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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINÁRIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 225.

SESSÃO DE 14 DE NOVEMBRO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do Sr. Trigoso, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.

O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios do Governo:
1.° Do ministro dos negocios do Reino: - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Manda ElRei remetter ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, a inclusa conta dos Professores, Agostinho José Pinto d'Almeida, e Joaquim Franco da Silva, encarregados de visitar a mina de S. Pedro da cova, juntamente com a representação do Ajudante, que serve de Intendendente geral das minas, Alexandre, Antonio Vandelli, relativa áquelle objecto; ficando com esta remessa satisfeita a ordem das Cortes de 14 de Agosto ultimo, que assim o determinou.
- Deus guarde a V. Exca. Palacio de Queluz em 13 de Novembro de 1821. - Sr. João Baptista Fclgueiras. - Filippe Ferreira de Araujo e Castro.
Remettido á Commissão das artes.

2.º Do Ministro da fazenda: - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Transmitto a V. Exa. para serem ausentes ás Cortes Geraes, Extraordinárias da Nação portugueza, as quatro relações inclusas dos pagamentos feitos na pagadoria do thesouro publico nacional des de o primeiro de Janeiro até o fim d'Agosto de corrente anno, pertencentes, ás quatro diversas contadorias de que se compõe, pedidas em officio de V. Exa. de 21 de Setembro ultimo. - Deus guarde a V. Exca. Lisboa 17 de Novembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - José Ignacio da Costa.
Remettido á Commissão de fazenda, unindo-se a ella o autor da indicação que requereu as menciona-las relações.
3.º Do mesmo Ministro: - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Transmitto a V. Exa. para serem presentes ás Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza as tres consultas inclusas da junta da fazenda da ilha da Madeira, perguntando na primeira se a graça concedida a João Nepomuceno de Oliveira por carta regia do 1.º de Setembro de 1820, deve ser conferida sem nova confirmação, assim como outras quaesquer de igual natureza; participando na segunda haver substado a cobrança da decima, e as razoes que a isso a moverão; e expondo na terceira as razões que a obrigarão a deixar de cumprir as ordens recebidas do Rio de Janeiro a respeito dos avultados reditos, que pretende arrecadar o testamenteiro do falecido Bispo D. João Joaquim Bernardino de Brito; a fim de que pelo Soberano Congresso sejão resolvidos estes importantes objectos. - Deus guarde a V. Exca. Lisboa 12 de Novembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - José Ignacio da Costa.
Remettido á Commissão de fazenda.

4.º Do Ministro da marinha transmittindo um officio que em data de 14 de Setembro ultimo, lhe fora dirigido pelo Governador da provincia do Maranhão, Bernardo da Silveira Pinto, informando de que o espirito publico, he e continua a ser muito fiel e constitucional, na grande maioria dos habitantes daquella provincia; de que as Cortes ficarão inteiradas : e se mandou restituir o officio ao Governo.

5.º Do Encarregado dos negocios da guerra: - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Satisfazendo á determinação das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, que V. Exa. me communicára em officio de 18 do mez passado, transmitto a V. Exa. a certidão do assento que tem no livro mestre do regimento de cavallaria n.º 12, o Tenente que era do mesmo regimento, Alvaro de Moraes Soares. Deus guarde a V. Exa. Secretaria d'Estado dos negocios da guerra em 13 de Novembro de 1821. - Sr. João Baptista Felgueiras. - Candido José Xavier. Remettido á Commissão militar.

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Mandou-se passar á Commissão de fazenda uma memória de que deu conta o Sr. Felgueiras, sobre as providencias que se tem mandado pôr em pratica para a extincção do papel moeda.
Fez-se a chamada, e achárão-se presentes 99 Deputados, faltando os Srs. Mendonça Falcão, Povoas Osorio Cabral, Ribeiro Costa, Barão de Molellos, Sepulveda, Bispo de Castello Branco, Pessanha, Travassos, Van Zeller, Innocencio Antonio de Miranda, Pereira da Silva, Guerreiro, Gomes Osorio, Corrêa Telles, Faria, Bastos, Xavier de Araujo, Isidoro José dos Santos, Manoel Antonio de Carvalho, Gomes de Brito, Sande e Castro.
Passando-se á ordem do dia começou a discussão por determinar se devem ou não ter sancção real as disposição das Cortes comprehendidas nos differentes paragrafos do art. 97 (v. o Diar. n. 223) e assentando-se que não podia haver duvida a respeito dos primeiros seis numeros ou paragrafos, que evidentemente, e na conformidade das Bases, excluem aquella sancção, passou-se ao septimo, e a este respeito disse

O Sr. Soares de Azevedo: - Uma Tez que se decidiu com proposta do Governo, parece-me que o Congresso fica inhibido de poder fixar as forças que julgar convenientes.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Se já está votado não he preciso mais nada; porém o accrescentamento he o contrario do que já está vencido.

O Sr. Annes de Carvalho: - Não sei que o accrescentamento altere contradictoriamente o artigo; pois elle diz fixar todos os annos etc. Agora se acaso as Cortes hão de fazer isto sem que seja, preciso que o Governo faça esta proposta, então accrescento mais que as reflexões que os illustres Preopinantes fizerão não tem lugar. Como todos os annos infalivelmente ha de o Governo propôr, ás Cortes compete decidir se convém augmentar, ou diminuir.

O Sr. Braamcamp: - O Governo já está encarregado de informar a este respeito todos os annos; pois o art. 72 determina que em cada legislatura na sessão seguinte á abertura das Cortes o ministro da guerra venha pessoalmente informar sobre o numero de tropas que existem, para que as mesmas Cortes hajão de determinar o que for conveniente.

O Sr. Miranda: - He necessario saber-se que as Cortes ficão autorisadas para regular o exercito sem dependencia da proposta do Governo; porque o dizer-se que a proposta do Governo he uma circunstancia essencial, isto he que eu queria que não se dissesse. Em quanto ao modo porque isto deve ser feito, as Cortes devem estar autorisadas para fazerem o que julgarem conveniente. Se for necessario reduzir o exercito, e decretar uma força competente, devem-no fazer, ou com a proposta do Governo, ou sem ella.

O Sr. Annes de Carvalho: - O modo porque eu entendia a necessidade da proposta he esta. As Cortes não são obrigadas a deliberar segundo a proposta do Governo. Este não faz outra cousa mais senão dizer, as forças de terra, e mar são tantas, preciso de tantas para a segurança da patria: as Cortes nem por isso ficão obrigadas ao que o Governo propõe; porque estão autorisadas para deliberarem como entenderem.

O Sr. Moura: - Pois bem, póde-se accrescentar: sobre a proposta que o Governo annualmente fizer.

O Sr. Braamcamp: - Não póde deixar de haver esta declaração; pois aliás póde ser muito melindroso: como ha de o Poder executivo responder pela segurança do Estudo, se de repente o corpo legislativo augmentar, ou diminuir as forças de mar ou terra. Por tanto parece-me indispensavel esta declaração para que haja em tudo um commum acordo.

O Sr. Freire: - Eu não queria que as Cortes ficassem inhibidas de fazerem sempre a este respeito o que julgassem mais conveniente; mas como póde acontecer que haja alguma necessidade de augmentar mais as forças, e o Governo póde conhecer isto melhor, e ate pode não lhe ser conveniente publicar os motivos, por isso deve elle ter alguma latitude para propôr; e só debaixo deste principio he que eu o admitto. Porem que as Cortes hajão de approvar ou não, sobre isto he que eu não queria cousa alguma declarada, por ser manifesto que a determinação da força armada só pertence ás Cortes.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Deve pertencer ao Governo o dizer quaes são as forças que julga necessarias para a segurança do Estado; mas o que eu queria he que não ficasse em duvida que as Cortes ficão autorisadas para as augmentar, ou diminuir; pois as Cortes não devem de modo nenhum depender do Governo para augmentar ou diminuir o exercito; mas se o Governo disser que estamos em guerra, neste caso quero eu que as Cortes sejão autorisadas para augmentar, e não para diminuir.

O Sr. Xavier Monteiro: - Que he uma das attribuições das Cortes o augmentar ou diminuir o exercito, não ha duvida; e para evitar toda será bom que se tire a palavra proposta, e substituila pela palavra informação.

