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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINÁRIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 226.

SESSÃO DE 15 DE NOVEMBRO.

Abriu-se a Sessão á hora do costume, sob presidencia do Sr. Trigoso, e lida a acta da antecedente, foi approvada.

O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios do Governo:

1.° Do Ministro dos negocios do Reino, incluindo uma consulta da junta da fazenda da cidade sobre as dúvidas, que occorem no pagamento dos ordenados do conselheiro vereador José Diogo Mascarenhas Neto, que se remetteu á Commissão de fazenda.
2.° Do Ministro da justiça, acompanhando os autos, principaes da questão de congrua entre Pedro Reixa da Costa Maldonado, reitor de Coruche, e Fr. Hilario Joaquim dos Santos, seu coadjutor, que se distribuio á Commissão ecclesiastica do expediente.
3.º Do mesmo ministro, remettendo os requerimentos de varias pessoas incluídas em uma relação juncta, em que pedem dispensas de lei, que se mandou á Commissão de justiça civil.
4.° Do mesmo Ministro, enviando varios papeis respectivos a questões antigas, agora novamente suscitadas entre o povo da freguezia de Murtoza, Bunheiro, e outros, e o do concelho de Vagos, da comarca de Aveiro, sobre o uso, e aproveitamento dos mariscos, e moleios, que se crião no rio de Aveiro até á barra-velha, que se mandou passar á Commissão de agricultura.
5.º Pela mesma repartição, incluindo uma consulta da Meza do Desembargo do Paço, em cuja resolução foi suspenso o ex-juiz de fóra da Villa da Barca, Manoel Maria da Fonseca Castello Branco, que se remetteu á Commissão de justiça criminal.
6.º Do Ministro da fazenda, dando conta de que ficavão expedindo ordens a differentes repartições, para o fim de satisfazer ao que se determina na ordem das Cortes datada do dia 12 do corrente, relativamente ao projecto de lei sobre a reforma dos foraes, de que as Cortes ficarão inteiradas.
7.º Do mesmo Ministro o seguinte. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr.- Tenho a honra de transmittir a V. Exa. no incluso, o meu pensamento, á cerca do objecto do officio de V. Exa. de 8, para ser presente ao soberano Congresso.
Deus guarde a V. Exa. Palácio de Queluz em 14 de Novembro de 1891. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. João Baptista Felgueiras, José Ignacio da Costa.
Mandão-me as Cortes Geraes, e Extraordinárias da nação Portugueza propor o plano, para que a presidencia do thesouro publico, fique separada da secretaria d'Estado da fazenda, com subordinação a esta, indicando as attribuições, que a cada uma devem pertencer.
Este enunciado deixa-me suppôr, ou que a separação está em simples projecto, ou já definitivamente decidida. Em ambas as hypotheses direi, com receio, o que me occorre.
Na primeira, entendo, que em quanto durar o nosso actual systema de finanças, vicioso em princípios, assás devidido, e complicado, separar as duas repartições inteiramente conexas, e ligadas, longe de as simplificar, seria confundillas, empecer a sua marcha, e dar occasiões a conflictos de jurisdicção, em prejuiso do serviço, porque depois de processados os negócios no thesouro, não os podendo resolver o presidente; hade por força recorrer ao ministro para os decidir, e mesmo para regular a medida proporcional dos pagamentos, e applicações dos fundos existentes aos diversos ramos de despeza, que he indispensável restringir, segundo aã possíveis circunstancias da receita.
Organisada a reforma do systema fiscal, tanto na qualidade dos impostos, como nos meios de sua arrecadação; penso eu, que em vez de fazer do thesou-

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ro, e da secretaria, dois corpos separados, conviria mais rennillos em um só. Daria isso um artigo de economia considerável, e haveria mais harmonia, e celeridade no expediente dos negócios, dirigidos por uma mola central de unidade.
Na segunda hypothese, isto he, no caso de que se haja assentado na divisão das duas repartições, parece-me que provisoriamente poderia servir de regimento para o thesouro, a lei da sua creação, e as ulteriores, que lhe são relativas; e para a secretaria da fazenda a portaria da Regência de 7 de Abril do corrente, com as modificações, que a legislação posterior lhe tiver causado.
Eis-aqui as minhas idéas succintas sobre o proposto, que sujeito á sabedoria do Congresso nacional.
Lisboa 14 de Novembro de 1821. - José Ignacio da Costa.
Ficárão as Cortes inteiradas, e determinarão que se junte á indicação do Sr. Fernandes Thomaz sobre esta matéria, que se acha adiada.
8.º Do Encarregado da pasta do negócios da guerra, incluindo uma relação circunstanciada dos auditores, officiaes, e mais empregados da auditoria geral do exercito, que se dirigio á Commissão especial encarregada da reforma do estado maior civil do mesmo exercito.
Deu conta da remessa, que faz Filippe Alberto Patrons de certo numero de exemplares de uma memoria, que se intitula = Explicação do mysterio, que há na demora das eleições dos Deputados do Para = que se mandarão distribuir pelos Srs. Deputados.
Mencionou igualmenta seis memórias com as seguintes denominações: 1.ª Supplemento ao novo plano de Constituição, por António da Silva Feio: remettido á Commissão de fazenda. 2.ª Sobre o estado e melhoramento do Reino do Algarve, especialmente no que toca á agricultura, por Ignacio Joaquim de Mello Pereira Vidal; dirigida á Commissão de agricultura. 3.ª Indicação sobre, a causa originaria dos ladrões, e sobre os meios de os evitar, por José Maria de Beja: que se mandou á Commissão de justiça criminal. 4.ª Sobre o commercio da America, e Portugal: remettida á Commissão respectiva. 5.º Sobre a lavoura: que se mandou passar á de agricultura. 6.ª Sobre fabricas, e inventos: distribuida á Commissão das artes.

O Sr. Pamplona: - Eu propuz ontem, relativamente ao § 7.° do art. 97 do projecto da Constituição, que se declarasse, que no caso de não serem fixadas pelas Cortes as forças de mar e terra, que nem por isso se julgassem os corpos tanto da armada como do exercito Dissolvidos, por quanto ali se diz, que tojos os a n nos se hão de fixar estas forças. Por esta consideração eu pedi que se fizesse esta declaração, e requeiro que se faça menção na acta.

O Sr. Pereira, do Carmo: - Não posso conformar-me em que se inclua esta declaração na acta, porque seria dar a entender que tinha havido uma resolução contraria á dita declaração, e tal cousa não se decidiu.

O Sr. Presidente: - Eu convido ao honrado membro, que fez essa indicação, que consinta em que ella não seja considerada como declaração de voto, senão como indicação; e então póde apresentala, e se tornará a ler para propor ao Congresso se ha de ser admittida á discussão.
O Sr. Pamplona consentiu, e apresentou à seguinte

INDICAÇÃO.

Requeiro que no paragrago 7.º do artigo 97 se accrescente a declaração de que ainda no caso, em que as Cortes deixassem de fixar em qualquer anno as forças de terra e mar, nem por isso as tropas do exercito, e da armada se podessem considerar dissolvidas.
Sala das Cortes 15 de Novembro de 1821. - Manoel Ignacio Martins Pamplona.
Ficou para 2.ª leitura.
O Sr. Secretario deu conta da ultima redacção do decreto sobre a alteração da penna de degredo para fora do Reino.

O Sr. Vasconcellos: - Desejaria que se prohibisse mandar para algumas partes de Africa os desgraçados réos, que he o mesmo que mandalos para a morte: isto he uma barbaridade; peço que se tome em consideração esta indicação.

O Sr. Presidente: - Póde o Sr. Deputado faze-la por escrito, se o Congresso o julga conveniente.
Alguns Srs. Deputados. Nada, nada: já está vencido.

O Sr. Faria Carvalho: - Eu supponho que a disposição deste decreto se entende para as penas que no futuro se impozerem, e não para as anteriores, e já impostas por sentenças passadas em julgado; porque seria injustíssimo, que os condemnados em degredo para fora do Reino de Portugal, que adquirirão direito á commutação pelo decreto que agora se revoga, perdessem esse direito adquirido, e talvez por algum incidente, que lhes não fosse imputável, ou fosse invencivel. Seria doloroso para qualquer desses miseráveis vêr os seus complices, ou companheiros da desgraça, melhorados pela com mutação, que lhes foi despachada a tempo, e elle, ou porque os autos subírão mais tarde a conclusão, ou se demorarão nella, perdeu o mesmo beneficio. Isto he injusto, e só se remedeia, decretando-se que a revogação de que se trata, só se; entenda para as penas que de novo se impozerem, e para os réos que ainda houverem de ser sentenciados. (Apoiado.)

O Sr. Felgueiras: - Certamente: essa he a intelligencia do decreto.
Sem mais observação, nem discussão, passou o decreto mencionado.
Verificou-se o numero dos Srs. Deputados, estavão presentes 98 faltando os Srs. Quintal da Camara, Camello, Osorio Cabral, Ribeiro Costa Bernardo Antonio de Figueiredo, Bispo de Castello Branco, Sepulveda, Pessanha, Travassos, Van-Zeller, Baeta, Innocencio Antonio de Miranda, Pereira da Silva, Guerreiro, Gouvêa Osorio, Corrêa Telles, Faria, Xavier de Araujo, Isidoro José dos Santos, Manoel Antonio de Carvalho, Gomes de Brito, Sande e Castro, Castello Branco Manoel.

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Passou-se á ordem do dia, e leu o Sr. Freire o seguinte

Projecto de decreto sobre a extincção da igreja Patriarcal de Lisboa, mandado redigir na sessão de 25 de Outubro passado.

As Cortes Geraes Extraordinarias, e Constituintes da Nação portugueza, considerando quão pezada foi á fazenda nacional, e ás províncias deste Rei no a creação da Igreja Patriarcal de Lisboa, decretão o seguinte:
1.° Fica revogado o beneplácito régio concedido á bulia chamada aurea, ou motu próprio do Papa Clemente XlV, que erigio a collegiada da capella real cm igreja metropolitana Patriarcal; ficando por consequência instaurada assim a dita capella real, como a antiga Sé Metropolitana de Lisboa, na forma que d'antes erão; e ficando também revogados os beneplácitos, que posteriormente sederão a outras quaesquer letras pontifícias, relativas á dita Igreja Patriarcal, bem como os alvarás, decretos, e mais ordens a ella tocantes.
2.º Todos os bens, e rendimenros, que por doações regias, ou outros títulos, forão conferidos á dita Igreja, e ao Patriarca, serão havidos como nacionaes, e como taes arrecadados; porem depois que for extincta a divida publica pretérita ou antes se possível for reverterão os dízimos ás igrejas, e applicações que d'antes tinhão.
3.° Os actuaes Prelados, Conegos, Beneficiados, e Empregados da dita Igreja, em quanto não forem competentemente occupados, terão os vencimentos , que se lhes designarem á vista das relações que se manda ao pedir. - Borges Carneiro,
O Sr. Borges Carneiro: - Para se extinguir a Patriarcal nada mais se requer que revogarem as Cortes o beneplacito regio que D. João V. concedeu á bulla que a fundou; pois segundo as regras de direito, qualquer cousa se desfaz pelo modo porque foi feita. Ora caindo assim aquelia bulla, iustaurava-se ipso facto a antiga sé arcebispal de Lisboa, e as bulias que a regularão. Este principio não ataca em nada a disciplina da Igreja. Sabe-se muito bem que até ao século 11.° erão feitas todas as erecções de bispados por autoridade dos Bispos e de poder temporal; no que a policia externa da Igreja ia seguindo a policia civil. Depois daquelle século a autoridade dos Bispos foi usurpada pelos Papas, com o apoio de falsas decretaes que se inculcarão em nome dos Papas S. Clemente, e Anaclelo; pois se os Papas alguma autoridade tiverão a este respeito naquelles tempos, foi somente quanso ás igrejas suburbicarias existentes dentro da, demarcação da centessima lapide de Roma.
Nisto estão de acordo os canonistas, que foi esta uma usurpação, e que nunca nos bons séculos da Igreja, tiverão os Papas tal faculdade. Sendo pois a erecção ou suppressão dos bispados pertencente ao poder temporal de acordo com o ecclesiastico, isto he, com o acordo do metropolitano, e não do Papa, segue-se que se podia desde já extinguir a Patriarcal sem dependencia de nova bulla; mas se esta opinião não agradar, deve então decretar-se a extincção da Patriarcal desde já, e recommendar-se ao Governo que peça ao Papa a bulla da suppressão, e da instauração da sé metropolitana de Lisboa. Este procedimento he na verdade mais moderado: come porém o seu complemento será certamente demorado, he necessario estabelecer desde já os ordenados que ha de ter toda essa immensa turba de empregados da Patriarcal, assim civis como mesmo ecclesiasticos. Ninguém dirá que isto dependa também do Papa. Os empregos civis, e ordenados dos ecclesiasticos são cousas temporaes, e nestas ninguém dirá que o Papa tenha jurisdicção. O Papa embora poderá decretar que na Patriarcal continue a haver essa innumeravel turba de ecclcsiasticos de diversas denominações; mas não que o nosso Thesouro lhe esteja fornecendo riquíssimos ordenados de doze, seis, cinco mil cruzados etc., só se quizer pagar-lhe á sua custa. Por tanto vote-se desde já a extincção da Patriarcal pelo modo ordinario de impetração de bulla; com tanto porém que os gastos da mesma Patriarcal se reduzão desde já áquella quota que for absolutamente indispensável e compatível com o actual estado da nossa fazenda, deixando-se aos empregados quanto baste para viverem decentemente, até que tenhão alguma occupação ou beneficio, em cujo caso deve cessar aquelle ordenado. Bastava para não tolerarmos mais nem um momento estes excessivos gastos, o lembrarmo-nos das escandalosas despezas que se fizerão com a creação desse sumptuoso e vaidoso estabelecimento: só em bullas levou Roma muitos milhões; essa casa da torre da Ajuda tem-se-me assegurado estar cheia de bullas comprada cada uma por quinhentos mil réis e mais; bulla até para trazer çapatos vermelhos; bulla para meias roxas; bulla para não cantar, etc. etc: só o bom do chapéo cardinalicio tem custado mais de cento e trinta contos, isto só do frete do chapéo a razão de seiscentos mil réis por anno ao portador. E deverá a nação continuar por mais tempo a tolerar gastos tão ridículos? Não vai nisto só o interesse pecuniário de Portugal; vai o seu credito. Nós temos sido com razão objecto de riso e de ridicularia para as nações estrangeiras. Uma nação pobre, que não paga a sua divida, que não paga a seus empregados, que não tem lavoura nem commercio, etc. deverá ella estar dando para Roma milhões e milhões para sustentar a Patriarcal, e as vaidades de seus membros, e por outros muitos pretextos igualmente frivolos? Se he verdade que bem aventurados são os simplices, ninguem mais bem aventurados que os Portuguezes, a quem com capa de religião se lhe tem posto em cima do espinhaço albardas sobre albardas. Não se trata só torno a dizer do interessantissimo objecto de economia; trata-se da honra da nação, que até agora com justa razão tem servido de riso ás outras nações. Por ventura a religião autorisa a que só de frete se dê por um chapéo cento e trinta contos de réis, e que queirão fazer passar estas e outras taes cousas como muito santas, e em nome de Deus? Com o nome de Deus he que os homens tem ousado autorisar as cousas mais injustas; porém Deus he justo, e não póde querer que pereção de fome muitos uteis cidadãos pa-

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ra sustentar o luxo de um tal estabelecimento, e de seus pomposos empregados, a quem Jesus Christo não conheceria se hoje voltasse ao mundo.

