deste projecto o meu projecto 125 e que vem transcripto no Diario das Cortes N.º 71, por meio do qual os lavradores recebem benificio sem os inconvenientes ponderados, e lembro logo, que quando offerecí este projecto tive em vista duas cousas, 1.ª um remédio prompto e desembaraçado para remediar os inconvenientes das quotas incertas, 2.ª dispor para a reforma dos foraes tendo-se em vista a qualidade do terreno, e as prestações impostas pelos mesmos foraes com tenção de offerecer debaixo destes pontos de vista um projecto de reforma.
O sr. Girão: - Sr. Presidente, os illustres Preopinantes, o Sr. Soares Franco, e Borges Carneiro, esgotarão de tal sorte esta materia, que me não deixarão nada que dizer, mas eu peço a palavra para unicamente satisfazer ao meu coração, sem ter a vaidade de me persuadir que aponto novas, e melhores razões às que elles tão sabiamente expenderão. Com tudo eu direi alguma cousa sobre os foraes, para não ter remorsos toda a minha vida de agora guardar silencio, sendo eu um dos coollaboradores do projecto em discussão, e tendo a honra de ser membro da Commissão d'agricultura. Ninguém faz idéa dos funestos males que os foraes cáusão às desgraçadas terras que lhes estão sujeitas, a não ter visto o lastimoso quadro desses escravos adscripticios, semivivos esqueletos, que ainda restão na cultura dos campos, vivendo em cabanas, e rodeados da miserável prole descalça, nua, esfaimada! Eu pasmo de haver ainda quem na terra crave o arado, quem cultive só para sustentar parasitas e bárbaros exactores que não contentes de tirar tudo a quem cultiva, ainda em cima os obrigão a serem cabeceis, e a gastarem seu tempo em levarem aos celleiros, os terços, quartos, quintos, oitavos, jugallas, pegadas, meias pegadas, lucttiosas, etc. etc.? um só parazita he uma contribuição na sociedade, e que direi eu quando vejo, que o numero destes he infinito, e dos cultivadores quasi nullo? Que direi? Não he preciso dizer nada; por mim falão os immensos requerimentos que enchem a Commissão de Agricultura, escritos com as lagrimas dos desgraçados agrícolas, que gemem esmagados com o pezo enorme dos foraes, e que em vez de serem robustos nervos da republica, são bases débeis e fracas, que supportão o enorme peso do Estado. He uma vergonha dar-nos a natureza um solo tão fértil, coberto do mais benigno Ceo, e ser necessario que os bárbaros nos venhão sustentar com o seu pão; podemos acaso ter assim independência? Podemos ser Nação? Srs. o mappa das forças de qualquer povo, está sempre escrito nos campos, nelles se podem ler até as leis que imperão, se estão cultivados rege a liberdade, e a sabedoria; se estão cobertos de espinhos, a ignorância, e o despotismo. A terra he uma terra fecunda, mas ella só dá em fructos o que recebe em suores; he a classe profectaria a que costuma verter-lhe estes suores, mas por desgraça a da nossa pátria já não póde derramar-lhos, pois se acha mirrada, e secca. He pois hoje o grande dia de restituil-a á vida, e á liberdade. Não devia eu passar daqui, porque só o preambulo do projecto está em discussão, mas he-me necessario responder a um illustre membro, que me precedeu a falar, e desceu a todos os artigos do mesmo projecto; disse elle cousas mui boas; nas a pezar de reconhecer o mal tão urgente não he de opinião que se lhe apliquem remédios promptos e enérgicos, e na descrição que fez dos que julgava profícuos, eu não vejo se não um labirinto tão intrincado, que só de velo traça-lo me assusta, e na verdade só tendo nós a vida de Matutalem, he que poderíamos seguir tão intrincadas veredas com esperança de poder sair dellas para fora. Reconheço que isto de foraes he um nó gordo, mui differente de desatar; porem a minha opinião he, que se corte com a espada de Alexandre como disse um dos meus honrados collegas, corta-se, porque do seu corte depende altos destinos, e se vemos entre nós a arvore de Jáva destruindo todos os germens vivos, tomemos um machado, e deitamo-la por terra.
O Sr. Bettencourt: - Estamos chegados á discussão do projecto ele decreto, sobre a reforma dos foraes; a matéria he tão importante, que por si mesma, se recommenda, da boa decisão deste ponderoso negocio, talvez se siga a fortuna, e prosperidade de uma grande porte da nação Portuguesa; que se acha opprimida com o pezo enorme dos foraes. Ouvi com muito gosto ao Sr. Soares Franco, a exposição geral, e histórica dos foraes, e por isso não me demorarei sobre ella; vi que o mesmo Sr. fez um discurso geral sobre todos os princípios, que abrangem este plano, sobre a reforma dos foraes, que todos são muito verdadeiros, e bem desenvolvidos. Ouvi pelo contrario, e com muita magoa o digo, o discurso do Sr. Deputado Seabra, que he inteiramente opposto aos fundamentos deste plano, e projecto, querendo substituir-lhe outras idéas, que no meu entender, são

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imaginarias, e involvem taes defficuldades, que nunca se realisaria tal reforma; pois se se for a ter comtemplações individuaes, e a examinar a natureza, e origem de todos os foraes, que ha no Reino, que são 958, de que eu saiba, então serão tantas as defficuldades, contradições, obscuridades, confusões, enredos, e inlerpetrações, que tudo ficará outra vez no cabos em que se acha a este respeito; e então eu sou o primeiro a pedir a este soberano Congresso, que não perca tempo em discutir este projecto, que se tornará um laberinto, de que não poderemos sair, é e que o empreguemos na discussão de tantos outros projectos, que pela sua natureza, não encontrarão tanta opposição, ou defficuldade. Parece-me que para entrar-mos na discussão do projecto, de artigo, a artigo, se deve tratar uma questão preliminar, e que da sua decisão depende o progresso da discussão; e vem á ser, se se podem, e devem reformar, e reduzir os foraes? Esta he a questão primeira a discutir-se: eu digo, que, este soberano Congresso, póde, e deve reduzir, e reformar os foraes: póde por uma razão de direito, deve por uma razão de facto: póde pelo direito, porque sendo lei fundamental, e sanccionada nas bases da Constituição, que a lei he igual para todos, devemos trabalhar que isto se verifique de facto, e não fique em palavras: logo como se póde combinar, que os habitantes daquelles infelizes terrenos, sobre que carregão as pezadas leis dos foraes de mais hão de pagar dízimos, decimas, novos impostos, subsídios literários, real de agora, e mais direitos, que se estabelecerão muito depois, estando igualmente sugeitos aos transportes, recrutamento, e mais obrigações de todos os cidadãos? Já se vê, que ha desigualdade, alem de haver injustiça: pois que estes foraes, muitos delles tem por origem, a defeza de castellos, e terras, da qual está hoje o Governo encarregado em geral, e não se verificando a causa e os fins, devem cessar os effeitos; quando a decima foi lançada pelo Sr. D. João IV. para as despezas da guerra, este subsidio militar, fez cahir em desuso o darem os senhorios de terras, e alcaides-mores o seu contingente, que sustentavão, e fardavão na guerra, e por cujo fim, se davão os foraes. Os cidadãos, que pagão estes direitos marcados com o ferrete da vassalagem, tem direito de exigir deste Congresso alivio aos seus pungentes males; e este Congresso obrigação de ouvilos, e attendelos; pois se o Sr. Rei D. Manoel, conhecendo o prejuízo, e damnoso ónus, que soffrião certos povos com o insuportável pezo dos foraes, os reformou, e reduziu; quem negará às Cortes constituintes, e extraordinárias, onde se acha reconcentrada a soberania da nação, e autoridade legislativa, o poder aliviar, e reformar os foraes, dando aos povos aquelle gráo de dignidade, que elles merecem, aliviando-lhe um gravame, que de todo peraliza a existência dos mesmos, que por cumulo das desgraças nascerão aonde governão foraes, que são os filhos primogénitos do feudalismo, e despótica ignorância, como heranças do fatal direito de conquista. Logo pode o Congresso reformar os foreas, por direito. Vou a mostrar que o deve por uma razão de facto. Deve pelo facto, da impossibilidade de se pagarem os foraes, taes que se pagão. Eu tomo por testemunhas, a todos os que me ouvem, da terrível verdade que vou a proferir: se a agricultura em geral em Portugal, Algarve, Ilhas adjecentes está na ultima decadência, e total mina, e isto mesmo nos terrenos aonde não se pagão foraes, se causas tão notórias nos levarão ao abismo, em que nos, acha mós, mesmo tendo fome no meio da abundância de géneros nacionaes corri o se póde esperar, que aquelles povos, onde se pagão foraes de terços, quartos, quintos, sétimos, e oitavos possão lavrar amanhã as vinhas, e as oliveiras, semear aquelles mesmos terrenos, que os presentes tem regado com o seu suor de sangue, e que talvez os cadáveres de seus pais tem estrumado? Tal he a miséria, a que se reduzem pelo inaudito trabalho a que se sugeitão: nenhum lucro, que tirão das suas nunca interrompidas fadigas, sendo victimas de cançasso, e das necessidades, que gastão a existência das famílias campestres, que de pais definhados a filhos débeis os perpetuão na effectiva escravidão. A impossíveis ninguém póde, nem deve ser obrigado: quem poderá duvidar, que Portugal está em penúria, principalmente as províncias, onde não ha numerário? E donde vem isto? He porque a terra não póde sustentar aquelle, que a cultiva; daqui resulta, quis os que tem terras de renda, as querem largar quanto antes: os senhorios não podem cobrar suas rendas; os exactores fiscaes não podem fazer as cobranças dos impostos, e quando querem fazer as execuções, não achão lançadores aos bens penhorados, e este quadro verdadeiro, porem desgraçado compadecesse com o que disse um Sr. Deputado, que a agricultura dá de um 100, 40, e o quer que he? Se assim fosse não gemeria a nação inteira. Diz-se, que se deve olhar para o direito da propriedade; e como se póde esta applicar aos foraes, quando se trata de fazer que o todo se salve? Não o contemplou direito de propriedade o Sr. Rei D. Manoel, quando os reformou: a antiguidade de certas posses não consolida o direito da propriedade, quando o principio dessa acquisição he nullo, vicioso, e despótico; tal he a origem dos foraes, que na conquista os Godos, e Mouros se estabeleceu, e que repugna hoje aos princípios de direito publico universal. Em 1807 foi Portugal invadido, seguirão-se contribuições; em 1808 Portugal fez a sua restauração sempre gloriosa, e para que? Eu o digo, para reconquistarem os seus direitos. = Portugal em 1830, fez a sua precisa, e espontânea regeneração?.... e para quê? Eu o digo, para reconquistarem os seus direitos, e a sua bem entendida liberdade, nenhuns direitos reclamão mais a sua dignidade, do que o alivio dos oppressivos foraes. Eu não digo, que se abulão todos os fordes, porque os terrenos forão dados por Gerentes títulos; deve haver contemplação, com o estado das finanças, em quanto se não podem estabelecer as contribuições directas, que com justiça, e igualdade só podem afiançar ao cidadão, o pagar tanto, quanto lhe cumpre, e á nação o ter o preciso para a despeza necessária. A vista de todo o exposto, julgo, que se devem reformar os foraes, pela razão de facto de não se poderem continuar a pagar. Estabelecido, e provado,
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como verdade inegável, que se podem, e devem reformar, e reduzir os foraes; he minha opinião em quanto ao 1.° artigo do projecto de decreto, que os terços, quartos, e quintos sejão reduzidos a outavos = os sextos, setimos, e oitavos sejão reduzidos de 12 a um, e que por avença, como diz § 4.º tudo reduzido a uma penção certa, e não dependente do modo ordinário e a cobrança, no que ha muitos pezados abusos. A agricultura espera por esta reforma dos foraes, como um dos remédios mais heróicos, que a póde curar da lepra, que padece, e que pouco e pouco a vai raiando. Este o meu voto.

