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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA

NUM. 221.

SESSÃO DE 9 DE NOVEMBRO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do Sr. Trigoso, leu-se a acta da antecedente, que depois de algumas observações foi approvada.

O Sr. Secretario Felgueiras, mencionou os seguintes officios recebidos do Governo:

1.º Do ministro dos negocios da fazenda. Illustrissimo e Excellentissimo Senhor: - Tenho a honra de remetter a V. Exa. para ser presente ao Soberano Congresso a consulta inclusa da junta do commercio de 5 de Novembro, ordenada pôr portaria de 26 de Abril ultimo, a respeito da pretensão dos negociantes da praça de Vianna, pedindo se lhes restitua o sello de que forão privados. - Deus guarde a V. Exa. Palacio de Queluz em 7 de Novembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - José Ignacio da Costa.

Remettido á Commissão de fazenda.

2.º Do mesmo ministro. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor: - Entrando em duvida se deve observar-se o § 7.º do capitulo 72 do foral da alfândega, que manda dar livres de direitos os cavados, que vem de fora; ou a provisão junta do conselho da fazenda, que os manda pagar, lenho a honra de passar ás mãos de V. Exca. o requerimento incluso do Barão de Quintella, pedindo isempção dos seis que mandou vir de Londres, para seu uso, e serviço do regimento de cavallaria de que Ire coronel, já informado pelo administrador geral d'Alfandega; para que, sendo tudo presente ao Soberano Congresso, se decida o que a este respeito deverá praticar-se. Palácio de Queluz em 8 de Novembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras - José Ignacio da Costa. Remettido á mesma Commissão.

3.º Do ministro dos negocios estrangeiros. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor: - Sendo-me com m u meada na data de 3 do corrente, pela Secretaria d'Estado dos negocios do Reino, a ordem das Cortes Geraes e Extraordinarias para que cada uni dos actuaes secretarios de Estado organize com a possivel brevidade o plano da sua respectiva secretaria propondo-o ás mesmas Cortes para obter sua sancção; tenho a honra de dirigir a V. Exa. o mappa incluso redigido na conformidade d'aquellas Suppremas determinações, afim de que V. Exa. o faça subir ao conhecimento do Soberano Congressso e se decida como melhor, cumprir ao publico serviço. - Deus guarde a V. Exa. Palácio de Queluz em 7 de Novembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - Silvestre Pinheiro Ferreira.

Remettido á mesma Commissão.

4.° Do Encarregado dos negocios da guerra. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor: - Em consequencia do officio que V. Exa. me enviou datado de 16 do mez passado remettendo o requerimento do secretario, e officiaes da secretaria do Governo das armas da provincia d'Alemtejo, devolvo a V. Exa. o mesmo requerimento, com as informações que se houverão do Governador das armas da mesma provincia. - Deus guarde a V. Exca. Palácio de Queluz em 7 de Novembro de 1881. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. João Baptista Felgueiras. - Candido José Xavier.

Remettido á Commissão militar.

Foi Ouvida com agrado a felicitação ás Cortes; de José Maria Soares da Camara Zarcos, Juiz de fora das villas de Vidigueira e Frades.

Mandou-se passar á Commissão de fazenda uma representação de Felix José de Cerqueira, acompanhando uma relação de 113 tomadias que se tem feito pela extincta delegação da Superintendencia geral dos contrabandos, e que até agora não forão decididas

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pertencendo duas terças partes á fazenda nacional; e á Commissão de justiça civil? outra representação da junta de liquidação dos fundos da extincta, companhia do Grão Pará e Maranhão, como encarregada da administração dos fundos da extincta e a companhia de Pernambuco e Paraíba, na qual se queixa do esbulho que lhe faz o Poder executivo, privando-a das accommodações próprias da sua administração.

Mandou-se aggregar a acta o seguinte voto do Sr. Xavier Monteiro.

O Deputado Francisco Xavier Monteiro, na Sessão de 8 de Novembro de 1821, foi de voto que o Conselho da fazenda fosse excluído da administração dos rendimentos, e arrematação dos bens nacionaes, destinados á amortisação da divida publica, e que esta administração fosse conferida á Junta dos juros dos nossos empréstimos.
Este mesmo voto assignarão os Srs. Joaquim José dos Santos Pinheiro, Luiz Monteiro, Agostinho Teixeira Pereira de Magalhães, Ignacio Xavier de Macedo Caldeira, José Victorino Barreto Feio, Francisco António dos Santos, Manoel Alves do Rio, Henrique Xavier Bacia, Marino Miguel Franzini, José Ferrão de Mendonça, e Sousa, Francisco Simões Margiochi, Felix José Tavares Lira, José Joaquim Ferreira de Moura.

Fez-se a chamada, e achar ao se presentes, 98 Deputados, faltando os Srs. Moraes, Pimentel Beirão de Molellos, Sepulveda, Bispo de Castello Branco Pessanha, Travassos, Van Zeller, Soares de Azevedo, Carneiro, Brandão, Innocencio António de Miranda, Queiroga, Pereira da Silva, Guerreiro, Medeiros Manta, Gouvéa Osório Corrêa Telles, Faria , Isidoro José dos Santos, Manoel António de Carvalho, Games de Brita, Paes de Sande, Ribeiro Telles.

Passando-se á ordem do dia, entrou-se na discussão assignalada na Sessão de 7 do corrente, do artigo addicional ao 93 da Constituição, offerecido pelo Sr. Borges Carneiro (v. o Diar. n.° 219.)

Pedindo a palavra o mesmo illustre autor da addição proposta, disse: Eu insisto na minha primeira, opinião de que a decisão que vamos, tomar deve comprehender os dois casos, convém a saber: quando a lei não dá a sancção nos 30 dias, e quando são desapprovadas as suas razões, e volta a lei para elle dar a sancção; pois quanto ao fim de que ora tratamos não ha que fazer differença. Digo pois que em qualquer destes dois casos devem as Cortes remetter um exemplar da lei ao ministro respectivo, com uma ordem em que se declare o que ha passado, para que elle mande publicar a lei em nome das Cortes: pois neste caso suppomos que o Rei não quer assignar a lei, e conseguinte a deve o ministro publicar em virtude da ordem das Cortes, usando da formula que já propoz na Sessão antecedente, a saber: N. Faço saber que as Cortes me remettêrão a ordem e lei seguinte etc.; e depois deve referendala, assignala, mandala publicar na Chancellaria.

O Sr. Martins Bastos: - Eu não posso convir nesta opinião, porque não posso conceber que haja casos em que seja licito ao Rei deixar de assignar a lei , ou elle tenha dado a sua sancção ou não. O veto que tem o Rei está determinado que não seja absoluto; he suspensivo, e he permittido tão sómente a elle poder propôr as razões, pelas quais não convém logo sanccionar a lei. Estas razões não são admittidas pelas Cortes; em consequência está decidido que as razões não procederão e que a lei deve sempre passar e por tanto o Rei deve forçosamente assignala, porque as razões que deu cederão ás outras que tiverão as Cortes para fazerem que a lei permanecesse. Se ao Rei fosse licito deixar de assignar a lei, e fazela publicar, quando apezar das razões que elle ponderou as Cortes mandão que ella subsista, então vinha o Rei a ter o veto absoluto; vinha elle a poder o opor-se á lei, e ao que mandavão as Cortes a respeito da lei. Isto vinha a ser contradictorio, dar-lhe o veto suspensivo, e facultar-lhe que elle não sanccionasse a lei; era uma contradicção palpável. Por isso como não tem o veto absoluto, não póde deixar de assignar a lei, quando as Cortes tem assentado que ella deve passar, e publicar-se, visto que as razões do Rei não erão suficientes para estorvar o expediente da lei. Diz-se que a lei deve ser publicada pelo ministro na forma que propoz o illustre Preopinante, isto parece pouco conforme; apparecerião n'um código leis do mesmo reinado, umas assignadas pelo Rei, e publicadas em nome delle, e outras não publicadas por elle. Isto he sem duvida pouco conforme, e de certo he uma imperfeição n'um código de leis. De mais a mais, o que o Preopinante aponta he muito perigoso. Que conceito se pede; fazer de uma lei publicada por um ministro, por um secretario do Governo, a par de outras publicados, e assignadas pelo Rei? Isto dá uma idéa de que o Rei está em perfeito indisposição com as Cortes ; não he decoroso, e de mais póde ser muito perigoso. Eu vejo na Constituição estabelecidos já certos casos em que o Hei ha obrigado a abdicar a Coroa, por isso, mesmo que se oppõe ao que está determinado na Constituição. Não vejo por consequência inconveniente algum para que elle no caso de reluctar contra a assignatura da lei, não tenha também de passar por essa abdicação. De mais, se o Rei tivesse como já disse esta faculdade de dizer não quero assignar a lei, e não assigno absolutamente, não sei que se podesse tirar daqui, senão que elle desobedecia ao corpo legislativo , o desobedecia, tambem á Constituição, uma vez que na Constituição esteja determinado que elle seja obrigado a assignar, ainda mesmo quando tivesse ponderado as razões para o não fazei. Por consequência não posso convir em que haja no mesmo código de legislação uma lei assignada pelo Rei, e outras não assignadas por elle. Não posso igualmente convir em que se supponha o caso de que o Rei posta impunemente deixar de assignar uma lei que as Cortes tem reconhecido por necessária. Por todas estas razões assento que ou o Rei tivesse deixado de assignar a lei, sem dar as razões porque não queria que ella passasse, ou o Rei tivesse dado as razões, e ellas não fossem attendidas pelas Cortes, que em qualquer destes casos, digo, deve estar determinado na Constituição