O Sr. Peixoto: - Não póde de maneira alguma adoptar-se o arbítrio proposto no projecto. O illustre Preopinante fundou-se no principio de ser natural que as cousas se dissolvão pelo mesmo modo que se organizarão: concordo com o principio, mas tiro delle diversa consequencia. A Patriarcal creou-se por letras apostolicas solicitadas por ElRei D. João 5.°, pois sejão letras apostólicas solicitadas pelo Sr. D. João 6.°, que a dissolvão; aliás nada mais fácil seria ao poder temporal do que reformar ou aniquilar todos Os estabelecimentos ecclesiasricos, extinguindo até a jurisdicção espiritual, que lhes tivesse sido concedida, e fazer renascer os estabelecimentos anteriores com a sua extincta jurisdicção: revogava o beneplácito dado á bulla, que creou o actual cabido de Braga: eis aniquilado o cabido com sua jurisdicção, e restabelecida
a antiga collegiada de S. Pedro.
Reforme-se ou extinga-se a Patriarcal no que contenho; mas quanto ao meio seja segundo o pede a actual disciplina da igreja; e quanto aos indivíduos observem-se as regras que a justiça, e a equidade recommendão.

O Sr. Sousa Machado: - Que a Patriarcal deve extinguir-se parece inevitável; mas agora como a jurisdicção episcopal se acha ali, e para ser tranferida a outro posto he nocessario que se faça pelos modos legaes, concordo em que se extinga, mas que fique com a jurisdicção em quanto não se arbitrar segundo o direito canonico, que a dita jurisdicção passe a quem deva.

O Sr. Martins Basto: - guando ouvi lembrar esta indicação para a ordem do dia, pensei que isto era objecto mais fácil: querendo porém examinar o negocio, achei-me embaraçado com seis curiosissimas bullas, tres das quaes tem mais de vinte folhas. Apenas me chegou o tempo para lelas, e não tive nenhum para meditar sobre ellas. Eu vejo que o que se quer com esta indicação he fazer economias; mas nenhumas se podem fazer com a extincção do beneplácito como na indicação se propõe. As rendas da Patriarcal forão tiradas primeiramente da quarta parte dos rendimentos dos bispados deste Reino, e de varias collegiadas de Santarem, Ourem, etc. Depois deu-se a terça parte de todos os benefícios; são pois tendas ecclesiasticas; são rendas, que uma vez abolida a Patriarcal, devem reverter para os fundos de donde forão tiradas. Por consequência abolindo o beneplácito, não temos conseguido apropiarmo-nos dessas rendas, e parece-me que não se deve tratar agora deste negocio sem se tratar de outro, que he abolir a Patriarcal, fazendo que essas rendas se possão considerar seculares, para que possa a Nação dispor dellas como for perciso. Parece-me por tanto que isto he o que se deve fazer com toda a brevidade; porque- são muito pezados ao Estado similhantes cargos, e nada faremos com o abolir a Patriarcal sem dar a essas rendas o destino que devem ter; as quaes, como já disse, são rendas ecclesiasticas. Segundo vejo pelas bullas, e pelo alvará de D. João 5.º, o que deu o Rei D. João 5.º forão alguns prédios, e vários marcos de ouro para a creação da Patriarcal: disto podia-se dispor, porem o mais são rondas de que não podemos dispor segundo as regras do direito canonico. (Apoiado)

O Sr. Brandão: - Eu approvo a doutrina do projecto, quero dizer, sou de opinião que a Patriarcal se extinga; porém não approvo que ella seja extincta pelo modo que se pertende. Todos sabem que as bullas, e todos os outros diplomas ecclesiasticos, dimanão de uma authoridade própria. A authoridade civil não lhes dá legitimidade ou força, tira sómente o impedimento que ellas rem para se executarem. Os principes soberanos tem um veto, por assim dizer, nas disposições ecclesiasticas, podem impedir sua execução senão he util á republica; mas de modo nenhum dão authoridade ás ditas disposições. De conseguinte o beneplácito, tanto neste caso como noutro, não se pôde considerar senão como uma licença para se executar a bulla, por tanto dizer-se aqui revogado o beneplácito a Patriarcal fica extincta, não he exacto; porque pelo beneplácito o soberano declarou somente, que não havia inconveniente em que se cumprisse a bulla da creação da Patriarcal; mas a bulla foi dada pela authoridade competente. Alem disso, ou se trata de erigir um novo bispado, ou uni novo cabido, pois que se trata cie que a Patriarcal fique extincta. Ou seja uma cousa ou outra, ninguém duvida que nos cabidos ha duas cousas; ha o officio sagrado, e o direito de reger os seus benefícios. Creio que ninguem se lembrou dizer, que o officio sagrado seja de authoridade civil o extinguilo: por tanto he expresso que tudo quanto o poder temporal fizer a este respeito he nullo: de conseguinte não póde ser desfeito senão do modo porque foi feito. Pelo que toca ás reflexões do Sr. Borges Carneiro, he verdade que nos primeiros tempos da igreja isso se fazia ao Concilio metropolitano; mas quererá o Preopinante que convoquemos um Concilio? Que alteremos a disciplina estabelecida? Que um Concilio seja convocado para extinguir a Patriarcal? Creio que não. Portanto he mais com modo recorrer ao principio, reclamado até pela justiça de que a cousa seja desfeita pelo modo porque foi feita, sendo tanto mais necessário, quanto que a cousa he de muita ponderação. He necessário advertir que o poder episcopal, isto he, o poder espiritual, está presentemente no collegio patriarcal1; se se extingue este collegio, a quem se ha de tranferir esse poder? Extinguindo-se a Patriarcal acabou o collegio, de conseguinte acabou a pessoa moral em quem reside este poder. O collegio tem este poder por dois títulos, porque o Patriarca está ausente, e não póde voltar, ao menos porque a sua ausência he muito remota, e por delegação feita pelo mesmo Patriarca. He preciso pois que se nos nomeie uma pessoa em quem recaiha este poder, o que não he da competencia civil. Além disso, creio que nada se adiantará com o plano, porque diz, creio que no capitulo 4.º Donationibus, que quando se extinga qualquer officio não possa ter effeito a separação das suas rendas senão por morte de quem o tem. Ainda que se extinguisse a Patriarcal, era necessário que os benefi-

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ciados que existem cobrassem as suas rendas até que morressem. O mesmo se fez quando se creou a Patriarcal; destinou-se para as suas rendas a quarta parte dos benefícios, mas esta quarta parte não se começou a pagar até que os beneficiados possuintes morêrão. Por tanto concluo que para a extincção da Patriarcal, ou nos havemos de conformar com a disciplina, e devemos por tanto requerer á authoridade ecclesiastica, ou nos havemos de separar-nos inteiramente de toda a disciplina da igreja catholica romana, o que não julgo seja intenção do Congresso. (Apoiado)

O Sr. Moura: - Escuso de combater a matéria do projecto do meu illustre amigo e collega, o Sr. Borges Carneiro, em quanto ao modo de se fazer a suppressão da igreja Patriarcal; porque não he este certamente o que se deve ou póde adoptar; todos os Srs. convém nisto, e o mesmo illustre Deputado autor do projecto não se propõe já sustentado. Vamos por tanto ver qual seja o modo mais regular consentâneo ao direito canónico, pelo qual possamos vir a este desejado fim de supprimir um estabelecimento, que não acrescenta nada á dignidade, e magestade do culto, e que tanto prejudica aos interesses nacionaes nas enormes despezas que causa ao Thesouro. Não será necessário cançar-me a mostrar a necessidade, e a justiça que ha de principiarmos as reformas publicas por um similhante estabelecimento, o qual só póde ser desculpável seado erigido por um Rei opulento, cujos cofres cheios sempre de oiro, estavão deitando para fora um grande supérfluo: hoje que a Nação se acha por este lado em apertadas circunstancias; hoje que he preciso occorrer ás despezas publicas sem augmentar mais a miséria dos povos com acrescidos gravames; hoje que he necessário curar feridas, que estão abertas, ninguém póde hesitar em convir na suppressão de uma igreja que causa tão escusadas, quanto enormes despezas.
Convindo todos, como penso que convém, na suppressão desta cathedral, e na restituição da antiga sede archiepiscopal, vamos examinar agora o modo porque isto se ha de fazer, e neste exame observo que sobre dois pontos devo conduzir as minhas reflexões. 1.° Porque modo se ha de fazer a restituição da antiga igreja archiepiscopal, supprimindo-se esta.
2.° De que modo deve continuar o exercício da jurisdicção episcopal no interim que isto se pratica. Eu não sou canonista; poderei errar no que penso a este respeito; mas falo diante de illustres mestres que o são neste e em todos os mais pontos da jurisprudência canónica, os quaes espero que me corujão, e espero ouvi-los com a maior attenção e deferência. Em quanto ao primeiro ponto sou de opinião, e comigo pensão insignes canonistas, que as igrejas se unem, se separão, e se supprimem, conforme a utilidade publica dos fiies o exige. Donde vem que estas uniões, e separações são mais respectivas á policia civil dos Estados, do que aos interesses da religião, ou da disciplina da igreja. He verdade que principalmente desde o século XI. para cá sempre costuma intervir nestas maiorias a autoridade do Summo Pontifice; mas nunca jamais na corte de Roma se negou, ou concedeu a intervenção da autoridade pontifícia, todas as vezes que a soberania civil ou sollicita, ou consente era taes uniões, separações, ou suppressões. Assim succodeu nas diversas faces que tem tomado esta diocese, desde que a cerebrina extravagância de um Rei poderoso e rico quiz erigir em Lisboa esta extraordinária metropoli. Primeiramente obteve do Papa Clemente XI, a bulla Aurea, que dividiu em duas distinctas dioceses o antigo arcebispado de Lisboa, fundando uma na sua real capella, que era o arcebispado de Lisboa occidental, creando o titulo de Patriarca para o seu prelado: depois disto obteve de Benedicto XIV, a união do arcebispado de Lisboa oriental ao patriarcado: os Papas sanccionárão de bom grado estas mudanças. Então as circunstancias publicas podião fazer tolerável aquelle estabelecimento, hoje as mesmas circunstancias exigem a suppressão desta igreja de nova creação, e que seja restituído o antigo arcebispado. Por isso ordene-se ao Governo para que dirija suas preces ao Summo Pontífice para que haja de outorgar sua autoridade e licença para se verificar esta suppressão, e restituição, e nisto não pode haver a menor duvida. Cavallavio diz, que estas suppressões, e uniões nunca as deve fazer o mesmo Summo Pontífice, senão quando os Summos Imperantes ou consentem nellas, ou as pedem.
Em quanto ao segundo ponto, que he o que diz respeito á jurisdicção, eu acho o negocio de uma fácil resolução. O collegio dos Principaes he o cabido desta igreja, e para quem passa a jurisdicção episcopal na falta do Prelado? Para o cabido. Não se póde duvidar que a igreja do patriarchado de Lisboa está vaga, porque o seu Prelado não só desamparou o seu rebanho, mas deixon de ser cidadão poituguez, e por uma obstinação cega, e pertinácia estúpida declarou que não queria ser membro desta sociedade. Por esta sua voluntária resolução ficou por facto desnaturalizado, e a igreja vagou. Os mais insignes Canonistas dizem que a igreja vaga quando o Prelado morre (e aqui vai incluída a morte civil), quando se transfere para outra, quando he deposto, quando renuncia ao episcopado, ou quando o mesmo Prelado existe, mas ou está impedido para reger a sua igreja, ou he inteiramente inepto para tão sagrado ministério. E quem póde duvidar que este Patriarcha tem um legitimo impedimento para reverter á sua igreja, impedimento, que elle mesmo se procurou sem motivo, ou se quer pretexto; pois nem pretexto he o dizer, que na Constituição, ou pacto político havia uma restricção? Deixemos taes considerações, que não ha gora opportunidade para ellas! Quanto ha neste ponto que lançar em rosto a este mal aconselhado Pastor! He por tanto indubitável, que ou da vacância da igreja, ou pelo menos do impedimento do Prelado resulta não poder elle exercer o seu officio pastoral. E quem o ha de exercer? O cabido, ou por si, ou por uma Vigário Capitular, na fórma do Tridentino. Talvez já este cabido o devêra ter nomeado; porém isso não he da nossa competencia; nomêe, ou não nomêe, o cabido fará o que lhe incumbe no poder de direito, o certo he que elle neste caso
exerce a juris-

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dicção episcopal jure proprio, e não alieno mandato. Não ha por conseguinte obstaculo algum legal, que se opponha á resolução firme, em que todos devemos estar de suprimir esta igreja, e de instaurar a antiga séde archiepiscopal mediante a autoridade do chefe da igreja, e para obviarmos desde já as enormes despezas, que nesta igreja fazem o grande numero de ministros della e o costeamento ou guisamento das solemnidades, que ali se praticão (até sem edificação da piedade dos fieis, pois he uma igreja snburbicaria, onde ninguém concorre); para obviarmos, digo, ás despezas de 181 contos de réis, em que importão os ordenados daquelles ministros, e de 50 contos de réis, em que importão as despezas annuaes do guisamento, he necessario que a igreja se feche desde já, e que o collegio cathedratico dos Principaes vá preencher na Basilica de Santa Maria as funcções de seu sagrado orneio com os Cónegos, que ali estão congregados. Esta he a minha opinião. Resta agora falar sobre o destino dos mais ministros, e empregados. Sobre este objecto ponho em principio que he necessário deixar-lhe não só com que provão á sua subsistência, em quanto viverem, mas também á decência, com que se devem tratar as pessoas da sua jerarquia. Aos que tiverem pouco de renda dever-se-lhe deixar tudo, e aos que tiverem muito, aquillo em que se convier, entregando este negocio a uma commissão para fazer a este respeito as regulações, que julgar convenientes.