O Sr. Moura: - Parece que não se trata senão de discutir hoje a primeira idea, ou a idea original, e elementar sobre está matéria, que he estabelecer na sua generalidade, se se devem minorar, ou extinguir de todo as pensões agrarias, prestações, rações, etc. estabelecidas nos foraes. Já está dito o que são foraes, e que títulos se conterá nesta espécie de cartas publicas, ou documentos públicos. Não he preciso, que eu me estenda sobre a differença que ha entre uns e outros, ou sobre a sua natureza especifica, e particular, porque, nem eu o poderia fazer, nem mesmo he necessario para a matéria que tratamos; isto he, para fixar a primeira idea sobre semelhante objecto. Digo pois que não só he de summa utilidade publica que se diminuão as penções dos terços, quartos, e oitavos, mas que isto não he opposto á justiça. Que he summamente necessária, e útil esta diminuição todos os Senhores convém, assim como eu, que he preciso adoptar uma medida segundo a qual se reduzão á sua verdadeira proporção estas onerosas, e gravosas pensões, que os povos pagão por um semelhante titulo. Está provado, e escuso por tanto provar de novo, que, ou seja em relação ao agravante da imposição, ou á qualidade do ónus, ninguém póde desconvir, que estas posições constituem gravíssimos encargos; que delles tem resultado a ruína da agricultura do Reino, e que o Congresso se deve occupar ou na sua reducção, ou na sua extincção com aquella gravidade, que medidas legislativas exigem, e que não devemos entregar-nos a declamações, mas a estabelecer princípios rigorosos de justiça, a que hajamos de nos cingir. Se acaso admittimos esta idea primeira, de que os princípios de justiça stricta são em todo o caso, e circunstancias de muito menor attenção, do que os princípios de utilidade publica, quando ella he evidente, clara, reconhecida, transcendente, e geral; se isto he verdade em política administrativa, como creio que nenhum dos que me ouvem duvida, parece, que bastará provar, que esta medida he summamente útil para me dispensar de provar, que ella he justa. Mas não quero só restringir-me a demonstrar a utilidade publica desta medida, quero passar a mostrar a justiça da diminuição ou extincção das pensões estabelecidas pelos foraes. Vamos á origem da acquisição, remontemos á origem da acquisição, e nesta mesma origem acharemos a verdadeira idea, e o verdadeiro principio de justiça, que nos deve regular e dirigir. Em primeiro lugar, havemos fazer distincção entre os foraes, que são verdadeiramente cartas emphiteuticas ou censiticas a respeito das quaes
se podem considerar, ou he necessario considerar, que o senhorio era um indivíduo, que tinha todos os direitos de domínio pleno num tracto de terra, e que deu este tracto de terra a um ou mais indivíduos para é cultivarem, ficando-lhe a prestar annualmente um cânon à titulo de censo, ou foro. Devemos, digo, fazer differença entre estes contratos de divisão do domínio feitos entre particulares, e aquellas cartas que o Rei, supposto senhor absoluto de todo o território, deu a diversos particulares, para a mesmo fim, com a obrigação de lhe ficarem pagando os colonos ou o terço, ou o quarto dos fructos. Deve haver grande differença entre estas duas espécies de concessões, como já observou o Sr. Corrêa de Seabra, porque na verdade ha foraes, que declarão, que as terras de cujos fructos se pagão foros, erão próprios do domínio absoluto de quem as deu com estes encargos. Havemos pois fazer distincção entre estas duas espécies de títulos; porque estes como fazem presumir no senhorio domínio absoluto no terreno, suo verdadeiramente títulos emphiteuticos ou censiticos, e a respeito destes não tratamos. Vamos aos fortes dados, às povoações, foraes dados pelos Reis a certos districtos, com o destino de que pagassem certos foros e pensões os colonos, que ali se estabelecessem, e cultivassem estes districtos. Supposto que a antiguidade he verdadeiramente em muitos casos um titulo, que sancciona o vicio de todas as acquisições; todavia, a antiguidade por mais remota que seja nunca póde sanccionar uma a acquisição todas as vezes que as luzes da historia ou a prova moral póde alumiar a origem, e descobrir vicio na mesma acquisição. Mil annos, que sanccionem uma acquisição, se eu poder apezar disto saber a sua origem, e mostrar, que ella he injusta e usurpatoria, de necessidade não póde ser mantida. Isto he evidente segundo as ideas mais claras de direito. Vamos pois á origem da acquisição destas concessões. Os Reis que conquistarão este paiz, e que se suppozerão senhores absolutos delta, fizerão estas concessões para divirem certos terrenos entre seus vassallos, que o ajudarão na conquista. Elles escolherão o que lhe pareceu, e o derao com o encargo de ficarem os colonos pagando estas cotas. Este era o direito do conquistador, e foi a origem do direito feudal em Germania, e na França. Mas não he isto a maior injustiça? EIRei D. Afonso Henriques e seus successores conquistou, e ficou senhor de todo o terreno. EIRei como primeiro, e então único Representante da Nação, adquiriu sim o domínio eminente de todo o paiz conquistado, mas o domínio particular do terreno, ou de certas porções do terreno para o poder dividir entre os que a cultivassem, isto não o podia adquirir; porque não foi elle só, que o conquistou com o seu braço; elle conquistou-o com o sangue e substancia dos povos, que empunhando a lança, e brandindo a espada expulsarão os Mouros a seu lado, e elle não podia adquirir do reino particular de um ou de muitos pedaços de terra.

Logo, se na origem da acquisição ha injustiça, não póde a diuturnidade dos tempos sanccionala. EIRei D. Affonso Henriques deu a uma corporação um tracto de terreno, e para quê? Para que por todos os seculos dos seculos

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tivesse esta corporação um dominio particular obrigando os colonos a darem uma prestação tão gravosa: isto he uma idéa absurda, que não póde sustentar-se, nem se compadece com a justiça, ou com a razão. Não ha justiça nenhuma nesta acquisição, e alem da injustiça que ha nella, ha utilidade publica transcedente, universal, em destruir semelhantes obrigações contrahidas com desigualdade manifesta, he provado, e evidente, que não póde admittir duvida, que estas pensões são pensões onerosas, que devem, e que temos direito de minorar e de extinguir. Ha só uma resposta a isto tudo, e he, se são estes os principios da justiça, então não tratemos só de minorar, mas de extinguir; isto fôra o que eu devêra seguir; mas persuadido ha muito que a nova regeneração deve ser fundada na satisfação geral quando não possa ser unanime, quero dizer, na satisfação sa maior parte. Julgo necessario modificar um pouco estas mesmas idéas de justiça, e nem irmos á extremidade da medida, nem por um lado, nem por outro. Ha uma outra idéa, que deve tocar-se apezar de ser particular; e he a idéa do Sr. Correa de Seabra, e consiste em que não devem minorar-se as rações por quotas, mas que devem minorar-se por pensões fixas, e estabelecidas, em relação dos terrenos. Eu não adopto esta idéa, porque he uma idéa que para se verificar levaria um circuito immenso. Pois havemos de ir agora proporcionar as nossas informações, e detalhes as localidades? Quantas informações serião precisas sobre isto? A querer adoptar esta justa proporção á localidade assim mesmo poderemos por ventura adquirir essa proporção, como pertende o illustre Preopinante? Não. Era preciso que justificassem de um modo nos terrenos altos, de outro nos baixos; e que males causaria isto? Os povos vivirião em continuas rivalidades. Diria um, o meu terreno he magro, diria outro, o meu terreno he menos pingue, aquelle teve prestações de 10, e merecia só de 5. Em fim, isto exigiria immensas informações particulares, e alem de serem immensas, talvez nada se viria a conseguir. Era debalde, que esta legislatura se cançava para adoptar uma medida util aos povos; porque se fossemos examinar todos os foraes, virião os habitantes de um districto, e dirião, nós todos pagamos o quarto, quando o que deveriamos pagar seria o sexto; dar a outro, eu possuo um terreno, que deveria pagar só o oitavo. Não, tu possues um terreno diria outro, que deveria pagar o sexto, e não eu que deveria pagar o quinto; e eis-aqui o laberinto em que nos achariamos mettidos. Resumindo pois, digo, que a acquisição he injusta, que não tenhamos escrupulo de cortar, uma vez que a justiça pronta auxilia a publica utilidade dos povos.

O Sr. Margiochi: - Direi alguma cousa sobre este projecto. Não entrarei em declamações porque o Preopinante não quer: com tudo, não direi que sejão declamações o representar este Reino no estado desgraçado que póde imaginar-se, um Reino reduzido a charnecas, um Reino reduzido á antiga Fenicia, um Reino cujos habitantes póde dizer-se, que são mumias achadas no alto Egypto; com tudo como isto parece ser especie de declamação, não continuarei com isto, apezar de que apoio o principio do Preopinante, de que os nossos Reis não tinhão um direito tão extenso de fazer as doações como fixei ao tão absurdas, com tudo não falarei sobre isto. Estas contribuições estabelecidas nos foraes são de duas especies; ou estas contribuições são para a corôa, ou para a Nação, e estas podemos nós dispensar como representantes da Nação, e mesmo sem inconveniente; porque creio, que alliviando os povos destas contribuições nos foraes, pagarão melhor as outras contribuições, e por consequencia não podemos perder. A outra especie de contribuições estabelecidas nos foraes poderão ser de tres especies, segundo o relatorio feito pelo primeiro Preopinante, ou forão dadas a alguns particulares com obrigação d'elles se armarem, e chamarem seus vassallos na occasião da guerra, e então como este methodo de fazer a guerra, e pagar as despezas está substituido por outro mais dispendioso, para o qual não chegão, nem a decima parte, pertencem realmente estas despezas, áquella, que hoje faz a Nação; e por isso se podessem provar que esses senhorios as derão, estas contribuições se poderião tirar, e em lugar de recebelas para as despezas da Nação, deixalas na mão dos cultivadores. Diz-se, que estas terras forão dadas em remuneração de serviços, muito bem pagos estão já. As nossas campanhas para o estabelecimento da monarquias talvez não custassem tanto sangue, nem tantas fadigas, como estas ultimas campanhas; e por ventura os nossos militares que trabalharão na ultima campanha, tiverão alguma remuneração? Não, apenas um monte pio. Por consequencia, creio que em 6 seculos, para 7, estão bastantemente remunerados. Mas ainda não quero fazer cargo, nem debaixo deste presupposto extinguir estas contribuições estabelecidas. Ora agora, podem estas contribuições serem de outra especie, por encargos onerosos, e que constituem legitima propriedade. Ora, estes encargos onerosos, segundo os principios estabelecidos por aquelles, que sabem mais de direito, do que eu, parece que são injustas todas as pensões, que excederão a juro de 5 por 100; e por isso, que estes foraes tem sido superiores sempre ao que corresponde pagar de 20. Tendo sitio sempre superiores a este juro, segue-se, que aquelles que tiverem pagado de 10, 1, tem pagado o dobro, que deverião pagar, e por consequencia he preciso, que se passem tantos seculos para o futuro, sem pagar, quantos forão os seculos dm que pagarão. Já pagarão 7 seculos, he necessario que nos seculos seguintes não paguem; se pagarão de 5,1, he necessario, que passem 3 vezes 7 seculos, sem pagarem; se pagarão de 3,1, então he preciso passarem-se 5 vezes 7 seculos, e então depois de passar este numero, se estes proprietarios não virem tempestades que arruinem as arvores, senão perderem os seus titulos, então venhão receber os 5 por 100, e tornem passado este tempo a receber. Logo, por principios de direito creio que estão excluidos por muitos seculos, e talvez por toda a eternidade de pagarem estas pensões. Quanto ás outras o Estado póde muito bem dispensalas. Por isso o projecto deve reduzir-se a dizer, todas as contribuições estabelecidas

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nos foraes sejão abolidas, creio que esta deveria ser a conclusão de similhantes principios.