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que o Rei assigne a lei; porque se a deixou passar sem dar algumas razões para ella não dever passar, suppõe-se que ella de facto a sanccionou pelo seu silencio, e consentimento tacito; e se deu as razões, e não forão attendidas, suppõe-se que ellas não forão attendiveis, e que a lei deve passar, e por isso em todos os casos assento que o Rei deve assignar a lei.

O Sr. Margiochi: - Conformo-me com a opinião do illustre Preopinante. Em todos os casos a Constituição deve mandar que o Rei publique a lei, e no caso delle ainda segunda vez não querer assignar, temos infracção de Constituição. A pena que o Rei e todos os empregados públicos hãode ter por infracções de Constituição, escusamos de discutir, porque está encarregado a uma illustre Commissão estabeleceu as penas que hãode ter os que infringirem a mesma Constituição. Por tanto agora basta dizer que as Cortes mandarão assignar a lei.

O Sr. Braamcamp: - He sem dúvida que a lei deve ser publicada em nome do Rei, porque no caso delle ter posto o véto, e as Cortes desapprovarem as razões que elle poz, fica entendido que deu a sancção; logo reconhecendo nós pelo paragrafo 90 ser indispensavel a sancção do Rei, não podemos dizer que a lei passe sem assignatura delle. Por isso parece que a doutrina do illustre Preopinante deve seguir-se, e he a que está na Constituição de Hespanha, e em outras Constituições, que o Rei deve assignar a lei, porque se a não assigna falta ao seu juramento. Eu creio que o juramento que está na Constituição se adoptará (leu o juramento); logo estando effectivamente determinado que o Rei dará a assignatura, faltando a ella, falta ao seu juramento.

O Sr. Maldonado: - Já se determinou que quando o Rei não sanccionasse, se suppozesse que tinha sanccionado. Muito bem. Elle sancciona dizendo sancciono e publique-se como lei, e neste caso deve assignar por tanto já se suppoz que tinha assignado, sem assignar. Se pois para a sancção se prescindiu da assignatura, e se suppoz que a tinha feito, porque razão para a publicação se não hade suppôr que elle assigna, ainda que não assigne. Por isso deve-se publicar a lei suppondo que a tinha assignado.

O Sr. Peixoto: - E nesse caso quem hade assignar por ElRei?... Se a lei hade publicar-se em nome d'ElRei, como pede a boa ordem, a sua assignatura he indispensavel para a authenticidade do original.

O Sr. Pinto de Magalhães: - As razões que ponderárão não me tem feito mudar de opinião; os que querem que a lei seja publicada em nome das Cortes, querem uma cousa inaudita, e uma doutrina incompativel com o decretado pelas mesmas Cortes. No paragrafo 91, diz-se, que no caso do Rei não dar a sancção no tempo aprazado, ficará entendido que a deu. Aqui pois não se faz distincção do caso em que o Rei não dá a sancção por deixar de a dar, e entre o caso em que o Rei expressamente a nega. Se pois não se faz distincção de casos, antes todos estão abrangidos no paragrafo 91, segue-se que em qualquer delles não querendo o Rei assignar a lei, se entende que elle deu a sancção. Se se entende que elle deu a sancção, está a lei sanccionada, e não deve ser publicada senão em nome do Rei; nem sei que não sejão os effeitos e consequencias as mesmas neste caso se o Rei não tivesse sanccionado a lei. A opinião contraria a esta contem irregularidades manifestas, e funda-se em principios inteiramente oppostos aos primeiros constitucionaes.
Uma lei publicada em nome do ministro, com exclusão de autoridade real, he a cousa mais inaudita que se póde dar. Primeiramente não he o Rei que assigna a lei, mas sim o ministro, o que não he pequena irregularidade; em segundo lugar a inviolabilidade do Rei compromette-se por esta maneira. Por tanto não posso conformar-me com as opiniões dos illustres Preopinantes, e me parece que este caso deveria ser omisso na Constituição.

O Sr. Moura: - Tudo isto he optimo e excellente, e eu subescreveria em tudo ás razões do illustre Preopinante senão estivesse já decidido que não fosse caso omisso; mas isto já está decidido, e por isso não ha senão subjeitalo á decisão.

O Sr. Pinto de Magalhães: - Creio que ha uma equivocação. O que está decidido na acta he que nestes casos as Cortes mandarão publicar a lei, isto he muito differente do que o decidir-se que as Cortes publiquem a lei em seu nome.

O Sr. Borges Carneiro: - Quando se discutiu o artigo 91, se decidiu aquella questão, por quanto se decidiu que a lei será publicada por ordem das Cortes.
Por consequencia ha de agora precisamente tratar-se disso; e até está vencido que não ha de ser a lei assignada pelo Rei, porque se mandárão riscar as palavras: e effectivamente a dará, as quaes importavão outro tanto como a assignatura do Rei; e se mandou que em lugar dellas se pozessem estoutras: e se mandará publicar como lei; e que para agora ficava reservado tratar do modo porque se faria a publicação. Por tanto veja-se o exito que se ha de dar a esta controversia.

O Sr. Macedo: - A intelligencia que o illustre Preopinante quer dar ao que se decidiu no artigo 91, não me parece conforme nem á letra, nem ao espirito daquella discussão. Determinou-se que na hypothese mencionada naquelle artigo se entenderá que ElRei deu a sancção, e que a lei será publicada: mas daqui não se segue que a publicação deixe de ser feita em nome de ElRei; assim como não deixarão de ser publicadas em nome delle aquellas leis que são independentes da sancção real.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu entendia que a tal supposição de que o Rei sanccionou, se admittia pelo facto subsequente delle assignar; porque quem assigna uma lei he signal que a sanccionou; mas o Rei que não quer sanccionar, nem assignar, não sei que possa entender-se, e que se presuma que sanccionou. Estas cousas combinem-nas lá os Srs. como lhes parecer. Está decidido que neste caso se publicará a lei; deve tratar-se do modo; isto não póde ser caso omisso, porque se está decidido que se publique a lei, ha de decidir-se o modo porque se ha de publicar. Lembrárão alguns Deputados que ella fosse publicada em nome das Cortes, e outros que fosse publi-

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cada em nome do Rei. Dizem outros que por força se deve publicar em nome do Rei; mas se se publicar em nome do Rei, he necessario que elle assigne, e nesta hypothese não quer assignar. Talvez fosse melhor assignar a Rainha, como acontecia antigamente quando o Rei estava doente; ou assignar o Principe, uma vez que se supponha que sanccionou sem ter sanccionado; tambem póde suppor-se que se publica sem o Rei assignar, e então publique-se muito embora.