O Sr. Castello Branco: - Quando na assemblea nacional de França se tratou pela primeira vez de tirar ao Clero alguma parte dos seus bens, alguns membros daquella assemblea discutirão com a maior força esta matéria aos a favor, e outros contra; porque os princípios não esta vão bem estabelecido; mas elles então se estabelecerão, e de então para cá tem sido reconhecidos geralmente. Neste mesmo Congresso tem se adoptado os verdadeiros princípios que devem reger esta matéria, e por tanto se eu for a tratar da chamada propriedade do Clero, se for a tratar de outras matérias similhantes, cançaria em vão o Congresso, porque todo elle conhece perfeitamente estes principios. Não he por tanto destes objectos, que vamos tratar no caso da presente discussão: nós trata-mos do que convém á Nação relativamente a uma corporação singular, que existe neste Reino; e uma vez que assentemos, que convém á Nação a extincção desta corporação não temos outra cousa mais que tratar, que sobre o modo mais conveniente e legitimo de o fazer. Todavia, este negocio, que por um lado se pôde olhar da competência da jurisdicção civil, he comtudo implicado com outro, que sem duvida he da competência, da jurisdicção ecclesiastica. Todas as vezes que nos vamos tratar de matérias, que podem ferir as consciências delicadas ou dar pretexto aos mal intencionados para que supponhão feridas estas consciências, são estes, certamente, os casos em que nós devemos proceder com a maior circunspecção possível, para por um lado não mostrarmos desprezo da religião, e por outra parte não darmos armas aos inimigos declarados de nosso systema constitucional. Quero dizer, quando se trata da ligitimidade do exercício da jurisdicção espiritual, se nós não marcassemos bem os limites que separão a jurisdicção civil da ecclesiastica, nós iriamos pôr em duvida os actos dessa jurisdicção ecclesiastica, da jurisdicção espiritual; por consequência nós iríamos assustar todos os fieis catholicos, nós iriamos dar pretextos aquelles que pertenderem denegrir o novo systema constitucional. He por tanto o que devemos ter em vista quando tratarmos desta delicada matéria. Convém para isso, que se de uma breve historia da instituição da patriarcal, deste estabelecimento singular em Portugal. Em 1716, quando então se achava vaga a mitra archiepiscopal de Lisboa ElRei D. João 5.° levado de um excesso de piedade, certamente muito mal entendido, representou ao Papa Clemente 11.° os desejos que elle tinha, de que na sua capella real, então já elevada a collegiada insigne, erigisse uma igreja metropolitana, dividindo para isto a cidade de Lisboa em duas cidades oriental, e occidental. O Papa Clemente 11.º annuiu a esta representação, e a sanccionou pela bulla motu proprio de 1716 in suppremo apostulatis etc.; por esta bulla se creou um prelado, differente do que existia, na parte occidental da cidade com o titulo de arcebispo, que depois veio a ter o titulo de patriarca, não sendo cardeal ainda. A outra parte ficou com seu arcebispo, cabido, etc. Não contente o Rei D. João 5.° com isto, e querendo que na sua capela real se concentrasse toda a jurisdicção episcopal, e fosse o centro do culto mais appararoso dada cidade de Lisboa, requereu a Benedito 14.° que houvesse de supprimir o antigo arcebispado, o que fez pela bula salvatoris nostris de 1740; e como restava o antigo cabido, que não podia ter exercício dos cabidos em similhante caso, pois que não tinha um prelado que o presidisse, requtreu a sua extincção, e for extincto peta bulla do mesmo Papa da que providencia noutra. Por conseguinte temos substituído o arcebispo por um patriarca, extincto o antigo cabido pela falta de prelado, que exercesse a jurisdição, e estabelecido um novo cabido; a quem competem todas as attribuições dos cabidos do Reino e da christandade. Este cabido compõe-se dos principaes, que suo verdadeiramente os cónegos desta Diocese; por tanto se formos a extinguir este cabido, iríamos a extinguir a corporação em quem reside a autoridade ecclesiastica. Depois tratarei a questão se a Sé se deve reputar vaga, ou se simplesmente está o pastor impedido. Por quaes quer principios, que exerça o cabido a jurisdicção, sem duvida os principaes da patrialcal de Lisboa exercem a jurisdicção espiritual ou eccressiastica, pois que elles formão o dito cabido. Seguirei por tanto o meu raciocínio relativo a que nós não podemos, ou a autoridade civil não pode entrar na parte de jurisdicção ecclesiastica que tem este cabido. Se nós pensamos, como eu estou realmente persuadido, que as necessidades publicas da Nação exigem desde já a extincção de uma corporação, extravagante na sua origem, e na sua creação, absolutamente desnecessaria ao culto que deve ter a religião de Jesus Christo; se estamos persuadidos, que á felicidade da nação interessa a suppressão desta corpo-

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ração, he pela mesma autoridade porque ella foi erecta, que deve ser extincta, principalmente quando para os fins em que mais interessa a sociedade nós não dependemos dessa autoridade. Nós podemos mais, sem extinguir por autoridade própria a igreja patrialcal, podemos, digo, fazer á nação todos os bens que ella pode exigir, e que he de nosso dever sagrado fazer-lhes desde o momento. Eu não sei que tenha relação, ou connexão necessaria a jurisdicção ecclesiastica, a jurisdicção espiritual, com as funcções da igreja. São cousas distinctas. Nós podemos portanto desde já fazer cessar as funcções da igreja patriarcal, mas subsista o nome, subsista em titulo esta mesma igreja patriarcal, em quanto ella não he extincta por aquella mesma autoridade que a erigiu. A meu ver este he o modo de consiliar todas as duvidas; este he o modo de tornar legitima a todas as vistas, a reforma da patriarcal; modo cm que nem as consciências timoratas, e escrupulosas terião o menor motivo de duvida, nem os inimigos da Constituição poderião tirar pretextos para a calumniarem. Uma vez que se mandem cessar as funcções ecclesiasticas da igreja patriarcal, ninguém duvida, que á autoridade civil compete unicamente regular os alimentos que se devem dar áquelles que antes erão occupados nesse mesmo exercício. Elles ficão com o titulo, em quanto a autoridade ecclesiastica não o tira, ou não o modifica, mas as rendas são inteiramente da attribuição do poder civil. Dizer-se que os beneficiados, depois de constituídos cm beneficio não podem ser tirados delle se não por morte, he inteiramente um erro; he um erro que os princípios contradizem, que a mesma pratica dos séculos primeiros da igreja condemnão. Que fez o Papa Benedicto 14.° pela bulla eia quae que acabo de citar? (Ella corre em todas as collecções, he conhecida de todos.)
Foi por esta bulla que se extinguiu o antigo cabido: os conegoa, que então existião ali, forão admittidos a entrar na nova basílica, que então se creou? Não: forão lançados fóra. O Rei D. João 5.° para não tocar as rendas ecclesiasticas se obrigou a dar 800$ réis a cada um em quanto vivessem. Aconteceu que não tendo a maior parte dos cónegos ordens sacras (porque para selo, não era preciso naquelle tempo) muitos sentarão praça, outros casarão, e entretanto disfrutavão seus 800$ reis. Não se fez isto sem esperar a sua morte ? Pois se então se fez assim por autoridade pontifícia, porque agora se não ha de fazer o mesmo pela mesma autoridade? Mas muito embora se não faça: tudo o que he de honra, o que he de autoridade conserve-se; chamem-se principaes, chamem-se monsenhores; chamem-se conegos, continuem: com tanto, que não conservam as rendas, que não convém que tenhão; com tanto que não conservem as rendas com que a Nação não pôde; pois que hão de ser substituídos por um cabido conforme a pratica do reino, e os antigos tempos da monarquia: ao Congresso he a quem pertence, tendo em conta a decorosa subsistência dos indivíduos, decretar os alimentos que devem ter. Estes são os meus princípios únicos que creio capazes de conciliar as duvidas. Reduso portanto a isto a minha opinião; cessem as funcções da igreja patriarcal: o collegio patriarcal continue na casa em que hoje mesmo faz as suas Sessões, para exercer sua jurisdicção espiritual, como cónegos desta igreja de Lisboa, com tudo elles sejão depois obrigados a eleger, na forma dos cânones, um vigário capitular, que exerça elle só melhor a jurisdicção que os conegos regulares, pois assim o determina o concilio de Trento, para que a jurisdicção seja melhor executada. A autoridade civil póde regular o que se deve dar aos indivíduos, e entretanto póde-se requerer á autoridade pontifícia a suppressão da igreja patriarcal, ( bem como n'outro tempo se requereu a supressão da igreja episcopal) assim como a instalação de um cabido tal qual era antigamente.
Não digo que este cabido se componha destes ou daquelles indivíduos, que sejão exceptuados taes para serem admittidos outros: uma vez estabelecido pela authoridade legitima, que o cabido actual fique extincto, que a este se deve substituir outro debaixo de taes e taes regras, então ao Poder executivo compete a forma e as regras para os provimentos dos mais benefícios; nomear o que hão de compor esse cabido, ou o Congresso determinará o que lhe parecerá Deste modo se tem provido ás necessidade, aos direitos, ás pretensões da Nação, e são se toca na autoridade, que he puramente ecclesiastica. Em quanto até aqui, tenho tratado da suppressão do cabido actual, e da instalação de outro cabido. He preciso tocar agora o ponto mais delicado, que vem a ser a instalação do antigo arcebispado, e por tanto tem lugar a questão se nós devemos considerar a Sede de Lisboa vaga, ou somente suspensa do seu prelado.
He tal a união do Poder ecclesiastico com o Poder civil, de tal maneira existe a igreja dentro da sociedade, dentro do estado civil, que não se pôde de maneira alguma considerar o exercício de uma dás jurisdicções quando está em contradicção com a outra. A jurisdicção espiritual, a jurisdicção ecclesiastica he separada da jurisdicção civil; mas que he, que ha de exercer esta jurisdicção? Não he um homem? Não he um cidadão membro da sociedade? E se este cidadão deixa de o ser; se elle he excluído da sociedade por um facto que elle mesmo commetteu por culpa própria, como he que póde existir este indivíduo exercendo jurisdicção n'uma sociedade que o expulsou da si, a quem as leis não favorecem? Tal he o caso em que se acha o Cardeal Patriarca: por consequência não havendo meio algum deitei regressar á sociedade a quem se tornou odioso, c uma vez que o expulsou de si, eu não sei que nestes termos se possa deixar de considerar vaga a Sé de Lisboa. Estes não são princípios theoricos: na nossa pátria em séculos christãos, nos nossos dias vimos praticar o mesmo que opino. Que foi o que se praticon no tempo de ElRei D. José a respeito do bispo de Coimbra? Este bispo havia se opposto ás leis regias com uma pastoral, que escreveu em contradicção do que estava determinado pela autoridade civil. Elle foi julgado como criminoso, foi desnaturalisado, e immediatamente se expediu em 1758, uma carta régia ao seu cabido de Coimbra na qual dizia ElRei, que pois, que o bispo D. Miguel, prelado daquella diocese se havia rebelado contra a autoridade suprema, elle tinha sido reconheci-

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do criminoso, e como tal desnaturalizado, e morto civilmente; que neste caso a Sé se achava vaga, e que sendo assim, na forma dos Cânones o cabido procedesse á nomeação de um vigário capitular, indicando então o indivíduo que havia de nomear, que lhe o actual bispo de Coimbra. Eu não sei que o Cardeal de Lisboa se ache n'outro caso: a ser assim póde-se pedir ao Papa a instauração do novo arcebispado de Lisboa, porque a Sé se acha effectivamente vaga.

O Sr. Brandão: - Tem-se dito que em regra do direito não se devia proceder á extincção do beneficio ou Beneficiados, e que ainda que se fizesse, devião ficar com seus ordenados. Disse-se que não era regra de direito, porque o Papa Benedicto XIV, dispensou esta regra; mas se elle a dispensou, isso prova a existência da regra, e effectivamente existe, e acha-se não só no capitulo 4.° de donationibus, senão tambem no Concilio de Trento, sessão 21 de formatione, capitulo 5.º Quando eu disse, que era necessario recorrer ao Papa, era para que concedesse esta mesma dispença; porque, como acabo de dizer, a mesma dispença he prova da existência da lei. Nisto não ha duvida: vamos a outra cousa. Ouvi dizer que a sede de Lisboa está vaga, trazendo para exemplo a sede de Coimbra: ainda que os factos não provem em direito, com tudo aproveito-me deste mesmo facto contra producentem. Se a sede de Coimbra estava vaga, porque não se nomeou um novo Bispo; he assim que não se nomeou Bispo senão Coadjutor, logo a sede não eslava vaga, logo o argumento não colhe. Pelo que pertence agora a suspender o exercício das funcções do Collegio Patriarcal, he preciso considerar se a igreja existe ou não existe: se não existe embora se suspenda este exercício; mas se existe como se pode suspender? De certo o Collegio deve ficar com o mesmo direito. O que resta considerar-se he, se se lhe podem tirar todas as rendas: vamos a isto. Póde-se? Eu distingo. Se o Congresso como soberano quer proceder de facto póde; porque isto pertence á autoridade temporal: mas segundo as regras estabelecidas nas Bases da Constituição, póde fazelo? Creio que não. A questão de quem tem o direito do domínio dos bens da Igreja tem sido muito contrariada; entretanto os mesmos protestantes crêm que este direito pertence á Igreja, e se está nella, está no clero. O que sim he verdade he que a Igreja he um Collegio, que está nas mesmas regras, que todos os Collegios lícitos; pôde possuir, e he capaz de domínio. Sendo isto assim acha-se na mesma razão qualquer collegio ou qualquer indivíduo: quando se possa tirar a propriedade a qualquer collegio de artistas, de negociantes, etc. então se lhe poderá também tirar a ella. Não digo que não possão os Príncipes dispor dos bens da igreja para attender as urgentes necessidades do Estado: não dito nenhum que não nos achemos nesse caso; mas o que sim digo he, que então a lei he igual para todos. Também não direi que não se lhe possão impor tributos; mas digo do mesmo modo, que se devem impor com proporção e igualdade.

O Sr. Moura: - Eu devo levantar-me para falar contra um similhante principio. Se elle se admittisse estavamos inhibidos de fazer reforma alguma no estado ecclesiastico. He preciso afastar de nós similhantes idéas. Como se póde admittir este dominio na Igreja, considerada ella como collegio licito? Como se pôde admittir que haja dominio aonde não ha direito de transferir ou de alienar? Quem póde suppor dominio ou propriedade aonde não está connexo com esta propriedade o direito de vender, de alienar, de transferir? Nunca se considerou na Igreja, a respeito destes bens, senão uma pura e mera administração. Esta mesma lhe póde ser, e sempre lhe tem sido coarctada e modificada pelas leis civis, quando quer que a autoridade temporal julgou que assim convinha ás necessidades publicas. O caso todo he que não se tire aos Ministros do culto a necessaria e decorosa sustentação. A isto só he que o poder temporal devo prover; mas considerar, ou declarar que a igreja tem dominio e propriedade nestes bens, isso não deve sustentar-se de nenhum modo. Se em tempos muito antigos, e muito menos illustrados se vedou á igreja a acquisição mesmo dos bens temporaes, como se póde suppor em nossos dias, que conserve se igreja nos que possue a mesma propriedade que teria um particular? Seria necessário desconhecer o que he propriedade na sua essência, e nos seus effeitos para tal admittir. Que cousa he ter dominio n'uma cousa sem ter nenhum dos effeitos do dominio. Dizer-se que he dominio restricto, he o mesmo que dizer que não he dominio. He reconhecido por todos que sabem o que he dominio, que a igreja não tem dominio no que administra, e que esta administração he, e deve ser coarctada pela lei civil, tanto quanto o julgue indispensável.