O Sr. Peixoto: - Reconheço, e he evidente a necessidade da reforma dos foraes, como um dos meios mais oportunos de prover ao melhoramento da nossa decadente agricultura, principalmente dos cereaes: não concordo porém nos fundamentos, em que os dois illustres Preopinantes os Srs. Bettencourt, e Moura estabelecêrão os direítos dos povos para a concessão do melhoramento de suas prestações. O Sr. Bettencourt tomou das bases o principio de ser a lei igual para todos; querendo derivar delle a igualdade das obrigações dos pensionarios, sem respeito ás differentes condições dos foraes. Ora he manifesto que aquelle artigo consagrado nas bases suppõe igualdade de circunstancias, e esta igualdade não existe em sugeitos, que tem contraindo obrigações com clausulas para cada um delles diversas; aliàs o principio proposto se for entendido com tanta extensão como o honrado membro pareceu dar-lhe, ha de infalivelmente conduzir-nos a uma lei agraria, que regule entre todos os cidadãos o absoluto nivelismo do territorio; á mina do direito de propriedade, que em outro artigo das bases juramos, e á consequente destruição de toda a ordem social. O outro fundamento foi tomado na originaria acquisição das terras, ás quaes se derão os foraes: nelle o honrado membro o Sr. Moura suppoz que os territorios, que os nossos Reis doarão, e a que derão foraes não erão seus, mas dos povos, que lhos ajudárão a conquistar, e daqui pertendeu derivar os direitos dos pensionarios. Este principio teria applicação ao nosso caso se esses territorios fossem reconquistados com o auxilio das mesmas familias, a quem os Serracenos os havião tomado, e porque em tal hypothese cada um dos antigos proprietarios deveria ser reintegrado na posse dos seus bens: estamos porém em uma hypothese mui diversa; a reconquista effectuou-se em tempo que já não havia memoria dos antigos proprietarios: as terras conquistadas entrárão no dominio da Nação, e como nacionaes ficárão á disposição dos Reis, que, segundo as idéas do tempo, exercião a plena faculdade de distribuilos ao seu arbitrio. Os povos acceitárão nestes terrenos quinhões da máo dos Reis, eu dos donatarios com certas condições onerosas; e do cumprimento dessas condições ficou pendendo o seu dominio util, sem que da conquista originaria lhes venha direito algum para exigirem a mudança dos foraes.
O direito para a reforma dos foraes existe na Nação: pelo seu eminente dominio dos bens nacionaes á Nação compete exercelo tanto quanto a causa publica o exigir. Pela minha parte pertenço á classe dos senhores uteis, e não á dos donatarios; entretanto não me atrevo a despegar-me das idéas de contemplação com as posses antigas adquiridas em boa fé pelos meios que as leis prescrevêrão: chamem-lhe embora prejuizos. Quizera por tanto que se adoptasse um arbitrio, que satisfazendo no principal fim da utilidade publica, no melhoramento da agricultura, conciliasse o beneficio dos pensionarios com o direito dos senhorios. Este arbitrio estará talvez posto em um de dois meios: ou diminuir as quotas dos fructos, ou reduzilas a pensões certas. Pelo primeiro meio, os pensionarios quanto menor for a quota, tanto mais dilatarão a cultura, aproveitando terras, que não podião com o antigo onus, e por isso deixárão devolutas; e os senhorios extrahindo a sua menor quota de um monte maior, pouco ou nenhum prejuizo soffrerão. Pelo segundo meio preferivel no meu conceito, approvaria o projecto proposto pelo honrado membro o Sr. Corrêa de Seabra, para que ou os senhorios se concertassem por avença com os pensionarios em uma pensão certa, ou esta pensão se taxasse judicialmente por um calculo medio do rendimento das terras nos ultimos 30 annos, fazendo-se alem disso os abatimentos que o mesmo projecto aponta. Desta sorte os pensionarios não tendo de pagar maior renda do que a estipulada, qualquer que seja a producção que obtiverem, já não acharão obstaculo ás suas emprezas de agricultura, e fabricarão todas as terras de que, alem das despegas do grangeio, esperarem algum beneficio. Isto que em theoria não offerece duvida, está confirmado em pratica; e de cada uma das ditas especies poderei apontar um exemplo. Da primeira no mosteiro cistercience de S. João de Tarouca. Um rendeiro de terras pertenentes ao foral do dito mosteiro ajustou com os lavradores pensionarios de lhe pagarem o oitavo dos fructos de todas as terras que cultivassem em lugar da quota estabelecida no foral ou curta de sempre, que era o terço dentro de certos limites, e o quarto fóra delles: differença que se encontra em outros muitos foraes. Os lavradores a favor deste partido estendêrão as sementeiras pela serra da Nave, que fica immediata ás terras anteriormente cultivadas; medrárão muito, e o rendeiro pelo oitavo recebeu maior numero de medidas do que os seus antecessores pelo terço e quarto, de maneira que o ajuste por elle feito ficou em aresto para os seguintes rendeiros.

Da segunda especie temos o exemplo mais perto e talvez sabido de alguns Srs. Deputados: no mosteiro das freiras de Almoster. As terras do seu couto erão quarteiras: muitas dellas íão-se perdendo por não poderem cem a quota; e nesse estado resolvêrão-se as fieiras, haja bastantes annos, a dalas a sabido aos pensionarios. O effeito provou o acerto da providencia; porque a cultura dessas terras reanimou-se, e roteárão-se outras que estavão de charneca: em consequencia aproveitou o mosteiro, apsoveitárão os lavradores, e aproveitou o publico. Convém pois tomar uma das duas bases, com tanto que preliminarmente se resolva a questão: se as quotas hão de permanecer, ou se hão de reduzir-se a pensões certas, porque no caso de permanecerem, não terei duvida em votar que diminuão por a metade; suppondo que o augmento da producção indemnisará aos senhorios: no caso contrario de se reduzirem a sabido, que he a minha opinião, como a mais favoravel á agricultura, e menos sujeita a distensões; eu ao serei de voto que se adopte o projecto do Sr. Seabra: não podendo admittir que simultaneamente se diminua a quota dos fructos, e se reduza a mesma nova quota a uma pensão subida, como está no projecto da Commissão.
O Sr. Corrêa de Seabra: - Levanto-me para res-

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ponder ao honrado Deputado o Sr. Moura, que o meu projecto não he complicado como suppõe, o que bem se conhece pela simples leitura; pois toma por base o accordo amigavel entre as partes interessadas com recurso ao Poder judiciario no caso de se não effectuar: e para responder ao outro illustre Deputado, o Sr. Soares Franco, que calculou as despezas da cultura entre quarenta e cincoenta; se o illustre Deputado toma o termo de cincoenta como maximo para conseguir uma quantia dada ou fructos, e o de quarenta como minimo para conseguir a mesma quantia dada, por exemplo, um alqueire de pão, um almude de vinho, etc.; o calculo não he exacto, porque já disse, e o sabe quem tem o mais leve conhecimento pratico da agricultura de Portugal, que a despeza está na razão inversa da producção, isto he, boa producção pouca despeza, má producção muita despeza; e tomando o termo de cincoenta como maximo para as terras de má producção, deve tornar-se o de vinte, e ainda menos para as terras de boa producção.
O Sr. Soares Franco explicou a sua opinião, refutando o Sr. Corrêa de Seabra.
O Sr. Freire disse que lhe parecia ser outra a questão preliminar que devia tocar, e não a que se tinha apontado. Que antes de passar-se ao artigo primeiro era perciso que se fizesse distincção na redacção dos foraes nos que forão dados por titulo gracioso que não tiverão nenhuns serviços ou encargos, e que quando se tratar do artigo primeiro que então não se reduzão as pensões a respeito destes terrenos da mesma, maneira que se reduzão os que forão dados a pessoas particulares; que as grandes doações feitas ás corporações religiosas devião ter outra contemplação, e que devia ser maior nestas corporações do que nas doações feitas a particulares.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Não me parece que haja necessidade de entrar na questão preliminar dos illustres Preopinantes. Supponho que temos nesta materia pontos certos e determinados donde podemos partir com muita justiça, e com muito conhecimento do que fazemos, sem ser necessario entrar nessas indagações particulares, senão para a execução. Porque por maior que seja a necessidade em que a Nação está de se fazer esta reforma, por maior que seja a utilidade que espera tirar della, he sempre certo que ha de haver alguma demora; se não a houver nas considerações com que aqui se tomarem as medidas, ha de havela na execução: os embaraços hão de apparecer, e a necessidade subsequente de os remover: por isso he impossivel que as cousas se fação sem ser dentro do tempo prescripto pela sua natureza. Muito embora o Congresso queira por seu zelo adiantar a resolução. Os embaraços são da natureza das cousas, se não apparecem aqui, hão de apparecer na execução os seus estorvos. Não acho por tanto, digo, não acho necessidade de entrar na questão preliminar, de que se lembra o illustre Preopinante. Diz elle, que he necessario entrar no conhecimento dos motivos ou causas que houve para se fazerem estas concessões. Isto hoje deve desapparecer. Ha uma regra geral que estabelece a necessidade da medida.
He a necessidade publica, a salvação da patria; porque sem ella a patria não se póde salvar sem se tomarem medidas para reduzir a agricultura ao pé, em que ella só deve e póde persistir, he escusado estar a fazer leis; porque nenhuma dellas, nem todas juntamente hão de trazer comsigo o restabelecimento das cousas ao ponto de felicidade que os Portuguezes precisão. A felicidade de Portugal está no restabelecimento da agricultura ao pé em que ella deve ficar; e para a tirar do abysmo de males, que tem sido acarretados, deve a agricultura chegar a ponto em que não seja necessario pedir generos aos estrangeiros, antes que os exportemos; porque houve época em que Portugal fazia isto. Eis o ponto donde devemos partir. Não he, como digo, entrar no conhecimento da justiça com que se fizerão as doações. Para mim tenho por muito certo que hoje são todas injustas. Não ha uma só doação que possamos considerar feita com justiça; mas eu não quero partir deste ponto, parto de outro conhecido por nossas leis, elle he, que todas as doações consideradas pelo lado avêsso de todas serem muito justas, debaixo deste mesmo ponto de vista, he que eu digo que a medida que vamos tomar não he só justa, mas como tal se deve admittir, e considerarmo-nos autorisados para a tomar. Nós vamos reformar, e o que? Os foraes; e que são foraes? São leis particulares, dadas ás terras onde se cobravão direitos antigamente chamados da coroa. Por tanto os receios que apresentou um dos illustres Preopinantes de irmos entender com a propriedade particular, desapparecem. Aqui não se trata da propriedade particular, aqui he toda publica. Os foraes são leis particulares sobre o modo de arrecadar os direitos das terras antigamente da coroa, e hoje da Nação. Conseguintemente os Srs. que tem receio de que se vá entender com a propriedade particular,j podem perdelo. Foraes são leis sobre a arrecadação de direitos. Logo que vamos a fazer? He legislar dos direitos pertencentes á Nação em geral, e não dos direitos pertencentes aos particulares. Conseguintemente pergunto eu, se estamos autorizados para isto? Digo que sim, quem he que o duvida. Já se disse que D. Manoel queria fazer a reforma dos foraes. Aqui se disse já que os foraes são leis respectivas da propriedade da coroa. Embora se queira dizer que Rui de Pina errou em muitas cousas, e incluiu nos foraes muitas terras que não erão da coroa. Se Rui de Pina, correndo todas as terras do Reino, ouvindo todos os donatarios e povos que erão autorizados para representar os seus requerimentos e titulos que tinhão, errou; se errou uma Junta que em cada terra se estabeleceu; se errou a Commissão estabelecida na Casa da Supplicação, que conheceu em ultima instancia da legitimidade destes foraes, dos requerimentos dos donatarios e povos; e se em ultima instancia errárão os Ministros que conhecião em gráo de revista de todos os processos; se depois do exame se conheceu, que erão propriedade da coroa na mão de donatarios; como havemos de dizer que Rui de Pina errou. He verdade que na Relação se tem tomado este principio para tirar a cada um o que lhe pertencia de justiça. Muitas das congregações religiosas, corpora-