O Sr. Castello Branco: - Trata-se de uma lei Constitucional, de uma das leis as mais serias, e de maior consequencia que este código póde incluir, pois que se trata de estabelecer as obrigações a que o chefe do poder executivo como primeiro magistrado da nação está ligado; e declarar os casos em que elle deixa de exercer as suas augustas funcções, e de occupar este lugar mais eminente da sociedade. Quando se tratão materias desta natureza, he com a maior circunspecção, e a maior seriedade possivel que devemos proceder. Este acto e este exame, he da maior consequencia dos que poderemos tratar. (Apoiado). Nada tenho que dizer sobre os principios que estão estabelecidos. Depois de se ter determinado na Constituição que o chefe do poder executivo será obrigado a assignar a lei, inda que seja contra sua vontade; no caso que elle falte a esta lei Constitucional, não percebo como nós devamos supprir esta falta do Rei, e elle fique sendo Rei, occupando o seu lugar, e continuando a ser chefe da nação, quando tem faltado a uma lei Constitucional, e perdido a opinião publica, he pois este um caso que eu não posso comprehender, e que todavia ha Membros que trabalhão por conciliar cousas inteiramente oppostas. Por consequencia muito embora esteja sanccionado pelo Congresso que este caso não deva ser omisso. Elle na verdade não deva ser omisso. Faça-se na Constituição a declaração que devemos fazer; não hesitemos um momento em fazer esta declaração. Eu estou certo, e a nação está certa do espirito que anima os Membros do Congresso; entretanto se eu via que a nação sanccionava nesta parte outra cousa que não fosse conforme com os seus principios, eu não teria dúvida em dizer, que os Representantes desta nação havião sido fracos, e fazião uma declaração que os podia comprometter. He porém este um caso que eu jamais posso comprehender á vista dos sentimentos, espirito patriotico, e força de opinião, que tem apparecido em todos os Membros deste Congresso. Se isto pois he assim, e a ninguem he licito duvidar, pretende-se a declaração, do que o Rei neste caso se julga ter abdicado a coroa, e que as Cortes mandarão publicar a lei. Por tanto uma vez que se julgue ter o Rei abdicado a coroa, está claro o modo porque a lei deve ser publicada, deve ser pelo successor do Reino, e quando este esteja impedido, pela Regencia que neste caso a Constituição manda estabelecer; por tanto diga-se, que neste caso se julgará que o Rei tem abdicado a coroa, e que a lei será publicada pelos modos ordinarios, isto he, por aquelle que deve ser o chefe do poder executivo.

O Sr. Borges Carneiro: - Tambem se não pode já tratar se se haja de entender que o Rei abdica a coroa; porque havendo eu proposto naquella Sessão que se verificasse esta abdicação ao menos quando o mesmo Rei tres vezes repugnasse sanccionar a lei, foi rejeitada esta minha indicação. Na Constituição d'Hespanha se diz que no caso de que tratamos o Rei effectivamente dará a sancção. Mas se a não der? Deixa isso em silencio. Porque com effeito, tendo o Rei muitas obrigações a que chamamos attribuições, como sanccionar as leis, nomear os empregados publicos, etc. não he decoroso estar ao pé de cada uma repetindo, que se as não cumprir abdica a coroa. Antes em tal caso seria melhor fazer-se um artigo geral, em que se diga que quando o Rei faltar a alguma das suas mais importantes obrigações se entende que abdica a coroa; porém isso não he para este lugar. Por estas razões, voltando á questão sustento o meu parecer, que já referi; pois não sei que se possa fazer a publicação em nome do Rei, quando o Rei recusa assignar-se, e fazei essa publicação: começar dizendo: «D. Fulano por graça de Deos, etc.,: e chegar-se ao fim, e não se achar assignado esse D. Fulano.

O Sr. Moura: - Eu queria apertar mais esta difficuldade. Já não quero que se declare isto no caso de tanta importancia, não seja embora necessario declaralo: o projecto certamente pelo motivo de nos não vermos obrigados a uma demonstração mais forte contra a obstinação do Rei em dar a sancção, suppõe que a deu; não he preciso recorrermos a este expediente violento de o fazer abdicar, porque quando se faz uma opposição tão clara em não fazer o que he da sua obrigação, que he dar a sancção, ou por o veto, certamente abdica a coroa de facto. Mas, vamos ao outro caso, em que se verifica ainda uma mais cega obstinação, e he quando nem põe o veto, nem assigna a lei para ella poder ser promulgada. Tudo se póde prever. Como sairá então o corpo legislativo desta difficuldade? Eu fui aquelle que fiz com que a Assembléa se pozesse na necessidade de declarar a sua opinião neste difficil caso. E uma vez que a Assembléa entender, como não póde deixar de entender, que neste caso ha de haver uma particular decisão, he forçoso estabelecer o modo porque então se ha de publicar a lei, o modo, digo, porque se ha de supprir à assignatura, que elle nega. Nesta supposição julgo eu que necessariamente havemos de recorrer a um expediente em que não existindo de facto a assignatura haja cousa que a suppra.

O Sr. Serpa Machado: - Está decidido que quando o Rei obstar á publicação de uma lei, as Cortes a fação publicar; resta agora tratar simplesmente da formula. Eu não acho repugnancia nenhuma em que tendo-se já decidido que as Cortes hajão de publicar a lei, se deixasse ás Cortes o estabelecer o modo da sua publicação, o escolher o modo mais facil para isto; e quando se queira impreterivelmente estabelecer este caso, não desconviria em que a publicação se fizesse em nome do Rei; e que assim como se lhe supre a sancção, se lhe supra a assignatura; porque nós já sanccionámos que se suprisse a sancção ainda mesmo quando elle se calla, e não dá razões.

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E se a Assembléa já nesta hypothese interpretou os sentimentos do Rei, havendo a lei sanccionada, faça agora o mesmo havendo a lei por assinada, e publicando-se em nome do Rei.

O Sr. Annes de Carvalho: - O illustre Preopinante dá mais arbitrios; primeiro que o caso fosse omisso; segundo que as Cortes supprão a falta de assinatura bem como a sancção. Quanto ao primeiro, he claro que não póde ter lugar, porque o modo de supprir a assignatura foi caso que se decidiu que não fosse omisso, e por tanto he necessario que se declare aqui. Quanto ao segundo arbitrio acho que corresponde ao arbitrio daquelles que dizem que as Cortes mandassem publicar a lei em seu nome: por isso este segundo arbitrio está exposto aos mesmos defeitos que tem o parecer daquelles que dizem que se publique em nome das Cortes. Eu fui de opinião que a lei se publicasse em nome das Cortes, mas as razões que se ponderárão são tão fortes, que não tenho duvida em retractar a minha opinião, e digo que não deve publicar-se em nome das Cortes; tambem não me agrada se publique em nome do ministro, muita menos em nome do Rei, sem elle assinar, porque isto só se verifica quando elle está embaraçado fisica ou moralmente; e por isso subscrevo a opinião dos que dizem que neste caso se julgue ter o Rei abdicado a Coroa.

O Sr. Pinheiro de Azevedo: - São dois actos muito differentes a sancção, e a publicação da lei, posto que ambos pertenção ás exclusivas funcções do Rei. Se ElRei não sancciona a lei nos prazos determinados, está dada tacitamente a sancção, ficando este acto completo: a assignatura do Rei pertence ao acto da publicação, e não da sancção; pois que o Rei assigna as leis que agora fazemos, posto que as não sanccione, e da mesma sorte asssignará as que fizerem as Cortes ordinarias em objectos de sua exclusiva autoridade. Mas supponhamos que o Rei depois disso receia assignar, digo que a Constituição não deve tratar deste caso, porque ainda que seja possivel absolutamente, he com tudo moralmente impossivel; pois he necessario que o Rei tenha perdido o juizo para se obstinar a não querer praticar um facto, qual he a assignatura, que pertence ao mero acto da publicação e sancção da lei: e se tal he o caso, como ninguem póde duvidar, não se deve providenciar na Constituição. Este o meu parecer.