O Sr. Caldeira: - O illustre Preopinante previniu-me no que eu queria dizer, pois a proposta havia de ser feita pelos Conselheiros de Estado, e seguir-se-hia daqui que senão houvesse essa proposta Geava effectivamente o corpo legislativo inhibido de poder augmentar ou diminuir o exercito; por consequencia apoio a opinião do Sr. Xavier Monteiro; porque a palavra proposta faz Confusão.
O Sr. Castello Branco Manoel opinou que as Cortes devião ter autoridade para augmentar ou diminuir as forças do Estado, e que isto se deve declarar mui expressamente na Constituição.
Julgando-se a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente: primeiro, se era ou não necessaria a sancção; e decidiu-se que não: segundo, se devião acrescentar-se as palavras com proposta ou informação do Governo; e venceu-se que sim.
Seguiu-se o n.º 8, e depois de uma breve discussão, ficou decidido que não houvesse sancção, por se achar assim já determinado nas bases.
Sobre o n.º 9 propoz o Sr. Presidente se quanto á sua Segunda parte se exige real; e venceu-se que não he necessaria.

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O mesmo se venceu a respeito do 10.º
Passou-se ao 11.º, e disse o Sr. Borges Carneiro que a sua materia devia ser sujeita á sancção, e que não havia motivo para que deixasse de o ser.
O Sr. Castello Branco opinou que seria uma inconsequencia ler-se negado a sancção no numero precedente, e julgala necessaria neste.
Poz o Sr. Presidente a votos se era necessaria a sancção; e venceu-se que sim.
Procedeu-se á votação sobre o n.º 12.°, e decidiu-se que não carecia de sancção.

O Sr. Borges Carneiro: - Sr. Presidente, isto votou-se sem ser discutido.

O Sr. Presidente: - Eu dei esta materia para ordem do dia, e como ninguem se oppoz a ella, julguei que a devia propor á votação.

O Sr. Xavier Monteiro: - Srs., isto he privativo das Cortes; porque augmentar ou diminuir as despezas publicas pertence ás Cortes; mas crear ou supprimir officios he augmentar ou diminuir as despezas publicas; por tanto não precisa de sancção real.
Passou-se ao n.º 13.º, e venceu-se igualmente que não carecia de sancção,

O Sr. Macedo, pedindo a palavra, disse: - Eu chamo primeiramente a attenção do Congresso para ura objecto que me parece mui attendivel; e he que tendo-se determinado que sejão independentes da sancção real os actos das Cortes referidos em quasi todos estes paragrafos; não sei porque motivo se não havia; de estabelecer o mesmo a respeito do §. 11., quando parece haver para isso as mesmas razões.

O Sr. Camello Fortes: - E eu tenho outra dúvida, que he negando-se a sancção o Rei em todos, estes artigos, então não sei o que lhe fica.

O Sr. Presidente: - Isto já se decidiu; o estar agora a emendar he cousa que não póde ser.

O Sr. Caldeira: - Sempre será, bom que isto se declare melhor; porque uma cousa he administrar, outra he alienar; isto são dois objectos muito diversas no mesmo numero; e quando se vota simultaneamente ha uma contradicção: por tanto julgo que he preciso tornar-se a vêr isto.

O Sr. Borges Carneiro: - Como a materia do N.° 11, he a unica que tem sancção, será melhor que fique sem ella tambem; e escusão-se mais declarações.
Poz-se a votos se devia renovar-se a discussão a respeito do artigo 97 ou passar-se ao 98, e venceu-se que se renovasse a discussão.

O Sr. Castello Branco: - Eu já observei que a votação devia ser coherente com o artigo 10; apezar disso o Congresso resolveu o contrario, o artigo 10 tem conexão com o artigo 11, e por consequencia este tambem não deve ter sancção. (Apoiado, apoiado).

O Sr. Annes de Carvalho: - Sr. presidente, no artigo 11, votou-se que houvesse sancção, e sem dúvida os illustres Priopinantes julgarão que era necessario que o Rei tivesse sancção neste caso. He necessario evitar a precipitação: assentou-se que o poder executivo tinha conhecimentos praticos pelos quaes era necessario que informasse a fim de que a lei sahisse melhor: ora desejaria eu saber se acaso no artigo 11. o poder executivo não tem conhecimentos, praticos a este respeito; tambem desejava saber como apezar destas reflexões que eu faço se, póde comparar o artigo 11 com o artigo 10: assento, que ninguem, tem mais experiencia do que o poder executivo a este respeito; por consequencia parece-me que elle devia ser consultado. Ora se ha nestes dois artigos 10. e 11. uma similhante igualdade, eu não sei porque razão se dá a sancção ao artigo 11., e não ao outro; por consequência ou se deve dar, a todos, ou a nenhum.

O Sr. Serpa Machado: - Sr. Presidente, não ha tanta inconsequencia como o illustre Preopinante diz; a razão he porque a imposição dos tributos era exclusiva das Cortes. Ora a respeito do artigo 12. a divida publica póde-se pagar de dois modos: ha alguma differença quando se trata de impor tributos, ou quando se trata de alienar; porque este he um objecto, de muito mais importancia. A venda, ou alienação dos bens nacionaes parece que he um objecto de muito mais importancia, e muito mais quando ella está limitada de sorte que sobre este objecta o poder executivo não serve de mais nada do que expor as razões que ha sobre esta materia.

O Sr. Castello Branco: - Não posso concordar com o illustre Preopinante. Não acho na sociedade uma cousa mais importante do que a imposição dos tributos: elles são sempre um mal, e um mal necessario para a mesma sociedade, o qual não izenta individuo nenhum, e he a meu ver uma das cousas que deve sempre ser considerada como uma cousa da maior importancia. A alienação dos bens nacionaes he verdade que he uma cousa de que se deve lançar mão em ultimo recurso; mas entretanto apezar de tudo isso eu não lhe posso dar a mesma importancia; por tanto a imposição dos tributos he sempre a cousa mais seria para a Nação.
O Sr. Presidente: - Lembro que a imposição, dos tributos he do artigo 9, e nós tratamos do artigo 11.

O Sr. Lobo, depois de ler o N.º 12, disse: - Crear ou supprimir officios he a materia deste paragrafo: elle tem tal connexão com o outro que não se póde negar a sancção a um, e da-la a outro; isto não deve ser motivo de sancção, real, e se se nega a um deve-se negar a todos.

O Sr. Xavier Monteiro: - Sr. Presidente, na materia dos Numeros 9, 10, 11, 12, a maioridade da Assemblea he de opinião que não haja sancção: o poder executivo he sempre remisso em dar as informações de que se trata. A sancção real, no meu modo de entender, não se deve admittir senão em poucos casos; porque eu nunca me posso convencer de que ella seja essencial, e muito menos no objecto do paragrafo; e por tanto voto contra ella. (Apoiado)

O Sr. Annes de Carvalho: - Aquelle argumento prova demasiadamente, por tanto oito póde ter lugar.

O Sr. Camello Fortes: - Srs., he perciso deixarmos sancção em alguma cousa; quando, não faltamos ao que já promettemos.