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ções ecclesiasticas, debaixo deste pretexto tem obtido sentenças a seu favor, com o fundamento de que os bens a que então se deu o foral, erão bens particulares, e não bens da coroa. Todavia tantos e repetidos exames feitos naquelle tempo derão o resultado de que a propriedade era da coroa; e agora reconhece-se que os donatarios se enganárão: e depois de estabelecidos os foraes no tempo de D. Manoel, temos a regra certa, de que todas as terras em que se acha um foral, todas estes a quem são dados, são propriedade da Nação, e que em consequencia tem o Congresso legitima autoridade, e legitimo poder para fazer a reforma; e porque tem o Congresso tal autoridade para o fazer? Primeiro, porque todas as doações da coroa pelas leis actuaes do Reino, tem tacita a clausula particular, de que ellas se julgarão de nenhum effeito, quando assim o pedir o bem geral da Nação. He este o principio pelo qual se estabelecêrão quintos da coroa, porque a não ser por este principio, de justiça, como havia a coroa ir tirar aos donatarios o quinto daquelles bens? Levando pois os bens da coroa a clausula tacita, de que todas as vezes que o bem geral da Nação julgar que taes doações se devem ter de nenhum effeito, e se até aqui o Rei podia assim dispor, segundo esta clausula; nós que temos a soberania da Nação em nosso poder, não havemos de gozar o mesmo direito que o Soberano? Necessariamente. Accresce mais que o gozo deste direito pertencia a cada Rei quando era elevado ao throno. ElRei D. José estabeleceu o tribunal das confirmações geraes, alí erão chamadas a juizo todas as doações feitas a donatarios, alí se julgava quaes erão as justas e injustas, alí se julgava da arrecadação dos direitos, e se elles se pagavão em prejuizo do povo; a final se julgava se cada uma das doações deveria continuar no estado em que se achava. A Nação, que para assim dizer, fórma um governo novo de monarquia constitucional, está, para assim dizer, fazendo as suas confirmações. Está chamando a juizo estas doações ate reformatas, e dizer quaes aquellas que devem subsistir, e as clausulas com que devem subsistir; por isso não acho injustiça alguma nisso, fosse qualquer que fosse o principio, e causa de taes doações; porque ellas sempre se fizer ao com a condição tacita de que cada um dos donatarios ajudaria as guerras, ajudaria com um certo numero de vassallos, lanças, e cavados; tudo isto desappareceu depois. Se formos a procurar a origem das doações, para assim dizer, não ha nenhuma que deva subsistir. Si tiverão aquelle começo, ao depois tiverão a liberdade da Monarquia; os Monarcas podião-no fazer, ninguem lho poderia disputar. Se ellas não tinhão injustiça, então hoje são injustas, porque pezão sobre a Nação, de modo que a Nação não póde salvar-se senão declarando-as nullas. Como porém extinguir os encargos traria sobre os donatarios um mal muito grande, e sobre o thesouro males da mesma ordem, porque diminuiria muito a receita que ha no thesouro para sustentação das despezas nacionaes, acho que se reduzissem as terras a metade do que pagavão, o que parece indicar o primeiro artigo do projecto. O que se deve ter em vista he, que a medida não só seja util, mas seja em justa proporção guardada a respeito de cada um dos particulares. Certo que a cada uma daquellas terras, a que se estabelecêrão aquelles direitos, se estabelecêrão conforme a natureza do terreno; porque não posso acreditar que os habitantes da terra magra, que não póde dar senão para pagar o oitavo, se fosse sugeitar a pagar o quarto, e o quinto, porque então Portugal nesse tempo era muito menos cultivado, e aquelles que fé estabelecêrão n'uma parte, poderião estabelecer-se na outra, onde lhe fizesse maiores vantagens. O que supponho he, que os foraes que se achão com direitos mais modernos, como terços, quartos, e quintos, he porque as terras podião soffrer estes encargos, e elles forão estabelecidos conforme a natureza dos terrenos: mas pela alteração dos tempos tem acontecido que as terras mais carregadas não podem pagar os mesmos direitos que então pagavão. Por tanto o meu parecer he, que se mandasse formar em cada uma das comarcas uma Junta para que com conhecimento de causa, e exame de cada terra, examinasse quaes são os seus productos nos 15, ou 20 annos passados, deduzidas as despezas, e todos os seus encargos; e que ao depois na fórma do alvará de 1773 se estabelecessem cinco por cento a todas as terras, conforme a sua natureza; porque assim examinando-se a sua natureza, a terra de melhor producção, e a de menor ficava pagando os cinco por cento, e nenhuma ficava prejudicada.
O Sr. Borges Carneiro: - A minha opinião era esta: a minha idéa era que não se tenha em vista os foraes, porque elles só tiverão em vista a influencia politica e influencias occultas. Por exemplo no campo de Leiria, ha terrenos, junto ás margens do Lena, que são mui ferteis e poderão pagar o 4.º a que suo sujeitas todas aquellas terras; e dali em distancia de 10, ou 20 passos estão nas encostas outras, que são estereis, e mal podem com tamanha pensão. Por tanto não póde haver nisto a regra geral de tomar o foral por base da nossa reforma. Eu não vejo medida alguma justa, senão como já disse a que se seguiu no alvará de 1773 feito para o Algarve, o qual alvará justamente deseja Mello Freire se estenda a todo o Reino. Este dá uma base justa, qual he a da maior ou menor fertilidade do terreno: convém saber, averiguar o rendimento verdadeiro daquelle
terreno; e estabelecer, que sobre este rendimento se pague um tanto. Os 5 por 100, me parece boa medida, e uma base muito favoravel, e depende tomada, reduzir estes 5 por 100 a uma pensão certa em dinheiro, a qual reducção e operação talvez só possa commetter ás camaras. Esta base he justa: a dos foraes injustissima. - Nem se diga que com esta reducção se offende o direito de propriedade: não posso tal conceber. A regra geral he a salvação do Estado; he esta a primeira lei, a que devem estar sugeitas todas as outras. Em consequencia desta lei se devem derribar os vexames que os povoa actualmente soffrem com os foraes. Quem não vê, que he uma grandissima injustiça, o que elles actualmente soffrem? ¿ Pois ha de o lavrador pagar por exemplo á Casa de Bragança o 3.º, ou 4.°, que foi posto em

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tempo em que não havia tributos geraes que ao depois se instituirão, tantos e tão pezados, sem se diminuir nada daquellas prestações parciaes? Antigamente não havia sisas, nem decimas, nem real d'goa subsidio litterario etc.: quando ao depois se forão creando estes tributos geraes, era necessario que se fossem alliviando os povos dos antigos quartos, quintos, etc. a que os novos se substituião. Não se fez assim: os povos que pagavão os terceiros e quartos, ficarão pagando da mesma sorte, sem descanto nenhum: o que accresceu foi commum a elles, como aos que nada pagavão. Ainda hoje se não falou aqui em direito feudal; hoje quando nunca se deveria falar: tudo isto he direito feudal, direito de vassallagem: prestações que se paga vão como serviço militar a que serão obrigados os vassallos. Por tanto nada de terceiros, nada de quartos. Tomemos a base dos 5 por 100, como medida provisoria. Descontontar-se-hão muitos; mas será 1 por mil: não receemos descontentar aquelles que a justiça exige tenhão motivo para se descontentar, pois não era justa a sua fruição.

O Sr. Castello Branco: - He de absoluta necessidade, e o primeiro e mais sagrado de nossos deveres alliviar a classe importante, mas desgraçada, dos agricultores, pois que o melhoramento da agricultura he a primeira fonte de que deve derivar a felicidade publica. He tambem um principio incontrastavel, que este Soberano Congresso pode sobre esta materia estabelecer tudo que julgar conveniente ao bem publico, que para tudo se acha autorizado. São duas verdades de que a ninguem he licito duvidar, e de que eu estou igualmente persuadido; mas sobre os meios de conseguir os fins que todos nos propomos, he em que eu diversifico da maior parte dos illustres Preopinantes. Seria com effeito uma cousa verdadeiramente pasmosa, que em o seculo presente, quando a Nação se tem levantado para recobrar seus antigos direitos, e ganhar a felicidade que as luzes aduana permittem, e ella tem direito a esperar de seus Representantes, se ficassem conservando os foraes e suas odiosas consequencias.

Que são os foraes? elles tem sido definidos nesta Assembléa; são a lei que aquelle que tem todo o poder impõe ao fraco, áquelle que está na mais absoluta dependencia, e por consequencia necessitado a requerella, por mais dura que fosse, para adquirir uma subsistencia miseravel, que assim mesmo lhe he negada em alguma outra parte. Estas leis barbaras que tiverão sua origem na conquista dos povos do Norte, os quaes fundárão seu direito publico nos principios de que não só adquirião o dominio das terras conquistadas, mas até de seus proprios habitantes; pois que tendo o direito, ou o poder de lhes tirar a vida, uma vez que por mercê lha concedião, ella devia ficar á disposição do vencedor, e serem por consequencia considerados como escravos: estas leis barbaras, digo, são os foraes, que assim mesmo passárão para nós depois de estabelecida a Monarquia Portuguesa. E ha de agora este Soberano Congresso, deixando subsistir, sanccionando os mesmos foraes, sanccionar seus barbaros principios? não he tal de esperar, nem nossas felizes circunstancias o permittem. Dir-se-me-ha ha que o estado das rendas publicas não chegando para as despezas correntes, não consente uma tal diminuição, qual resultaria da abolição total dos foraes; é que de mais achando-se muitas destas feiras jugadeiras e reguengueiras em poder de particulares, a quem forão dadas por serviços relevantes, a estes se lhe faria injustiça em os privar dos lucros que dahi percebem por titulo tão sagrado. Convenho, se não em tudo, em parte: mas porque assim he, segue-se que necessariamente hão de subsistir os foraes, só com as reformas que se meditão? não poderá o Congresso achar outro meio mais natural, mais facil, e mais igual para occorrer a essa falta que póde provir da abolição dos foraes? Seja-me licito dizelo assim, sempre os homens não com repugnancia para idéas novas, quando tem presentes outras antigas e já trilhadas. Porque ElRei D. Manoel reformou os foraes, e esta idéa foi louvada, deduz-se que nós os devemos tambem reformar, e não se attende á grande differença que existe entre as luzes daquelle tempo e o actual, entre as circunstancias em que se achava o Rei D. Manoel, e aquelles em que se acha este Soberano Congresso. Não he das luzes do seculo 15.º que poderiamos esperar uma judiciosa repartição de impostos, o mais que se poderia então fazer era reformar alguns abusos, mas consertado o mesmo systema: pelo contrario nos tempos actuaes os sãos principios que regem esta materia, são vulgares a todos. O Rei D. Manoel era influido por um Clero assaz poderoso, e pelos grandes, todos interessados na conservação daquelle mesmo systema, e elle linha na sua mesma familia desgraçados exemplos das fataes consequencias de contrariar em demasia os interesses destas duas classes; este Soberano Congresso nada tem a temer, elle tem por si os votos de toda a Nação, que lhe confiou seus destinos, e que está pronta a sustentar com toda a força suas decisões.

Sou por tanto de parecer, que longe de tratarmos da reforma dos foraes, como nos propõe o projecto, devemos antes sanccionar sua total extincção. Elle tem uma origem odiosa, tanto basta para serem procriptos; mas além disso estabelecem a desigualdade, e a divisão nas differentes terras, males estes sobre outros muitos a que não occorre a projectada reforma. Tempo ha de vir em que um imposto unico territorial deverá subsistituir todos esses impostos irregulares e impoliticos; mas essa operação difficil depende de longos trabalhos para se formar o cadastro geral, sem que não póde ter lugar. Entre tanto não julgo impossivel estabelecer-se um outro imposto, que haja de supprir os foraes, mais facil e regular, já que as circunstancias não permittem prescindir desde logo desse rendimento. Julgo que uma addicção na decima ordinaria, qual se arbitar, imposta nas terras jugadeiras e reguengeiras, seria mais suave e igual para os lavradores, pouparia as despezas, e os extravios da cobrança, e evitaria outros males que resultão dos foraes mesmo reformados. Voto pois pela total abolição dos foraes, substituidos pelo modo que indico, ou por outro que melhor pareça.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Levanto-me para

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dizer que a medida de extinguir absolutamente os foraes, e substituir-lhe outra cousa, que não me perecia justo; porque isto seria mudar sómente de nome. Assenta-se, que não se deve pagar, se não uma decima, muito embora seja uma decima, mas nós não fazemos á Nação bem algum em mudar os nomes ás cousas. D. João IV, quando subia ao throno, dizia, allivio aos povos os tributos, que paga vão a Castella, mas vão depois pozerão outro. Então o que quer dizer, que ha um tributo, e extinguir outro. Eu desejaria ouvir um arbitrio, do qual resultasse o extinguir-se de todo o onus, que o povo soffreu; mas havia de ser um arbitrio differente. Por tanto parecia-me, que, ou se chame foral, ou decima, ou pensão, isto he o mesmo, o caso está em que he preciso combinar estas cousas. Combinar o bem geral da Nação, e attender a que a Nação se compõe de muitos particulares, que comem estes direitos. He, preciso ver o modo, porque se attende ás pessoas que comem estes direitos dos foraes. As corporações, a Universidade de Coimbra, muitos fidalgos, muitos titulos, a casa do Infantado etc. não se sustentão de outra cousa, e então he preciso decidir, se isto tudo ha de acabar, e esta gente ha de morrer de fome, ou se ha de conservar-se. Porque senão comer dos foraes, ha de comer de outra cousa, salvo se o Congresso quizer, que elles não comão, mas que acabem. De contrario a ser necessario que estas corporações existão ao menos por algum tempo; a ser necessario conservar a Nobreza, a Universidade, a casa do Infantado, a casa de Bragança, então he necessario alliviar a Nação, e attender ás pessoas, que tirão a sustentação destes direitos. Eu já mostrei quaes erão os meus sentimentos a este respeito, as decisões que poderião servir de alguma utilidade, pelo menos as mais conformes com a justiça, entretanto ha necessidade absoluta de conservar estas pessoas em um pé razoavel, até mesmo porque daqui se sustentão muitas familias. Nós quando extinguirmos um officio da Nação, não devemos attender á sustentação daquellas pessoas, que dali tiravão pela maior parte a subsistencia? Pois então, não obre o Congresso de repente em extinguir, porque sempre ha de achar embaraço; senão recorramos á experiencia. Tratou-se de extinguir as pensões. Que aconteceu? Gritaria ao Congresso que não tinhão, que comer. Suspendêrão-se as miudas. Gritaria pelas miudas. Manda-se, que os que vierão do Rio de Janeiro não fossem empregados, nem se lhe abrisse assento. Muito boa medida, a nação não lhe tem pago, estes homens hão de receber os seus soldos. Mas no entanto hão de morrer de fome? He o que lhe acontece. Eu sou um dos que me magôo todos os dias de ver ahi officiaes que tem vendido até as camizas para comerem. Eis-aqui o que resulta, de medidas tomadas com ligeireza. Eu não digo, que sobre a materia dos foraes se vá examinar cada foral, e cada doação; porque isto he uma hypothese muito difficil, no entretanto podem estabelecer-se bases geraes, que conciliem os interesses geraes da Nação, com o interesse de muitos individuos que comem disto. Ha casas de nobres, que não tem outro principio donde comão, senão destes direitos, se vamos a atirar tudo isto abaixo, elles ahi irão a pedir com uma tigela caldo pelas portas, e se a Nação ha de cuidar por outro principio, então obre já por este. Nós não devemos fazer aos povos, o que elles querem, os povos contentão-se muito com os livrarmos das maiores pensões; elles contentão-se de pagar menos, e então sobre tudo o beneficio grande, que podemos fazer-lhes, he a fórma da cobrança, porque até aqui era iniquo, começava-se a forma da cobrança por onde devia acabar, isto he, pelas execuções. Isto he que deve tratar-se de evitar o modo da cobrança, que era muito máo. Os povos não só soffrem era pagar, mas pelo modo com que são obrigados a pagar. Um desgraçado, a quem se pede um alqueire de milho, se o não póde pagar, executa-se, e soffre nisto grandes vexames. As custas importão em muito, hoje oito tostões, ámanhã meia moeda. Eis-aqui pois em que devemos aliviar os povos, estabelecendo a fórma certa da cobrança, e sobre tudo declarando os termos precisos em que o povo ha de pagar, e como este tem sido o motivo porque os foraes se achão servindo de um grande vexame aos povos. Ha tambem uma, cousa a notar; os foraes muitos achão-se em uma linguagem tal, que tem dado occasião aos donatarios entendelos, e alteralos, isto tem sido origem de grandes demandas, e de se terem commettido grandes injustiças. De sorte que até mesmo muitos tem sido alterados por convenções, por sentenças já obtidas pela Universidade, já pelos particulares, quando o foral he uma lei, que só por lei se póde regular, não obstante a transacção, e alienação por meio de representação como disse, ou de frades, ou de cabidos, ou de universidade, alterava-se o foral. Por tanto se o Congresso estabelecer como lei clara, e simples donde se deduza o que cada um deve pagar; se estabelecer um methodo de arrecadação, o Juiz perante quem ha de ser julgado, porque antigamente não havia corporação, que não tivesse seu Juiz privativo, que obrigasse um pobre homem a vir responder ao Juiz privativo; como por exemplo, a Universidade de Coimbra, que tinha rendas no Alemtéjo, e no Algarve, os pobres rendeiros vinhão responder a Coimbra. Ora se se tirar isto, e se se livrarem os povos deste jugo, então tudo ha de ser melhor. Se o povo quando paga 10, pagar só 5, isto ha de ser uma fortuna para elle.
O Sr. Pinheiro de Azevedo: - A reforma dos foraes, e a reducção dos encargos, foros, e pensões nelles estabelecidos he de absoluta necessidade, e justiça, mas para se fazer com vantagem deve ser acompanhado das confirmações geraes, mandando-se executar a lei de 6 de Maio de 1769, que está em vigor. Para se conhecer a justiça desta reforma cumpre saber que os foraes, posto que se digão leis particulares, não forão em sua origem outra cousa mais, que cartas de povoação, e contratos, pelos quaes os Reis, ou os donatarios em seu nome, davão certas, e demarcadas terras aos povoadores debaixo de condições uteis, e vantajosas, que atrahissem não só os naturaes, mas os estrangeiros, vizinhos, e distantes, os quaes com effeito vierão em não pequeno numero de Italia, Fran-

