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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA

NUM. 222.

SESSÃO DO DIA 10 DE NOVEMBRO.

ABerta a Sessão ás horas do costume, sob a presidencia do Sr. Trigoso, leu-se a acta da anterior e foi approvada.

O Sr. Secretario Felgueiras leu a seguinte indicação:

Na Sessão do dia 19 de Julho ex vi de projecto discutido, se houverão por extinctos os Inspectores d'Agricultura da Ilha da Madeira, e havendo duvida, quanto aos ordenados, se deliberou o constante da Acta, que requeiro se leia, ou que para isso se designe dia certo, a fim de que observada a mesma, se consiga o principal motivo do projecto, que dei: nada tão injusto, do que manter-se á custa do Estado, dois individuos, conhecida já a sua inutilidade; basta, he grande favor, e muita misericordia, não se lhes exigir, o que mal, e indevidamente tem recebido, desde que forão Inspectores. - Aragão.

O Sr. Aragão: - Ontem quando se devia ler por segunda vez esta minha indicação á mezes feita, e relativa aos Inspectores d'Agricultura da Ilha da Madeira, já não estava presente, e por isso ficou esperada; mas a este proposito requeiro o seguinte: sei que na Commissão de Fazenda existem requerimentos dos Sobreditos Inspectores, pedindo a conservação de seus ordenados apezar de se acharem extinctos taes empregos, em consequencia do que rogo, que para ali seja remettida a mesma indicação, para que á vista de tudo se de o parecer, e depois o Augusto Congresso decida com a equidade e justiça que costuma, não sendo outro o meu fim, e desejo. (Resolveu-se que fosse remettida a indicação á Commissão de Fazenda.)

Passou-se á correspondencia official, e o mesmo Sr. Secretario leu os officios seguintes: um do Ministro dos Negocios do Reino, acompanhando uma consulta da Commissão da fabrica das sedas, em que pede ser habilitado para mandar proceder a um segundo leilão das fazendas da mesma fabrica, que por antigas, e avariadas não tem saída: foi remettido á Commissão de Fazenda com urgencia. Outro do Ministro da Marinha acerca dos vencimentos do monte pio de algumas viuvas de officiaes da marinha: foi igualmente remettido á Commissão de Fazenda. Outro do mesmo Ministro, acompanhando um exemplar impresso dos passaportes, que se passão aos navios mercantes, que navegão para fora da costa: foi remettido á Commissão de Marinha, a que devem unir-se os Srs. autores das indicações.

O mesmo Sr. Secretario apresentou a felicitação feita ás Cortes pela camera da villa da Ribeira Grande da Ilha de S. Miguel, de que se mandou fazer menção honrosa. Um opusculo manuscripto intitulado - Continuação das reflexões, que podem ser uteis para a redacção do codigo civil, offerecido ás Cortes por seu autor Vicente Nunes Cardoso, advogado em Chaves, foi recebido com agrado, e remettido á Commissão de Justiça civil. Um requerimento da camara e povo da villa de Vianna do Alemtejo, em que pedem a conservação de um convento de religiosos, que ha naquella villa: foi remettido á Commissão Ecclesiastica de reforma. Uma representação anonyma sobre a administração do pinhal nacional de Leiria: foi remettida á Commissão de Agricultura. Outra representação anonyma sobre a creação de uma fabrica de alcatifas: foi remettida á Commissão das Artes. Uma ecloga latina, offerecida ás Cortes pelo Padre Antonio dos Sanctos Ferreira Risso, professor de latim na villa da Batalha: foi remettida á Commissão de Instrucção publica. Um escripto anonymo sobre os foraes agrarios: foi remettido á Commissão de Agricultura. Uma felicitação, feita ás Cortes pelos Professores de letras da cidade de Aveiro: de que ficárão inteiradas. Um requerimento de Bernardino Rodrigues: que foi remettido á Commissão de Fazenda.

Fez-se a chamada, e achárão-se presentes 97 Srs.

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Deputados: faltárão 24; a saber: os Srs. Quintal da Camara; Ribeiro Silva; Barão de Molellos; Sepulveda; Pessanha; Barros Pereira; Araujo Pimentel; Travassos; Van Zeller; Almeida e Castro; Innocencio de Miranda; Queiroga; Pereira da Silva; Guerreiro; Medeiros Mantua; Gouvêa Osorio; Corrêa Telles; Joaquim de Faria; Isidoro José dos Santos; Manoel Antonio de Carvalho; Gomes de Brito; Fernandes Thomaz; Sande e Castao; Luiz de Mesquita.

Passou-se á ordem do dia, renovando-se a discussão do primeiro artigo do projecto sobre a reforma dos foraes, que tinha sido adiado.

O Sr. Pereira do Carmo: - Qual he a base em que deve assentar a reforma dos foraes? Eis o problema que o Sr. Presidente acaba de offerecer á deliberação do Congresso. Na ultima sessão em que se tratou da materia, mostrei qual foi a origem, indole, e natureza dos foraes: quaes as queixas que em differentes reinados fizerão os povos aos Srs. Reis deste Reino, pedindo a sua reforma: os defeitos daquella, a que se procedeu no reinado de D. Manoel, e rematei com a opinião de que não sendo prudente dar cabo dos fortes por uma vez, em attenção ao prejuizo que soffreria a fazenda nacional, era todavia justo procedermos a uma nova reforma, guiada pelas leis do seculo em que vivemos. Passando então ao primeiro artigo do projecto, concordei na sua base, isto he na reducção das pensões; mas não fui de accordo em quanto ás differenças quantitativas ahi declaradas, porque complicavão o negocio, e fazião presumir differentes foraes; quando o meu parecer era, que devia só haver uma pensão, a de 12, e um só foral para todo o Reino. Cumpre dar agora maior desenvolvimento a esta idéa, mostrando as vantagens, e inconvenientes, que podem nascer da minha opinião. Por quanto se eu provar, que do arbitrio proposto resultão todas as vantagens, e poucos, ou nenhuns inconvenientes, parece-me que tenho resolvido o problema á satisfação do Congresso. Assás temos dado a erudição, agora só devemos tratar esta materia com todo o rigor logico, de que ella he susceptivel. A medida pois, que eu proponho como base da reforma, he que haja só uma pensão, a de doze, e um só foral em todo o Reino. As vantagens que daqui resultão são as seguintes. Primeira, uniformidade nas pensões. Segunda, simplicidade na sua administração e arrecadação. Terceira, beneficio á agricultura na diminuição de encargos, que por tantos seculos tem pensado sobre ella. E em quanto á primeira (uniformidade das pensões) basta lançar os olhos rapidamente sobre a superficie de Portugal para ser immediatamente reconhecido o seu proveito. Não ha uma provincia, uma camara, um terreno, uma vintena, que seja igual ás outras, nestas prestações. E por ventura não somos nós todos subditos do mesmo Rei, governados pelas mesmas leis, e cobertos com a mesma protecção? Logo porque não devemos estar sujeitos aos mesmos encargos? Eu já observei na sessão antecedente, que os foraes erão leis particulares, dadas a cada uma das povoações, não só para fixar os encargos das povoações, mas tambem para prescrever certos regulamentos acerca da policia particular, e governo municipal das respectivas terras; e observei outrosim que por esta legislação se governou Portugal até ás primeiras leis geraes publicadas pelo Sr. D. Affonso II, em 1211: de maneira, que Portugal estava aparcelado em tantos estados, quantos erão os seus districtos. Daqui as cartas de vesinhanças, que erão uma especie de tratado, entre povoação e povoação; daqui as portagens que se pagavão, como se os povos de um mesmo Reino fossem estranhos uns aos outros; daqui finalmente certo espirito particular, e local, em vez de um espirito publico nacional. Mas agora que temos uma legislação geral, agora que esta legislação derrubou essas muralhas feudaes, que separavão um povo de outro povo; os foraes nada mais são do que umas leis fiscaes, porque se arrecadão as jugadas, oitavos, reguengos, e outras similhantes prestações: e então he conforme á natureza das cousas, que sendo uma só a pensão, seja um só o foral. Segunda vantagem (simplicidade na administração e arrecadação das pensões). He necessario ter habitado os campos; vivido entre os lavradores; ter-lhes muitas vezes enchugado as lagrimas, para saber dar valor a esta segunda vantagem do meu projecto. Os officiaes de fazenda começão por opprimillos com liquidações excessivas: seguem-se as cobranças extemporaneas por via executiva, que degenera em demandas eternas; e rematão com salarios arbitrarios. Pois se acontece um varejo nas adegas? Não ha dinheiro que vede os insaciaveis administradores: tudo são oppressões, execuções, e miseria. Eu esqueço-me neste momento de que sou representante da Nação, para me lembrar de que sou procurador dos Lavradores; e, por isso referirei um facto de que ha poucos dias fui testemunha. Um donatario he avisado para mandar cobrar o quarto do vinho a certo lavrador, e respondeu que só o queria em uvas. O bom do lavrador doeu-se desta novidade, mas condescendeu com o senhorio, que levou sua pertenção ao ponto de exigir pôr uma vigia por sua conta, dentro na fazenda do proprio lavrador, para contar os cestos de uvas; fiscalisar, e regatear um caxo que poderia ir de mais nos cestos do lavrador, ou de menos nos cestos do senhorio. Note agora a Assemblea que o donatario se abalançou a tamanho excesso, quando a nossa regeneração politica está ameaçando de todas as parts os grutescos restos da anarquia feudal. Que não faria este senhorio no bom tempo antigo de memoria tão saudosa para elle, e para todos os da sua laia!

Terceira vantagem: (beneficio á agricultura na diminuição dos encargos). Esta verdade he da primeira intuição, e por isso só me demoro em notar que a pensão de doze, que proponho, abrange todas as quotas indicadas no primeiro artigo do projecto: mas observo de caminho, que o Superintendente d'agricultura Alberto Carlos de Menezes (que aliás Concordo n'uma só pensão, e n'um só foral), propõe a de dez, abatidos trinta por cento de todo o monte partivel: com tudo basta para lhe preferir o meu arbitrio a qualidade de mais singelo, e menos sujeito a ser illudido pelos donatarios, rendeiros, e colonos. A voa fé com que entro nas questões, levado unicamente do

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desejo de acertar, me obriga a voltar, agora a medalha pelo avesso, expondo os inconvenientes do meu plano: reduzem-se elles a dois. Primeiro, um remedio igual e uniforme não póde curar males desiguaes: he por tanto necessario correr as provincias, para se conhecer em cada uma as suas diferentes circunstancias fincas, e topograficas, e as qualidades de seus diversos terrenos, para se proceder então á reforma dos foraes, um a um, accommodando-os depois ás localidades respectivas. Segundo, offende-se o direito de propriedade, tratando-se do alivio dos lavradores sem contemplação alguma com os donatarios. Em quanto ao primeiro, respondo: que o arbitrio proposto não he desigual nem no beneficio, nem no encargo. Não no beneficio; porque supposto que os que pagavão quarto, pagando agora doze, lucrão mais do que os que pagavão oitavo, tambem os que pagavão quarto tem sido até agora mais onerados do que os que pagavão oitavo: e em taes circunstancias a medida proposta equilibra a vantagem presente com o desfavor passado. Não no encargo; porque ainda que seja inquestionavel que ha terras mais ou menos ferteis, como a quota indicada não se lança ás terras, mas á sua producção, segue-se que as mais pingues ficão mais oneradas, e as mais fracas mais aliviadas, porque umas produzem mais e outras menos. E eis-aqui pois desvanecido o argumento da supposta desigualdade. Em quanto ao segundo, respondo: que as corporações e donatarios tem abusado escandalosamente da propriedade dos povos. As doações forão feitas com condições onerosas, que o moderno systema militar, civil, e politico fez desapparecer; logo são os donatarios que em rigor devem, restituir aos povos o que de mais lhes tem levado sem titulo justo. Para evitar com tudo o grave transtorno na actual ordem de cousas, cumpre lançar o véo da indulgencia sobre o passado, e por os necessarios meios para acauteler o futuro: he justamente a que se encaminha o meu plano, do qual tenho mostrado que resultão todas as vantagens, e nenhum inconveniente; e por consequencia parece-me ter resolvido o problema á satisfação do Congresso. Proponho por tanto, como emenda ao artigo primeiro do projecto, que haja uma só pensão, a de doze, e um só foral para todo o Reino, bem entendido, ficando livres da prestação aquellas terras que não estão sujeitas a prestação alguma. Que se pague só dos seguintes fructos: trigo, senteio, cevada, milho, e vinho. Que fiquem livres as segundas colheitas, chamadas de revolta, e os fructos de grão semeados nas vinhas. Em quanto porém ao modo de apurar esta pensão, e a qualidade resgatavel, que desde já admitto, reservo falar mais largamente quando se tratar dos artigos correspondentes do projecto.

O Sr. Castello Branco Manoel: - Sr. Presidente, para que continuamos a reproduzir argumentos demonstrativos da necessidade da reforma dos forais. Nas sessões passadas em que se tratou esta materia, a percisão appareceu com tanta evidencia, que parece desnecessario progredir nesta discussão. Será sim talvez ainda perciso discorrer sobre o modo como se ha de fazer essa reforma. Quando se tratou desta materia, disserão uns que a reforma se devia fazer, na fórma que se acha ennunciada no primeiro artigo do projecto; outros opinarão que absolutamente se devião abolir os foraes; e por consequencia os tributos, que nelles são impostos, e que se lhe devia substituir o foro de 5 por cento sobre o valor: e alguns em lugar delles uma decima, ou vintena. Eu refutei todas estas opiniões, e produzi a minha, que consistia em que vistas as circunstancias em que nos achavamos, e serem precisas rendas para a subsistencia do Estado, não se abolissem os foros, mas sim ficassem todos igualmente reduzidos á metade do que actualmente se pagava. Suppuz que assim haveria uma perfeita igualdade; o povo diria: eu que pagava 10 agora só pago 5, etc. Esta medida me parece a mais simples e geral, e que della não podião resultar pleitos, e dissensões. Não vi que algum dos illustres Preopinantes combatesse directamente a minha opinião. Houve um sim, que seguio uma differente marcha, querendo que o lavrador primeiro tirasse todas as despezas da agricultura, e que só do liquido producto da terra pagasse o tributo na fórma que se acha estabelecido. Mas que dificuldades se não encontrão na execução deste arbitrio? Que pleitos não nascerião, e que annos serião precisos para fazer as indagações? Era não só perciso examinar todos os foraes, mas entrar no detalhe, e averiguação da despeza da agricultura em cada um dos tratos da terra, e ainda depois disto seria perciso continuar todos os annos no mesmo trabalho, porque nem sempre a despeza he igual. Poriamos o negocio na maior confusão do que o poz Fernão de Pina: o resultado seria peor do que tiverão as leis de D. Rei D. Manoel de 1520, que não fizerão mais do que augmentar a confusão, a desordem, e os males, que tanto pezão sobre o povo actualmente, como bem reconheceu a carta regia de 7 de Março de 1810.

Desenganemo-nos que sem uma medida geral e simples nada fazemos; a que eu adopto parece-me a melhor; o povo dirá, eu que pagava 4 agora sómente sou obrigado a 2: abraça o beneficio igualmente a todos, porque realmente todos só ficão com o onus de metade. He verdade se vai dar um grande golpe aos donatarios, corporações, etc. ,e muito principalmente á Universidade, este estabelecimento util, é quasi necessario. Mas a providencia não he injusta, nem illegal. Não he injusta, porque assim o pede a utilidade publica, á qual cede a particular. Não podemos subsistir sem que promovamos a agricultura; e tambem não he illegal, porque todos os bons que são doados pelo Estado sempre conservão a sua primitiva natureza, e delles póde muito bem o Estado dispor quando a utilidade publica assim o pedir. Desta fórma o dispõe a Ordenação liv. 1. tit. 9 liv. 2 tit. 35 § 31, e liv. 3. tit. 33 §. 2. Em quanto á Universidade ocaso he muito facil de remediar, já fazendo por alguns annos sustar os estudos, o que seria bastante conveniente attento o grande numero de Bachareis, que actualmente ha, e quando continuasssem os estudos poderião os matriculados concorrer com duplicada, ou triplicada esportula de matricula; ou aliás seria talvez o melhor arbitrio, fazer-se o pagamento dos empregados por conta do Estado, revertendo

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para elle todas as rendas da mesma Universidade. Assim se observaria uma verdadeira igualdade que agora não existe; pois sendo o beneficio igual a todos os individuos do Estado, todos devem concorrer para este estabelecimento, e agora vemos que só os lavradores he que contribuem, ficando os outros capitalistas desonerados. Resta pois examinar, quaes são os foros em que se deve fazer a reducção de metade. Esta he a principal questão, e a que involve a maior difficuldade. A incerteza em que se achão os foraes, he que produz o maior mal ao povo pelos litigios que daqui resultão. Isto he o que El Rei D. Manoel quiz acautelar mandando a Fernão de Pina que fizesse a reforma. Não se tratava de diminuir as pensões, mas sim o saber quaes ellas erão. As suas leis de 1520 não tinhão por fim diminuir as pensões, mas sim regulalas. Diz-se aqui que um dos maiores males, que soffrião os povos, era arrecadar-se os foros executivamente, que se principiava pela execução quando não havia sentença, nem ainda aparte tinha sido cilada: que isto era um mal, que necessitava primeiro que tudo de um promptissimo remedio, e que era o primeiro que se devia applicar. Convenho que este procedimento he abusivo, que elle se deve remediar, e que o procedimento executivo deve ser abolido, não só quando se trata de foros, mas geralmente em todos os casos. Isto he uma medida geral, que se deve tomar para todos os casos; mas não posso convir que este mal seja igual ao que experimentão os povos nos muitos pleitos que procedem da fluctuação em que existem os foraes. As contradicções que ha entre estes, e as sentenças, escripturas, titulos, etc., e não existirem estes, e só posses, tudo isto he mais fecunda de pleitos, que muito incommodão o povo. Pouco bem lhe fari-mos se ainda diminuindo metade das pensões não regulassemos quaes erão aqnellas em que se havia de fazer esse abatimento. He pois a minha opinião, que da mesma fórma que se deve praticar para o abatimento, tomemos uma medida simples, e geral: que sem attenção a foraes, titulos, quaesquer que elles sejão, sómente se julguem pensões legitimas as que actualmente se pagão; servindo só a posse de bussola para nos dirigir. Assim o pede a justiça, e a equidade. Sabemos que muitas doações feitas aos maltezes se desencaminhárão. As memorias da sua ordem assim o certificão. João Pedro Ribeiro incançavel na indagação de monumentos antigos nos refere, que quasi todos os arquivos da fronteira de Portugal forão saqueados e roubados. Houve cartorios de cathedraes, que vendêrão ás arrobas os pergaminhos dos cartorios, outros queimárão muitos titulos por ilegiveis, varios lhe arrancárão os sellos para vender o chumbo, e até muitas religiosas tiravão dos arquivos os pergaminhos para as suas obras. Em taes circunstancias continuando as corporações a arrecadar seus direitos em consequencia daquelles titulos desencaminhados deverão agora, porque não aparecem esses titulos ficar de todo privados desses direitos, que pela posse actual continuavão a receber?
Certamente não parece justo. Nenhuma probabilidade ha que uma povoação inteira continuasse apagar foraes, senão tivesse precedido titulo por onde elles se devessem. Póde sim ter havido algum excesso da parte dos senhorios, mas tambem póde ter havido alguma diminuição dos foraes pela repugnancia dos povos: o entrar nessas indagações seria trabalho immenso, nem sempre o resultado seria o mais justo; e por isso devemos tãobem nesta parte tomar uma medida geral: alguns ganhárão alguma cousa (torno a repetir) outros perdêrão; mas sempre resultará o bem geral, que he aliviar os povos de immensos pleitos. Fiquem os povos pagando metade do que pagavão em 1820; eis-aqui em duas palavras os povos aliviados de metade da carga que lhes pesava, e desembaraçados de quantos pleitos talvez existão em juizo e que para o futuro possão suscitar-se.

Quando eu na Sessão passada propuz esta mesma medida, que não agradou ao illustre Preopinante o Sr. Pinheiro de Azevedo, e que lhe substituio a outra que se devião tirar as despezas da cultura, e que só do liquido producto se devia pagar aquella mesma quota que existe nos foraes. Certamente o mesmo illustre Preopinante não reflerctiu que o que elle queria, e o que refutou, era o mesmo que eu pertendia, só com a differença, que a sua proposição admittia muita difficuldade na pratica pela averiguação da despeza da cultura; mas realmente o abatimento era o mesmo. Tire-se metade dos fructos para a cultura, e da outra metade pague-se a quota, como actualmente se pagava, e eramos em tudo conformes, porque realmente era o mesmo pagar metade dos tributos que actualmente se pagão, ou pagar toda a quota actual; mas sómente do producto liquido; porque se sabe que de ordinario sempre se arbitra metade da producção para o costeamento da cultura. O resultado he o mesmo, só a differença consiste em que o methodo por mim proposto, não necessita de indagações; e o do Sr. Pinheiro, requer immensas, e nem sempre essas serião exactas. Não posso esquecer-me da opinião dos illustres Preopinantes, que não lhe agradando a minha, querem absolutamente extinctos os foraes, e na verdade parecem muito solidas as razões, sendo entre ellas a principal de que os proprietarios, e lavradores estão muito mais onerados do que os outros capitalistas; pois que geralmente pagão como estes todos os mais tributos; e além disso pagão os foros, o que parece desigual, porque a lei deve ser igual para todos; mas ainda que seja de algum pezo este argumento, com tudo elle não he tão forte como parece. Devemos notar, que ordinariamente os senhorios, cujos terrenos queremos aliviar desses tributos, e que os houverão por titulo oneroso, só empregárão um capital proporcionado ao producto liquido do terreno: nas compras tirão-se os despezas da cultura, dizimos, foros, e só avalluado o producto liquido, he o que vem a ser a base do preço da compra. A porção de terreno (expliquemo-nos assim) que ha de produzir o necessario para as despezas da cultura, para os dizimos, e para os foraes, recebeu o comprador de graça; não entra em linha de conta para por isso se regular o preço da compra. Ora pois deste preço da compra, que realmente he o seu capital, deste, assim como todos os outros capitalistas, he que paga

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a decima, e mais tributos que estão impostos; mas o foro pagão-no porque são o producto da porção de terreno (digamos assim) que recebeu gratuitamente, e só onerado com aquella penção: por tanto não he tão desigual, como parece, a sorte dos proprietarios á dos outros capitalistas. Mas ainda suppondo, que ha essa desigualdade, e que o beneficio da agricultura pedisse a extincção de todos os tributos propostos nas terras, ainda por vistas politicas não deveriamos tomar essas medidas extinguindo-os totalmente. De necessidade nós haveriamos substituir (para irmos com igualdade) um tributo que pezasse igualmente sobre toda a Nação? E para isto he que eu convido a attenção da assembléa. Em taes circunstancias nós iamos desagradar a mais de dous terços da Nação, para aliviarmos a terceira parte. Sim, não nos illudamos; o beneficio da extincção não vai espalhar-se mais do que sobre os proprietarios do terreno, e estes certamente não he um terço. O beneficio que estes recebem he sómente seu; porque de ordinario o proprietario não he o que cultiva, arrenda a quem ha de empregar os braços na cultura: este he o maior numero, que nada ganha, porque o proprietario o ha de sobrecarregar com a mesma porção em que o predio foi desonerado: e por tanto extinctos os foraes, e substituido outro tributo, vinhamos a desonerar um terço do povo, para sobrecarregar dous. Nas actuaes circunstancias em que só o falar em novos impostos atemorisa, será conveniente a total extincção dos foraes? Será justo estabelecer novos tributos geraes? O Congresso decidirá: mas eu sempre julgo, que he mais prudente a medida, que adoptei; assim contentamos um terço do povo, e não descontentamos ninguem, todos ficárão satisfeitos, e nenhum descontente. Já desta fórma damos um grande impulso á agricultura, ainda que julgo não será o maior, que possamos dar-lhe; concedamos outros privilegios aos effectivamente lavradores, que nella empreguem de boa vontade seus braços, ella florecerá: honre-se esta benemerita classe. Façamos della uma excepção, porque assim o pede a utilidade publica; livremos, e isentemos todos os que nella se empregão directa ou indirectamente no cuidado dos gados, das recrutas; sejão sómente chamados para pegar na espada, quando já não houver braços ociosos, que daquelle nobre officio fogem; e desta fórma, e só com este impulso teremos braços de sobejo, que cultivem as immensas terras, que temos de baldio, e se ainda isto não fôr sufficiente, temos outros muitos recursos, com que façamos florecer tão nobre arte etc.