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Declarada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente á votação, 1.° Se havia contradicção a respeito dos tres paragrafos, ou numeros 10, 11 e 12, que se deva corrigir por nova votação - venceu-se affirmativamente. 2.º Se para tirar-se a contradicção se devia adoptar a mesma discussão para todos os tres numeros - venceu-se que sim. 3.° Se todos tres devem ou não depender de sancção - venceu-se que não tenhão sancção.
Passando-se ao art. 98 qee ficára adiado (v. o Diar. n.º 223 ), leu o Sr. Freire pela segunda vez a indicação do Sr. Moniz Tavares, o qual pediu licença para a retirar, e lhe foi concedida.
Continuou a discussão sobre o numero de Deputados da Europa e do Ultramar, que devem compor a Deputação permanente; e a este respeito disse

O Sr. Pereira do Carmo: - Não he muito que alguns illustres Deputados, que na ultima sessão de Constituição falarão sobre a primeira parte do artigo, tirassem conclusões oppostas á doutrina, que nelle se estabelece; porque partirão de principios mui outros daquelles, que os redactores do projecto tornarão em consideração. Eu tive a honra de ser um destes redactores, e por isso me incumbe mais particularmente desenvolver os principios da Commissão, para os comparar depois com os argumentos de meus illustres adversarios. Dizem uns: a base que se tomou para a eleição dos Deputados foi a da povoação; e como segundo esta base, Portugal mandou ao Congresso mais Deputados, deve tambem mandar mais membros á Deputação permanente. Dizem outros: o Deputado, mal que toma assento neste augusto recinto da Soberania Nacional, perdeu a qualidade de procurador da provincia que o elegeu, para se revestir de qualidade mais augusta, a de representante de toda a Nação: e nestes termos devem-se escolher os membros da Deputação permanente sem attenção a localidades, mas pelo unico motivo de seus talentos e virtudes. Eis-aqui o resumo das opiniões contrarias: agora direi as vistas da Commissão. Ella reconheceu que para se consolidarem as instituições sociaes, he mister que as amoldemos aos tempos, e lugares. Reconheceu, e com temor, que para fazer leis he necessario unir ao genio mais vasto o conhecimento mais profundo da Nação, para que se legisla. Isto posto, procurou a Commissão examinar qual era o tempo em que se estipulava o nosso novo pacto social, e quaes os paizes, que elle devia estreitar para o futuro com laços indissoluveis. Chegando a este ponto de exame, notou que na passagem do despotismo para a liberdade ha sempre dois grandes perigos, ou fazer muito, ou fazer muito pouco; e que o primeiro se torna mais eminente naquelles paizes, aonde havia sido mais activa a acção do despotismo; porque a actividade da acção faz presumir maior violencia de reacção. Ora he sem duvida, que em nossas provincias do Ultramar, quasi sempre governadas por subalternos despotas, he que mais tem pesado o despotismo; e então era muito de recear, que n'um momento de efervescencia em que todas as paixões se desencadeão, e desesperão, não perigasse a indivisibilidade do Imperio portuguez.
Observou finalmente a Commissão, que o despotismo europêo havia produzido (mórmente nos Portuguezes do Brazil) um sentimento de aversão nos opprimidos contra os oppressores, e certo ciume tanto mais bem fundado, quanto o mesquinho systema colonial assemelhava os habitantes das colonias, antes a escravos, do que a homens livres. Eis-aqui o tempo, e os paizes para que tinhamos de legislar. E que dictava em taes circunstancias a mais consumada prudencia? Era fazer precisamente o contrario do que tinhão feito os ministros, ou illudidos ou corruptos. Elles mandárão para o Ultramar o despotismo; nós mandamos a liberdade constitucional: elles o arbitrio; e nós a lei: elles a escravidão; e nós a igualdade de direitos. He pois sobre esta igualdade de direitos dos Portuguezes de ambos os hemisferios, illustrada pelas considerações que tenho ponderado, que se funda a disposição legislativa da primeira parte deste artigo. Compare agora a Assembléa estas razões com as de meus adversarios. Os redactores do projecto fundão-se no conhecimento dos homens, e das cousas; e seus adversarios em calculos acanhados de povoação, ou em theorias abstractas, diametralmente oppostas ás preoccupações dos povos, para quem legislamos: compare a Assembléa e decida.

O Sr. Miranda: - O illustre Preopinante tem allegado muitas razões, porém as razões que elle tem dado são abstractas, e de mera theoria. Qual he a autoridade que tem a Deputação permanente, para que não entrando nella Deputados do Ultramar, elles se offendão. A Deputação permanente não legisla, não dá ordens, nem para Portugal, nem para o Ultramar; não he mais que um corpo observador; e então para que se quer dar tanto a esta Deputação. Pelos principios do illustre Preopinante até o ministerio deveria ser formado, parte de membros de Portugal, e parte do Ultramar. Eu estou persuadido que se na Constituição hespanhola não apparecesse um tal principio, os redactores do projecto se não lembrarião delle; elle quer estabelecer differença entre Deputados do Ultramar e Deputados portuguezes, porem esta differença he que eu não quero. A Constituição não deve estabelecer similhantes principios; são principios de federalismo que he necessario desterrar. Nós somos Deputados de toda a Nação, não ha differença entre uns e outros, e para não a haver na Constituição he que eu voto contra o artigo. As distincções sempre são odiosas; as eleições devem ser feitas com a maior liberdade; por tanto voto que a Deputação permanente seja nomeada pela maioria de votos da Assemblea.

O Sr. Castello Branco Manoel: - Ainda que muitos dos illustres Preopinantes tenhão combatido a doutrina deste paragrafo, sustentando que a eleição dos membros da Deputação permanente deve ficar ao arbitrio dos Deputados, que sempre elegerão os mais habeis, não deixo com tudo de approvar a primeira parte do paragrafo, parecendo-me razoavel, que metade dos membros da Deputação sejão tirados do numero dos Deputados europeos, e a quarta dos ultramarinos. Varias razões me occorrem em apoio desta opinião. Sendo certo que uma das attribuições da

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Deputação permanente he fazer convocar as Cortes extraordinarias em negocios arduos, e circunstancias perigosas ao Estado, podem muito bem estes ser sobre acontecimentos do Ultramar, umas vezes, e outras sobre negocios europeos. E se em taes circunstancias acontecer que a Deputação seja de membros europeos, e o negocio for ultramarino, ou pelo inverso, he certo que estes Deputados não estarão bem ao alcance dos negocios, e não poderão tomar as medidas mais acertadas. Ora supponho por via de regra que os Deputados pelas boas qualidades que tem, sempre elegerão os melhores e os mais babeis, e seria a eleição a mais justa. Mas tambem me lembro que os Deputados são homens, e que podem ter paixões, e he certo que he muito dominante a que todos temos pelos nossos patricios, e que nas eleições póde muito bem a inclinação propender para os patricios, e então conforme for maior o numero dos Europeos ou dos Ultramarinos, cada um dos Deputados se inclinará para os do seu paiz, e prevalecerá a eleição pela parte daquelles que forem mais em numero. Ora esta desigualdade sempre a ha de haver. Agora sim a balança peia para os Europeos, mas estou persuadido que antes de muito poucos annos teremos mais Deputados do Ultramar do que da Europa, e póde então muito bem acontecer que sempre a Deputação seja composta de membros do Ultramar, que de ordinario não tem conhecimento dos negocios do Reino, e tudo isto se obvia ficando estabelecido na Constituição que metade dos membros sejão europeos, e metade ultramarinos. Além de que tambem he outra attribuição da Deputação o informar as futuras Cortes das infracções da Constituição. Ora se estas infracções se perpetrarem nos Estados ultramarinos, quem melhor pelas suas relações póde informar, que os seus Deputados. Tambem nós estamos a cimentar a união de todas as nossas provincias europeas e ultramarinas; devemos evitar tudo o que possa causar ciume, e desconfiança de umas para com as outras; tudo aquillo que pareça dar preponderancia a umas sobre as outras. Eu estou certo que os Deputados sempre hão de escolher os melhores, mas se essa melhoria recair, ou nos ultramarinos, ou nos europeos, como muitos receião, estou persuadido que entre os Deputados não haverá ciume, mas que ha de haver um grande desgosto nos povos, cujos Deputados não forem eleitos para membros da Deputação, por qualquer lado que elles encarem a eleição; pois se a olharem pela parte da justiça, elles se desgostarão muito de que nenhum dos seus representantes não fossem membros da Deputação: e se os julgarem muito habeis, ou porque realmente o sejão, ou pelo natural amor de patricios, então julgarão injusta a eleição, e será isto para elles motivo de grande queixa. Ha ainda outra razão que não he de tanto pezo, mas que nas circunstancias em que nos achamos tambem merece alguma contemplação para que de necessidade sempre metade dos membros da Deputação sejão ultramarinos, na certeza que por via de regra elles são tão habeis como os Europeos; e esta he de economia, e vem a ser, que tendo nós decretado um subsidio para todos elles, ainda no tempo em que ha de persistir a Deputação permanente, parece que o Thesouro poupará nisso alguma cousa. Já disse que não he razão de maior pezo, mas junta com as outras tambem he attendivel.
Em quanto porém á segunda parte do paragrafo, eu não voto que o Presidente seja aquelle que tiver sido eleito por sorte. Todos conhecem que um Presidente deve ter sempre qualidades eminentes, e que recaindo de necessidade esse emprego em um Deputado escolhido pela sorte, póde ser que a sorte recaia em quem não tenha essas qualidades em gráo eminente; e por isso julgo que para mais acertada escolha deve ser a nomeação feita pela pluralidade dos Deputados, bem como se determina no mesmo paragrafo se pratique com o Secretario.