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ça, e Alemanha. Depois que toda a Peninsula foi destruida, e devastada pelas guerras mortiferas e successivas na entrada, e expulsão dos Serracenos não se podia inventar melhor instituição que a dos foraes; nem mais acommodada não só para a restaurar, e conquistar mas para a restituir ao seu antigo esplendor, cultura, commercio, industria, e liberdade. ElRei D. Affonso Henriques reservando para si os melhores terrenos, que chamamos reguengos, confirmou, e deu foraes a muitas villas e cidades; e como não podia povoar todas immediatamente, doou outras ás igrejas, ordens, mosteiros, e aos seus companheiros na guerra, os quaes derão tambem foraes confirmados por El-Rei.

Cumpre porem notar que esse extenso terreno que foi dado aos monges de Alcobaça era tudo ermo e maninho ou desaproveitado. Que a Redinha, Seure, Pombal, Castello Branco, e terras do Estremo doadas á ordem de tempo estavão de tal sorte destruidas e devastadas, que erão verdadeiramente cadaveres das antigas villas e povoações: assim as mais terras. Estas cartas ou foraes na parte que respeita ás pensões, e encargos dos povoadores não podião deixar de ser muito imperfeitas, e gravosas; porque os Reis não só não formavão exacto conceito da qualidade do terreno que doavão, por estar ou ermo, ou desaproveitado, senão porque nesse tempo faltavão as luzes e conhecimentos necessarios para estabelecer esses encargos com proporção e justiça: mas a experiencia mostrou logo este defeito, e por isso vendo os Reis que muitas terras ainda as melhores além de não terem melhorado, se perdião, ficando casaes inteiros de fogo morto, como então se dizia, principiárão a reformar os encargos. Daqui vem que muitos casaes se derão aos lavradores livres e allodiaes; muitos de foro, muitos de censo, e muitos destes com attenção aos gastos e sementes. Comtudo estas reformas erão parciaes, e a mesma geral que manjou fizer ElRei D. Manoel, tirando apenas alguns abusos, não melhorou a condição dos lavradores. Accresceu depois que sendo uma parte muito principal destes foraes inteiramente politica porque continha os foros, isenções, e liberdades dos povos: a parte que pertencia aos encargos e rações ficou sempre em vigor. Sobrecarregando-se os povos com uma infinidade de tributos contra o foral; e a outra parte que pertencia á segurança pessoal e liberdade pouco a pouco se derogou, até que de todo se extinguiu. Com tudo o que fica dito, a instituição dos foraes, e cartas de povoação (muito antiga na Peninsula, e da qual passou para os estrangeiros) foi proveitosissima, e até digna de ser olhada com admiração por excellente, e por seus resultados politicos. Oxalá que ella tivesse durado ate á época presente! Então seria facil a nossa regeneração, bastaria dar um passo tendo a nosso favor os costumes, e habitos constitucionaes, que caracterizavão os nossos antigos, e de que agora muito necessitamos. A reforma pois he justa, e necessaria: em quanto á base della, a que se estabelece no projecto, me parece boa em geral: he verdade que são de muito peço as razões do illustre Preopinante; porém, sendo o thesouro nacional o que mais perde com esta base e principio, ha todo o fundamento para esperar, que restaurada a agricultura, elle se indemnise com grande uzura pelo augmento progressivo do producto dos impostos directos, e indirectos. Em fim torno a propôr que se proceda a confirmações geraes; e para isto sómente me levantei. A lei de 1769 está em seu vigor, e só apenas suspensa pelo decreto de 5 de Outubro de 1799.
O Sr. Presidente: - A hora está dada, e este objecto não está segundo parece sufficientemente discutido; pelo que desejava que o Congresso reflectisse sobre os pontos capitães que se tem tratado. A Commissão dos foraes assentou que a base da reforma era reduzir a pensões certas, porém, que antes de fazer esta reducção a pensões certas, era necessario reduzir as quotas. Alguns dos illustres Deputados julgárão conveniente que a base da reforma fosse reduzir as pensões incertas, a pensões certas, mas abstrahindo do principio que occorreu á Commissão. Ha outra opinião que julga, que ha uma questão preliminar, que vem a ser, o descobrir a legitimidade, ou justiça destas doações; e este o projecto do Sr. Freire, o qual creio que em grande parte se póde reduzir ao que diz o Sr. Pinheiro, e ha um quarto projecto, que consiste, em que nos devemos abster da jurisprudencia actual dos foraes, e fazer um exame pelas provincias reduzindo isto a pensões certas de 5 por cento; eis as idéas que tem havido no Congresso, e sobre as quaes se ha de discutir na Sessão que tratarmos desta base dos foraes.
Determinou-se que haja uma Sessão extraordinaria no dia 13 do corrente tratando-se nesta dos pareceres ordinarios das Commissões, e reservando-se a Sessão de terça feira para se discutirem os dois pareceres sobre os empregados vindos do Rio de Janeiro, e sobre a promoção de 24 do Junho, por se considerarem de maior urgencia.
Decidiu-se que á Commissão de Constituição se reunão os Srs. Deputados das ilhas dos Açores, e da Madeira, para que a mesma Commissão possa interpor quanto antes o sou parecer sobre as juntas governativas das mesmas ilhas. Designou-se para a Sessão extraordinaria a hora das seis da tarde, e levantou-se a Sessão á uma hora.

Sessão extraordinaria de 27 de Outubro.

Abriu-se a Sessão ás 6 horas da tarde, e por parte da Commissão do commercio o Sr. Van Zeller leu o seguinte

PARECER.

A Commissão do commercio viu a consulta da Commissão das pautas sobre o officio do provedor da Casa da India, e a representação a ella junta do capataz da companhia dos trabalhos da mesma casa, em que este se queixa de ter sido incluida, e depositada a parte das miudas, que competia á mesma companhia, e procedendo ella de trabalhos braçaes, como dizia, pediu que fosse desembaraçada para se poder pagar á gente, o continuar assim o trabalho sem interrupção.

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A Commissão do commercio quando fez o seu parecer, que foi approvado pelo Soberano Congresso, e deu motivo áquella consulta, não pôde já abster-se, como havia feito em outra cccasião precedente, de insinuar a duvida, que tinha sobre o objecto daquella representação, que a voz publica, e outra consulta precedente da Commissão das pautas não deixavão acreditar; com tudo recommendou sempre que se tomasse exacto conhecimento do negocio; e quando não chegassem com effeito as descargas, baldeações, e sahidas, etc. que os negociantes pagão de mais, alem das miudas, e não ficárão, como estas, sujeitas ao deposito, informasse então a Commissão das pautas do melhor modo, com que poderia prehencer-se um pagamento tão sagrado.

A Commissão das Pautas tomou em consequencia todas as informações necessarias, e para maior exacção, e certeza consultou até a mesma companhia, e officiaes da casa da India, e fazendo de tudo um detalhe, e demonstração mui clara, que ajunta, respectiva ao ultimo anno de 1820, vem a ser o resultado, que a parte das miudas inculcada para trabalhos braçaes importára no mesmo anno 13:392$143, e as descargas, baldeações, sahidas, etc. importárão 15.516$100, sommando ambas as addições 28:908$543, e tendo-se pago pelo contrario as folhas dos trabalhadores de fóra da casa da India em 11:449$903, e aos 18 homens, que constituem a companhia permanente da mesma casa 5:520$256, que sommão ambas 16:970$139, restarão por consequencia no mesmo anno 11:938$384, ou quasi 30 mil cruzados, sem objecto real, ou verdadeiro, como se lhes inculcava, mas unicamente em beneficio, e para repartir, como parece se repartírão, por diversas pessoas agraciadas, homens, e mulheres, chamados proprietarios, e pensionarios, que nenhum serviço fizerão, e por isso nenhum direito tinhão a uma tal differença, ou antes a uma tão arbitraria, e injusta extorsão em gravissimo prejuizo dos negociantes em particular, e do commercio em geral, o qual por estas, e outras que taes, de que nenhum beneficio resulta á fazenda nacional, em vez de convidar-se, cada vez mais se desvia dos nossos portos.
Das sobreditas addições se deduz tambem claramente, que sendo a differença entre as importancias dos trabalhos reaes, e das descargas, baldeações, etc., que effectivamente se cobrão dos negociantes, apenas de 1:400$000, isto regulado em um só anno, e em um anno de mais infimo rendimento, se se fizesse o calculo pelo termo medio dos ultimos cinco annos de 1816, a 1820, em que já sabemos pela mesma Commissão das pautas, que das miudas sómente tocárão 16:560$000 a cada um dos mesmos annos, em lugar de faltar, desapareceria inteiramente aquella differença, e se verificaria então de todo, como he voz constante, que os encargos, e as cobranças, que se fazem pelas descargas, baldeações, sahidas, etc. são suficientes para fazer face a todos os trabalhos reaes da companhia, e trabalhadores da casa da India, e são nullos por consequencia, e sem objecto verdadeiro os trabalhos braçaes, que se inculcão na repartição das miudas, e a parte destas que indevida, e injustissimamente se lhes applica.

Com tudo tendo a Commissão das pautas feito o seu calculo sobre a respectiva receita, e despesa do ultimo anno de 1820 unicamente, talvez receando que diminuisse ainda mais o commercio, como nestes ultimos annos progressivamente tem acontecido, e resultando daquelle calculo, que o augmento de 12 por cento sobre a importancia das descargas, baldeações, sahidas, etc. seria sufficiente para fazer face á differença, que faltava para preencher a somma real dos trabalhos braçaes, a mesma Commissão fez uma nova tabella daquellas tarifas, reguladas de acordo, e naquella mesma conformidade que offerece, assim como um regimento para a melhor ardem, e regularidade da companhia da casa da India.
A vista de tudo a Commissão do commercio se conforma inteiramente com a consulta da Commissão das pautas, e he de parecer que se adopte provisoriamente ate á organização das alfandegas, a tabella que ella offerece, que he fundada sobre a antiga tabella das descargas, baldeações, sahidas, etc. que se cobra vão, e cobrão ainda effectivamente, independentemente das miudas, augmentada porém, e regulada com os sobreditos 12 por cento addicionaes. E que a mesma tabella fique tendo rigor em futuro, e sirva igualmente para regular o tempo decorrido desde que se suspendêrão as miudas, cuja differença respectiva devêra unicamente ser deduzida do deposito, e entregue á companhia em pleno pagamento dos seus trabalhos.