O Sr. Castello Branco: - Eu não podia esperar que agora se renovasse esta questão, de que já em outra occasião se tratou. Eu não posso considerar que um collegio, que não póde dispor, nem alienar, possa ter dominio: são cousas incomprehensiveis. He preciso assentarmos n'um principio. Pois que he necessario, procurar pricipios metafísicos, ou imaginários, eu vou a declarar aquelle único, que a meu ver póde haver claro nesta matéria. O culto religioso he uma das despezas publicas. O publico ou a Nação, que deve prover a subsistência dos magistrados, e da» classes da sociedade ha de prover a subsistência dos ministros do culto; pois que a religião he necessária, he indispensável na sociedade: e assim quando um particular, quando o Rei mesmo dá a esse collegio ecclesiastico taes, e taes bens, que faz o Rei? Não faz outra cousa mais do que prevenir a Nação, a qual devia prover aquella despeza publica era o mesmo, que se um particular desse á Nação taes bens, e lhe dissesse: eu dou á Nação estes bens com obrigação de se prover a sustentação dos ministros do culto. He portanto um principio, que ninguém pôde negar, que o dominio dos bens ecclesiasticos não reside em outra parte mais do que na Nação, resido naquelle corpo, que deve fazer as despesas publicas; e as despezas do culto religioso não são senão uma parte essencial dessas mesmas despezas. Agora pergunto se a autoridade, que deve supprir essas despe-

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zas, não tem o arbitrio de reguladas? Ha dez annos que a autoridade civil regulou essas despezas de um mudo, agora passado este tempo, ou outro entende, que este modo não lhe convém, pergunto se não póde estabelecer outro modo de prover a estas despezas publicas com tanto a que as não deixe de prover é por tanto essas idéa não podem obstar a que se facão as reformas que a necessidade, e o bem da pátria reclama. Respondendo agora a alguns argumentos do Preopinante direi. Elle diz, que não se tinhão abolido os benefícios do antigo cabido de 1741. Que outra cousa he abolir, que tirar as rendas em que estava constituído, inhibir a seus membros de exercerem as suas funcções, fazer-lhes assignar um termo de não poderem em tempo algum allegar quaesquer direitos que lhes viessem destes mesmos benefícios? Isto he um facto patente, que todos sabem entre tanto, como o honrado membro se oppoz ao principio que eu tinha estabelecido de se destruir o cabido actual do mesmo modo, que se tinha destruído o outro, he preciso que eu faça menção delle. Em quanto a querer fazer dependente de estar ou não estar na mesma igreja a jurisdicção do collegio, ou da reunião de todos os membros da patriarcal á jurisdicção que reside nos principaes, pergunto se esta jurisdicção a exerce o cabido resando ou cantando matinas? Isso o faz elle na casa que se congrega para esses actos. Uma vez que subsista o direito que esse collegio tem, de se congregar para entender dos casos de sua jurisdicção, estão salvos todos os seus direitos. As pensões que eu chamo propriamente de igreja, não tem nada coió o exercício da jurisdicção ecclesiastica, e tanto he isto assim, que o vigário ecclesiastico, que exerce esta jurisdicção está até inhibido de entrar na igreja patriarcal, porque não he membro delia. Aqui temos pois um vigário capitular excluído por lei dessas mesmas autoridades ecclesiasticas, cuja união se julga absolutamente essencial. Tenho agora uma advertência a fazer sobre a questão, de se a Sé está vaga ou não. Eu não quiz fazer mais nisto, que enunciar a minha opinião: entretanto não sirva de pretexto, o que calo na matéria, para impedir as outras reformas de que se trata. Se não se quer discutir essa questão, se não se quer tratar delia, não se peça a instauração do antigo arcebispado; deixem-se nessa parte as cousas no estado em que estão; porque todos vem que pode-se sem embargo fazer-se as outras reformas, porque nada tem que ver uma cousa com a outra; pois que tanto recáe a jurisdicção no cabido julgando-se a Sé vaga, como julgando-se o prelado impedido.

O Sr. Borges Carneiro: - Eu desejo que se chame a direcção desta discussão principalmente ao que diz relação aos bens temporaes. Pelos mesmos princípios do Prcopinanle, que suscitou esta questão, a sua opinião será combalida. Elle faz distincção do beneficio ecclesiastico ao rendimento que lhe está annexo, e certamente o beneficio pertence á igreja , e o rendimento he puramente temporal. Todo o beneficio em rigor he como qualquer outro officio, ha nelle obrigações ou serviço, e ha um ordenado. A differença só está, em ser aquelle serviço ecclesiastico, militar, ou civil. Se he ecclesiastico, chamamos a isto beneficio; isto he, um serviço ecclesiastico com seu competente ordenado. Ora o ordenado he meramente temporal, e com tanto que seja sufficiente á sustentação do beneficiado isto he, do official ecclesiastico, nada mais ha que tratar. Quanto á natureza dos bens ecclesiasticos todos sabem que elles são o património dos pobres, os votos dos fieis; resultado antigo das offertas dos povos, e que a igreja não tem nelles senão a administração; não podendo tirar para os seus ministros senão um módico sustento: quid quid, dizia S. Bernardo, praeter simplicem victum et vestitum de altario retines, tuum non est, furtum est, rapina est, sacrilegium est. Quanto á suppressão de beneficios, o Consilio Tridentino tratando das causas porque se podem unir, ou supprimir, conta entre ellas o caso de poder ella ser útil para a educação da mocidade. Que maior causa pois do que aquella que te» mós agora em vista de poupar seiscentos mil crusados de despeza annual, não digo já para a educação da mocidade, mas para pagar dividas, satisfazer ordenados, salvar a pátria?
A primeira cousa pois que se deve fazer he fechar-se já a igreja Patriarcal, trasladando-se o Collegio cm que subsiste a jurisdicção espiritual para a Sé, pois não ha precisão de residir naquella mesma localidade em que ora está: bem como devera já ease Collegio ter nomeado um vigário capitular que exerça a jurisdicção espiritual, como está disposto pelo Concilio Tridentino; mas aquella gente ufana queixar-se só pela sua vontade, e parece serem superiores ao mesmo Concilio. Subsista a jurisdicção no Collegio, ou antes no vigário capitular, e feche-se aquella igreja: uma cousa não se oppõe á outra. Deste modo se poupão sessenta contos só em cera, guizamentos, e em outras cousas de mero luxo, e de um apparato que nada tem com o culto divino, nem com o espirito da sagrada religião de Jesus Christo, que não quer que pelo culto divino se arruine a republica.
Fechada pois já a igreja patriarcal, e reduzidos os ordenados dos empregados civis e ecclesiasticos della, peça-se então ao Papa a bulia para a extincção; e com tal declaração que venha gratuita em desconto das muitas que tem custado tantos milhões: este invento nos matou na vida; não nos mate ainda na morte. Diz-se que este dinheiro não he para o Papa; mas para os seus tribunaes: digão o que disserem os Curiaes da corte de Roma; todas as dispensas e graças espirituaes devem ser gratuitas, sob pena de serem nullas e simoniacas. Ai da piedade tão mal entendida, de D. João V, que tanto contribuiu a arruinar a Nação! Particularmente hei de fazer uma moção para que se suspensão esses 600$ réis que se dão annualmente ao bemaventurado portador do chapou, cujo pagamento ainda no anno passado foi excitado por um novo decreto; pois elle he moço que ainda bem poderá viver 70 annos, porque sempre para esta importante Commissão escolhem moços capazes de viver um século. Recapitulando concluo; que se feche já a igreja patriarcal; que se reduzão os em pregoa e ordenados; que se nomeie um vigário capitular pelo collegio; e que depois se mande pedir a bulla para a extincção grátis.

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O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Todo o Congresso, creio, que está conforme em que a corporação da patriarcal he um corpo dispendiosissimo, que não tem proporção nenhuma com a renda geral da Noção. A diversidade consiste somente na forma, e no meio de pôr esta corporação em proporção com as rendas do Estado. Eu julgo que a fórma, e os meios devem ser legítimos, justos, e de nenhuma maneira arbitrários. Pergunto: qual he a Igreja Cathedral de Lisboa, ou a Igreja do Arcebispado de Lisboa? he a Patriarcal juntamente com o Cabido; e qual he o Cabido? He o collegio dos Principaes dirigidos pelo seu Deão.
Ora nós havemos de destruir ou extinguir a Igreja Cathedral de Lisboa, só por nossa autoridade? Nós havemos de extinguir o Cabido de Lisboa, sobre que recaé a autoridade e jurisprudência do Patriarcha, seja esta autoridade jurisdicção delegada, ou seja como for? A proposta somente destas duas questões, e a simples enunciação dellas mostra, que isto se não deve, nem se póde fazer. Vou pois propor um meio pela qual se poderia chegar aos fins do projecto sem embaraços e sem grandes dificuldades. Separe-se o Cabido de Lisboa da capella da Ajuda, e venha para a Basilica de Santa Maria ou para a Sé: podem-se desde já extinguir todos os officios, que se julgarem desnecessarios; e a seu tempo se supprimirão os benefícios, como parecer conveniente concorrendo autoridades legitimas. Para isto não he necessário entrar na questão se se ha de nomear vigário capitular; pois que esta questão nos levaria a outra, que julgo muito espinhosa, e igualmente desnecessária para a extincção ou reforma da Igreja Patriarcal: isto he, se a Sé está vaga ou não. Também he inútil questionar se a Igreja tem ou não domínio em seus bens: eu julgo que as opiniões dos illustres Preopinantes, apparentemente contrarias, se podem combinar desta maneira. O que nega que a Igreja tenha dominio, fala do domínio livre: e verdadeiramente o dominio da Igreja he restricto por leis ecclesiasticas e civis. O que affirma que a Igreja tem dominio, fala com razão desse mesmo dominio restricto, que he com tudo verdadeiro dominio; bem como o do pupilo, do menor, do administrador do morgado etc. o qual posto que não seja livre, he sem duvida dominio verdadeiro. Vá por tanto o collegio patriarcal para a Sé, da maneira que fica exposto, pois somente por esto meio se poupão não sei se 130, ou 150 contos de réis, e supprimão-se depois os benefícios, que se julgarem supérfluos, recorrendo a autoridade legitima e deixando aos beneficiados a renda de seus benefícios. A reforma feita deste modo he útil, e não he necessário para fazela, tratar das espinhosas questões em que se tem entrado. Este he o meu parecer.
O Sr. Araujo Lima: - Tratando-se de uma reforma na patriarcal, e sendo esta instituída por uma bulla, convém que se saiba o que fez esta bulla, para com exactidão podermos fixar as nossas idéas. Antes porém de entrarmos neste exame, façamos uma observação geral sobre à necessidade , que se diz haver, de não e poder dar principio á reforma sem uma bulla pontifícia, que a autorize. He um princípio certo em direito publico ecclesiastico, que nenhuma bulla, decreto, canon, ou mandado dos Pontífices, e dos Concílios, ainda os geraes, póde ser publicado sem que a autoridade suprema, a autoridade civil, sendo-lhe apresentada a mesma bulla, decreto, ou canon para examinar se ella contém doutrina que se opponha aos princípios sociaes, aquelles que fazem o fundamento da sua forma de governo, ou quando nada disto haja, para examinar se attentas as circunstancias convem ou não, que se faça a sua publicação, ou que se suspenda por algum tempo; sem que, digo, a autoridade civil dê o seu consentimento para que se haja de fazer a publicação. Este direito, que compete aos chefes das sociedades se deduz da mesma natureza, organisação, e fim da reunião dos homens em associação civil; e de uma natureza tal, que as mesmas declarações da igreja, que versão sobre materias dogmáticas, estão sujeitas a este exame, que neste caso só tem por fim conhecer, se a par das doutrinas dogmáticas correm outras, que não o sendo, podem perturbar, e causar divisões e partidos, sempre perigosos na sociedade. He a igreja independente nas suas decisões da autoridade temporal seus mandados porém , versando sobre cousas externas, ainda que o seu fim seja todo interno, e espiritual, devem estar sujeitas ao exame daquelle a quem toca o vigiar sobre o externo e temporal. Em fim he um principio que não entra em duvida, que as autoridades temporaes podem chamar a exame as bullas pontifícias, e chamando-as, suspendelas, e mesmo negar inteiramente o sen consentimento para a publicação quando conheça que longe de conseguir os fins a que se propõe, com os quaes devem andar connexos os da felicidade temporal, os contraria, e lhes põe obstáculos. Isto posto, parece lambem ser claro, que uma vez conhecido, que depois de publicada não enche a bulla os seus fins, deve pelos mesmos princípios competir á autoridade civil o direito de a suspender. Qual he a razão, porque á autoridade civil compete o direito de examinar as bullas, antes de publicadas? He para obstar a que ella contrarie, os fins da sociedade. Ora pergunto, se este direito existia antes da publicação, não existirá depois? Se antes da publicação competia á autoridade civil o direito de vigiar sobre a ordem publica, prohibindo o que a perturba, ser-lhe-ha negado depois della feita? Acaso não ha uma rigorosa obrigação de resistir ao que se oppõe aos finda sociedade, e acato publicada a bulla não produzirá effeitos que sejão contrários a estes fins? Logo se depois da publicação não perde a autoridade civil o direito que lhe compete como tal, e se depois de publicada se conhecer que a bulla não consegue os seus fins, que duvida ha para que então se suspenda a mesma bulla. Logo muito bem se póde dar principio á reforma, sem que preceda outra bulla ainda que depois se impetre esta para outros effeitos. Passemos agora a ver o que trouxe com sigo a bulla. Instituiu a bulla a igreja patriarcal, creando differentes jerarquias; principaes, mon senhores, cónegos, etc.; isto he, creando beneficies c eis em summa o que dia fez. Vejamos pois o que he beneficio. He um direito de perceber certas rendas a que anda annexo certo officio sagrado. Temos pois duas cousas; rendas que percebem aquelles que exer-