O Sr. Pereira do Carmo: - O illustre Preopinante pertendeu atacar a minha opinião com uma duvida, que eu tinha prevenido em meu discurso, mas não reparou certamente na resposta que dei. Diz elle que ha terrenos fortes e fracos, e que adoptando-se uma medida igual, carregaria mais sobre os fracos, que sobre os fortes. A quota que eu proponho, (que he a de doze), não se lança aos terrenos, mas ás producções; e então o terreno que produs mais, paga mais; e paga menos, o que menos deu. Em quanto á outra parte do discurso do Preopinante não vejo, que no plano que elle substitue, se verifique igualdade, nem nas penções, nem na sua distribuição; por tanto eu o regeito, e torno a insistir no meu que julgo mais igual; porém desenganemo-nos; que se quizermos exigir igualdade mathematica em taes materias, então abandonemos desde já o projecto da reforma dos foraes.

O Sr. Soares Franco: - Este projecto tem dezoito artigos; he necessario dirigir-nos primeiro a um, e depois a outro, porque senão esta questão he interminavel. Ha duas bases de que todos estão convencidos: a primeira he a necessidade de reduzir as pensões incertas a uma quota certa: a segunda, que he necessario fazer alguma reducção nas pensões. Logo agora o unico ponto, a que devemos dirigir-nos, he afixar qual ha de ser a reducção destas pensões. Tem-se apresentado para isto tres methodos; o do projecto, o do Sr. Bento Pereira do Carmo, e o do Sr. Pinheiro de Azevedo, que dezeja que as pensões se não paguem do producto bruto, se não do producto liquido das terras. Em quanto ao methodo do Sr. Pereira do Carmo, que elle pondera como mais facil e simples, eu acho que nesta parte o he igualmente o projecto; resta saber se he mais ou menos desigual e eu julgo que certamente o he, porque admittindo a quota de doze se vem a pagar proporcionalmente á producção, e isto he o que nós justamente não queremos; não queremos quotas incertas, nem esta he a mente da Assembléa, nem póde ser a de ninguem no seculo 19. Póde haver, além disso, terrenos ferteis, que por necessitar de menos gastos para a lavoura venhão a pagar menos; sendo mais carregados aquelles terrenos estereis, que precisem de grandes gastos para serem cultivados. Por tanto me parece, que a medida que se toma no projecto he melhor. Tambem, deve observar-se, que a maior parte dos Realengos devem reverter á Nação, e adoptando-se a quota de doze vinha a perder uma terça parte mais do que fazendo a reducção do quarto a um oitavo, que he a metade. Em quanto ao plano do Sr. Pinheiro de Azevedo, proposto na Sessão anterior em que se tratou desta materia, seria muito bem se fosse facil da por-se em execução, mas o acho tão difficil, que não bastarião quinze ou vinte annos para realisalo. Não admitto por consequencia o parecer do Sr. Pereira do Carmo, nem o do S. Pinheiro, e approvo o plano do projecto, porém não tão mesquinho, senão um pouco mais accrescentado, quero dizer que se pague de 4 a 8, de 6 a 12, de 7 a 14, de 8 a
16. Entrar em outras discussões que são verdadeiramente alheias deste unico ponto de vista, he não querer decidir aquella que deve servir de base ás outras. Eu reputo ter demonstrado no primeiro dia em que tratámos desta lei, que o reduzir todas as razões incertas a pensões certas pela mesma quota em que se achão, era fazer a ruina dos lavradores, e causar-lhes um mal em lugar de fazer-lhes um beneficio; porque do modo actual inda vão furtivamente tirando com que sustentem a si e suas familias; e obrigando-os apagar quotas certas, e tão excessivas, estavão perdidos elles, e a Nação, porque a lavoura seria abandonada de todo, e nós reduzidos á ultima desgraça. Por outra

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parte a absoluta extincção dos foraes, reduziria muitas familias hinestas, muitas corporações, a universidade, e o mesmo thesouro publico a uma notavel diminuição de suas rendas. Ataquemos as instituições viciosas, mas respeitemos a geração actual; para que havemos de Sacrificar tudo agora em beneficio de nossos filhos? Façamos estes sacrificios lentamente; elles serão mais uteis para nós, e mais duradores para elles. Se nenhum dos extremos he admissivel, resta o caminho medio, e he determinar que as pensões impostas nos foraes sejão diminuidas, e que esta diminuição seja por metade dos actuaes, da fórma, que propõe o projecto tomado um pouco mais amplamente.

O Sr. Pereira do Carmo: - Não posso falar mais? Não posso falar outra vez?

O Sr. Presidente: - O illustre Deputado falou duas Vezes; será contra a ordem falar outra.

O Sr. Borges Carneiro: - Em quanto se tractar de fotaes, ou por melhor dizer, de prestações agrarias parciaes, não me heide calar, ainda que com o receio de poder enfadar a esta assemblea. Estamos empenhados em dous objectos igualmente grandes: 1.º desaggravar a justiça natural: 2.º fazer cultivar e terra. A justiça natural não soffre que o suor do lavrador seja devorado por tantos ociosos: ella dicta que o fructo do trabalho seja de quem o tem; que quem lavra, pesca, sua: lavre, pesque, sue para si. Não honremos com o santo nome de leis aos foraes, nem com o santo nome de contractos a esses actos usurarios e lesivos, que fizerão os Leões com as raposas, e os Lobos com cordeiros. Chamemos-lhe roubos; chamemos-lhe effeitos da força empregada pelo mais forte contra o mais fraco; chamemos-lhe vergonhoso resultado do direito feudal. Mas que? Não só nos querem inculcar como justa lei, e contracto, mas como obra pia, obrigarem os Reis aos cultivadores de extensos terrenos a pagar terço e quarto de todos os seus fructos para manter conventos de ociosos, e ociosas; ou exorbitantes foros e jugadas para manter commendadores de Malta, capellas de D. Affonço IV. innumeraveis canonicatos, beneficios simplices, cavalheiratos, e outros estabelecimentos de pessoas que disfructem grossas rendas só para rezarem, isto he, para fazerem aquillo que todo o christão he obrigado a fazer. Com o nome da divindade tem os homens ousado autorisar os maiores roubos, e pretendido que Deus em quanto tutor da religião destruisse aquillo, que como autor da natureza havia gravado no coração de todos os homens. Como autor da natureza tinha Deus entregado a terra aos homens para a cultivarem, e della se sustentarem mediante um trabalho que lhes servisse no mesmo tempo de os occupar; porém como autor da Religião pretenderão que não trabalhasse o homem para si, mas para outrem, e com taes principios pozerão este Reino de Portugal em termos que o gozo estivesse na razão inversa do trabalho. Aos que trabalhão apenas se deixa com que sustentar uma vida mesquinha e infeliz: o gozo e a abundancia he para os occiosos, ou para os que só trabalhão em coutas inuteis á sociedade. He pois chegado o tempo de desforçarmos a razão opprimida, a justiça natural ha tantos seculos aggravada, e he necessario que a desforcemos com braço forte e vigoroso. O segundo objecto em que se disse estarmos empenhados, he fazer cultivar a terra, esta mãi commum, que o oraculo mandava beijar ao cidadão romano. He esta a melhor faculdade das Cortes; eu lhe chamarei uma faculdade creadora. Quando as Cortes cuidão de outros objectos, por exemplo, supprimem officios e estabelecimentos superfluos, fazem leis administrativas, regulão o exercito, a marinha, a fazenda; corrigem os abusos, etc., ellas não fazem em ultimo resultado mais do que trasladar os commodos da vida de uma para outra parte; tirar aos que tem muito, para dar aos que não tem; dar aos que trabalhão, tirando aos ociosos; não augmentão os commodos sociaes nem a abundancia, regulão segundo a justiça aquelles que ha: porém quando ellas se occupão em fazer cultivar a terra, excicitão então (se he possivel dizer assim) um attributo similhante aos da divindade: ellas crião de novo; augmentão os commodos, e à riqueza do paiz, e com esta a riqueza dos individuos, e do Thesouro nacional. E como conseguirão ellas tanto bem? Não he, como alguns tem dito, e feito em Portugal, estabelecendo cadeiras de agronomia, grandes tratados de economia rural, e codigos ruraes, superintendencias e juntas de agricultura, etc., isto são historias de gabinetes. O lavrador sabe muito bem as naturezas dos terrenos, e os tempos de semear, e se o não souber, lá tem os reportorios, ou o lunario perpetuo: esses lhe bastão. O caso está em fazer que o lavrador ganhe; que lavre para si; que o não roubem: o caso está em se limpar bem o musgo, que está chupando a arvore da agricultura, já definhada e moribunda. Como ha de medrar a agricultura em um paiz onde os cultivadores, atenuados pela pobreza, vem em seus filhos esqueletos vivos, e são obrigados, mais cedo ou tarde, a abandonar as terras? O Alemtejo foi algum tempo todo cultivado, como mostrão os restos de paredes velhas, pedra solta, caliça, etc., que hoje se observão em terrenos agora incultos, e mesmo julgados incultivaveis. E porque estão neste estado? Porque os seus moradores abanbonárão as terras, vendo que quanto mais lavravão, mais se arruinavão. Vendo em seus filhos, e abegões outros tantos escravos, ou verdadeiros esqueletos; tendo conseguintemente por melhor abandonar as terras, do que cultivalas trabalhosamente sem receber o fructo do seu trabalho. E dahi vem tambem os incendios, que tem queimado, e vão queimando a metade daquella provincia, o que não aconteceria se estivesse cultivada, e não reduzida a pasto e monte. Fertilissimas são as campinas das margens do Riba Téjo, especialmente do Alqueidão até a Golegã, porém jazem em grande parte incultas, por pagarem quarto aos frades de S. Bernardo, S. Domingos, e ás freiras de Santa Ciara, os quaes senhorios vexão além disso os lavradores com execuções. Da mesma sorte (por illustrar esta materia com mais alguns exemplos) nos campos do Reguengo de Alviela, termo de Santarem, pertencente á casa de Bragança, paga-se de quanto se recolher pelo primeiro moio, de foral trinta alqueires, de carreto seis, de guarda qua-

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tro, de dizimo cinco e meio; de sorte que de cada moio ficão ao lavrador apenas doze alqueires e tres oitavos; e dos mais moios paga-se o mesmo menos o foral. Naquelle mesmo Reguengo muitas terras pagão além de um foro sabido, terço, quarto, ou oitavo, dizimo, e carreto. Estes mesmos direitos paga o Reguengo de Tejosa: na freguezia de Cazevel, paga-se terço, dizimo, e fogaça. Outro tanto em outras terras do Reino. O Reguengo de Tavira paga terço ou quarto ao convento da Estrella, por uma devoção que houve. O extenso terreno dos Coutos de Alcobaça paga de cada moio dezenove e meio alqueires aos frades Bernardos, além do dizimo. O grande campo de Leiria paga ao Infantado terço ou quarto, além dos foros certos. Os Serranos de Feirão, que em toda a serra só lavrão centeio, pagão á Universidade 514 alqueires, que he mais de metade, etc., etc. Seria nunca acabar referir os horrores que ha nesta materia. Como he possivel que deste modo possa prosperar a agricultura? Como ha de viver o lavador e sua familia, tirando a semente, as despezas do grangeio, os tributos geraes, e além disso o dizimo, que se chama assim, mas do modo que se paga, sem deduzir primeiro a semente que já foi dizimada, nem as despezas do granjeio, importa em mais de quarenta por cento?

Nem hei de omittir em silencio uma circunstancias que torna escandalosissimas estas prestações agrarias parciaes, de qualquer origem que provenhão, e he que os que as pagão, ficão como os outros cidadãos sujeitos aos tributos geraes, sem desconto, nem differença alguma. Durante o feudalismo não havia tributos geraes: cada terra pagava o que por foral costume, ou sentença, lhe estava taxado. Pelo seculo XV. se começárão a impor tributos geraes para cobrir as despezas publicas, e devendo-se fazer desconto das pensões parciaes aos que as pagavão, não se fez assim; porém carregarão os tributos sobre os lavradores que as pagávão, da mesma sorte que sobre os que dellas erão isentos. Não póde haver mais revoltante desigualdade entre cidadãos da mesma sociedade, e se quizermos fazer boa applicação do artigo das bases da Constituição, que diz, que a lei he igual para todos, diremos que aquellas prestações agrarias parciaes já estão abolidas; pois se isto não he desigualdade de lei, não sei qual a seja.

Eu disse acima prestações agrarias parciaes de qualquer origem que procedão; porque para mim he o mesmo, ou ellas dimanem de foral, costume, sentença, ou contracto. Todas são igualmente injustas: qualquer que fosse a sua origem são o direito do mais forte sobre o mais fraco: contra a razão natural não ha prescripção: dura a violencia em quanto não ha um braço forte que a derribe. Que são esses escandallosos laudemios da terça parte, essas penas de commisso, essas luctuosas, essas arrecadações por executivo, fechão a violencia do forte contra o fraco? Sir-va-nos de exemplo a França: com a differença, que o que ella fez pelas vias de facto, o façamos nós com a serenidade da lei. Na França tem boas congruas os Parocos, e os Bispos, bons ordenados os empregados publicos, tudo bem pago, e não ha foraes, nem dizimos, nem alfandegas do interior, nem tributos alguns mais que a contribuição directa, que julgo que não chega á decima parte do rendimento, e um modico imposto sobre a mobilia e as patentes.

Taes são as solidas indicações sobre foraes, ás quaes não satisfaz o projecto; sim o meu que consiste, em extinguir todas as prestações agrarias que se pagão á coroa, ou aos seus donatarios, donde quer que ellas procedão, e bem assim as que se pagão ás commendas, e alcaidarias mores, as quaes se extinguem. As casas de Bragança, Rainha, e Infantado ficão recebendo pelo Thesouro o que faltar, além dos seus rendimentos patrimoniaes, para a sua devida sustentação. Os outros donatarios, e os commendadores em quanto vivos, e as vidas legalmente constituidas, recebam tambem pelo Thesouro a metade do que recebião, reduzida a uma pensão pecuniaria determinada. Os Almoxarifes e mais officiaes de arrecadação recebem tambem um ordenado proporcionado em quanto não forem empregados. A diminuição que soffre o Thesouro na parte em que não he compensada com a suppressão dos ditos empregos; com o rendimento dos predios e dizimos que logo entra a desfrutar, e com o grande augmento da agricultura, póde ser indemnizada com um augmento provisorio da decima em todo o Reino. Quando este projecto não passe, impugno então o actual, pois toma por base os foraes, e actuaes prestações, as quaes não são conformes á fecundidade ou esterilidade do terreno; nem ha razão para que o que até agora pagou muito, fique ainda pagando mais do que aquelle que tem pago pouco, quando em boa razão devia ser pelo contrario. Deve então tomar-se por base o rendimento medio do predio, e delle ficar-se pagando, por exemplo, cinco por cento, que depois se reduzão a uma pensão determinada. Este he o meu voto.

O Sr. Feio: - Deus creou o mundo para os homens, e não para ser patrimonio de meia duzia de familias. Em quanto os homens vivião das espontaneas producções da terra, tudo era de todos, e cada um só podia chamar propriamente seus, aos fructos que tinha colhido. Depois que reunidos em sociedade começárão a viver da sua industria, o que nos primeiros tempos succedêra a respeito dos fructos que cada um colhia, veio a succeder a respeito das terras, que cada um cultivava. A cultura pois deu origem á propriedade. Ora sendo a cultura, o que rigorosamente constitue a propriedade, segue-se, que os limites desta são os limites daquella; e que todo aquelle que afóra ou vende uma porção de terra, que lhe não he possivel cultivar, afóra ou vende o que não he seu. (Applicando agora estes principios ao caso de que se trata, digo, que os foraes, qualquer que fosse a sua origem, são injustos, e não devem existir. Resta saber se devem acabar por uma morte rapida ou lenta. Eu tendo mais em vista o bem de muitos, que o bem de poucos, quizera que fosse rapida; mas quando isto não passe, e se assente em que devem reduzir-se a uma quota certa, voto com o sr. Borges Carneiro, que esta seja a de cinco por cento, que he o juro da lei.

O Sr. Vaz Velho: - Depois que ouvi dizer a

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um dos illustres Preopinantes, que as medidas que se dão a tomar sobre a reforma dos foraes devião recair sobre o estado actual dos mesmos foraes, não posso deixar de fazer algumas observações a fim de afastar dos meus contituintes o grande mal, que se lhes póde causar, quando mesmo se pensa fazer-lhes um grande bem. Principiarei pela questão de que se trata. Tem-se dito muitas, e boas cousas sobre a origem dos foraes, sobre a sua natureza, antiguidade, causas e motivos; apesar de tudo eu ainda não posso apurar a differença ultima para formar uma deffinição exacta de foraes; entre tanto o que nos convém saber para a deliberação, que temos a tomar he, que existem certas pensões pertencentes originariamente ao Estado, que pezão demasiadamente sobre a agricultura. Isto supposto segue-se, que quanto mais se aliviar a agricultura do pezo das ditas penções, tanto mais ella prosperará. Devem-se logo abolir todos as penções quando se pertende animar a agricultura? Será mais politico, e mais accommodado ás circumtancias presentes abater antes, do que abolir de todo as penções? Eisaqui as questões que temos a decidir. A respeito da primeira (a favor da qual votaria de boa vontade, pois sou muito inclinado a promover a agricultura, primeira base da sociedade, como mãi da subsistencia) não se póde resolver affirmativamente, por isso que se seguirião tristes effeitos, que as circunstancias actuaes não podem permittir. Além de que vejo o Congresso inclinado a que sómente se reformem as penções. Basta por tanto a segunda questão, e reduz-se ella a indagar o modo porque se ha de fazer a reducção ou abatimento das ditas penções; pois se reconhece que a reforma das penções concilia o favor, que se pretende dar á agricultura, com a attenção que deve merecer a subsistencia dos cidadãos. Muitos dos illustres Preopinantes tem dito que devem reduzir-se a certa quota de fructos: outros ao correspondente em dinheiro. Em uma e outra opinião acho inconvenientes. A primeira pelo odioso modo de cobrança, que he mais pezado do que a mesma penção. A segunda porque se os fructos falhão, a punção sempre subsiste, e então he certa a perda. O sistema do projecto he diminuir certa parte das penções em regra geral. Contra isto tem-se dito, que seria mais acertado fazer-se esta diminuição á vista dos foraes, e das terras obrigadas ás penções. Eu porém acho, que a primeira opinião, se bem que mais prompta he menos justa, por isso que uma medida geral, que se ha de verificar sobre objectos diferentes e desiguaes, sempre traz com sigo alguma injustiça pelo menos relativa. A segunda opinião, posto que mais demorada, he com tudo a mais justa. Do que resulta, que só pela utilidade publica se póde resolver esta questão, isto he, eleger das duas opiniões aquella que melhor convier com o bem e utilidade publica. Eleja porém o Congresso qualquer dos preditos modos, mas não se verifiquem elles indistinctamente sobre os foraes no seu estado actual, como se opinou, porque se o foral for iniquo e moderno, deve-se primeiro annullar, e reduzir-se ao estado anterior, e depois a esse estado applicar-se a medida que se julgar justa.

Falo Srs. do foral do reguengo de Tavira no Algarve dado em 1787 pela Senhora D. Maria 1.ª para a dotação do convento da Estrela, o qual se tem conhecido injusto, e summamente pezado á agricultura; e cuja iniquidade o mesmo Governo já reconheceu, e quiz remediar, como se mostra pelo aviso expedido ao conselho da fazenda em data de 4 de Dezembro de 1802, o qual lerei para ver a sua força (leu o dito aviso, que he o seguinte = O Principe Regente N. S. manda remetter ao concelho da fazenda o requerimento dos officiaes da camara de Tavira, e he servido, que tomando-se em consideração os grandes damnos que soffre a agricultura daquellas terras em consequencia do jugo a que forão sujeitos os seus moradores pelo tombo do reguengo... consulte com effeito o que parecer para se remirem os povos de tão pezadas extorções... Que o mesmo Sr. deseja remediar = O orador continuou) Á vista disto quem duvidará que toda a medida tomada sobre um tal foral ha de ficar ainda desigual, e conter, se não tanta, alguma iniquidade, menos que não seja a de annular-se este foral, e reduzir-se ao estado em que estava antes do anno de 1787, e sobre esse estado recairem as medidas, que se adoptarem para os outros foraes. Requeiro da parte dos meus constituintes, que se tome isto em consideração, que foi porque principalmente pedi a palavra.

O Sr. Bettencourt: - Por occasião de ler um parecer neste augusto Congresso sobre requerimentos de muitos povos, que estão vergados com o enorme pezo dos foraes, o illustre Deputado o Sr. Fernandes Thomaz increpou a Commissão de só dar esperanças futuras, para a reforma dos foraes, e de não dar prompto remedio áquelles povos; eu então pedi palavra e disse, que de proposito tinha lido aquelle parecer para desafiar a declamação de algum Sr. Deputado, e fazer conhecer ao Congresso a necessidade de se discutir o projecto de decreto, feito pela Commissão, sobre a reforma dos foraes; pois que sendo um objecto o mais transcendente, o era igualmente de muita difficuldade, e as luzes e sabedoria de mais de cem Deputados, havião de certo supprir o que faltava a sete ou a outo membros da Commissão. Felizmente tenho visto verificado este meu agouro, pois sendo hoje a terceira sessão unicamente só destinada a discutir este ponderoso objecto, ainda se não póde tomar votos, nem ainda sobre a base da reducção, tanta he a difficuldade da materia que por si se faz tão recomendavel, como da primeira urgencia, a bem da agricultura; todos tem discorrido grandemente sobre a justiça, e necessidade da medida; entre tanto não se devem desvanecer os mais liberaes, e os mais constitucionaes de terem avançadas proposições novas; eu vou a produzir neste soberano Congresso, o que já em 5 de Maio de 1813 a Commissão dos foraes dizia a S. A. R. que hoje tão felizmente nos governa como Rei constitucional, na consulta que lhe dirigiu. Os sabios que a fizerão, e assignárão são muito bem conhecidos, e entre elles estava o nosso illustre Presidente o Sr. Trigoso. Diz assim a dita consulta no § 5.º da mineração destas imposições (leu e he a seguinte) «Fica dito, que o segundo modo porque os povos podem ser directamente aliviados dos gravames que exprimentão

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he fazendo-se effectivamente alguma diminuição ou abatimento nestes impostos. Muitas rasões fazem esta diminuição necessaria, e muitas a fazem justa.»