Lisboa 25 de Outubro de 1821. - Francisco Antonio dos Santos; Luiz Monteiro; Francisco Van Zeller.

O Sr. Ferreira Borges: - Sr. Presidente, apesar de ser membro da Commissão de commercio não pude assignar aquelle parecer porque não fui da mesma opinião da Commissão. No dia 14 de Agosto, mandou-se daqui uma ordem para que a Commissão das pautas informasse a este respeito; o que a Commissão das pautas fez, foi chamar os homens empregados, e saber quanto recebião, e offereceu áquella tabella de que fala a Commissão, offereceu tambem um regimento em que se regula o trabalho; e para que são os doze por cento que accrescentão? A Commissão do commercio concede-lhe uma cousa, e não concede a outra; no regimento se regula a eleição dos capatazes; que he uma cousa muito escencial naquellas companhias: digo eu pois, se a Commissão do commercio adopta o augmento da tabella, porque razão não adopta o augmento do regimento; e como me opuz a isto, hoje mandou aqui a Commissão outro parecer, era para pagar a esses homens que não recebem á tanto tempo ficando o mais de parte; e he o que eu cuidei de que se tratava agora, de mandar a esses homens a quem ha tres mezes que se não paga e estão a morrer de fome.

O Sr. Van Zeller: - Eu não li se não o parecer que he relativo ao trabalho braçal; cuido que o illustre Preopinante sabe muito bem que não servia de nada estar a dar um regulamento para tres, ou quatro mezes; eis ahi está a razão porque a Commissão do commercio não adopta o regimento; porque se está a tratar da reunião das tres alfandegas.

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O Sr. Ferreira Borges: - Se he necessario que eu responda simplesmente áquelle objecto, eu direi, dentro das alfandegas sempre ha de haver aquellas companhias, por tanto ainda que venhão a reunir-se as alfandegas sempre hão de haver aquelles homens para arrumarem.

O Sr. Presidente: - Vejo uma duvida, que versa sobre uma tabella, e sobre um regimento; como póde o Congresso decidir, sem as ter presentes, e sem saber o que diz essa tabella, e esse regimento?

O Sr. Ferreira Borges: - Vamos a tratar do pagamento dessa gente, que não tem que comer; e depois o outro seria bom que se imprimisse.

O Sr. Presidente: - Se o Congresso julga conveniente, que se imprima o parecer da Commissão, então he necessaria decidir isso.

O Sr. Borges Carneiro: - Talvez depois de se ter imprimido o parecer da Commissão se soubesse melhor o que se devia fazer. Em todo ocaso convem que não sejamos menos justos que os Francezes quando invasores deste Reino: propozerão-se a fazer na casa da India a mesma reforma que agora se projecta; Mr. Guichar mandou pedir as informações que agora pedimos; porem com ordem que continuassem os pagamentos como dantes, em quanto não se fazia a reforma. Não foi porém isto o que agora succedeu, pois se principiou por mandar suspender todos os pagamentos, e com isto ficárão reduzidas á indigencia muitas familias, a quem cessárão os ordenados ou as pensões nelles impostas. Parece pois dever mandar-se, pagar pontualmente até se decidir esta reforma, a todos aquelles que tiverem de ordenado até quatrocentos mil réis por exemplo, livres das pensões, passando-se já ordem para esse fim: pois o que se quer evitar he os pagamentos dos grandes ordenados de 12 contos e 20 contos, que são abusivos e intoleraveis.
O Sr. Van-Zeller: - He necessario que o Congresso fique bem inteirado de uma cousa: o remedio que se quer dar he aos homens do trabalho braçal, ainda que isto se approve, ficão os outros sem ter cousa alguma; a Commissão das pautas chamou os capatazes, perguntou-lhes, se elles estavão contentes, forão ter com o Constantino que he o homem mais habil que nós aqui temos tido: elle informou isto mesmo, parece-me a mim que todos estão contentes; por isso mande-se observar inteiramente, para que elles fiquem contentes: e nos não podemos tirar a uns, para dar a outros; se quizerem mandar pôr o regimento em pratica; tambem o podem fazer; mas eu creio que he escuzado por tão pouco tempo, que falta para concluir a reforma geral.

O Sr. Borges Carneiro: - Por muito pouco tempo que se demore essa reforma, os que estão ha tres mezes sem se lhe pagar, não podem esperar mais. Quanto ao fazer-se agora um regimento provisorio, não me parece muito opportuno, pois demanda ser impresso e discutido com vagar. Como quer porém que se faça, sem perda de um só dia, se devem expedir as ordens para o pagamento dessa gente que estão reduzidos a mendigar, por serem já passados mais de tres mezes que nada recebem. Não sejamos menos justos do que forão os Francezes nossos invasores.O Sr. Brito: - Se se lê-se essa grande tabella tudo se decidia sem difficuldade; porque a Assembléa cuida que he alguma cousa do outro mundo, sabidas as contas não quer dizer nada, lida ella, a Assembléa fica completamente informada para resolver a questão com inteiro conhecimento de causa.

O Sr. Soares Franco: - Isso era o mesmo que eu queria dizer, e parece-me que nós não alcançamos nada com as informações; uma cousa não tem nada com a outra, por consequencia deve-se lêr, que he o meio de se decidir isto.

O Sr. Secretario leu a seguinte

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TABELLA

Que regula é pagamento que deve receber pelos seus trabalhos a Companhia de dentro da Casa da India.

[Ver Tabela na Imagem]

Os trabalhos braçaes da Companhia por concertos das fazendas que sáem por baldeação, serião regulados á convenção das partes; pois que o proprietario da fazenda deve ter o direito de mandar fazer aquelles concertos por quem bem lhe parecer, procurando a commodidade possivel nestes gastos.

F. Van Zeller.

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O Sr. Brito: - Parece-me que com a leitura desta pauta se dá a conhecer, que isto não he objecto que deva occupar o Congresso tão largo tempo.
O Sr. Castello Branco: - Eu tenho ainda uma duvida, e não estimaria que deste Congresso saisse ainda uma medida sem todas as informações, como ha pouco foi essa das miudas, que foi reduzir á indigencia imensas familias; eu cuidei que o trabalho braçal de que se fala, sahia dessas miudas e por isso estava suspenso esse regimento: mas agora diz um membro da Commissão que esse trabalho não sae das miudas; essa he uma das difficuldades que eu tenho a respeito do mais, e da confusão de opiniões que aqui se vê, e que necessariamente ha de haver; eu não sei a que me hei de inclinar, eu já mais approvarei cousa alguma sem que esteja bem convencido: vejo, e Assembléa terá visto, qual foi o embaraço em que se metteu quando mandou suspender as miudas, pelo modo que aqui senos propoz; se nós então ponderassemos os embaraça que dahi resultarião, nós não teriamos sanccionado isso, e por tanto o meu voto nessa materia he, que todos aquelles cujos ordenados forem de quatrocentos mil réis, e dahi para baixo, se lhes continue a pagar das mesmas miudas como até agora se pagava.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Não me parece que a medida que adoptou o Congresso mereça a censura que se lhe faz: o Congresso suspendeu uma cousa que tinha muitos abusos, e por isso não se póde deixar de admittir, que em parte a medida foi justa, que estes homens tem direito a receber ordenado, e que em fim se lhe pague, convenho; porém que se diga que estão soffrendo um vexame, elles queixão-se porque estão mal acostumados, gritão estamos perdidos, estamos mortos com fome; porque ha tres mezes que se lhes não paga: quantos officiaes reformados, e outros muitos empregados estão ha tres, seis, e nove mezes sem se lhes pagar; portanto concluo que não foi uma injustiça que o Congresso fez: se mais cedo não tem acudido a esse mal, he porque não tem podido. Nós não vimos aqui dormir, vimos trabalhar; nós não temos desejos de fazer mal a ninguem, por tanto proponho, que ou se trate do trabalho braçal, ou a tratar-se das miudas, que se não faça em quanto a Commissão não der o seu parecer a respeito dellas.
O Sr. Presidente: - Temos duas cousas nesta tabella primeira, o trabalho, e o modo de o dirigir, e a segunda, o modo de satisfazer este trabalho, estas duas cousas podem-se considerar desiguaes; portanto parece-me que devo offerecer primeiro ao Congresso, se approva a tabella, e depois o resto.
(Foi approvada a tabella).
O Sr. Fernandes Thomaz: - Desejava eu saber uma cousa, se o regimento he obra de quem fez a tabella? Pois então se nós concordamos em uma cousa, porque razão não havemos concordar em outra; se a tabella he provisoria, que difficuldade ha de acabar o regimento quando acabar a tabella.
O Sr. Van-Zeller: - Eu creio que o Congresso veio no conhecimento, que a reforma era necessaria; pois que nada disto estava autorizado por lei: era um roubo que se fazia ao Commercio. Os negociantes queixão-se dos excessivos direitos que pagão, de mais está claro, que he um abuso: por isso parece-me que elles recebendo agora o que se lhes vai mandar pagar, podião depois esperar pela reforma geral, que se poderá demorar quando muito quinze dias, ou tres semanas.
O Sr. Franzini: - Eu parece-me que deveria voltar á Commissão, para arbitrar uma quantia, em quanto se não faz o regimento; este he o meu voto.
O Sr. Miranda: - Eu não sou de opinião que vá á Commissão; mas sim de que todos aquelles que não tem de ordenado mais do que cento e cincoenta mil reis que se lhes pague das miudas o resto até perfazer a quantia de seis contos mil reis.
O Sr. Van Zeller: Sr. Presidente: - Peço que se leia o parecer porque queria dizer alguma cousa. Eu espero que senão tenha imputado negligencia á Commissão do commercio. Eu tenho medo de tudo quanto se decidir além do parecer da Commissão: elles estão trabalhando no plano geral, he necessario não transtornarmos isto; porque então quem he que se ha de entender.
O Sr. Pinto de Magalhães: -- Aquelles miseraveis, que pela supensão do pagamento das miudas ficarão de repente destituidos de lodo o meio de subsistencia, e reduzidos á mendicidade, tão por certo dignos da mais serie attenção deste Congresso, que lhes deve acudir com medida pronta, que os soccorra: assim o exige a justiça, e mesmo a utilidade bem entendida da fazenda publica: mas nem por isso devemos perder de vista muitos outros empregados, e officiaes benemeritos, que softrêrão com isto um abalo consideravel na sua fortuna, e que supposto não ficassem reduzidos a uma miseria extrema, se virão de repente sujeitos a penosas privações, que a educação, os habitos, e as outras circunstancias lhes tornão insupportaveis tanto quasi como uma total desgraça. Sou por tanto do opinião que a medida que, se adoptar seja geral, e abranja proporcionalmente a todos os que forão privados das miudas. Na verdade algumas difficuldades se offerecem, e muito mais no meio da penuria do Erario; porém como vejo que a Commissão tomou por base que os auxilios, que se vão conceder devem ser tirados do cofre do deposito das miudas, o que não poderá deixar de se adoptar; porque não chegando os ordenados para manter os officiaes, he forçoso que se augmentem, e esse augmento deve sair das miudas com a reducção, que pedir a justiça; por isso eu propuzera á Commissão um plano facil de executar, e applicar, e que abrange a todos os necessitados; e vem a ser que se forme uma pauta, que assigne a cada official uma quota maior ou menor na razão inversa da maior ou menor porção de miudas, que vencião. Por exemplo: aos que tenhão de miudas de 15 até 10, dê-se-lhes um sexto; aos que vencião de 10 até 5, um quinto; os que tinhão 5 ou 4, um terço; os que tinhão 3 ou 2, metade, aos que tinhão menos, tudo. A Commissão adoptando em geral este methodo, e reflectindo no assumpto, podia proporcionar soccorro a todos, e um soccorro a todos, e um soccorro proporcionado ás precisões de cada um, por isso que ía proporcionado á perda que

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cada um sofreu. Este arbitrio agrada-me mais, em quanto não ouvir outro melhor.

O Sr. Xavier Monteiro: - O plano que acaba de dar o illustre Preopinante seria muito bom, se o dinheiro destas milicias pertencesse a estes empregados; porém isto he que não assim. Suspendeu-se-lhes, por se vêr que não lhes pertencia. O Congresso, nem pessoa alguma póde deixar de conhecer que tantos contos de reis não pertencem a um escrivão nem a um feitor da casa da India: agora em quanto ás pensões, he necessario saber quem as deu, e com que direito. Os negociantes queixão-se que pagão estes grandes impostos, e se estas pensões são justas devem sair da fazenda nacional, e não ser continuadas a pagar á custa dos particulares. Isto precisa voltar á Commissão de fazenda, e commercio, e não he cousa que se possa fazer esta semana; por tanto peço que fique adiado. (Apoiado.)