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cem o officio sagrado, e officio sagrado que he exercido por aquelles, que percebem as mesmas rendas;
Occupemo-nos primeiramente das rendas, e vejamos se para a sua reforma, se percha da intervenção de autoridade ecclesiastica. Nos primeiros séculos da igreja vivião os sacerdotes unicamente occupados no pasto espiritual das offertas, e oblações com que concorrião os fieis para a sua sustentação. Nada pois tinha impróprio a igreja, nem os seus pastores, considerados como taes. Tudo provinha das offertas dos fieis, cuja caridade, lhe subministrava os meios de subsistencia. Com o andar dos tempos esfriando o ardor com que os fieis concorrião para a sustentação de seus pastores, entrou-se a pregar, que se devião pagar os dizimos, e que estes erão de instituição divina, já mandados pagar pelo povo hebreo; e então se esqueceu, que Moizés nada fez mais do que imitar os outros povos entre os quaes se pagava esse tributo; e que estabelecendo-o na republica de que era chefe, o applicou para os sacerdotes; o que dá bem a entender, que nem foi invenção de Moizés a imposição deste tributo, e que nem se fez delle a applicação que sabemos, por mandado divino; e que quando mesmo o fosse, não podia servir de argumento para o estado presente da igreja, aonde basta lembrar, que para não ser de direito divino, passárão-se séculos sem que só pagasse. Mas o certo he, que as predicas conseguirão o intentado effeito: pagárão-se os dizimos, e se acreditou que erão de direito divino. Como porém sabemos qual he a tua origem, e qual he a autoridade de donde dimanão, sabemos também que são verdadeiros tributos; e como a imposição destes pertence exclusivamente ás autoridades temporaes, as quaes podem, quando o julguem conveniente derrogalos ou suspendelos, he uma consequencia necessaria, que também podem suspender os mesmos dizimos, como tributos que são. Se pois éllcs se podem suspender, e mesmo derrogar, nenhuma propriedade tem nelles o collegio eclesiástico; e em consequencia não conclue o argumento, que alguns illustres Preopinantes quizerão tirar da propriedade a qual não tem. Logo he claro que pode-se desde já, sem preceder bulla, dar principio á reforma em1 quanto a este artigo.
Passemos á segunda parte que versa sobre o officio sagrado. He necessario que façamos uma distincção. Nos officios sagrados temos denotar duas cousas, umas que são da instituição divina, que são necessariamente connexas com o sacerdocio, e que necessariamente devem existir attenta a natureza, e fim da igreja, segundo as leis que lhe deu seu divino fundador; e outras que são da instituição humana, inventadas a arbitrio dos pontifices, que podem existir e deixar de existir, salvas as leis essenciaes do sacerdocio, e da igreja. Nesta segunda classe comprehendem-se certos beneficios que não andão connexos com a essencia do sacerdocio, prerogativas inherentes a estes beneficios, honras concedidas, umas por autoridade ecclesiastica, e outras por autoridade civil; e finalmente os reditos que provêm em consequencia delles. Temos pois cousas essencialmente connexas com a igreja, cousas que o não são, e das quaes se pode prescindir. Isto posto vejamos o que fez a bulla. Creou ella oquehe da essencia do sacerdocio? Não: Já antes della havia bispo, e uma igreja cathedral: isto he cónegos, beneficiados, ele. O que fez pois? Creou um patriarca, principaes, monsenhores, etc., isto he alterou o externo, creando mais beneficios, e concedendo-lhes differentes prerogativas, mas nada fez de novo em quanto, á essencia, o que não podia fazer. Havia um pastor, e um corpo, que na sua falta fazia as suas vezes; mudou de nome esse pastor, e este corpo, adquirirão differentes direitos em quanto ao externo, mas não em quanto ao essencial. Em o mesmo corpo, em os mesmos individuos ha pois duas cousas muito distinctas em si, o que he essencial á igreja, e o que não o he. A jurisdicção ecclesiastica, que he essencial á igreja pertence a este corpo; mas também lhe pertencem certos direitos e prerogativas que não são essenciaes ao sacerdocio; mas sim de concessão pontificia. Logo pode muito bem os mesmos individuos soffrer uma reforma, em quanto a estes, sem que se diga por isso, que ficão suspenços em quanto aquelles. He perciso por tanto que façamos Srs., esta grande distincção; ha cousas essenciaes ao sacerdocio e cousa» que o não são. A bula versa sobre as da segunda classe, logo pode dar-se principio á reforma sem que se siga daqui, que se obra contra o direito ecclesiastico, que concede aos pastores a jurisdicção espiritual, a qual não podem receber da antoridade temporal. Isto posto fácil he responder ao argumento de um illustre preopinante, que sustentou não se poder extinguir apatrialcal, porque deste modo cegava a jurisdicção que exercião os seus membros, e que estariamos por isso no necessidade de crear novas autoridades ecclesiasticas e conferir-lhes jurisdicção espiritual, o que não he da nossa competencia, nem cabe nos nossos poderes, que são todos temporaes. Primeiramente não se extingue a patrialcal, suspende-se somente, e esta suspenção só tem lugar a respeito de certos membros, e não daquelles em que por direito divino está a jurisdicção. Em segundo lugar a suspenção versa sobre cousas, que nada tem com o essencial do sacerdocio, e nada influem na jurisdicção que exercem aquelles que ficão conservados a qual não cessa, mas subsiste intacta, e estes continuão a exercela como dantes. Se pois a bula não fez mais do que crear beneficios concedendo-lhes differenlcs direitos; se estes versão sobre rendas, e ofiicio sagrado; se as rendas não são propriedade do corpo ecclesiastico mas verdadeiros tributos, os quaes estão sujeitos ás alterações que entenderem as autoridades civis serem justas; se os officios sagrados contem cousas que são essencialmente connexas com a igreja, e cousas que o não são; se estas, as da ultima classe, se podem reformar sem o perigo de se alterar a essencia do sacerdocio, e de cessar o exercicio da jurisdicção ecclesiastica, que compete aos principaes, os quaes a ficão conservando; se finalmente são estas as que fazem o objecto da bula: concluo que se pode revogar obe-naplacito, isto he suspender os effeitos da dita bula, os quaes, como já mostrei nada tem com a jurisdicção ecclesiastica que se conserva a mesma, e exercida pelos mesmos individuos. Declaro pois mui expressamente o meu voto, e he que, sem se esperar por bulla

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pontifícia, se principie com algumas reformas, que nada intendão com a jurisdicção espiritual, ainda que ao depois se haja de impetrar uma bula para se concluir de todo a desejada e total reforma.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. Presidente: eu queria talar nesta matéria; porem supponho, que não se póde fazer hem, nem falar-se sobre isto com perfeitos conhecimentos sem ser canonista; porque realmente a matéria he de consideração. Ainda que eu que formei em direito publico ecclesiastico, desertei dessa carreira, segui outra, e consequentemente hoje não tenho quasi nenhum conhecimento disso. Com tudo com algumas lembranças anteriores, e com algumas luzes que cada um tem, penso que poderei falar alguma cousa sobre a materia. Sou Catholico Romano, quero ser sempre isto, e falarei como tal.
Primeiramente tem-se tratado a questão se he ou não he necessário extinguir a patrierchal. Felizmente ainda não ouvi um só dos illustres Preopinantes que duvidasse ao menos de que este passo, he daquelles que se chamão de absoluta necessidade: a patriarcal pois deve-se extinguir. E nem por isso nós queremos extinguir a igreja episcopal e metropolitana de Lisboa; porque nós somos catholicos, e nem queremos, nem desejamos ser outra cousa, nem aquillo poderia entrar em questão: do que se trata he, de se extinguir esta patarata (como em alguma occasião muito bem lhe tem chamado o Sr. Borges Carneiro) com que se quiz erigir o bispado de Lisboa dando novas formas, diversos vestidos, etc., etc. Creio que todos os que me ouvem conhecem claramente que isto nada tem com a igreja. Um Cónego he o mesmo, vestido de casaca ou de batina, de prelo ou de encarnado, e creio que todos convém, que he o mesmo Cónego tenha doze mil cruzados, nu tenha seis mil: o caso he, que tenha que comer; e isso, segundo me ensinarão na universidade, he de direito divino, isto he, sustentar o culto, e tratar dos ministros delle; agora se ha de ser com fructos ou em dinheiro, se ha de sor tanto, ou ha de ser quanto, isso fica á vontade daquelle que paga; porque terrível cousa seria pagar, e ter que pagar á vontade de quem recebe: não; ha de ser á vontade de quem paga, ou por melhor dizer, de quem dá. Estes são creio os pontos de vista principaes por donde a questão deve olhar-se; e tratando em quanto ao primeiro da necessidade de fazer isto, vamos ver como o podemos fazer pelos meios mais justos e decorosos.
Diz-se que he necessário uma bulla: eu supponho que sim; porque em fim no estado presente he necessário, que as cousas se desfação pelo modo que se fizerão. O Sr. Borges Carneiro disse, que lhe parecia bastante revogar-se o benaplacito da bulla, objectou-se pelo contrario, que o benaplacito não serve mais que para remover o embaraço da execução. Eu convenho em todas estas methafysicas, que assim me parecem; porque ler o Soberano a autoridade para dizer que se execute a bulla, conhecer depois que he má, e ter perdido pelo primeiro passo que deu o direito de dizer, que agora por ser má não quer que se execute, he para mim uma subtileza não muito clara: mas em fim supponhamos que o Soberano não tem esse direito, nem nós tão pouco, que estamos exercitando a soberania, convenho nisto; e que por tanto que he preciso outra bulla; pois impetre-se, e extinga-se a patriarchal; hem entendido que só a tal patarata, porque o mais não: o Bispo e tudo o mais deve continuar a existir; porque de outro modo deixaríamos de ser catholicos, e nós não queremos isso. Tem-se dito, se a igreja estava vaga, ou não; e também que não se necessitava entrar nessa questão: eu sou da mesma opinião. Se se tratasse de pôr outro Patriarcha, então leria lugar aquella questão; mas como nós não queremos, nem aquelle nem outro, não he necessário entrar nella: o que se quer he que a jurisdicção ecclesiastica seja exercitada pelos que representão esse patriarcha. Diz-se que isto deve ser pelo cabido, ou que deve ser por um Vigário Capitular: isto para nós he indifferente; havendo quem exercite a jurisdicção espiritual, pouco importa que seja por 15, por 10, ou por: tenhamos nós quem a administre, e pouco importa que seja por muitos ou por poucos. Vamos agora ao caso: a patriarchal deve-se extinguir; a jurisdicção deve-se conservar, ou n'um Vigário, ou no cabido (porque isso também he indifferente, se elle o não quer nomear, que o não nomêe). Diz-se que he necessário que o cabido tenha a sua igreja, e que nós não podemos fechar a igreja metropolitana; o que nós queremos he que se conserve tudo aquillo, (e nada mais) sem o qual não podemos passar. Não podemos passar sem o cabido subsista: esteja em quanto não diz a bulla o contrario. Não podemos passar sem a igreja metropolitana? Exista; porque não podemos passar sem ella: agora pretender que isto seja na capella ou na basílica, isto me parece a cousa mais indifferente que ha: nesta parte estou pelo voto do Sr. Pinheiro: vá o cabido á sé a exercitar as funcções ecclesiasticas, bem entendido sem músicos, sem beneficiados, ele; porque nada disto he preciso para o que nós necessitamos; e nós tiramos desde já uma vantagem, que vem a ser poupar tantos contos de réis, como se gastão em cera, insensos, músicos, etc.; porém ha os músicos escripturados, he justo e necessário que se lhes pague; mas he melhor que não cantem: pague-se-lhes, e que deixem de cantar. Em quanto aos beneficiados, dê-se-lhes também para que vivão; mas vão para sua casa, e encommendem-se a Deus, a si, e a nós porém irem á igreja rezar com obrigação de dar-lhes cera, e fazer outras despezas, não; porque isso creio, que não he necessário. Pelo que pertence ao mais podem continuar a exercitar a jurisdicção espiritual, e ali na sé tem uma igreja: se hão de fazer suas funcções na Ajuda, vão para a Sé, e he o mesmo sem differença nenhuma, e sem offensa nanhuma aos direitos da metropolitana. Estabelecida assim a cousa se faz tudo, como diz o Sr. Pinheiro de Azevedo, sem entrar nesas questões. Consequentemente concluo: que se deve extinguir a patriarchal; que para isso se deve pedir bulla a Roma; porque segundo o estado das cousas actuaes não ha remédio senão passar por essa fieira o negocio: que entretanto o cabido como representante do Patriarcha, que nem temos, nem queremos, deve continuar a exercitar a sua jurisdicção espiritual.

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Entretanto observo uma cousa muito essecial, para a qual seria muito bom dar já uma providencia.
He uma cousa bem extraordinária, que a Patriarcal receba todos os seus ordenados, e as quantias de suas despezas pelo Thesouro, e que seja a mesma Patriarcal quem administre as rendas para o seu pagamento, pois se se lhe paga pelo Thesouro: porque razão a administração não ha de ser feita pelo mesmo Thesouro?
Que resulta daqui? Que se administra como roupa franceza: ha contemplações; ha rendeiros amigos; a uns se perdoa alguma cousa, e a outros tudo; isto he escandaloso, e se deve remediar. Se aquellas rendas são fazenda nacional; porque não hão de ser administradas pelo Thesouso; a elles pouco lhes importa que medre ou diminua o pagamento, uma vez que recebão pelo Thesouro a sua congrua. Digo pois que esta administração deve ir para o Thesouro, de donde se lhe deve continuar a pagar, bem entendido, o que se julgar conveniente; porque não entendo que um principal, só por ser principal, deva ter doze mil cruzados: ha de ter o que seja necessário para que viva com decoro, porque isto he justo; mas he justo tombem, que assim como a todos os empregados públicos se tem feito diminuição nos seus ordenados, se lhes diminua também a elles uma porção como aos outros, o que me parece que não os leni de angustiar muito; porque julgo que para elles será melhor receber seis ou oito mil cruzados na forma, e corrente, que receber atrazado, e duas terças partes em papel; pois eu tenho a requerer que no successivo se pague a todos na forma da lei, para que não aconteça como até aqui, que aos afilhados se paga de um modo, e aos não afilhados de outro.
Alguns Srs. Deputados, votos, votos.