O Sr. Maldonado: - Sustento ainda a minha opinião contra a opinião dos illustres Preopinantes que acabarão de falar. A minha opinião he que seja a Deputação permanente tirada dos Deputados em razão do numero que houver delles entre o Ultramar, e Portugal; a opinião que sustento parece-me fundada na justiça ligada com a politica. A opinião dos que querem a escolha inteiramente livre parece prescindir de toda a politica, e a do projecto parece que dá demasiadamente á politica. A opinião dos que querem a escolha inteiramente livre parece prescindir de toda a politica, porque dá lugar á inveja, e á murmuração; dá lugar á inveja, porque o emprego da Deputação permanente he um emprego elevado; á murmuração, porque as provincias do Ultramar hão de dizer que assim se decidiu por maioria dos Deputados de Portugal. A opinião do projecto dá em demasia á politica porque prescinde do principio regulador que se tomou para fazer as eleições, fazendo entrar maior numero de Deputados do Ultramar na deputação permanente, do que entrarião se acaso o principio regulador das eleições nos servisse aqui; e nisto acho um tal ou qual servilismo da nossa parte para com as provincias do Ultramar; ás quaes, por este modo damos demonstrações de dependencia. Isto, a meu ver, he muito anti-politico. Não ha meio sem duvida mais seguro para um homem ser desprezado de outro, do que mostrar-se dependente delle. He uma triste verdade, cujas excepções são bem raras. A minha opinião liga a justiça com a politica; a justiça, dando aos Deputados do Ultramar parte na deputação permanente; a politica, porque nos esquecemos do direito de primogenitura, e vamos a fraternisar-nos com os nossos irmãos do Ultramar, esquecemo-nos que as ilhas adjacentes nos devem tudo o que são, e o Ultramar quasi tudo quanto he. A povoação do Ultramar he feita pelos Europeos; no Brazil uma grande parte, nas ilhas toda. O Ultramar se está tão florecente deve-o á Europa: suas grandes cidades não existirião se não fossemos nós. Em fim, nós demos ao Brazil as luzes, nós lhe démos a civilisação. Mas esquecendo-nos de tudo queremos fraternisar-nos com elles, e vincular-nos ainda por este meio, estabelecendo pura a eleição da Deputação permanente, como principio regulador, o que serviu para as eleições de Deputados. Nem se diga que o censo do Brazil he imperfeito, e que não nos devemos regular

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por elle; tambem o nosso he imperfeito: quanto mais que no Brazil escolhêrão-se os Deputados como bem quizerão. Nós não lhe fomos dizer: sejão tantos Deputados desta provincia, sejão tantos daquella; por isso assento que o argumento de um illustre Deputado do Maranhão produzido na Sessão passada, não póde ter lugar; que o artigo deve reformar-se determinando-se que a Deputação permanente seja composta em razão do numero dos Deputados de Portugal, e dos do Ultramar.

O Sr. Moniz Tavares: - Vejo-me na necessidade ou de reprovar, ou de approvar o artigo contra os meus sentimentos. Já apresentei uma indicação; esperava por segunda leitura que talvez não se fará tão de pressa, ou não terá lugar. Portanto direi, logo os meus sentimentos, e vem a ser que não nos devemos regular nesta materia por vans theorias. Cada um Deputado, qualquer que seja a provincia a que pertence, he representante da Nação, isto he, deve promover o bem geral da Nação; mas cada um Deputado de qualquer provincia sempre he Deputado daquella provincia que o elegeu. Isto venceu-se no artigo 76, e esta decisão ha de estar na acta. Ora quando se trata de escolher entre estes Deputados aquelles que devem ficar de guarda á Constituição sendo estes Deputados de Portugal, e do Ultramar, devem eleger-se necessariamente Deputados de uma, e outra parte; nem se diga que isto he macaquice da constituição hespanhola. Os legisladores de Cadis maduramente considerarão quanto lhes importava harmonisar com seus irmãos de America; virão que elles até então tinhão sido excluidos dos eminentes empregos, e em consequencia para darem uma prova decisiva de que este mau tempo tinha passado, estabelecerão um igual artigo na sua Constituição. Os Brasileiros tem dado provas decisivas de adhesão a Portugal. E porque não havemos nós dar tambem uma prova decisiva da alta consideração que elles merecem? Mormente tendo-se praticado com elles até agora o mesmo terribilissimo systema de exclusão, apezar da sede da monarquia ter-se transplantado para alli? Nem se póde dar peso algum ao que disso um illustre Preopinante, que foi só a constituição hespanhola que se lembrou desta especulação. A constituição hespanhola lembrou-se porque só a Hespanha conservava riquissimas possesões na America, e as mais nações não as tinhão. Por tanto a não se approvar a minha indicação voto pelo artigo tal como está.

O Sr. Macedo: - Tem-se dito, que talvez não lembraria esta declaração do numero dos Deputado, de Ultramar que deve compor a deputação permanente se acaso não estivesse na constituição hespanhola. Digo eu, que se acaso os Hespanhoes se não lembrassem de fazer uma Constituição, tambem nós muito provavelmente nos não lembrariamos de outro tanto: e posto isto, não posso deixar de adoptar uma opinião que foi approvada pelos legisladores de Cadis em igualdade de circunstancias. Os mesmos motivos politicos que elles tiverão, assento eu que temos nós tambem; conseguintemente julgo que devemos seguir o seu exemplo. Tenho ouvido proclamar o principio de que deve haver igualdade entre os Portuguezes europeos, e ultramarinos. He porém necessario que este principio não só se publique em theoria, mas se ponha em pratica: e ninguem póde negar que o Congresso dará uma prova clara de que reconhece de facto esta igualdade, estabelecendo que haja um numero igual de Deputados europeos, e ultramarinos ha deputação permanente, que na verdade vem a ser uma junta de mui grande importancia. Por conseguinte se temos em vista estreitar os vinculos, que nos unem aos nossos irmãos de Ultramar, será mui conducente para este importante fim o determinar na Constituição, que na deputação permanente haja a possivel igualdade de individuos de um e outro hemisferio.

O Sr. Vasconcellos: - Nada póde concorrer tanto para firmar a nossa união com os nossos irmãos do reino do Brasil, do que terem elles uma certeza de terem para o futuro o mesmo direito aos mesmos cargos da sociedade. Eu seguiria a opinião dos illustres Preopinantes que combatem o artigo, se o numero dos Deputados da Europa fosse igual ao numero dos Deputados do Ultramar, porque se succedesse que todos os membros da Junta permanente fossem europeos, então dir-se-hia que era a vontade unanime, tanto dos representantes do Brasil, como de Portugal. Mas sendo maior o numero dos membros do Congresso europeos, ha de dizer-se que isto foi combinação dos Deputados de Portugal. Tambem não sou de parecer, que seja maior o numero dos membros da Junta de Portugal, que do Ultramar, e a razão em que me fundo, he que esta Junta he uma sentinela que o Congresso estabelece para vigiar se o Governo promove a felicidade da Nação. A Nação compõe-se de provincias ultramarinas e europeas; os Deputados da Europa podem olhar mais pela felicidade das provincias europeas, e os do ultramar pela felicidade das provincias ultramarinas; por isso deve haver igualdade no numero dos Deputados que devem compor a Deputação permanente.