«Primeiramente póde-se affimar, que se se visitassem os terrenos das nossas provincias, que estão sujeitos a estes encargos, a fim de se conhecer individualmente se elles as podem ou não supportar, achar-se-ia que em algumas partes (pelo concurso de certas circunstancias fisicas, que quanto parece se podem julgar constantes e independentes da menor fertilidade, que accidentalmente possão agora ter os ditos terrenos) não seria possivel que um proprietario, pagos todos estes tributos, podesse tirar interesse algum da sua cultura. De maneira que devendo-se ter feito esta necessaria indagação quando se derão os foraes ás terras, he certo que ella se não fez ou já no principio, ou quando os ditos foraes forão reformados por ordem do Sr. D. Manoel. De tudo isto resulta, que actualmente nas terras de que se fala, ou os povos abondonárão a cultura, ou vivem na mais desgraçada condição, ou subtrahem elles mesmos o pagamento das pensões devidas ao senhorio ou donatario; de maneira que muitas vezes, quando se arrematão as pensões, já os rendeiros ou arrematantes dão os descontos proporcionados aos fructos que deixão de receber pela impossibilidade em que estão os povos de os pagar.»

«Mas prescindindo agora da consideração destes desgraçados terrenos, he certo que ainda que as terras em geral podessem bem supportar as pensões de que se trata no tempo em que forão estabelecidas; por isso mesmo que estas e o dizimo formavão toda a massa dos tributos que então se pagárão, não se segue dahi que as possão supportar hoje, que as imposições fiscaes tem crescido progressivamente. E esta observação he tão simples e exacta, que he escusado para a illustrar recorrer aos outros obstaculos dependentes das calamidades actuaes, e que tanto difficultão a cultura das terras já tão sobrecarregadas.»

«Nem com isto se duvida que haja muitos proprietarios que tirem o interesse de cultivar os predios que possuem, e que são sujeitos a essas pensões: diz-se sómente que muitos o não tirão porque tem crescido outros tributos, porque as terras são menos ferteis, e porque as despezas da cultura não tem actualmente proporção com o valor dos generos; e diz-se tambem que aquelles que ainda tirão interesse, o tirão pelas mesmas causas, muito menor do que no tempo em que as pensões forão estabelecidas.» (O orador continuou) Ora se naquelle tempo em que governavão outras idéas politicas e absolutas, e outro systema de administração, já os povos tinhão quem advogasse a sua causa com tanta rectidão e conhecimento, e por infelicidade não teve effeito aquella consulta, porque por certo não chegou á presença d'El-Rei, que como pai proveria de remedio; de cujo procedimento só teve culpa o ministerio que então servilmente nos governava, e que nos conduziu ao abismo em que nos achamos: quem estranhará que neste soberano Congresso se fale com mais alguma clareza, quando se trata de dar á justiça e bem dos povos aquelles direitos que lhe estão usurpados, e sobre que não ha a menor duvida? Por tanto eu quiz mostrar a este Congresso e á Nação, que não só nas antigas Cortes de 1430, 1473, e 1481 se tratou desta materia; e que não he só nas Cortes de 1821, que se trata, e que os povos lhe dirigem tantas queixas sobre os foraes; mas que já em 1813 se usava da mesma linguagem sobre este objecto; e que por isso os interessados não se devem escandalizar, nem censurar as medidas que se vão a tomar por serem dictadas pela razão, pela justiça, e pela necessidade, que carece de lei, quando a houvesse. Á vista de todo o exposto, e tendo eu já dado a minha opinião na primeira sessão, em que reduzia como base terceiros, quantos, e quintos a oitavos; e sextos, setimos, e oitavos a um duodecimo, nada tenho que accrescentar; entretanto a opinião do Sr. Pereira do Carmo me parece muito bem a seguir, pois estou convencido que quanto mais generosa for a diminuição, mais justa será por uma razão de justiça, pois estamos convencidos da necessidade da reforma pela impossibilidade dos povos poderem pagar, quanto mais generosa for a reforma, mais indemnisação se dá aos povos, que com tanto vexame e lesão tem pago; isto servirá de compensação aos males que tem soffrido, e que as luzes do seculo em que vivemos reclamão a favor d'agricultura, unico apoio em que nos podemos salvar. Eu no meu voto envolvo não só idéas de justiça, mas de politica, que nas nossas circunstancias devem ter muito peso; e no meu entender, são ellas as que devem tambem consolidar o novo systema constitucional.

O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Sr. Presidente: eu insisto ainda no principio que propuz sabado passado, para servir de base á reforma dos foraes. Sou a isso obrigado em desempenho dos meus deveres, não só como procurador de todo o Reino, mas porque tenho a honra de o ser tambem da noblissima provincia da Beira, na qual ha 248 foraes. Concordando com as idéas geraes da Commissão não me posso acomodar com a parte do projecto em que se diz, que as pensões dos foraes fiquem reduzidos de terço a sexto, de quarto a oitavo, de quinto a decimo, de oitavo a douodecimo. Qualquer que seja a redacção ou diminuição devem as quotas ser tiradas da renda e não dos capitães; ou por outras palavras devem ser tiradas, do producto liquido, e não do producto bruto. Isto por duas razões, no meu parecer, incontestaveis. A primeira he (entendendo-se que não falo senão dos foraes dados por ElRei, ou confirmados por elle); porque os foraes são contratos. V. exa. me ha de dar licença para fazer uma brevissima digressão sobre isto. Os moradores das terras a quem se derão os foraes, não erão senhores dellas; derão-se-lhes com a obrigação de povoarem as villas e logares, e aproveitar os terrenos de seu termo, debaixo de certas condições, que consideradas politicamente, erão excellentes. Deve-se notar além disso que os foraes não tem sua origem de nenhuma fórma no feudalismo, como aqui se tem dito. Os habitantes da peninsula, podemos ter a gloria de que esta instituição he nossa, e que daqui foi para o norte da Europa; e digo que podemos ter a gloria, porque a instituição dos foraes naquellas circunstancias, foi tão excellente, tão su-

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perior, e admiravel que sem ella não poderia Ter recobrado a Peninsula o seu antigo lustre, o commercio, a agricultura, e sobre tudo a sua liberdade: nós tinhamos villas e cidades livres um seculo antes das cidades livres de Italia, de França, e d'Alemanha, das cidades anseaticas, etc. Tornando ao meu argumento, digo, que a primeira razão porque sustento o meu principio he esta - os foraes porque sustento o meu principio he esta - os foraes erão contratos, cuja principal condição consistia, em que os moradores e povoadores nunca serião obrigados a pagar mais pensões e tributos dos que erão estabelecidos no foral: mas esses moradores estão sobrecarregados de impostos e tributos como os outros, que não pagão essas pensões; logo devem ser ou em grande parte aliviados destes, ou izentos daquelles - Este argumento tem tanta força, que delle se poderia concluir a total extinção das pensões, se não fosse necessario attender por uma parte ás criticas actuaes circunstancias do thesouro; e por outra a subsistencia de muitas familias e corporações, que em todo ou em parte dellas depende. Mas se não he por ora conveniente extinguir totalmente os foraes; he com tudo de razão e justiça que os contribuintes se attendão quanto ser possa, e que se compensem com tal diminuição, e reducção de encargos, que seja justa e util. Eis o que não fez a Commissão; pois que o principio e base que estabelece, não só não conpensa os contribuintes; mas, conservando o mesmo veneno mortifero, e mal intrinseco dos foraes, nada mais faz que demorar um pouco a ruina d'agricultura; porque (e esta he a segunda razão) as pensões conservadas no projecto são injustas e manifestamente lezivas. O 6.º e 8.° tirando-se do producto bruto, nas terras boas talvez não seja prejudicial em colheitas ordinarias; mas nos terrenos medianos, e colheitas inferiores, ha de ser tirado do capital necessario para a colheita do anno futuro; e nas terras inferiores, não desse capital circulante, senão do capital fixo (enttendo por este capital casas, officinas, gado, instrumentos da lavoura, etc.) Qual seria pois a consequencia adoptando esta base? O que desgraçadamente temos visto nas provincias: o lavrador deixa as terras sem cultivo e com pouzio; não as faz servir senão para pasto ou para arvores, ou para alguns frutos que não sejão gravados e pensionados; ficando assim privado, elle do producto que poderia tirar da sua terra, o senhorio das pensões, o estado dos direitos e pensões que recebe, e ao mesmo tempo do beneficio geral da cultura, e producto das terras; porque o seu maior interesse he, ter maior quantidade possivel de producto bruto. Portanto qualquer que seja a reducção, as pensões devem ser tiradas da renda, e não dos capitaes. Diz-se que esta operação seria difficultosa: Eu o não julgo assim: já truxe por exemplo, a decima a qual se lança e recebe todos os annos. Na maior parte das nações da Europa, succede o mesmo. Diz-se que o lançamento da decima tem difficuldades, he verdade, porque não he só lançada ao producto liquido da terra, mas ao dos capitaes, do dinheiro a juros, do commercio, da industria, dos ordenados, dos beneficios, e outros objectos, que a fazem complicada. Está assentado entre todos os que tratão de economia politica, que entre todas as rendas, e da terra he a mais facil de determinar, avaliar, e tributar. Mas supponhamos que ha nisso alguma difficuldade; a justiça, e a utilidade merecem esse sacrificio. Por tanto eu sou de opinião, que se reduzão todas estas pensões a uma pensão certa, e que seja tirada da renda, e não dos capitaes. Não insisto na quota, nem na diminuição; mas qualquer que esta seja, julgo que deve ser tirada do producto liquido. (Apoiado.)

O Sr. Girão: - Todos os illustres Preopinantes, que me tem precedido a falar tem dito maravilhas; mas tambem he necessario que ellas sejão acommodaveis á pratica. Não ha duvida nenhuma, e todos convem na necessidade de reformar os foraes, e esta necessidade, sentida pela Commissão, deu causa ao projecto que ella apresentou: porém apesar de ter eu assignado o projecto, confesso francamente que a discussão me tem illustrado mais, e que agora não approvo na sua totalidade aquellas idéas. Parece-me que reduzir terço a sexto, quarto a oitavo, e oitavo a duodecimo deve entender-se do producto liquido. Isto causará beneficio aos povos, e necessariamente á Nação inteira. Tem-se dito que o Thesouro perde, mas eu não compreendo esta perca, ou por melhor dizer, a comparo com aquella que tem o lavrador, quando despeja as suas caixas para fazer a lavoura, que torna a enchelas com o producto da mesma lavoura, sendo por este modo a sua perca momentanea ou apparente, e não real. Como he possivel que o Thesouro seja rico quando a Nação he pobre? Pois a Nação he pobre quando não tem agricultura. He verdade que momentaneamente perdera alguma cousa o Thesouro, mas depois lucrará muito com o beneficio que resultará á agricultura; e nem por isso se devia deixar de adoptar uma medida que faz progressar a lavoura, porque della vem todos os bens da Nação. Tem-se dito tambem que perdem as corporações de mão morta; alguma cousa perderão, he verdade; e he verdade tambem que são corporações respeitaveis e dignas de consideração; mas que he o que lhes deve a sociedade? A sua subsistencia? Pois a sua subsistencia fica-lhe segura, e lucrão até por este modo, pois escusão de pagar administradores, rendeiros, officiaes de justiça, etc. e cobrão sua pensão segura. N'uma palavra, não se deve arruinar a patria por contemplação a corporações particulares. Finalmente, eu não quero gastar mais tempo por que a materia está exaurida, a minha opinião he que se deve assentar a base sobre a reducção das pensões, porque a maior vantagem está nesta reducção, e sem ella qualquer medida que se adopte não produzirá nenhum alivio; voto portanto que a reducção seja pela metade, como propõe o projecto; mas que esta metade seja do producto liquido, e não do producto bruto.

O Sr. José Pedro da Costa: - Ninguem discorda da justiça desta reforma, no que se discorda he na base que se deve adoptar para ella. Eu sou da opinião daquelles illustres Preopinantes que querem que todos os foraes se reduzão a uma unica prestação, que segundo o meu parecer devia ser a de dez.

O Sr. Peixoto: - Eu tomo este objecto em differente ponto de vista; a minha opinião não será ap-

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parentemente tão lisongeira, como as outras, que na discussão selem manifestado; mas he a minha; lisongea o meu espirito de imparcialidade, e de justiça, e tanto basta para dever assim francamente pronunciala. Considerei sobre a matéria dos foraes os direitos dos povos, e os direitos da nação, para da sua comparação tirar resultados, que nem a uns, nem a outros ofenda. Já em outra Sessão disse, que os possuidores das terras reguengueiras nenhum direita tinhão para exigirem a reforma das prestações, que pêlos foraes lhes forão impostas: ainda o repito. Não tem esse direito pelo principio da igualdade da lei, porque as circunstancias dos individuos são desiguaes: são pelo principio derivado das conquistas; porque as familias, que nellas cooperarão não erão as mesmas, a quem os Serracenos tinhão tomado as terras conquistadas: não pelo direito da natureza, porque estatuos no estado seccial, em que a lei civil regula os direito de propriedade: não finalmente pelo principio novamente apontado por um illustre Deputado, que suppoz, que os povos linhão acceitado as condições dos foraes coro certos privilégios; e havendo-lhes sido invadidos os privilégios por leis posteriores, devem reformar-se aquellas condições. A este principio respondo; que essa clausula dos privilégios não era gerai nos foraes, era especial em poucos dos mais antigos: que os povos podião reclamar contra as novas leis, que offendião suas liberdades: que muitas dessas leis aggravarão igualmente a todos os povos, sendo um effeito das revoluções doestado politico da nação: e que ainda em caso, que de taes leis podesse derivar-se algum direito para a pertendida reforma, esse direito caducou com a memória das familias, que forão despojadas dos antigos privilégios. Não poderão descobrir-se bens alguns reguengueiros, que não tenhão passado a differentes familias por titulo oneroso; e quem assim os recebeu descontou-lhes no preço o valor dos encargos, a que pelo foral estavão sugeitos; acceitando voluntariamente no acto de adquirilos o ónus das prestações, que os gravarão. Suppunhamos, que ha tres dias um possuidor de taes bens impelido da necessidade os vendeu, em razão do encargo, por metade do preço, que sendo livres valerião; e hoje decretamos a sua liberdade, pela injustiça do foral: pergunto, quem deveria gosar deste beneficio, o vendedor, ou o comprador? Sem dúvida o vendedor, que era quem tinha o direito, e foi consequentemente o prejudicado pelo rebate, que tinha feito no preço, mas o vendedor tinha-os adquirido por igual titulo, e por tanto deveria transmittir-se o direito ao seu antecessor, e assim de um em outro em um progresso infinito.

Em uma palavra o direito dos possuidores úteis das terras, de que se tracta he inseparável da obrigação, com que as acceitarão: e em consequência lei nenhuma os favorece para exigirem a reforma das prestações, firmadas nos foraes: digo firmadas nos foraes, para excluir todos os gravames, que com o pretexto delles se introdusirão de novo. Tem pelo contrario os pencionarios todo o direito á sua represtinação: tem um direito sagrado á destruição dos abusos, com que a ambição dos senhorios, ou dos rendeiros os tem sobrecarregado, e opprimido. Taes abusos em algumas, terras vexão ainda mais do que os encargos legitimos, e vexão os caseiros mais fracos, e mais miseráveis; são muitos, e mui variados: uns quanto ás prestações, como o augmento de medidas, ou de espécies; a imposição de laudemios, e luctuosas indevidas; a exigência da espécie na alternativa, em que a escolha competia ao caseiro: outros na arecadação; como a regeição arbitraria da especie, e a consequente taxa de um preço exorbitante: a mudança do lugar do recebimento; as pessoarias, com encargo aos pessoeiros de correrem com desmandas e pagarem pensões, que hão recebem; as execuções; os juizes privativos, ele. Os povos reclamão ainda rabis contra estes, e similhantes abusos; do que contra as originarias prestações: convém que attendamos suas justas queixas, e de um golpe extirpemos tão iniquo flagello.

ão se diga, que as usurpações dos senhorios pedem corrigir-se por meios ordinarios: conheço, que o remedio cabe na alçada dos juizes; ruas o mal está tão arreigado, e he tão frequente, que para a sua prompta extinção exige uma providência do corpo legislativo: aliás seria necessário, que cada pencionario tivesse um litigio com o senhorio; devemos evitar uma tal multiplicação de litigios, visto ser-nos possivel, sem injuria de ninguem.

Segue-se o falar dos direitos da nação. A nação por meio de seus representantes tem o direito de dispor dos bens existentes no seu território, toda a vez, que urgência pública o exija; porque as bases dá Constituição assim o permittem, quando limittão neste caso o direito da propriedade individual: a nação ainda fiem essa urgência, e pelo só principio de utilidade tem o direito de reformar os foraes; não uma reforma arbitraria, mas sujeita ás regras dictados pelo principio o que a determina a dar esse passo; e ás regras de justiça e equidade, que devem presidir a todos os seus actos. Os foraes geralmente falando, forão dados a terras que erão originariamente da nação, e em consequencia as prestações nelles estatelecidas ficarão constituindo bens nacionaes, e incapases de uma alienação perfeita, e irrevogável. Penso que isto he doutrina corrente; porque presentemente ninguém duvida que os nossos Reis, posto que, péla supprema autoridade, que exercitavão, dispunhão ao seu arbitrio dos bens da naçâo, com tudo dispunhão da mesma sorte, que o administrador de bens vinculados em morgado, que só temporariamente, e durante a sua vida póde sustentar a alienação delles: daqui vem, que ate ao tempo de ElRei D. Pedro II. sempre os donatários da coroa pedião em cada reinado a confirmação de suas doações. Deste principio verdadeiro em theoria, e corroborado com a prática dos tempos passados, deriva naturalmente o direito, que a nação tem de poder sempre que a pública utilidade o requeira reformr a administração de taes bens, tendo com tudo attenção com os direitos individuaes dos possuidores delles.

Para determinar mais claramente as minhas idéas classificarei os foraes com relação ao seu actual estado. Achão-se elles encorporados; uns nos proprios da

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coroa, outros em casas, ou corporações particulares. Os segundos forão alienados por titulo gratuito, ou por titulo oneroso: os desta ultima espécie por venda com o pacto de retro, ou sem elle por permutação, e também como pagamento da serviços decretados em um correspondente valor, e todos elles em consequencia constituem uma verdadeira propriedade em mão dos seus actuaes possuidores, para o effeito de lhes não poderem ser tirados no todo, nem em parte, sem a indemnisação decretada no art. 7.° das bases da Constituição. Os alienados por titulo gratuito são, em rigor de justiça, propriedade da nação; mas nós interpretando es benévolas intenções dos nossos constituintes; já por mais vezes temos declarado, que se usará com os donatarios de equidade, para que não fiquem redusidos á miséria, e não digão; que a regeneração da pátria os tornou desgraçados. Uns e outros porém, salvas as idemnisações, que pelos principios de justiça se devem, conservão a qualidade de bens nacionaes, e são o primeiro fundo consignado ao pagamento da divida pública, fundo, que não deve dissipar-se sem necessidade; porque a falta, que nelle houver ha de necessariamente recair sobre o lodo da nação, que he por assim dizer abonadora da mesma divida pública, ou devedora subsidiaria, e obrigada ao pagamento, depois de consumidos os bem do thesouro. Em consequencia de todos os principios poaderados resulta: 1.° que a diminuição das prestações estabelecidas nos foraes, a respeito dos pencionarios não he devida por justiça: 2.º que a mesma diminuição recahe inteiramente sobre o thesouro público: 3.º que essa perda do thesouro hade ser paga pela nação.

Isto posto nenhum motivo poderá justificar a reducção das quotas, proposta neste projecto, que não seja o principio, suppremo da utilidade publica, o qual, uma vez destruido, deve nesta parte cahir o projecto. A reforma dos foraes tende a promover o melhoramento de agricultura das terras, que estão por elles onerados; he este o um da publica utilidade, que devemos ter era vista; e se houver, meio menos oneroso ao thesouro , pelo qual se consiga esse mesmo fim, penso, que não nos será permittido deixar de adoptalo com preferencia. O meio está no projecto: consiste na reducção das quotas a pensões certas , que poderão regular-se pelo methodo proposto pelo illustre Deputado o Sr. Corrêa de Seabra. Calculem-se as quotas por um orçamento médio dos annos, que tem decorrido; e ou por avença voluntaria entre as partes, ou por um favoravel arbitramento judicial; e fixem--se pensões certas como de censo enfiteuse a todas as terras , que ate agora pagavão as quotas. Desta maneira ficará perfeitamente remediado todo o mal, que se oppunha á prosperidade de agricultura dessas terras; porque todo o beneficio, que o pencionario dahi em diante fizer será para si: será como feito em terras absolutamente livres de encargos. Se de cem medidas que um lavrador colhia na sua fazenda pagava pelo 4.° vinte e cinco; colhendo mil pagará os mesmos vinte e cinco das primeiras cem, e recolherá as novecentas livres de encargo algum.

Esta medida he a mais simples: he geral para todos os possuidores de foraes onerados com quoras, e não exige do thesouro idemnisação alguma. A reducção das quotas torna-se desnecessária; torna-se em mera graça, concedida a uns poucos de particulares, possuidores das tentas sujeitas a taes prestações: uma graça que desfalcado thesouro, que desfalca o fundo consignado para a, amortização da divida publica, que leza toda a Nação, e que lhe dará lodo o direito para accusar-nos de pródigos, e injustos; porque damos a quem não devemos; não pagamos a quem devemos, e tiramos a quem nos não deve. Digo mais ainda suppondo, que não havia divida publica: que independente destes rendimentos nada nos faltava na receita para a despeza: assim mesmo esta graça seria iniqua por comprehender uma pequena porção de cidadão portuguezes; em quanto á importância desses mesmos rendimentos podia empregar-se em beneficio de toda á Nação, com manifesta utilidade publica. Não está vexado o nosso com mareio com ruinozos direitos de exportação? Não estão esses direitos pezando sobre-a nossa agricultura, sobre as nossas manufacturas, sobre a nossa industria ? Com quanta maior rasão de utilidade publica voltariamos para este lado as nossas benéficas vistas! Os vinhos de Portugal estão empatados , porque depois de pagarem os direitos de exportação não podem concorrer nas praças do consumo, como de outras Nações; e a cultura das vinhas vai a perder-se. Sabemos o estado actual do Douro; sabemos, que naquelle paiz os grangeios são mui custozos; que ali os lavradores não tem geralmente de que subsistão, alem do producto dos vinhos, sabemos que em muitos sitios este producto está sendo para elles passivo, e entre tanto os vinhos do Douro costumão a pagar os direitos de exportação; porque o estado do thesouro assim o exige; ate as desgraçadas manufacturas, que se exportão pagão direitos, e direitos gravosos, que são tirados ao suor da classe indigente, da classe laboriosa, e que priva de modo de vida a muita gente, que se empregaria nas officinas das artes, se os artefactos tivessem a maior extração, que o allivio de todas as imposições lhes consiguiria. Disse um illustre Preopinante, que a perda, que o thesouro soffria com a reforma tias quotas, era de dous ou tres annos; porque depois com o melhoramento da agricultura tudo se reçarsiria para a espécie, que ultimamente apontei, desejo eu que o honrado membro applique o seu argumento, e verá, que a exportação dos nossos productos crescerá com o alivio tios direitos que difficultão; e que o augmento, que nella houver ha de ser pago em productos das Nações consumidoras, os quaes, sendo conduzidos aos nossos portos, e pagando nelles os direitos de importação, compensarão com muito lucro aquelles, que na exportação deixarão de receber-se.