O Sr. Presidente: - São tenho duvida em que esta matéria em geral está diseutida, tenho sim uma duvida, que devo propor ao Congresso. Ha uma questão interessante, que na minha opinião não me parece estar discutida, e he quem deva agora continuar a exercitar a jurisdicção espiritual. Se o Congresso o julga conveniente, peço licença para sair do meu lugar quando chegar a este artigo para expor a minha opinião.
O mesmo Sr. propoz se a matéria em geral estaca suficientemente discutida? Resolveu-se que sim. Se se deveria extinguir a santa igreja Patriareal? Resolveu-se que sim. - Se se impetraria uma bulla para a extincção da Patriarcal, e restituição da antiga igreja metropolitana, e da capella real no estado em que se achava antes da fundação daquella, commetendo previamente a alguém o exame do modo, porque se póde fazer esse restabelecimento, a fim de que isso vá expresso nasupplica? - Venceu-se que sim. - Se em quanto ao presente se darião providencias relativamente á santa igreja Patriarcal antes que chegue a bulla de sua suppreesão? Decidiu-se que se dêm estas providencias. - Sendo estas providencias relativas ou ao officio sagrado, ou aos bens c rendimentos destinados a esta igreja, se se hão de desde já fazer reformas sobre estes bens e rendi mentos que depois fé especificarão quaes hão de ser? Resolveu-se que sim. - Antes de se propor quaes hão de ser especificamente estas reformais seria necessário decidir primeiro outra questão de que esta depende, que vem a ser - se se devão dar algumas providencias a respeito do officio sagrado. Neste ponto he que o mesmo. Sr. pedio licença para deixar a cadeira, e expor a sua duvida, e tendo-lha concedido o Soberano Congresso deixou-a; passou occupar seu lugar o Sr. Margiochi Vice-Presidente, e foi-se collocar entre os Srs. Deputados, e disse:
Eu queria fazer uma reflexão relativamente ao officio sagrado. Em quanto não chega a bulla da extincção da igreja Patriarcal, parece-me que os Principaes não podem ir exercitar o officio sagrado a outra parte, ou pelo menos receio que se sigão dista consequencias muito desagradaveis; Julgo pois necessario que se conserve aquella igreja; porque sendo os Principaes considerados como taes, com relação: ao officio sagrado que nella exercitão com os outros membros da mesma igreja, fechando-se esta, já não podem exercitar o dito officio, nem a jurisdicção espiritual, que delle he uma consequencia. Irem os principaes á basílica de Santa Maria, e alli fazerem os officios sagrados, parece-me também pernicioso; porque uma vez que os outros membros da igreja Patriarcal vão para suas casas, os principaes só, que não formão senão uma parte da igreja, não se podem considerar como exercendo jurisdicção. He verdade que dantes a exercitavão de per si, mas era em consideração de que formavão um corpo, e separados já o não podem formar; por tanto este arbítrio me parece de graves consequências. Se querem que desde já se dissolva o corpo da Patriarcal pelo muito pezo que causa ao listado, eu offerecerei outros dois arbítrios, por qualquer dos quaes se poderá conseguir diminuição considerável na despeza, sem se extingur a igreja. O primeiro seria extinguir todos os officios da santa igreja Patriarcal, e pegar em lodo o corpo da santa igreja, que não são officiaes ou empregados, mas beneficiados collados, e trasladalo para a Basilica de Santa Maria.
O segundo arbitrio seria mandar uma ordem para que inteiramente se não fação despezas algumas na igreja Patriarchal, que não sejão as precisamente necessárias para o culto. Queixão-se do grande gasto de cera, duas velas bastão para a celebração do sacrifício. Querem despedir os músicos, podem os officios ser rezados, dão excessivos os officiaes c empregados na igreja? Pois reduzão nos quanto quizerem. Pretendem ainda dar outro corte aos beneficies alem da porção em que já forão collectados? Muito embora o facão. Eu antes quereria ver a santa igreja Patriarcal reduzida a uma paroquia d'aldea, e os seus ministros reduzidos á mendicidade, do que ver dissolvida por autoridade do Congresso aquella igreja, e dispersos os seus membros. Não falo pois e gora como canonista, nem defendo o direito que a igreja tem nos bens que possue, e o que tem os beneficiados a perceberem o rendimento dos seus benefícios; falo só a favor do povo fiel de todo o patriarcado, que póde ficar na incerteza perigosissima de haver, ou não haver quem exercite legitimamente a jurisdicção espiritual: e esta consideração acho-a superior ao explendor do culto, e ao direito dos ministros da igreja. Eis-aqui

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os dois arbitrios que me lembrão, para que não se desuna a santa igreja Patriarcal, e possa continuar a residir nella a jurisdição espiritual.
O Sr. Castello Branco: - A uma corporação que he singular, e unica no seu genero, não podem a pplicar-se de maneira alguma principios geraes.
O que se acaba de dizer em these com relação a todas as igrejas do Reino he muito conforme com os principios geraes, excepto com a igreja Patriarcal. Dentro desta igreja há duas corporações que não podem unir-se de maneira alguma uma com a outra. Há a capella, e há a basilica: na capella entrão os principaes, entrão os conegos daquella cathedral, e então só por incidente os monsenhores; tudo o mais que pertence a essa immensa corporação da Patriarcal não tem lugar na capella, nem conegios, nem beneficiados; entrão os cantores nos coretos, mas no recinto da capella não entrão. Por consequencia não se póde dizer, que os principaes fazem corpo com a Patriarcal; he pelo contrario a maior parte não póde concorrer com os prinncipaes. He tal o abuso e extravagância daquella corporação, que nos dias de primeira ordem os conegos, os beneficiados, e os mais andão passeando pela igreja em tanto que se fazem os officios, porque não tem logar entre os principaes. Logo como se pôde dizer, (se são inteiramente isolados) que não podem compor corpo senão juntos. Os principaes compõe só o cabido em quem recahe a jurisdicção, e podem julgar-se independentes do resto da Patriarcal, alem de que nem mesmo em these, não sei para que seja necessaria essa reunião para o serviço da jurisdicção. Os principaes são por assim dizer tão extranhos ao serviço daquella igreja, que elles não vão a ella nos dias ordinarios, as funcções ordinarias fazem-se na basilica: os principaes vão em certos dias assignalados; não podem rezar, não podem pegar no breviário, e se podessem ser multados terião multa se pegassem no breviario, ou se rezassem: até aqui chega a extravagancia dessa corporação. Todos estão persuadidos que não he ao material da igreja que se chama a cathedral: a congregação daquella parte mais distincta do clero, que se suppõe fazer o conselho do Bispo, que faz corpo com o Bispo, isso he o que se chama cathedral. Por consequencia quando os principaes vão para a Ajuda ahi he a cathedral: se forem a S. Domingos, alli seria a cathedral; e finalmente aonde concorrem alli será a cathedral. Eu não fato por minha corporação. Eu já disse para salvar mesmo uma espécie de ciúme, e talvez de má intelligencia a meus argumentos, que eu era de parecer que o cabido não se devia formar nem desta, nem da outra corporação; que deste clero a que se havia de prover a subsistencia, era natural que se formasse o cabido, não por ser composto da basílica; porque nella, o mesmo que na Patriarcal, ha muitos capazes, e muitos incapazes de entrar no novo cabido. Por tanto he natural que se escolhão tanto de uma como de outra corporação. Mas torno a dizer: se se quer que os principaes entrem numa igreja, tem uma que he central em Lisboa , porque até he cousa nova e rara uma cathedral distante de Lisboa uma legoa. Ha mais, eu suppooho que os principaes não quererão assistir; os principaes não concorrem com corporação alguma, por consequência elles se julgarão, humilhados se se lhes disser que vão á basílica, e que assistão ás funções da basilica. Mas devemos nós ter isto em vista se elles ali forem he certo que hão de ter um logar distincto, porque são no cabido os logares superiores; e uma vez que isto se expresse esta tirada também esta duvida. Portanto não sei qual he a razão porque não se possuo separar da capella.
O Sr. Moura: - Antes que o honrado e illustre Preopinante o Sr. Trigaso haja de responder ao Sr. Castello Branco (como supponho que o fará), quero que me responda tambem mim ao que vou ter a honra de lhe perguntar. O illustre Preopinante, segundo eu tenho podido perceber, estabeleceu assim seu raciocinio - A jurisdicção que se deixou ao cabido da Igreja Patriarcal no impedimento do Prelado vem em consequencia do exercicio do ministério sagrado; não se pôde extinguir a Igreja Patriarcal, porque não haverá então quem exercite este ministério, nem aonde; porque também o não póde o cabido exercer na igreja em que antigamente estava a sede archiepiscopal. - Sobre este raciocínio pergunto agora: É que razão de direito acha o muito honrado membro para que este cabido não vá a exercer esse officio sagrado naquella igreja de commum com os Ministros della?
Se ha nisso inconveniente de direito, qual he? E se o officio sagrado he tão connexo entre uns e outros Ministros da igreja extincta que seja impossível de direito que o exerção uns sem outros? N'uma palavra, se precisamente todos os Ministros daquella igreja devem exercer aquelle sagrado officio para ella ser igreja; e se necessariamente o devem exercer naquelle local, e não em outro? Exijo respostas precisas.
O Sr. Trigoso: - A constisuição interna da santa igreja Patriarcal he uma cousa a mais exothica e extraordinária que se tem visto: ha duas cousas no mesmo local; ha uma cousa que se chama basilica, e outra que se chama capella. Entendeu-se que ninguém podia chegar ao altar-mór da Patriarcal senão o, Patriarca ou os Paincipaes, e como devia haver officios divinos, era necessário por consequência que se fizesse outro local aonde se celebrasse o sacrifício, e que fosse differente da capella-mór, os quaes tivessem dois nomes differentes. Em consequência a um se chamou capella, a outro basílica. Segue-se daqui, que em geral todo o serviço se faz na basilica, por isso mesmo que em geral não concorrem os Principaes aos officios divinos, e também que quando os Principaes a elles assistem na capella, não se repetem na basilica. Eis-aqui uma cousa monstruosa, mas de que nada se conclue contra o meu argumento, antes pelo contrario este se reforça: o caso he que estas duas ca pé 11 as unidas he o que constilue a igreja Patriarcal; a basilica por si não faz igreja Patriarcal; a capella lar pouco; mas das duas igrejas surge a igreja Patriarcal. Daqui o que se segue he, que nem todos os officiaes, nem beneficiados tem o mesmo officio do coro; mas que todos tem um differente officio do coro: por consequência digo eu, que da união destes ofiicios, e destes indivíduos he que se vem a formar uma só igre-

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já. Em quanto porém a jurisdicção espiritual que nesta igrja recáe, estando a sé vaga ou impedida, essa he só exercitada por uma parte dos Ministros da dita igreja, que nella exercitão o ministerio sagrado, parte juntamente e parte separadamente dos outros Ministros e della: eis-aqui no que está o monstruoso; uma cousa separada nas suas funcções, mas que unidas entre si formão o total, a que se chama igreja Patriarcal. Tal he a constituição interna desta igreja, que julgo ter sufficientemente explicado, tanto quanto de repente o posso fazer. Agora respondendo ás perguntas do Sr. Moura, digo, que a parte nunca se póde desligar do todo. He verdade que este desligado em certos officios sagrados, e que ha parte que assiste a uns officios, e não assiste a todos; mas basta que assista a algum, e basta que todos juntos formem uma certa igreja, para que não se possa dizer que aquella igreja está completa, existindo só uma parte della. Naquella igreja, que entre todas as do patriarcado he a mais principal, e que fórma um todo com o Prelado, recáe a jurisdicção na falta delle: esta he exercitada por uma parte dos Ministros dessa igreja: se se dissolve a igreja, como querem que fique existindo sobre si uma parte della? Não trato de officiaes, nem de musicos, nem de criados de todo o genero, esses não formão o igreja; trato de beneficiados collados que fazem parte della. Diz-se que vá só o collegio para a sé: mas pergunto, fica separado do corpo da basilica, ou unido ella? Se fica separado, tanto importa que os Principaes vão ouvir Missa á basilica, como a outra qualquer igreja, como que a oução em suas casas; se fica unido, qual he a autoridade que os desuniu do antigo corpo, com quem formavão uma igreja, para os unir ao novo com quem vem a formar outra? Eu digo isto sómente porque conheço as consequencias, terriveis que daqui poderião resultar; e que o Congresso poderia ser quiçá causa (innocente sim, porque não se póde suppor outra cousa), mas cansa de que houvesse talvez um receio de scisma: torno porém a dizer, que causa innocente, porque ninguem poderia com apparencia de razão imaginar o contrario.

O Sr. Vice-Presidente: - O illustre Membro falou já as vezes do regulamento; póde tornar a occupar a cadeira.

O Sr. Moura: - Nada; não deve o illustre Membro tornar á cadeira em quanto este negocio não estiver concluido. Apesar de uma illucidação tão clara como a que parece ter feito o honrado Membro, que me precedeu em falar, confesso francamente que não entendo a questão. O que eu acho na materia he um imbroglio muito complicado; mas penso, que seja como for, nunca he tal que possa afectar a consciencia dos fieis; que a congregação daquelles Conegos passe a outra igreja a exercitar seu officio sagrado, sem acompanhar-se de todos os outros Ministros que compõem a igreja, he cousa de tão pouca importancia, que se póde haver escandalo, he só o escandalo pusilorum. Póde assustar-se a piedade dos simplices, mas com isto não vacilla (estejamos certos) a fé dos ortodoxos. Disto me acho eu convencido amplamente.

O Sr. Borges Carneiro: - Eu sou do mesmo voto. Deve executar-se neste caso o mesmo que em iguaes circunstancias se tem executado em todas as outras sés. Pela morte, ou impedimento do Bispo, devolve-se a jurisdicção ao Cabido; isto he, áquelles que tem voto: aquelles que se reunem em Cabido e tem voto, estes são os que fazem o corpo em quem reside a jurisdicção. Ignora-se acaso na Patriarcal quaes sejão os que tem voto? Pois nesses he que recae a jurisdicção do Patriarca, civilmente morto, ou ao menos impedido, e em mais ninguem. Agora que mudem de localidade, ou se separem para fazer os officios divinos alguns, que não pertencem ao mesmo Cabido, isso he cousa accidental, e accessoria, que nada tem com a essencia do regime espiritual. Se a igreja da Ajuda fôr incendiada, ou invadida, por força se ha de fazer mudança para outro lugar.

O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Em razão das reflexões que se tem feito he que eu propuz, que o fazer esta mudança se commettesse a uma Commissão, ou da reforma ecclesiastica, ou a alguma especial, para nos propor o modo mais legitimo e justo de se fazer; porque na verdade eu julgo tambem que ha de haver algum embaraço.

O Sr. Castello Branco: - Vou expor com toda a evidencia possivel o estado daquella corporação. He preciso que se conheça por uma vez até que ponto chegou a extravagancia d´ElRei D. João V. Todos sabem que ha uma igreja de S. Pedro em Roma, e que ha umas tantas basilicas, chamadas assim, porque forão fundadas em Palacios, que posto que estejão fóra da igreja de S. Pedro, fazem corpo com ella; pois que o Papa em certos dias officia em S. Pedro, e em certos outros officia em algumas das basilicas. Foi tal a extravagancia d´ElRei D. João V., que quiz formar uma corte em tudo igual á de Roma: fez a sua capella, que correspondia á igreja de S. Pedro; dentro della fez a Basilica de S. Salvador, porque ha uma basilica de S. Salvador em Roma; fez separadamente em outro local a basilica de Santa Maria ad nives, porque em Roma ha uma basilica deste nome; e queria fazer outras tantas quantas basilicas ha em Roma: a morte lhe atalhou este projecto gigantesco por uma felicidade da Nação portugueza. Entretanto a basilica que existe na capella he separada da igreja Patriarcal; mas faz corpo Com ella, e o mesmo acontece á outra basilica de Santa Maria: tanto isto he assim, que um artigo dos estatutos de nossa basilica de Santa Maria he, que quando ha falta de conegos na igreja Patriarcal, os vamos substituir: eu mesmo tenho ido fazer esta substituição. Logo se a basilica faz corpo comnosco, nós tambem fazemos corpo com ellas somos pois iguaes. Ainda no dia em que veio Sua Magestade, e que o Collegio assistiu a cantar o Te Deum, não forão conegos de Patriarcal que o cantárão, senão os da basilica: todos nós somos igualmente conegos, e igualmente conegos da Patriarcal: se elles fazem corpo com os principaes, nós tambem o fazemos. Ora sendo assim, o que he innegavel, e que todos o sabem, que difficuldade ha que os principaes vão exercer o officio sagrado, em lugar de ser á vista dos conegos da Patriarcal, á vista dos conegos da basilica de Santa Maria, que são iguaes áquelles? Eis-aqui a cousa a ponto

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de evidencia, cousa que muitos ignorão, porque não tem querido tomar o trabalho de se instruirem, nem mesmo vale a pena de se instruirem, e que eu mesmo ignoraria senão pertencesse a estas corporações.