O Sr. Annes de Carvalho: - Já na sessão antecedente falei sobre esta materia; só agora accrescentarei algumas reflexões. Diz-se que se acaso na Constituição de Hespanba não tivesse apparecido este artigo, tambem aqui não appareceria. Eu noto que este artigo he muito infeliz, porque tem sido já sujeito á censura. O Congresso de Hespanha foi censurado por Deprat, dizendo que as Cortes de Hespanha não tinhão feito mais do que copiar as antigas instituições; os redactores do projecto são accusados de imitarem nisto, as Cortes de Hespanha ...... Os Hespanhoes não fizerão mal em imitar aquellas institituições, e os Portuguezes fizerão bem em imitar os Hespanhoes neste ponto, pois que daqui podião ao contrario nascer tristes resultados. Se com effeito nós omittissimos este artigo, os nossos irmãos do Ultramar poderão escandalizar-se de não serem contemplados naquella deputação, e por isso eis-aqui porque deveriamos imitar, e com razão imitámos a Constituição hespanhola. Accresce, que este lugar da deputação permanente não he um lugar de pequena consideração. He um lugar para convocar as Cortes extraordinarias, e preparar a reunião das Cortes. A

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Deputação permanente ha de vigiar sobre todos os poderes da sociedade, ha de vigiar sobre o Poder judiciario, ha de vigiar sobre todos os cidadãos, ha de exercitar funções que só os Reis exercitavão, como he convocar Cortes extraordinarias, e outras attribuições de grande importancia; por tanto he um corpo de summa consideração moral: não ha corpo de tanta importancia, está para assim dizer no capitel da columna; he o summum politico, porque vigia até sobre o proprio Rei. Conseguintemente como este lugar seja de summa ponderação, como este lugar seja confiado a homens que hão de ser as sentinelas da Nação, toda a Nação deve concorrer; por isso parece, que não se seguindo mal algum da divisão que aponta o artigo, se deve determinar que a eleição se faça entre Deputados europeos, e Deputados ultramarinos.

O Sr. Moura: - Eu posso dar o testemunho de alguns membros da Commissão, de que quando entre nós se tratou deste artigo, fui de opinião contraria, e por isso posso agora francamente expor os meus sentimentos a este respeito. A minha opinião he, que não se faça similhante differença, porque essa differença tendo por fim unir, acho que he mais capaz de desunir. Não me move o exemplo dos Hespanhoes; elles verdade ha que adoptarão esta idea, e affastárão-se talvez dos principios constitucionaes que devião seguir em similhante assumpto, e affastando-se por um principio, que muitos Preopinantes attendem, isto he, por politica. Elles estavão em guerra, estavão n'uma grande scisão das suas provincias americanas, e quizerão ver se assim captivavão a sua vontade. A nossa situação he muito diversa. Nós éramos em grande união com as nossas provincias americanas, nós temos no Congresso os seus Deputados quasi todos, e não precisamos recorrer aos estratagemas de uma politica tortuosa e hypocrita: recorramos a principios verdadeiramente constitucionais, e falemos claro. A minha opinião, e fundamento capital a este respeito, he a seguinte. Quando he que deve haver uma relação entre representantes e representados nos governos representativos? Esta necessaria correlação só deve ser justa, e exacta n'um unico caso, e he no de legislar; em nenhuma outra occasião devemos procurar uma correlação entre constituintes e constituidos, senão quando se trata de exprimir a vontade geral da Nação por meio de seus legitimos representantes. Posto isto, digo , que não sendo a Junta permanente corporação legislatoria, sendo uma pare do corpo representante que vai erigir-se n'uma especie de tribunal, ou magistratura, não deve de modo nenhum admittir-se que haja uma correlação exacta entre os membros de que se deve compor, e as províncias a que correspondem; porque então seguir-se-hia que para todas as mais magistraturas que dizem respeito ao Governo executivo, devia haver a mesma correlação. Dizem agora os illustres Preopinantes, e este he o seu mais forte argumento: Demos de barato que assim seja, mas havia escandalo se nós não tivessemos neste caso tido uma similhante contemplação com as nossas provincias americanas, e terião os habitantes daquellas provincias muitas razões para se escandalisarem. Pois então digo eu, por causa do escandalo havemos de ir contra principios tão solidos, e tão claros? Em primeiro lugar, os Deputados do Ultramar podem ser eleitos para a Deputação permanente, podem os eleitos ser todos elles daquellas provincias, quanto mais a metade. E sendo a liberdade a primeira lei das eleições, da qual senão deve fazer excepção, senão quando a utilidade publica e o bem da sociedade o exige, que Utilidade haverá aqui em restringirmos esta liberdade? Que utilidade ha para obrigar-nos a restringir por um artigo constitucional a liberdade dos votantes da Assembléa, para que por força votem em tres Europeos e tres Americanos? Para que havemos de obstar a que qualquer membro da Assembléa vote em todos do Ultramar, quando a sua consciencia assim lho inspire? Para que havemos de obstar a que todas as vezes que a Assembléa achar que sete individuos, todos elles habitantes das provincias ultramarinas, tem as qualidades necessarias, tem a confiança da Nação, não chame todos de lá e nenhum de cá. Não sei que necessidade haja em trestringir a liberdade n'uma Assembléa tão numerosa para um objecto desta importancia. Eu assento que não ha razão nenhuma para restringir neste caso a liberdade dos votantes, e que a Assembléa deve seguir nesta occasião simplesmente as inspirações da sua consciencia, e deve chamar para aquelle cargo só aquellas pessoas que lhe merecem confiança; não devendo servir de regra o escandalo, porque a justiça e a utilidade publica não mandão que tenhamos attenção a isto.

O Sr. Villela: - Eu bem quizera não dizer cousa alguma sobre esta materia: mas em fim vejo-me obrigado a declarar que não posso assentir á opinião daquelles Srs. Deputados, que se oppõem a que passe o artigo conforme está redigido. Embora digão que he uma cega imitação da Constituição de Hespanha; em muitas cousas a temos nós seguido. Ella quiz por este meio conciliar a vontade das suas provincias do ultramar, e nós não devemos escandalizar as nossas. Dizem que somos todos aqui representantes da Nação, que não deve haver consideração particular de Deputado de Portugal e Deputado do Ultramar, e que por consequencia a Deputação permanente deve formar-se indistinctamente de uns ou outros conforme os seus talentos, e merecimento. Tudo isto he verdade, tudo isto he excedente em these, mas não em hypothese. Tudo he mui facil de dizer-se, mas não de sentir-se; e se nós o sentimos, como he justo que o sintamos, talvez o não sintão assim os povos, que não são tão filosofos, e metafysicos. Supponhamos que apparece uma Deputação permanente composta só de Europeos, o que he facil de acontecer, como bem o ponderou o illustre Deputado o Sr. Annes de Carvalho, e eu até pudera demonstrar com alguns exemplos analogos e recentes. Que se espera que digão os povos do Ultramar, não vendo naquella junta um individuo, que lhes diga respeito? Que se espera que elles pensem, ainda sem isto acontecer, comparando o artigo da Constituição de Hespanha com o que se pretende aqui substituir? Evitemos, Srs., evitemos todos os motivos de ciume

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e descontentamento. He na conservação da união politica dos povos dos dois hemisferios, separado pela natureza por mares extensos, que eu fito unicamente as minhas vistas, e os meus desejos. Quanto no parecer dos que pretendem, no caso de entrarem Deputados ultramarinos na dita deputação, que estes sejão eleitos proporcionalmente ao numero que formão neste Congresso, por quanto nas eleições para Deputados se observou uma regra similhante, dando cada provincia um numero proporcionado ao de seus habitantes, he facil de advertir que tal regra não tem aqui lugar. Cada Deputado em Cortes deve representar um numero determinado de cidadãos; por conseguinte era necessario que fossem eleitos naquella razão: mas na Deputação permanente um Deputado já não representa numero determinado de individuos da Nação. A Deputação permanente he uma junta, ou representação das Cortes, a qual tem a seu cargo vigiar a observancia da Constituição em todo o Reino unido. Logo he necessario que esta sentinella seja composta igualmente de Deputados de Portugal, e do Ultramar. Se Portugal abunda mais de pessoas livres, e por isso deu mais representantes, no Ultramar he muito maior a extensão territorial; são muito mais as riquezas; considerações estas mui attendiveis, e que algumas constituições tiverão em vista, quando tratarão de designar o numero de representantes que deveria dar cada provincia ou comarca para as suas assembléas legislativas. Demais, que inconveniente póde haver em passar o artigo como está redigido? Que mal póde delle resultar ás gerações futuras? Que mal se tem delle seguido aos Hespanhoes, que primeiro o estabelecerão, para ter merecido uma tão renhida e ciosa discussão? Lembra-me que por occasião de algumas instancias de varios Srs. Deputados do Ultramar, se perguntou aqui que mais queria o Brazil. Seja-me tambem licito perguntar agora que mais quer Portugal? Não tem em si o Monarca? Não tem as Cortes? Não vem tomar nellas assento os representantes do Ultramar com tantos incommodos e perigos? Não se lhes mandão de cá os Bispos, os Generaes, os Magistrados? E ainda se lhes quer disputar palmo a palmo esta pequena igualdade de representação na Deputação permanente! Nada ha de certo mais mesquinho e illiberal do que isto; nada prova mais o contrario daquillo mesmo que se pretende inculcar. Voto por tanto pelo artigo, e peço votação nominal.