Concluo que a diminuição das quotas estabelecidas nos foraes não he de justiça: he uma graça concedida a poucos em prejuizo de muitos: he desnecessária para conseguir-se o fim da utilidade geral, a que nós propomos, e em consequencia, que deve rejeitar-se, e adoptar-se unicamente á reducção a penções certas, calculadas favoravelmente.

O Sr. Macedo: - Convenho com o illustre Preo-

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pinante em quanto affirma que a reducção de rações a penções certas he o maior beneficio que se pede fazer á agricultura; mas não convenho com elle em quanto de, que se deva fazer esta reducção tomando por base as rações, ou penções incertas que agora se pagão: não tratamos de estabelecer uma republica Platónica, e por isso não convenho também em que se extinção todos os foraes, nem que se faça uma reforma tal que seja equivalente da sua extincção ; quero sim uma reforma acommodada ás circunstancias. Para isso tem-se proposto vários meios. Ha um que propõe o projecto da Commissão, e outro lembrado por um illustre Preopinante que quer, que qualquer que seja a quota que se estabeleça , seja sobre os productos líquidos e não sobre os brutos. Eu me acmmodaria a esta opinião se não achasse que dava lugar a difficuldades invencíveis na pratica. Pretendeu mostrar o illustre Preopinante, que suscitou esta idéa, que não era tão difficultoso como se julgava e pôla em execução, e trouxe para exemplo, o lançamento da decima, inferindo que assim como se faz o lançamento da decima sobre o producto liquido, igualmente se podia fazer aquelle de que agora se truta. Mas esta paridade para mim não tem força alguma. Para se lançar um imposto sobre o producto liquido, he necessário saber a quantidade do producto e a quantidade da despeza, isto he, quanto dá, especificamente o terreno, e quanto se despende na sua cultura. Temos aqui dois cálculos difficultosos. Seria necessario estar em todas as partes, e todos os dias a chamar louvados; e por ventura não poderia acontecer que estes louvados discordassem, ou prevaricassem nos seus arbítrios? O mesmo exemplo da decima me convence da injustiça deste methodo. Vejo que as decimas são lançadas com tal desproporção que ás vezes uni prédio, que rende como dois , paga dobrado de outro que rende como quatro: não supponho que isto proceda sempre de má fé, ha muitas occasiões em que provém de prevaricação ; mas ha outras muitas que será effeito de ignorância; donde concluo, que se este methodo se applicasse ao lançamento destas penções traria consigo uma grande desigualdade, e viria a pagar mais aquelle que talvez menos percebes-se, concorrendo para isto as affeições particulares dos louvados, como as dos mesmos lançadores. Portanto sou de parecer que este methodo não he adoptavel. Ouvi substituir ao methodo proposto pelo artigo 1.º do projecto, o de estabelecer-se uma penção única. Este methodo, que á primeira vista parece o mais simples, traz comsigo uma difficuldade que não escapou ao engenho e agudeza do seu autor: no emtanto, quando tratou demostrar que não era grande esta dificuldade, não mostrou toda a que ha. He certo que as terras não são todas de igual fertilidade, e se todas houvessem de pagar o mesmo seguir-se-ia, que as que menos produzem pagarião mais que as outras de maior producção. Diz o Preopinante, que este inconveniente se salva, porque a terra que produz menos vem a pagar menos; mas respondo que a desigualdade não está só na differença dos productos, mas tambem na differença das despezas que fazem os lavradores na cultura. Dois terrenos iguaes em superficie, não só produzem quantidades diversas de alqueires de pão, mas fica ás vezes mais caro o alqueire daquelle que rendeu menos, que o do outro que rendeu mais; de corte que não só deve ser considerada a desigualdade em attenção á quantidade dos fructos , mas também ao preço porque elles ficão ao lavrador. Em quanto ao methodo do artigo 1.º do projecto me parece que he o mais digno de se adoptar ; porque tem em vista a desigualdade dos terrenos a que dizem respeito os foraes. A Commissão conheceu que não era possível achar uma resolução que fosse accommodavel a todas as circunstancias do problema; mas tratou de procurar aquella que melhor podesse preencher o seu fim. A medida que o projecto estabelece acommoda-se á differente possibilidade que tem o lavrador de pagar; no que parece que á Commissão vai conforme com os principies de justiça. A mesma Commissão teve em vista que não te pedia fazer uma reducção igual em todas as penções, por isso que algumas ha tão gravosas, que ainda que se estabelecesse em regra a reducção á metade, haveria algumas que não ficarião sufficientemente diminuídas; por isso se propoz neste artigo a reducção, a um sexto não só para as penções de um terço, mas para as de mais de um terço; e pelo contrario em outras que são menos gravosas a reducção proposta he para as da metade, porá que estas não recebessem igual favor. Por tanto a opinião dos illustres Preopinantes, que pretendem que se reduzão todas os penções a metade, ainda que pareça idéa muito liberal concorda alguma cousa com o projecto, mas favorece menos que ella os lavradores mais pencionados; porque já disse, que havia penções de mais um terço. Finalmente por todos os motivos ponderados sou de parecer que se deve adoptar a doutrina do artigo.

O Sr. Moura: - Não he sem algum receio, que me atrevo a propor nesta Assembléa Uma opinião, não ouvida nella, a respeito deste importante negocio. Faço esta advertência, porque a maneira habitual de pensar há de talvez considerala extraordinaria, e tão bom dia que a não caracterisem de niveladora; mas o amor da verdade, e meus proprios sentimentos me instão a que a expresse francamente; bem certo de que a verdade sempre ha de parecer extravagante ás preoccupações, assim como estas devem parecer extravagantes á verdade. Sejão certos os meus princípios, sejão exactas as consequências; o mais pouco me importa, pois isto he o que me basta. Attento o modo, porque os illustres membros, que até agora discutirão esta questão, se explicarão tanto na Sessão passada, como na actual, vejo, que todos elles não tratarão de outra cousa mais, do que transigirem com os abusos, com a injustiça, e com a oppressão dos terços, quartos, e oitavos. Todos reconhecem nos foraes ónus, injustiça, e gravame, que pesão do modo mais oppressivo sobre as pessoas que os pagão; e quando chegão ao remédio de males tão gravíssimos, já tudo são transacções, tudo são temperamentos, tudo palliativos. Hum quer transigir pela melado, outro por um duodécimo, outro por um decimo. Não poderemos nós deixar de fazer similhantes transacções? Não poderemos supprimir todas estas

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prestações injustas sem necessidade de transigir? Se a justiça nos apoia porque não havemos de abolir inteiramente estas pensões onerosas? Já vi que membro tratou esta idéa como as da republica de Platão mas com effeito eu ache, que nunca se applicou mais mal esta comparação. Não he ideal o acabar com o que he injusto, e como tal reconhecido. Mas ouço já quem me quer tratar de nivellador, suppondo que quero destruir tudo; porém certamente ninguém menos do que eu se deseja vêr-no meio de ruinas; e por certo que me não hão de dar este nome de nivellador, os que pagão os terços e os oitavos, senão os que os percebem.

Tornemos á questão: vamos a ver se temos chegado á época em que possamos dispensar-mo-nos de fazer esta transacção com os abusos, e com as injustiças. Eu reconheço que ha alunos tão consagrados pelo tempo, que he necessario conservar alguma cousa dei lês, porque de sua mina total podia seguir-se maior mal, que de sua conservação. Desejo, e tenho por systema ser prudente, e não arrebatado em adoptar medidas violentas, não busco o bem absoluto, quando posso contentar-me com o relativo. Mas será este o abuso que devamos conservar por achar-se nessas circunstancias? Será preciso que reconhecendo o excesso da iniquidade, e o cumulo da oppressão até nos titulos, em que se fundão estes vexatórios encargos os hajamos ter em consideração ? Uns dizem: o foral he lei, mas podemos revogala porque he oppressiva. Outros dizem: o foral he contracto, mas este impunha aos senhorios certas obrigações, que já se não cumprem, e só por isto o contracto acabou, e o que resta he tyrannico, e oppressivo. Eis aqui fui principios positivos, em que todos tomem: mas quando vão a tirar a consequencia, decidem sem embargo, que he necessario conservar os abusos que tem tão vielas origens. Qual será esta necessidade? Esta he a questão? Pois vamos tralalla. Que razão de tranquilidade, de utilidade, de conveniencia publica nos póde prevenir para que não acabemos com estes verdadeiros restos do feudalismo?
Não vejo se não três razoes, que nos sirvão de pretexto para fazer esta transacção. Transtorno que se faz violentamente na subsistencia de um grande numero de familias, sendo que as alterações que se fazem n'um Estado quando se complicão com um grande numero de familias, e que interessão a sua subsistencia, ainda quando o bem seja geral, devem-se fazer com prudencia, para que o mal não se augmente, ou para que se converta em bem. Vamos a ver se estamos nesse caso. Eu digo que estamos no inverso, porque quando se trata de destruir este abuso, alteramos sim o estado de um grande numero de familias, mas he o daquellas, que pagão estas gravosas prestações, passão do peor para melhor. E qual he o numero de familias cujo estado alteramos no sentido inverso, isto he, do melhor para o peor? A resposta que eu exijo não póde ser senão esta: dois ou tres bispados, tres ou quatro conventos, meia duzia de familias particulares, e o Thesouro Nacional; Bem: três, quatro conventos, duas corporações, meia duzia de familias hão de obrigar-nos a não adoptar um principio que he util a mil familias! Aqui não se trata senão de um calculo arithimetico, não se trata senão de pezar com balança justa, e ver para onde desce mais o fiel da utilidade publica, se he para este lado, ou se para aquelle. Peço que se me diga, se se póde comparar o numero de familias que reduzimos a riqueza, com o numero de familias que se reduz a menos commodidade da que actualmente tem. Não, de nenhum modo se póde fazer esta comparação. Ainda ha outra considerarão. Todos os Srs. Deputados das provincias hão de saber, e hão de ler observado que os povos, por isso mesmo que estas prestações pesão sobre elles, se tem já desaggravado a si próprios, e não as pagão; ha muitos donatarios que não as percebem ha mais de 30 ou 40 annos, apezar de apresentarem os seus titulos. Se pois reduzimos isto á metade, como propõe o projecto, cora que razão temos de legislar, que aquelles que continuão a pagar actualmente, paguem porque continuarão, e que os outros não paguem porque ha tempo que não quizerão pagar? E se decidimos o contrario, que continuem a pagar os que até aqui não pagarão, que vamos fazer? A que cumulo de dissenções não vamos a dar lugar? Alguns donatarios tem querido até usar de meios violentos, até tem chegado a empregar tropa para auxiliar a justiça, e obrigar a pagar a varios lavradores da provincia da Beira; que tem resistido, e que se tem recusado a fazelo. Os povos não querem soffrer por mais tempo tão pesada carga, e temos de obrigalos nestas circunstancias, reconhecendo-se publicamente neste Congresso a injustiça destas pensões?

Vamos á outra razão. O Erario está falto de fundos; deste modo diminuem-se ainda mais, e nos veremos reduzidos á miséria. Vamos examinar isto com attenção. Eu vou dar a este mal um remédio muito prompto. Supponhamos que a diminuição da receita do Erario, fazendo-se isto, he a de cento, ou duzentos. Diz-se, he preciso, que este que paga unia parte da Nação, e a parte mais desgraçada delia, se continue a pagar para cair no Erario; pois não será mais justo, e mais equitativo que se reparta entre toda a Nação esta pequena falta? Não será melhor que este cento ou duzentos o pague o total, que uma parte? Eu não vejo que nisto haja inconveniente; não vejo pêlo contrario senão vontade de conservar um abuso e uma injustiça tão reconhecida. Talvez porem não tenha eu provado ainda, que não he necessaria fazer esta transacção. Eu ouvi a um illustre membro desta Assembléa, que tem trazido á discussão desta questão a luz da historia, e da critica; digo, que elle discorreu, cora summa habilidade e erudicção, mas no fim do seu discurso o vi acanhado, e sem se attrever a tirar uma consequencia. (Falo do Sr. Pinheiro de Azevedo). Não he pois melhor estabelecer a unica consequencia destes principios, uma vez que nem a Nação, nem a utilidade publica, nem o thesouro exigem o contrario. A isto convido a Assembléa. He verdade que eu terei incorrido na nota de querer fazer um mal no que outros julguem, que de outro modo, se póde fazer em bem; mas não me autorisa a outra cousa a necessidade da tirar de principios que

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Julgo exactos, consequencias, que delles necessariamente se deduzem ( Apoiado geralmente. )

O Sr. Castello Branco:- Quando pela primeira vez se tratou nesta Assembléa a grande questão sobre a reforma dos foraes, eu sem o receio de passar pela nota de nivelador, dei meu voto sobre a extincção de foraes, substituindo-lhe outro qualquer meio, que o Congresso achar na sua sabedoria. Então o illustre Preopinante, que me precedeu em fazer, não se declarou por este voto: hoje o apoia, o que me lisongea; e quando eu sobre meu voto tivesse alguma duvida, o apoio do Preopinante, que he da maior apreço para mim, acabaria de dissipar a minha incerteza. Por tanto declaro-me por aquelle voto, e só o apoiarei com algumas novas razoes. Nós havemos de ajudar a agricultura livrando-a de todos os encargos e embaraços que lhe sejão contrarios: isto he sem duvida um axioma por todos reconhecidos.

Seria muito para desejar que a agricultura podes-se ser de todo livre; mas na sociedade aquelle que gosa do seu commodo deve concorrer para as despezas necessarias para o mantimento dos mesmos commodos; e este he o segundo axioma. Destes dous axiomas o resultado necessario he, que se deve procurar um meio termo, que combine o favor devido ao agricultor com as necessidades da sociedade. Achar este meio termo, que seja ao mesmo tempo favorável ao agricultor, e que preencha as necessidades, da sociedade o grande ponto a que nos devemos encaminhar. Nossos maiores a quem faltavão as, luzes necessarias para estabelecer uma regra justa sobre esta materia intentarão achar este meio termo no estabelecimento dos foraes; porem tudo nos convence de quanto são odiosos na sua origem, injustos na sua quantidade, oppressiros na sua percepção: por consequência he sem duvida, que nos devemos banir este methodo estabelecidos por nossos maiores, e que devemos procurar uma nova proporção para os ditos Uns. Quando se tratou pela primeira vez esta materia eu disse, que os foraes podião substituir-se com uma adicção á decima. São iguaes os commodos de todos os cidadãos; por consequencia para as necessidades da sociedade devem ser iguaes as contribuições relativamente ás porções que cada um recebe na sociedade; e como esta se não verifica nos foraes, seria injusto conservalos; porque se elles são injustos na sua quantidade, se são opressivos na sua percepção, todo o resultado tirado destes mesmos foraes, seria odioso: seria o mesmo que querermos edificar um edificio, a que quizessemos dar uma longa duração durarão, sobre as bases fracas; o edificio duraria pouco tempo e nós nos veriamos de novo na necessidade de reedificalo. Uma vez que nós estamos constituindo a Nação, que nós estamos reunidos para fazer reformas de que deve depender a felicidade futura desta mesma Nação, que necessidade temos de edificar sobre bases tão fracas? Não temos nós os poderes necessarios? Não nos devemos guiar pelas luzes do século? Pois se as luzes do século, a razão, a justiça reclamão alternamente que os foraes sejão extinctos, que escrupulo pudemos ter em extinguidos? Não temos um meio que substituir, e que seja igual para todos? Por ventura os agricultores exonerados desses imostos tão pezados não poderão com uma nova addicção na decima, ou outro qualquer modo, que o Congresso substitua? Esta substituição deve ser duvida muito mais moderada do que os mesmos foraes: serão fosse esta a base que se adoptasse nada teriamos feitos a bem a Nação. Diz-se e tem-se repetido, que o thesouro nacional perderia, e que não podia provir as despezas publicas; muitas tem-se tambem repetido neste Congresso, que esse receio he fantastico inteiramente. Por uma parte o augmento da agricultura faria levantar os impostos directos: por outra parte o commodo dos agricultores podeia preencher ás necessidades, e augmentar os impostos indirectos: nada teria sim perdido o thesouro. Diz-se que ha individuos que disfrutão estes foraes por titulos onerosos; muito embora: estou persuadiso que poucos haverá desta classe, ainda que pode haver algum. Mas quando a Nação se acha gravada de uma divida enormissima he esta a occasião em que devemos attender a essa posse injusta que nem se pode qualificar em direito? Se ha alguem a quem são devidos os foraes por titulo oneroso, devem ser clamados os titulos a um exame severo, e que quando se conheça que são legitimos,e fundados em justiça he facil fazer-lhes perceber, como por penção ao thesouro, aquillo mesmo que percebia dos povos com manifesto vexame, e gravame da agricultura no modo da percepção. Por tanto ractifico o meu voto, em tudo conforme com o do illustre Preopinante.

O Sr. Pinheiro de Azevedo:- Eu vou marcar a doutrina em que concordo com o illustre Preopinante, e aquella em que disconcordo. O Illustre Preopinante diz em primeiro lugar, que os foraes erão um abuso, que os encargos nelles estabelecidos, erão estabelecidos sem titulo justo: não concordo nisto. Os foraes não só não forão um abuso, senão que eu tenho esta instituição até por admiravel, não só por sua excellencia, senão pelos optimos resultados que teve. Era impossivel que a Hespanha conservasse a sua agricultura, e restaurasse a sua independencia e liberdade sem esta instituição propria da mais sabia politica. Concorda sim em que tirada do producto bruto he contraria inteiramente á lavoura. Eu estou persuadido que nossos Reis procederão de boa fé; mas não tinhão as luzes convenientes para lançar estas contribuições sem que causassem estes males. Lançaram-nas além disso sem conhecimento exacto dos terrenos; e sem terem consideração á differença delles. Por exemplo, o foral de Salamanca serviu para quasi toda a Beira, o de Leão para o Minho, os da Estremadura de Hespanha, e particularmente o de Badalhouce(depois Badajoz) e Elvas servirão para quasi todo o Alemtejo: nesta não ha duvida que se devem reformar. Considerados os foraes como contrato, he certo o que diz o illustre Preopinante, que a Clausula do contrato deve ser cumprida, e que visto que aquelles moradores forão sobrecarregados com outros tributos devem ser recompensados. No que differimos agora he, em que isto se haja de fazer já. Para que

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se não faça já, ha razões de política e de justiça. Ha muitas pessoas e corporações que ficão prejudicadas com esta medida. Eu já disse que só na Beira ha duzentos è quarenta e oito foraes, e serião duzentos e quarenta e oito famílias e corporações que ficarião sem subsistência. Ha outra cousa que peço que o Preopinante tenha em consideração, e vem a ser (repito que não falo senão dos foraes dados por ElRei ou confirmados por elle) que as terras pensionadas não erão dos moradores mas que lhes forão dadas para serem povoadas e aproveitadas: convidarão-se indirectamente por meio de condições vantajosas nacionaes e estrangeiros, e de facto vierão Hespanhoes, Alemães, Italianos, e Francezes, que receberão de graça estas terras: he preciso ter isto em vista. Agora em quanto ao Thesouro, se o prejuízo que tiver se substituísse por um tributo geral, seria isto uma injustiça com gravíssimo damno dos outros cidadãos, que não receberão gratuitamente as terras que possuem, mas que por si ou por seus antecessores as adquirirão onerosamente, ou as rotearão com suas obras e capitães. Eis-aqui somente no que eu diffiro do Sr. Moura.

O Sr. Soares Franco: - Esta he a terceira discussão sobre esta matéria , e he necessário reduzila a termos de poder-se tirar algum partido. Por consequencia, e visto que, segundo parece, a maior parte da Assemblea está decidida pela reforma dos foraes mais bem do que pela sua extincção; e que os methodos principaes para esta reforma podem reduzir-se a três; o que aponta o projecto da Commissão, o do Sr. Pereira do Carmo, ou o do Sr. Pinheiro, julgo que se devem propor a votos estes methodos para ver qual se approva.

O Sr. Camelo Fortes: - O illustre Preopinante, que acaba de falar, dá por certo que toda a Assembléa convém que a origem, e fundamento dos foraes he injusto, e daqui deduz que elles devem ser abolidos, e extinctas de uma vez, e sem contemplação dos senhorios, as rações e foros que nelles se estabelecem. Eu declaro que não convenho com elle no principio que adopta , e julgo que neste parecer nau serei singular. Quando os nossos primeiros Reis expulsarão deste Reino os Serracenos, estes abandonarão ás terras que possuião; ellas ficarão sem dono, e por consequência no domínio da Nação já pelo direito da conquista, já pelo direito da occupação geral, que se estende a tudo aquillo que não está no domínio particular de alguns dos subditos. Segundo as ideas daquelle tempo, aos nossos Reis tocava o dispor dos bens da Nação conforme julgas em mais util ao bem geral da mesma. Vendo elles que as terras conquistadas se achavão sem agricultura, e sem povoação, cujos males era forçoso remediar muito sabiamente , o com vistas mui políticas te deliberarão a dar aquellas terras aos subditos que as quizessem tranferindo-lhes o domínio directo e útil com obrigação de pagarem rações de terço, quarto, etc., bem persuadidos que por este modo augmentavão a agricultura, e por consequencia a povoação , pois quê uma está na razão directa da outra. Estes novos proprietários acceitarão aquellas terras com as referidas obrigações. E por consequência existiu entre elles e a Nação o contrato que se denomina censo reservativo. Este contracto sendo feito com os requesitos legaes he por todo o direito-licito, e valido, bem como o he a compra e venda, e os mais contratos. Sendo esta á verdadeira origem das cações estabelecidas nos foraes, ha visível que ella foi justa e legitima. Diz-se que estes contratos forão celebrados com força e medo, e que são os contratos do lobo com a ovelha; porem a força e medo são factos, que necessitão de provas, e eu pão tenho ouvido produzir uma só prova, nem sei como a possa haver legitima sobre factos tão antigos, e de tempos de que existem tão raros monumentos. Acrescentasse que a força e medo se presume, porque estes contratos forão celebrados pelo poderoso e rico com o fraca e pobre. Longe de nós a idea de admittir unia similhante presumpção. Por quanto admitida ella poríamos os primeiros em estado de não contratar com os segundos : estabeleceríamos entre elles um muro, de separação, o que seria summamente prejudicial a elles e á Nação. Acresce que admittida a referida presumpção a Noção hoje não poderá véu der os bens nacionaes, nem contratar os súbditos, pois se poderá dizer para o futuro, que taes contratos são injustos, porque, se presumem feitos com força e medo; e todos vêm os pessimos resultados que daqui podem nascer. Acrescenta-se que taes contratos forão lezivos; porém esta reflexão desfaz-se por duas razões bem simplices; primeira, porque a lezão deve provar-se com relação ao tempo do contrato; e como será isto possivel em contratos tão antigos, de cujos tempos não temos nem testemunhas, nem documentos? Segunda, supponhamos que se prova a lezão, o resultado he desfazer-se o contrato, e por consequencia tornarem as propriedades para o dominio dos senhores. Longe de nós uma tal medida, porque o remedio seria peor que o mal. Diz-se finalmente que os senhorios estão pagos do valor das terras com as rações que tem recebido. Respondo que este argumento prova nimiamente, e por isso nada prova. Por quanto admittido elle seguia-se, que o dono de uma propriedade, que a arrendasse a outrem, e este lhe pagasse a renda por tantos annos, que equivalesse ao valor do prédio, o senhorio perdia, o dominio, e o colono o adquiria. Todos vêm o absurdo desta consequência. Concluo que as rações estabelecidas nos foraes liverão urna origem legitima; que supposto que com o andar dos tempos se tenhão tornado pegadas á Agricultura. He com tudo necessário respeitar o direito da propriedade: e que por isso não he possivel extinguilas cega e arbitrariamente mas que se deve fazer a reforma de modo que se melhore a .agricultura com o menor prejuízo possível dos senhorios.