O Sr. Pinheiro de Azevedo: - Proponho duas cousas; a primeira o adiamento desta questão: a segunda que se commetta a uma Commissão este negocio, para que proponha o melhor modo por que se póde fazer esta mudança.

O Sr. Moura: - Em quanto ao adiamento não me opponho; mas sim em quanto a que se remetta á Commissão.

O Sr. Vice-Presidente: - A discussão estava acabada, e abriu-se sómente sobre as duvidas do Sr. Trigoso: he necessario que o Congresso decida se esta parte está sufficientemente discutida.

O Sr. Pinheiro de Âzevedo: - Pois sobre isso he que eu digo que fique adiada a discussão.

O Sr. Vaz Velho: - Sr. Presidente, parece-me que este negocio, deve ficar adiado, hão só pela importancia da materia; mas porque vejo que o argumento do illustre Preopinante o Sr. Trigoso não está bem e devidamente entendido pelo Congresso, pois que se tem discorrido em hypotheses diversas. Nós devemos adoptar como principios certos (apezar do que se tem dito em contrario) que a jurisdicção ordinaria em qualquer diocese, no impedimento ou falta do legitimo prelado, recue na respectiva igreja, isto he, no ajuntamento ou corpo do clero da mesma igreja; a que primeiro se chamou presbiterio, e depois se chamou cabido. - Que não devendo (segundo a disciplina actual) o corpo de todo o clero conjunctamente exercer a dita jurisdicção, está designado por direito certo numero de individuos do mesmo clero para o seu desempenho, como orgãos de todos os outros; e he isto a que propria e vulgarmente hoje se dá o nome de cabido. Ora sendo estes principios certos, segue-se, que compondo todo o clero da Igreja Patriarcal um corpo moral, no qual reside a predicta jurisdicção, e que sendo esta jurisdicção desempenhada por alguns membros deste corpo que compõe o sacro collegio, em cuja qualidade de membros sómente a podem exercer, não póde de modo algum conceber-se como estes membros, isto he os Principaes, separados daquelle corpo, a saber, a Igreja Patriarcal, possuo exercer as funcções (que consistem no desempenho de jurisdicção) de um corpo, do qual estão separados. E ainda mais he impossivel o conceber-se, como o sacro collegio se póde julgar membro do corpo da Igreja Patriarcal, se esta se extinguir. - Mais claro, ou os Principaes separados para a sé ficão sendo membros da igreja, ou sede patriarcal, ou não ficão. - Se ficão sendo membros, então não estão separados, o que he contrario á hypotese, na qual se julgão absolutamente separados, e até extincta a Igreja Patriarcal. - Se não ficão sendo membros da Igreja Patriarcal, então não podem exercer a jurisdicção, de que sómente gozavão como membros do corpo, ao qual pertencião. - Do que concluo, que ou a Patriarcal deve ir para a Sé para ficar o corpo unido, e os membros poderem exercer a sua jurisdicção, ou o sacro collegio da Patriarcal não deve sair da sua igreja para não pôr em duvida pelo menos a sua jurisdicção. Eis-aqui expostos com clareza, segundo me parece, os principios que não estavão bem entendidos, e para maior dilucidação deve a questão ficar adiada, como disse no principio.
Foi appoiado este adiamento, e tendo-se posto a votos pelo Sr. Vice-Presidente, foi approvado.
O Sr. Presidente tornou a occupar a cadeira.
O Sr. Fernandes Thomaz apresentou tres mappas do Contador Mauricio José Teixeira de Moraes, um da exportação total do vinho do Porto para o Brazil e dominios, Inglaterra, e mais Nações, nos annos de 1796 a 1820, outro da exportação dos vinhos de Portugal para Inglaterra, outras Nações, Brazil, Ilhas, etc., pelas differentes alfandegas do Reino nos annos de 1800 a 1808, e de 1817 a 1820, e o 3.° da exportação dos vinhos de embarque pela barra do Porto desde o anuo de 1678 até 1820. E todos tres se mandarão passar á Commissão de agricultura.
Chegada a hora da prorogação o Sr. Barroso, por parte da Commissão de justiça civil, leu o seguinte

PARECER.

A Commissão de justiça civil vio os documentos que se exigirão do conselho da fazenda para instrucção sobre a consulta do mesmo tribunal relativamente á arrematação das casas em que esteve a intendencia ao Ratto.
Elles se reduzem ao auto de louvação, ou avaliação das mesmas casas, aos numeros 176, e 184 do Diario do Governo, com o supplemento do mesmo Diario do dia 1.° de Agosto, e a uma certidão do corrector da fazenda, afirmando que mandára pôr editaes por elle assignados nos mesmos dias, e contendo o mesmo que se disse nos annuncios do Diario do Governo. Tudo o mais já tinha vindo por copia com a primeira consulta.
Em vista dos mesmos documentos, a Commissão se confirma na sua primeira opinião, e sustenta o parecer que já teve a honra de appresentar em Sessão do primeiro de Setembro.
Além dos deffeitos, inlegalidades, incoherencias, e insanaveis nullidades que já então notou em todo o processo daquella arrematação.
Nota agora mais; que não precederão editaes e annuncios em forma e tempo legal, e que não houverão condições, nem pregões de praça.
He expresso na ordenação do Reino, no regimento da fazenda, e na lei de 20 de Junho de 1774.- Que toda arrematação a que não precederem editaes, e os pregões da lei e estilo, e participação da louvação aos licitantes seja nulla. - Prohibindo expressamente a lei de 22 de Dezembro de 1761, que as arrematações da fazenda se fassão por virtude de editaes postos pelo corretor da fazenda sómente.
E a Commissão se persuade, que nunca se poderá dizer, que tudo isto se supprio com os mesquinhos annuncios que se mostrão dos Diarios do Governo.
No Diario do dia 20 de Julho se diz unicamente.
- Nos dias 8, 9, e 13 do seguinte mez de Agosto, hade pôr-se em praça no conselho da fazenda para se

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arrematar no ultimo delles, uma propriedade de casas nobres com todas as suas pertenças na rua direita da fabrica das sedas, que foi de Francisco Antonio de Sousa, e seus irmãos.
No supplemento ao dia 1.º de Agosto se diz.- A arrematação das casas que forão da Francisco Antonio de Sousa, e irmãos, annunciada para o dia 13 do corrente, ha de ser paga metade em papel moeda, e a outra metade em titulos de divida publica.
E no Diário do dia 4 de Agosto se avisa o seguinte. - Annuncia-se que á casa em que esteve a intendencia geral da policia, cuja arrematação deve fazer-se nos dias 8, 9, e 13 do corrente mez, pertencem os sobejos da agoa do chafariz do Rato: e outro sim que o preço da venda ha de ser recebido em titulos de divida publica, segundo determina o decreto de 35 de Abril proximo passado.
A Commissão pede ao augusto Congresso que note as datas, e o contracto destes differentes e discordes annuncios.
O primeiro he feito doze dias somente antes do dia 8 de Agosto, primeiro dia marcado para a arrematação.
O segundo no qual se declarou a forma do pagamento differente do que havião determinado as Cortes; he foi to oito dias somente antes da arrematação.
E o terceiro, que contradisse o antecedente, e declarou pertencerem ás casas os sobejos da agua do chafariz do Rato, he feito 4 dias sómente antes. E em nenhum delles se mencionou o preço de louvação nem condição alguma.
Até nisto se infringiu o decreto das Cortes, que no §. 6.º manda que precedão editaes e annuncios no Diario do Governo pelo menos 15 dias autos do da arrematação e no officio do ministro se recommendava que fosse com a anticipação de 20 dias.
Assim vê-se que se fez a louvação do predio mas que senão participou aos licitantes: que não precederão editaes em tempo nem em forma legal: que se não fizerão os annuncios no Diario com a anticipação ordenada: que não houverão os pregoes da lei, nem mesmo nos dias 8 e 9 de Agosto, primeiro, e segundo dia de praça: que se tomarão os lanços em titulos de divida publica, quando se devião receber em papel moeda: que se entregou o ramo por menor preço que o da louvação pois que 80:010$000 em titulos reduzidos a papel moeda não produzem 30:000$000, e produzirão ainda muito menos attendendo-se a que os licitantes lançarão na fé, de que a parte do metal dos titulos, havia de augmentar-se em seu favor com o ganho do correspondente agio, reduzindo-se a papel moeda como o Conselho da fazenda lhe fez saber naquelle mesmo acto, e o affirmão muitos dos proprios licitantes na attestação que requererão se juntasse por elles assignadas. E que ultimamente no termo da arrematação appareceu uma condição a que os licitantes se havião recusado, qual a de ficar sujeita a venda a superior resolução, e uma nova e intelligivel declaração de que o arrematante entregaria no cofre da pagadoria estabelecida na Commissão para a liquidação, da divida publica aquella quantia de 80:010$000 réis, em titulos liquidados, pelo seu valor correspondente ao papel moeda de 224.
Não póde por tanto valer um acto em o qual se notão tantas nullidades; nem pode deixar de guardar-se o que determina o regimento da fazenda no capitulo 176, declarando nulla toda a arrematação em que se não guardarem as solemnidades legaes.
A Commissão concilie reflectindo, que em se julgar sem effeito aquella nulla arrematação, e em se mandar renovar na forma que propoz no seu primeiro parecer, se não offende direito de terceiro; pois que o arrematante expressamente desistio, dizendo na sua resposta, que nenhuma objecção se lhe offerece a que este negocio fique dependente da vontade de V. Magestade, e até muitissimo estima que suba á sua Real Presença, visto que elle jamais desejou concorrer para prejudicar os interesses do publico, ou ao da coroa de V. Magestade.
Sendo igualmente certo que na forma do decreto de 1 de Setembro de 1779 o Conselho da fazenda não podia fazer difinitiva a arrematação sem preceder consulta especificando os lançadores, e os lanços por exceder o preço de 50:000$000 réis, e nao ha por isso direito adquirido.
Mas quando se julgue que todas estas razões não são bastantes para annullar um acto publico urinado na boa fé dos licitantes, e que não obstante aquelle decreto de 1779, e da lei de 1761 no § 23 a arrematação esta definitivamente ultimada, e não carece de se abrir novamente a praça. Então a Commissão he de parecer que o arrematante está obrigado a pagar aquelle 80:010$000 réis em papel moeda, ou em titulos de equivalente valor real, pela regra de que a ignorancia de direito não escusa, e que o seu lanço se deve sempre entender dado na forma que o decreto das Cortes ordenava, e não segundo a interpretação que na praça ou o Conselho da fazenda individualmente que deu.
Paço das Cortes em 29 de Outubro de 1821. - Francisco Barroso Pereira; Carlos Honorio de Gouvêa Durão; Pedro José Lopes de Almeida; Antonio Ribeiro da Costa; Luiz Martins Basto.
O Sr. Peixoto: - Sr. Presidente: se a discussão se abre, peço licença para falar. Como o objecto he de importancia, e complicado, fui ontem, em um intervalo da Sessão, ver na Commissão os papeis sobre que ella tem fundados seus differentes pareceres, para instruir-me no estado da questão, e com a brevidade, que o espaço que tomei me concedia, pude colligir, quanto bastava, para formar o meu juizo.
Em resultado das minhas indagações conclui, que neste negocio houve motivo a ambiguidade da parte legislativa, infracção de lei, e erro de interpretação da parte executiva, e dólo da parte do arrematante.
Desenvolverei as minhas idéas nesta mesma ordem.
Houve motivo á ambiguidade na parte legislativa, porque o periodo ultimo do §. 6.º do decreto de 26 de Abril não está concebido com a necessaria precisão: a materia delle foi uma daquellas, em que o Congresso mostrou maior incerteza. Decretou primeiramente que os bens nacionaes se arrematassem a quem maior lanço offerecesse, e se admittissem no pagamento delles quaesquer titulos de divida publica, pelo seu valor nominal, e sem mais distincção, do