O Sr. Annes de Carvalho: = Não sou de opinião de um illustre Preopinante que disse, que ficaria imperfeita a Constituição senão se providenciasse este caso. Ha muitas Constituições perfeitas em que elle falta; mas já que estamos nestes termos, he preciso providencia-lo. Um illustre Preopinante disse, que esta hypothese não era possivel, mas o Congrego foi de opinião contraria, disse que esta hypothese era possivel. Sendo reconhecida a possibilidade da hypothese, como he que se ha de desatar a difficuldade? Disse o illustre Preopinante, que então teriamos remedio, que se usasse do mesmo arbitrio, que se praticava agora, quando o Rei publica a lei das Cortes actuaes, que não necessitão da sua sancção. Vamos a ver se este remedio he efficaz. Quando se promulgão as leis feitas pelas Cortes actuaes, o Rei assigna realmente na promulgação das leis, o Rei assigna estas leis; por consequencia dizer o Preopinante que se proceda do mesmo modo, he o mesmo que dizer que o Rei assigna: mas nós suppomos que o Rei não assigna, por consequencia o illustre Preopinante apontou um remedio para o Rei assignar, quando realmente não quer assignar.

O Sr. Arcebispo da Bahia: - Levanto-me para apoiar as luminosas idéas do Sr. Pinheiro de Azevedo. Estamos no caso de que o Rei não querendo sanccionar a lei se lhe apresenta para assignar. A assignatura he, para assim dizer, uma condição sem a qual não póde a lei publicar-se; o Rei na assignatura não fica compromettido, por isso que negou a sancção; por tanto não ha de ter duvida em assignar.

O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Vou responder ao illustre Deputado que se oppoz ao meu parecer. Diz elle ter eu affirmado que a hypothese de não querer o Rei assignar a lei, era impossivel; accrescentando que a tinha por moralmente impossivel, o que agora confirmo. Se a assignatura pertence ao mero acto da publicação, se o Rei assignado a lei, não mostra por isso que a approva, que a auctorisa, que a julga boa, e que tem nella alguma parte, como he possivel, sem o suppôrmos não digo temerario, mas verdadeiramente louco, que recuse praticar um facto, que o não expõe? Mais provavel he a hypothese de o Rei não nomear ministros, conselheiros, generaes, de augmentar o exercito, e as forças de mar; de fazer allianças, sem autoridade das Cortes, etc., e com tudo não se acautela isso na Constituição. Se pois deixamos o que he provavel, ou ao menos duvidoso, como queremos providenciar o que he moralmente impossivel? Diz o illustre Deputado, que o Congresso reconheceu a possibilidade desta hypothese. Eu declaro que não reconheceu. Decidiu-se na verdade que as Cortes mandassem publicar a lei, quando o Rei recusasse publicada, caso que eu tambem julgo que não ha de acontecer: mas sobre o formulario e assignatura nada está decretado, e disso he que agora se trata. Em fim quando eu dizia que o Rei assigna as leis que não sancciona, era para provar, como provei, que a assignatura pertencia ao acto da publicação, e não da sancção: mas não falei nisso como arbitrio, o que falsamente se suppõe. O arbitrio que dei, e que confirmo, he que na Constituição se não trate deste caso, que eu tenho como moralmente impossivel.

O Sr. Castello Branco: - Senão estivesse estabelecida a divisão dos Poderes legislativo e executivo, eu poderia olhar com indifferença a assignatura do Rei; entretanto não posso convir nesta indifferença, supposta a divisão dos Poderes. Sei muito bem que são cousas differentes a sancção, e assignatura da lei; mas tambem sei, que a lei para obrigar, para se considerar verdadeiramente como lei, depende de differentes actos. Ha a factura da lei, que he um acto do Poder legislativo, ha a sancção da lei, que he uma especie de ingerencia, ou uma parte que o Rei tem na mesma lei, e ha a publicação da lei. Que importa, que a lei esteja sanccionada, ella não obriga por

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isto só, uma vez que não he promulgada pela fórma que a lei constitucional determina. Ora, está determinado, que a lei não póde ser publicada sem que o chefe do Poder executivo á assigne, e com razão está assim determinado. A promulgação da lei he forçosamente a que o chefe do Puder executivo faz á Nação de uma regra pela qual cada um dos cidadãos deve regular as suas acções. Os cidadãos não podem estar persuadidos de que aquella he a lei que dimana do Poder executivo, sem um acto solemne que he a assignatura, logo não póde prescindir-se da assignatura; não póde haver meios de suprir esta assignatura, pois que deve ser feita pelo chefe do Poder executivo, o qual tem na primeira das suas attribuições o promulgar as leis, isto he, declarar á Nação e aos Cidadãos as regras pelas quaes elles devem regular as suas arções. Por consequencia inda que seja differente a assignatura da sancção, com tudo he um acto, o qual deve intervir na publicação das leis, e sem o qual, ella não póde ser lei. Dizem os illustres Membros que o caso que supponho he moralmente impossivel; mas não podem dizer que elle he absolutamente impossivel. Elle póde muito bem acontecer; entre tanto, como he um caso extraordinario, eu convinha e tinha sido minha opinião de ser preciso visto que o caso não póde ser omisso, declarar as regras que nos devem dirigir nesta materia, e estas regras assento eu, que não pódem ser outras, senão aquellas, que se derivão dos principios que são a base do systema constitucional.

O Sr. Bispo de Béja: - A doutrina comprehendida neste artigo deu occasião a discutir-se um ponto que se julgou não dever ficar omisso na Constituição: a saber, se o Rei não quizer positivamente sanccionar a lei, e mandala publicar, qual deve ser a determinação que neste caso se deve formar? Tem sido varios os pareceres dos illustres Preopinantes. A minha opinião he, que a lei deve ser publicada em nome do Rei, e que se deve observar exactamente tudo o que se acha prescripto neste artigo. A lei he a vontade dos cidadãos declarada pela pluralidade absoluta dos votos dos seus representantes. A diversidade de pareceres de alguns dos representantes não destroe a generalidade da vontade dos cidadãos, pois he da natureza de toda a sociedade, o julgar-se determinado por toda ella, o que for resolvido, e determinado pela maior parte. O Rei na factura das leis he tambem um dos representantes da Nação; goza porém de um direito singular, o qual consiste em interpor o seu voto examinando e revendo a lei depois de ter sido decretada pela pluralidade dos representantes; e a este direito he que, a meu ver se dá o nome de sanccionar; logo na qualidade de representante necessariamente se deve considerar envolvida a sua vontade na da pluralidade. Póde sim o Rei allegar as rasões, que julgar justas e racionaveis para dever supprimir-se, ou alterar-se o decreto; porém se aos dois terços dos Deputados parecer, que sem embargo dellas deve o decreto passar como estava, e sendo novamente apresentada ao Rei, não quizer dar-lhe positivamente a sancção; então immediatamente a lei fica sanccionada, e desenvolve toda a sua força, a qual estava tão somente suspensa em quanto não passava o prazo concedido ao Rei para interpor o seu voto, ou sanccionar a lei; o que como já adverti, entendo ser a mesma cousa. Porém ainda neste mesmo caso repugna, em consequencia do principio já estabelecido, não se considerar a vontade do Rei identificada com a vontade do pluralidade dos representantes, que formárão o decreto: assim como justamente se considera na mesma envolvida a daquelles representantes, que na discussão e approvação da lei forão de parecer contrario ao da pluralidade. Pouco importa, que o Rei expressamente declare que não quer sanccionar e assignar a lei: não se deve fazer caso de uma tão impertinente opposição, pois isto seria querer e não querer ao mesmo tempo, o que he manifesta contradicção. Estas as rasões em que me fundo para sustentar que no caso proposto se deve observar o que se contém no artigo sem alienação alguma essencial.