O Sr. Feio: - A experiencia de longos tempos nos tem mostrado que pela estrada velha não se pode chegar á felicidade. He necessário tomar um caminho inteiramente novo, e esquecer-nos das doutrinas que bebemos nesses grossos volumes, que trazem no frontespícios longas dedicatorias a príncipes e poderosos. Os reis fora o creados pelos povos para os regerem, e não para os devorarem, nem para serem os únicos proprietários do terreno, e dividilo como bem lhes pa-

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recesse entre quatro indivíduos, constituindo o resto da sociedade na obrigação de os sustentar com o producto dos seus trabalhos. E se alguns isto fizerão, não só arrogarão a si um poder que não tinhão, e que nenhuma sociedade podia conferir-lhes, a não suppormos uma sociedade de mentecaptos, mas fizerão um grande mal ao Reino; porque, se houve quem quisesse cultivar essas terras com tão onerosas condi coes, muito melhor haveria quem as cultivasse sem ellas. Concluo por tanto que os foraes, ou elles provenhão de doações, ou de outro qualquer contracto, são injustos, e voto pela sua total extincção.

O Sr. Borges Carneiro: - Levanto-me para fazer uma reflexão sobre as prestações agrarias em quanto procedem de contractos, ou dos foraes considerados como contractos. Chamem a estes onerosos, censiticos, enfitheuticos, ou como se quizer, eu não posso deixar de os considerar a todos injustos. ¿ Poderá considerar-se que sem notória injustiça, e violência se obrigou ha poucos annos, por exemplo, os moradores do reguengo de Tavira que não pagavão mais do que uma galinha, a pagarem agora o quarto de seus fructos para se sustentarem ricamente as freiras da Estreita? Os serranos de Feirão a pagarem mais de a metade de todo o centeio que produzem aquellas serras ingratíssimas; os cultivadores rios coutos de Alcobaça 19 e meio alqueires de cada moio etc. etc.? ¿ Como se pôde suppôr que não houve violencia em taes contratos? Digão-me como se póde salvar que não houve violencia em estipular laudemios da terceira parte do valor do prédio, foros do cobrados no anno da morte do lavrador, perdimento do prédio por omissão em pagar o foro; aposentadorias a favor do senhorio, e suas bestas etc., e outros taes despotismos que achamos escriptos nas escripturas dos contractos? Mas porque se escreverão elles? Porque os infelizes colonos não, tinhão outro remédio senão deixar escrever nellas tudo o que quizessem os senhores, sob pena de se irem andando com o saco ás costas por esse mundo de christo: e em muitas partes os tabelliães erão os mesmos frades que escrevião quanto querião, e dizião depois ao opprimido, e ignorante lavrador assigne para ahi. Não se argumente pois com taes contractos injustos e violentos na sua origem, e na sua essência, e que se tornarão mais injustos e insupportaveis quando recahírão sobre tributos geraes já imostos aos lavradores, ou que posteriormente se lhes impozerão: esses terços, quartos, etc. erão os tributos com que antigamente se costeava o serviço publico e militar: com o andar dos tempos se instituirão imposições geraes, e nada se diminuiu a estes tributos parciaes. Eis-aqui a injustiça das injustiças. Eu insisto pois na minha primeira opinião da total extinção dos foraes; e quando isso não se vença, nada he então melhor do que reduzir todas as prestações a uns tantos porcento do rendimento médio dos predios. Ultimamente observo perciso acabarmos com isto, porque já estão consumidas tres Sessões, nada se tem adiantado, e restão por fazer cousas importantíssimas.

O Sr. Camello Fortes: - Diz o honrado membro que não são justas as rações, porque são tributos, e que cora a imposição de novos tributos se tornarão insupportaveis. Respondo primeiro , que as rações não tributos; porque tributos propriamente, são as contribuições que a Nação impõe para as despeças publicas sobre os bens dos subdictos, e sobre a sua industria. Ora as terras raçoeiras erão da Nação, e não dos súbditos, e por consequência as rações não são tributos, mas pagão-se em razão do contracto do senso reservativo. Segundo, suppunhamos que em razão da imposição de novos tributos, o pagamento das rações se tornou insupportavel, não se segue daqui que as rações sejão injustas, segue--se pelo contrario que estes tributos são injustos por hão serem proporcionados ás faculdades dos contribuintes, e por consequência ou se devem abolir, ou minorar. Diz finalmente que a despovoação do Alemtejo he devido aos foraes. Eu digo o contrario, porque no Alemtejo ou não ha rações, ou ha muito poucas; e ha muitas na Beira, Estremadura, e Minho; e estas províncias são muito povoadas: logo a falta de povoação no Alemtejo he devida a outras causas.

O Sr. Moura: - O illustre Preopinante, apezar de me merecer sempre muito conceito em tudo quanto diz, não posso agora deixar de lhe fazer reflectir que está em uma equivocação manifesta. Elle quer figurar um contracto censitico entre a Nação, e os colonos, que se obrigarão a prestar estas onerosas rações. Pois muito bem, seja assim. E que acontece agora? Um desses contratantes, que he a Nação, quer aliviar a esse outro contratante, e rescindir o contrata. E quem poderá oppor-se a isto? Ninguém. Poderão nisto ser ouvidos os donatários da coroa, que possuem alguns destes bens? E por ventura ignora o Preopinante que todas as doações de bens da coroa tem a clausula de sé poderem revogar quando a utilidade publica o exigir? He esta uma clausula que admitte o nosso direito publico. Ainda outro dia o Rei impôs o quinto nestes bem doados. E porque? Porque (disse elle na lei) he da minha autoridade até revogar estas doações, quando assim o pedir o interesse publico. Logo se o illustre Preopinante se funda no contrato censitico, a base do seu argumento se converte contra quem se serve dei lê; porque não ha cousa mais clara de que nesse caso todos estes contratos se podem revogar; pois depende isso só da vontade dó um dos contratantes, que he a Nação, á qual não se lhe pôde negar o direito que tem de poder dizer: não te quero gravar mais, vai-te embora em paz. (Apoiado).

O Sr. Peixoto: - Não posso concordar comas idéas do illustre Preopinante. Vejo que o seu voto só estenderia ao allivio das terras enfitheuticas, pencionadas para donatários da coroa; e nessa parte seria eu um dos beneficiados, porque quasi todos os bens, que administro, são dessa natureza: entretanto confesso, que estou tão pegado ao todo dos princípios de direito, e justiça, com que fui creado, que, nem o engodo do próprio interesse, nem a seductora eloquência de alguns dos honrados Membros, que me precederão, tem sido sufficiente para converter-me. Acho que senão respeitarmos o direito antigo; ninguém respeitará o novo, suppondo-o sempre incerto o va-

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riavel. O principio de adoptar as medidas, que contentão a muitos, e descontentão a poucos, he perigosissimo, e destruidor de toda a ordem pública: pela minha parte prefiro, o de adoptar aquillo, que contenta os justos, e só póde descontentar os injustos. Não podemos fazer ás terras reguengueiras o beneficio proposto, sem gravar toda a nação; e a nação, quando assim o fizermos, terá toda a razão de accusar a nossa prodigalidade. Não limitemos o prejuiso do thesouro ao rendimento, que ate agora recebia por estas prestações; devemos estendelo a todo aquelle, que esperava receber. Ternos colectado os benefícios ecclesiasticos, as commendas, e as corporações religiosas ; e essas colectas tornar-se-hão em nada: temos intento de reformar alguns corpos: a reforma hade salvar a sustentação dos indivíduos actuaes; o resto dos seus rendimentos hade vagar progressivamente para o thesouro; e não haverá resto: em uma palavra, toda a diminuição, que se fizer nos rendimentos dos foraes recahirá em ultima analyse sobre o thesouro. Não me aturdem as Reclamações em favor da classe dos agricultores, que trabalhão as terras com pouco proveito: compadeço-me da sua sorte; mas reconheço que na ordem social he um mal necessário; e que nesse sentido a condicção dos possuidores das terras reguengueiras ainda não he tão dura, como a de uma classe muito mais numerosa; isto he, a dos colonos arrendatários. Os lavradores reguengueiros sempre ficão com alguma cousa depois de pagarem as quotas, e não podem ser expulsos de suas terras ao arbítrio dos senhorios: e os arrendatários, achão muitas vezes a casa vasia, depois de pagarem a renda das terras, em que empregarão toda a sua substancia; e estão além disso em cada anno expostos a serem despedidos ao bel-praser dos proprietários: pois a differença da extenção de uma, e outra classe he bem notória: a dos reguengueiros limita-se a parte da província da Beira, e da Estremadura; porque no Minho, que contém a quarta parte da população do Reino, apenas se conhecem quotas em algum casal da casa de Bragança, e no foral dos arcos de Val-de-vez, pertencente á casa do Marquez de Ponte de Lima: são da mesma sorte raros em Tras-os-montes, e Alemtejo. A classe dos colonos arendatarios existe por lodo o território de Portugal. Na província de Entre Douro e Minho, o numero dos lavradores proprietários he mui diminuto em proporção do arendatarios : ha ribeiras dilatadas, em que só de longe a longe se encontra um agricultor, que não lavre bens alheios. Além disso o beneficio da diminuição das quotas não reverteria geralmente em favor dos próprios agricultores: as terras oneradas de prestações estão pela maior parte em mão de proprietários, que os não cultivão, e que tiarião do alivio das quotas o proveito de augmentarem as rendas aos cultores. Diz-se, que as terras oneradas com as quotas estão aruinadas, que produsera mui pouco, e que desse pouco ainda os pencionarios subtrahem á partilha quanto podem: pois se assim he, uma vez que a reducção a penções certas se faça pelo calculo do producto nos últimos annos, já nessa ruína, e nessa subtracção levão as quotas uma boa diminuição; e esse beneficio, junto ao da correcção dos abusos, que indiquei, e ao da extinção dos direitos bannaes, já será sufficiente para melhorar consideravelmente a sorte dos reguengueiros; em quanto todo o excesso, que redundasse em prejuiso de toda a nação a quem aquelle beneficio não tocou, deveria attribuir-se a uma prodigalidade injusta, e injuriosa aos lezados, á qual não subscrevo.

O Sr. Corrêa de Seabra: - Segundo tenho colligido da discussão, o Congresso parece estar decidido a que as quotas incertas se reduzão a quantidade certa, mas por outra parte parece inclinado a que se diminuão as quotas, sem embargo ele reconhecer-se o deficit no Thesouro Nacional; e que determinada a diminuição, as quotas incertas assim diminuídas se reduzão então a quantidades certas. Eu pelo contrario não posso convir que as quotas se diminuão, sem que primeiro se reduzão a quantidade certa pelo modo mais favorável aos lavradores; e só depois de reduzidas a quantidades certas, se se achar por vestoria, ou pelo modo que se julgar melhor, que essa quantidade certa he lesiva, e pesada á lavoura, admitto a diminuição. Não repito o que já disse nas duas Sessões em que se falou nesta matéria, e só tenho a accrescentar: primeiro, que sendo forçoso supprir este defficit do Thesouro, e não havendo outro meio do que o de uma contribuição, he necessário patentear á Nação, a necessidade e justiça daquella diminuição, para que ella conheça que a contribuição não he resultado de uma doação, e liberalidade inconsiderada, que se quiz fazer aos possuidores, e cultivadores de bens nacionaes, desses bens que estão destinados, e applicados para as despezas publicas. Se isto se não mostrar mui clara e evidentemente á Nação, como supportará ella uma contribuição, vendo os bens, que tinha applicados para evitar essas contribuições, aliviados de encargos, a que seus possuidores e cultivadores estavão legitimamente obrigados por contractos? Segundo: que não posso descobrir razão para que essa pequena porção da Nação, que paga quotas incertas por virtude de contractos, mereça mais favor que toda a Nação. Provindas ha, como Entre Douro e Minho, Alemtejo, e grande parte da Beira, que nem noticia tem de quotas incertas. Ouvi a um illustre Preopinante, que a Beira tinha duzentos e quarenta e oito foraes; mas entre esses ha muitos em que nem uma palavra se acha de quotas incertas; e em outros dados a grandes concelhos apenas se acha um, eu outro casal que pague quotas incertas. Ainda menos razão posso descobrir para que esses cultivadores e possuidores de bens sujeitos a quotas incertas mereção mais favor, que os cultivadores e possuidores de bens nucionaes, que pêlos foraes, ou contractos, pagão quantidades certas tendo observado como já disse, que os sujeitos a quotas incertas, não estão mais gravados quantitativamente que aquelles que pagão toros certos, e sabidos. Terceiro: tenho ouvido falar dos bens nacionaes que estão em donatarios da coroa, como se fossem bens perdidos para a Nação, e de utilidade só para os donatários, o que me tem causado grande estranheza: esses bens deixão por ventura de ser nacionaes? Esses donatários, não forão collectados na guerra passada

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passada era terços e quintos, e não estão as commendas ainda pagando quintos? Senão existissem esses bens nacionaes, não havia de carregar sobre a Nação essa contribuição? Não posso por tanto convir, era que se tome por base da reforma dos foraes a diminuição das quotas; todavia, como vejo inclinado para isso o Congresso, no caso de se vencer, lembro, que seria melhor adoptar por base para a reforma uma quantidade dada de diminuição nos bens nacionaes, por exemplo: um quinto, um decimo et cet., o que não offereceria grandes dificuldades na pratica, porque percebendo estas quotas incertas a coroa, e grandes donatários, que as trazem de arrendamento, he mui fácil saber-se o seu rendimento, e tomar por consequência o termo medio no espaço de vinte, annos, e o preço medio dos fructos nos mesmos vinte annos, e fazer depois a reducção de maneira que se verifique a favor dos cultivadores a diminuição que agradar, para o que deve o projecto voltar á Commissão. Não quero perder a occa.vião de lembrar ao illustre Deputado, que na Sessão passada reconhecendo o deficit que deveria haver nas rendas da universidade, se lembrou de remediar este defficit com a secularisação dos beneficios, que não advertiu o illustre Deputado, que nas cathedraes onde ha benefícios que pertencem á universidade uma boa parte da renda dos mesmos benefícios he de bens nacionaes, e que por consequência a massa dos dízimos não pôde compensar esse deficit; e devia reflectir que a massa muito mais ha de diminuir secularisados os benefícios, porque não ha forças que convenção o povo a que deve pagar dízimos, que estuo fora do seu destino; e por tanto como quer o illustre Deputado supprir o defficit da universidade com os benefícios, diminuindo também o rendimento delles com este projecto, e com o outro dos direitos banaes, que deu não pequeno corte a muitos benefícios.

O Sr. Alves do Rio: - Como vejo que toda a grande duvida está, em que se julga que isto vai diminuir os rendimentos nacionaes, persuadindo-se de que entrão por esta parte grandes quantias no Thesouro, para tirar a duvida roqueiro que se mande perguntar ao Thesouro nacional quanto he o que entra efectivamente.

O Sr. Sarmento: - Eu farei um additamento á moção do Sr. Alves do Rio: reduz-se a que o Erário nos remmetta igualmente a importancia do quinto dos bens da coroa visto ser o quinto uma hypotheca dos empréstimos nacionaes.

O Sr. Ferreira Borges: - Sr. Presidente, parece-me que isto não pode vir: isto está misturado no Erario com o producto dos foraes; e por tanto julgo que inútil pedilo.

O Sr. Presidente: - Pois os Srs. que fizerão estas indicações, examinando desde hoje até segunda feira se ha alguma duvida ou inconveniente ácerca dellas, as poderão apresentar no dito dia.

Foi requerido o adiamento, e effectivamente ficou adiado este negocio para continuar sua discussão no sabbado seguinte.

O Sr. Xavier Monteiro apresentou a seguinte

INDICAÇÃO.

Constando neste soberano. Congresso, pela informação do Ministro da fazenda de 28 de Outubro passado, a quantia de papel moeda que se tem amortizado, não constando porem da dita informação nem o tempo em que esta operação do Thesouro foi praticada, nem as circunstancias que lhe derão origem, e a acompanharão, requeiro ás Cortes, para instrueção da Commissão de fazenda, que mandem perguntar ao Governo:

1.° Em que tempo foi feita essa amortização.

2.º Era que lugar, e de que modo.

3.° Porque motivo, e por ordem de quem.

4.° Em que circunstancias se achava o Thesouro, isto he, que porção de papel e metal possuía na época ou nas épocas em que se mandou proceder a essa amortização.

Paço das Cortes em 10 de Novembro de 1821. Francisco Xavier Monteiro.

Foi approvada.

Levantou-se a sessão á uma hora da tarde.

Sessão extraordinaria.

Abriu-se a Sessão ás 5 horas da tarde sob a presidencia do Sr. Trigoso. O Sr. Secretario Felgueiras fez a leitura da redacção do decreto sobre a abolição das devassas geraes, e foi approvada.

Passou-se á ordem do dia. O Sr. Secretario Freire leu o seguinte parecer da Commissão militar.

RELATORIO.

A Commissão de guerra, á qual foi remettido com urgencia um projecto do Ministro da guerra sobre a creação de legiões de guardas de segurança publica, vem cumprir com o seu dever: o mesmo Ministro, agora membro da Commissão propoz algumas alterações ao seu projecto, que a Commissão vai expender, assim como tratar de supprir as imperfeições, que o Ministro mesmo havia presentido, quando fez a sua proposta a este Soberano Congresso. A primeira destas consistia em não indicar o modo, por que se podia effectuar esta organização. A segunda consistia em não designar a paga, e soldo dos officiaes e soldados, e as gratificações, que os primeiros devião perceber. A terceira em não se propor o numero de companhias de cavallaria em cada legião.

Quanto á primeira, he claro que os homens, que tem de entrar em composição destas novas legiões, não podem ser tirados senão dos corpos de 1.ª linha de infantaria, e cavallaria, porque o serviço que tem a fazer desde logo exclue inteiramente a admissão de recrutas.

Mas para fazer esta escolha cumpre considerar o estado actual, numerico do exercito, e qual elle será no 1.º de Janeiro de 1822, depois da partida dos tres batalhões declinados para o Rio de Janeiro e Pernam-

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buco, e da diminuição que ha de resultar, quando no 1.º de Janeiro próximo sede baixa á decima parte dos soldados, que agora existem reunidos ás bandeiras.

O completo da infantaria, e cavallaria do exercita em cabos, Anspessadas , e soldados deve ser de 34$641 homens, e o effectivo agora de 21$416. Se destes 21/416 deduzirmos a força dos três batalhões destinados a ir fazer o serviço nas províncias do Brazil, a qual he de 1536 homens, e a decima parte, que pelas ordens do Congresso deve ter baixa no 1.º de Janeiro, restão-nos 17$739, e he desta ultima força que havemos deduzir as 2013 baionetas, e sabres necessários para a formatura das legiões, cuja operação nos vem a reduzir a força da infantaria e cavallaria igualmente em baionetas e sabres a 15 $726.

Mas esta diminuição ha de ser de necessidade muito maior; porque cumpre considerar as perdas diárias da mortalidade, e a dos homens, que se inutilizão por enfermidades, assim como o maior numero de desertores, que não pôde deixar de haver pelo excesso do serviço, que continuando a ser o mesmo, quando diminuem os homens para supportar este trabalho, indispõe os ânimos a ponto de se arriscarem a desertar para sahirem deste estado penoso. O numero de desertores deixando cada dia menos homens para o serviço, este se faz tanto mais pezado para os que ficão; o que vem a ser uma causa de continua incitação á deserção cada vez roais forte, poderosa em todas asar-mas, mas principalmente na cavallaria, na qual ha regimentos, aonde um soldado trata de três ou quatro cavallos, o que he bastante para reduzir ao nada a nossa cavallaria. A Commissão não crê exaggerar, affirmando que dentro de três ou quatro mezes todas estas causas reunidas reduzirão o exercito apouco mais de 12$ baionetas, e sabres.
Esta força he sem nenhuma proporção com o serviço interior, e a defeza do paiz se necessária for, e era do dever da Commissão fazer conhecer este reduzido, estado de nossas forças, para chamar a attenção da Assembléa sobre um ponto tão importante, do qual talvez dependa a independência nacional; fazer observar ao Congresso que nas operações relativas ao exercito tudo se liga; que a prudência não permitte por mais tempo dissimular o estado, em que nos achamos; e que he necessário que tudo marche de frente, pensando em preencher os corpos, e ordenando um methodo qualquer de recrutamento, sem o que o exercito se reduzirá em breve tempo anão termais do que um estado maior dispendiosissimo, e quadros de corpos em que faltem combatentes.

As providencias a este respeito são tanto mais urgentes, quanto se tornão de pouco effeito na occasião do risco imminente, o qual póde apparecar de um momento a outro, e que a política deve fazer recear; pois se bastão poucos mezes para formar um soldado de infantaria sofrível, nem por isso deixão os corpos desta arma de descer a uma inferioridade de instrucção, e de aptidão para o objecto do seu destino, quando cê introduz de uma vez numero de recrutas considerável sem nenhuma proporção com os soldados velhos; sendo esta reflexão de tanto maior pezo na cavallaria, quanto não basta dinheiro, e actividade para pôr os corpos desta arma em um pé respeitável, mas he preciso tempo tomado antecipadamente, e um cuidado de todos os momentos.

Resumindo-se agora ao objecto particular dacreação de legiões de guarda de segurança publica, a Commissão foi de parecer de propôr que se approvas cem em geral as idéas do Ministro pela utilidade indispensável, que se tiraria da sua execução, para um dos objectos, que mais interessa a sociedade no seu interior, qual he o de uma policia vigilante, que previna os delictos, e afiance a segurança publica.

Passando a particularizar os objectos comprehendidos neste projecto, a Commissão acha ser bem calculado o numero das inspecções, a composição das legiões com leves alterações, e a força das companhias de infantaria, e teria desejado admittir igualmente a composição proposta das companhias de cavallaria, se o estado do thesouro não lhe fizesse um dever de as diminuir da força de 90 a 64; igualmente foi de parecer não deixar á guarda real da policia a sua organisação actual, mas assemelhalla em tudo ao resto do corpo, a fim de fazer praticável a responsabilidade dos commandantes, dividir este corpo organizado sem methodo em duas legiões, supprimindo o seu numeroso estado maior totalmente inútil em um corpo desta natureza, que nunca se deve reunir, sem alterar o serviço diário a que he destinado, revogando-se nesta parte o decreto de 4 de Novembro de 1805.

Quanto ao corpo de policia da cidade do Porto, a opinião da Commissão he que se deve fundir toda nas novas legiões, conservando os officiaes, e soldados, que os inspectores julgarem próprios para este serviço. A Commissão foi igualmente de parecer de fixar desde já o numero de companhias de infantaria, e cavallaria em cada legião, como propõe no projecto de decreto, que apresenta.

Pareceu á Commissão dever declarar que os officiaes de infantaria deste corpo devem ter cada um, seja qual for a sua graduação, um cavallo; único modo, porque podem fazer utilmente o serviço. Este acréscimo de despeza será mais que muito compensado pela reforma das rações, que desfrutão os empregados das repartições civis, aos quaes se tem até agora conservado por um inaudito desleixo.