O Sr. Feio: - Além das razões, que mui sabiamente tem expendido os illustres Preopinantes, tenho mais a produzir uma a favor do artigo. Nós occupamos na Europa uma pequena porção de terreno; os Americanos occupão um vastissimo territorio: crescendo elles em população, como he de esperar á sombra da liberdade, em breve tempo virião a mandar para o Congresso maior numero do Deputados, que nós; e tendo então elles a preponderancia, nós viria-mos a ficar excluidos da Deputação permanente. Por tanto, attendendo não só as razões já ponderadas, mas a nossa propria utilidade, o artigo deve passar como está.
O Sr. Miranda, reproduzindo a maior parte dos argumentos expostos na Sessão de 12 do corrente, sustentou que a eleição deveria ser inteiramente livre, e que era antipolitica toda a idéa de differença que se queria fazer de Deputados europeos e ultramarinos, porque todos são Deputados da Nação portugueza.

O Sr. Bettencourt: - Ainda que me seja indifferente qualquer decisão que haja sobre esta materia, por isso que sendo natural da Ilha terceira, e pertencendo por consequencia ao Ultramar fui eleito Deputado pela provincia da Extremadura; com tudo continuarei hoje a falar contra o artigo com a minha notoria imparcialidade. Não entrarei porém em considerações particulares, mas sim em idéas geraes. Primeiramente, o que he a Deputação permanente? He uma commissão que as Cortes que actualmente existem dão a um certo numero de pessoas para preencher as obrigações que aqui estão designadas, até á instalação das novas Cortes. Não he por tanto uma representação nacional, e por isso não posso admittir, que para este effeito seja preciso que haja Deputados europeos e Deputados do Brazil. Tambem não posso persuadir-me que para encher os fins desta deputação sejão precisos conhecimentos locaes, porque estes não tem nada com a deputação que he só para estar em fiscalisação n'uma especie de atalaia sobre se se preenche, ou não a Constituição, se ella tem infracções, para que nas novas Cortes sejão ellas accusadas, ou para convocar Cortes extraordinarias quando existão os motivos para que ellas devem ser convocadas; por isso não tendo a Deputação permanente obrigações privativas nem para a representação nacional, nem tendo obrigações a preencher que exijão conhecimentos locaes; e só tendo que preencher obrigações geraes, não se devem escolher para membros desta deputação, senão aquelles em quem recahir maior numero de votos, ou seja europeo, ou seja asiático, ou portuguez, ou de qualquer paiz. Devemos acabar com estas differenças, que são odiosas. Eu vejo neste Congresso que quando se nomeão membros para as Commissões não se attende ás suas naturalidades, attende-se aos seus conhecimentos e a mais nada. He este o unico artigo em que vejo estas differenças de Deputados da Europa, e Deputados do Ultramar: acabemos por uma vez com ellas: a Nação he uma só, todos somos Deputados da Nação portugueza. O patriotismo, a vigilancia, o caracter inabalavel e constitucional, são os requisitos que devem constituir os membros da deputarão permanente; deixe-se por tanto a cada um dos Deputados o escolher aquelle em quem reconhecer estas qualidades.

O Sr. Borga Carneiro: - Eu em toda esta disputa tenho talado tranquillo, porque julgo boa qualquer decisão que se venha a tomar: por ambas as partes ha boas razões, e neste caso sigo aquella que está escripta no projecto. Sómente rectifico uma minha expressão, em que chamei á Deputação permanente um epilogo das Cortes: pois melhor lhe chamarei com o Sr. Vasconcellos, sentinella da Nação, posta para vigiar sobre a observancia das leis dentro dos limites que lhe ficão consignados: e por isso não se argumenta bem dos outros empregados publicos,

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nos quaes na verdade se não requer que sejão uns da Europa outros do Ultramar; pois, além de que algum delles, como os Desembargadores, são promovidos segundo as leis da antiguidade, tem todos attribuições particulares sobre a parte judiciaria, militar, administrativa, etc., ao passo que os membros da Deputação as tem sobre toda a Nação, como sentinella que vigia sobre, ella no intervallo das Cortes. Olhemos a natureza do homem e consideremos o que elle seja. He verdade que qualquer Deputado o he de toda a Nação, e não mais de uma provincia que de outra; com tudo vemos que quando se trata um negocio particular da terra onde algum nasceu, ou viveu, talvez se empenhe mais pela justiça desse negocio. Presentemente está nas Cortes maior numero de Deputados de Portugal, do que do Ultramar; talvez algum dia venhão a ser mais os do Ultramar em razão da população da America, Asia, e Africa, e conseguintemente acontecerá talvez que agora tratando-se de eleger a Deputação permanente, appareça maior numero de Deputados europeos, e para o futuro de ultramarinos. Pondo-se pois a regra por ametade, fica isto equilibrado, e não neguemos que esta medida demostra cordialidade entre a familia européa e ultramarina, e tende a vincular mais uma e outra. Por estas razoes voto pelo artigo; e se todavia se vencer o contrario, tambem fico contente.

O Sr. Freire: - Voto contra o artigo. A razão he porque sendo a Assembléa uma e unica, não devemos jamais consentir que se divida em duas. Não vejo principio algum porque se deva fazer uma secção tão extraordinaria, e tão desigual. Os principios de politica jamais devem prevalecer contra os principios de justiça. Os Deputados nomeados para este Congresso constituem uma só unica Assembléa. Quando houvesse duvida bastava olhar para o artigo 86; todos somos Deputados do Reino Unido, todos somos representantes in solidum da Nação; logo he tão somente a confiança que deve guiar os membros da Assembléa para eleger os membros da Deputação permanente. Ha bem pouco tivemos nós um caso similhante a este, nós nomeamos uma especie de Deputação para o Governo executivo, acaso dissemos nós que fossem membros Deputados do Ultramar? Até me parece que o artigo faz certa especie de ataque a estes Deputados, pois que só porque o estabelece a constituição he que se julga que elles poderão ser eleitos. Eu me julgaria muito chocado com tal supposição, se acaso fosse Deputado do Miramar. Que cousa he por politica fazer ir um homem a um lugar, porque não póde deixar de lá ir? Não posso admittir similhante opinião. Diz-se que devem ser eleitos os Deputados do Ultramar, porque são elles os que conhecem melhor os negocios d'ali. Mas pergunto eu: As ilhas adjacentes de Portugal hão de ser consideradas no Ultramar, ou como hão de ser consideradas? Em fim eu não vejo nisto mais do que um puro federalismo; não vejo aqui mais do que divisão; e para evitar este federalismo, esta divisão, he que eu voto contra o artigo.

O Sr. Belfort: - Pouco tenho que accrescentar ao que se tem dito em favor do artigo. Só farei uma reflexão. Este soberano Congresso compõe-se de noventa e tantos Deputados da Europa, e vinte e tantos do Brazil: digo eu, se acaso a opinião for contra o artigo, que dirão os Brasileiros? Hão de dizer certamente: houve tantos Deputados europeus contra os Brasileiros, e isto foi o que decidiu contra o artigo: e parecerá isto bem? Será isto acertado? Eu o deixo á consideração deste soberano Congresso.