O Sr. Abares Franco: - Em quanto ás pensões parece-me, que não poderá haver duvida, agora em quanto aos ordenados, he que poderá haver alguma.
O Sr. Presidente: - Tratemos primeiramente dos ordenados: se esta materia se julgar sufficientemente discutida, eu proponho á votação o parecer da Commissão.
(O Sr. Secretario Costa tornou a lêr o parecer findo o qual.)

O Sr. Fernandes Thomaz disse: eu requeiro que se leia o parecer relativamente aos guardas, porque forão estes que requererão. O tratar-se agora dos outros seria um bem de que para o futuro poderia resultar grandes males. A Commissão diz que para a semana poderá dar o seu parecer geral; consequentemente o roeu voto he, que se defira a estes, e que se espere para então se tratar dos outros.

O Sr. Van Zeller: - Os que requerem tem cento e cincoenta mil réis; mas mande-se-lhes dar uma igual quantia do cofre das miudas.
Leu-se o seguinte parecer:

A Commissão de commercio viu a representação dos guardas da casa da India, que pedem receber sua parte das miudas em quanto se não estipularem seus novos ordenados, que dependem da nova organização da mesma alfandega, a que mandou o soberano Congresso proceder quando suspendêrão as mesmas miudas.

A Commissão tendo já recebido a consulta sobre a companhia e trabalhos braçaes da mesma casa, e dado ao mesmo respeito seu parecer; espera ainda e não duvida que chegue brevemente a outra consulta sobre os restantes empregados da casa da India, em que serão incluidos os supplicantes. Em quanto porém não chega, e não póde por consequencia dar o seu parecer sobre a mesma que á imitação daquella que já veio deverá satisfazer todas as partes em futuro, parece á Commissão que os supplicantes e outros empregados da casa da India que tinhão parte nas miudas, e cujos actuaes ordenados não excedem 150$000 réis por anno, poderião entretanto receber da caixa das miudas em deposito outro tanto, ou suas respectivas proporções pelo tempo decorrido, e que for decorrendo até o final arranjo que se espera, quando então poderá e deverá encontrar-se o que tenhão recebido. Lisboa 27 de Outubro de 1821. - Luiz Monteiro; Francisco Van-Zeller;
José Ferreira Borges; Francisco Antonio dos Santos.

O Sr. Presidente propoz, se se approvava ou não o parecer da Commissão relativamente aos guardas, e mais empregados da casa da India, cujos ordenados não excedessem a cento e cincoenta mil réis, e se lhes mandasse dar uma igual quantia do cofre das miudas. (Assim se decidiu.)

O mesmo Sr. Presidente disse: os outros empregados, e pensionistas tem igual direito; porém devem esperar pelo parecer da Commissão.

O Sr. Margiochi: - Tem-se determinado que se dê do cofre das miudas uma igual quantia aos ordenados de todos aquelles que não excederem a cento e cincoenta mil réis; porém quando se leu a relação delles, notei que alguns havia, que não tinhão ordenado algum estabelecido, e que se alguma couza recebião era destas mesmas miudas; por esta proporção, estes vem a ficar sem couza alguma.
O Sr. Borges Carneiro: - He necessario declarar-se que a esses se dê ao menos os cento e cincoenta mil réis.

O Sr. Brito: - Os que não tem ordenado, algum, tem menos dos cento e cincoenta mil réis, fixados, além de cuja quantia se não concede o beneficio actual; e como o Congresso manda que se dê aquelles que não tiverem mais dos cento e cincoenta mil réis; logo os que não tiverem ordenado algum estão comprehendidos no espirito da lei para receberem o dito beneficio.
O Sr. Freire: - Tem-se deliberado que se dê do cofre das miudas uma igual quantia a todos os empregados, cujos ordenados não excedão a cento e cincoenta mil réis; por consequencia ne preciza toda a clareza relativamente aos empregados que não tem ordenado algum estabelecido. O meu voto por tanto, seria que se lhes désse a estes trezentos mil réis, até á reforma geral; pois a Commissão do commercio creio que tinha em vista, que nenhum ficasse com menos de trezentos mil réis.

O Sr. Ferreira Borges: - O empregado que se trata creio que he o escrivão das miudas. Para que se lhe ha de estabelecer ordenado se elle já não tem miudas que lançar.

O Sr. Borges Carneiro: - O meu voto he conforme ao do Sr. Agostinho José Freire, que áquelles que não tem nada, se lhes dem trezentos mil réis, até que esteja concluida a reforma geral: reforma que ha de levar bastante tempo.

O Sr. Presidente propoz que aquelles que fossem de parecer que a este escrivão; (visto não ter ordenado algum) se lhe mandasse dar interinamente os trezentos mil réis queirão ter a bondade de se levantarem.
Decidiu-se pela maioria do Congresso que se lhe désse o mencionado ordenado na forma da proposta.

O mesmo Sr. Presidente propoz o addiamento a respeito dos pensionistas, em quanto não chega a consulta da Commissão das pautas, e se venceu, que sim

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O Sr. Pessanha: - Sr. Presidente, peço palavra, ahi está o relatorio da Commissão de guerra sobre a meza, ácerca das legiões de segurança publica: elle já está ha bastante tempo pronto, Peço a V. Exca. que o mande lêr.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia hoje he o projecto n.° no sobre as camaras elle está quasi acabado, se houver tempo trataremos disso então.

O Sr. Secretario Freire, leu o artigo 3.° do projecto nr° 110 (vide diário n.º 209).

O Sr. Borges Carneiro: - A respeito das secretarias, já está vencido que em quanto existirem os actuaes escrivães, não se altere em cousa alguma: quando porem vagarem, deverão então eleger-se secretários triennaes, ou ainda de mais tempo, para que adquira o bom conhecimento deste exercicio.
O Sr. Presidente: - A questão versa sobre o thesoureiro.
O Sr. Borges Carneiro: - Este ponto acha-se decidido na Acta, aqui tenho escrito o que se decidiu.
O Sr. Freire: - Não está na Acta, mas foi opinião geralmente seguida.
O Sr. Borges Carneiro: - Leu o papel que trazia, e findo disse, já aqui foi discutido, e decidido que, logo que vagassem os actuaes proprietarios de escrivães, estes officiaes ficassem electivos, e que fossem eleitos os secretarios quando, os vereadores. Quanto ao procurador, deverá ser eleito da mesma maneira. Quanto ao thesoureiro deveremos tratar sómente de um, que he o dos rendimentos do concelho; o das sizas, decimas, terças etc., o elegelo he uma das attribuições das camaras. Falta também, falarmos dos juizes ordinarios, quanto ás terras onde os não ha letrados, os quaes devem ser eleitos na mesma occasião, e pelo mesmo modo: com declaração que nenhum delles será nunca Presidente da camara.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Na ultima Sessão que houve a este respeito, eu oppuzme a que o thesoureiro fosse eleito pela camara, e ainda estou pela mesma opinião, de que a eleição deverá ser feita pelo povo; pois o contrario disto seria impôr aos novos vereadores um onus, que elles até agora não tinhão: argumenta-se que os vereadores deverão ficar responsaveis pelo thesoureiro; convenho que elles respondão pela segurança do thesoureiro das sisas, e decimas isto já he um mal bastantemente grande; porém não póde deixar de ser assim; não sei porque razão o povo na de nomear os mais officiaes, e não ha de nomear o thesoureiro da fazenda: diz-se nomeia-o a camara; pois esta hade ficar responsavel por elle? Isto he fazer-se-lhes muito penoso o seu officio, consequentemente o meu parecer he, que o thesoureiro do concelho seja eleito pelo povo do mesmo modo que os mais officiaes.
O Sr. Pinto de Magalhães: - Eu na Sessão passaria fui devoto que a eleição do thesoureiro dos bens do concelho fosse feita pela camara, e não pelo povo: as razões, que se penderão, ainda me não fazem mudar de opinião. He necessario fixar o systema geral da arrecadação e responsabilidade dos bens do concelho de maneira tal que haja a menor probabilidade possivel de extravio ou fallencia: isto não se póde conseguir senão incumbindo a eleição do thesoureiro, a quem possa e deva ser responsavel por elle. O povo de maneira nenhuma póde nem deve ser responsavel; por isso não he ao povo que se deve confiar a eleição. Digo que o povo não póde nem deve ser responsavel pela fallencia ou extravio do thesoureiro, porque nem está geralmente falando tão habilitado para não errar na eleição de um homem solidamente abonado; nem tem a commodidade de lhe tomar contas, e fazer balanços cada vez que quizer, como os vereadores; nem finalmente póde ter uma responsabilidade compativel com a justiça; por tanto a segurança dos bens do concelho consiste em que os vereadores tenhão esta responsabilidade.
O Sr. Peixoto: - Levanto-me para falar no mesmo sentido, em que o illustre Preopinante acaba de exprimir-se. A responsabilidade dos camaristas por este thesoureiro he insignificante a respeito daquella, que lhes resulta da eleição dos outros depositarios publicos. As quantias que as camaras conservão em ser, são de ordinario pouco considereveis: os camaristas a cada momento sabem o estado do sou proprio deposito, e tem por isso a melhor opportunidade de precaverem qualquer perjuizo. Além disso, perguntaria eu aos Senhores, que opinão em contrario: se pelo tempo adiante o thesoureiro se inhabilitar, ha de o povo ajuntar-se cada vez que isto aconteça para nomear outro? Penso que não. A camara nessas circunstancias ha de prover á segurança do deposito: pois então, porque razão não terá sempre, e em todo o caso esse mesmo encargo? Mui pouco confiará das novas camaras, quem as não julgar habeis para escolherem o seu thesoureiro!
Um dos illustres Preopinantes apoiando a emenda, disse: que uma vez, que os povos nomeassem o thesoureiro da camara, por conta delles correria a perda, que o desacerto da sua eleição occasionasse; mas certamente não reflectiu, que segundo temos decretado, a eleição ha de fazer-se por escrutinio secreto, e pela maioria relativa de votos; seguindo-se, que devendo esta pena de responsabilidade cair determinadamente nos culpados; não só se ficará ignorando quem foi, que individualmente contrahiu essa responsabilidade; mas até póde acontecer, que se vença a nomeação par uma pequena parte dos votantes, e que a imprudencia, ou malicia destes, seja em prejuizo dos outros, que discordárão delles. Não ha este risco nas eleições feitas pelas camaras; porque dando cada um dos vereadores o seu voto publico, só ficará responsável pelo thesoureiro aquelle vereador, que o tiver approvado.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. Presidente, não he tão insignificante como os illustres Preopinantes pensão, serem feitas as eleições dos thesoureiros da fazenda publica pelas camaras. Para que havemos nós de pôr um onus a estes vereadores que até agora não tinhão, obrigando-os a ficar responsaveis pelos dinheiros daquella comarca, ou provincia. Onde está esta lei que me obriga a mim a ser responsavel pelo dinheiro da Naçã ? Pois a camara he que ha de conhecer quem he capaz para thesoureiro, e não o co-

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nhece o povo; pois cinco pessoas que existem em uma terra podem conhecer quem he capaz de servir este emprego do que umas poucas de mil pessoas; isto he uma incoherencia. Em quanto nos outros thesoureiros se até agora tem sido assim, para o futuro a lei deve ser igual para todos. Tem acontecido em muitas comarcas ficarem muitas casas arruinadas com a responsabilidade que estes vereadores tem pelos thesoureiros do real d'agua, sizas, etc. O povo quando elege cinco, que eleja seis; pois se elle elege quem ha de cuidar nos seus interesses; porque razão não ha de eleger quem ha de guardar esses mesmos interesses; consequentemente o meu voto he que as eleições dos thesoureiros sejão feitas pelo povo, e não approvo o artigo do modo que se acha.

O Sr. Borges Carneiro: - Opino que a eleição do thesoureiro seja sempre feita pela camara. Supponhamos, que morre o thesoureiro; que elle dissipa os dinheiros; que se torna fallido; que se ausenta etc.? Hade-se estar sempre chamando o povo para nomear outro em seu lugar? He necessario que a camara os eleja; isto he conforme ás nossas leis, que ordenão que as camaras elejão com responsabilidade sua os thesoureiros ou recebedores das sizas, das terças, das decimas, etc.? Porque pois não os dos seus proprios rendimentos? Elegem recebedores para os dinheiros alheios, e não os hão de eleger para os seus? As camaras conhecem as pessoas abonadas; quaes devem ser os thesoureiros, para que no caso de haver falencia fiquem os vereadores responsaveis; da mesma maneira que um magistrado quando deixa prejudicar a fazenda publica por ommissões a arrecadar he responsavel subsidiariamente. Supponhamos que um thesoureiro capaz, depois de eleito, deixa de o ter; quem dirá que a camara não deva logo removelo, e substituir-lhe outro? Pois se ha de fazer esta segunda eleição, faça logo a primeira. Este o meu voto.