He tambem de opinião a Commissão que o Governo mande inspeccionar aos corpos de linha, não só para a escolha dos guardas de segurança publica, mas lambem para que o Governo aproveite esta occasião de fazer fiscalizar as contas regimentaes relativas a todos os vencimentos, e deixar as ordens mais severas ácerca da disciplina, e instrucção, e sobre os descontos illegaes, que possão ser praticados a titulo de musica ou adornos contrários ao padrão do uniforme, que de nenhum modo pode ser alterado pelos comandantes e que serve de pretexto a abusos reprehensiveis. Sem embargo dá inspecção ficão sempre responsáveis os com mandantes dos corpos pelos homens, que designarem ao inspector como capazes deste serviço, se a elle se não acharem próprios; devendo ser recambiados para os corpos, a que pertencião, á custa dos com mandantes, que os houveram mandado.

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Os cavallos serão igualmente tirados dos regimentos de cavallaria do exercito; reservando-se a Commissão chamar a attenção do Congresso sobre os meios de remediar este desfalque, quando lhe der conta dos officios do Inspector de cavallaria, escriptos ao Ministro da guerra sobre este objecto da primeira importancia.

O que importa sobre tudo he a escolha dos officiaes; e he o que justamente será mais difficil ao Governo. Parece pois conveniente para aproveitar homens , e poupar despezas, lançar mão de alguns dos que regressarão do Rio de Janeiro, e talvez fosse justo indicar ao Governo que formasse uma Com missão junto ao Ministro da guerra, para examinar não só os títulos, e a capacidade destes, mas também a de alguns officiaes, que, reformados nestes últimos tempos, se achassem com aptidão, e vontade de tornar a entrar no serviço.

Desta medida resultaria pôr termo a muitas, e fatigantes reclamações, e conciliar ao novo systema homens, que lhe podem ser desaffectos pelo prejuízo que sentirão em seu estabelecimento; imitando outras Nações, que reformão suas medidas de precaução, e severidade em proporção da estabilidade de suas instituições, e do progresso da opinião publica em favor de novos systemas. Este trabalho importa que seja feito por uma Commissão presidida pelo Ministro da guerra, para que este não possa ser accusado de arbitrariedade pelos não escolhidos; e posto que esta medida seja privativa do Governo Executivo, he obvio que elle a não tomará sem que pelas Cortes lhe seja indicada. Esta medida traria para o serviço officiaes, se não com conhecimentos privativos desta casta de serviço, pelo menos com experiência do serviço em geral. Seria também conveniente deixar ao Governo a latitude de poder escolher para este serviço um, ou outro official da segunda linha. para recompensar por este modo um pequeno numero dos que se distinguírão na nossa regeneração politica, e aproveitar homens, que tem mostrado uma ardente adhesão ao systema constitucional, e tem particular conhecimento das localidades, e dos indivíduos nas provincias.

De todos os modos a primeira organisação, e composição em officiaes deve ser inteiramente obra do ministério, debaixo da sua responsabilidade.

Passando á segunda omissão do projecto do Governo acerca dos soldos, e paga dos officiaes, a Commissão he de parecer, que os indivíduos das novas legiões gozem dos mesmos concedidos á guarda real da policia pelo decreto de 4 de Novembro de 1805, e das vantagens concedidas aos corpos arregimentados pela portaria de 13 de Setembro de 1814. Os inspectores gozarão dos soldos, e gratificações correspondentes á sua graduação da linha, e além disso de 20$ reis mensaes para
as despeza de Secretaria.

A Commissão fez com toda a miudeza o orçamento da despeza, que resultará da creação das sete legiões, comprehendendo os estados maiores das inspecções, cujo resultado lhe fez conhecer que o augmento da despeza, quanto a soldos, se reduz a 80:067$600 réis por anno por quanto as outras despezas de pão, lenha, forragens e fardamento, sendo constantes, quer os indivíduos fiquem na linha, quer passem para as legiões, não formão uma nova addição em carga ao Thesouro Nacional, e só mudão de objecto. Para fazer esta demonstração palpável a Commissão ajunta uma tabella circunstanciada indicando aqui somente as sommas totaes, a saber. Para es estados maiores das inspecções, e das legiões em soldos, e gratificações 18:136$800 reis.

Para os officiaes, e tropa de infanteria em soldos, e gratificações 156:091$200 réis.

Para os officiaes, e tropa de cavallaria em soldos e gratificações 46:790$400 réis.

Para o pão de todas as praças das legiões 54:772:200 réis.

Para as forragens, dando um cavallo a cada official de infantaria, 79:020$ réis.

Importa o fardamento dê todo o corpo, lenha etc., por anno, em 36:514$800 réis. O que tudo faz a somma de 391:325$400 réis;

Porém, como acima se disse, para conhecer a verdadeira despeza addicional, cumpre diminuir desta somma a despeza, em que actualmente importa a Guarda Real da Policia de Lisboa, e a do Porto nos mesmos objectos, isto he, em soldos, gratificações, pão, forragens, e fardamento, a qual he de 151:366$395 réis; e por tanto o accrescimo total da despeza pelo novo estabelecimento não he senão 240:059$005 reis. Todavia ainda não he esta a somma real, que vai pezar de novo sobre o Thesouro publico; porquanto, como acima fica observado, todos os indivíduos que entrarem neste corpo, de qualquer graduação que sejão, existem já no exercito com vencimentos de pão, forragens, fardamentos soldos, e gratificações; deduzidos seus vencimentos actuaes, que são constantes em qualquer corpo que existão, do accrescimo que vão a ter, não encontramos de excesso de despeza senão 80:067$600 réis como uca dito, sem incluir neste calculo a differença dos soldos, gratificações, e rações de forragens dos inspectores, e seus ajudantes, o que diminuirá ainda mais a differença real do accrescimo de despeza, a qual não se faz entrar no presente calculo, por ser variável, e depender da graduação de official general, ou superior, que for designado para inspector, e de estar actualmente empregado ou não.

Cumpre também informar que a despeza do fardamento não se faz de uma só vez, e que ha de ser progressiva noa annos seguintes, estando quasi todo o exercito fardado de novo, e não se devendo dar o novo uniforme senão no prazo do seu vencimento.

Para cobrir o augmento da despeza da guarda da policia, na época da sua creação, por um decreto de 14 de Abril de 1804 foi creado um novo imposto era. Lisboa de tem réis por cada almude de vinho; de cento e vinte réis por cada um cantaro de azeite, e arroba de carne de porco; e de duzentos réis por cada um almude de agua-ardente, azeite, e carne de porco que se despacha para o consumo da cidade de Lisboa, ou para e exportar para outra parte do Reino, ou dos domínios portuguezes no ultramar; e sendo para o consumo do termo, ametade deste direito; e

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sendo paraex+ortação estrangeira, a terça parte: pagando tamhem de direito da foz o vinho e azeite que entrar pela barra, quarenta réis por almude ou cantaro, e oitenta réis por almude de agua-ardente. A Commissão ignora qual seja o producto deste imposto; he de opinião geral que vai muito além do dobro do que custa a paga da aguarda da policia, e da illuminação da cidade; e posto que este imposto pareça unicamente pesar sobre os moradores de Lisboa e seu termo, todavia vem a ser por mais de metade supportado pelos outros habitantes do reino, que afluem a esta capital, como patria comum, e centro do negocios dos cidadãos; e não será divirtir do seu destino primitivo o accrescimo deste imposto, applicando-o para o pagamento das novas legiões, quando as provincias concorrem para o pagarem, e quando da melhor policia, que nella se estahelecer, ha de resultar maior segurança para a capital.

O maior serviço, mais penoso, mais arriscado, e mais continuo, não somente do que o da tropa de linha, mas do que os das legiões, que ficão em Lisboa não deixa possibilidade de arbitrar menores vantagens para aquellas do que para estas: o mesmo se entende a respeito dos officiaes, que tendo mais lento adiantamento neste corpo, e mais responsabilidade do que na linha, porque he mais circunscripta a esfera das promoções, devem ter alguma compensação.

Quanto ás instruções para o serviço interior do corpo, e suas relações habituaes cora as Secretarias d'Estado de guerra e da justiça, e com o Intendente geral da policia, e mais autoridades, deverão ser combinadas de modo, que estas autoridades superiores sejão instruídas do que se passa com a maior celeridade possível; ampara este um o Inferior que estiver ao alcance da Vinha do correio em maior proximidade do que o seu Superior, além da parte que dará a este, igualmente a dará directamente áquellas autoridade.

Seria tambem util considerar na espécie de armamento que convém dar a este corpo, e qual deva ser o uniforme mais próprio, e mais com modo. A Commissão reconhece que estes afectos pertencem ao Governo, o qual ha de ter em vista o que he util, e não se deixará levar pelas contemplações, que houve com um antigo commandante da guarda da policia, o qual leve o capricho de desprezar o primitivo fardamento mais próprio para o serviço, somente em favor do golpe de vista, confundindo este corpo com um regimento de linha, dos quaes era necessario que se differençasse até para influir respeito de outro genero. O uniforme comprido parece preferivel para esta tropa; e a cor verde não parece dever ser preferi-la, porque informações posteriores tem demonstrado que a despeza seria maior.

Sobre estas bases indicadas pelo Ministro, e emendadas segundo o que vem de ser exposto, a Commissão tem a honra de propor ao soberano Congresso o decreto da creação cinco novas legiões de segurança publica, e da reorganização de duas em lugar da guarda da policia, pedindo que seja impresso com este relatorio, e com o officio do Ministro ás Cortes, o seu relatório a ElRei, para ser discutido este objecto de tão grande utilidade, e por cuja adopção bem dirão as gerações presentes e futura a sabedoria e solicitude das Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação portugueza; e não será este um dos seus menores titulos de gloria.

Sala das Cortes em 26 de Outubro de 1821.- José Antonio da Rosa; Manoel Ignacio Martins Ramplona; Alvaro Xavier das Povoas; José Maria de Sousa Almeida; Francisco de Magalhães de Araujo Pimentel.

(Segue-se o projecto de decreto mencionado em particular a organisação deste corpo, localidades, modo de fazer o serviço, etc. etc. etc., com duas tabellas do orçamento das despezas).

O Sr. Salema: - O relatorio; Senhores, redigido pelos illustres membros da Commissão de guerra, he ao meu ver excellente, falando em geral; parece-me porem impraticavel nas nossas actuaes, e criticas circunstancias e pelos motivos que vou expender. 1.º Notório he a toda a Nação o lastimoso estado do thesouro publico, que não podendo fazer face ás despesas correntes, deixa um déficit annual exorbitante.

Posto que no relatório se diga que a despeza que acresce he de 80:067$600 réis com tudo pelo que se lê no mesmo relatório, sobre a necessidade que ha de se preencherem as vacancias que vão a ter lugar no mesmo exercito, vem a ser a despeza na totalidade de 391:325$400 réis, e se se deve subtrair desta despeza a que se faz com a actual policia calculada em 151;266$396 vem a ser o effectivo accrescimo com que se vai onerar o thesouro de 240:059$005 réis. A respeito do fardamento, que se diz economizar se, porque os soldados que vem para as legiões, trazem os seus respectivos; devendo porem fardar-se os que entrão nas suas vacâncias fica nulla essa suposta vantagem. 2.° Bem conhecida he a todos a grande falta de população, e os homens recrutados para os exércitos, suo pela maior parte tirados da classe dos agricultores que tanto se deve proteger. 3.° Já a illustre Commissão ponderou judiciosamente, o diminuto estado do exercito actualmente, e a sua maior diminuição quando no 1.° de Janeiro se der baixa á decima parte da sua força: as baixas devem pertencer aos mais veteranos soldados: as guardas de segurança publica devem ser compostas de 3534 indivíduos escolhidos; então se verá a que estado fica reduzido o exercito, porque eu não considero só o numero de homens de que elle se ha de então compor, mas tambem as suas qualidades físicas e moraes; então se verá qual he mais funesto ao exercito, se dar destacamentos para a policia, perdendo irasse tempo os indivíduos algum gráo de disciplina, que facilmente tornão adquirir quando regressão para os seus corpos; do que sendo para sempre separados delles; talvez seja mais sensivel esta falta a respeito dos cavallos. 4.° O gráu de educação dos nossos soldados he impróprio para este serviço; não sabendo ler pela maior parte, como reconhecerão os passaportes ou outros papeis no meio das imensas solidões que ha no nosso paiz? Se este estabelecimento he de reconhecida utilidade em França, aonde creio que unicamente existe com esta organisação, quem comparará as nos-

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sas circunstancias com as daquelle ditoso paiz, e com a educação daquelle povo, por isso o que a um he proveitoso, a outros póde ser nocivo: em quanto ao serviço que farião os destacamentos, ou appello para á experiência, e contra elle se me não produzirão argumentos; he bem notório e bem recente o estado de segurança a que chegou a província de Além-Téjo a mais difficil de guardar, pelas causas irremediáveis que nella existem, sendo limítrofe da Estremadura, e Andaluzia, famosas peta seus intrépidos e numerosos salteadores, os seus despovoados os seus bosques capuzes de occultar exércitos ... pois chegou esta província ao maior grau de segurança, e este serviço era executado por bem pequenas forças. Diz o relatorio que se poderão aproveitar alguns officiaes de segunda linha, que se distinguissem na nossa regeneração política: oppôr-me-hei sempre a esta medida , pelas razões que se seguem, abriríamos a poria ás pertenções dos ministros, eus suas arbitrariedades, iríamos dar soldos a quem os não tem, nem os precisa; ao mesmo tempo que não se paga a milhares de empregados, e que ha muitos centenares de officiaes a empregar, e iríamos roubar aquelles beneméritos cidadãos aos úteis empregos das suas casas: se são beneméritos ha commendas, ha condecorações, tenças que se lhe podem conferir.
Acho incoherente que se possuo admittir para este serviço officiaes reformados; depois de se ter dito que o serviço deste corpo he tão activo que se devem dar cavallos aos officiaes de infantaria; as reformas sempre se dão por se ler impossibilitado o official no serviço, a impossibilidade ou he fisica, ou moral; no primeiro caso não podem ser aptos para aquelle serviço, no segundo por suspeitas de desafeitos a causa constitucional seria um absurdo, seria trairmo-nos a nós mesmos se entregássemos a nossa segurança, a nossa tranquilidade a esses homens; talvez os beneméritos membros da Commissão, quizessem por motivos a elles conhecidos, fazer reparar a honra de algumas innocentes victimas de intricas abomináveis.

Por tanto voto se faça a policia por destacamentos, como se fez nos annos anteriores a 1807 de que a experiência mostrou a sua bondade, e que por ora se não trate do proposto plano; incompatível com as nossas circunstancias como deixo demonstrado.

O Sr. Pamplona - O discurso do illustre Preopinante ataca a bondade do projecto no seu principio, e nas suas bazes: nega a sua utilidade, lembra outro meio de acautelar a segurança publica, e quer estabelecer a impossibilidade de poder o thesouro fazer face ao acréscimo da despeza, que resultaria da creação das novas legiões. Se esta opinião he fundada, fica inútil, e sem objecto uma discussão ulterior, todo o projecto cabe, porque lhe falta baze. Para decidir esta importante questão, cumpre expor ao Congresso que o Governo se lembrou de propor á sua approvação a creação destas legiões destinadas a manter a segurança publica, como o lie em Lisboa aguarda da policia. O motivo desta resolução do Governo não foi outro mais do que a necessidade, a qual em todas as épocas, e em iodos os paizes, desde que os homens se congregarão em sociedades, tem sido, e ha de ser a causar motriz de todas as instituições felinas. Os males experimentados são os que dão impulso aos homens para procurar meios de os remover, e para se acautelarem de sua repetição para o futuro. Estes males não podião ser mais graves, nem mais próprios para a solicitude do ministerio de ElRei, de que nessa época eu fazia parte como Secretaria de Estado dos negocios da guerra. Do todas ai províncias, e quasi de todas as partes do Reino, chegavão á Secretaria de Estado da guerra, á da justiça, e ao Intendente Geral da Policia, assustadoras e não interrompidas participações de roubos a mão firmada, de arrombamentos, de extorsões, mortes, e vias de facto perpetradas por quadrilhas de salteadores a pé e a cavallo, algumas numerosas, compostas de nacionaes e estrangeiros, perecendo terem communicações umas com outras, e até com as dos reinos estrangeiros. O primeiro cuidado do ministério foi de mandar por em todo o vigor as leis da policia, e ordenar aos generaes das províncias, e a todos os commandantes da força armada para que prestassem todo o auxilio da tropa da primeira, e segunda linha aos corregedores, e mais magistrados locaes, a fira de reprimir ataques tão repetidos, e tão insolentes contra a fortuna, e a vida dos cidadãos pacíficos por uma maneira desconhecida entre nós, e que ameaçavá a dissolução da ordem social. Estas medidas tiverão felizes, posto que lentos resultados. Eu mesmo tive a honra de as participar a este Soberano Congresso.

Todavia a gravidade do mal fixou seriamente a attenção do ministério, o qual pensou que seria conveniente não só remediar o mal depois dos delictos perpetrados, mas criar uma instituição que os prevenisse e atalhasse: esta he a perfeição, e até a obrigação d£ uma boa administração publica o exemplo de Lisboa estava debaixo dos olhos, nada havia tão natural como pensar em fazer em beneficio das províncias o mesmo, de que tanto fruto se havia tirado para a capital. ElRei approvou esta idea, e tive ordem de formar um plano de guardas de segurança publica para submeta ter á approvação do Soberano Congresso. Esta foi a origem deste projecto.

Envolvido em um expediente diário immenso então sem methodo nem ordem, que absorvia quasi todo o meu tempo, apenas me foi possível lançar algumas linhas no papel, que não tive o vagar de ponderar com madureza : instado pela continuação da perpetração de roubos, e atrocidades na extensão do Reino, pelas observações dos meus collegas, que vião quanto a demora de tal medida era prejudicial, e pelas de muitos dos illustres Deputados, que me ouvem e que conhecião por suas correspondencias com as provincias a gravidade do mal, posso acrescentar que o publico todo reclamava esta medida. Forão estas razões, que me fizerão pôr dê parte todo o amor proprio, e apressar a remessa do projecto ao Congresso, coto as imperfeições, que o mesmo conhecia e confessava no meu officio.

Havendo pouco depois entrado em qualidade de Deputado neste Soberano Congresso, e tido a honra de ser nomeado para membro da Commissão militar,

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tocou-me a singularidade de examinar o mesmo projecto que havia formado como Ministro, e ajudado das luzes dos illustres Deputados meus collegas na Commissão, e de um illustre Deputado, que está assentado á esquerda do sr. Presidente, procurei com mais vagar ratificar as imperfeições do projecto primitivo, e de comum acordo com os outros membros da Commissão, o apresentamos tal e qual está impresso, e se distribuiu.

A utilidade desta instituição he incontestável, se pois da experiência feita em outras Nações, principalmente em França, que he o paiz da Europa da mais apurada civilização. A gendarmaria, que seccedeu á antiga maréchausée, tem feito e faz diariamente taes serviços, que em nenhum paiz conhecido se pode transitar com mais segurança do que em França; nem se diga, que este serviço pode ser substituído pelo da tropa de linha: esta ultima se emprega, nem se póde empregar senão para accossar os salteadores, depois de manifestadas suas violências, e por tanto para fazer castigar os delictos depois de prepetrados, em lugar que o destino das guardas propostas seria, o de impedir que estes delictos se perpetrassem, tornando-se não impossível, mas pelo menos difficil a reunião das quadrilhas. Neste momento tudo prova que ha uma associação de salteadores numerosa, disseminada em todo o Reino, que tem correspondencias regularmente estabelecidas entre si e para fora do Reino; uma confraria desta natureza só se póde paralizar por uma associação similhante para o bem, como aquella está Organizada para o mal, que rompa o fio das correspondencias por uma vigilancia continua; este destino só o pode ter uma instituição particularmente destinada, para este fim único, subordinada aos magistrados civis, e não a tropa de linha, que nunca se sujeita de bom grado a autoridade civil, e que alem disso não conhece esta casta de serviço. Não devo com tudo prometter á Assemblea, que espero desde logo estes importantes resultados em sua extensão pela grande difficuldade de achar officiaes, que tenhão noções de um serviço inteiramente diverso daquelle, que fazem nos corpos donde deverão sahir: só o tempo e a constância pôde produzir estes effeitos, mas nunca os experimentaremos, se nunca principiarmos.

Da melhor policia em todo o Reino será uma consequência infalível a melhor policia de Lisboa, porque, os ladrões acossados em toda a parte, hão de influir menos na capital aonde o serviço se não deve fazer como agora, em que a guarda da policia degenerou da sua premitiva instituição depois que se introduziu nulla a pertenção de figurar com musica, bandeiras, e estados maiores como regimento de linha. As paradas não são para corpos desta natureza, que levem constantemente estar dispersos, sem que por caso algum se reuna nem ainda uma companhia. Quanto ao artigo da despeza, he certo que accresce 45 contos de reis annuaes, certeza de que o imposto, de que se faz menção no relatores produz uma somma superior á despeza que se faz com a illuminação da cidade, e com a actual guarda da policia: mas não tenho certeza se he sufficiente para a despeza que careceria este novo estabelecimento: se o augusto Congresso decretar esta creação em principio será facil achar em economia bem entendidas mais do que o necessario para este fim.

O Sr. Feio: - O estabelecimento de um corpo militar, que não he destinado a combater, e que vai augmentar muito consideravelmente a despeza do Estado com os avultados soldos, que se lhe designão, e roubar á agricultura um grande numero de braços, parece-me cousa inadmissível em todo o tempo, e muito mais nas actuaes circunstancias.

A Nação tem um exercito, a quem paga para a defender dos inimigos internos, e externos. Nós felizmente não temos agora inimigos externos, que combater; e se os ha internos, porque se não emprega tuna parte da força armada, ou toda ella, se necessário for, em os perseguir e exterminar? Negão-se por ventura os cidadãos militares a este serviço, ou a outro qualquer, que seja preciso fazer á sua pátria? Certamente não. Então para que havemos de augmentar o numero dos comedores com o extravagante estabelicimento de um corpo de malsins? Que incoherencia!

Todos os dias ouço gritar neste Congresso, que no thesouro não ha vintém, que a receita não chega para a despeza, e todos os dias vejo crescer o numero dos empregados públicos, augmentarem-se-lhes os ordenados, e vejo todos os dias apparecer novos projectos para accrescentar a despeza. E daqui devo concluir, ou que o deficit que dizem, he imaginário, ou que se pertende arruinar de todo a classe agricultora, esta classe tão infeliz, que tão desprezada tem sido, e tanto merece as nossas attenções.

Por todas estas rasões, e porque o estabelecimento da gendarmeria na França foi
parto do despotismo, e nunca as invenções dos déspotas deixarão de ser fataes á humanidade, eu voto contra o projecto, e era seu lugar offereço outro muito mais simples muito mais efficaz, e muito menos despendioso; e vem a ser , que se nomèem para os lugares de magistratura homens probos, inflexíveis, e constitucionaes; e que se mande erguer uma forca em cada província para os ladrões, e para aquelles, que os protegerem.