O Sr. Xavier Monteiro: - He da condição humana, Sr. Presidente, ao pé de grandes descobertas em politica fundarem-se ao mesmo tempo grandes erros. Grande descoberta em politica foi por certo a dos legisladores de Cadiz, quando estabelecerão a Deputação permanente, cousa que ninguém até então tinha lembrado. A Deputação permanente, chamem-lhe o que quizerem, não he senão uma Commissão da legislatura que acaba, igual ás actuaes Commissões do Congresso, instituidas para tomar conhecimento de alguns objectos, mas não para os decidir; pois tem obrigação de recolher informações, e de as apresentar ás Cortes futuras; entretanto ainda ninguem se lembrou que uma Commissão das Cortes devia ser composta de membros de differentes provincias. Supposto isto, vamos a ver se o artigo he conforme á justiça e á politica. Será justo que a Assembléa tenha a liberdade restricta para votar em tres Deputados do Ultramar? Parece-me que não. Diz-se: os Deputados do Ultramar sempre vigião mais sobre os interesses do Ultramar. Eu seria desta opinião se o Ultramar fosse um ponto, mas o Ultramar divide-se em differentes e separadas províncias; por consequencia não póde ter pezo a razão allegada, nem sei que a Deputação permanente tenha attribuições taes, que seja necessaria attender á localidade ou naturalidade dos seus membros. Um Deputado do Rio de Janeiro, que pertença á Commissão permanente, poderá informar sobre os negocios de Angola, ou do Pará, como um Deputado de Portugal. Logo Europeos ou Brazileiros para o desempenho das attribuições da Deputação permanente vem a ser o mesmo. Olhemos agora este objecto em quanto á politica. Por este lado digo que os Hespanhoes commetterão um grande erro compondo a Deputação permanente de igual numero de membros europeos e ultramarinos; porquanto forão por este modo persuadir aos povos do Ultramar que os seus interesses erão differentes, e que necessitavão privativamente dos seis naturaes para os vigiar; o que tem concorrido para produzir a actual dissenção das provincias ultramarinas hespanholas. E porque nós temos imitado os Hespanhoes em muitas cousas, devemos imitalos em tudo, e até nos seus erros? A critica e a experiencia he que concorrem para que as instituições humanas se vão aperfeiçoando pouco a pouco. Nunca se deve imitar ás cegas, mas só depois de maduro exame e reflexão. Por tanto o meu voto he que não os imitemos nesta parte, e que demos ás eleições a util e justa liberdade que lhes compete.

O Sr. Vasconcellos: - Se não passar o artigo como está, he preciso não conhecer o coração humano para não nos persuadirmos que todos os Deputados da Deputação permanente hão de ser europeus; he

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do coração humano que todos estimem mais os da sua terra que os da alheia; por tanto eu insto pela doutrina do artigo.

O Sr. Varella: - Desejaria que se tratasse do modo de formar esta Deputação, e que ao depois quando estivesse proxima a dissolução das Cortes se procedesse a uma sessão em que se tratasse disso. Eu quereria que este negocio se decidisse de tal modo que não se julgasse que havia rivalidade. A mim parecia-me que o modo de cortar esta questão, que já he bem longa, era tratando do modo das eleições, e deixando o mais para depois. Eu sou cosmopolita, e desejava que inteiramente acabasse esta separação entre o Brazil e Portugal.

O Sr. Ferreira Borges: - Está dito sabiamente por uma e outra parte; todavia propalarei o meu voto contra o artigo. Além das razões que tenho ouvido ponderar contra elle, accrescentarei uma só, e vem a ser, que estamos tratando de regular uma eleição que um Membro do Congresso tem de fazer. Tudo quanto se tem dito para mostrar que he necessario uma divisão tende a tolher um conloio; eis-aqui pois a razão porque me opponho ao artigo, por ser indecoroso de nós, indecoroso desta Assembléa, e indecoroso de todas as assembléas futuras, o dar-se a conhecer que entre nós houve conloio, ou possibilidade delle. Eu certamente não me levarei de conloio; o mesmo julgo dos mais; e por isso não posso restringir a liberdade de votar que tem qualquer dos Membros da Assembléa. Por tanto demos-lhe a liberdade de escolher de qualquer canto da Monarquia portugueza, e tiremos um artigo que involve uma cousa desacreditadora do Congresso. Não se traia senão de fazer differenças, mas para que? Como he possivel combinarem-se todos os Deputados da Europa ou conloiarem-se para este fim? Eu não vejo possibilidade alguma; por tanto eu desejaria que se deixasse uma liberdade amplissima de votar, e que prescindíssemos absolutamente de tudo quanto he idéa de conloio.

O Sr. Belfort: - Quando eu disse que os Brazileiros vendo uma decisão contra o artigo, dirião que era porque havia 90 e tantos Deputados da Europa, e 20 e tantos do Brazil, não foi porque me persuadisse que os Deputados da Europa fossem capazes de um conloio; estou bem certo dos sentimentos de honra, e patriotismo dos Deputados de Portugal; e que hão-de expender a sua opinião como lhes dictar a sua consciencia. Mas todos os homens não pensão assim dos outros, e por tanto os Brazileiros podião julgar mal deste Congresso, que era o que eu queria evitar.

O Sr. Peixoto: - Respondendo ao penultimo illustre Preopinante, digo que não tenho por indecorosa qualquer medida de prevenção, que denote suspeita de conloio. Nós estamos constituindo para Cortes de homens, em consequencia sujeitos a defeitos, e imperfeições: e não he muito, que delles presumamos aquillo mesmo que he ordinario em todas as corporações; seja qualquer que for a sua natureza, ou o paiz em que se congreguem: pelo contrario pede a prudencia, que tenhamos sempre no sentido esta presumpção, para acautelar-lhe os effeitos; assim como já temos feito mau de uma vez. Entretanto se o projecto não propoxesse a distribuição da Deputação permanente entre a Europa, e o Ultramar, talvez, que eu a não admittisse, mas já agora, depois de lembrada não me parece politico regeitala.

O Sr. Margiochi: - Talvez esta questão se tenha demorado muito por ter sido apresentada debaixo de principios de interesse. Eu não julgo que o lugar de Commissario da Deputação permanente das Cortes seja lugar de interesse: he lugar de alta honra, mas tambem de iminentes perigos; não disfarcemos que se intenta ainda arruinar esta causa, e por isso a Deputação permanente he lugar de grande risco. Por tanto o argumento deduzido do interesse não vale nada; muito menos o argumento de outro Deputado que diz que se nesta questão formos vencidos, se ha de dizer que foi a superioridade dos Deputados europeos que votou contra o artigo, porque se este argumento tivesse força poderia dizer-se pela parte inversa que linha sido a menoridade dos Deputados do Ultramar. Por tanto desprezando todos estes argumentos vamos a considerar quaes são os principios que temos estabelecido na Constituição. Nós temos estabelecido que não haja distincção, nem da Europa, nem do Ultramar. Tambem não devemos estabelecer que ha dois hemisférios. Nós podemos dividir a esfera como quizermos; se a dividirmos por um circulo que passe entre as nossas Americas e as colónias hespanholas então de certo que parte da America, e da Europa está toda no mesmo hemisferio. Ora sé pela Constituição nenhum dos nossos Deputados se pôde julgar, senão Deputado da Nação; seja não he licito fazer differença entre Deputados do Ultramar, e de Portugal; se no nosso methodo de eleições não consentimos restricções, para que as havemos agora fazer. A Deputação permanente he, como já se disse, a sentinella da liberdade do Estado; por tanto devem escolher-se para esta sentinella aquelles que merecem mais a nossa confiança, ou sejão da Europa, ou da America. O que se querem são boas sentinellas. Hoje revogo o parecer que dei na sessão antecedente, para que esta eleição se fizesse proporcionalmente segundo o numero dos Deputados. Hoje digo que deve acabar esta distincção; que se deve deixar toda a liberdade das eleições; e que o contrario he que he antipolitico, e inconstitucional. Dizer que se deve admittir o artigo para conciliar mais os povos do Brazil, he o que não posso ouvir. Já este Congresso não admittiu aqui no seu seio um que se intitulava Deputado do Pará, e entretanto não perdemos o Brazil. Por isso desprezemos essa politica vã e illusoria; e seja a deputação escolhida com a maior liberdade.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Parecia-me que os Srs. Deputados do Brazil vinhão para cá anunciar-nos com toda a segurança que este Congresso poderia fazer leis sustentadas sobre as bases de justiça, e igualdade para todos os povoa de um e outro hemisferio, e que nesta consideração estas leis havião de ser bem recebidas. Agora ouço dizer que não, e que he preciso fazer leis ageitadas á confiança ou desconfiança dos povos, isto não o entendo. O Congresso faz leis