O Sr. Maldonado: - Nós vamos a tratar de modo porque se ha de publicar uma lei, que o Rei não quiz assignar. Dizem uns que seja publicada em nome do Rei, e outros em nome das Cortes. Para ser publicada em nome do Rei, he necessario que haja uma forma differente, o Rei diz que não quer sanccionar; que não quer publicar a lei; quem a ha de cumprir então? He necessario pois acautelar este caso, e ver o methodo porque a lei deve ser publicada. Em quanto ao methodo assento no que diz o Sr. Castello Branco: Quando o Rei insistir em não querer assignar a lei, que então se considere ter abdicado a coroa, e neste caso fará as suas vezes o successor da mesma coroa, e se publicará a lei em nome delle; de outro modo teremos uma contradicção; e vem a ser, que as Cortes hão de publicar a lei sem a firma do Rei, quando as Cortes como he manifesto a todos não tem o poder executivo. He pois o meu voto que quando o Rei se obstinar em não querer assignar a lei se julgue ter abdicado a coroa, e que passando o poder executivo para o immediato successor, este faça as suas vezes.

O Sr. Peixoto: - Restringir-me-hei ao ponto controvertido. Uma vez que a Constituição diga por palavras perceptiveis, que ElRei publicará a lei, já a publicação não he caso omisso, nem carece de outra providencia especial. ElRei ha de jurar a Constituição, ha de prometter cumprila, e ha de responsabilisar-se pelo caso de resistencia. Ora pois, que fará ElRei, quando recusar a sua assignatura para a publicação de uma lei já sanccionada pela maneira estabelecida na Constituição? Commette sem duvida uma violação do seu juramento, e incorre na responsabilidade, que a si mesmo impoz. Concordo, em que a hypothese contem uma impossibilidade moral, e me persuado, que se elle por desgraça se realisasse, então o facto, ou por outra, a força, e não o direito decidiria o conflicto dos dois poderes. Com tudo, apezar destas considerações, se o Congresso tem decidido, que neste lugar da Constituição se exprima especificamente o progresso, consequente á supposta resistencia, pela minha parte estou a esse respeito mui longe do escrupulo de um illustre Preopinante, a quem pareceu indecoroso, que a lançasse a ElRei

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em resto a clausula geral do juramento, applicando-a a uma especie mui determinada, que nada offende o decoro da Magestade. Terei pela contrario todo o escrupulo, em que a abdicação se deixe em geral ao juizo das duas terças partes das Cortes, como o mesmo honrado membro lembrou: he este um ponto do maior melindre, e nelle jamais poderá ter lugar o arbitrio, seja de duas terças partes dos Deputados, seja de tres quartas partes, que nessa faculdade fique um principio, que ameaçará sempre a ruina do edificio que estamos construindo.

O Sr. Bettencourt: - Feita a lei resta executar-se. Todas as questões que se tem desenvolvido são para salvar a grande difficuldade que haveria se com effeito houvesse um meio termo de illudir a publicação das leis, uma vez que se deixasse ao arbitrio do Rei o poder ter algum procedimento para que effectivamente se não cumprissem e executassem as leis; o que seria dar-lhe o veto absoluto, o que nós temos sanccionado que elle não tenha. He pois o estado da questão sobre o modo de executar e publicar as leis. Está já prevenido, que quando o Rei não dá a sua sancção ou expressa, ou tacitamente, a Constituição tem prevenido este caso, supprindo a sancção, julgando que ElRei a deu; falta considerar o caso em que supprida a sancção, elle a não publica. Está decidido, que este caso não fique omisso, nem o deve ficar porque de outra maneira era escusado tudo quanto se tem dito sobre esta materia. He da obrigação do legislador o prevenir tudo quanto possa acontecer. Por tanto deve prevenir este caso, e he escusado o eu estar a cançar a Assembléa mais sobre esta materia. Quando o Rei nega a sua sancção a uma lei, expõe as razões que tem para não publicar esta lei; as razões voltão ás Cortes, se são desprezadas pelas Cortes, e estas effectivamente mandão, que a lei seja publicada, e a não publica, no meu pensar o Rei tem infringido uma lei constitucional; por isso mesmo que todas as vezes, que nos governos representativos as leis não tiverem aquellas qualidades que devem ter, de serem discutidas, feitas, sanccionadas, executadas, e publicadas, está cortado o nó destes governos representativos, não temos lei, porque nunca póde haver lei, sem ser executada, e não póde executar-se, sem ser publicada. Uma vez pois, que o Rei não queira assignar e publicar uma lei, tem quebrantado a Constituição, e por esta infracção de lei fundamental de facto perdeu a coroa, porque elle vai transgredir todo o nexo dos governos representativos. Tendo o Rei por si mesmo abdicado a Coroa, qual he o modo de fazer publicar a lei? He passando a fazer o progresso da successão, e então o successor deve fazer com que a lei se publique, este he o meu voto.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu supponho que os Preopinantes se esquecem do que está resolvido, e requeiro que se leia a acta. Deve-se tratar hoje precisamente do modo porque se hade publicar a lei, quando o Rei effectivamente insiste em não a mandar publicar. Esta hypothese já se suppoz; ninguém hontem a julgou impossivel; só hoje se julga, e por isso requeiro que se leia a acta. Nós tratamos de um caso em que a lei he levada ao Rei para a assignar e publicar, pela segunda vez, e elle diz que a não quer publicar. Neste caso já resolverão as Cortes, que ellas deverião mandar publicar a lei, isto está na acta resta só resolver sobre o modo. E então como se pretende que este caso seja omisso? Porque he impossivel? He hoje que se diz, quarta feira, não se disse. Diz o illustre Preopinante; o acto de publicar e sanccionar são duas cousas distinctas; isso ninguem duvida, mas não se remedea o caso. O Rei não sanccionou a lei? Suppõe-se dada a sancção, porque com effeito a lei póde passar sem a sancção expressa da parte do Rei; mas sem assignatura para a publicação, não póde ella passar. Suppõe-se a possibilidade delle não querer sanccionar; e hade-se suppor impossibilidade de não querer assignar? Quando não sancciona he facil o remedio; suppõe-se que elle sanccionou, porque póde passar-se sem esta sancção expressa. Se fosse possivel dizer-se elle assignou, já a questão tinha acabado, mas isto he que não póde suppor-se. Diz-se, fique, isto para as Cortes que vem; he o que eu acho uma indignidade. Pois as Cortes hão de declarar o modo de publicar a lei, isto he, o modo porque a lei hade obrigar, e não se hade suppor na Constituição o caso do Rei a não querer assignar, caso que a Constituição de Hespanha, e outras Constituições deverião suppor se acaso nellas houvesse o veio, como ha na Constituição de Portugal? Dizem que então está o Rei doudo. Mas tambem está o Rei doudo se elle for para fora do Reino sem licença das Cortes? Não. A minha opinião era pois, que a lei fosse publicada pelas Cortes; e visto que elle não quer concorrer para a formatura della, por meio da sua sancção e publicação, nada mais natural do que... Mas, diz-se, isto he muito máu, porque o Rei fica indisposto com as Cortes; pois então se isto he mau, faça-se a publicação pelas Cortes em nome das mesmas Cortes, e assignada a lei pelo Presidente. Isto me parece menos odioso, e menos violento do que declarar a abdicação da coroa. Entretanto se assim se não decidir, voto pela abdicação; e voto que isto se declare muito expressamente e desde já, porque he um caso de muita importancia. O Estado não póde viver sem leis e para haver leis he necessario publicação.

O Sr. Serpa Machado: - Trata-se do modo por que a lei deve ser publicada. Um dos argumentos mais fortes parque a lei não póde ser publicada em nome do Rei era o dizer-se que havia uma supposição falsa, e confundiu-se a publicação da lei, e a assignatura della. A publicação da lei he um acto do ministerio, e para isto temos os ministros responsaveis. A questão porém he outra, e vem a ser, se a assignatura do Rei he qualidade essencial, sem a qual senão póde fazer a publicação. Não ha inconveniente nenhum em que a lei se publique sem assignatura, e para isto talvez poderei produzir algum exemplos. Por ventura a Regencia do Reino não publicou immensas leis era nome do Rei? O Governo provisorio não fez também disposições, e leis sem a assignatura do mesmo Rei? Fez. Logo então a assignatura não he qualidade essencial para fazer a publicação das leis. Se pois a assignatura não he qualidade essencial, não acho repu-

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gnancia nenhuma em que se estabeleça o methodo por que ella se suppra fazenda responsavel o ministerio pela sua publicação e circulação, e até porque dissemos que a publicação se havia de fazer na chancellaria, o que he um acto do ministerio, e com o qual não tem nada o Rei. Disse eu que poderia considerar-se como caso omisso o modo da publicação das leis deixando isto para as Cortes futuras. Era isto uma consequencia de se terem adoptado no Congresso que ás Cortes futuras ficaria o arbitrio de diminuirem o tempo em que o Rei devesse dar a sua sancção nos casos urgentes. Por tanto não achava inconveniente em que este caso se deixasse ás Cortes futuras para assim irmos conformes com o que se tinha abraçado. He pois a minha opinião, que as Cortes mandem publicar a lei, e que se suppra a sua assigantura pelo mesmo modo que se tem supprido em outros casos, porque a assignatura não he qualidade essencial para a publicação das leis.