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que a da maior quantia. Veio o decreto assim redigido, e levantando-se viva questão, foi formalmente revogado, e se commetteu ás duas Comissões de Commercio, e Fazenda uma nova redacção com faculdade de lhe alterarem a doutrina. Apresentou-se o parecer das Commissões para discutir-se; e depois de nova disputa foi approvado debaixo da base de se acceitarem os titulos pelo seu valor corrente, devendo ser reduzidos ao correspondente valor do papel moeda. Tornou a apresentar-se o decreto redigido, segundo a ultima resolução, e então em nova discussão, que se suscitou, patenteou-se, que no Congresso não houve unidade sobre a intelligencia da sua propria decisão; porque muitos illustres Deputados julgavão que os titules se acceitavão pelo valor do papel moeda, sem soffrerem outro algum rebate; e o que he mais notavel, alguns daquelles mesmos, que se acharão neste erro, tinhão contribuido com seus discursos para a revogação da primeira resolução do Congresso, e sem o pensarem voltarão a recair nella; porque uma vez, que a todos os tilulos da divida se desse um valor igual, fosse elle regulado por papel, por metal, ou por outra qualquer especie, sempre na praça havia de prevalecer o maior lanço, e ao pagar havião de calcular-se os titulos pelo seu valor nominal.
Para remover esta ultima duvida variou-se a redacção do decreto; e em lugar de dizer-se, que se acceitaria os titulos redusidos ao valor de papel-moeda, segundo o agio, que na praça tivessem; declarou-se; que as arrematações se farião em papel-moeda, e se acceitarião titulos, etc. Trago isto para mostrar as dificuldades que este objecto apresentou no proprio Congresso, aonde foi debatido; e que estas mesmas necessariamente occorrerão a muitos sujeitos, que não fossem veludos em pratica mercantil, e em agio de papel, e titulos. A genuina interpretação do decreto he obvia; porque tornando-se nelle por base para a arrematação o papel-moeda; deverá a venda reputar-se feita nesta especie, até para ser certo o preço e terem a ella reduzidos os titulos admitidos em pagamento: entre tanto a clausula pela qual se restringia a reducção dos titulos, precisamente ao valor do papel-moeda; podia por inutil e ociosa occa-sionar confusão. Logo que se dissesse; que os tilulos se redusirião ao seu valor corrente sendo descontados segundo a especie de cada um delles, tudo eslava dito: a praça lhe daria a base; e era escusado exprimila, principalmente aquella, que se adoptou para unidade, que sendo em si mesma fluctuante, podia difficultar a operação; sem que por ella jamais houvesse de dar-se maior consistencia ao valor corrente dos titulos: e bem se sabe, que da falta de precisão nas leis, procedem frequentemente na sua interpretação ambiguidades. Houve da parte executiva infracção de lei, e houve erro na sua intelligencia: infracção: na primeira ordem, que o Ministro da fazenda passou ao concelho, para fazer a arematação das casas, a metal e tilulos; quando o decreto das Cortes, nem em metal falava: e erro nessa ordem, e na posterior, em que omittindo o metal, se exprimio de maneira, que parecia não tomar por base da arrematação o papel-moedas mas os titulos redusidos a papel-moeda, o que dava idea de que o papel-moeda regularia o seu valor. Errou o conselho da fazenda, suppondo que os titulos de qualquer qualidade que fossem, se igualarião em valor ao papel-moeda. Este erro porém do conselho nada influio na arrematação; porque os annuncios dizião expressamente, que se acceitarião titulos da divida publica redusidos ao valor de papel-moeda, pela forma determinada no §. 6.° do decreto de 26 de Abril. Eu mesmo quando a Commissão fez o seu primeiro relatorio me persuadi, que o conselho não cahira em erro; porque então se disse, que elle declarava na consulta, que não poderá saber, qual fosse o agio dos titulos; e desta circunstancia inferi, que intentara reduzilos na conformidade do decreto; visto que o conhecimento do seu agio lhe era inutil uma vez que houvesse do recebelos sem desconto, igualados ao papel-moeda. A consulta porem desenganou-me: no fim deita o conselho disse expressamente, que ignorava se a fazenda da nação ficaria prejudicada no preço já arrematação, porque não poderá saber, qual fosse o agio dos titulos, o que me patenteou mui claramente o erro em que estava. Houve dólo da parte do arrematante, e dolo manifesto, como de todo o progresso deste desgraçado ensaio da execução do decreto das Cortes se infere. Devemos entender: que um negociante, como o Barão de Teixeira, antes de tentar qualquer transacção mercantil, examina todas as faces della com a maior attenção; e que em consequencia, para esta teria indagado perfeitamente, quaes devessem ser os verdadeiros termos da arrematação: havia de saber por si, pelos seus agentes, e letrados o genuino sentido do decreto, e a forma, em que o preço da arrematação deveria ser pago, segundo os termos do mesmo decreto. Excluamos da sua parte toda a idéa de ignorancia; porque não se presume. Os seus procuradores na praça observarão o erro em que o Conselho estava; e astutamente não duvidarão elevar-se ao lanço de oitenta contos e dez mil réis: lavrou-se o termo para subir ao Ministro, antes de concluido o contracto; e então trepidarão, e recusarão assignar: porque razão? Porque o termo, quanto á reducção reportava-se ao decreto, e com justa razão receavão, que o erro se desenvolvesse, e lhe exigissem a verificação do lanço, segundo o espirito do mesmo decreto. A ordem que resalvou ao Governo a appro ação da arrematação foi arbitraria da parte do Ministro da fazenda: o decreto do 1.° de Setembro de 1779, com o qual a Commissão pertende legitimala, he restricto aos contractos reaes, que excederem a sincoenta contos de réis; contractos arrendados: e teve o particular fim de dar lugar ao Governo, para informar-se das qualidades dos arrematantes, que chegarão a maior lanço, para d'entre os concorrentes escolher aquelle, de quem espera melhor satisfação. Bem se vê, que nem o Ministro podia prever, que a contracto chegava a sincoenta contos, porque a louvação era de trinta e dous, nem esta providencia era necessaria na arrematação de bens, em que he sempre melhor arrematante aquelle, que maior preço offerece. Entretanto esta clausula he innocente; foi

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expressa no ultimo annuncio; e a repugnancia do arrematante em sujeitar-se a ella, principalmente quando, se andasse sincero, devia suppôr que fazia, bom negocio, tornou-o sem duvida suspeito. Se a fazenda lhe acceitasse immediatamente o pagamento em titulos, já tinha boa defeza; mas sem isso corria risco; e por essa razão não lhe convinha prender-se. Causou grande estrepito a arrematação; e o Governo tomou o arbitrio de dirigir a consulta ao Congresso.
Neste ponto cresceu o perigo do arrematante, porque bem sabia, qual seria no Congresso a intellegencia do decreto; e affectando participar do erro em que o conselho tinha laborado, mui generosamente declarou; que submettia a resolução da arrematação ao superior juiso, porque não intentava lezar com ella a fazenda publica. Era este o pretexto. Veio para o Congresso o negocio: deu sobre elle a Commissão o seu primeiro parecer; e na discussão, que e não se moveu, foi geralmente dominante a opinião, de estar feita a arrematação por 80 contos e dez mil réis em titulos: e versou ultimamente a duvida sobre o ponto; de dever, ou não sustentar-se; opinando uns, que se rescindisse, como lesiva, outros, que a fé publica pedia, que se firmasse, qualquer que fosse o prejuiso da fazenda; o qual, segundo alguns, devia correr por conta dos ministros, que por seu erro ooccasionárão. Sendo este o estado da questão, já se vê que a sua resolução não podia desagradar ao arrematante: e então appareceu elle de novo com um requerimento, e o seu procurador, Pastor com outro, a pugnarem pelo cumprimento da arrematação, empenhando em seu abono a fé publica. Estes requerimentos estão juntos aos papeis na Commissão, e a contradicção delles com a precedente affectada generosidade servem de remate á prova do ponderado dolo. De maneira que o arrematante lançou: recusou assignar o lanço: por alguma fórma desistiu, quando era denecessaria essa desistencia, visto que não tinha assignado o termo de arrematação, além de depender do Governo, acceitar ou não acceitar o lanço: e ultimamente em contradicção com o seu proprio facto da desistencia, requer a confirmação. Creio que não pode manifestar-se a má fé mais claramente. Na arrematação não ha nullidade, que favoreça o arrematante: todos os deffeitos, que a Commissão notou no processo della não a tornarão ipso facto nulla: podião dar direito para a sua decisão áquella das partes, que por elles tivesse sido prejudicada. Esta he a pratica geralmente observada: e se a falta de qualquer das solemnidades estabelecidas na lei de 20 de Junho de 1774 viciasse as arrematações perpetuamente; mui poucas haveria permanentes. He necessario, que os deffeitos sejão allegados pela parte a quem lesárão, antes que essa parte tenha praticado algum acto, do qual se presume renunciou ao direito de dedusilos. N'uma arrematação, imperfeita, depositou-se o preço; e pagou-se o exequente; o executado levantou o resto ficou firme a arrematação, e se entende que o executado renunciou o direito, que tinha para rescindila. Isto he doutrina corrente. Nenhum dos deffeitos apontados podia prejudicar, neste caso, ao arrematante; e em consequencia nenhum direito tem de alegallos em seu favor, principalmente, orando depois de reconhecidos, ainda requereu o cumprimento da arrematação.
Concluo de tudo, que o arrematante está responsavel ao cumprimento da arrematação pelo preço de oitenta contos e dez, mil réis em papel moeda, ou o equivalente em titulos da divida publica, descontados como correrem: que o Governo póde, pelo expediente do tribunal da Conselho da fazenda, obrigalo a esse cumprimento; deixando-lhe salvo o direito, para judicialmente deduzir contra a arrematação tudo aqui fique lhe convier. Acho porém que ao arrematante resta um meio efficaz de inutilisar a arrematação, e he o da lesão enorme; porque tendo a casa sido louvada na fórma da lei em trinta e dois contos de réis, e devendo os oitenta contos em papel, reduzidos á lei, produzir pela volta do setenta contos, isto he, o dobro da louvação, e mais seis contos de réis; existirá uma rigorosa lesão, a qual ainda na venda, por arrematação, he attendivel na fórma da ord. liv. 4.º til. 13 § 7.º Em consequencia, penso que o negocio estará em termos de prescindir-se da arrematação feita, e proceder-se a outra de novo, limpa de erros; mas o Congresso, em consequencia dos pareceres relatados, e da exposição que deixo feita, resolverá.

O Sr. Moura: - Em rigor o que eu assento, que se deve fazer neste caso, he tornar responsaveis os quebrantadores da lei pelas más consequencias que se seguirão de seu manifesto, e escandaloso quebrantamento; porque se de proposito se quizesse illudir a execução da lei, não se poderia fazer mais que o que fez o Ministro da fazenda, e o Conselho da fazendas não sei se todos elles quererião fazer isto; mas sei que quizerão, que a lei dissesse o que ella não diz. Diz-se que o dólo seria dos arrematantes, e o erro dos que executárão. Mais razão ha para dizer o contrario, isto he, que o dólo está no Poder executivo, e o erro nos arrematantes. Entretanto não vejo remedio nenhum a similhante negocio. A arrematação está nulla, porque está feita contra a fórma da lei; he verdade que devia pertencer julgalo assim ao Poder judiciario, e julgue-o muito embora; mas para dar um exemplo, e um exemplo que convença a nação de que não tem estado da parte do Congresso, que se quebrante de tal modo a lei no primeiro dos contractos, sobre venda de bens nacionaes, que deveria ter servido de norma para estabelecer a fé dos successivos, não acho outro remedio, digo, senão tornar responsaveis os Ministros, que á face de uma lei tão clara fizerão um contrato
em desprezo e ludibrio da mesma lei por um erro voluntario. ( Apoiado).

O Sr. Miranda: - Apoio ao illustre Preopinante, e tem razão quando diz, que se quiz fazer que a lei dissesse o que ella não expressa. Eis-aqui a lei (leu-a). Quem poderá dizer que está obscura? A lei he clara e muito clara, e posto que o Ministro obrou contra ella, elle he o responsavel. O Ministro expediu a ordem, o Conselho da fazenda se conformou com, ella, e segundo, ella obrou; como se póde pois deitar as culpas aos arrematantes! Elles não obrárão de má fé, senão em conformidade das ordens do Ministro, e to-

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do o máo resultado tem sido por não conformar-se o Ministro, como devia, cora as resoluções do Congresso. Pois que houve este arbitrio da parte do Ministro, elle deve ser respontavel: só deste modo, e não de outro se pode satisfazer a fé publica.

O Sr. Peixoto. - O erro do Ministro não teve influencia alguma n'arrematação; tanto assim que em todos os papeis que estão juntos ao parecer da Commissão não ha um unico acto anterior á arrematação, em que esse erro se descubra; porque nos annuncios diz-se claramente, que os titulos se acceitarão pelo seu valor, sendo reduzidos papel-moeda na forma do decreto de 26 de Abril: o termo da arrematação assim mesmo se exprime, e foi por essa razão que Pastor, procurador do arrematante, recusou assignalo, para não responder pelo pagamento, segundo a genuina interpretação do decreto. Em consequencia, se o arrematante estava enganado, o erro era todo seu, era erro de direito, o qual o não exemia da obrigação, que na praça contraiu. O erro do Conselho deduz-se unicamente de um acto posterior á arrematação; deduz-se da consulta que o Conselho dirigiu ao Governo, a qual rematava dizendo, que por não lhe ter sido possivel saber qual fosse o ágio dos titulos, ignorava se a arrematação teria sido ou não prejudicial á fazenda publica. São estes os verdadeiros termos do negocio,
O Sr. Luiz Monteiro d h se que os arrematantes não tinhão tido culpa alguma, e produziu diversas reflexões para demonstralo: concluio dizendo, que a
sua opinião era que este caso seja julgado pelas leis ordinarias; e que era nessessario dar um exemplo, e lazer uma lei pela qual saiba a nação como se ha de regular no futuro.

O Sr. Fernandes Thomas: - A primeira vez que se falou deste negocio, eu fui da opinião do illustre Preopinante; he dizer, que devia ser commettido ao poder judiciario, para declarar se a arrematação estava bem feita ou mal feita. Aqui não se trata de fazer uma lei, trata-se de applicar uma lei feita a um facto, visto não nos pertence; pertence-nos fazer a lei, mas applicala ao facto he alheio de nossas attribuições: seria, no meu entender, um despotismo, um abuso do poder entremetermo-nos a decidir sobre estes negocios; nós não somos Juizes, somos legisladores. O facto de que se trata he um de que podem resultar, e resultarão direitos a favor do arrematante, e direitos a favor da fazenda nacional. Quem ha de decidir o modo porque estes direitos hão de ser avaliados? Ha de ser o Congresso? Não; nós não podemos interpor nisso juizo nenhum, nem pode decidir-se a questão senão pelos medos ordinários; e he preciso que o Ministro, e o Conselho da fazenda sejão ouvidos, porque também sem serem ouvidos não devem ser julgados. (Apoiado).
Tendo chegado a hora ficou adiada esta discussão.
O Sr. Presidente designou para a ordem do dia da seguinte sessão o projecto da Constituição, e levantou a sessão ás duas horas. - João Alexandrina de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

DECRETO.

As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação portugueza, attendendo a haver cessado a causa por que forão suspensos os degredos para fora do continente de Portugal, por decreto de 3 de Maio do presente anno; decretão o seguinte:
Fica revogado o decreto de 3 de Maio de 1821, que provisoriamente prohibiu o uso da pena de degredo para fórar de Portugal; e instaurada a legislação antecedente ao mesmo decreto.
Paço das Cortes em 15 de Novembro de 1821. - Francisco Manoel Trigoso d'Aragão Morato, Presidente; Agostinho José Freire, Deputado Secretario; João Baptista Felgueiras, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordonarias da Nação portugueza mandão dizer ao Governo que trate de impetrar quanto antes da Sé Apostolica uma bulla para a extincção da Santa Igreja Patriarcal, e restabelecimento da antiga Igreja Metropolitana de Lisboa, e da Capella real; commettendo-se a alguem o prévio exame sobre o modo por que se deve fazer esse restabelecimento, a fim de que vá expresso na supplica. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 15 de Novembro de 1821. - João Baptista Felgueiras

ERRATAS.

Diario n.° 216 pag. 2920 col. 2.ª lin. 30 - tosadeiras leia-se - fosadeiras.
Idem pag. 2921 col. 1.ª lin. 52 - de servir leia-se de os servir.
Idem col. 2.ª lin. 49 - os foraes não erão leia-se - os foraes erão.
Idem lin. 58 - 2.ª leia-se - 3.ª

Redactor - Velho.

LISBOA; NA IMPRENSA NACIONAL

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