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sobre principios geraes de justiça, e os povos devem obedecer a estas leis, isto he que eu entendo que elles devem fazer.
Alguns Preopinantes tem dito que a Deputação permanente he um lugar de grande consideração, outros que não he de tanta; mas a maior parte tem assentado que ella he a sentinella que as Cortes deixão no seu lugar para vigiar sobre as operações do governo executivo, e felicidade da Nação. Pergunto eu: a quem deve isto ser commettido? A quem he de Portugal ou do Brazil, ou a quem he mais capaz? Pois he mais capaz um sujeito de Portugal ou do Brazil, ou aquelle que indifferentemente se acha n'uma ou n'outra parte, com tanto que tenha as qualidades que se requerem? Creio que isto he de simples, intuição. Um dos illustres Deputados na Sessão passada disse, que ninguem poderia dizer que entre os Deputados do Ultramar se não podessem achar tres membros capazes para a Deputação permanente; eu digo mais, ninguem poderá dizer que entre os Deputados do Ultramar se não possão achar tres os seis membros mais capazes. O que se quer he quem he mais capaz, e então digo eu, se se acharem quatro n'uma parte, e dois na outra, ha de se ir buscar por força o terceiro a esta parte, e não a outra? Não. Nós dizemos nas bases, todos os cidadãos são habeis para todos os empregos, conforme o seu merecimento, e as suas virtudes. Diz-se: os do Brazil são mais habeis, pois então hão de se ir buscar do Brazil só tres? Este lugar que he de tanta consideração, de tanta responsabilidade, ha de ser formado de sorte que para a escolha dos seus membros tenhão as Cortes futuras as mãos ligadas? Isto he o maior absurdo. Diz-se tambem: se se estabelecer o contrario do artigo vamos a fazer a desconfiança dos povos. Não posso conceber como por aqui se quer attribuir aos povos desconfiança que elles não tem. Que póde recear o Brazil das Cortes de Portugal? Que tem estas feito a respeito do Brazil? Vejão-se os seus decretos. Já fizerão alguma excepção odiosa para o Brazil? Não. Ouvi a um illustre Deputado entrar na conta do deve, e hade haver de Portugal com o Brazil, porem disto não devemos tratar, porque então muita cousa havia que dizer. Nós devemos tratar de fazer a união dos povos, e não a desunião, e esta desunião he a que se quer fomentar pelo artigo. Porque razão se ha de ir buscar Deputados do Ultramar, Deputados de Portugal distinctamente? Eu não o sei. Tem-se dito daqui que não succede mui nenhum; segue-se um mal muito grande, que he ver-se o Congresso na necessidade de votar em taes e taes, e haver esta idéa de separação e de desunião, que deviamos evitar.
Desenganemo-nos, Srs., os povos do Brazil não se hão de illudir com estas patranhas; não he pelo artigo que elles se hão de conservar unidos com os povos de Portugal, he sim por outras razões fundamentaes, ha de ser pela observancia das leis e da justiça; por leis sabias e justas, adequadas para o seu paiz. Não tenhamos modo que se desunão em razão de senão restringir a liberdade das eleições. Os povos não se illudem com palavras; hão de ser os Deputados do Ultramar juntamente com os de Portugal que hão de fazer as eleções. Poouco importa aos povos que o que administra a justiça seja Grego, ou Judeu, ou Italiano; o que o povo quer he boas leis; executem-se estas, e faça a lei quem quizer: Estamos certos que a representação nacional está em nós; por tanto faça-se a lei, execute-se, administre-se bem a justiça, que isto he o que constitue o interesse do povo. Este he o unico modo de nos conservarmos unidos; todas as idéas contrarias a estas são muito alheas da união, são mais proprias para desunir, do que para unir. As Cortes hão de escolher os Deputados que julgarem mais capazes de vigiar sobre a observancia das leis, e da Constituição, e sobre o Poder executivo; e estes homens devem ser escolhidos indistinctamente dentre todos os Deputados. Nós todos somos uns; somos representantes da mesma Nação; por isso o artigo não deve passar; muito mais com o outro appendiculo de ser a sorte quem decida. Pois havemos de deixar á sorte o que depende do discurso e reflexão? Muito embora se vença o artigo; eu já peço votação nominal; mas de maneira nenhuma se decida que a sorte ha de decidir, porque a sorte he cega; e não sejamos nós cegos tambem.
Declarada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente se a Deputação permanente, na conformidade do artigo, ha de constar de tres Deputados das provindas da Europa, e outros tres das do Ultramar: e venceu-se que sim por 69 votos contra 26.
Votárão pela affirmativa os Srs. Pereira de Magalhães, Moraes Sarmento, Camello, Ferreira de Sousa, Antonio Pereira Canavarro, Pinheiro de Azevedo, Arcebispo da Bahia, Basilio, Pereira do Carmo, Benardo Antonio de Figueiredo, Bispo de Béja, Macedo, Gouvêa Durão, Aguiar Pires, Lyra, Francisco Antonio dos Santos, Moniz, Araujo Pimentel, Trigoso, Moniz Tavares, Villela, Calheiros, Leite Lobo, Soares de Azevedo, Braamcamp, Brandão, Almeida e Castro, Caldeira, Queiroga, Ferreira da Silva, João de Figueiredo, Aragão, Soares Castello Branco, Rodrigues de Brito, Pinto de Magalhães, Vicente da Silva, Annes de Carvalho, Santos Pinheiro, Rosa, Ferrão, Affonso Freire, Sousa e Almeida, Moura Coutinho, Ribeiro Teixeira, Peixoto, Ribeiro Saraiva, Corrêa de Seabra, Vaz Velho, Feio, Rebello da Silva, Martins Bastos, Luiz Monteiro, Borges Carneiro, Silva Negrão, Martins Couto, Serpa Machado, Vasconcellos, Zeferino dos Santos, Franzini, Castello Branco Manoel, Araujo Lima, Lopes de Almeida, Roberto Luiz de Mesquita, Rodrigo Ferreira, Sousa Machado, Salema, Belfort, Bekman.
Votárão pela negativa os Srs. Freire, Quental da Camara, Girão, Moraes Pimentel, Lédo, Filisberto José de Sequeira, Barroso, Bettencourt, Margiochi, Soares Franco, Xavier Monteiro, Baeta, Jeronymo José Carneiro, Felgueiras, Lemos Brandão, Pimentel Maldonado, Faria de Carvalho, Medeiros Manta, Ferreira Borges, Moura, Castro e Abreu, Alves do Rio, Fernandes Thomaz, Miranda, Pamplona, Arriága, Ribeiro Telles, Rodrigues Sobral, Silva Correia.

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Movendo-se alguma discussão a respeito da hora em que devião dahi em diante começar as sessões de Cortes; assim como sobre deverem, ou não, continuar as sessões extraordinarias á noite, propoz o Sr. Presidente se devião ficar as cousas no mesmo pé em que se achavão: e venceu-se que sim.
Designou se para ordem do dia o parecer da Commissão de fazenda sobre o projecto do Ministro da mesma, que, por indicação de alguns Deputados, foi substituido, pelo projecto sobre a extincção da Patriarcal, e o parecer da Commissão de justiça civil, a respeito das casas que forão da Intendencia.
Levantou-se a sessão depois da uma hora da tarde. - João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Joaquim José Monteiro Torres.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e, Extraordinárias da Nação portugueza mandão reverter ao Governo o officio n.° 28 do Governador da Provincia do Maranhão, Bernardo da Silveira Pinto, datado em lê de Setembro proximo passado, que foi transmittido pela Secretaria d'Estado dos negocios da marinha em data de 13 do corrente mez, e de cujo conteudo ficão as Cortes inteiradas.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 14 de Novembro de 1821. - João Baptista felgueiras.

Redactor - Galvão.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

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