O Sr. Macedo: - A opinião do illustre Deputado teria lugar se acaso se referisse á hypothese de não haver certeza de ElRei querer negar a sua assigantura; mas não na hypothese que se tem figurado, isto he quando o Rei absolutamente recusa assignar a lei. Seria um absurdo manifesto que, havendo a certeza de não querer o Rei prestar a sua assignatura, se publicasse a lei em seu nome. Por tanto a minha opinião conformando-me com a que tem expendido alguns illustres Deputados, he que ao Rei não deve ficar livre o deixar de prestar a sua assignatura; mas, que em todos os casos, ou será passado o tempo, em que elle deve sanccionar a lei, ou quando a lei for independente da sancção real, deve ser determinado pela Constituição que elle precisamente a assigne: e para que esta determinação se não torne inefficaz, seria conveniente declarar, que quando ElRei absolutamente não quizer assignar a lei contra o que está disposto na Constituição, se julgará ter abdicado a coroa.

O sr. Braamcamp: - Logo que este caso se verifique, faltou ElRei ao juramento, uma vez que esteja expresso na Constituição que elle he obrigado a assignar a lei: faltando a esta determinação da Constituição; e então está no caso geral de todas as infracções de Constituição. Não vejo necessidade de declarar este caso.
O Sr. Fernandes Thomaz: - Accommodo-me com a opinião do Sr. Braamcamp, com tanto, que no lugar competente se declare, que todas as vezes que o Rei faltar ao juramento tem abdicado a coroa; mas isto deve-se decretar já, e escusa haver novas discussões.

Declarada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente a votação, se na hypothese dada, a lei deve ser publicada pelas Cortes em nome do Rei, e assignada por elle ou por aquelle em quem recair o poder executivo - e venceu-se que sim.

Passou-se a discutir o artigo 94, concebido nestes termos: a lei começará a obrigar no fim de quinze dias, contados, quanto ao Reino de Portugal, desde aquelle em que for publicada no diario do Governo; e quanto ás Ilhas adjacentes e ao Ultramar, desde aquelle em que for publicado na capital da respectiva provincia ou governo.

Terminada a leitura deste artigo, disse

O Sr. Maldonado: - Este artigo contém duas partes; na primeira indica-se quando a lei começa a obrigar dentro do Reino; na segunda quando começa a obrigar nas Ilhas adjacentes, ou nas provincias ultramarinas. Diz-se que a lei começa a obrigar em Portugal dentro de 15 dias depois de publicada na capital; diz-se que começa a obrigar nas ilhas adjacentes no dia em que se publicar na capital daquella provincia, e do mesmo modo em todo o Ultramar: isto parece-me injusto. Não sei porque modo ha de constar em toda a provincia a publicação desta lei no mesmo dia em que se publicar na capital della? E parece que a mesma razão que ha para que a lei se obrigue em Portugal dentro de 10 dias, ha tambem para que assim aconteça nas provincias ultramarinas; e nesta conformidade se deve emendar o artigo.

O Sr. Pinto de Magalhães: - Eu proponho a suppressão do artigo 94. por differentes principios: primeiro, porque acho que a materia delle não devo fazer uma lei Constitucional. A Constituição não deve occupar-se em descrever senão a demarcação dos differentes poderes, e nada mais. Em segundo lugar, a materia deste paragrafo pela sua natureza está sujeita a diversas mudanças, e póde muito bem a utilidade publica pedir que se altere a sua doutrina. Em terceiro lugar, as outras nações tem deixado esta materia para ser regulada no codigo civil. Por todas estas razões assento, que o artigo deve ser supprimido.

Procedendo-se á votação, decidiu-se que devia supprimir-se o artigo.
Passou-se ao seguinte artigo 965. A regencia do Reino ou o regente, quando os houver (art. 124., 126.) terão sobre a sancção e publicação das leis a mesma autoridade que fica determinada a respeito do Rei.

O Sr. Borges Carneiro disse que a doutrina do artigo lhe parecia muito sã, mas que estava m alguma contradicção com o artigo 29 das bases, em quanto dizia que as Cortes quando nomearem regencia prescrevêrão o modo porque então se ha de exercitar a sancção das leis. Se pois agora (continuou o orador) determinar a Constituição esse modo, fica tirado áquellas Cortes a faculdade de o fazer.
Chamo por tanto a attenção da Assembléa sobre conciliar-se esta dissidencia.

O Sr. Braamcamp observou que se tiraria de alguma maneira a contradicção, supprimindo-se a palavra sancção.

O sr. Xavier Monteiro: - Eu sou de opinião que o artigo das bases passe para este lugar; porem que se faça uma pequena ampliação para occorrer a casos que nos aprecem agora impossiveis, mas que podem ter lugar no futuro; e vem a ser: a Regencia do Reino, quando a houver, terá sobre a publicação das leis a autoridade que as Cortes de então lhe concederem; porém esta nunca poderá ser maior que aquella dada ao Rei nesta Constituição.

Procedeu-se á votação sobre o artigo 95, e pro-

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pondo o Sr. Presidente se devia supprimir-se ou conservar-se, pondo-se em harmonia com as bases - venceu-se que se conservasse. Propoz mais o Sr. Presidente, se devia ser concebido deste modo: a Regencia do Reino terá sobre a sancção e publicação das leis a autoridade que as Cortes lhe designarem (ficando com tudo salva a emenda proposta pelo Sr. Xavier Monteiro) - venceu-se que sim. Ultimamente propoz se se approvava a emenda - a qual não será maior que a que se concedeu ao Rei - e venceu-se que sim.

O Sr. Bastos apresentou umas addições aos artigos 96, e 97, as quaes se mandarão reservar para terem a 2.ª leitura na sessão da segunda feira 12 do corrente.
Passou-se ao artigo 96, e depois de uma breve discussão sobre approvar-se tal qual estava ou supprimir-se, venceu-se que se approvava da mesma fórma porque está concebido, e he a seguinte: As disposições até aqui estabelecidas sobre a formação das leis, se observarão do mesmo modo quanto á sua revogação.

O Sr. Macedo propoz que era necessario declarar a formula que devia usar-se na publicação das leis, em que o Rei não tem a sancção, segundo os casos referidos no artigo 92; e procedendo-se á votação decidiu-se que fosse a mesma do artigo 93, tirada a palavra sanccionamos.

Ficou para 2.ª leitura a seguinte indicação do Sr. Miranda:

Os povos serão tanto mais livres e felizes quanto menos pontos de contacto tiverem com as autoridades que os governão, e serão tanto menos opprimidos quanto mais simplices forem a distribuição, e arrecadação dos tributos; por tanto proponho:

1.ª Que se ordene ao Governo faça suspender os lançamentos da siza, até se acharem eleitas as camaras na conformidade do decreto que ha de ser expedido pelas Cortes.

2.° Que logo que as camaras estiverem assim eleitas, procedão a fazer os referidos lançamentos, na conformidade das leis, aos quaes ellas presidirão sem que por isso recebão salario ou emolumento algum, assim como os repartidores louvados, que para esse effeito nomearem.

Em addittamento a esta indicação propoz o Sr. Borges Carneiro a seguinte, que se mandou unir áquella:

Em caso de não passar a indicação do Sr. Miranda sobre serem os lançamentos das sizas feitos sob a inspecção das camaras, sem ingerencia dos ministros, proponho Que nos lugares onde, por serem terras de juizes ordinarios, vão os corregedores, ou provedores presidir aos lançamentos, presidão os mesmos juizes ordinarios, que vencerão pela presidencia o emolumento costumado.