O Sr. Vilella: - O projecto ou plano da creação das legiões da guarda de segurança publica he som duvida obra de mão de mestre, e de muita honra para seu illustre autor. Por tanto não he ao plano, a que me opponho ; mas á supposta necessidade da creação de similhantes corpos , que vão forçosamente pezar sobre o thesouro: tem-se gritado, he verdade, e pedido, neste soberano Congresso providencias contra os salteadores que infestão as estradas do Reino , e tem chegado a invadir os próprios povoados : e eisaqui donde se conclue aquella necessidade. Mas pergunto eu , porque se não continuão a com mester cisas providencias aos governadores das armas das províncias , ficando delias responsáveis. Não derão elles ainda ha poucos dias inteira conta de uma tal incombencia? Que embaraço pôde haver para que do exercito se destaquem forças contra os salteadores, e de que se empreguem os soldados no serviço da policia sendo necessário? Diz se que a França, uma das Nações mais civilizadas, tem guardas similhantes: ha verdade. Mas em que tempo forão creados, ou reno-

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vados com tão grande extenção esses corpos chamados de gendarmes ? Foi no tempo da guerra, em que os exércitos da França esta v ao fora do seu território, e em que era preciso substituir uma força armada, que de certo modo supprisse áquella foi no tempo da revolução e da tirannia. Mas nós que estamos em paz, que ternos o nosso exercito dentro das fronteiras, porque o não havemos de occupar neste serviço? Para qual outra cousa nos he elle agora necessário? Sou pois de opinião, que se não sobrecarregue o thesouro de novas despezas; e que se incumba aos Generaes das armas das províncias o cuidado e responsabilidade de vigiar a segurança publica, empregando a força armada que está á sua disposição. Quanto á policia de Lisboa, confio na actividade de seu novo chefe, que ella tornará a seu antigo vigor e disciplina. Com effeito he notável a differença que se observa na tranquilidade da capital, se me refiro ao tempo da creação do corpo da guarda de policia, e muitos tempos depois. E porque? Porque então o dito corpo, posto que tinha mais consideração civil do que militar, não tendo bandeiras, não fazendo paradas, etc. etc., era vigiado por commandantes activos e severos.

O Sr. Borges Carneiro: - O projecto de que se trata demonstra bem o zelo e illustração do seu autor; porém no estado presente das cousas não se deve tratar de fazer algum novo estabelecimento publico ; deitar abaixo os que ha, disso quanto mais melhor. Pelo que ali se diz tocante aos milicianos, de modo nenhum devemos nem sequer lembrar-nos de dar esse grande golpe na agricultura, e na tranquillidade das famílias, como seria o de tirar os milicianos (que todos são proprietários ou artistas) de suas casas para um serviço activo, qual o que se propõe. A minha opinião he que fique por ora espaçado este projecto, e de agora a alguns mezes a experiência nos terá ensinado sobre o estado da segurança publica, e sobre as causas que a tem perturbado. A principal causa por que a segurança publica tanto tem sido perturbada, he porque os ministros não cumprem ,as suas obrigações. Quanto aos ministros dos bairros de Lisboa, se elles tivessem cumprido o regimento dos quadrilheiros e o seu regimento, que lhes manda indagar o modo de vida das pessoas que morão nos bairros, e vigiar sobre as suspeitosas, sobre passaportes, vadios, etc. certamente não haverião tantos ladrões e homicidas. A policia militar aqui e no Reino tem feito muito bem as suas: obrigações, mas que he feito de tantos malfeitores que se estão prendendo desde a nossa regeneração para cá, por não remontar mais atrás? Nada. Já vimos algum justiçado, ou condemnado? Nenhum. E porque? Porque, dizem os Desembargadores, nada se prova. Pois então, digo eu, repartições que estão encarregadas de indagar a verdade, e a verdade não pode lá chegar, devem ir a terra: o juízo aonde a verdade não chega, para que ha de existir? A Nação está pagando ordenados aos ministros para elles indagarem a herdade; elles indagão na de modo que ella nunca pode chegar á sua presença, é que o que sabe todo o povo, só elles o mio sabem; então abaixo com elles. Deste modo os ladroes se multiplico, e as partes, e as testemunhas não ousão queixar-se, nem ir jurar o que sabem, prevendo que tudo ha de ficar em nada, e que depois hão de ser ameaçados por esses mesmos malfeitores. Se se formasse cuidadosamente a culpa aos ladrões e matadores, e depois de se saber que o são, fossem conduzidos á forca dentro de quinze dias, ninguém seria mais tentado a commetter taes crimes: o que contem os mal intencionados he o exemplo, quando elles estão certos que não hão de escapar, e que um brevíssimo espaço ha de medear entre o delito e o castigo. Por tanto o meu parecer he que se fação castigar prontamente os ladrões que já estão presos e se forem prendendo, e se diga ao Governo, que proceda contra os ministros que não observão os seus regimentos, e as leis sobre policia, bem como os Desembargadores que demorão condemnar os malfeitores: e adiemos o actual projecto para daqui a tres ou quatro mezes, tempo em que poderemos tratar delle com mais conhecimento de causa.

O Sr. Pamplona: - São sem duvida mui attendiveis as considerações dos illustres Preopinantes sobre a penúria do Thesouro publico; mas attente bem o Congresso que a primeira necessidade de uma Nação he existir, a segunda he prosperar. Sem meios de segurança publica no interior, e de defesa contra o exterior, não ha Nação. Nisto se encerra toda a questão.

Repito que se não póde empregar tropa de linha no serviço diario destinado aos guardas de segurança publica, porque são objectos diametralmente oppostos. He da essência da tropa de linha estar reunidas para a disciplina e instrucção, a fim de poder um dia fazer face aos inimigos externos da pátria, quando esta he atacada: a essência das guardas de segurança publica he estar disseminada em todos os pontos do Reino para exercer sua vigilância. Como podem corpos, cuja natureza he tão opposta, fazer com vantagem o mesmo serviço? O illustre Deputado, o Sr. Borges Carneiro, quer que se ponha em vigor o regimento dos quadrilheiros, e que os magistrados inforquem os ladrões: o regimento dos quadrilheiros seria talvez sufficiente em tempos ordinários, entretanto não foi sufficiente em Lisboa, aonde se roubava e matava de dia no Chiado, o nas ruas mais publicas de Lisboa, quando a falta absoluta de segurança publica fez crear a guarda da policia. Sem duvida he necessário punir com a pena de morte os malfeitores , mas quer o illustre Preopinante inforcar trezentos ladrões, que talvez estejão nas cadêas? Não he mais próprio de um Governo constitucional crear um corpo destinado por sua vigilância a prevenir os delictos; e não he isto preferível á triste necessidade de os castigar, depois dos males irreparáveis feitos a tantos cidadão pacíficos, pela facilidade de se commetterem os delictos? Pois he isto remédio que se offereça á humanidade do Congresso, propondo a creação das guardas de segurança publica. Não he preciso grande forço de juizo para achar, que a força, de um remédio efficaz contra os malfeitores, pois que as Nações as menos cultas a elle recorrem, consiste em procurar os meios de prevenir a desgraça, e de destruir o seu similhante para o bem então da sociedade, por

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meio de sabias instituições, he que tem trabalhado homens esclarecidos e hemfazejos, que tem tomado na mão o leme do baixel do Estado. Este grande beneficio he que se procura fazer por meio da medida proposta.

O Sr. Maldonado: - O Sr. Vasconcellos propoz ao Congresso um projecto sobre marinha; levantou-se o Sr. Luiz Monteiro e disse, que o mesmo Deputado que propunha a moção devia também propor o meio de se fazer a despeza; e debaixo destes princípios regeitou-se o projecto: parece-me por tanto que devemos seguir o que diz o Sr. Borga Carneiro, que vem a ser tratar primeiro de fazermos alguns projectos de economia, e então depois entraremos em projectos de despeza ; por tanto assento que este projecto deve seguir a mesma sorte do Sr. Vasconcellos.

O Sr. Vasconcellos: - O primeiro motivo porque este plano não deve ir avante, he pelo estado de finanças em que se acha o thesouro: pois se nós não temos dinheiro para armar navios para nos guardar dos piratas que nos tem tomado 200 navios, e em concequencia disto tem-se abandonado o nosso commercio, como havemos nós deter 860 contos para fazer esta nova guarda? A causa de haver tantos ladrões he a falta da observância das leis. Tem-se falado e tem-se trazido aqui os exemplos de França, eu convenho nisso, e trarei tambem a America Ingleza e Londres; aonde não ha está guarda, e aonde não acontecem estes roubos: mas porque? Porque lá observão-se á risca as leis, e apenas he guardada por uns poucos de homens velhos: desenganemo-nos quê he a observância da lei que hade manter a segurança pública. O meu parecer he, que se augmente a guarda da policia de Lisboa, e no Porto que se faça o mesmo, e nas províncias que se mandem sahir destacamentos de tropa, e que se observe a lei; este he o meu voto.

O Sr. Bettencourt: - Sr. Presidente trata-se de um projecto de guardas de segurança publica; o nome por si recommenda a matéria, e com justificada razão, foi dada para ordem da noite, pois que he de ordinário, quando se perpetrão os grandes crimes; he a noite o manto, que cobre os salteadores, e os protege para serem o verdugo do genero um ano. Para sustentar a doutrina do engenhoso plano, que hoje se submete á discusão, não irei buscar exemplos ás nações estranhas; como faz o illustre Preopinante para o contrario, dizendo, que em Inglaterra, onde não ha guarda de policia, e só homens com uma vara, que não ha mortes, nem roubos, e isto ao mesmo tempo, que eu li em uma gazeta de Londres, que se tinha descoberto uma sociedade de ladrões que roubava crianças pelas ruas, e praças, e as despião, e depois as abandonavão; e á vista disto para que se trazem exemplos das nações estrangeiras, como Inglaterra ? Por ventura os homens lá são de differente natureza, que os de cá?... Lá, porque existem homens , existem os mesmos crimes; ha leis, e infracções de leis: o que parece lá haver, he mais patriotismo, e amor do bem publico.

Sustento o plano das guardas de segurança publica, era todo o Reino, deduzindo as razões, do exemplo do nosso paiz, do que aconteceu em Lisboa, aonde estava uma grande guarnição de tropas de linha, e entre tanto erão tantos os roubos, e assasinos; que até de dia se perpetravão; creou-se este corpo de policia, foi bem conhecida a difierença, e tomo por testemunhas a todos, que me ouvem, desta verdade. Logo, se havendo muita força em Lisboa, foi necessária a creação da guarda da policia, e o effeito correspondeu á expectação, porque razão se não hade abraçar esta providencia para as províncias, aonde não ha essa força armada espalhada, e só fixadas nas praças de armas? Acaso será Portugal, só Lisboa, e Porto? Desgraçadamente até aqui se julgava, e os que nos governa vão, só decidião da prosperidade do Reino, por Lisboa: a historia do passado, nos deve ensinar, que as províncias são o corpo, e os membros que formão o estado, e de que he cabeça Lisboa; das províncias he que vem a subsistência para a capital, aqui tem-se amontoado muitos milhares de proprietários, e immensas corporações, que subsistem do que lhe vem das províncias, aonde tem os seus fundos territoriaes; das províncias he que vem os immensos direitos; que fazem as nossas finanças; das províncias he, que vem as recrutas, que formão o exercito; das províncias he, que vem os géneros, que se exportão, e que pagão nas alfândegas, e estações competentes os direitos, que prefazem os rendimentos públicos? São por ventura os habitantes das províncias do interior do Reino menos Portuguezes, do que os habitantes de Lisboa, ou Porto? Devem ter a mesma segurança, já que tem os mesmos direitos, nas mesmas obrigações, e encargos. Se a guarda da policia tem sido útil e tão necessária, que se diz, se deve augmentar, então porque se não hade extender a todo o Reino?... A segurança do Reino deve entregar-se a hm corpo separado, e que tenha a responsabilidade geral, e que debaixo de um systema regalar, tenha uma correspondencia tal, que a policia de Lisboa e Porto se abrace reciprocamente com a policia das províncias, e então se verá, que a policia de Lisboa será menos trabalhosa. O caso todo está em prevenir antes os crimes do que castigalos depois, como muito bem disse o illustre Preopinante.

Em quanto a policia de Lisboa se conservou só com as autoridades da sua creação, foi óptimo estabelecimento; logo que se lhe deu o numero 25, bandeiras, e armamentos differentes degenerou; o que prava que a policia Dão deve ter as circunstancias geraes de tropa de linha regular, ella não deve ser um corpo combatente: deve ser um corpo ligeiro, e bem subordinado, porém sempre disperso, e sempre em movimento.

Diz-se que não ha meios, nem dinheiro no thesouro nacional, e que se devem aprontar os recursos para esta nova despeza: eu os aponto; o plano da força , que deve existir, he de 34$ homens, pois então tenhamos só 30$: temos agora só em força 21$ tenhamos 11 $ : aplique-se parte da força só para este objecto de segurança publica, pois eu não posso comprehender, que o exercito sirva para outro destino, que não seja, ou para defender o Reino de inimigos externos então he o exercito regular; ou defender

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o Reino dos inimigos internos, e então devemos ter guardas de segurança publica. Por ora a mim não me consta de receios de guerra; logo a despeza, que se faz com parle da força, faça-se com a força, que deve manter a paz interior, a conservação da ordem, e segurança do cidadão pacífico. Em Évora não póde um habitante daquella cidade passear de dia á roda dos muros sem perigo de ser roubado! Os estudantes do Alemtéjo indo para Coimbra forão roubados em a charneca de Monte Argil; e uns almocreves que levavão muitos contos de réis para o Porto, metidos em sacas de lã, forão roubados, etc. etc. Ha muita necessidade deste estabelecimento de guardas de segurança publica; eu não entro na analise dos detalhes do plano em particular, porque não he a minha profissão a militar; porem devo dizer, ao principio os estabelecimentos não correspondem muitas vezes ás intensões de seus authores; pela falta de convicção dê seus executores; porém este por certo ha de ser feliz no nosso Reino, que tanto deseja ver medidas enérgicas, principalmente neste ramo, que toca immediatamente a todos os cidadãos pacíficos; por tanto voto pela doutrina do projecto das guardas de segurança publica.

O Sr. Ferreira Borges: - Contra este plano não tenho ouvido senão um argumento, e he a falta de dinheiro; este argumento não tem resposta, he necessário dinheiro para se manter esta guarda, não o ha não se póde manter. Ora bem: parece-me que vou responder a este obstáculo que aqui se tem apontado, o qual he, a falta de dinheiro. Eu, se o meu pensamento me não engana, creio que para a subsistência da segurança Interna ha tributos, não sei se elles chegão, se faltão, ou se sobrão: parece-me que elles sobrão, segundo a opinião da Commissão, por consequência pede a justiça e a razão que elles se appliquem sómente a este fim ; por tanto o meu voto he, que se peça a conta de qual he o redito dos direitos que são applicados para a segurança publica; e que visto ser o único argumento a falta de dinheiro, que se suspenda isto até que se saiba qual he a som ma dos rendimentos que são applicados para a segurança publica.

O Sr. Borges Carneiro: - Convenho em que se tire do exercito três ou quatro mil homens, para se applicarem ao serviço da segurança publica, ordenando-se aos Governadores das armas das províncias que prestem aos ministros aquelle auxilio de tropa que lhes for necessaria, e elles pedirem. Deste modo estava tranquillo o Alemtéjo quando sob o governo do Marquez de Alorna tinha o corregedor de Évora á sua disposição destacamentos volantes de tropa, que percorrião aquella província. E não sei que isto seja contra a disciplina do exercito; pois senão he para este e similhante serviço, então não sei qual seja o destino da tropa em tempo de paz. Disse-se: o ponta he prevenir crimes: estamos de accordo. O grande methodo de previnir crimes, he castigar prontamente os que os tem commettido, para escarmento dos que serião tentados a commettelos. E se forem trezentos? Se trezentos forem salteadores, trezentos devem ser enforcados; não no mesmo dia, mas de semana em semana: porém se chega a haver trezentos, he certamente porque os primeiros não forão castigados. Parece que o Regedor vai deixando de mostrar aquella actividade que dei lê esperávamos. Os que forem autores de furto violento sejão degradados para os presídios d'África, e aquelles que ajuntarem ao roubo o homicídio, que he o que eu chamo salteadores, sejão inforcados dentro de 15 dias, e deste modo reinará a segurança no interior de todo o Reino. Daqui he que vai o mal.

O Sr. Sarmento: - Sr. Presidente , eu opponho-me a que este projecto passe, e por três motivos: primeiramente vamos fazer uma despeza muito considerável, como se mostra da mesma exposição, que a Commissão apresentou, da qual se manifesta a somma extraordinária de trezentos e tantos contos de réis; isto excede as possibilidades do Thesouro: era segundo lugar porque temos outros meios de conseguir o mesmo fim; e mesmo quando elles não fossem os mais adequados, erão preferíveis, comparando-se com o sacrifício extraordinário de quasi um milhão de despeza annual com beleguins armados. Estes meios consistem, na minha opinião, em se empregarem partidas de tropas de linha em auxilio das autoridades civis. Em terceiro lugar opponho-me, por motivo de ver um estabelecimento tal formar-se no tempo em que ainda está nascente a nossa liberdade civil; he um estabelecimento que póde com muita facilidade ser o instrumento para se atacar a mesma liberdade no seu nascimento. O exemplo de França com que um illustre Preopinante argumenta a favor deste instituto, não só me não convence, mas antes me confirma nos meus princípios. Quem ignora que similhante estabelecimento era um dos apoios do trono do chefe da Nação franceza, o qual melhor do que ninguém sabia que só a força era quem o sustentava nelle, até que outra força maior o derribasse delle: mais, desconfio de a similhante instituição todas as vezes que faço reflexão de que ella era útil em ura governo militar e despótico. Eu convenho que a segurança publica nas estradas e communicações do Reino tem sido atacada, porém eu espero que a energia das autoridades civis, ajudada pelos auxilios da tropa, hão de restabelecer a mesma segurança, sem recorrer a meios tão perigosos e pesados á Nação, é sem empregarmos uma parte tão avultada dos rendimentos públicos, para se conseguir o que he possível obter-se por outros meios, que já estão á disposição do Governo.

O Sr. Freire: - Eu opponho-me aos illustres Preopinantes, que são de parecer que se faça o serviço de policia com destacamentos dos diversos corpos de linha. A organização de um corpo para manter a segurança interna do paiz he uma instituição necessária, isto he muito evidente em geral, e particularmente nas actuaes circunstancias do paiz; e nenhuns dos Srs. que tem falado, se tem deliberado a lançar mão de outros meios: alguns dizem que este corpo he muito necessário, mas que o erário não póde com esta despeza, e he preciso que se tome isto em consideração, ou que se diga donde devem sair os fundos para ella, pois quem propõe novas despezas,

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deve indicar os meios de as supprir, o que he justo, e conformando-me com este principio digo que esta despeza deverá sair das repartições civis do exercito que se vão extinguir; por consequência tenho dado os meios que julgo convenientes.

isse-se que os ladrões são prezos, que os magistrados os não sentenceão, e que daqui vem todo o mal, heresia também e tem sido sempre a minha opinião, mas visto que isto assim acontece he necessário vermos se podemos evitar o mal, e cortalo pela raiz, para que elles não tornem a roubar mesmo depois de soltos, e dizer que este serviço se faça por destacamentos do exercito , he necessário que os Srs. que o dizem não entrem no espirito do que he disciplina do exercito. Disse-se mais que deverá continuar a existir, e ate augmentar-se um corpo de polida em Lisboa; e porque o não ha de também haver em o resto do paiz ? E que o corpo que existe deva ser mais augmentado, não he minha opinião; elle deverá ser conservado em o pé em que se acha actualmente, e como indica o plano, e logo que nas províncias também exista, será mais fácil o serviço na capital, e só desta maneira se poderá saber, e interceptar, toda e qualquer correspondência que houver entre os ladroes, e seus sócios, visto que existem em as principaes terras , e até mesmo em Lisboa , como ninguém ignora. Se lermos a tirar destacamentos dos corpos de linha como querem alguns dos illustres Preopinantes hão de necessariamente ficar tão débeis de forças que em breve perderão a sua disciplina ; desta maneira não poderemos contar com o exercito, nem com polida, e isto em o tempo que nós precisamos tanto de exercito, como de polida , por consequência o meu voto he que se separe uma porção de tropa necessária para formar o corpo proposto, que tenha um regulamento como de polida, e que fique para tem pré separado da força activa de polida, e que a Commissão forme um plano, relativamente á differença que houver dos soldos, e se este não agradar, visto que por força ha de accrescer alguma despeza, e que logo que a Commissão conclua este trabalho o apresente ao Congresso para se poder tomar uma resolução definitiva, pois que por agora me limito a tratar da utilidade do corpo, e não dos detalhes da sua organisação, a qual me parece bem, e em geral approvo o plano proposto.

O Sr. Girão: - Vou falar de uma matéria que não he da minha profissão: e talvez seja temeridade; pó em o amor da pátria me encoraja e me desculpa. Ainda não são passados muitos tempos que ouvi retumbar as abobedas desta sala com as tristes descripções dos attentados commettidos pelos ladrões: ouvi dizer então que elles atacavão as villas e aldeas, que infestavão todas as estradas, que estavão ás portas da capital, e finalmente que podião os malvados que fossem oppostos á nossa santa causa valerem-se delles para nos derribarem; n'uma palavra vi afeiar tanto o quadro, carregar tão demaziada a sua escuridão, que o comparei aos desenhos feitos a carvão. Quanto não he agora a minha admiração por ver que alguns respeitáveis membros deste soberano Congresso, se oppõem á adopção do remédio mais próprio e profícuo à um mal tão grande! Não sê pôde negar, que ha ladrões, e todos querem que se extinção; mas dizem corra sangue, enforquem-se, haja uma forca em cada provinda, e enforquem-se também os juizes se os não prenderem, e se os não processarem. Ora não será melhor evitar os delictos, que punilos? Que lucra a sociedade quando enforca uai homem? O mal está feito, e o remédio he fazer outro mal! Dizem, bem o sei, que he para exemplo, que he para terror. Ah! Se o matar homens fizesse que outros fossem bons, não haveria melhor polida, do que na Turquia, ali nadão as ruas das cidades em sangue, por qualquer bagatela se empála e se degolla; mas cada vez ha mais perversos: nada de verter sangue e de ameudar castigos; porque os homens se habituão, e depois são como os tigres mais amigos de sangue quanto mais sangue vêem. A terrível pena de morte só deve empregar-se no corpo moral com aquella prudência que uzão os cirurgiões no corpo fizico; isto he só se deve cortar um membro quando não só he inútil, mas se receia a gangrena. Esses ladrões, que estão prezos, ou se degradem, se commetterão assasinios ; ou se fação trabalhar nas obras publicas se tem somente feito roubos; porque assim pagão á sociedade parte do mal que lhes cauzarão. E daqui por diante tratemos de evitar tantos delictos. Não he uma vergonha serem obrigados os viajantes a ajuntarem-se em caravanas para poderem viajar como se receassem os árabes dos dezertos? Não he uma desgraça que os pacíficos lavradores do Alentejo estejão subjeitos a ver suas casas atacadas dessas harpias que lhe vem quasi todos os dias comer o jantar, impor-lhe contribuições, e até ameaçalos que lhes queimarão as cearas se queixarem. Que dirão de nós os estrangeiros quando ouvirem contar que os negociantes para irem a uma feira precisão de uma escolta? Certamente nos compararão aos bárbaros. A medida proposta por alguns Srs. de que saião destacamentos dos corpos de linha para prenderem os ladrões, não he sufficiente - 1.º Porque o mal está já feito quando chegão esses destacamentos; 2.º porque os ladrões fogem avisados por suas espias, 3.º porque obedecem a diferentes commandantes e suas manobras não tem regularidade. Toda a machina bem combinada deve ter um centro de movimento e lerem relações as suas rodas umas com as outras; ora se o plano cm discussão nos offerece esta machina arranjada por mão de mestre, qual he a rasão porque a não adoptamos? A única objeção de pezo que tenho visto fazer he - que não temos dinheiro. Não temos dinheiro para augmentar o exercito, he verdade; mas não temos precisão de que elle seja tão grande em tempo de paz; nós lemos 21$000 homens tirem-se 3$000 escolhidos para a guarda de segurança publica, e fique o resto: se se julgar ainda que he muito grande, desse baixa aquella parte que for conveniente e na forma já decretada. Estamos em paz, outra vez digo, quando por desgraça houver guerra, então aumentaremos o exercito, e iremos todos defender a patria; agora devemos cuidar em fazei a ditosa , e dar-lhe tranquilidade e socego. Ouvi dizer tambem - com essa guarda vai-se opprimir a Uberdade de povo! Que sofisma! O povo.