O Sr. Soares Franco: - Eu voto igualmente pelo artigo; he verdade que ha muitas terras onde as camaras nomeião o seu thesoureiro, isto he uma couza de facto, vamos agora á razão: qual ha de conhecer melhor quem he capaz para este emprego, o povo, que quazi sempre vota sem nengum conhecimento de causa, ou os camaristas. Eu voto pelo parecer da Commissão.

O Sr. Ferreira Borges: - Sr. Presidente, o outro dia quando se tratou da questão, eu confundi-me; vi aqui dois thesoureiros, tomei um pelo outro, e em consequencia da minha confusão, he que agora, e mesmo logo no fim da discussão vi, que estava equivocado; por tanto, eu não posso agora deixar de negar a opinião que então segui, nem me obstão os illustres Preopinantes que fallão em contrario; pois que pouco importa, que o thesoureiro da camara falle de bens; porque os que pertencem ao Conselho estão mettidos em um cofre, e este tem duas, ou tres chaves, uma que está na mão do thesoureiro, e outra na de um vereador, etc.; além disto ha um escrivão que está á boca do cofre quando se paga; agora os outros que tem os dinheiros em sua casa, e pagão por mandados, estes justo he que os vereadores sejão responsaveis; mas a respeito do thesoureiro do concelho não ha duvida alguma; porque apenas elle tem uma das chaves, e além disso tem um escrivão, que lança em um livro de caixa a receita, e despeza, e uma vez que se trata disto eu sou de opinião que se conserve o que eu sempre tenho visto praticar, e he o que se pratica igualmente na camara do Porto.

O Sr. Leite Lobo: - Sr. Presidente o Thesoureiro he official da camara, ou não; se o he devo ser igualmente eleito pelo povo.

O Sr. Peixoto: - O argumento do illustre Preopinante o Sr. Ferreira Borges, he segundo penso, contra producente.
Nas cidades mais notaveis, em que os dinheiros do concelho se recolhem a cofre, pouca será a responsabilidade dos camaristas pelo thesouroiro: e nas outras terras não será maior, por sei em mui diminutas as quantias, que se conservão em depositos: em consequencia esta responsabilidade não he cousa, que aterre os vereadores, como aqui se tem representado.

O Sr. Van Zeller: - Eu creio que deste modo todos hão de fugir para não serem camaristas; pois elles hão de exercer aquelle cargo, e ainda hão de ficar responsaveis? Eu não convenho nisso, o voto que as eleições sejão feitas pelo povo.

O Sr. Bastos: - O que o Sr. Van Zeller diz he exacto. Até agora havia muitos homens, especialmente em terras pequenas, que fugião dellas para não serem vereadores, em attenção aos encargos a que ficavão sujeitos. Daqui em diante será ainda peor. A presumpção de acerto a favor de quem está mais? De quatro ou cinco pessoas, ou de quatro ou cinco mil? Logo he mais provavel que a eleição popular do thesoureiro do concelho seja aceitada, do que a eleição da camara. A camara tem interesse em eleger bem para evitar a responsabilidade. O povo tambem tem interesse para se não extraviarem reditos do concelho, que lhe pertencem, e junta a isto uma maior extensão de conhecimentos individuaes dos elegendos. E considerando o objecto pelo lado do damno ou prejuizo proveniente de uma eleição infeliz, que comparação tem esta quando cahe sobre a massa do povo do concelho, ou quando cahe sobre uma camara? No primeiro caso perde o concelho os reditos extraviados, mas esta perda não arruina algum dos individuos que o compõem: ao contrario se recahe sobre a camara póde fazer a ruina de todos os officiaes da mesma. Concluo repetindo aquilo por onde principiei. Se se vencer que os thesoureiros do concelho sejão da nomeação, e responsabilidade das camaras, haverá muitas pessoas que ainda mais do que ate agora fujão das suas terras para não serem vereadores.

O Sr. Presidente propoz se os escrivães devião ficar subsistindo como até agora, até á nova organização das camaras? (Resolveu-se que sim.)
Igualmente propoz se os procuradores, excepto nas terras em que isto são officies encartados, devem ser nomeados pelo povo, ou pelos vereadores. (Resolveu-se que fossem pelos povos.)

Propoz mais se o Thesoureiro do concelho deve ser nomeado pelos povos, ou pelos vereadores.

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(Decidiu-se que pelos vereadores.)

Tambem propoz se deve omittir-se o artigo quanto ao outro thesoureiro? Venceu-se que sim.

O Sr. Borges Carneiro: - Sr. Presidente: Antes de se passar ao 4.º artigo, he perciso decidir-se se nas terras onde ha juiz ordinario, este fica sendo o presidente da camara, ou se fica sómente com as atribuições de juiz, que he o que me parece dever ser.
O Sr. Seabra offereceu uma indicação que já tinha apresentado, a qual foi lida pelo Sr. Secretario Costa, e he a seguinte
He costume deste Reino que pertencendo duas ou mais villas a um concelho, ou termo do districto de cada uma destas villas se eleja certo numero para a formação da camara: por isso proponho que se observe esta pratica, e cada villa nomêe os vereadores, e officiaes que lhe pertencerem.- Corrêa de Seabra.
O Sr. Castello Branco: - Sr. Presidente, parece-me que parte deste projecto (ao menos o modo das eleições) foi remettido a Commissão de Constituição, e he um dos casos particulares que não se deve tratar por agora, até que a Commissão apresente o methodo das eleições.
O Sr. Borges Carneiro: - Deve ainda tratar-se das camaras das villas annexas a uma villa principal. A respeito destas he a mesma a regra. Os officiaes destas camaras são eleitos pelos respectivos povos.
O Sr. Peixoto: - Ha villas annexas a um distrito capital, que conservão as suas camaras, e he isto o mais commum; ha com tudo outras, que não tem camara propria; mas contribuem com algum vereador para a formação da camara da capital; e he este o caso da indicação do Sr. Corrêa de Seabra, no qual, segundo entendo, deverá continuar-se a fazer o rateio proporcional dos Camaristas, regulado pelo estilo antigo.
O Sr. Corrêa de Seabra: - Cada villa nomeia os seus: por exemplo, uma villa nomeia por eleição directa dois vereadores, e a outra outros dois, etc.
O Sr. Presidente propoz a votação: 1.° se deve continuar a haver como até aqui um ou dois Juizes com a unica differença de serem nomeados pela mesma forma porque o são os vereadores? Venceu-se que sim. 2.º Se deve continuar a observar-se aquelle costume indicado no additamento do Sr. Corrêa de Seabra só com a differença de que a eleição dos vereadores e officiaes que pertencem a cada villa do concelho se faça pelo methodo já sanccionado para as camaras? Venceu-se que sim.
O Sr. Borges Carneiro: - Antes de se passar a discutir o artigo 4.° que trata da fórma das eleições, será bom declarar-se quaes hão de ser as pessoas elegiveis; pois já aqui vimos a questão agora suscitada na ilha da Madeira sobre serem elegiveis só os nobres ou do arruamento; e em outras terras ha especiaes provisões que requerem nobreza; o que se deve declarar abolido; e assim se venceu já na acta.
O Sr. Presidente: - Eu parecia-me que isto estava commettido á Commissão porque he uma cousa que se ha de fazer com muito vagar, e muita circunspecção; por tanto estabelecermos nós agora aqui uma excepção para os nobres, não me parece bem.
O Sr. Fernandes Thomaz: Sr. Presidente: Eu perecia-me que não era possivel o fazer continuar as eleições pelo praticado até agora; porque se excluia todas as pessoas, e só mandava eleger as nobres; isto he preciso decidir-se quanto antes, para que nas camaras onde havia esta lei não vão fazer as eleições por este modo, e mesmo porque ellas estão á porta, este projecto he feito com o fim de aproveitar já estas eleições.
O Sr. Presidente: - Então será bom que a Commissão declare que os vereadores tenhão todas as qualidades necessarias; menos que dependão destas.
O Sr. Fernandes Thomaz: - O que pesa muito sobre os povos, he fazer com que só os nobres sejão eleitos: por agora o que devemos destruir, he estas distincções, e este decreto deve ser com muita brevidade.
O Sr. Bastos: - A declaração que exige o Sr. Fernandes Thomaz he justa. Essa odioza distincção entre nobres, e não nobres, deve cessar por uma vez. Se a não desterrarmos, em quanto ao objecto de que se trata, teremos trabalhado muito, e em beneficio dos povos nada teremos feito. Nem se diga que não he necessaria similhante declaração, pois póde concorrer para evitar duvidas, ou sinistras interpretações tendentes a perpetuar abusos, que tanto tem pesado sobre os destinos dos povos.
O Sr. Borges Carneiro: - Isso já está vencido.
O Sr. Castello Branco: - He um artigo das Bases da Constituição, não ha lugar algum que seja privativo da nobreza, ao menos para lugares publicos: será conveniente para empregos do Paço, e familia do Rei, com os quaes a Nação nada tem.
O Sr. Secretario Freire tornou a ler o 4.º e 5.º artigos do projecto.
O Sr. Ferreira Borges: - Eu em quanto á segunda parte sou de opinião que o artigo seja supprimido.
O Sr. Borges Carneiro: - Cumpre declarar-se que as camaras daqui em diante não tem jurisdicção contenciosa; qual a de conhecer de injurias verbaes, etc. Quanto á outra especie de .... deve haver alguma discussão.
O Sr. Presidente propoz 1.º se ambos os artigos devem ser supprimidos? Venceu-se que sim. 2.° Se se lhes deve substituir a regra geral, que nem as camaras lerão mais jurisdicção contenciosa, que deve passar aos Juizes, nem estes terão ingerencia nos negocios economicos que devem pertencer exclusivamente ás camaras? Venceu-se igualmente que sim.
O Sr. Pamplona: - Sr. Presidente, como não houve tempo hoje para se tratar do parecer da Commissão de guerra, sobre a formação das legiões de segurança publica; pedia ao Congresso que se mandasse imprimir, e distribuir por todos os Srs. Deputados, para se tratar na primeira occasião.
O Sr. Ferrão: - Sr. Presidente, este relatorio deve ser proposto com muita urgencia; os povos continuão da mesma sorte a queixarem-se; foi falsa aquella noticia de que já os officiaes Generas da provincia tinhão dado cabo delles; pois agora não só continuão

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a roubar do mesmo modo; mas até já matão: isto me foi hoje dito pelo Intendente Geral da Policia.
Q Sr. Presidente propoz se se devia imprimir o projecto da Commissão de guerra.
Decidiu-se que se imprimisse.
O mesmo Sr. designou para ordem do dia a continuação do projecto da Constituição.
Levantou-se a Sessão ás nove horas da noite. - João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para José Ignacio da Costa.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes seja remettida das alfandegas de Lisboa, Setubal, Figueira, e Vianna do Minho uma lista da quantidade de vinho que se exportou annualmente por aquelles portos desde o anno de 1678 ate 1820 inclusive; especificando unicamente quanto para a Grã Bretanha, e quanto para os outros portos do globo. O que participo a V. Exc. para sua intelligencia e execução.
Deus guarde a V. Exca., Paço das Cortes em 27 de Outubro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que se faça traduzir, e copiosamente espalhar por todas as paroquias e camaras La Omelia del Cittadino Cardinal Chiaramonti Vescovo d' Imola (ora summo Pontifice Pio VII.), a fim de que seja conhecido de todos os Portuguezes aquelle modelo de sabedoria evangelica, com que o actual Romano Pontifice se dirigiu a suas Ovelhas, como Bispo de Imola, sobre a intima alliança do Evangelho, e da liberdade. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 27 de Outubro de 1821. - João Baptista
Felgueiras.

Para Joaquim José Monteiro Torres.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo a inclusa representação do Commandante e mais officiaes do 2.° batalhão de milicias da divisa o militar de Pernambuco, datada de 26 de Agosto do presente anno, relativamente aos ultimos acontecimentos naquella provincia, e transmittida ao soberano Congresso pela Secretaria de Estado dos negocios da marinha, em data de 26 do corrente mez.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 27 de Outubro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão dizer ao Governo que ficão commettidas a seu cuidado e vigilancia, sob a responsabilidade dos respectivos Ministros, todas as medidas que forem necessarias e opportunas para se manter a segurança e tranquillidade não só de Pernambuco, mas tambem das outras provincias do Brazil, podendo para esse fim fazer o uso conveniente da força armada, que se acha destinada e posta á sua disposição pelas ordens de 28 de Julho, 25 de Agosto, e 20 de Outubro do corrente anno. O que V. Exc. levará ao conhecimento de Sua Magestade, e fará constar onde convem.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 27 de Outubro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL

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