O Sr. Fernandes Thomaz deu conta do offerecimento que fazem de um dia de soldo, na importancia de 73$540 reis, para o monumento constitucional do Rocio, o coronel do regimento de cavallaria n.º 8, José Ayres da Maia e Vasconcellos, com os officiaes, officiaes inferiores e soldados do mesmo regimento, o que se ouviu com especial agrado, e se mandou remetter ao Governo para proceder na fórma do estilo.

Mandou-se reservar para segunda leitura a seguinte indicação do Sr. Ferreira da Silva.

Foi creada no Rio de Janeiro, por decreto de 1820, uma relação para a provincia de Pernambuco, e logo forão providos os lugares desta em magistrados, e pessoas residentes no Rio de Janeiro, ficando paralizada sua remessa logo que ElRei jurou as Bases da Constituição, sem que até hoje tenha chegado a Pernambuco.

Os povos por esta falta tem soffrido, e continuão a soffrer damnos, e incommodos infinitos, pois que só podem recorrer das justiças daquella provincia para a Relação da Bahia, distante duzentas legoas, onde raras vezes tem conseguido os fins desses recursos, já por não serem apresentados no tempo marcado pela lei, já por não terem meios, e correspondentes, que solicitem demandas em uma provincia tão distante, sendo-lhes mais facil sujeitarem-se a sentenças injustas, em prejuizo de seus bens, e liberdade, do que tentarem um meio, de que não tirão outros resultados, que segundas perdas, despezas, e incommodos.

Proponho por tanto que se diga ao Governo, que immediatamente faça remetter aquella relação já creada para Pernambuco, pois que não parece justo que por mais tempo os povos daquella Provincia, sejão privados de um tribunal de que tanto percisão.

Leu o Sr. Secretario Freire e foi approvado um parecer da Commissão de fazenda para se remetterem á Commissão de agricultura as informações que se pedirão ao Governo, sobre o requerimento da camara da villa de Almodovar, e que pertencem áquella Commissão.

Tambem se approvou outro parecer da Commissão de fazenda, de que deu conta o mesmo Sr. Secretario, expondo a razão da demora no expediente do requerimento dos officiaes da Secretaria d'Estado dos negocios estrangeiros e da guerra.

Fez-se a segunda leitura das seguintes indicações

1.ª Do Sr. Aragão: - Na sessão do dia 19 de Julho, ex vi de projecto discutido, se houverão por extinctos os inspectores d'agricultura da ilha da Madeira, e havendo duvida, quanto aos ordenados, se deliberou o constante da acta, que requeiro se leia, ou que para isso se designe dia certo, a fim de que observada a mesma, se consiga o principal motivo do projecto que dei; nada tão injusto como manter-se á custa do Estado dois individuos, conhecida já a sua inutilidade, basta e he grande favor e muita misericordia não se lhes exigir o que mal e indevidamente tem recebido desde que forão inspectores.

Reservou-se para quando fosse presente o seu autor.

2.ª Do Sr. Pimentel Maldonado: - Observa-se com grande vergonha dos paizes catholicos, que naquelles que o não são, se tratão com maior acatamento os dias santificados; sendo mui natural que se respeite mais o que menos se vulgariza. A sabia economia da primitiva Igreja, o espirito verdadeiramente evangelico daquella idade, veio a degenerar nos seculos posteriores em multiplicidade de festas religiosas, em apparatos de culto, e n'um ocio, que se denomina santo, e que desgraçadamente o não he. Se-

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gundo a opinião de alguns theologos, permittia-se na Igreja nascente que se trabalhasse aos domingos. Cuidadosos em fortificar as doutrinas do divino Instituidor, os Patriarcas do christianismo se esmeravão em que os costumes fossem puros, em que o interior fosse santo, em que as virtudes christãs servissem de exemplo ao mundo, e cuidárão pouco nestes pomposos exteriores de religião, que com o andar dos tempos se forão amontoando. He doloroso que se estorvem os agricultores, e os artistas na justa diligencia com que procurão manter-se mais abastadamente, por meio de seus trabalhos e industria. O que succede nestes dias privativamente religiosos? Quasi todos os operarios consomem muito mais que nos outros dias; a paz domestica perturba-se; divertimentos inuteis, e muitas vezes viciosos, tomão o lugar das praticos piedosas; debilita-se a saude desta parte de cidadãos, que necessita de tanto vigor; e o tranquillo prazer, que devia acompanhar um moderado descanço, convertesse em disturbios e rixas. Além disto a decadencia da agricultura, o atrazamento das artes, a desafeição que se toma ao trabalho, e a perda enorme que faz o Estado, são males de tamanha consideração, que nos cumpre providenciar sobre o modo de diminuir o excessivo numero de dias santificados. Fundado nisto, requeiro que entre as graças que se tem de supplicar ao Romano Pontifice, se lhe peça:

Que exceptuados os Domingos, reduza todos os mais dias santificados tão sómente ás festividades seguintes: o nascimento de Nosso Senhor Jesu Chisto, a Ascensão, a Annunciação, a Epiphania, o Corpo de Deus, a Padroeira do Reino, e o dia de todos os Santos.

Requeira outrosim, que as Cortes decretem que o poder secular não se intrometia mais em fazer effectiva similhante santificação, por dever unicamente competir ao poder ecclesiastico o fiscalizar a sua observancia; não podendo os infractores della serem punidos com castigo algum, que vá além do espiritual.

Foi admittida á discussão.

3.ª Do Sr. Borges Carneiro: - Li ontem no Diario do Governo uma portaria assignada por Ignasio da Costa Quintella, que diz houvera Sua Magestade por bem nomear ao Doutor Frei Francisco de S. Luiz, Bispo Coadjutor e futuro successor do bispado de Coimbra, concedendo-lhe outrosim a futura successão do cargo de Reformador Reitor da mesma universidade, que ora exerce e tem exercido tão distinctamente o reverendo Bispo D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho.

Com quanto reconheço e louvo o bom serviço do dito Secretario d'Estado, não posso deixar, no principio em que estamos da nossa regeneração politica, de pugnar pela estricta observancia das leis, e de tudo o que póde fomentar à mesma regeneração. Em primeiro lugar, tenho por contraria ás leis do Reino, e ao bem publico a accumulação dos dois cargos, um dos quaes pelo testemunho mesmo do Concilio Tridentino he superior a hombros de Anjos, quanto mais aos de um homem, que todo se deve entregar ás multiplicadas e importantissimas funcções do episcopado; e o outro tem tambem inherentes muitas e pezadas obrigações, tendentes a manter o bom regimen literario, e administrativo de uma das mais celebres, e ricas Universidades da Europa, o qual regimen no estado de sua presente degeneração muito mais exige todos os cuidados de que um homem for capaz.

Em segundo lugar, não posso deixar de notar, que quando geralmente se conhece que o louvor e lisonja prostituidos aos grandes empregos tem sido uma das primeiras fontes da corrupção publica, e que a censura procedente da liberdade da imprensa he a que se espera venha a ser o melhor correctivo dessa depravação; não posso deixar de notar, digo, que o dito Secretario de Estado trate na dita portaria de dar tão distincto, como intempestivo louvor ao actual Reitor da Universidade, do qual ali se não faria menção senão incidentemente, e quando a todo o Reino de Portugal he notorio, que elle pondo constamemente em pratica a mais despejada arbitrariedade e despotismo, e rodeiando-se de pequenos e corruptos aulicos, tem submergido na maior decadencia e ruina os estudos, e a fazenda da mesma Universidade, oprimindo a muitos dos illustres Lentes della, tirando os meios de subsistencia a outros, dispensando mal, e deixando extraviar enormes quantias do dinheiro, e commettendo outras innumeraveis prevaricações, que por muitas vezes tem feito resoar nas paredes desta sala pungentes clamores, apoiados pelo inexpugnavel testemunho dos illustres Deputados que estavão ao feito dessa mesmas prevaricações. Proponho por tanto: 1.º que se lembre ao Secretario de Estado a obrigação que tem de representar ao Rei os males que resultarão se continuar a verificar-se em uma só pessoa a accumulação dos dois empregos de Bispo de Coimbra e Reitor da Universidade: 2.° que veja bem que louvar em nome do Rei um empregado publico vicioso e relaxado, tanto importa como approvar seus crimes, corromper o nervo da virtude, enfraquecer o melhor estimulo de obrar bem, e escandalisar os bons cidadãos.