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vai ser protegido, vai ser livre desses salteadores que o afligião: livre he todo o homem que tem boas leis que o defendão, e que vive tranquillo a seu amparo. Por ventura não he livre Lisboa por ter uma guarda de policia ? Deus nos livre de não considerarmos os soldados como nossos irmãos, como cidadãos. Podem 5$000 homens escravizar a Nação? Quanto mais feliz ella for, quanto mais conhecer que ha quem se desvelle por ella, não só se deve considerar mais livre; mas amará o systema constitucional por tal maneira que nem 300$000 homens a escravisarão. Concluo pois que se deve fazer uma guarda de segurança publica ; mas que se deve tirar de todo o exercito com muita escolha; desta sorte não crescem as despezas, mas antes será isto um poderoso meio de fazer augmentar as rendas; pois voltararão ao trabalho muitos desses braços que se occupão em roubar os passageiros: os crimes se evitarão, e a pátria tranquilla encherá de bençãos os seus legisladores.

O Sr. Miranda: Sr. Presidente; eu tenho algumas reflexões que fazer sobre a matéria em questão. Não ha muitos dias que este projecto foi aqui apresentado, visto com gosto, e recebido com enthusiasmo; agora pois que o havemos de discutir, e tratar de o pôr em pratica, he que eu ouço dizer: primeiro que he desnecessário; porque restituindo o vigor devido ás leis, e havendo da parte dos magistrados a actividade necessária, não he preciso adoptarmos similhantes medidas: segundo porque não ha dinheiro. Esta razão parece bem forte; porem eu vou refutar estes argumentos.

Em primeiro lugar os illustres Preopinantes dizem; os magistrados tomem medidas enérgicas, e que procedão contra os culpados. Porém com quem hão de elles executar estas medidas, com quem hão de atacar essas fortes quadrilhas de salteadores que tanto tem infestado as províncias? Com os seus officiaes? Elles não querem expor suas vidas, e ainda que o quizessem serião nullos seus esforços. Somente com a observância das leis, e autoridade dos magistrados, he que se havião extinguir perfeitamente os ladrões? De certo que não. Por conseguinte he necessário haver uma força sempre activa, e vigilante que coadjuve estas autoridades, pois que fomente desta forma poderemos evitar mal. Em segundo lugar diz-se não ha dinheiro. Eu vejo projectos ainda por discutir relativamente a varias reformas, que nos poderão ser úteis, e mesmo de algumas que já se tem feito, e das quaes nos poderemos, servir para esta despeza. De mais para que nos he necessário vinte e quatro regimentos de infanteria, doze de cavallaria, e doze de caçadores. Temos visto, e he fácil vêr-se, que elles nunca podem achar-se no seu estado de completa força nem em tempo de guerra nem durante a paz, pois seria uma força desproporcionada á população, e ás faculdades da Nação: por conseguinte aqui temos nós outro meio: supprimão-se alguns corpos, e desses formem-se as guardas de segurança publica, e desta fórma não se augmenta a despeza, nem a fazenda nacional gastará mais cinco réis. O serviço da policia he um serviço de uma espécie particular, que no tempo da paz nos deve apresentar a imagem do mais combinado serviço das tropas ligeiras em tempo em guerra. He da natureza destes corpos acharem-se sempre em pequenas partidas, e sempre dividido. Pelo contrario as tropas do exercito devem achar-se reunidas para a sua instrucção em grande massa, e por isso este serviço por destacamentos como tem dito alguns dos illustres Preopinantes he igualmente impossível; como poderião corpos que estão muito diminutos dar destacamentos? Dando-os não poderião trabalhar, não trabalhando perderião a sua disciplina, e a perda de disciplina em o exercito he a cousa mais perigosa possível. Perguntarei agora referindo-ma ao que tem dito alguns illustres Deputados; senão será um prazer para um cidadão que viaja por uma estrada ver que ao mais leve sussurro, lhe apparece uma escolta de policia, e que esta o acompanha? Já se ponderou aqui de quanta necessidade he uma guarda destas em Lisboa, e porque o não será também em as províncias ? Não haveria decerto lavrador nenhum que não estivesse prompto a concorrer (no caso que fosse preciso) com alguma cousa annualmente para a despeza destas guardas, pois que só desta fórma elles vivirião socegados. Finalmente o meu voto he que se crie um corpo de segurança publica em todo o paiz depois de feitas todas as economias e reducções possíveis, e de nenhuma fórma deve fazer-se este serviço com destacamentos como lembrão alguns dos illustres Preopinantes.

O Sr. Pamplona: - Os illustres Preopinantes prevenirão tudo o que eu queria dizer: assim não cançarei a Assembléa repetindo os argumentos em favor do projecto que elles expozerão ao Congresso com? tanta evidencia e verdade, á excepção dos elogios que tiverão a bondade de me dar, e que estou longe de merecer. Não posso todavia deixar de fazer á Assembléa uma observação sobre a surpreza que me causa a exposição, que hoje se manifestou ião decididamente contra o projecto. Quando sabbado passado pedi licença ao Soberano Congresso para ler o relatório, a hora avançada não dando lugar a fazer-se esta leitura, a Assembléa por acclamação ordenou que se imprimisse e sã distribuísse para a discussão: esta decisão favorável da Assembléa prova que estava disposta a approvar o projecto, e pelo menos a idéa premitiva que lhe servia de bate. A opposição que hoje se manifesta, prova evidentemente, a meu ver, que a leitura do projecto não corresponde á expectação do Congresso, e nesta hypothese que he obvia , toda a culpa he do seu autor: não he pois justo que a Nação se prive de uma instituição que necessita por culpa alhêa, que neste caso he minha. Decrete pois a Assembléa o principio geral como estava disposta a fazer sabbado passado, e discuta-se o projecto artigo por artigo, e nesta discussão se poderá emendar o que o Congresso reprovar como defeituoso, ou inadmissível.

O Sr. Maldonado: - Quando o illustre Deputado o Sr. Vasconcellos apresentou uma indicação sobre melhoramentos de marinha, levantou-se o Sr. Xavier Monteiro, e, disse quem propõe os melhoramentos, deve propor as rendas com que se ha de acudir ás despezas que elles trazem comsigo; repito ago-

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ro o mesmo. Como havemos designar mais de duzentos mil cruzados annuaes para supprir os gastos que este projecto acarreta sobre a Nação? Sobre isto não fala o projecto, e he este o seu grande defeito. A Commissão de Queira, que propoz uma cousa, proponha a outra. Huns dias estaremos economisando as mais pequena parcelas, e n'outros sanccionaremos avultadissimas despezas, sem que hajão novos rendimentos? Ha pouco tempo custou a vencer que o director da academia do Porto vencesse, duzentos mil réis, e já hoje facultaremos que se dispendão mais de duzentos mil cruzados todos os annos com estas legiões de segurança? Em consequencia do que tenho dito voto contra o projecto, accrescentando que se passe a discutir em seu lugar algum dos muitos que ha sobre economias, e que, depois de grangearmos dinheiro, cuidaremos em gastalo.
O Sr. Povoas: - Eu não cangarei a Assembléa Depois de lautos illustres Srs. Deputados terem tão sabiamente Desenvolvido suas opiniões; porem eu lembrarei agora uma cousa que até aqui se não tem dito, e vem a ser, disse-se que os Ministros das provincias eu cuidassem em manter a segurança daquellas terras, em que presistirem com os corpos de milícias contra ladrões e salteadores, etc. Se combinarmos o prejuízo, que estes pobres lavradores tem tido em todo o tempo que tem estado empregados no serviço a que forão destinados, de certo não lembraria similhante medida. He necessário uma guarda, de segurança publica, não se diga que este estabelecimento vai atacar o direito do cidadão, antes pelo contrario o cidadão que tem uma vigia sempre junto, da sua casa e de si, vive socegado. Por consequencia, creando-se estas guardas em todo o Reino vamos dar uma certeza aos cidadãos, que elles terão junto de si homens dignos (porque eu devo suppôr que esta escolha assim será) que de continuo vigiarão contra aquelles que os quiserem atacar. Sendo como lembrão alguns aos illustres Preopipantes por destacamentos de tropa de linha, he ir de certo perder a disciplina do exercito. Nós estamos fazendo uma grande despeza com elle, e lançando mão deste methodo, veremos que em breve tempo não existirão senão uma pequena porção de homens que nos não servirão para nada., e que seria melhor não os ter; em fim só por meio de um corpo de policia he que poderão ser descobertos todos os clubs dps malfeitores, e evitalos em a sua origem: também se disse que se empreguem os officiaes de milicias nestas guardas, o meu voto he que se empreguem aquelles que se oferecerem , e dos, quaes se conheça a sua aptidão: por tanto approvando projecto voto, que se passe á discussão dos seus, artigos cada um de per si.

O Sr. Feio: - Se o illustre Preopinante quer só por meio da força prevenir todos os delictos, será necessario encher não só todas as estradas, e todas as povoações, mas todo o terreno, dei soldados, é então desaparece a liberdade, e todo o Reino fica reduzido: a uma prizão. Os crimes não se evitão, senão castigando os crimes. Convencido desta verdade, eu não me opponho só ao estabelecimento da gendarmaria por ser dispendioso, opponho-me muito principalmente por ser inutil e anticonstitucional: e como reprovo o projecto no seu todo, não fazia tenção de descer aos detalhes meudos delles mas sempre direi que a força, que nelle se propõe, não he sufficiente, e que os pontos designados para os destacamentos, distando entre si 4, 5, 6, e mais léguas não podem de maneira alguma fazer a segurança das provincias, muito principalmente da do Alemtéjo por ser uma planice quasi deserta, e transitavel por toda a porte. Eu conheço perfeitamente a natureza deste serviço, porque muitas vezes tenho sido encarregado delle, e posso assegurar ao Soberano Congresso, que se este projecto fosse approvado, brevemente se veria na pratica a verdade do que digo. Como poderão dou mil homens exterminar os ladrões de todo o Reino, quando na província d'Alemtéjo quatro regimentos de cavallaria, e grossos destacamentos de infanteria, milicias, e ordenanças, empregados neste serviço, o não poderão conseguir? Como podem evitar-se os roubos, se os ladroes são admittidos nas terras, talvez pelas primeiras autoridades delias, como não ha muito succedeu em Eivas com o celebre salteador Merino! Este homem, cuja cabeça os Hespanhoes tinhão posto apreço, achou azilo naquella praça; seus companheiros ali o acharão tambem, e por aquellas immediações roubarão impunemente, a pezar de todas as deligencias da tropa, e ainda hoje continuar ião a roubar, se o tal Merino não fosse descuberto, e preso por um sargento, e se da Hespanha o não reclamassem; porque se cá fosse julgado seria talvez solto, assim como o forão uns 200, ou 300, que naquella província forão prezos logo depois da guerra, e outros muitos, que desde então até ao presente tem sido aprehendidos. E por isso torno a dizer, que não lemos precisão de gendarmes, que os prendão; mas de magistrados que os sentenceiem.

O Sr. Girão: - Sr. Presidente peço a palavra, sinto ver-me obrigado a combater as razoes do illustre Preopinante. pois que não só me não persuadem; mas até são contra producentem: diz elle: tres mil homens não são sufficientes para extinguir os ladrões; logo ha muitos, e se ha muitos, a necessidade da guarda he evidente. Provado isto como está, tomo a meu cargo demonstrar, que tres mil homens, são suficientes: o Reino tem com pouca differença cem leguas, na maior extenção, e trinta na maior largura; logo tem tres mil léguas quadradas, cabe pois um guarda a cada légua; mas he nesseçario advertir que do quadro suposto he necessario tirar as cidades e villas, os rios, as montanhas, intransitáveis e os destrictos que podem ser guardados pelas guarnições das praças e aquartelamentos das tropas; tirem-se mais as partes imaginarias: do mesmo quadro, as fazendas muradas, e considerem sómente as estradas; que facilmente se conhecerá que. a superficie dessas não vem a ser tal vez um centecimo do mesmo quadro; ora já se vê que desta forma sabem, trinta homens a cada legua, e magoem dirá que trinta homens não são capazes de guardar uma legoa. Mas não he perciso que a guarda de segurança esteja em cordão, ou cousa similhante; basta que patrulhe nas estradas, e que guarde as pontes, e baixa; desta forma he impossivel que

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os ladrões escapem, todas as relações lhe ficão cortadas, o terror e susto se apodera delles, da mesma maneira que agora uma quadrilha assusta uma provincia; porque todos; os viandantes se persuadem que os incontrão; também depois acontece aos bandidos outro tanto; elles temerão encontrar as guardas de segurança, não terão socego nas estalagens, nem em parte alguma, e desta forma se preenche o fim de pôr em socego o Reino e de fazer trabalhar esses vadios perigosos. Esqueceu-me no meu discurso precedente combater um argumento de paridade que fez um Preopinante: disse, que o projecto do Sr. Vasconcellos para augmentar a marinha fora regeitado; porque não havia dinheiro para similhante dispeza; e que o objeto não era de menor interesse, pois que os piratas nos tinhão roubado muitos milhões; e por consequencia que este novo projecto devia ser também regeitado pela mesma razão. Não admitto a paridade; nem a consequencia porque são viciosas: para augmentar-se a armada; por força que era nessessaria dinheiro; e como o não ha por ora, segue-se que se não podia admittir o projecto; mas para a guarda de segurança não milita a mesma razão; porque não se augmentão as despezas. E mesmo a respeito da armada já felizmente mudarão as circunstancias, Portugal tem muitos recursos, e a america póde valemos agora muito, para seu e nosso proveito: ali ha muito oiro, ha muita riqueza, e se até agora não fazião armadas, he porque o dispotismo algemava os braços, e gerava a desconfiança, o egoismo, e o continuo receio; mas felizmente a liberdade fará nascer as virtudes contrarias a tão grandes vicios: nossos irmãos nos auxiliarão com suas riquezas e belas madeiras de construção, e com tudo quanto tiverem: nós faremos o mesmo por elles, assim a Luza Monarchia apparecerá gigante em pouco tempo entre as nações, que a reputão pigméa; outra vez serão carregados os mares com as nossas armadas, o nosso amortecido nome será apregoado por mil bocas de bronze, como nos tempos em que delle tremeu o Malabar, e a costa de Africa: n'uma palavra digo tudo = somos livres, e saberemos conservar nossa independência.

O Sr. Bettencourt: - O illustre Preopinante, o Sr. Girão, desenvolveu idéas mui sensatas, e me preveniu em algumas das reflexões que eu pretendia fazer em favor do plano das guardas de segurança publica, refutando as razões em que alguns dos Srs. Deputados se fundão para o contrariar: entretanto eu direi alguma cousa para mostrar que pelos mesmos principios de illustre Preopinante o Sr. Feio se deve crear uma policia geral no Reino, que concorra mais para prevenir os, crimes do que para os castigar, que deve ser sempre o fim da policia, e de que provêm a segurança a segurança publica, que ha a somma da segurança individual - diz o illustre, Preopinante, que por experiencia sabe, pois que já foi incumbido de prender ladrões na provincia do Alemtejo, que estes tinhão dentro em Elvas quem os avisasse, e que tomavão differentes posições, e dispersavão-se á proporção da direcção que as escoltas tomavão; e que apesar de todas as diligencias nesses mesmos tempos os roubos continuavão - digo então que he certo existirem ladrões, e que quando se não possão prender todos, ao menos se prendarão alguns, pois se minora o mal: por que os ladrões sabião para onde caminhavão as escoltas, he que não serve para este serviço tropa que se move com estrondo, e sim tropa, volante, e constante nos seus movimentos; que põe os ladrões na incerteza de serem apprehendidos; he preciso quanto antes esta providencia, porque os ladrões e vadios que se tem dado a essa pessima vida, não, mudão; porque agora não vão aprender officios, nem trabalhar na lavoura: entretanto he de esperar que para o futuro não hajão tantos facinorosos, nem ladrões, por isso que o systema constitucional ha de provêr sobre a educação publica, que he a que adoça os costumes e civiliza todas as classes de cidadãos. Faça-se este bem de segurança publica a todo o Reino, pois todas as provincias estão reclamando esta medida: Se o illustre Preopinante, o Sr. Feio, tivesse sido roubado ás tres horas, da tarde como eu fui em 26 de Maio de 1814, com os olhos vendados, com as mãos atadas a trás, e os meus companheiros, e todos esperando a morte, cujos instrumentos de pistolas, clavinas, e punhaes nós tinhamos visto, então veria differença do que he ser victima dos ladrões, ou ser commandante de escoltas que afugentão os salteadores em lugar de os prender: desenganemo-nos Srs. contra a experiencia nada ha que argumentar; Lisboa foi theatro de mortes, e roubos; e raro em o dia ou noite em que não havia funestos quadros destas, cathastrofes; logo que se creou a guarda de policia, raro era tal fatal acontecimento. Por tanto torno a votar, e sempre votarei, pela creação das guardas, de segurança publica em todo o Reino.

O Sr. Povoas: - Quando isto se discutir então eu farei ver que esta força he suficiente: estas guardas de segurança o seu maior objectivo he descobri os ladrões mesmo que estejão escondidos, bem como em um caso que, vou a contar succedido em França (por cuja autenticidade não respondo) em 1806. Reclamando o gabidete de Vienna um homem que por crimes julgava ter-se refugiado em França, o ministerio francez respondeu, depois de ter feito as suas indagações dentro em vinte e quadro horas, que lá não existia: tornárão a reclamalo, dizendo que não só estava em França, mas que se achava em Paris. De novo lhe tornárão a dizer, que não só não estava em Paris, mas que se achava em Viena, em a rua de tal, e tal numero, o que bem deixa vêr quanto he de vigilante esta policia, e como deverá ser em o nosso paiz.

O Sr. Mourão: - Ainda que não sou militar; com tudo não deixo de conceber algumas idéas a este respeito, e por isso farei duas pequenas reflexões. Em primeiro lugar escuso de demonstrar a necessidade que ha de pôr o cidadão em uma segurança absoluta; he a primeira vantagem que o Governo lhe deve afiançar; tambem me não cançarei a demonstrar o proveito destas guardas na capital, e nas provincias, e os inconvenientes de que estas guardas se formem de destacamentos tirados do exercito; o meu ponto principal he o modo por que se ha de supprir a esta dispeza; esta he para mim a unica difficuldade da materia; ainda se não demonstrou de donde deverá

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sair dinheiro para fornecer a esta despeza, sem que pese sobre o Thesouro, pois que um estabelecimento destes decerto vai fazer um accressimo excessivo. Penso que a unica maneira de remediarmos isto, olhando para o estado actual das cousas, he lançar mão do expediente que lembrou o Sr. Miranda, que vem a ser, diminuir a força effectiva do exercito; eu creio que os regimentos de infantaria de linha se poderão diminuir, e deste modo não se augmenta a despeza, a qual, segundo indica o plano, será de oitenta contos, e de certo he impossivel sobrecarregarmos o Thesouro com uma quantia tão excessiva logo de pancada; eu ainda não ouvi razões que me convencessem para não adoptarmos o plano; as vantagens de crearmos estas guardas são incalculaveis: por tanto evitemos todas as duvidas d'esta maneira, tratemos de as remover, e teremos feito util serviço; são vinte e quatro os regimentos de infanteria, sejão vinte e dois; são doze de caçadores, sejão dez; são doze de cavallaria, sejão onze; e desta maneira vimos a corresponder com as idéas, e com os fins do plano, evitando os fortes embaraços que por este lado são da maior consequencia.

O Sr. Povoas: - Eu levanto-me outra vez para apoiar o que diz o Sr. Moura, nós não poderemos ter duvida em diminuir a força do exercito; porém podela-hemos diminuir não em o numero dos corpos, mas sim em o numero de suas fileiras. Para as guardas de segurança publica devemos procurar que os officiaes sejão muito dignos, e os soldados, sejão soldados que não tenhão a mais leve nota, e que tenhão annos de serviço, com boa conducta civil e militar, he assim que formaremos boas guardas, e a despeza será tal que não se possa dizer excessiva despeza com relação á utilidade.

O Sr. Fernandes Thomaz pediu o adiamento visto ser um objecto de muita importancia.

O Sr. Moura: - Entretanto a Commissão de guerra poderá formar as suas idéas sobre as razões, que hoje aqui se tem diffundido, para depois as poder apresentar ao Congresso.

O Sr. Borges Carneiro: - Desejo que o Sr. Miranda vá assistir ás sessões da Commissão, visto ser o autor da moção. (Approvado.)

O Sr. Presidente: - Visto ter chegado a hora de se finalizar a sessão, fique a discussão adiada, e a Commissão de guerra quando tiver os seus trabalhos prontos os apresente ao Congresso.

Levantou-se a sessão ás oito horas da noite. - Manoel Gonçalves de Miranda, Deputado Secretario.

DECRETO.

As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação portugueza, attendendo a que as devassas geraes são tão oppressivas aos povos, como contrarias aos sãos principios de jurisprudencia criminal; decretão o seguinte:

1.º Ficão extinctas todas as devassas geraes, que as leis incumbem a certos julgadores em determinados tempos sobre delitos incertos.

2.º Na disposição do artigo antecedente se comprehendem as devassas geraes, a que se procedia nos juizos ecclesiasticos a respeito dos seculares, e mesmo dos ecclesiasticos nos crimes civis.

3.º Todos os casos, que até ao presente fazião objecto de devassas geraes, serão d'ora em diante casos de querella para o interessado, e de denuncia para qualquer pessoa.

4.º Ficão revogadas quaesquer leis, e disposições na parte em que se encontrarem com o presente decreto.

Paço das Cortes em 10 de Novembro de 1821. - Francisco Manoel Trigoso d'Aragão Morato, Presidente; Agostinho José Freire, Deputado Secretario, João Baptista Felgueiras, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para José Ignacio da Costa.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, sendo-lhes presente pela informação transmittida pela Secretaria de Estado dos negocios da fazenda, em data de 5 do corrente mez, a quantia de papel moeda que se tem amortizado, mas não constando da mesma informação nem o tempo, em que esta operação do Thesouro nacional foi praticada, nem as circunstancias que lhe derão origem, e acompanharão: onde não que lhes sejão transmittidas as necessarias informações sobre os seguintes quezitos: 1.º em que tempo foi feita essa amortização: 2.º em que lugar, e de que modo: 3.° porque motivo, e por ordem de quem: 4.° em que circunstancias se achava o Thesouro, isto he, que porção de papel e metal possuia na época ou nas épocas, em que se mandou proceder a essa amortização. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exa. Paço das Cortes em 10 de Novembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

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