Foi rejeitada.

4.ª Do mesmo Deputado: - Venho, Srs., occupar vossa attenção com uma materia a mais importante. Ontem sanccionámos o processo, mediante o qual possa pelo andar dos seculos alterar-se algum artigo da Constituição. Nós temos legislado para o tempo ordinario. Chega porém um dia em que a observancia daquelle processo póde tornar-se fatal á Nação; chega um dia em que entre conceber e emendar, entre mandar e executar, não deve intervir mais que um momento rapido; um dia em que a disparidade dos juizos, a ambição, e a variedade dos partidos suscitados, seja pela má fé, seja pelo temor, resultado inevitavel da natureza de um corpo moral, oppõem innumeraveis obstaculos ás uteis deliberações, e áquella actividade, sem a qual as melhores medidas perdem toda a sua efficacia. He por isso que os Augustos padres de Roma tinhão feito uma excepção á sua lei fundamental: «A salvação da Republica, dizião, he a lei suprema.» E com quanto zelosos guardas da liberdade, abrirão o caminho á dictadura. A Constituição de Hespanha pelo contrario não previu este caso, e permittindo poderem-se relaxar em tem-

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pos de perturbação publica as formalidades que affianção a segurança individual, não permittiu, durante o perigo da patria, alterar-se a estabelecida divisão dos poderes politicos, e suppoz que esta divisão, embora bem combinada durante a paz, deveria igualmente observar-se em tempo de guerra. Napoles, havendo adoptado indistinctamente a Constituição de Hespanha, foi esta uma das principaes causas da sua queda, que tanto deploramos. Observancia da Constituição, dizia sagazmente o Principe Regente e o Ministerio, observancia da Constituição! O Parlamento, inclinando a cabeça, repetia com modestia: Observancia da constituição, Senhor, observancia. Oh miseria grandissima de juizo! O Parlamento de Napoles (seja-me permittido pela importancia do objecto e pela estreitissima relação que tem comnosco, traduzir aqui algumas frazes do autor das causas da queda do Reino constitucional das Duas Sicilias) era um corpo moral formado de muitas cabeças, sabe Deus quantas as illustradas, quantas as de boa fé, quantas sem medo, e sem ambição! Os perigos, innumeraveis na ordem publica e particular: nada menos se tratava que da vida de tantos cidadãos destinados ao desterro e ao cadafalso; da independencia nacional; da liberdade da Italia afllicta. E quando tudo requeria que os Deputados promovessem por breve discurso uma Dictadura ou uma Junta que pozesse em actividade quanto convinha á salvação do Estado, só se ouvião longas orações, pompa da cadeira e do pulpito, consagradas á moderação, que ora he virtude, ora delito; consagradas á escrupulosa observancia da Constituição, como se esta não fosse um codigo de regras para a marcha ordinaria dos povos em tempo de paz, e que não deve servir de obstaculo á salvação da patria. O Principe Regente (continua aquelle escriptor prespicaz) despojado da soberania de direito, porém revestido della de facto pela faculdade de por o velo ás leis, commandar os exercitos, nomear os Ministros e mais empregados; mettido á força no systema constitucional, e observado pelo Parlamento, soube com a arte do calculo ganhar e adormecer os seus guardas; senhor de si e das leis paralizou as operações do corpo politico com os mesmos poderes que se lhe havião confiado para as animar; e então ao recordarem-lhe alguns fieis Deputados com as lagrimas nos olhos o decoro nacional e a salvação da patria, voltando-se para a Deputação do Parlamento, riu-se-lhe na cara, dissolveu o exercito; e agora? Agora nos campos da Magna Grecia está occupado em destruir os Deputados e os con-titucionaes, antes de começarem a caminhar para o exilio e para o cadafalso. Devia ter-se cortado (continua o escriptor) aquella somma de poderes estabelecida na Constituição para o tempo ordinario; devia ver-se que não sendo o Regente um Principe creado de novo, mas um principe hereditario, nenhum interesse tinha em conservar o systema constitucional, e que obrigado a elle por força, convinha consideralo como homem offendido, e por consequencia suspeito; pois se he verdadeiro o ditado, não te fies naquelle a quem offendeste, elle o he mais que nunca quando se offendeu ao homem pela parte da ambição, e da ambição que inspira e poder absoluto sobre o trono.

Até aqui aquelle Escriptor. Feliz quem aprendeu sobre o mal alheio! Corrijamos o funesto silencio da Constituição de Hespanha; e accrescentemos ao artigo 28, que ontem sanccionámos, um artigo que poderá ser concebido estas ou similhantes palavras. Depois do antigo 28 ou onde melhor convier.

«A disposição do artigo antecedente tem lugar em tempo de paz. No tempo de guerra interior ou exterior, depois que as Cortes houverem declarado por duas terças partes dos votos estar a patria em perigo, poderão suspender a execução daquelles artigos da Constituição relativos á divisão dos poderes politicos que julgarem necessario suspender, e proverão como convier á salvação publica.»

Mandou-se imprimir para entrar em discussão.

Leu-se mais, pela segunda vez, uma indicação do Sr. Alves do Rio, sobre a Urzella, e sua administração, a qual conveio o Congresso que se retirasse, como propoz o seu autor, para a reformar; outra do Sr. Ferrão, para se dar uma pensão mensal ao Patriarca pelas rendas da mitra, a titulo de beneficencia, que foi rejeitada; outra do Sr. Borges Carneiro, sobre a extincção da Meza da Consciencia, que ficou reservada para quando se apresentarem os documentos que se mandárão pedir ao Governo, relativos ao mesmo tribunal; outra do mesmo Deputado para se por em observancia a lei relativa ao pagamento na fórma, a qual foi rejeitada; e outra do mesmo Deputado para se declarar nos conhecimentos as quantias de metal e papel, que constarem das guias, a qual foi approvada.

O Sr. Baeta apresentou uma indicação para se apontar ao Governo a necessidade de exigir pronta resposta dos corregedores de Torres Vedras, Barcellos, e Moncorvo, a qual foi approvada, dizendo-se ao Governo que mande dar a razão da demora.
Designou o Sr. Presidente para ordem do dia na sessão ordinaria o projecto dos foraes; e na extraordinaria, que deve principiar ás cinco horas, a proposta sobre a guarda de segurança publica.

Levantou-se a sessão á uma hora e meia da tarde. - Antonio Ribeiro da Costa, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Filippe Ferreira de Araujo e Castro.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor: - As Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que lhes sejão prontamente transmittidas as respostas, que ainda faltão, dos corregedores das comarcas de Torres Vedras, Barcellos, e Moncorvo, aos quesitos da ordem de 11 de Agosto do corrente anno sobre mendigos, devendo juntamente os mesmos corregedores dar a razão de tão longa, e estranhavel demora. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 9 de Novembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

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Para José Ignacio da Costa.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes, e Extraordinarias da Nação portugueza, ordenão que nos conhecimentos, quer no Thesouro nacional, e em todos os mais cofres publicou se passão aos portadores do dinheiro, se especifiquem as quantias de metal e papel, que devem ser declaradas nas guias; e que esta especificação se faça tambem nos livros da arrecadação e da despeza. O que V.Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exc. Paço das Côrtes em 9 de Novembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para Condido José Xavier.

As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, mandão remetter ao Governo, a fim de ser competentemente verificado, o incluso offerecimento, que fazem a este soberano Congresso os officiaes, officiaes inferiores, e soldados do regimento de cavallaria n.° 8 da quantia de setenta e tres mil quinhentos e quarenta reis, em que importa segundo a relação junta um dia de soldo, com o qual contribuem para as despezas do monumento constitucional da praça do Rocio.

O que V. Vm. Levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. m. Paço das Cortes em 9 de Novembro de 1821. - João Baptista Felgueiras

Redactor - Galvão.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

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